A Modernidade e o Homem Como Centro Antropocentrismo

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2 A modernidade e o homem como centro -antropocentrismoIntroduo

No primeiro momento deste estudo, mostraremos alguns traos biogrficos do autor Wolfhart Pannenberg, considerado um dos grandes telogos ainda vivo e, at o presente, no muito conhecido no Brasil. Indicaremos tambm suas obras de maior projeo ou que ajudam no desenvolvimento da temtica proposta nesta pesquisa. Logo em seguida nos voltaremos para uma reflexo sobre o homem como pessoa dentro do contexto da modernidade, lugar onde o autor Pannenberg tambm se encontra situado. Ns nos preocuparemos em apresentarPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

alguns

pressupostos antropolgicos presentes na antropologia de Pannenberg e que so indispensveis para refletir, mais adiante, a temtica da antropologia teolgica que nossa finalidade especfica. Tais

pressupostos tero o objetivo de definir o homem nas categorias de corpo e esprito que se revelam indispensveis quando perguntarmos quem o homem. Estes elementos, antes de qualquer outro, so fundamentais para se ter uma viso do ser humano e assim situ-lo no mundo. Pannenberg trabalha na sua antropologia teolgica a leitura destas dimenses como integradoras da realidade humana como pessoa, fundamentando, exatamente no indivduo como pessoa situada no mundo, a realidade de abertura para Deus como constitutivo

antropolgico. De incio j se pode dizer: a revelao de Deus situada na histria do homem. Mesmo que esta primeira parte ainda se caracterize pela abordagem mais antropolgica que teolgica, faz-se necessrio abordar os temas esprito- corpo e pessoa tambm na viso bblico-crist, para ainda neste primeiro captulo relacionar o homem com a temtica da modernidade. No nos ateremos detalhadamente ao longo caminho feito pelas cincias no que se refere ao estudo do homem como corpo e esprito, mas apontaremos alguns elementos sintticos sobre a compreenso destas dimenses, para assim podermos entrar de forma mais profunda na viso

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que Pannenberg apresenta de homem na perspectiva teolgico-crist e nos esforarmos numa sinttica compreenso de sua antropologia

teolgica como argumento da dimenso religiosa do ser humano, que objetivo principal deste estudo.

2.1 Wolfhart Pannenberg e sua produo acadmica

Wolfhart Pannenberg nasceu em 1928, na cidade de Stettin, cidade que fazia parte do territrio Alemo e hoje ligada Polnia. Pannenberg no tempo de criana no recebeu formao religiosa, isso somente veio acontecer mais tarde no decorrer de sua vida. Ele fez uma trajetria marcada pela reflexo racional, para somente depois chegar ao cristianismo. Ele acreditou entender sua experincia humana lendo osPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

grandes filsofos e pensadores religiosos. Embora

batizado luterano

quando criana, mesmo assim, na sua infncia no teve algum contato com a igreja. Na juventude, ele menciona uma experincia chamada de experincia iluminada 1 , que marcou sua vida profundamente. Viveu sua juventude durante o duro regime totalitrio do Socialismo Nacional (NS), sofrendo ainda, no incio de sua vida, os revezes da segunda guerra mundial. J em 1947, Pannenberg, sem se saber cristo ou no, vai estudar teologia em Berlin. Influenciado por um professor que havia conhecido nesta mesma ocasio, ele comea a perceber que o cristianismo pode ser algo completamente distinto do que ele havia lido em Nietzsche 2 . A sua primeira grande novidade foi o contato com o ncleo teolgico de Karl Barth Deus Deus, e ele, como jovem, fica impactado pela maneira com que aquela teologia propunha a soberana liberdade de Deus 3 .

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Cf. http://www.theology.ie/theologians/pannen.htm, p. 1, 02-04-2007. J. A. Martinez Camino, In: PANNENBERG, W. Teologia Sistemtica I (trad. Espanhola) p. XI. Madrid: UPCO, 1992. A partir de agora quando nos referirmos Teologia Sistemtica I de Pannenberg na traduo espanhola a indicaremos pela abreviao TS1. 3 J. A. Martinez. Camino. Op.Cit. p. XII.

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J em Basilia, o jovem Pannenberg estuda teologia com K. Barth, embora j tivesse tido contato com N. Hartmann com quem pde refletir sobre as grandes problemticas da filosofia. Em Basilia Pannenberg teve a oportunidade de estudar tambm com Karl Jaspers, filsofo

existencialista cristo, que muito o ajudou a entender o valor da religio como elemento fundamental da existncia humana. Nos estudos realizados com K. Barth, Pannenberg questiona o carter absoluto do cristianismo, mas aceita a soberania de Deus, a perspectiva singular de sua revelao em Cristo e a dimenso universal da teologia. Pannenberg no aceita o dualismo barthiano entre Deus e realidade natural. Para ele a teologia pode partir de baixo, pois no h dualismo, e no se pode cair numa indiferena em relao histria. Assim, com um forte acento na histria, a teologia assumida por Pannenberg ter um carter mais ascendente que descendente, e isso fica claro no seu projetoPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

cristolgico 4 . A partir de 1951 Pannenberg se estabelece na Universidade de Heidelberg, onde conclui seus estudos com a tese doutoral e habilitao para lecionar. Neste mesmo perodo lecionava nessa universidade o grande exegeta Gerhard Von Rad, que juntamente com Hans Von Campenhausen formavam um grupo de estudos da teologia, chamado de Crculo de Heidelberg. Neste grupo havia um forte enfoque na histria 5 . nessa perspectiva histrica que ser formulada a linha mestra da teologia de W. Pannenberg. Em 1959, Pannenberg escreveu um artigo Evento de salvao e Histria, A ele afirma que Deus se revela indiretamente mediante a proeza que ele realiza na histria: revelao como auto-revelao histrica indireta; revelao como histria. Pannenberg prope uma revelao que se d por intermdio dos fatos e no atravs da palavra

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SANTANA, Marcos Antnio de. Verdadeiro Homem e Verdadeiro Deus: Fundamentos Cristolgicos da Antropologia Crist na reflexo de Wolfhart Pannenberg. Rio de Janeiro, 2003, 330p. ( Tese de doutorado), Faculdade de Teologia, Puc-Rio. Para nos referir outras vezes tese de Marcos Santana abreviaremos a primeira parte do ttulo da mesma pelas quatro primeiras consoantes (VHVD) 5 GIBELLINI, Rosino. A Teologia do Sculo XX. Trad. Joo Paixo Neto, So Paulo: Loyola, p.270, 1998.

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como afirma K. Barth. Deus se revela na lnguagem dos fatos por suas intervenes na histria. A frmula revelao como histria (Offenbarung als Geschichte) no deve ser confundida com a frmula de carter idealista, sobretudo hegeliano, de Histria como revelao. No a histria como tal que revelao do absoluto: a revelao acontece em fatos histricos, em fatos realizados por Deus na histria, em fatos que manifestam o sentido da histria e o destino do homem. No histria como revelao, e sim revelao como histria 6 . Depois do tempo de Heidelberg, Pannenberg foi lecionar no seminrio luterano de Wuppertal a convite de J. Moltmann. Em 5 de janeiro de 1959 Pannenberg faz uma conferncia para os professores do ensino superior que teve como ttulo Acontecimento Salvfico e Histria ( Heisgeschehen und Geschichte). Neste trabalho o autor afirma que aPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

histria o horizonte hermenutico de toda teologia 7 , distanciando-se assim, da teologia existencial de Bultmann e da de K Barth. Bultmann dissolve a dimenso histrica na historicidade da existncia, retirando do acontecimento salvfico o dado objetivo e se volta para a experincia subjetiva do sujeito. Barth apoiando-se na perspectiva em que a teologia da histria da salvao se refugia em uma supra-histria, afasta a teologia da anlise histrico-crtica 8 . No ano de 1961 Pannenberg assume uma ctedra em Moguncia e neste mesmo ano publica sua teoria sobre a revelao a revelao como histria (Offenbarung als Geschichte). Neste trabalho ele mostra que a auto revelao de Deus no se realizou de forma direta, como uma teofania, seno, indiretamente pelas obras de Deus na histria 9 .

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SANTANA, Marcos Antnio de. Op. Cit. p. 84. Cf. Ibid., p. 84. Se faz importante a lembrana de que Wolfhart Pannenberg ainda na aurora do seu produzir teolgico busca exatamente compreender a revelao como histria; neste sentido sua teologia uma teologia que se elabora na histria humana, partindo deste dado j se encontra fundamentos para explicar a profundidade e o alcance de sua antropologia. 8 Cf. J. A. Martinez Camino. Op. Cit. p. XIII. 9 Cf. SANTANA, Marcos Antnio de. Op. Cit. p. 85. A compreenso da revelao como histria coloca, como que naturalmente, em Pannenberg, uma posio cristolgica que se fundamenta tambm na histria, assim ele assume uma cristologia com forte caracterstica ascendente.

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Depois do tempo em Moguncia Pannenberg foi para a universidade de Munique onde ficaria at aposentar. Em Munique ele foi professor e tambm diretor do Instituto de Teologia Fundamental e Ecumnica, faculdade de teologia, que na poca havia sido recm-criada. Pannenberg sempre explorou o seu interesse pela filosofia da histria e pela histria universal. Para sua reflexo sobre a histria ele faz uso de seu amplo conhecimento da filosofia moderna, atravs do pensamento de Hegel, Kant e outros. Como visvel em sua produo acadmica, ele trava dilogos profundos com Max Scheler, Karl Marx, S. Freud para ento chegar a uma sntese consistente de sua construo teolgica. A partir dos anos 70, Pannenberg comea a demonstrar interesse pela teologia relacionada com as cincias naturais. Em 71-72 escreve alguns estudos sobre Teilhard de Chardin e se esfora para formular umaPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

teologia da natureza, mesmo trabalhando a clara distino entre ambas as cincias 10 . Pannenberg, com o passar do tempo, tornou-se conhecido tanto nos Estados Unidos como na Europa, principalmente nos espaos teolgicos, em que se deseja estudar uma teologia sistemtica em dilogo com as cincias modernas. Vale recordar que sua teologia, alm de ser formulada em cima dos pilares que sustentam a razo moderna, se dedica tambm s questes antropolgicas desta poca como elemento bsico da teologia fundamental. Ao estudar o homem, ele o situa como naturalmente religioso, indicando assim, o destino de tal homem 11 . Devida vastido da sua produo acadmica, torna-se muito difcil entrar em detalhes sobre sua produo bibliogrfica, por isso aqui sero apenas mencionados alguns dos livros que sintetizam momentos da carreira teolgica de Pannenberg; ou ento obras que esto diretamente ligadas finalidade deste estudo. Alm da obra Revelao como Histria uma outra obra que marca a trajetria teolgica de Pannenberg a que ele publicou em 1964 com o ttulo original de Grundzuge der Christologie - Fundamentos de10 11

Cf. http://www.theology.ie/theologians/pannen.htm, p. 13, 02-04-2007. Cf. A. Martinez Camino. Op. Cit. p. XIV.

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Cristologia. Nessa obra ele valoriza o encontro com os dados histricos que deram origem f crist 12 . No ano de 1967, Pannenberg publica a obra Teologia e Reino de Deus Theology and Kingdom of God 13 , fruto da compilao de vrias conferncias realizadas por ele nos Estados Unidos entre 1966 e 1967 sobre Deus, a Igreja e tica. Em 1973 foi publicado Wissenschaftstheorie und Theologie 14 , teoria da Cincia e Teologia, em que Pannenberg define teologia como a cincia de Deus, no somente da religio crist, mas de outras religies histricas que tm o carter de perguntar sobre a verdadeira realidade de Deus. A partir do momento em que Pannenberg elaborou os fundamentos epistemolgicos para formular sua teologia, ele voltou sua ateno para o antropolgico.PUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

Em

Valencia

publicou

Antropologia

Cristiana

y

Personalidad 15 . Com esta obra ele constata que uma das contribuies bsicas da tradio judaica-crist foi o desenvolvimento da idia da singularidade da existncia humana e afirma que cada um constitui o ponto com o qual coincidem claramente a experincia da historicidade do homem e a conscincia de sua personalidade. Isto porque a idia da personalidade se refere singularidade do indivduo. em nome desse personalismo que proclama o valor infinito do ser humano. No entanto ele reconhece que tal personalismo desencadeou tambm o amplo secularismo 16 e subjetivismo 17 , instaurando no homem uma liberdade12 13

SANTANA, Marcos Antnio de. Op. Cit. p.86. Cf. Ibid., p.86.

Cf. Ibid., p.87. O atestado epistemolgico para a teologia uma das grandes preocupaes de W. Pannenberg, ele mesmo vai afirmar em sua antropologia na perspectiva teolgica que uma teologia nos tempos atuais s ser de fato reconhecida se assumir, no uma postura de qualquer superstio, mas assumir um carter cientifico de universalidade. Cf. Antropologia em perspectiva Teolgica Implicaciones religiosas de la teoria antropolgica. Salamanca: Sigueme, 1993, p. 20.15

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Cf. Ibid., p.89.

Conforme o Dicionrio Aurlio Secularizao se define como ato de secularizar, ou seja, fenmeno histrico dos ltimos sculos, pelo qual as crenas e instituies religiosas se converteram em doutrinas filosficas e em instituies leigas. Claro que quando se busca as razes mais profundas da secularizao se depara com questes e problemticas muito mais complexas do que a definio acima. Para melhor aprofundar esta temtica Cf. Wolfhart Pannenberg. How to Think About Secularism e When Everything is Permitted. In: www: theology.il/theologians/pannen.htm, 02-04-2007. Mario de Frana Miranda. A Igreja Numa Sociedade Fragmentada. So Paulo: Loyola, 2006. Steven Connor. Cultura Ps-Moderna

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sem limites e que diante de tais elementos o cristianismo deve assumir uma postura crtica e dialgica18

.

Ainda buscando responder s inquietaes sobre o homem, mais de vinte anos depois de Pannenberg ter publicado o estudo intitulado was ist der Mensch? 19 , ele publica outra obra de grande densidade de contedo Anthropologie in Theologischer Perspektive 20 , Antropologia na

Perspectiva Teolgica. Tal obra de grande profundidade antropolgica realiza uma verdadeira odissia sobre a histria humana, perpassando por vrios elementos da cultura humana ocidental. Todo tematizar

antropolgico evidencia que no ser humano que se fundamenta a formulao teolgica e que o homem tem em sua prpria natureza traos de Deus. A antropologia deixa de ser puro debate filosfico e vai alm, entrando na dimenso religiosa. O homem se abre para atitude de f.PUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

Deus numa

No ano de 1996 Pannenberg publica trs grandes obras, uma das quais intitulada Theologie und Philosophie (Teologia e Filosofia), em que o autor procura interagir o caminho histrico das duas cincias, atravs de um dilogo slido e profundo. Outra obra deste mesmo ano Ethik und Ekklesiologie ( tica e Eclesiologia), na qual o prprio autor diz que busca abordar o tema da tica no contexto eclesiolgico e em relao doutrina da igreja. Por fim, a outra obra que compe essa trade de 1996 Grundlagen der Ethik (Fundamentos da tica), em que Pannenberg fazIntroduo s teorias do Contemporneo. So Paulo: Loyola, 1993. Gilles Lipovetsky. A Era do Vazio. Lisboa: Gallimard, 1983. Jean Baudrillard. A sociedade de Consumo. Trad. Artur Moro. Lisboa: Edies 70,1995. 17 um termo moderno que designa a doutrina que reduz a realidade ou os valores a estados ou atos do sujeito ( universal ou individual). Nesse sentido, o idealismo subjetivismo porque reduz a realidade das coisas a estados do sujeito (percepes ou representaes). Analogamente, fala-se de subjetivismo moral e subjetivismo esttico quando o bem, o mal, o belo ou o feio so reduzidos s preferncias individuais. Cf. Nicola Abbagnano. Dicionrio de Filosofia. So Paulo: Martins Fontes. Verbete Subjetivismo. 18 SANTANA, Marcos Antnio de. Op. Cit. p.89. 19 Cf. Ibid., p.85. Esta obra foi traduzida para o espanhol Pela editora Herder em 1976, com o ttulo El Hombre como Problema Hacia uma antropologia teolgica. Tal obra pode ser considerada o prenncio da grande obra de antropologia produzida por Pannenberg que ser apresentada alguns anos depois com o ttulo de Antropologogie in Theologischer Perspektive. 20 Cf. Ibid., p.90. exatamente a obra para a qual nos voltaremos com maior intensidade no estudo a que nos propusemos realizar. O autor apresenta com singular profundidade uma abordagem ampla e complexa sobre o homem, fundamentando-se no pensamento moderno traz uma base slida para justificar uma antropologia teolgica, onde a dimenso religiosa do ser humano se faz indispensvel.

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um longo intinerrio pela cincia da tica e busca mostrar que teologia dogmtica protestante e tica no se separam, mas se complementam. Antes de citar a obra magna de Pannenberg que so os trs volumes da teologia sistemtica, vale lembrar que sua obra se estende numa ampla produo acadmica entre livros, artigos e outros. Alguns artigos mais atuais do autor como When Everything is Permitted ou How to Think About Secularism 21 , indicam um posicionamento profundo e claro do autor sobre o tema da modernidade e do secularismo. Antes de encerrar cabe lembrar os trs volumes de Teologia Sistemtica, a Systematische Theologie 22 I, II, III que, com certeza, foi a obra maior de Pannenberg. Estes trs volumes representam a maturidade de um pensador que levou toda sua caminhada intelectual com grande seriedade. uma densa e profunda caminhada pela teologia ocidental desde a teologia clssica at nossos dias. Nessas obras, fica claro oPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

grande conhecimento que Pannenberg apresenta da patrstica grega e latina, alm de todo itinerrio da filosofia ocidental. Pode-se concluir

dizendo que Pannenberg um dos grandes telogos protestantes da contemporaneidade 23 . Aberto aos tempos atuais e com um paradigma interdisciplinar que caracteriza o seu fazer teolgico, ele consegue propr atravs da teologia um cristianismo autntico, bem fundamentado, consistente e plausvel de ser apresentado sociedade secularizada do mundo atual.

2.2 Alguns pressupostos para compreender o homem: as dimenses de corpo e esprito

Cf. http://www.theology.ie/theologians/pannen.htm, p. 13, 02-04-2007. Alm dos artigos citados o site apresenta outras publicaes de Pannenberg como tambm de outros telogos da atualidade. PANNENBERG,W. Teologia Sistemtica trad. italiana Volume 2, 1994; Volume 3, 1996; Brescia: Queriniana,. Traduo espanhola, Volume I , Madird: UPCO, 1992. 23 ACOORDINI, Giuseppe. Wolfhart Pannenberg. So Paulo: Loyola, 2006. Diz este autor na p. 22. Pannenberg d a impresso de um detetive brilhante, porm meticuloso, que repercorre repetidamente os seus passos em busca de novos fios condutores, sem o temor de desafiar o que parece bvio ou de pensar o impossvel. Evita perseguir a retrica do efeito e desdenha um brilhante objeto para si prprio.22

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2.2.1 O Corpo como dimenso essencial do homem

O problema que aparece de imediato, quando se fala do ser humano exatamente o de sua presena no mundo, e tal presena se d atravs de seu corpo. o corpo que mediatiza o revelar visvel do ser humano e a corporeidade surge como fato essencial para a autocomprenso do homem. Pannenberg, ao retomar o pensamento clssico para definir o

corpo do homem, demonstra que sempre esteve presente uma viso do corpo como instrumento da alma. Em Plato, ele visto como uma priso para a alma humana. Tambm a escolstica se deteve nesta forma de definir o corpo humano, justificando-se na idia do pecado e da queda humana. Ainda, sustentando-se nas bases do pensamento de Plato, oPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

corpo foi compreendido como uma realidade inferior e o grande drama humano, seria superar esta realidade inferior atravs do domnio do prprio corpo pela fora da alma 24 . Ao homem cabe superar a corrupo e a decadncia moral, ocasionadas pelo corpo e tal superao ser atravs da fora da alma superior. nesta linha que cabe lembrar o ascetismo medieval, em que se buscava purificar o corpo dos desejos e do pecado atravs de prticas de exerccios (ascese). No Renascimento e na Idade Moderna houve transformaes na maneira de olhar para o corpo humano. Nesse perodo da histria, o corpo era visto como objeto da cincia, perdendo a sua dimenso sagrada. Na forma moderna de abordar o corpo, dois autores que muito contriburam para uma nova forma de entender o corpo humano foram R. Descartes 25 e T.Hobbes. O novo jeito de fazer cincia, proposto por eles, serviu para instrumentalizar o corpo humano, comparando-o com uma mquina racional. Esta nova viso do corpo humano ser de grandePANNENBERG, W. Teologia Sistemtica 2. trad. Do alemo. Dino Pezzeta. Brescia: Queriniana, vol. II, p. 212. A partir da presente citao, quando nos referirmos a esta obra indicaremos autor, pgina e seu ttulo abreviado por TS2. 25 Cabe esclarecimento, no que se refere a Descartes, o tratamento dado res cogitans e res extensa. A res cogitans claramente distinta do mundo corpreo, fazendo parte do mundo espiritual. J a res extensa o mundo material. Pannenbeg, como cristo, compreende a unidade corpo-alma e no uma viso dualista.24

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significado para entender o homem na modernidade. Se na compreenso platnica o esprito se sobrepunha ao corpo, agora o homem se volta com toda intensidade para a natureza, criando um novo desequilbrio entre corpo e esprito. Acentua-se a natureza e a matria, no mais o esprito como acontecia em Plato 26 . O auge da viso moderna de homem, na sua dimenso corporal, dar-se- na fsica de I. Newton que apresenta uma nova leitura para a dynamis ao afirmar que a fora vem da natureza. Tal afirmao faz a dissociao definitiva de qualquer relao com a idia de Deus 27 , colocando o homem, deste modo, na centralidade do mundo. Ainda, ao tratarmos do corpo na perspectiva da antropologia teolgica de Pannenberg, cabe lembrar que ele afirmado como parte fundamental do ser humano, como uma dimenso da complexaPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

totalidade se situa o

que o homem. nessa perspectiva que

pensamento de Pannenberg. O corpo como diz ele : o ncleo mais ntimo de nossa prpria pertena material 28 . Assim, o corpo se torna base indispensvel para referir-se ao eu e ao si mesmo 29 , j que no tem como se referir ao ser humano seno no espao e no tempo, ou seja, constitudo de uma corporeidade. Pannenberg observa que o corpo possibilita ao homem fazer rupturas consigo mesmo e sair de si numa atitude de excentricidade 30 . A

somente no pensamento de Baruc Espinoza com seu Tratado Teolgico Poltico que haver um esforo de unidade e equilbrio para a relao corpo esprito. Nesta obra ele defende a idia do paralelismo, onde corpo e esprito se harmonizam sem causalidade hierrquica, havendo sim, uma correspondncia entre ambas categorias. Espinoza, busca preservar no homem, tambm como corpo, a dimenso de criatura de Deus. LUCIA, Maria de Arruda Aranha; HELLENA, Maria Pires Martins. Filosofando Introduo Filosofia. So Paulo: Moderna, p. 311-318. 27 PANNENBERG, W. Op. Cit. p. 98. 28 PANNENBERG,W. Antropologia En Perspectiva Teologica. Implicaciones religiosas de la teora antropolgica. Trad. do alemo por Miguel Garca-Bar. Salamanca: Ediciones Sigueme, 1993, p. 255. Esta obra constitui aqui texto fundamental para abordarmos o tema da antropologia em Pannenberg e ser essencial para nosso estudo. Para nos referirmos ela usaremos o Nome do autor, pgina e a abreviao APT para indicar o ttulo da mesma. 29 A idia da compreenso relacional do eu com o si mesmo est sustentada na compreenso moderna de autoreflexo, onde a conscincia humana se volta para si prpria se transformando em objeto do pensar. E neste dilogo entre conscincia que se faz sujeito e objeto do pensamento, que o homem busca a unidade da autocompreenso do prprio homem como existncia. Pannenberg faz um profundo caminho pela psicologia passando por G.H. Mead, Erikson, Fchte, Kant. Para Kant tal problema constitui o fundamento da unidade de toda experincia. Pois a conscincia de que penso os contedos de minha conscincia, tem que poder acompanhar a todas minhas representaes. Cf. PANNENBERG, W.APT. p.250. 30 Cf. Ibid., p. 101.

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experincia da corporeidade humana uma experincia de limite e de superao. H momentos de fracassos e de conquistas no tomar conscincia do prprio corpo, mas no esforo, elaborado pela razo e pela linguagem, que o homem transcende ao prprio corpo e se mostra com ndole extracorporal, criando, assim, finitude,31

uma tenso com a sua

que tem fundamento visvel no prprio corpo. Desse modo,

corpo e alma constituem o que Pannenberg chama de unidade do viver humano; alma e conscincia so profundamente radicadas na

corporeidade do homem e, vice-versa, o corpo humano no um cadver, mas realidade animada em todas as suas expresses vitais 32 . Para afirmar o ser humano numa unidade corpo e alma, Pannenberg no descuida de distanciar-se de Plato, nem das tendncias gnsticas que apresentavam o corpo como realidade inferior e priso para a alma. Ele caminha pelas veredas da patrstica, em que h um esforo da Igreja dosPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

primeiros sculos em elaborar uma compreenso crist da pessoa humana integral. Em tal perspectiva, corpo e alma so igualmente

criados por Deus e so bons, fazendo parte da vontade criadora de Deus. Pannenberg expe que a totalidade do indivduo como pessoa uma realidade que vai sendo construda, elaborada no complexo de corpo e esprito que o ser humano. Desse modo, o ser humano como abertura ainda no est definitivamente pronto, mas vai se produzindo na sua histria, na qual, constantemente em dialtica, esto a identidade da pessoa como eu e a continuidade na historia como si mesmo, que abre numa atitude de excentricidade ao mundo, 33 sociedade e a Deus. No Cf. Ibid., p. 102. A dialtica vivida pelo ser humano, como ser corporal, pertencente natureza, mas ao mesmo tempo ser que deseja superar tal natureza um marco na histria da cultura humana. Aqui se instaura o que na filosofia se chama segunda natureza, ou seja, o homem cria a cultura. Este conflito que o homem vive diante de sua existncia ser de certo modo superado com o emergir da razo e da elaborao de uma cadeia de costumes e valores, preservados dentro da sociedade. Cassirer, ao invs de definir o homem pela razo, prefere usar em sua obra Ensaio sobre o Homem A compreenso de homem simblico, adentrando assim, mais na dimenso cultural e religiosa do homem. Cf. CASSIRER, Ernst. Ensaio Sobre o Homem. So Paulo: Martins fontes, 1997. 32 PANNENBERG, W. Op. Cit. p.210. Ainda neste tema do corpo, Pannenberg recorda que paralelo a viso de unidade do corpo e alma sempre esteve presente na viso crist do ser humano a viso dualista de homem, viso de procedncia helenista, onde compreende as dimenses corpo e alma como duas substncias. 33 Na problemtica da identidade, Pannenberg trabalha longamente os estudos da psicologia behaviorista e da psicanlise de S. Freud. A primeira muito voltada para os comportamentos humanos exteriorizados nos dados empricos corporais encontrados no indivduo. Freud, por sua31

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o homem como corpo ou como esprito que participa deste processo de se construir no mundo como pessoa, mas a pessoa como unidade que continuamente vai se elaborando nas dimenses corpreo-espiritual.

Concluso

Tratar o homem como totalidade e buscar situ-lo dentro de uma viso integral sempre foi dificuldade para todas as cincias. Os grandes equvocos na forma de compreender o homem se instauraram na leitura dualista da pessoa humana, sustentada em abordagens equivocadas do mesmo. A compreenso da realidade humana, que parte do princpio dualista, representa uma longa histria na cultura ocidental, vindo desde as releituras distorcidas de Plato ou de textos sagrados que tratam das dimenses corpo e esprito, at chegar em nossos dias. As reflexesPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

sobre o homem quase sempre tenderam a valorizar em excesso o esprito menosprezando o corpo ou, ao contrrio, como se v na cultura atual, em que o corpo supervalorizado em detrimento da dimenso espiritual. A antropologia teolgica busca superar a viso secionada de

homem e tenta retomar a idia presente na criao que apresenta o homem como uma espiritual. totalidade composta por dimenses: corporal e est presente na

Esta viso de homem como totalidade

antropologia de Pannenberg e, apresenta seu ponto culminante na realizao do homem em Deus. Se o corpo uma categoria fundamental para Pannenberg, ele no abordado de forma isolada, mas fazendo parte de uma totalidade que o homem . Este homem composto de corpo e alma, lembra Pannenberg, aparece como imagem e semelhana de Deus. Por fim, fica claro em Pannenberg, que sua viso moderna de pessoa no se restringe s dicotomias e dualismos evidentes em tal poca; ao contrrio, ele busca uma perspectiva de leitura do ser

humano como sujeito integrado e aberto para a construo de sua

vez, situa o indivduo no universo das pulses e dos desejos. Para Pannenberg a resposta mais profunda para a identidade humana vai alm da realidade humana, pois se trata da sua condio de incompletude, possibilitando a sua abertura a algo maior, que Deus.

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identidade como indivduo. Neste sentido, cabe ainda trabalhar a outra dimenso que constitui parte essencial do ser humano que o esprito, para somente mais adiante, podermos entrar na abordagem da pessoa como liberdade, como transcendncia e como sujeito de relaes.

2.2.2 O esprito humano na antropologia teolgica de Pannenberg

2.2.2.1 A abordagem de esprito na antropologia filosfica

Depois de ter apresentado algumas caractersticas da categoria de corpo em Pannenberg, outra dimenso que se faz essencial para compreender a antropologia pannenberguianaPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

a constituio do

homem como dimenso espiritual. Tal dimenso foi vista no decorrer da antropologia como a fonte originria da vida, e constitutivo dinmico da mesma no processar da histria. Faremos uma breve conceituao de esprito a partir da antropologia filosfica e em seguida apresentaremos, tambm uma sinttica compreenso da temtica na perspectiva bblicocrist, conforme o pensamento de W. Pannenberg. no entendimento do homem como ser espiritual que se poder falar da abordagem do homem como homo religiosus em Pannenberg. Todo percurso que Pannenberg faz pela filosofia e por outras cincias para chegar a uma tematizao de esprito revela-nos como objetivo alcanar a fundamentao teolgica do antropolgico. Pode-se dizer que o esprito, como parte da totalidade do homem, lana este homem para alm dele mesmo na busca de algo maior, ou seja, Deus. O homem assume sua vida como intencionalidade, interiorizando o mundo e elaborando para si um mundo interior, tomando, assim, conscincia de si mesmo. Aqui se pode dizer que o homem elabora a

noo de sujeito consciente, para da avanar at a categoria de esprito como parte integrante do ser pessoa. A noo de esprito, como sopro animador, ou aquilo que vivifica, fez-se presente durante toda histria deste conceito at a modernidade.

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no pensamento moderno que esta compreenso passar por alteraes de forma definitiva. Hegel quem apresenta uma nova maneira de afirmar a idia de esprito. Ele o classifica atravs de trs adjetivos: subjetivo, objetivo e absoluto. O esprito objetivo apresentado por ele como as instituies fundamentais do mundo humano (direito, moralidade e eticidade), o esprito subjetivo o esprito finito como (alma, razo e intelecto); j, o esprito absoluto apresentado como o mundo da arte, da religio e da filosofia. Nesta compreenso, o esprito objetivo e o esprito absoluto fazem a superao da dimenso subjetiva tornando-se realidade histrica universal. Aqui se instaura o mundo dos valores 34 . Pela definio acima, verifica-se uma noo de esprito em que o homem supera a sua mera existncia de finitude e se eleva ao horizonte do definitivo. A presena do verdadeiro e do definitivo nos processos histricos, que s vezes so processos tambm de fracassos ePUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

transitoriedade terrenal, pode ser definida como esprito 35 . na histria, pela experincia da cultura, vivenciada na subjetividade humana, que a pessoa chega ao entendimento do seu ser espiritual. Aqui no h razo, lembra Pannenberg, para voltar noo tradicional de esprito que

apresenta um dualismo antropolgico, como na teoria das duas substncias, defendidas por Descartes ( res extensa e res cogitans). Pannenberg faz uma definio de esprito, que se distingue das idias puramente filosficas, sendo que estas partem do fenmeno da conscincia e da subjetividade, ele afirma: O esprito no sentido em que eu uso esta palavra, no deve ser entendido, partindodo fenmeno da conscincia e subjetividade _ no sentido da unidade da vida social e da vida cultural, assim como o nexo prprio da histria ( na abertura e inconcluso de seus processos). A todos estes fenmenos lhes so comuns a presena eficaz de uma esfera de sentido que est dada de antemo aos indivduos e que sobrepassa e constitui sua existncia, uma esfera de sentido que se franqueia, ao menos parcialmente, no viver dos homens, e a cuja configurao, estes fazem sua contribuio, porm no produto seu 36 .

ABBAGNANO, Nicola. Dicionrio de Filosofia. Verbete: Esprito, p.354-356, So Paulo: Martins fontes, 1998. 35 PANNENBERG, W. APT. p. 656. 36 Cf. Ibid., p. 657. Nas paginas que seguem Pannenberg apresenta tambm a definio diltheiniana de esprito que parte de uma representao como fora vital que se manifesta atravs da atividade dos indivduos como energia do gnero, a explica a idia de e dos nexos estruturais do viver humano.

34

33

Quando define o conceito de esprito, Pannenberg interage com outras definies j existentes, principalmente a hegeliana, mas a sua definio como visto acima apresenta algo especfico nesta categoria. Ele apresenta a afirmao do esprito num horizonte de abertura, de incompletude. Se a temtica filosfica sempre buscou afirmar as

realidades em conceitos fechados, aqui surge a novidade: o esprito se abre como excentricidade. Alm da abertura, outro aspecto que parece ser marcante em tal definio que o esprito no tem em si a totalidade de si mesmo. O conceito no alcana toda realidade, como queria Hegel. O esprito, conforme Pannenberg, possui algo que est alm dele, algo que vem de fora. Neste sentido o esprito como realidade humana, em Pannenberg, recebe como na definio bblica, algo que vem de Deus, ou seja, o sopro divino. Ainda aprofundando a reflexo sobre a temtica do esprito,PUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

Pannenberg coloca uma dificuldade em tematizar tal

conceito na

antropologia, pois este seria suficientemente examinado em seus problemas e implicaes, somente no mbito da ontologia geral. A antropologia se contenta em dar as indicaes a respeito do problema de fundamentao do conceito de esprito. Em contrapartida, ao tema do esprito, alm dos elementos antropolgicos, cabe fazer um nexo com a linguagem da tradio bblica e da doutrina crist, para assim ampliar o alcance na compreenso de tal conceito. nesta perspectiva que buscaremos apresentar elementos caractersticos da abordagem do esprito a partir da linguagem bblico-crist em Pannenberg.

2.2.2.2 O esprito como dimenso da pessoa humana na linguagem bblicocrist A Escritura no fala primordialmente de esprito relacionando-o com o princpio da conscincia, mas o esprito apresentado como origem da vida. O esprito, para o Israel antigo, o prprio esprito criador de Deus (Gn, 1,2) este esprito que d vida s criaturas, s plantas e aos animais; ele fora dynamis que sustenta a vida (Sl, 104,30). Nesta compreenso a vida sustentada pelo esprito de Deus, pois na ausncia

34

dele, ela se tornaria um nada. Pannenberg lembra a passagem de Gn 2,7 quando na narrao do mito da criao Deus, ao fazer o homem, sopra em suas narinas o hlito de vida, ou seja, o seu ruah. Se Deus reclamasse de volta o seu esprito e retomasse seu sopro de vida, toda carne morreria ao mesmo instante e o homem retornaria ao p (Gn 34,14s) 37 . Na morte o corpo dado terra e o esprito devolvido a Deus, pois o homem na sua arrogncia e convencimento impossibilita que o esprito doado por Deus esteja nele para sempre ( Gn 6.3). Nesta

perspectiva, a morte surge para o homem como uma ruptura no princpio da vida doada por Deus na criao. Tal ruptura tambm emancipao e independncia contra a origem divina da vida. Somente no futuro, quando a ressurreio dos mortos acontecer, que a vida retornar sua origem na unio com Deus numa vida imortal 38 . Mesmo nas contradies da vida, o homem carrega uma contnuaPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

esperana que o sustenta no caminho e o eleva acima de suas fraquezas. Ele espera a plenitude da vida em Jesus Cristo, pois nele que confirma a nossa ressurreio. Paulo afirma que a ressurreio o grande desejo humano e a mxima que fundamenta a f do homem (I Cor. 15). Tal esperana j se faz presente na vida do povo de Deus desde o ps-exlio e sustentada na fora do esprito. pela fora do esprito, como esperana, que o homem se projeta para mais alm de si mesmo, ele se identifica como esprito e se eleva at o mais alto de seu desejo. No pensamento de Pannenberg este desejo do homem se expressa de forma clara na salvao anunciada e trazida por Jesus, em que o ser humano associado e introduzido no reino de Deus. Ao pensar o esprito nesta dimenso antropolgico-crist, verifica -se que ele no algo prprio do ser humano, como essncia, mas ele sobrevm ao homem; o esprito algo que o homem recebe, como dePANNENBERG, W. TS2. p. 210 et. seq. PANNENBERG, W. APT. p. 660. este retorno a Deus que move o ser humano no seu existir, mesmo quando na sua trajetria de liberdade, o homem se equivoca como um ser errante pelo mundo; tambm nos erros cometidos por ele, a esperana que o sustenta. o espao religioso, como marca mais profunda da esperana humana, que se abre como horizonte reconciliador entre homem e Deus. Assim a religio adquire uma fora que vai alm dela mesma. Ela tem o papel de propiciar ao homem uma fora espiritual maior que ele mesmo e o mesmo em suas fraquezas encontra algo muito maior, ou seja, infinito e pleno. Este algo, na denominao teolgico-crist no tem outro nome seno Deus.38 37

35

fato o recebeu e,

tal esprito atua nele, mas sem ser idntico a ele,

porm somente graas atuao do esprito que o homem de fato homem. A expresso pneuma uma forma corrente para se falar do esprito nos escritos neotestamentrios e no judasmo helenstico. Tal expresso aparece tambm com o significado de alma em suas funes esprito divino que

cognoscitivas e emocionais. Fala-se tambm de

contrasta com a alma humana, mas a alma sempre vista como o alento de vida, doado por Deus ao homem. A alma (nefesh) no um

componente do homem que adicionado ao corpo, como apresenta o pensamento dualista de Plato e Descartes, mas sim, este ser corporal que vivo 39 . Nesta perspectiva, tambm pensava a igreja latina, quando afirmava a alma como forma essencial do corpo do homem; no entanto, a vida do corpo efeito do esprito vivificante de Deus. O divino EspritoPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

criador faz o homem possuir em si mesmo a vida 40 , sendo que o esprito se faz presente inteiramente no homem, sem se converter em parte dele. pela dinmica do esprito que o homem experimenta o movimento de transcendncia, colocando-se para alm da existncia corporal prpria e se lana no mundo, onde de fato, a vida se realiza 41 . na experincia da dinmica do esprito, e associando-se a ela, que o homem busca construir sua vida e seu sustento fsico e espiritual; ele se abre aos outros, fazendo a experincia de se elevar acima de sua prpria finitude. Este elevar acontece pela conscincia humana, na qual o homem mostra-se maior que qualquer outro ser vivente que no seja ele mesmo. Pode-se afirmar que a conscincia possibilita ao ser humano reter no presente, atravs da linguagem, o passado e o que j ausente; deste modo, a conscincia desenvolve no homem o poder de superar o tempo, proporcionando um vislumbre de eternidade, antecipao do futuro 42 . A inteno de autotranscendncia como caracterstica do esprito, leva o homem a almejar seu destino, que o amor salvador de Deus. No39 40

Cf. Ibid., Cf. Ibid., 41 Cf. Ibid., 42 Cf. Ibid.,

p.661. p. 661. p. 661. p. 663.

36

sentido bblico, o destino do homem, como esperana, caracterizado pela experincia de f, conforme se confirma na Carta aos Hebreus: A f um modo de possuir desde agora o que se espera, um meio de conhecer realidades que no se vem. A busca de compreender o homem e sua histria, como processo de formao de um caminho at o futuro desejado como destino prprio deste homem, j antecipar a sua meta como misso que se realiza na histria. Tal caminho, para a esperana futura, constitui a identidade do homem diante de si mesmo, revelando-se tambm, como identidade de toda humanidade. Pelo visto at este momento, o esprito se faz presente no

movimento exttico da vida e, atravs da conscincia humana mediando a identidade e possibilitando a superao do tempo, o homem se torna independente, ou seja, ele se faz sujeito de ao responsvel. O ser humano age pela atuao do esprito e neste esprito que o homem sePUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

torna pessoa e se distingue dos demais,bem como se distingue verdade das coisas 43 .

da

O homem constri a sua identidade como pessoa e busca sua autoconstruo no caminho da subjetividade livre. Ele retira a sua vida da origem do esprito divino e busca fund-la em si mesmo. Aqui remete ao estado de queda e de morte que marcam a vida humana. A vida humana marcada pelo limitar da vida divina no esprito, abrindo no homem um estado de perverso e fechamento em si mesmo. Tal estado, retira o homem de sua trajetria de excentricidade e de participao, como criatura, da eficcia do esprito. O homem supera no s o estado de ruptura com sua origem, mas tambm o da situao de perverso somente na experincia de comunidade. na vivncia histrica, em unidade com outros, que o homem faz a experincia de transcendncia e de alcance da sua meta como destino. Aqui fica claro falar de um esprito que perpassa a histria, uma poca e uma cultura. Tal Esprito, dentro da antropologia crist, proveniente de Deus, e penetra no acontecer da vida, suscitando o

homem a voltar-se para a unidade com ele na experincia da f e do

43

Cf. Ibid., p. 667.

37

amor. O homem, pela f, abandona o percurso de fechamento e se volta para o seu verdadeiro destino de imagem e semelhana de Deus. O modelo perfeito a ser seguido Jesus Cristo, como lembra Paulo aos Corntios:Cristo que imagem de Deus (2Cor. 4,4) 44 . No que se refere temtica do esprito vale encerrar com as palavras exatas de Pannenberg, quando este apresenta o futuro escatolgico como realizao plena do homem na sua compreenso como pneuma. Assim, a plenitude da vida, segundo o esprito, dar-se- no manifestar pleno do reino de Deus.A presena do futuro escatolgico na vida da igreja, de um modo especial, a obra do Esprito. A vida do fiel e a vida da comunidade eucarstica, que a Igreja, est marcada mediante o Esprito, pela participao antecipativa no destino definitivo do homem. O Esprito a primcia e o dom da vida nova e imperecvel, que j apareceu em Cristo ressuscitado (Rm 8,23;2Cor. 1,22; cf. I Cor. 15,20) Esta nova vida j no se acha separada de sua origem no esprito de Deus, ao contrrio, est penetrada por ele (I Cor. 15,44s) e precisamente por Ele imortal 45 .PUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

Concluso

Compreender o homem como ser espiritual, exige tambm, considerar a longa trajetria das reflexes antropolgicas. A soluo harmoniosa de suas dimenses, num equilbrio perfeito, ainda parece desafio; mesmo que no o seja no mundo da reflexo, torna-se visvel no mundo da vivncia. Uma leitura fragmentada do homem percorreu longos sculos da histria do pensamento, iniciada com a viso dualista platnica e as distores do contedo bblico e, na modernidade, continuada com a idia das substncias apresentada por R. Descartes. A compreenso de homem s vezes acentuou muito o esprito, esquecendo sua dimenso corporal ou se dedicou maior ateno ao corpo menosprezando o esprito. Equalizar tais dimenses de forma integrada ainda um ideal desejado para a antropologia. O pensamento cristo, sustentado nas bases bblicas, apresenta o homem como uma totalidade integrada. O pecado e a queda no impossibilitam ao homem de encontrar o seu destino final que viver em44 45

Cf. Ibid., p.670. Cf.Ibid., p.672.

38

plenitude a sua realizao como pessoa. Tal realizao se d na superao das fragilidades psico-corporais e na elevao do esprito at sua plenitude infinita que Deus.46

Por fim, Pannenberg, como cristo v a plenificao do esprito humano somente realizada em Deus, atravs de Jesus Cristo. Em Jesus Cristo nos tornamos filhos no Filho. O momento escatolgico aparece como decisivo para a plenificao da vida segundo o esprito. o momento em que o esprito finito alcana o seu infinito no Esprito de Deus. De certo modo o homem volta sua origem, agora revelada plenamente na imagem do Filho de Deus. Sobre a temtica da realizao plena do homem em Deus, aqui nos referimos a ela somente para indicar o evoluir da dimenso espiritual do ser humano, mas voltaremos a este tema com maior aprofundamento quando trabalharmos os fundamentos teolgicos da argumentao antropolgica de Pannenberg, embora jPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

tendo anteriormente apresentado alguns elementos que caracterizam as dimenses corpo-esprito, ou seja, o homem como pessoa. Nosso prximo passo ser buscar situar tal homem no contexto da modernidade. Isso ser feito pela indicao de algumas caractersticas do momento moderno e tambm da relao indivduo sociedade.

2.3 O homem e a modernidade secularizada

Ao estudar o

pensamento de Pannenberg e tambm a sua

antropologia, surge da a necessidade de situar o homem no cenrio daA incompletude e imperfeio do ato espiritual, no nosso esprito finito, no apontam para a incompletude e imperfeio do que inferior das coisas sujeitas ao fluir do tempo - mas para a plenitude e perfeio do Esprito infinito cuja presena abre, no cerne mais intimo do esprito finito _ interior intimo _ a ferida de uma indigncia essencial que espera e apela pelo dom de uma vida divina. HENRIQUE, C.L. Vaz. Antropologia Filosfica I. So Paulo: Loyola, p. 242, 1993. Esta citao, presente no texto de Lima Vaz, remete Clebre obra de Santo Agostinho, Confisses, tal obra mostra a trajetria existencial de Agostinho e uma verdadeira exposio biogrfica do mesmo. O mais expressivo nesta obra , talvez seja, a apresentao da inquietude humana no seu peregrinar no mundo, antes do encontro definitivo com Deus. Agostinho apresenta um homem de corao inquieto at que descanse em Deus. Parece ser exatamente esta esperana de se descansar em Deus, como destino do homem, que faz tais princpios muito similares aos apresentados na antropologia teolgica de W. Pannenberg.46

39

modernidade, uma vez que tal autor tem um amplo dilogo com este momento histrico. Sem negar o longo itinerrio que Pannenberg realiza pela antropologia filosfica e pela teologia do perodo clssico, ele tambm apresenta, de forma profunda e elaborada, uma ampla viso da modernidade e constri com ela um dilogo extremamente promissor para os resultados de sua produo teolgica. Aqui buscaremos apresentar alguns elementos que caracterizam o mundo moderno para mais adiante, ainda neste captulo, trazer compreenso como a modernidade incide na vida do homem e na antropologia crist proposta pelo autor estudado. J se pode afirmar de antemo, partindo da antropologia de Pannenberg, que o cenrio moderno, onde formulam as crticas religio de autores como L.Feuerbach, K. Marx, F. Nietzsche e em Freud, apresentando uma nova maneira de compreender o homem. umPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

momento em que a f religiosa e, de forma especial, o cristianismo perde toda pretenso de credibilidade geral no contexto da vida humana 47 . Deste modo, a reflexo sobre a f no pode ser debatida no espao da superstio, mas deve desejar para si mesma uma validade como verdade universal. Assim, ao contrrio da tica e da moralidade que so assumidas como problema de significncia pblica, o tema de Deus pensado como um problema exotrico para telogos e pessoas que se interessam por estas coisas 48 . O secularismo, o relativismo e a exacerbao da subjetividade aparecem como grandes desafios para a sociedade atual. O homem se v perdido no caminho para a busca da essncia da verdade do ser que tambm a sua verdade. Perdendo-se no caminho para um conhecimento substantivo do ser, ele se desorienta tambm na busca do ser Supremo, que no universo religioso afirmado como Deus; aqui se evidencia o secularismo atual. Um dos pontos que fundamento da atitude secularista que o sujeito reivindica para si um valor absoluto, ele

47 48

Cf. Ibid., p. 20. PANNENBERG,W. When Everything is Permitted. 1998, p.1. in: 27-http://www.theolo gyie theologians/pannen.htm, 06-2007

40

assume o lugar de seu Criador, esquecendo assim a sua dimenso de finitude e de criatura. O secularismo bem como a modernidade so marcados pela caracterstica do rompimento com a f crist. Diz Pannenberg que K. Barth j havia afirmado que a cultura moderna tem sido a revolta contra a f crist, visando colocar o ser humano no lugar de Deus 49 . No artigo, o autor fala que no fcil a relao com a modernidade para a f crist, pois tal relao ambivalente. Ao mesmo tempo que a cultura moderna afeta o dia-a dia da f e das pessoas ligadas ao cristianismo, puxando-as para um estado de alienao e afastamento da mesma; tambm a modernidade que propicia aos cristos ler e compreender a evoluo da modernidade e da cultura como tal. O autor recorda que a distino entre domnio secular e domnio religioso ou espiritual no novo na histria do cristianismo, s que antes a distino no era suficiente para fazer umaPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

separao radical, como vai acontecer na modernidade, principalmente a partir da Reforma e das guerras religiosas deste perodo. Deste modo, a religio no mais elemento que funda a ordem universal da sociedade. Agora, j na modernidade, o homem busca fundar a unidade social na natureza humana e neste perodo que surgem as teorias naturais de governo, formuladas atravs da apresentao das teorias do contrato social 50 . Hoje argumentos de que a unidade da sociedade se sustenta na unidade religiosa j um posicionamento inadequado e que no tem muita fora, pois as pessoas saram de um mundo da argumentao terica para um mundo da razo pragmtica. As pessoas usam a razo a servio da tcnica e da produo, mudando assim a maneira de compreender a natureza e o mundo. Cabe entender que a emancipao moderna da religio no foi intencional, mas resultado de um longo perodo em que a sociedade vai se reelaborando sobre outras realidades que no a f religiosa. Pannenberg no artigo mencionado acima Como pensar sobre Secularismo49

lembra que o secularismo pensado por

PANNENBERG,W. How to think About Secularism. 1996, p.2. In: http://www.theology.ie /theologians/pannen.htm , 27-06-2007. 50 Cf. Ibid., 1996, p.2. In: http://www.theology. ie/theologians/pannen.htm, 27-06-2007.

41 alguns tericos, como a secularizao da esperana escatolgica crist 51 . Assim, o contedo religioso transformado em alguma coisa imanente neste mundo. Ele constata, tambm, que os defensores da prpria modernidade pertencem como origem, ao cristianismo. O que fica evidente, que com o domnio da modernidade, esta continuar penetrando em todos aspectos do comportamento individual e social, colocando-se cada vez mais margem a religio. O que Pannenberg procura demonstrar que o secularismo traz consigo um grande sentimento de falta de sentido e um imenso vazio na vida e na cultura, bem como muita insatisfao e violncia como resultado. Assim, a circunstncia da sociedade secular moderna a mais frgil que podemos imaginar. O pensamento de Pannenberg apresenta uma compreenso clara sobre a modernidade e o secularismo. Segundo o autor no sePUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

apegando s posies tradicionalistas e fechadas que os problemas sero solucionados, mas ao contrrio, abrindo-se ao dilogo racional e verdadeiro, que se podero resolver as dificuldades surgidas no contexto da modernidade. Desse modo, o cenrio da modernidade desafia a f crist e os valores humanos construdos ao longo do tempo e, somente atravs de uma autocrtica, bem como uma crtica que faz interrogaes sobre tal realidade que se poder de fato afirmar os valores da f crist de forma consistente para o homem 52 . A antropologia teolgica crist procura dar respostas para os desafios apresentados acima, elaborando uma viso de mundo e de homem, que preserve os valores formulados ao longo da histria. Pannenberg est na fileira dos que trabalham um dilogo cientfico e

PANNENBERG, W. Op. Cit. 1996, p.4. In: http://www.theology.ie /theologians/pannen.htm, 27-06-2007. Other theories of secularization have claimed that the modern belief in progress is a secularization of Cristian escatological hope. The hope for a better world is no longer directed toward another world, but becomes the human project to improve this world. No entraremos na distino entre secularizao e secularismo, mas buscaremos apenas mostrar algumas implicaes da sociedade secularista no comportamento religioso da pessoa. Cf. Ibid., 1996, p. 8. Nesta pgina expe Pannenberg: My argument is that, if we think it is necessary to protect divinely revealed truth from critical inquiry, we are in fact displaying our unbelief. Such inquiry, whele it may at times pose difficulties, will finally enhanee the splendor of the truth of God. Confidence in that truth a confidence exhibited in proclamation and life is the only adequate and worthy response to the challenge of secularism.52

51

42

profundo com a modernidade, colocando a antropologia teolgica na condio de igualdade cientfica para debater tais problemas. Diante da breve apresentao de alguns elementos que constituem o cenrio da modernidade e assumindo-a como pressuposto histrico no pensamento de Pannenberg, apresentaremos tambm nesta perspectiva alguns traos que marcam a relao do individuo com a sociedade.

2.3.1 A Relao entre Indivduo e Sociedade

2.3.1.1 Tenso entre indivduo e sociedade - fechamento e abertura

Aqui, apresentaremos alguns dados antropolgicos como indicativosPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

da relao do indivduo consigo mesmo, confrontando tais dados com a dimenso social do indivduo, ou seja, seu apelo para a vida em sociedade. Um fechamento do homem em si mesmo desnorteia o seu caminho, ocasionando um subjetivismo e um individualismo exacerbado e egosta, no possibilitando sua abertura para o prximo e, muito menos, para o transcendente. Em Pannenberg, esta atitude do homem dificulta a realizao do plano de Deus, projeto que se efetiva na abertura e

aceitao do homem como imagem e semelhana de Deus. Quando abordamos o homem na sua identidade, verificamos uma infinidade de aes e caractersticas que o definem. Conforme seu princpio de autonomia e de liberdade, ele sujeito de suas prprias aes. Ao homem, por si s, convm decidir de forma positiva para qual fim deve se destinar a sua vida. Na busca livre, porm limitada pela prpria fragilidade, o homem procura a si como destino, ou seja, como projeo para sua infinitude na sua realizao pessoal. Nesse sentido, cabe falar de um paradoxo presente na pessoa e que gera um constante conflito de difcil soluo. Diante deste conflito, o que resta ao homem

43

buscar o seu destino e verificar claramente para onde apontam seus desejos 53 . No h como aprofundar a compreenso de indivduo em Pannenberg sem persistirmos na idia que se faz presente na antropologia teolgica deste autor. Para ele, caracteriza-se como indispensvel a abertura ao mundo e sociedade, e esta abertura deve acontecer de forma corajosa, na qual a reflexo racional busca

aprofundar e questionar a realidade, partindo-se de princpios e conceitos formulados no bojo desta mesma sociedade. somente dentro de tal contexto que se pode falar do homem como indivduo e de sua relao com a sociedade. experimentando a histria na sua periodicidade que o homem se volta para o seu ser pessoa e busca os interesses que caracterizam as preocupaes sobre si mesmo. Para Pannenberg, a relao indivduo e sociedade sempre se instaura num lugar conflituoso,PUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

mas tal relao se faz imprescindvel para o ser humano ir se formando como identidade. na participao, atravs das instituies sociais, que a pessoa assume seu papel em tais espaos. Logo, estas instituies se revelam como representantes do destino dos homens como realizao. A representao na sociedade atravs dos papis assumidos j demarca no homem a representao do religioso na cultura humana 54 . No h como negar o paradoxo,como constata Pannenberg, vivenciado pelo homem na sua experincia diante da sociedade, sobretudo na sociedade moderna. O indivduo busca se realizar como pessoa, mas ao mesmo tempo necessita do convvio social para

complementar tal realizao. Desse modo, somente pelo confronto realizado consigo mesmo e com seus desejos, que ele percebe diante dePANNENBERG, W. El Hombre Como Problema Hacia una antropologia teolgica. Trad. para o espanhol por Rufino Jimeno. Barcelona: Editorial Herder, 1976, p. 81. Esta obra pode ser considerada um resumo, atravs de vrios tpicos da antropologia teolgica de W. Pannenberg. O tema desta obra ser amplamente desenvolvido na obra apresentada ao pblico em 1983 Que foi a Antropologia na perspectiva teolgica. Usaremos deste ponto em diante para nos referirmos obra El Hombre Como Problema apenas as letras EhcP para indicar o ttulo da obra. 54 PANNENBERG, W. APT. p. 606 et. seq. O que fica evidente no pensamento de Pannenberg a complexidade da relao indivduo e sociedade, pois j caracterstico do mundo moderno a presena da subjetividade humana que constantemente conflita quando se fala de relao sociedade-indivduo; uma vez que os interesses privados se tornaram bastante acentuados no momento atual. Pannenberg deixa claro que as instituies representavam ao homem a possibilidade de transcender aos prprios limites e condicionamentos terrenos, elevando-o acima do mundo da vida cotidiana.53

44

si, ou seja, no seu ser pessoal imediato, um conflito, uma tenso entre a autoreferncia como personalidade e sua abertura sociedade, aos outros. No momento em que o indivduo se fecha em si mesmo no seu ser pessoal como eu, ele se perde em si mesmo, esquecendo a sua dimenso de abertura aos outros e sociedade. O mencionado at este ponto indica no homem uma contradio: nele h uma dimenso de abertura e outra que se ope a isso, constituindo o fechamento do homem em si mesmo. Ao se apegar a esta ltima, ao negar o seu potencial de excentricidade, ele impossibilita seu verdadeiro potencial de pessoa humana e se isola no seu eu, atravs de uma couraa, fechando-se ao que seria sua autntica destinao 55 , que a possibilidade de convvio social como parte indispensvel para a elaborao do seu ser homem. O que inegvel para Pannenberg que, mesmo nesta condio de conflito, em que o indivduo vive entre o seuPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

fechamento pessoal e sua abertura, h no homem um apelo de realizao antropolgica, e tal apelo de realizao s ser possvel de acontecer se o homem se lanar para alm de si mesmo, numa atitude de relacionamento e de socializao. Pannenberg mostra que antes do indivduo se lanar como relacionamento, ele necessita identificao como conscincia, como pessoa. Ao afirmar no homem o fenmeno da autoconscincia 56 e da personalidade 57 , encontra-se a a soluo para o antagonismo indivduosociedade. Mesmo assim, ainda persistem vrias formas de manifestao da dificuldade humana para se relacionar consigo mesma, em que aCf. Ibid., p.303. Conforme a histria desse conceito, pode-se dizer que ele comea com Kant, como alternativa de conscincia. A autoconscincia no a conscincia (emprica de si), mas a conscincia puramente lgica que o eu tem de si mesmo como sujeito de pensamento. A autoconscincia, conforme Kant, o lugar onde o homem pode pensar ele mesmo, e assim, se autoproduzir, se autocriar e se distinguir dos demais objetos da natureza. Depois de Kant houve outras abordagens sobre o tema autoconscincia, mas nada muito substancial que v alm do proposto por Kant. Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionrio de filosofia, Verbete: Autoconscincia. So Paulo: Martins Fontes, 1998. 57 O conceito de personalidade j foi definido por Toms de Aquino como condio ou modo de ser pessoa (S.Th. I,q.39,3, ed. 4 ) e tal termo usado pelos filsofos que s vezes o empregam no lugar de pessoa. J a psicologia o define como organizao que a pessoa imprime multiplicidade de relaes que a constituem, desta compreenso, origina a idia contempornea onde h quem a define como a organizao mais ou menos estvel e duradoura do carter, do temperamento, do intelecto e do fsico de uma pessoa, organizao que determina sua adaptao total ao ambiente (H.J. Eysenck). Cf. ABBAGNANO, Nicola. Dicionrio de filosofia, Verbete: Personalidade. So Paulo: Martins Fontes, 1998.56 55

buscar sua

45

pessoa submete a totalidade que o ser pessoa particularidade do eu individual, gerando no s uma relao consigo mesma pervertida, mas tambm criando dificuldades s relaes interpessoais e nos conflitos com a sociedade 58 . Na tematizao do ser humano no que diz respeito a tomar

conscincia de si mesmo como pessoa, abre-se caminho para adentrar na anlise dos sentimentos e desejos humanos, situando desse modo, a pessoa na sua relao com as demais. Cabe afirmar que somente pela autoconscincia, como autoconhecimento, que o homem se situa no mundo, e ao mesmo tempo, se distingue dele, assim se individualizando. Ao sentir-se no mundo e, se distinguindo dos objetos, o homem constri a histria de sua individualidade 59 . Mesmo verificando que o antagonismo entre indivduo e sociedade tenha encontrado soluo nos fenmenos da autoconscincia e daPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

personalidade do homem, ainda persistem vrias formas de manifestao do limite humano que submete a totalidade da pessoa e seu mundo, particularidade do eu, pervertendo a relao do eu com o seu si mesmo; dificultando assim, as relaes inter-humanas e a ordem da sociedade 60 . Ao tematizar o ser humano no seu tomar conscincia de si, abre-se espao para analisar os sentimentos e desejos humanos e dessa maneira situar a pessoa em relao s outras. Somente no

autoconhecimento que o homem consegue se localizar no mundo e se distinguir dele. Ao sentir-se no mundo, em distino dos objetos, o homem constri o processo histrico de sua individualidade 61 . tambm nesse processo de se autoconhecer que o homem experimenta em sua vida, sentimentos de prazer e dor, afetos e paixo; sentimentos que sero socializados no decurso de seu existir no mundo e na sociedade. Tais sentimentos fortificam a formulao da personalidade do indivduo e o projetam na realizao dos mesmos. Na atitude de fechamento em si mesmo, atravs de experincias equivocadas, dificulta o processo de realizao da pessoa, falseando a identidade do indivduo e impedindo o58 59

PANNENBERG, W. Op. Cit. p.303. Cf. Ibid., p. 312. 60 Cf. Ibid., p.303. 61 Cf. Ibid., p. 312.

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caminho que o leva

ao seu destino de realizao. no sentido de

fechamento e de no realizao da pessoa como abertura, que se pode tratar do tema da angstia caracterizada no momento decisivo do exerccio da liberdade humana, como resposta ao conflito vivido. No contexto dos sentimentos humanos, o problema da angstia humana se d devido a no realizao do homem diante do tomar conscincia de si mesmo. Assim, tambm a entendiam Kierkegaard e Heidegger. Tal sentimento fruto da infelicidade diante do isolamento do indivduo, opondo-se ao sentimento de liberdade e da existncia autntica do ser a no mundo 62 . No momento em que o homem se nega construir na relao com seu entorno social, ele elimina uma polaridade no elaborar de sua identidade e da formao de si, deixando algo em aberto. Cabe afirmar que no lugar social onde o homem encontra dados para ir superando seus limites e sua finitude, conforme teoriza aPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

psicologia

freudiana 63 . O pensamento de Pannenberg deixa evidente, que o homem est ordenado a uma realizao de sua vida, que sobrepassa a ele mesmo, e que se manifesta na comunidade com os demais, desse modo, no seu processo de fechamento, na sua subjetividade, a pessoa se perde no caminho de autoconstruo, caindo num estado de angstia, tristeza e dio. Vale perguntar quais so as causas que levam o homem a cair no estado de angstia. Para Pannenberg, fruto da contradio humana e do pecado, fragilidades que fazem parte da histria do ser homem. E a superao desta contradio, s acontecer diante de uma resposta

positiva pelo homem, no momento em que este se defrontar com seu destino. Como possibilidade de autoconscincia, o homem apreende o seu si mesmo no seu nexo com o mundo e com os outros, para a desenvolver seus afetos positivos e sua identidade. Ao cair no seu baixo estado de

Cf. Ibid., 318 et. Seq. A idia de angstia em M. Heidegger foi motivo de muitos debates inflamados, pois tal conceito neste autor, retrata uma viso, compreendida por muitos, como muito pessimista do ser humano. A mais um elemento que ajuda a situar o pensamento de M. Heidegger como um pensamento fatalista e que leva o ser humano a um certo caos existencial, ou seja como ele mesmo afirma o homem como ser para a morte. 63 Cf. Ibid., p. 330.

62

47 nimo 64 pelos afetos negativos o homem, como pessoa,no se abre ao outro. Aqui vale recorrer ao termo da tradio crist, ele se encurva sobre si mesmo homo incurvatus in seipso. Portanto, o seu voltar-se para a comunidade, como realizao essencial do seu ser pessoa humana, no acontece e o sentido de sua vida, que estar aberto ao mundo, tambm no se realiza, penalizando dados essenciais de sua identidade. O pensamento sobre o homem sempre identificou nele duas fortes inclinaes|: uma, para o fechamento; e outra, para a abertura; tal compreenso se faz presente tambm na filosofia moderna. O pensamento kantiano mostra que h uma inclinao para se associar aos outros e outra para o fechamento e o egosmo. Kant afirma um antagonismo na natureza do indivduo, antagonismo entre sociedade e indivduo, sendo que tal situao s ser possvel de resoluo nas relaes pessoais, em que esto localizados o euPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

e sua constituio

como pessoa. Hoje, vozes de todos os lados ressoam mostrando a relevncia da vida social para a formao da individualidade, afirmando assim, que a poca do individualismo j passou, mas o novo modelo que busca subordinar o indivduo sociedade tambm se mostra ameaado por uma contradio interna, j que ele tambm representado por indivduos. A preeminncia programtica da sociedade sobre o indivduo se converte facilmente na mscara ideolgica do poder dos indivduos que pretendem atuar em nome do todo social e no admitem nenhuma liberdade individual, que lhes faa oposio, mas tratam toda insubordinao como um delito contra a sociedade 65 .

Estado de animo surge no contexto da fenomenologia, como categoria que vem indicar a situao do homem em relao a seus afetos e sensao de prazer e desprazer, um conceito que busca achar a relao entre sentimento e estado sentimental. O baixo estado de nimo indica a dificuldade do ser humano de integrar equilibradamente tais sentimentos. 65 PANNENBERG, W. APT. p.224. tambm lembrado por Pannenberg, uma situao que revela uma atitude diferente da que indicada acima. No artigo de Pannenberg intitulado When Everything is Permited. Pannenberg mostra que na modernidade das ltimas dcadas h uma exacerbao das atitudes do indivduo, onde ele assume o lugar central que Deus exercia na sociedade. E diante disso ele assume o domnio do universo e da histria. O domnio do homem, pela razo natural, instaura um momento novo na cultura Ocidental e facilita um escamoteamento dos valores fundamentais elaborados durante longos anos na sociedade humana. Pannenberg no se coloca numa posio reacionria a tal realidade, mas numa posio de abertura e de dilogo, pois ele cr que, somente assim, a teologia crist poder enfrentar os desafios do mundo moderno.

64

48

Por fim, cabe dizer que o desafio do mundo moderno, que tambm o desafio para a teologia, buscar uma soluo razovel no que se

refere aos princpios da liberdade do indivduo, e ao mesmo tempo, garantir os princpios que constituem os valores da coletividade. Sempre houve um desequilbrio marcante no que constitui os dois elementos que compem tal realidade. Houve momentos em que o indivduo foi quase anulado, marcando um domnio pleno da sociedade. Momentos, tambm, em que o indivduo busca impor sobre a sociedade sua identidade pessoal a todo custo. Chegar a um equilbrio harmonioso nesta relao continuar sendo a busca das cincias que se encarregam de tal

temtica. Pannenberg no ignora o conflito e indica a soluo exatamente na noo de abertura existente no ser humano e, na sua capacidade de dilogo. Nesse sentido, definiremos brevemente os personalismos dialgico e dialtico que caracterizam formas de compreender as relaesPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

do homem no mundo.

2.3.2 Personalismo dialgico e personalismo dialtico

Ainda com a finalidade de continuar aprofundando o tema do indivduo e suas relaes, buscaremos conceituar brevemente os

personalismos dialgico e o dialtico. Tanto o personalismo dialgico, como o dialtico ajudam a perceber o indivduo e sua abertura ao outro e sociedade. Compreender o indivduo em relao ao outro, ou seja, ao tu como outra pessoa, revela-se a constituio do homem como si mesmo. A idia que fundamenta o chamado personalismo dialgico a afirmao,

diferentemente da filosofia transcendental da conscincia, na qual o sujeito apresentado como ilhado ou visto como um eu abstrato e supraindividual. A definio de sujeitos singulares chega at o liberalismo

europeu. O irromper de uma posio crtica de tal compreenso de indivduo s vai acontecer no sculo XX, perodo em que o indivduo inicia uma nova forma de se posicionar diante da sociedade e das

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instituies sociais.

na elaborao da compreenso moderna de

sujeito, que surge tambm a idia mais explcita do antagonismo entre indivduo e sociedade e, este antagonismo busca se conciliar, atravs das relaes pessoais em que se encontra o eu e naquelas em que o mesmo se constitui. O indivduo compreendido na sua constituio social como tal, quando no se pe em relao imediata ao indivduo e sociedade globalmente compreendida, mas quando se comea a consider-lo em referncia ao outro individual, ou seja, ao tu. Pannenberg lembra que Marx, Hegel, Schleiermacher e outros, mostram o papel constitutivo da vida social para a formao da individualidade. H de se perguntar se a poca do individualismo j passou, tendo em vista que o modelo que subordina o indivduo

sociedade est ameaado por uma contradio interna, j que as instituies so representadas por indivduos. 66PUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

Ao

definir resumidamente o que caracteriza os personalismos esforo para

(dialgico e dialtico), eles seriam caracterizados pelo

situar o ser humano em um horizonte de abertura e de relacionamento com o seu semelhante. um esforo para colocar o ser humano na condio de excentricidade, ao invs de isolado em si mesmo. Pannenberg pontua que o grande mrito do personalismo dialgico foi sinalizar para a idia do eu , porque se tal eu era pensado antes como sujeito soberano, agora ele depende do encontro com o tu. J o

personalismo dialtico mostrou do ponto de vista objetivo a dependncia do indivduo em relao sociedade. Pode-se dizer que o que distingue os dois personalismos, exatamente a compreenso teleolgica dos mesmos: O personalismo dialgico pontua a relao de um indivduo com outro indivduo; o personalismo dialtico pontua a relao do indivduo com a sociedade, ou seja, h a mediao institucional, como por exemplo, a mediao do estado. A limitao de ambos personalismos est na insistncia do carter imediato das relaes, esquecendo que o encontro do eu com o tu ou com o ele mediado pelo mundo das coisas comunsCf. Ibid., p.224. Pannenberg mostra que a preeminncia programtica da sociedade sobre o indivduo se converte por isso facilmente na mscara ideolgica do poder dos indivduos que pretendem atuar em nome do todo social, no admitindo nenhuma liberdade individual que lhes faa oposio, mas tratam toda insubordinao como um delito contra a sociedade.66

50 ao tu e ao eu 67 . Esta mediao ser realizada atravs da cultura e da linguagem. A teologia tambm buscou suporte na idia personalista, sobretudo a teologia evanglica, uma vez que para ela, o homem busca um tu divino, que Deus, pela mediao do mistrio. A prpria palavra de Deus o tu divino que vem at o homem. Ainda se faz pertinente lembrar que, o homem s se realiza como vida humana, superando o conflito existencial, quando enfrenta a luta do eu com o si mesmo no dilema vivido diante do outro, ou seja, o tu. Somente se compreende a constituio social do indivduo como tal, quando este se coloca em relao com os outros indivduos que

constituem seu crculo de vida. Somente em tal contexto o homem se reconhecer como abertura ao mundo do outro, construindo desse modo a prpria identidade como pessoa. Na excentricidade o homem supera oPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

seu egocentrismo e se coloca como exigncia de superar a si mesmo, numa trajetria de verdadeira realizao como pessoa. Conforme Pannenberg, mesmo que no homem haja tantas amarras e um forte apego sua centralidade como indivduo, no evoluir da histria humana, ele busca se mover para alm de tal fechamento, superando os condicionamentos internos e externos e lanando-se para a sua

verdadeira finalidade como ser humano, se abrindo ao outro, ao mundo e, sobretudo, a Deus. O homem, como inclinao ao fechamento uma realidade constatvel. Tal afirmao fica evidente quando Pannenberg desenvolve sua antropologia, mostrando que esta ambigidade constitutiva da existncia humana, mas a soluo para ela se d na fora criadora de Deus que se faz presente no homem. Assim sendo, o homem tem em si um potencial de abertura e de exteriorizao. Na sua vontade natural de se realizar, o homem busca o outro e se abre ao mundo e sociedade. No horizonte da antropologia teolgica, mesmo que o fechamento aparea como inclinao do homem ou como pecado, pode-se dizer que a abertura aparece como possibilidade e como graa. Esta dimenso da

67

Cf. Ibid., p.228 et.seq.

51

abertura como gratuidade e como dom dever ser retomada no evoluir deste trabalho. Antes porm, faremos uma sinttica abordagem do homem como abertura, ou seja, na atitude de superao do seu fechamento em si mesmo.

2.3.3 O homem como abertura

Traremos neste momento alguns elementos que indicam no homem sua dimenso de abertura, para no prximo capitulo aprofundarmos o tema atravs das noes de subjetividade, liberdade e transcendncia como experincias humanas que apontam para a sua excentricidade na sua condio de relao com os outros, com o mundo e com Deus. Na relao indivduo e sociedade presenciamos o paradoxoPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

existencial do homem, em que fechamento e abertura so duas inclinaes presentes no ser humano marcado pela autonomia e pela liberdade. Como j foi dito, h no homem a possibilidade de se encurvar sobre si mesmo, fechando-se num profundo egosmo e angstia e h tambm possibilidade deste mesmo homem se lanar no projeto positivo de realizao de sua pessoa como abertura ao outro, ao mundo e ao transcendente. Como confirma Pannenberg, na realidade em que tal homem se encontra situado, que ele se verifica como pessoa atravs do seu lanar-se ao mundo, buscando, assim, se construir sobre um fim que no est em si mesmo, mas para alm de si 68 . no paradoxo do se valorizar como pessoa e como realizao

construtiva de si mesmo e do buscar ser valorizado e reconhecido pelo seu semelhante, que o homem responde ao seu apelo mais profundo: o de abertura ao mundo e aos outros. Ao abrir para o encontro com o outro, ele estabelece uma situao vital para a essencial definio do seu ser humano 69 . plausvel dizer que toda vida humana se apresenta marcada pela tenso entre a autoreferncia e abertura ao mundo de fora. O homem,68 69

PANNENBERG, W. EhcP.p.81 et. Seq. Cf. Ibid., p. 87.

52

como natureza, se v projetado num constante movimento de superao da autoreferncia que o prende e o imobiliza. Se a centralidade puxa o ser humano para dentro de si, a excentricidade o atira para o mundo, para fora de si 70 . Pannenberg diz que o que distingue o homem dos animais no somente a sua dimenso espiritual, mas sua possibilidade de enxergar a alteridade e a identificar de forma objetiva. Ele se distingue do externo que est em sua volta e, o mais importante, ele como pessoa, se autotranscende numa condio de abertura a este mundo. O Homem que se constitui como excentricidade, se lana ilimitadamente num

empreendimento indefinido de realizao, entra na realidade do mundo como experincia e sempre assimila algo a mais para o seu eu pessoal. Nesse movimento, o homem se mostra, a todo tempo, um ser incompleto e por isso, desejoso de algo alm do experimentado. Nessa dinmica o homem se explica como transcendncia e como esprito que possibilitamPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

o superar da finitude e o lanar-se no desejo de infinito, elemento constitutivo do movimento do homem para Deus. Na superao do fechamento em si mesmo, o homem se percebe como realidade maior, e se v em condies de transcender os limites de sua existncia e atingir uma realizao de si que vai alm do que se apresenta no seu situar-se na natureza. Alm de todas as misrias e fragilidades, que apontam para o fechamento e para a soberba, ele portador de uma vocao de caminhante at outras latitudes; ele se coloca a caminho do infinito 71 . Aqui, podemos afirmar, com Pannenberg, que a abertura um constitutivo essencial no homem, sendo um princpio que modifica a

estrutura da vida do homem no seu estado de evoluo. Ele se autotranscende no seu colocar-se em direo ao mundo e busca na sua excentricidade se construir, superando seus limites naturais e culturais. Uma antropologia aberta coloca o homem com disposio para uma evoluo de si at uma realidade absoluta, situando-o num lugar especial

70 71

Cf. ibid., p. 87. Cf. Ibid., p.99

53

na natureza e direcionando-o para sua experincia vital de realizao como homem, experincia que possibilitada ao homem por Deus 72 . Por fim, cabe constatar que o homem no se abre ao outro e ao mundo por acaso. Alm de fazer parte de sua natureza, a inclinao de abertura tambm um intuito de realizao. O homem deseja algo mais e tal desejo no cessa at chegar no grande desejo que sustenta a vida humana, desejo que pode ser caracterizado como desejo de realizao plena. Para Pannenberg a realizao plena do homem s acontecer em Deus. abrindo-se graa oferecida por Deus, atravs de Jesus Cristo, que verdadeiramente se efetiva no homem a felicidade. Assim, quando o homem falha neste processo de abertura, no atributo divino, mas fruto do pecado humano. Fruto de um uso equivocado de sua liberdade e de sua subjetividade, como teremos a oportunidade de verificar no estudo do prximo captulo.PUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

Concluso

Nesse primeiro captulo buscamos apresentar alguns elementos que caracterizam o homem na sua constituio como corpo e alma dentro da antropologia de Pannenberg. A sua forma de elaborar tal compreenso passa pelas abordagens filosfica e teolgica do perodo clssico, bem como da modernidade. Pannenberg situa o homem num cenrio cultural complexo, mas imprescindvel para compreend-lo. Este primeiro momento do trabalho, alm de tentar conceituar as categorias de corpo e esprito como dualidade que compe o homem para Pannenberg, buscamos tambm, acenar para alguns elementos da atualidade moderna; elementos esses, que vo de encontro ao pensamento antropolgico do autor em questo. Nessas observaes finais, ainda cabe dizer que Pannenberg situa com profundidade o homem no contexto da modernidade, dialoga com ela e apresenta uma compreenso de homem que no est conectada com a viso dicotmica de alma e corpo, mas, seguindo os fundamentos bblicos

72

PANNENBERG,W. APT. p.54 et.seq.

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e patrsticos, ele apresenta uma abordagem das dimenses corpo e alma de forma integradas no homem. Outra caracterstica da sua antropologia apresentar o homem como quem se constitui paradoxalmente pelo fechamento ou centralidade, e como abertura (excentricidade). diante desse dilema existencial, que o pensamento de Pannenberg d visibilidade dimenso sagrada do homem, uma vez que, em ltimo caso, o homem um ser aberto e que tem sua origem em Deus. Entretanto, naturalmente deve se voltar para Ele. A realizao da abertura humana tem uma finalidade muito clara; no se trata da mera experincia existencial, sem dvida, um pressuposto para se chegar ao homem como experincia de Deus. A abertura a base que este autor lana para afirmar a dimenso religiosa no homem, tema que ser devidamente tratado no ltimo captulo. No prximo captulo, buscando avanar um pouco mais naPUC-Rio - Certificao Digital N 0612075/CA

compreenso de homem para Pannenberg, se faz muito significativo abordar alguns temas de alta relevncia na filosofia moderna, temas, que por sua vez, tambm se fazem relevantes nesse autor. Trabalharemos, mesmo que de forma muito sinttica, os temas da liberdade humana, da subjetividade e da transcendncia. Este captulo ajudar no preparo do solo para podermos fundamentar na realidade humana a dimenso teolgica, ou seja, a revelao de Deus que se d na vida do homem. Aqui, mesmo que sinteticamente, convm j afirmar, que em Pannenberg antropologia e revelao de Deus convivem em harmoniosa unidade. Isto ser apresentado quando adentrarmos na antropologia teolgica de Pannenberg mais no final do percurso proposto.