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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 5 – O Português popular do Brasil, Portugal e África: aproximações e distanciamentos. 82 A MONOTONGAÇÃO DIANTE DE /S/ NO AÇORIANO-CATARINENSE Cláudia Regina BRESCANCINI 1 RESUMO: O processo de redução verificado em ditongos decrescentes seguidos por fricativa palato-alveolar (como em [sej ] ~ [se] para seis) é observado neste estudo. A amostra em exame, parte do banco de dados do Varsul (Variação Lingüística Urbana da Região Sul do Brasil), refere-se ao português falado em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, reconhecidamente influenciado pela colonização açoriano-madeirense iniciada no século XVIII. Caracterizado pela não implementação e consequente perda de força, o processo em questão é descrito e analisado a partir da perspectiva tanto do grupo, nos moldes sugeridos pela metodologia da Teoria da Variação (LABOV, 1972, 1994), quanto do indivíduo. Foram considerados informantes de três localidades do município, com diferentes graus de urbanização: o centro de Florianópolis, a Barra da Lagoa e o Ribeirão da Ilha. Os dados obtidos foram codificados de acordo com as seguintes variáveis independentes: Posição do /S/ no Vocábulo; Contexto Seguinte ao /S/; Sonoridade da Fricativa; Papel Morfológico do /S/; Sexo; Escolaridade; Faixa Etária; Distritos do Município de Florianópolis. Os resultados indicaram que a monotongação do ditongo decrescente diante de /S/ apresenta comportamento diferenciado de acordo com o distrito onde é produzida. No distrito da Barra da Lagoa, o processo apresenta-se apenas em itens lexicais específicos (como mais, depois, dois e seis) e nos distritos do Ribeirão da Ilha e de Florianópolis (centro), considerados conjuntamente, indica condicionamento fonético, já que é a sonoridade da fricativa palato-alveolar a variável independente linguística apontada como estatisticamente relevante. Nesses distritos, as mulheres surgem como as que preferem sua produção, assim como se verifica para a regra variável de palatalização da fricativa em coda na comunidade (cf. BRESCANCINI, 2002). Entre os mais jovens, a redução do ditongo decrescente diante de coda fricativa palato-alveolar dá mostras de perda de força apenas no distrito da Barra da Lagoa. PALAVRAS-CHAVE: monotongação;ditongo decrescente;palatalização;VARSUL. Introdução O processo de monotongação verificado neste estudo considera a supressão do glide [j] nos ditongos decrescentes [aj], [ej], [j], [oj], [õj] seguidos por fricativa 1 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Letras, Departamento de Estudos Lingüísticos. Rua Eça de Queiroz, 466/304. CEP 90670-020. Porto Alegre-RS, Brasil. [email protected]

A MONOTONGAÇÃO DIANTE DE /S/ NO AÇORIANO … · RESUMO: O processo de redução verificado em ditongos decrescentes seguidos por ... distribuição dos fatores expressos no Quadro

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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 5 – O Português popular do Brasil, Portugal e África: aproximações e distanciamentos.

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A MONOTONGAÇÃO DIANTE DE /S/ NO AÇORIANO-CATARINENSE

Cláudia Regina BRESCANCINI1

RESUMO: O processo de redução verificado em ditongos decrescentes seguidos por fricativa palato-alveolar (como em [sej] ~ [se] para seis) é observado neste estudo. A amostra em exame, parte do banco de dados do Varsul (Variação Lingüística Urbana da Região Sul do Brasil), refere-se ao português falado em Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, reconhecidamente influenciado pela colonização açoriano-madeirense iniciada no século XVIII. Caracterizado pela não implementação e consequente perda de força, o processo em questão é descrito e analisado a partir da perspectiva tanto do grupo, nos moldes sugeridos pela metodologia da Teoria da Variação (LABOV, 1972, 1994), quanto do indivíduo. Foram considerados informantes de três localidades do município, com diferentes graus de urbanização: o centro de Florianópolis, a Barra da Lagoa e o Ribeirão da Ilha. Os dados obtidos foram codificados de acordo com as seguintes variáveis independentes: Posição do /S/ no Vocábulo; Contexto Seguinte ao /S/; Sonoridade da Fricativa; Papel Morfológico do /S/; Sexo; Escolaridade; Faixa Etária; Distritos do Município de Florianópolis. Os resultados indicaram que a monotongação do ditongo decrescente diante de /S/ apresenta comportamento diferenciado de acordo com o distrito onde é produzida. No distrito da Barra da Lagoa, o processo apresenta-se apenas em itens lexicais específicos (como mais, depois, dois e seis) e nos distritos do Ribeirão da Ilha e de Florianópolis (centro), considerados conjuntamente, indica condicionamento fonético, já que é a sonoridade da fricativa palato-alveolar a variável independente linguística apontada como estatisticamente relevante. Nesses distritos, as mulheres surgem como as que preferem sua produção, assim como se verifica para a regra variável de palatalização da fricativa em coda na comunidade (cf. BRESCANCINI, 2002). Entre os mais jovens, a redução do ditongo decrescente diante de coda fricativa palato-alveolar dá mostras de perda de força apenas no distrito da Barra da Lagoa. PALAVRAS-CHAVE: monotongação;ditongo decrescente;palatalização;VARSUL.

Introdução

O processo de monotongação verificado neste estudo considera a supressão do

glide [j] nos ditongos decrescentes [aj], [ej], [j], [oj], [õj] seguidos por fricativa 1 Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Letras, Departamento de Estudos Lingüísticos. Rua Eça de Queiroz, 466/304. CEP 90670-020. Porto Alegre-RS, Brasil. [email protected]

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alveolar ou palato-alveolar em dados do chamado açoriano-catarinense, variedade do

português brasileiro notadamente marcada por traços do português europeu trazido

pelos colonizadores açorianos que ocuparam a parte central do litoral do Estado a partir

do século XVIII. A perspectiva de análise parte do pressuposto de que é característica

fundamental da língua a capacidade de lidar com a heterogeneidade ordenada, base da

Teoria da Variação Linguística (LABOV, 1972, 1994).

São ocorrências do processo em questão bot[õ] para botões, m[a] para

mais, v[a] para vais, d[o] para dois, já mencionadas em registros de documentos do

século XV (MAIA, 1986), do português europeu, continental (BOLÉO, 1975;

GONÇALVES, 2000) e insular (MAIA, 1965; PAVÂO, 1981), e do português

brasileiro (FURLAN, 1989; ALMEIDA, 2005).

A observação preliminar das ocorrências de monotongação diante de /S/ nos

dados de Florianópolis-SC indicou que o processo ocorre predominantemente diante de

fricativa palato-alveolar, a realização de /S/ preferida na comunidade, com taxa de

aplicação de 83% (cf. BRESCANCINI, 2002). Sendo assim, os casos de monotongação

diante de [s,z] (como em m[as] caseira), em número de dez, foram eliminados do

corpus. Outro contexto de preferência para o processo é o tônico, já que não há dados de

monotongação em posição não acentuada, seja pretônica ou postônica.

Diante de tal quadro, este estudo pretende pois investigar se a monotongação

diante de fricativa palato-alveolar (i) apresenta, de fato, baixa aplicação, como se pode

inferir a partir da vinculação do processo ao português arcaico e ao português europeu;

(ii) perde força na variedade catarinense; (iii) está sujeita a condicionamentos

lingüísticos e/ou sociais ou sobrevive apenas itens lexicais específicos e (iv) apresenta

comportamento semelhante nos três distritos investigados.

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A seguir, são descritos os procedimentos adotados para a condução da análise.

Metodologia

A amostra inicial em exame contou com 98 informantes florianopolitanos, de

três distritos da Ilha, indicados na Figura 1 a seguir. De Florianópolis, parte central da

ilha e do continente, a região mais urbana, em amarelo no mapa, foram considerados 48

informantes; do Ribeirão da Ilha, ao sudoeste da Ilha, em vermelho, região de

colonização mais antiga, 24 informantes; da Barra da Lagoa, ao leste da ilha, em azul,

marcada por uma interação sócio-cultural-espacial mais recente, 26 informantes.

Como houve um número considerável de informantes que não produziram a

monotongação diante de fricativa palato-alveolar, foi necessário reorganizar a amostra.

Desse modo, o distrito de Florianópolis passou a contar com 36 informantes, já que

25% do grupo selecionado inicialmente apresentou 0% de aplicação; o distrito do

Ribeirão perdeu 29% de seus informantes, permanecendo com 17, e o distrito da Barra,

50%, permanecendo, portanto, com 13 informantes.

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Figura 1 – Município de Florianópolis-SC: distritos em exame

Com base nos pressupostos metodológicos variacionistas, as 1 376 ocorrências

de ditongos decrescentes diante de fricativa palato-alveolar, monotongados ou não,

foram codificadas e submetidas a tratamento estatístico com o auxílio do programa

computacional Varbrul 2S.

Os grupos de fatores considerados no estudo a fim de que as questões

apresentadas na seção anterior possam ser investigadas são:

Posição do /S/ no vocábulo: final absoluta ou final diante de vocábulo

Contexto Seguinte ao /S/: coronal, labial, dorsal ou zero

Sonoridade da Fricativa: [+ voz], [- voz]

Papel Morfológico do /S/: parte do radical, flexão nominal, flexão verbal

Sexo: masculino e feminino

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Escolaridade: 0-5 anos, 6-9 anos, 11 anos, 14 anos ou mais

Faixa Etária: 15-20 anos, 25-40 anos, 41-60 anos, 61 anos ou mais

Distritos: Florianópolis, Ribeirão da Ilha, Barra da Lagoa

A descrição do corpus e a análise unidimensional dos resultados são

apresentados a seguir.

Descrição do corpus e análise unidimensional

A frequência global apresentada pela análise unidimensional realizada pelo

programa computacional indicou que a monotongação de ditongos decrescentes diante

de fricativa palato-alveolar é, de fato, um processo de baixa aplicação, com taxa de

24%, conforme se verifica no Gráfico 1 a seguir.

24%

76%

reduçãoditongo

Gráfico 1 – Monotongação nos três Distritos: Frequência Global

Devido ao índice obtido, procedeu-se ao exame das ocorrências que compõem o

corpus, que indicou a concentração de dados em itens lexicais específicos, conforme

especifica o Quadro 1 seguinte.

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Quadro 1 – Monotongação do ditongo decrescente diante de /S/: itens lexicais do corpus

Item Lexical Percentagem N

MAIS 49,2% 648 DEPOIS 17,8% 234

DOIS 8,8% 116 SEIS 4,4% 59

Outros 19,8% 259

Observa-se que praticamente a metade do corpus, 49,2%, diz respeito a apenas

um item, o advérbio mais. O advérbio depois e os numerais seis e dois perfazem 31%.

Os 19,8% restantes envolvem outros itens lexicais que não chegam a um número

significativo de repetições. As ocorrências que compõem esse último fator são

apresentadas no Quadro 2 a seguir.

Quadro 2 – Outros Itens Lexicais por Distrito

Classe morfossintática

Ocorrências - Florianópolis

TOTAL

Advérbio dema, jama 5 Substantivo – sing. ca (cais); limo 11 Substantivo – pl. pa (pais); r (reis);

aplicasõ; caõ; proporsõ; capita; camarõ; relaçõ; construsõ; botõ

15

Verbo va 1

Ocorrências – Ribeirão

Verbo va 2 Advérbio dema 1 Substantivo – pl. casa; igua; rura 5

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Há duas informações no Quadro 2 tidas como fundamentais para a condução da

presente análise: (i) os itens lexicais não frequentes no corpus envolvem tanto o /S/

parte do radical, como se observa nas ocorrências classificadas como advérbios e

substantivos no singular, como o /S/ marcador de flexão nominal e verbal, caso que se

registra apenas pelo item vais ([va]) e (ii) não há ocorrências de tais casos no distrito

da Barra da Lagoa, o que significa ser essa região produtora apenas da monotongação

em itens considerados frequentes no corpus.

A diferença de comportamento em relação ao processo em questão entre Barra,

de um lado, e Florianópolis e Ribeirão, de outro, é ainda verificada quando se realiza o

exame de ocorrências por informante. Os Quadros 3, 4, 5 e 6 a seguir apresentam a

distribuição dos fatores expressos no Quadro 2 anterior por informante de cada um dos

distritos.

Observa-se no Quadro 3 a seguir, relativo à produção dos itens lexicais por

informante do distrito da Barra da Lagoa, que de fato não há produção de

monotongação em casos de flexão nominal.

Quadro 3 – Informantes da Barra da Lagoa por Item Lexical2

s u y w a b i j p d l n q Mais / 0 / 0 x x x x x x x -- x Seis x x / -- --- x --- -- -- x -- -- -- Dois --- 0 0 0 x --- --- -- -- --- x x -- Depois --- 0 0 / --- x --- -- -- --- -- x -- Plural 0 0 0 0 0 0 0 0 0 --- -- -- --

2 Legenda: x (aplicação apenas de monotongação); 0 (não aplicação de monotongação); / (variação entre monotongação e ditongo); -- (não apresentou nenhuma ocorrência)

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Além disso, observa-se número considerável de informantes (11 informantes de

um grupo de 13) que apresentam 100% de monotongação em itens lexicais como mais

(8 informantes); seis (4 informantes); dois (3 informantes); depois (2 informantes). A

variação está presente em poucos informantes e chega a ocorrer menos do que os casos

de ausência de ocorrências.

O Quadro 4 seguinte indica uma situação bastante diferente. Há apenas 4 casos

de aplicação categórica da monotongação e predomínio de casos de variação ou de

ditongação.

Quadro 4 – Informantes do Ribeirão da Ilha por Item Lexical

2 3 6 7 8 a b c d ! @ # $ ^ & e i

Mais / / / 0 / 0 / / / / 0 x 0 / / / / Seis 0 0 / / / / 0 -- 0 0 -- -- -- -- / -- 0 Dois / 0 / 0 x 0 / 0 -- x / -- 0 x / 0 0 Depois 0 / 0 0 -- 0 / 0 0 0 -- 0 0 / 0 0 0 Plural 0 / 0 0 0 0 / / 0 -- 0 -- / / 0 0 0

Os Quadros 5 e 6, referentes aos informantes do distrito urbano de Florianópolis,

apresentam uma realidade muito semelhante a verificada para o distrito do Ribeirão da

Ilha no Quadro 4. Há apenas 6 informantes que realizam categoricamente a

monotongação em itens lexicais específicos, especificamente seis e dois, e um número

considerável de casos de variação e não realização do dado.

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Quadro 5 – Informantes de Florianópolis por Item Lexical

8 1 4 3 2 5 9 7 w z - ! = % ] ^ # ,

Mais / / / 0 / / / / 0 / / 0 / / / / / / Seis 0 0 -- 0 -- 0 0 -- -- -- 0 x -- 0 -- -- x x Dois 0 0 0 0 -- 0 / 0 0 / / / -- x -- -- -- / Depois / 0 / 0 0 0 0 0 0 / / 0 0 0 / 0 0 / Plural / 0 / / 0 / / 0 / / / 0 0 0 0 0 0 /

Quadro 6 – Informantes de Florianópolis por Item Lexical

a b c d f g i j l o p q r s t u x @

Mais / / / / / / / / 0 / / / / 0 / 0 0 / Seis -- 0 -- -- -- 0 -- 0 0 -- -- -- -- 0 x / x 0 Dois -- 0 -- 0 -- / -- -- 0 0 -- / 0 0 / / 0 0 Depois -- 0 -- 0 0 0 / 0 / 0 -- / 0 / / / 0 / Plural / 0 0 0 / 0 / 0 0 / 0 / 0 -- 0 / 0 0

Diante de tal realidade, optamos por realizar o exame da relevância estatística

dos condicionadores linguísticos e sociais por distrito, considerando a Barra da Lagoa

de uma lado, apesar do forte indício do papel que o léxico exerce na produção da

monotongação em exame, e o Ribeirão da Ilha e Florianópolis de outro, pela

proximidade de comportamento em relação ao fenômeno apresentado pela exame das

ocorrências por indivíduo. Os resultados estatísticos são apresentados na próxima seção.

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Análise multidimensional por distrito

Em relação ao distrito da Barra da Lagoa, o programa de análise estatística

apontou como relevantes apenas as variáveis sociais Escolaridade e Idade. Os resultados

em relação à primeira, apresentados no Gráfico 2 a seguir, indicam que os indivíduos

que apresentam de 0 a 5 anos de escolaridade e aqueles com 11 anos de escolaridade

apresentam pesos relativos indicativos de favorecimento à monotongação equivalentes a

0,64 e 0,86, respectivamente. Já os indivíduos com 6 a 9 anos de escolaridade

apresentam peso relativo pouco favorável ao processo, de 0,28.

0,64

0,28

0,86

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

0 a 5 anos 6 a 9 anos 11 anos

Gráfico 2 – Monotongação e Escolaridade: Barra da Lagoa

Tais resultados, difíceis de serem interpretados em um primeiro momento,

revelam, na verdade, não o comportamento do grupo, mais sim de informantes

específico, como é possível depreender do Gráfico 3 a seguir, onde se observa que em

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todos os grupos há indivíduos com aplicação alta, de 100% , e baixa, de 13%, 3% e 4%.

Entende-se, portanto, que são os dois informantes do grupo de 0 a 5 anos de

escolaridade, com 100% de monotongação, e os dois informantes do grupo de 11 anos

de escolaridade, com 91% e 100%, responsáveis pelos altos pesos relativos de seus

grupos.

13

33

100 100

310 13

33

100

4

44

91

100

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100

0 a 5anos

0 a 5anos

0 a 5anos

0 a 5anos

6 a 9anos

6 a 9anos

6 a 9anos

6 a 9anos

6 a 9anos

11anos

11anos

11anos

11anos

Gráfico 3 – Monotongação e Escolaridade por Informante: Barra da Lagoa

Com relação à variável Idade, os resultados apontam que a monotongação diante

de fricativa palato-alveolar está, de fato, perdendo força na variedade em questão já que

são os informantes mais velhos, com idade entre 41 e 60 anos, os que apresentam peso

relativo indicativo de favorecimento de 0,73. Os adultos, com idade entre 25 e 40 anos,

apresentam peso indicativo de favorecimento um pouco mais baixo, de 0,69. Os jovens

entre 15 e 20 anos mostram o menor peso relativo, de 0,20, resultado que aponta para

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uma evidência em tempo aparente de perda de força do processo na variedade em

exame.

0,2

0,690,73

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

15-20 25-40 41-60

Gráfico 4 – Monotongação e Idade: Barra da Lagoa

A análise multidimensional realizada para a amostra composta pelos distritos do

Ribeirão e do centro urbano de Florianópolis apontou como estatisticamente relevantes

para a monotongação diante de fricativa palato-alveolar nessas regiões as variáveis

Sonoridade da fricativa e Sexo.

A seleção da variável referente à sonoridade da fricativa palato-alveolar indica o

único condicionamento fonético ao processo de monotongação em questão. Os

resultados, expressos no Gráfico 5 a seguir, indicam que as fricativas desvozeadas, com

peso de 0,56, são mais favorecedoras do que as vozeadas, com peso de 0,39.

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94

0,56

0,39

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

desvoz voz

Gráfico 5 – Monotongação e Traço [voz]: Ribeirão da Ilha e Florianópolis

O favorecimento dos segmentos desvozeados à monotongação diante de fricativa

palato-alveolar indica a predileção do processo por contextos produzidos com maior

força articulatória, o que também se verifica para a regra variável de palatalização do

/S/ na mesma comunidade (como em f[e]ta e a[] casas) (cf. BRESCANCINI, 2002).

Os resultados para a variável Sexo, segunda variável apontada como relevante

para os distritos considerados conjuntamente, são apresentados no Gráfico 6 a seguir.

As mulheres, com peso relativo de 0,55, apresentam-se como mais favorecedoras à

monotongação em relação aos homens, os quais apresentam peso relativo de 0,44.

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95

0,55

0,44

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

fem masc

Gráfico 6 – Monotongação e Sexo: Ribeirão da Ilha e Florianópolis

Novamente, o resultado acima exposto vai ao encontro do obtido para a

palatalização da fricativa /S/ em posição de coda nos distritos em estudo (cf.

BRESCANCINI, 2002), onde as mulheres surgem como as que mais aplicam a regra

variável.

Embora a variável Idade não tenha sido selecionada na amostra correspondente

aos distritos do Ribeirão da Ilha e de Florianópolis, o cruzamento entre Sexo e Idade foi

apontado como estatisticamente relevante pelo programa computacional. Os resultados,

expressos no Gráfico 7 a seguir, indicam que as mulheres apresentam um padrão estável

quanto à aplicação da monotongação: as mais jovens e as mais velhas apresentam pesos

relativos praticamente idênticos, de 0,60 e 0,59, respectivamente. Com relação às faixas

intermediárias, as adultas jovens mostram-se também favorecedoras, com peso relativo

de 0,57, e as mulheres adultas, com idade entre 41 e 60 anos, mostram-se relativamente

pouco favorecedoras, com peso de 0,46.

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96

0

0,39

0,48 0,47

0,6 0,57

0,44

0,59

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1

15 a 20 25 a 40 41 a 60 61 +

homemmulher

Gráfico 7 – Monotongação e Sexo x Idade: Ribeirão da Ilha e Florianópolis

O resultado para os homens assume uma direção oposta quando comparado ao

das mulheres no Gráfico 7. Embora abaixo do ponto de referência 0,50, a curva

verificada aponta levemente para o enfraquecimento da monotongação em estudo: os

adultos jovens apresentam o peso relativo menos favorecedor, de 0,39, enquanto as

faixas mais velhas apresentam pesos relativos mais altos, de 0,44 e 0,47.

Sumariando, o presente estudo indicou que a monotongação do ditongo

decrescente diante de fricativa palato-alveolar caracteriza-se como um processo de

baixa aplicação na amostra representativa do açoriano-catarinense. No entanto, os

distritos em exame apresentam comportamentos distintos quanto ao processo: enquanto

no distrito da Barra da Lagoa há indícios de que o léxico exerça papel, nos distritos do

Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 5 – O Português popular do Brasil, Portugal e África: aproximações e distanciamentos.

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Ribeirão da Ilha e de Florianópolis, centro urbano, o condicionamento fonético se faz

presente.

Por apresentar como contexto seguinte preferencial a fricativa palatalizada, é

possível apontar para a relação entre o processo em exame e o de palatalização em coda,

o que se confirma, nos distritos do Ribeirão da Ilha e de Florianópolis, pela preferência

das mulheres à sua aplicação e pelo contexto seguinte fricativo palato-alveolar

desvozeado, assim como se verifica também para a regra variável de palatalização.

Ainda nesses distritos observa-se que a monotongação em estudo dá mostras de perda

de força, sobretudo entre os homens.

Embora a análise conduzida pela perspectiva do grupo aponte para um processo

de baixa aplicação, a análise conduzida a partir da perspectiva do indivíduo indica

diferentes graus de variação intra-individual. É possível identificar, nesse sentido, uma

situação de polarização, com Florianópolis e Ribeirão da Ilha em um extremo, marcada

por maior variação intra-individual, e Barra da Lagoa em outro, onde a variação intra-

individual é menos provável.

É possível inferir que a redução do ditongo decrescente diante de coda fricativa

palato-alveolar dá mostras de perda de força entre os mais jovens do distrito da Barra da

Lagoa. Quanto à avaliação social do processo, percebe-se ausência de correlação entre

redução e prestígio, já que os altos pesos relativos apresentados pelos indivíduos mais

escolarizados dizem respeito a taxas altas de produção individual.

Referências Bibliográficas BOLÉO, M. de P. Estudos de lingüística portuguesa e românica: dialectologia e história da língua. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1 (1): XV, 1974.

Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 5 – O Português popular do Brasil, Portugal e África: aproximações e distanciamentos.

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