A Morte Sob o Paradigma Da Dinidade Humana

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texto sobre eutanásia

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  • 87II Simpsio Internacional de Direito: dimenses materiais e eficaciais dos direitos fundamentais

    A MORTE SOB O PARADIGMA DA DIGNIDADE HUMANA

    Astrid Heringer*, Mestre, UFSM, RSLiana Maria Feix Suski**, Mestre, URI, RS

    Resumo

    O presente artigo procura analisar o princpio constitucional da dignidade da pessoa humana enquanto fundamento para uma morte digna. Hoje a morte digna um dos temas mais debati-dos na rea mdica e biotica. Inmeros casos so encontrados no decorrer da histria. No Brasil o assunto ainda praticamente inexistente, havendo apenas a previso da legislao ordinria, que cobe a prtica por conceb-la como delito. A dignidade da pessoa humana conecta-se com o princpio da autonomia da vontade para reforar o direito do paciente terminal de escolher como e quando morrer. Contextualizar-se- a morte digna na biotica, verificando os conceitos e expe-rincias nacionais e internacionais.Palavras-chave: Morte digna. Dignidade humana. Autonomia da vontade.

    1 INTRODUO

    O presente estudo tem sua origem no questionamento que se faz para entender em que medida a Constituio Federal brasileira ampara o direito de se reivindicar por uma morte digna, considerando o princpio constitucional da dignidade da pessoa humana.

    Inicialmente, abordar-se- a morte digna no contexto da biotica, interpretando da melhor e mais adequada forma o progresso biomdico, para em seguida, estudar as experincias nacionais e internacionais sobre o tema, buscando apresentar, a partir das legislaes hoje em vigor, sua incluso no cotidiano das pessoas e uma releitura envolvendo no somente o aspecto legal, como tambm, o mdico, sociolgico, religioso, antropolgico, entre outros.

    Os princpios constitucionais fundamentais sero utilizados para fundamentar um possvel direito morte digna. Assim, o princpio da dignidade da pessoa humana dever ser levado em conta na interpretao de qualquer norma existente no ordenamento jurdico, sendo utilizado para dar limites jurdicos tolerveis aos avanos cientficos, requerendo uma cons-tante reflexo e reforo ideia do direito do paciente terminal escolher como e quando morrer.

    * Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria; membro do Grupo de Pesquisa registrado no CNPq Tutela dos Direitos e sua Efetividade, vinculado Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Misses, Campus de Santo ngelo; [email protected]** Advogada; Mestre em Direito pela Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Misses, Campus de Santo ngelo; Bacharel em Direito pela URI; Secretria do Programa de Ps-graduao em Direito da URI desde 2006; membro do Grupo de Pesquisa registrado no CNPq Tutela dos Direitos e sua Efetividade, vinculado Univer-sidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Misses, Campus de Santo ngelo; [email protected]

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    Astrid Heringer, Liana Maria Feix Suski

    2 BIOTICA E A MORTE DIGNA

    Com pesquisas e avanos sobre o ser humano que vem surgindo a todo momento, surge, tambm, uma realidade que traz consigo novos conflitos ainda no idealizados pelo legislador. Para maior esclarecimento do tema da morte digna busca-se trazer um enfoque dos conceitos at uma reflexo tico-jurdica dos dispositivos legais.

    A biotica at pouco tempo precisava ser explicada a cada vez que fosse mencionada, o que, de certa forma, facilitou sua crescente popularidade. O termo surgiu em 1971 aludido por Van Rensselaer Potter em seu livro Biotica: uma ponte para o futuro (GAFO FERNNDEZ, 2000). Para Durant (1995, p. 22), a biotica definida como [...] o estudo interdisciplinar do conjunto das condies exigidas por uma administrao responsvel da vida humana (ou da pessoa huma-na), tendo em vista os progressos rpidos e complexos do saber e das tecnologias biomdicas.

    O certo que a biotica une a tica e a medicina com o objetivo de melhor interpretar o progresso biomdico preocupando-se em como esse avano ser aplicado e como a legislao recepcionar o novo conflito.

    A biotica e as polticas de assistncia moral ainda no so levadas a srio pela diversida-de moral que apresentam. Aqueles que a ensinam procuram mostrar e atribuir uma diversidade de interpretaes, no entanto, compreensvel que essa diversidade moral no seja reconhecida. A compreenso para o no reconhecimento justificada ao longo da histria. O ocidente foi o primeiro a trazer uma explicao cannica de justia e relao mdico-paciente (ENGELHARDT JUNIOR, 1998).

    Os aspectos ticos da medicina foram objeto de estudo por parte da moral catlica, principalmente no que se refere ao quinto mandamento, relacionado ao fim da vida. Na Idade Mdia, com o surgimento das primeiras Escolas de Medicina, foi institudo o juramento como pr-requisito para o exerccio da medicina que continua vigente na verso atualizado do Jura-mento de Hipcrates1 (GAFO FERNNDEZ, 2000).

    O conceito de biotica apresentado como cincia, disciplina ou movimento social que utiliza a tica e o senso crtico comum para resgatar a dignidade da pessoa humana e a sua qualidade de vida (BARCHIFONTAINE; PESSINI, 2002, p.9). Trata-se de uma nova medicina que surgiu para prolongar, atravs de aparelhos e medicamentos, a vida humana.

    Entre outros, um marco na histrica da biotica ocorreu em 1975, com uma jovem ame-ricana chamada Karen Ann Quinlan que, aps ingerir bebida, lcool e barbitricos,2 simultanea-mente, entrou em estado de coma com prognstico de irreversibilidade para uma vida consciente. Seus pais, catlicos praticantes, assessorados pelo padre de sua igreja, solicitaram ao hospital que desligassem o respirador que a mantinha viva gerando um polmico processo legal. O Tribunal Superior do Estado de Nova Jersey (USA) concedeu, em uma sentena histrica, no ano de 1976, o direito da jovem de morrer com dignidade e em paz (GAFO FERNNDEZ, 2000, p. 18).

    A discusso em torno do fim da vida tem sido um dos temas mais debatidos na rea da tica mdica e da biotica (GAFO FERNNDEZ, 2000, p. 37). Assim, afirma-se ser impossvel mencionar a morte digna sem mencionar a biotica.

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    A morte sob paradigma da dignidade humana

    Diante dessa realidade surgem problemas e, na busca de solues, questiona-se se a me-dicina3 est realizando seu papel na sociedade ou est procurando apenas prolongar a vida hu-mana (VIEIRA, 1999, p.79). Com acerto, pondera Vieira que [...] certos mdicos querem ainda definir as regras do jogo e pensam que a ltima palavra ainda deles. Mas parece, apesar disso, que embora tenham eles um papel essencial, a reflexo de certas decises pertencem a todos. (DURANT, 1995, p. 19).

    A Biotica, para Vieira, deve priorizar a proteo do ser humano, no as corporaes biomdicas. A cincia deve existir como esperana e no como uma ameaa a vida humana (VIEIRA, 1999, p. 21).

    A biotica, ao criar regras4 para auxiliar no melhor uso das novas tecnologias, busca alcanar o seu significado e sua abrangncia, no entanto, essas regras no possuem represso. Cabe cincia do Direito trazer normas para regular a conduta dos indivduos na sociedade. o conjunto de normas, impostas pelo Estado, com o objetivo de convencionar as relaes entre os indivduos e entre os indivduos e o Estado (VIEIRA, 1999, p.3). Uma nova cincia brota exigindo a imposio de limites controladores que interfiram na sociedade e, principalmente, no individual de cada cidado, de forma digna, sem prejudic-lo.

    Beccari (2006) afirma que:

    Com a realidade da biotecnologia e da biomedicina, as pesquisas avanadas sobre o ser humano e a aplicao dessas descobertas no homem fizeram surgir conflitos jurdicos no imaginados pelo legislador, reclamando o nascimento de normas jurdicas para solucionar tais situaes, com a finalidade precpua de proteger a vida, sem desacelerar o progresso da cincia.

    Novos conflitos ainda no idealizados pelo legislador vo surgindo a todo momento e exigindo uma regulamentao. Enquanto as normas no so introduzidas no ordenamento jurdico temos os princpios para orientar o melhor caminho a ser seguido.

    3 APROXIMAES CONCEITUAIS

    A palavra eutansia tem origem grega. Ela advm do grego eu que significa bem, e th-natos que quer dizer morte. Significando, literalmente, boa morte (ALMEIDA, 2000, p. 149).

    No entanto, atualmente, vem perdendo seu sentido etimolgico para expressar o pro-cesso mdico para acelerar a morte de um doente terminal ou para tirar sua vida (GAFO FER-NNDEZ, 2000, p. 85-86).

    importante destacar que a palavra eutansia bastante confusa, ou seja, diferentes pessoas podem entender diferentes coisas ao ouvir a palavra eutansia. Muitos continuam a associ-la com as atrocidades do nazismo, embora j tenha se passado mais de sessenta anos e a dureza que trazia seu significado tenha se perdido. Para distinguir as distintas situaes rela-cionadas com a eutansia so utilizados diversos adjetivos como ativa/passiva, direta/indireta. Atualmente, ao buscar o reconhecimento do direito a uma morte digna e em paz pretende-se fugir deste pr-conceito existente (GAFO FERNNDEZ, 2000, p. 85-86).

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    Astrid Heringer, Liana Maria Feix Suski

    No so raros os acontecimentos no decorrer da histria com os quais a eutansia associada. No caso j citado da jovem americana Karen A. Quinhan se falou em eutansia quando seus pais conseguiram, depois de longo processo judicial, autorizao para que o apare-lho que a mantinha respirando fosse desligado. Tambm foi mencionada a eutansia quando o escritor Arthur Koestler5 decidiu pr fim a sua vida aps um diagnstico de leucemia. Na Espa-nha, podemos associ-la ao caso de Ramn Sampedro, que aps 26 anos tetraplgico, em razo do trgico acidente, solicitou auxlio para pr fim vida (GAFO FERNNDEZ, 2000, p. 84).

    A eutansia referida nos diferentes casos, ficando evidente a necessidade de melhor definir qual o seu conceito preciso.

    A eutansia ativa vem da realizao de um ato, uma ao de outrem, normalmente um mdico, que ser determinante para levar morte desejada pelo paciente terminal. Ou seja, causar a morte de um paciente terminal, a pedido dele (GOMES, 2012). uma ao mdica positiva, por exemplo, quando o mdico aplica uma injeo de morfina, com dose superior recomendada.

    J a eutansia passiva, tambm chamada de ortotansia, caracteriza-se pela suspenso dos tratamentos que esto prolongando a vida do paciente terminal, que no mais tem chance de cura (GOMES, 2012). uma ao mdica negativa como, por exemplo, o desligamento de aparelhos respiratrios.

    A morte assistida, para Gomes, consiste no auxlio prpria pessoa que deseja praticar ato que levar sua morte (GOMES, 2012).

    Ainda, pode-se mencionar a distansia e a ortotansia. Aquela, a distansia, traz o prefi-xo, de origem grega, dis para apresentar o prolongamento exagerado do processo de morte de um paciente, o que criaria uma morte cruel ao doente. Pode-se referir tambm o prefixo a que seria o no prolongamento do processo da morte (GAFO FERNNDEZ, 2000, p. 91). Tambm chamado de excesso teraputico, a distansia traz um sofrimento maior para os doentes terminais.

    O prefixo orto d origem ao termo ortotansia trazendo o significado de morte apropria-da, no tempo certo. Constitui-se na no utilizao de tratamentos desnecessrios, desumanos, e, ao mesmo tempo, sem cortes de tratamentos necessrios, para amenizar suas dores. Este neologismo utilizado pela Igreja Catlica (GAFO FERNNDEZ, 2000, p. 91).

    4 MORTE DIGNA NO BRASIL

    A eutansia traz uma realidade que ainda no est introduzida explicitamente na le-gislao, sendo necessrio fazer uma analogia com as normas em vigor. Procurar-se- analisar a legislao brasileira, fazendo uma comparao com experincias internacionais.

    No Brasil o assunto ainda bastante nebuloso. Pouco colocado em pauta e, na maioria, impondo-se uma interpretao literal da legislao. Essa interpretao literal apresentada como uma viso formalista do Direito Penal, onde a eutansia considerada um crime. Mas essa viso precisa ser revista. Com a interpretao literal e formalista do direito no Brasil, considera-se a eutansia crime, enquadrada como homicdio doloso que, em face da motivao do agente, poderia ser considerado na condio de privilegiado, e a pena seria apenas reduzida.

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    A morte sob paradigma da dignidade humana

    Ocorre, porm, que na prtica a situao bem diferente, pois envolve o aspecto legal, mdico, sociolgico, religioso e antropolgico, entre outros (DURSO, 2005).

    Antes de considerar a eutansia crime necessrio analisar todos os aspectos envolvi-dos, no sendo possvel, dessa forma, dar tratamento igual para a teoria e para a prtica sem verific-los.

    4.1 CONSTITUIO FEDERAL E SEUS PRINCPIOS

    No que tange s normas brasileiras, tem-se a Constituio Federal como a maior delas, devendo ser seguida e jamais contrariada. nela que se encontram os princpios fundamentais, que so utilizados para interpretar as demais normas, e que se utiliza como base para argumentar a favor da eutansia.

    pertinente destacar que os princpios, referindo-se aqui num sentido lato, so a ori-gem de qualquer norma jurdica. So eles a fonte, caminho e destino que guiam a correta in-terpretao das normas at ento existentes. A ideia de princpio surge como a estrutura para as demais ideias, pensamentos, donde derivam todas as demais, subordinando-se e/ou recon-duzindo-se. Alm de ser um princpio jurdico, o princpio constitucional considerado a fora terica e normativa no Direito enquanto cincia e ordem jurdica (ESPNDOLA, 1999, p. 44).

    Ao diferenciar os princpios das regras pode-se observar a abrangncia que aqueles atin-gem. A regra geral na medida em que estabelecida por um nmero indeterminado de fatos e atos, regulando somente estes, aplicvel por completo, sendo o tudo ou nada. J os princpios diferenciam-se por admitir indefinidas aplicaes (ESPNDOLA, 1999, p. 64).

    O direito no um fim em si mesmo, ele deve ter o objetivo de refletir as aspiraes e valores que a sociedade deseja, servindo como medida que proporcionar condies para um relacionamento social seguro (LEITE, 2003).

    Os princpios, por si s, so consagradas como normas jurdicas, e elevados a status constitucional adquirem superioridade, assumindo maior importncia em relao aos demais.6 Com essa relevncia, pode-se afirmar que os princpios, agora constitucionais, tornam-se a norma das normas. E quando h coliso entre os princpios aplica-se outro, o princpio da pro-porcionalidade para reger o caso concreto (LEITE, 2003).

    Alguns doutrinadores, a exemplo de Ruy Samuel Espndola, solucionam o problema do confronto de princpios referindo que caber ao aplicador do direito optar por um dos princpios, no caso concreto, mas no excluindo o outro princpio do sistema (ESPNDOLA, 1999, p. 68).

    A Constituio Federal de 1988 traz normas e princpios que devem ser seguidos para uma correta interpretao de toda e qualquer norma jurdica. Tem-se como base, presente no artigo 5, os princpios fundamentais, entre eles o da dignidade da pessoa humana. No caso da eutansia, pode-se afirmar que esse princpio no afrontado, pelo contrrio, e ser usado como base para que todos possam ter uma morte digna. Gomes esclarece que o que governa a sociedade e suas relaes Cons-tituio Federal, a lei maior:

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    Astrid Heringer, Liana Maria Feix Suski

    H muitos que afirmam que a vida e a morte pertencem a Deus (isso decorre da re-levante liberdade constitucional de crena). Mas no plano terreno (e jurdico) o que temos que considerar a Constituio Federal, os tratados internacionais e o Direito infraconstitucional. Na esfera constitucional o fundamental nos parece respeitar os princpios da dignidade humana e da liberdade (que significa direito autodetermina-o). Eles no conflitam com o direito eutansia ou ortotansia ou morte assistida, ao contrrio, constituem a base da chamada morte digna. (GOMES, 2012).

    O direito vida como um direito fundamental impe ao Estado e aos particulares o de-ver de respeit-lo quanto s demais pessoas. A Constituio Brasileira fez meno aos direitos fundamentais, a partir de 1946, quando passou a assegurar a inviolabilidade dos direitos vida, liberdade, segurana individual e propriedade (LARCHER, 2012).

    Aps esses direitos serem assegurados expressamente pela Carga Magna, o direito fun-damental vida deve ser protegido pelo Estado e respeitado por ele e pelos demais cidados.

    5 DIREITO MORTE DIGNA A PARTIR DE NOVAS EXIGNCIAS SOCIAIS

    Em razo dos inmeros avanos tecnolgicos, a medicina afronta a possibilidade de manter a vida, a matria viva ou, ainda, o organismo vivo, trazendo, inevitavelmente, ansieda-de de um ser humano tico e digno. O prprio conceito de morte e de morrer alterado (COR-RA; GIACOIA; CONRADO, 2008, p. 155-156).

    Vieira (1999, p. 82) afirma que:

    A morte entendida como a cessao da vida fsica ou mental, ou seja, a cessao total e permanente de todas as funes ou aes vitais de um organismo. Sua determinao escapa ao direito, cabendo a medicina sua constatao, embora alguns textos legais, sobretudo os atinentes aos transplantes, aportem alguns critrios.

    Os limites jurdicos para essa nova realidade so encontrados nos princpios dos or-denamentos jurdicos, prioritariamente nos princpios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da autonomia da vontade.

    Um dos direitos e garantias fundamentais apresentados pela Constituio Federal Bra-sileira o direito vida, estando expresso no artigo 5, caput, que todos tm garantidos, entre outros, a inviolabilidade do direito vida. Mas a titulao dessa inviolabilidade bastante de-batida entre os doutrinadores.

    Uma primeira corrente refere-se ao direito vida como um direito absoluto, de forma que ningum pode dispor dela, declarando a ilegalidade da eutansia fundamentalmente na pos-tura da intangibilidade e indisponibilidade da prpria vida humana. Outra corrente argumenta o direito vida em favor da eutansia, negando o direito vida como direito absoluto, sob o fundamento de que prefervel morrer a continuar a viver nas circunstncias de certos doentes terminais (GUZMN, 2005, p.53).

    Observa-se que na segunda corrente o paciente tem o direito de escolher ser cuidado por especialistas e ao ter a possibilidade de ser submetido a procedimento na busca de retomar

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    A morte sob paradigma da dignidade humana

    sua sade, tambm deve ter o direito de dizer no aos tratamentos oferecidos em virtude de um intil prolongamento de sua vida.

    Para Guzmn (2005, p. 52):

    [...] este derecho fundamental a la vida contiene al mismo tiempo el reconocimiento de un derecho subjetivo a quien tenga capacidad para ser titular del mismo (la persona, esto es los nacidos) y la identificacin de un bien jurdico protegido constitucionalmen-te (la vida humana en toda su evolucin y desarrollo).

    Esse direito fundamental est, de forma implcita, na legislao brasileira, sendo atual-mente possvel exigir sua aplicao aos doentes terminais que o solicitarem.

    A carta de direitos dos pacientes traz como um dos seus fundamentos o consentimento esclarecido, atualmente denominado de consentimento informado. Ou seja, o paciente capaz7 tem a autonomia de decidir, voluntria, verbal ou escrita, se quer ser submetido a tratamento especfico ou experimentao, consciente de seus riscos, benefcios e possveis conseqncias (PITHAN, 2004, p. 43).

    Ao constatar que o consentimento informado tem fundamento na Declarao Univer-sal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, pode-se afirmar que ele encontra suporte legal em nosso ordenamento, pois a Constituio Federal de 1988 abordou todos os direitos referidos na Carta. Com isso, todo paciente tem o direito inviolabilidade de sua pessoa, tendo autonomia para escolher o tipo de tratamento, entre as opes oferecidas (PITHAN, 2004, p. 43).

    Quando o direito reconhece a subjetividade (ou seja, a capacidade de todo homem de poder solicitar a proteo do direito) em cada ser humano, realiza, por assim dizer, uma aposta; uma aposta em favor da igualdade frente desigualdade, da comunicao fren-te incomunicao, da maturidade frente infantilidade, da lucidez frente turvao da inteligncia. (DAGOSTINHO, 2006, p. 78-79).

    O direito at ento implcito na legislao brasileira aponta uma pequena brecha para sua literal participao. No obstante, a hermenutica auxilia para que se faa a correta e ade-quada interpretao dos princpios constitucionais, dando oportunidade para que os doentes terminais venham a ter a opo de pr fim a sua angstia e sofrimento.

    6 MORTE DIGNA E OS PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS

    Preliminarmente, faz-se necessrio destacar qual a importncia dos princpios em nos-so ordenamento jurdico. O princpio absoluto, um axioma inexorvel8 do direito, incorpora-do por este como linguajar prprio, sendo impossvel afast-lo (NUNES, 2002).

    Os princpios devem ser levados em conta na interpretao de qualquer norma exis-tente no ordenamento jurdico. Nenhuma norma deixar de ser regida pelos princpios para atingir seu sentido completo. Sua influncia exigida de forma plena e direta para determinao de qualquer preceito (NUNES, 2002).

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    Astrid Heringer, Liana Maria Feix Suski

    O princpio real, palpvel, substancial, no podendo, por consequncia, ser des-prezado. No ponto mais alto de qualquer sistema jurdico situam-se os princpios, o que no significa que sua incidncia no atinja a realidade. Ao contrrio, quando as normas jurdicas incidem no plano real, respeitando os princpios, acabam, por conseguinte, traz-los realidade (NUNES, 2002).

    O sistema jurdico est organizado hierarquicamente em norma fundamental (a Cons-tituio Federal) e normas inferiores Constituio, podendo ser definido como um conjunto de normas e princpios. Os princpios so mais abstratos se comparados com as normas. Os primeiros devem ser reconhecidos de maneira implcita no sistema jurdico, as segundas devem existir efetivamente para ter validade, vigncia e eficcia (NUNES, 2002).

    O ponto mais importante no sistema normativo so os princpios constitucionais. o verdadeiro alicerce em que se firma o sistema. Podem ser encontrados de forma implcita e explicita, vinculando o entendimento e aplicao das normas jurdicas que com ele conectam (NUNES, 2002).

    A atual Constituio Federal brasileira reza nos primeiros artigos de seu texto (1 ao 4) sobre os direitos fundamentais, dos quais se pode destacar o inciso III do artigo 1, o princpio fundamental da dignidade da pessoa humana, um dos direitos basilares da hermenutica jurdica.

    preciso considerar que a pessoa humana o valor primordial, cabendo ao direito pro-teger, tanto no campo normativo interno das naes, quanto no plano internacional. A digni-dade humana que funciona como uma fonte jurdico-positiva para os direitos fundamentais, o que lhes possibilita coerncia e unidade, sendo o princpio fundamental da dignidade da pessoa humana uma espcie de lei geral para os direitos fundamentais.

    A escolha entre o no abreviar a vida e o no prolongar a agonia, o sofrimento, de extrema importncia para garantir a dignidade no momento final da vida. O cuidado com o so-frimento humano fsico, psquico, social e espiritual o grande desafio, pois o ser humano tem a potencialidade de unificar a competncia tecnocientfica, no limite tolervel, e a ternura humana, no seu mais alto nvel, diante da vulnerabilidade do incio e fim da vida (PESSINI, 2006, p. 115).

    7 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA PARA ESCOLHER COMO E QUANDO MORRER

    A Constituio traz como principal direito, constitucionalmente garantido, a dignida-de da pessoa humana. considerada como fundamento de todo o sistema. a dignidade que dar a direo a ser seguida primeiramente pelo intrprete (NUNES, 2002).

    O valor intrnseco9 da pessoa humana surgiu no pensamento clssico e no iderio cris-to, mesmo sem dados concretos. Afirma-se que a concepo de dignidade da pessoa consta tanto no Antigo como no Novo Testamento, reforando o valor prprio de cada ser humano quando refere que este foi criado imagem e semelhana de Deus (SARLET, 2002, p. 29-30).

    O pensamento filosfico e poltico da antiguidade clssica trazia a dignidade como re-gra para diferenciar determinada posio social, sendo uma quantificao e modulao da dig-

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    A morte sob paradigma da dignidade humana

    nidade, pois admitia a existncia de pessoas mais ou menos dignas. J no pensamento estico10 verifica-se que a dignidade era a qualidade que diferenciava o ser humano das outras criaturas, no sentido de que todos so iguais em dignidade (SARLET, 2002, p. 30-31).

    Importante contribuio, do espanhol Francisco de Vitoria,11 no liminar da expanso colonial espanhola, sustentou que todos, em funo do direito natural e da prpria natureza humana, so, em princpio, livres e iguais, devendo ser respeitados. O pensamento jusnatura-lista, sculos XVII e XVIII, passou por um processo de racionalizao, mantendo-se a noo fundamental da igualdade de todos em dignidade e liberdade. Ainda, defendido por Immanuel Kant, a autonomia da vontade, atributo encontrado apenas nos seres racionais, tida como fundamento para a dignidade da natureza humana (SARLET, 2002, p. 29-30).

    Todos os conceitos, inclusive o pensamento de Kant, utilizado em larga escala hoje para conceituar a dignidade da pessoa humana, esto sujeitos a crticas. De qualquer modo, incensurvel a [...] concepo kantiana no sentido de que a dignidade da pessoa humana, esta (pessoa) considerada como fim e no como meio, repudia toda e qualquer espcie de coisifica-o e instrumentalizao do ser humano. (SARLET, 2002, p. 34-35).

    O conceito de dignidade vem sendo elaborado ao longo da histria at o incio do sculo XXI repleta de si mesma como um valor supremo, construdo pela razo jurdica. No se discute se o ser humano naturalmente bom ou mau, nem vai se refletir com conceitos variveis no decorrer da histria, pois dessa forma, estaria colocando a dignidade na mira de crticas que ques-tionariam seu valor. Logo, por estar a dignidade amparada por um princpio constitucional, ela absoluta, plena, inquestionvel, no podendo sofrer quaisquer aranhes e nem ser considerada num relativismo (NUNES, 2002).

    A dignidade, como qualidade intrnseca da pessoa humana, irrenuncivel e inalienvel, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele no pode ser destaca-do, de tal sorte que no se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretenso a que lhe seja concedida a dignidade. Esta, portanto, como qualidade integrante e irrenuncivel da prpria condio humana, pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, no podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada, j que existe em cada ser humano como algo que lhe inerente. (SARLET, 2002, p. 41-42).

    Quem no tiver ideia de dignidade se sentir despertado s reflexes e quem tiver a conscincia de sua importncia ir defend-la e considerar sempre a reflexo sobre o assunto (DAGOSTINHO, 2006, p. 73). ameaador que o conceito da dignidade seja o mesmo em todas as situaes na histria.

    Francisco DAgostinho (2006, p. 73-74) sabiamente elucida:

    Quem, ao contrrio, estiver consciente da fundamental importncia da dignidade hu-mana e da sua defesa para o prprio destino do homem ir considerar imprescindvel manter sempre aberta e viva a reflexo sobre o assunto. Porque o tema da dignidade, embora seja considerado essencial por todos, requer uma constante redefinio, pois est submetido ao permanente risco de uma espcie de imploso, capaz de esvazi-lo completamente e reduzi-lo a uma mera fachada sem contedo.

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    Astrid Heringer, Liana Maria Feix Suski

    a dignidade invocada sempre que a medicina possa ultrapassar os limites tolerveis dos avanos, adequando-se s rpidas transformaes simblicas e experincias. A biotica adota a dignidade como base para sua conscincia, requerendo constante reflexo.

    Ao fazer a conexo entre a biotica, mais precisamente a eutansia, com o sistema jurdico possvel verificar que o princpio da dignidade da pessoa humana tido como funda-mento indispensvel para afirmar ou negar a legalidade da eutansia.

    A maioria dos autores traz a negao da legalidade da eutansia alegando que esse di-reito implica a obrigao em manter a prpria vida. De ah que consideren que no sea justificable la eutanasia, puesto que precisamente su prtica constituye por s misma un atentado a la dignidad, ya que elimina (anula) al sujeto que es soporte de esa dignidad. (DELCANO, 1999, p. 234).

    Entretanto, a fase terminal do enfermo sem cura diagnosticada por especialistas traz uma discusso sobre se este ser humano estaria vivendo12 de forma digna.

    Outros autores afirmam que o direito de morrer com dignidade configura uma opo que deve ser respeitada por ser a vontade da prpria pessoa (DELCANO, 1999, p. 239).

    Para os defensores da eutansia, [] el verdadero respeto a la dignidad humana implica el respeto a la voluntad humana, incluida la de alcanzar la muerte cuando ya nada pueda hacerse por devolver a la vida la calidad a la que todo ser humano tiene derecho. (DELCANO, 1999, p. 240).

    Apesar de existirem duas correntes, contra e a favor da morte assistida, v-se que os argumentos se baseiam, fundamentalmente, no princpio da dignidade da pessoa humana, que um direito j adquirido pelo cidado, como tambm a liberdade e igualdade so intangveis em respeito s condies fundamentais da vida do homem.

    [...] a dignidade evidentemente no existe apenas onde reconhecida pelo Direito e na medida que este a reconhece, j que constitui dado prvio, no esquecendo, todavia, que o Direito poder exercer papel crucial na sua proteo e promoo, no sendo, portanto, completamente sem razo que se sustentou at mesmo a desnecessidade de uma defini-o jurdica da dignidade da pessoa humana, na medida em que, em ltima anlise, se cuida do valor prprio, da natureza do ser humano como tal. (SARLET, 2002, p. 42).

    A dignidade da pessoa humana est explicita na Constituio Federal brasileira de 1988, mas no traz seu conceito, visto que seu valor o mesmo da vida humana.

    Ao se afirmar que o processo de morrer faz parte da vida humana, que, como tal, deve ser vivida com dignidade, aceitvel considerar a morte parte da vida e o direito vida implica garantia de uma vida com dignidade, parecendo possvel argumentar pela existncia de um direito morte digna (PITHAN, 2004, p. 58).

    Foi a partir da dcada de 70 que se iniciaram campanhas a favor da eutansia, com ob-jetivo de findar com a agonia e sofrimento de doentes terminais e crianas recm-nasci-das mal formadas: O motivo que se aduz pelo geral que dessa maneira quer poupar o paciente de sofrimentos definidos como inteis. (VIAL CORREIA; SGRECCIA, 2000).

    O tratamento ftil e intil que simplesmente prolonga a agonia, o sofrimento, adianta a morte, considerado como uma obstinao teraputica que nega a finitude humana e deve ser condenado (PESSINI, 2006, p. 115).

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    A morte sob paradigma da dignidade humana

    Exemplifica-se com uma interessante histria:

    [...] mamba uma serpente africana peonhenta, cuja picada inflige grande sofrimento antes da morte quase certa. Conta-se a histria de trs missionrios aprisionados por uma tribo de canibais, cujo chefe lhes ofereceu escolher entre a morte e a mamba. Dois deles, sem saber do que se tratava, escolheram a mamba e aprenderam, assim, da ma-neira mais cruel, o significado de uma longa e torturante agonia para s ento morrer. Diante disso, o terceiro missionrio rogou logo pela morte, ao que o chefe respondeu--lhe: Morte voc ter, mas primeiro um pouquinho de mamba. (PESSINI, 2006, p. 116).

    Comparando com a realidade, pode-se afirmar que o pblico, em geral, e os profis-sionais da sade, em particular, desconhecem o real significado da distansia, cuja prtica comum quando se quer deixar a pessoa morrer em paz e com dignidade. Essa postura mais humana de no prolongar o sofrimento de um paciente sem possibilidade de cura facilmente confundida com a eutansia (PESSINI, 2006, p. 116).

    A dignidade tambm encontra sua base na Declarao Universal da ONU (1948) e na Declarao Universal. Naquela, no seu artigo 1, depara-se com a afirmao de que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razo e conscincia, devem agir uns para com os outros em esprito e fraternidade. Esta (Declarao Universal), inspirando o Tribunal Constitucional da Espanha, manifestou-se no sentido de que [...] a dignidade um valor espiritual e moral inerente pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminao consciente e responsvel da prpria vida e que leva consigo a pretenso ao respeito por parte dos demais. (SARLET, 2002, p. 44).

    A dignidade um valor ntimo e nico da cada pessoa, por esse motivo, diz-se que ela acompanha o ser humano por toda sua vida, do nascimento at a morte, sendo tambm um direito irrenuncivel e, por isso, implcito, inerente.

    8 CONCLUSO

    O presente estudo no teve inteno em demonstrar-se contra ou a favor da eutansia. Seu escopo foi, apenas, traar um panorama desse instituto para compreender, de forma mais clara, suas implicaes.

    A discusso em torno do fim da vida tem sido um dos temas mais debatidos na rea da tica mdica e da biotica. A eutansia no um tema recente, sua discusso prosseguiu ao longo da histria da humanidade, sendo encontrada em situaes diferentes, mas que, atravs da eutansia, trouxera paz e dignidade para vida do doente e tambm na sua morte.

    O termo eutansia, como se pode notar, ambguo e inclui situaes bastante distin-tas, no sendo possvel apresentar uma nica definio, apesar do esforo em conceituar as diversas terminaes. No Brasil o assunto ainda bastante nebuloso e a interpretao que se faz em torno da eutansia tem uma viso formalista do Direito Penal, considerando-a crime.

    O direito eutansia, hoje implcito na legislao brasileira, abre uma pequena brecha para sua literal participao a partir dos princpios constitucionais. Adequando para uma cor-

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    Astrid Heringer, Liana Maria Feix Suski

    reta interpretao dos princpios constitucionais, traz de igual forma o direito do homem de viver, e o direito que o homem tem de morrer, a partir do momento em que sua vida no pode ser mais salva, ao estar sofrendo com fortes dores e molstias.

    Nos demais pases, especialmente nos referidos, possvel observar que o tema tam-bm encontra contradies. Alguns j passaram do estgio de discusso terminolgica, inclu-sive publicando normativas autorizando a morte assistida. Outros ainda procuram difundir a importncia de a sociedade refletir sobre o tema.

    A dignidade humana no existe apenas onde reconhecida pelo Direito e medida que este a reconhece. O processo de morrer faz parte da vida humana, que como tal deve ser vivida com dignidade. Se a morte parte da vida e o direito vida implica uma garantia de uma vida com dignidade, parece possvel argumentar pela existncia de um direito morte digna. A escolha entre o no abreviar a vida e o no prolongar a agonia, o sofrimento, de extrema importncia para garantir a dignidade no momento final da vida.

    Death in the paradigma of human dignity

    Abstract

    The present paper analyzes the constitutional principle of human dignity as the foundation for a digni-fied death. Today a dignified death is one of the most debated issues in the medical and bioethics and numerous cases are found throughout history. In Brazil it is still virtually nonexistent, with only the prediction of common law that prohibits the practice by conceiving it as a crime. The dignity of the hu-man person is connected with the principle of freedom of choice in order to enhance the terminal patients right to choose how and when to die. So, it is contextualized the dignified death in bioethics, studying the concepts, as well as national and international experiences.Keywords: Dignified death. Autonomy of wil. Human dignity.

    Notas explicativas

    1Referido por Gafo Fernndez, em seu livro O Juramento de Hipteses (sculos VI-I a.C.), apresentou-se como primeiro testemunho da conscincia da tica mdica. O Juramento traz partes fundamentais que podem ser destacadas por abordar obrigaes ticas dos mdicos para com seus mestres e familiares, e principalmente para com o paciente. Adotado pelo ocidente, o documento inspirou os primeiros cdigos deontolgicos que devem ser observados por cada mdico.2 Barbitorico o nome dado a um composto qumico orgnico sinttico derivado do cido barbitrico. Foi desco-berto por Adolf Von Baeyer em 1864. A substncia chamada de malonilureia ou hidropirimidina. Esta substncia resulta da unio do cido malnico com a ureia de onde se podem derivar substncias com uso teraputico. um grupo de substncias depressoras do Sistema nervoso central. So usados como antiepilpticos, sedativos, hipnticos e anestsicos. Os barbitricos tm uma pequena margem de segurana entre a dosagem teraputica e txica.3 A medicina uma profisso que busca a humanizao, amenizando o sofrimento das pessoas.4 Destacam-se os princpios da no maleficncia e da beneficncia, da autonomia e da justia. O princpio da no maleficncia e da beneficncia so centrais na tica mdica. atravs destes princpios que o mdico, com seus co-nhecimentos, buscar, a qualquer custo, salva a vida de um doente, jamais lhe causando algum dano. O princpio da autonomia diz respeito opo de escolha, atravs das prprias convices da pessoa. O quarto princpio, o da justia, fundamentado no direito de cada indivduo, ou seja, no direito de cada pessoa poder usufruir de seu di-reito, e que os iguais possam ser tratados de forma igual, e os desiguais, desigualmente.

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    A morte sob paradigma da dignidade humana

    5 Arthur Koestler, nascido Ksztler Artur (1905-1983), foi um jornalista, escritor, e ativista poltico judeu anglo--hngaro. Em 1960 participou de experincias com LSD e, afligido pelos efeitos da droga, refugiou-se, o que no o impediu de tornar a usar LSD. Aos 77 anos, ele estava terrivelmente afetado pelo mal de Parkinson e por leucemia. Em sua carta de despedida, deixou escrito: Depois de haver sofrido uma deteriorao fsica mais ou menos cons-tante durante os ltimos anos, o processo chegou agora a um estado agudo, com complicaes adicionais que fa-zem recomendvel buscar a autoliberao agora, antes que me encontre incapaz de tomar as medidas necessrias.6 Nosso sistema jurdico utiliza o critrio hierrquico para classificao da relevncia das normas, sendo, entre as legislaes, a Constituio Federal a maior delas.7 Quando o paciente no for capaz, impossibilitado de manifestar sua vontade, o consentimento informado deve ser dado por um familiar ou responsvel legal (PITHAN, 2004, p. 43).8 Uma mxima do direito inflexvel, indiscutvel.9 Inseparvel, essencial.10 Diz-se de, ou aquele que partidrio do estoicismo ou aquele que impassvel ante a dor e a adversidade.11 Apoiou o fim do processo de aniquilao, explorao e escravizao dos habitantes dos ndios.12 Destaca-se a palavra vivendo no intuito de trazer tona a questo de um enfermo, sem chances comprovadas pelos mdicos de cura, estar realmente vivendo e qual seria a qualidade de sua vida. Ainda, para reforar que o estado terminal de um paciente , de tal modo, repleto de sofrimento, dor, angstia, que poderia garantir no estar presena o princpio da dignidade da pessoa humana.

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