174
Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes Programa de Pós-Graduação em Música A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste do Norte de Minas Gerais Marco Antônio Caldeira Neves João Pessoa Abril / 2010

A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

  • Upload
    others

  • View
    6

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Música

A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola

Agreste do Norte de Minas Gerais

Marco Antônio Caldeira Neves

João Pessoa

Abril / 2010

Page 2: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

Universidade Federal da Paraíba

Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Música

A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola

Agreste do Norte de Minas Gerais

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação

em Música da Universidade Federal da Paraíba – UFPB -

como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre

em Música, área de concentração em Etnomusicologia.

Marco Antônio Caldeira Neves

Orientador: Profa. Dra. Eurides de Souza Santos

João Pessoa

Abril / 2010

Page 3: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências
Page 4: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

Dedico este trabalho ao meu filho, Marco Caldeira

Sampaio Neves, minha fonte maior de inspiração, pelo

apoio e amor, e a todos da comunidade quilombola Agreste,

pelo respeito, carinho e atenção...

Page 5: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente ao Seu Lero, mestre da folia de Reis da comunidade

Agreste, e toda sua família, que me receberam com carinho e atenção, permitindo a minha

convivência durante as pesquisas de campo.

A todos os foliões participantes da Folia de Reis; Seu Tone, João Ferreira da Silva,

Seu Ernesto, Bastião, José Pedroso e Carlim Pedroso, meus sinceros agradecimentos pelas

valiosas contribuições que deram e que permitiram que este trabalho fosse realizado.

Agradeço também a seu Dema e família, pela acolhida sempre prestativa; a Zé

Nunes, um dos foliões mais antigos; e Dona Cleuza, que como interlocutores me forneceram

dados essenciais para minha compreensão do rico universo cultural da comunidade.

À diretora e professores da Escola Estadual Versol de Oliveira, única escola da

comunidade, na qual pude realizar oficinas de música.

Enfim a todos os habitantes de Agreste, que me receberam sempre com muito

carinho.

Agradeço ao grupo de estudos Negros do Norte de Minas: cultura, identidade e

educação étnica em uma comunidade quilombola, do qual fui integrante e representante do

curso de Artes/Música da Universidade Estadual de Montes Claros. A coordenadora do

Projeto Prof. Maria Helena de Souza Ide, aos colegas Profa. Cláudia Luz de Oliveira, Profa.

Mônica Maria Teixeira Amorim, Profa. Maria Railma Alves, Prof. Luciano Cândido e

Sarmento e o Prof. Clovis Zimmerman. As estagiárias Andréia e Ana Paula, que trabalham

com muito afinco no Projeto.

Entre as instituições que me apoiaram direta e indiretamente, exercendo papel

fundamental para viabilizar meus estudos, agradeço principalmente à Universidade Federal da

Paraíba, UFPB, pela oportunidade de cursar o mestrado e aprimorar os meus conhecimentos e

a minha formação musical; a FAPEMIG, Fundação de amparo à Pesquisa de Minas Gerais,

que apóia o Projeto Negros do Norte de Minas; à Universidade Estadual de Montes Claros,

UNIMONTES, onde leciono no curso de Artes/Música; ao Conservatório Estadual de Música

Lorenzo Fernandez, que contribuiu imensamente para meu desenvolvimento como docente.

Ao longo da realização do trabalho, diversas pessoas contribuíram

significativamente, dando apoio e incentivo às minhas buscas, e me ajudando a concretizar o

desenvolvimento adequado da pesquisa em seus diferentes níveis. Destaco o nome do Prof.

João Batista de Almeida Costa, sub-coordenador do Projeto Negros do Norte de Minas, que

Page 6: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

muito contribuiu para o desenvolvimento dos estudos sobre a temática das comunidades

quilombolas norte mineiras.

Durante o mestrado muitos professores auxiliaram a minha imersão no campo da

etnomusicologia. Portanto agradeço de maneira especial à Professora e Orientadora Eurides

de Souza Santos, que esteve sempre presente, acompanhando a pesquisa e analisando o

trabalho, demonstrando sua responsabilidade diante do compromisso com o processo de

orientação.

Agradeço também de forma especial ao Prof. Luis Ricardo Silva Queiroz, com quem

pude discutir experiências e aprendizados, contribuindo para o aprimoramento dos meus

conhecimentos em etnomusicologia e diretamente para o resultado do trabalho.

É importante mencionar também a participação e o apoio dos demais professores do

PPGMUS da UFPB; Vanildo Mousinho Marinho, Guiomar Carvalho, Adriana Fernadez,

Alice Lumi, Maurílio José A. Rafael e Carlos Sandroni, estendendo meus sinceros

agradecimentos a Didier Guigue e José Henrique Martins, respectivamente coordenador e

vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Música da UFPB, assim como a Izilda

de Fátima da R. Carvalho, secretária do Departamento do Mestrado, que sempre me tratou

com atenção e respeito.

Agradeço aos colegas de turma pelo companheirismo assim como os colegas de

apartamento Geraldo de Alencar Durães Filho, Giann Ribeiro Mendes, Mario André W.

Oliveira, Elder Pereira Alves e Fábio Henrique Ribeiro, que durante todo este período

dividiram comigo as angústias, dúvidas e discussões acerca dos conhecimentos musicais.

A Ana Luisa pela paciência, carinho, companheirismo e apoio.

De forma muito especial agradeço também aos meus Pais José das Neves Correia e

Luiza Caldeira Neves, por tudo que me proporcionaram e a toda minha família pelo apoio.

Ao meu Filho Marco Caldeira Sampaio Neves, pelo amor e apoio, sendo minha fonte

de inspiração para seguir em frente.

Finalmente agradeço a Deus pela oportunidade de poder cumprir mais uma etapa

importante neste processo de crescimento intelectual e emocional e por ter a Música como

grande parceira na minha vida.

Page 7: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

RESUMO

A cultura africana teve forte impacto nas definições culturais identitárias brasileiras, sendo

que, entre as várias formas de manifestações do universo afro-descendente existentes no país,

encontramos nas comunidades quilombolas uma das mais importantes expressões. No Brasil,

existem comunidades quilombolas vivendo em pelo menos dezenove Estados, entre os quais

Minas Gerais, que foi um dos que possuíram maior população negra escrava do país. Na

região norte mineira, condições ambientais do vale do rio Verde Grande foram propícias à

fixação de africanos e de seus descendentes, constituindo assim uma região com formação de

várias comunidades quilombolas. Dentro desse universo cultural, discuto neste trabalho sobre

a música da comunidade Agreste, localizada no Norte de Minas, objetivando apresentar os

principais aspectos que constituem a música da Folia de Reis. Essa manifestação, que contém

traços lusos e africanos e reverencia a presença dos três Reis Magos após o nascimento do

Menino Jesus, está presente em grande parte das comunidades quilombolas dessa região.

Constitui-se como uma tradição religiosa e cultural em que os foliões fazem suas louvações

com músicas, rezas e entoando cânticos com muita demonstração de fé. Para realização da

pesquisa, elaborei uma abordagem etnomusicológica da Folia de Reis da comunidade, tendo

como suporte metodológico e instrumento de coleta de dados amplo estudo bibliográfico,

pesquisa de campo, observação participante, realização de entrevistas, registros em áudio,

fotos e vídeo. Para o processo de análise dos dados, foram utilizadas ferramentas condizentes

com o campo estudado, como a constituição do referencial teórico, que foi fundamental para a

interpretação e análise dos dados; edição das gravações de áudio e de vídeo; seleção das

fotografias; realização de transcrições textuais dos relatos e depoimentos orais obtidos a partir

das entrevistas; descrição analítica dos aspectos gerais da música dos foliões, enfocando os

elementos definidores das estruturas no que se refere às suas características organológicas,

rítmicas, melódicas e vocais; e finalmente a descrição e análise etnográfica como também

histórica e estrutural da manifestação. A partir do trabalho, foi possível concluir que a

manifestação tradicional da Folia de Reis representa uma forte expressão cultural da

comunidade, na qual a religiosidade cristã, fundada no catolicismo popular e mesclada com

práticas de matriz africana, dá forma a esse diversificado e complexo universo. Foi possível

concluir também que este universo quilombola carece de pesquisas que possam demonstrar as

particularidades históricas, sociais, identitárias e culturais, além de uma maior atenção do

poder público e reconhecimento de seus direitos territoriais e culturais.

Page 8: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

ABSTRACT

The African culture had a strong impact on the Brazilian cultural definitions of identity. Being

that among the different forms of manifestation of the African descent universe existing in the

country, we can find in the quilombola‟s communities one of the most important expressions.

In Brazil there are quilombola‟s communities living in at least nineteen states, among them

Minas Gerais, that was one of the states that had the highest black slavery population of the

country. In the north region of Minas Gerais, environment conditions of the Verde Grande

River‟s valley were tendentious to the African fixation and also to its descendants, forming a

region with various quilombolas communities. Within this cultural universe, I discuss in this

work about the Agreste community‟s music, located in the north of Minas, with the objective

to comprehend the main structural and sociocultural aspects of the manifestation of Folia de

Reis. This manifestation, that has Lusitanian and African traces and reverence the presence of

the Three Kings after Jesus‟ birth, is still present in a big part of the quilombola‟s

communities of the region. It‟s consisted as a religion and cultural tradition in which the

Foliões do their praises with songs, prays, singing songs with a strong faith demonstration.

For the research realization, I made an ethnomusicological approach of Folia de Reis of this

community, having as a methodological support and collecting data a wide bibliographic

study, fieldwork, participating observation, interviews, audio recording, pictures and video.

For the process of data analysis, it were used tools related with the studied field, like the

constitution of the theory referential, that was basic for the interpretation and analysis of the

data, audio and video recording edition, selection of pictures, realization of textual

transcriptions of the oral accounts and testimonials given in the interviews, analytic

description of the general aspects of the Foliões‟ songs, focusing in the defining elements of

the structures referring to the organologic, rhythmic, melodic and vocal characteristics, and

finally the description and ethnographic analysis as well as historic and structural of the

manifestation. With the work, it was possible to conclude that the traditional manifestation of

the Folia de Reis, represent a strong cultural expression, in which the Christian religiosity,

based on the popular Catholicism and mixed with African sources practices give form to this

different and complex universe. It was also possible to conclude that this quilombola‟s

universe needs researches that can demonstrate the historical, social, identitaries and cultural

particularities, besides a better attention of the public government and acknowledgment of its

territorial and cultural rights.

Page 9: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Capítulo 1

Figura 1 – Equipe do Projeto Negros do Norte de Minas. Pesquisa de campo em

Agreste. ................................................................................................................. 22

Figura 2 – Oficina de Percussão realizada com os alunos e professores da Escola

Municipal Versol de Oliveira. ............................................................................... 23

Figura 3 – Observação Participante. Eu tocando Caixa de Folia com Seu Lero, o

Mestre da Folia de reis em Agreste. ...................................................................... 26

Figura 4 – As ruas da comunidade. . ....................................................................................... 28

Figura 5 – A ponte sobre o rio Verde Grande. Fonte de lazer para os moradores de

agreste. .................................................................................................................. 31

Figura 6 – Moinho artesanal da farinha de mandioca. Casa de Seu João e Dona Ana.. ........ 32

Figura 7 – Um morador tocando violão na porta de sua casa e o Bar Esquema 3....... ........... 32

Capítulo 2

Figura 1 - Municípios com maior número de comunidades quilombolas ............................... 54

Figura 2 - Localização das comunidades quilombolas de Minas Gerais ................................. 54

Figura 3 - Localização das comunidades quilombolas segundo as regiões geográficas.

Minas Gerais. 2007 ............................................................................................... 55

Figura 4 – Municípios com comunidades quilombolas: mesorregião do Norte de

Minas ................................................................................................................... 60

Figura 5 – Mapa da localização estadual de Agreste ...............................................................65

Figura 6 – Escola Municipal Versol de Oliveira Lima ........................................................... 66

Figura 7 – O Cemitério de Agreste ......................................................................................... 66

Figura 8 – Croqui de Agreste e fazendas vizinhas ................................................................. 67

Figura 9 – Croqui de Agreste: casas e moradores.....................................................................67

Figura 10 – Lista de moradores e localidades...........................................................................68

Page 10: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

Capítulo 3

Figura 1 - A casa de Seu Lero. Local onde é realizada a Folia de Reis. ................................. 78

Figura 1 – O Oratório .............................................................................................................. 80

Figura 3 - Sala da casa de seu Lero, onde é montado o Oratório para realização da

Folia. ......................................................................................................................................... 80

Figura 4 – Ônibus que faz o trajeto de São João da Ponte a Agreste. ..................................... 83

Figura 5 – Estrutura espacial da Folia de Agreste. ................................................................... 84

Figura 6 – O lanche servido pela filha e esposa de Seu Lero durante a Folia. ......................... 85

Figura 7 – Afinação dos instrumentos durante o intervalo ....................................................... 86

Figura 8 – Os foliões se dirigindo a Igreja onde foi cantado o canto a Nossa Senhora

Aparecida. ............................................................................................................... 86

Figura 9 – Esquema do trajeto dos foliões. Saem da casa, cantam na Igreja e

retornam a casa para continuação da Folia. ............................................................ 87

Capítulo 4

Figura 1 – Os instrumentos musicais da Folia de reis d Agreste: três Violas, uma

Rabeca, dois Pandeiros e uma Caixa de Folia ....................................................... 98

Figura 2 – A Rabeca usada pelos foliões em Agreste. ............................................................. 98

Figura 3 – Forma de tocar: apoiando a Rabeca abaixo do ombro ............................................ 99

Figura 4 – As Violas da Folia de Reis. ................................................................................... 100

Figura 5 – A Caixa de Folia e a forma como é tocada. .......................................................... 101

Figura 6 – Os Pandeiros artesanais da Folia de agreste .......................................................... 102

Figura 7 – José Pedroso tocando o Pandeiro. ......................................................................... 103

Figura 8 – O Canto de Saudação. ........................................................................................... 106

Figura 9 – Legendas para escrita da caixa e Pandeiro. Serve para todo o repertório. ........... 108

Figura 10 – Canto a Nossa Senhora Aparecida ...................................................................... 109

Figura 11 – Canto a São Sebastião..........................................................................................112

Figura 12 – Lundu. ................................................................................................................. 116

Page 11: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

Figura 13 – O padrão rítmico do Pandeiro. ............................................................................ 118

Figura 14 – O Guaiano. .......................................................................................................... 119

Page 12: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 15

CAPÍTULO 1 ................................................................................................................ 19

Aspectos conceituais e metodológicos da pesquisa na Comunidade

Quilombola Agreste .................................................................................................. 19

Projeto Negros do Norte de Minas: o ponto de partida ................................... 20

A Pesquisa de Campo: característica básica da pesquisa

etnomusicológica ............................................................................................................ 23

Revelando o campo de Agreste: os primeiros contatos ............................... 28

Etnografia da Performance Musical .................................................................. 34

Descrições Metodológicas da Pesquisa ................................................................... 35

O universo da pesquisa ........................................................................................ 35

Instrumentos de coleta de dados ....................................................................... 36

Pesquisa Bibliográfica ......................................................................................... 36

Pesquisa Documental ............................................................................................ 36

Observação Participante ....................................................................................... 37

Entrevistas .............................................................................................................. 37

Registros em Áudio ............................................................................................... 39

Registros em vídeo ................................................................................................ 39

Registros Fotográficos .......................................................................................... 40

Instrumentos de organização e análise dos dados ............................................ 40

Referencial teórico ................................................................................................ 40

Transcrições das entrevistas ................................................................................ 41

Edição de vídeos e seleção das fotografias .................................................... 41

As transcrições musicais ..................................................................................... 42

Realização da Pesquisa e apresentação dos resultados .................................... 42

Page 13: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

CAPÍTULO 2 ................................................................................................................. 44

Comunidades Quilombolas: um cenário de identidades

afro-descendentes no contexto nacional ........................................................ 44

Os Africanos no Brasil: contribuição e resistência ............................................... 45

Quilombo: aspectos conceituais ............................................................................. 47

Minas Gerais e sua constituição quilombola .................................................... 51

Quilombos em Minas Gerais: situação atual .................................................... 53

Panorama da distribuição populacional quilombola em Minas

Gerais ....................................................................................................................... 53

Aspectos do modo de vida ................................................................................. 55

Saneamento ............................................................................................................ 55

Abastecimento de energia elétrica e comunicação ....................................... 56

Educação ................................................................................................................. 56

Titulação ................................................................................................................. 57

Conflitos e tensões ............................................................................................... 58

Cultura e religiosidade ........................................................................................ 58

Comunidades quilombolas do Norte de Minas: constituição e

características .............................................................................................................. 59

A comunidade quilombola Agreste: formação e características

básicas ............................................................................................................................. 64

Processo de formação .......................................................................................... 69

Processo de reconhecimento da comunidade ................................................ 70

CAPÍTULO 3 ................................................................................................................ 72

A Folia de reis: a crença, a reza e a festa ....................................................... 72

O ritual em Agreste ......................................................................................................... 77

O contexto sociocultural da representação da Folia de

Reis..........................................................................................................................................89

Agreste no “Tempo Antigo” e no “Tempo Atual”: condições de

vida ............................................................................................................................ 90

Educação .................................................................................................................. 93

Page 14: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

Religiosidade .......................................................................................................... 94

CAPÍTULO 4 ................................................................................................................ 96

Dimensões estruturais da Música na Folia de Reis de agreste.........96

Os instrumentos musicais e suas funções na constituição sonora

da Folia de Reis ....................................................................................................... 97

Cordofones .............................................................................................................. 98

A Rabeca .................................................................................................................. 98

As Violas ................................................................................................................ 100

Membranofones .................................................................................................... 101

Caixa de Folia ....................................................................................................... 101

O Pandeiro ............................................................................................................. 102

O Repertório: análise ................................................................................................. 103

Canto de Saudação: transcrição ...................................................................... 106

Canto de Saudação: letra .................................................................................. 108

Canto a Nossa Senhora Aparecida: transcrição ........................................... 109

Canto a Nossa Senhora Aparecida: letra ...................................................... 110

Canto a São Sebastião: transcrição ................................................................ 112

Canto a São Sebastião: letra ............................................................................ 114

Lundu: transcrição ............................................................................................... 116

Lundu: letra .......................................................................................................... 117

Guaiano: transcrição ........................................................................................... 119

Guaiano: letra ...................................................................................................... 126

A identidade da Folia de Reis: confluência dos elementos...........................127

CONCLUSÃO ............................................................................................................. 131

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 133

Page 15: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

ANEXOS ........................................................................................................................ 142

Letras dos cantos transcritos pelo filho do Mestre da Folia de reis de

agreste ........................................................................................................................... 142

Canto a São Sebastião .............................................................................................. 142

Canto a Nossa Senhora Aparecida ...................................................................... 144

Entrevistas realizadas durante a pesquisa de campo na Comunidade

Quilombola Agreste .................................................................................................. 145

Relatório do PNNM. A escolha da Comunidade Agreste ............................ 155

Comunidades quilombolas catalogadas em Minas Gerais até 2007 ........ 160

Decreto n 4.887, de 20 de Novembro de 2003 .................................................. 168

Procedimento de certificação de Comunidades Quilombolas ..................... 173

CD – Arquivo único contendo registros em Vídeo e Áudio da Fola de Reis de Agreste................................................................................................ 174

Page 16: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

15

INTRODUÇÃO

As comunidades remanescentes quilombolas, também conhecidas como

“Quilombolas” ou “Terras de Pretos”, possuem uma significante influência da cultura afro-

descendente, cultura essa moldada pela contribuição de várias etnias africanas que aqui

aportaram no processo de diáspora durante o período de escravidão. No entanto, as discussões

acerca da temática quilombola no Brasil ainda são incipientes, pois só a partir dos anos de

1990 passaram a ser tratadas com atenção e debatidas no contexto social, principalmente após

a publicação do Texto da Constituição Federal de 1988, que ao instituir o Artigo 68 do seu

Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), traz a essas comunidades o seu

direito territorial e cultural.

Nesse vasto contexto cultural quilombola brasileiro, o estado de Minas Gerais se

destaca, tendo em vista que foi um estado que recebeu uma grande quantidade de escravos e

consequentemente contém uma gama significativa de comunidades quilombolas que mantêm

uma variedade de expressões musicais e religiosas. Entre as várias regiões do estado, a norte

mineira é a que possui um maior número de comunidades quilombolas.

Nessa região, condições ambientais do Vale do rio Verde Grande, situado em

território mineiro e baiano, foram propícias à fixação de africanos e de seus descendentes,

constituindo assim uma região com formação de várias comunidades quilombolas, entre elas a

comunidade Agreste. A comunidade está localizada no interior do vale do rio Verde Grande,

que corta a região norte mineira, no sentido sul/norte, desde Montes Claros até a divisa com a

Bahia. É um povoado do município de São João da Ponte/MG e encontra-se situado na divisa

entre o município a que pertence e o município de Capitão Enéas, à margem direita do rio

Verde Grande, a uma distância de aproximadamente cento e trinta quilômetros de Montes

Claros e quinhentos e setenta quilômetros da capital mineira, Belo Horizonte.

Como outras comunidades quilombolas da região, Agreste abarca uma diversidade

cultural que se mantém em suas manifestações musicais, rituais de dança e nos festejos

religiosos. Ampliar o conhecimento sobre essa diversidade cultural, através de uma

abordagem etnomusicológica, objetivando observar e registrar o que se faz musicalmente,

assim como investigar os aspectos socioculturais vividos, o ethos, o comportamento, requer

conhecer a extensão da realidade geográfica, histórica e estética dessas manifestações.

Page 17: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

16

Para Merriam (1964), a música é um produto do comportamento humano e possui

estrutura, contudo sua estrutura não pode ter existência própria se separada do comportamento

de quem a produz.

Partindo dessa perspectiva, aprender o significado dessas músicas, ou seja,

compreender porque se faz o que se faz musicalmente, são pontos essenciais nesta pesquisa.

Entre as manifestações culturais que acontecem em Agreste, estão a festa de Nossa

Senhora Aparecida, as Festas Juninas e a Folia de Reis. Essa última foi selecionada para

análise, tendo em vista sua função social e religiosa, contribuindo para a construção da

identidade e para o sentimento de pertença, utilidade e reconhecimento nas pessoas da

comunidade.

De acordo com Brandão (1985), a Folia de Reis é uma festa popular, organizada por

leigos, e que foi trazida ao Brasil pelos Jesuítas e introduzida pela igreja católica como parte

da liturgia para catequização indígena e africana para o controle simbólico da ordem social.

A tradição da Folia de Reis teria chegado ao Brasil por intermédio dos portugueses

no período da colonização, uma vez que essa manifestação cultural era realizada na Península

Ibérica, sendo comum a doação e recebimento de presentes a partir da entoação de cantos e

danças nas residências. A Folia de Reis teria surgido no Brasil no século XVI, por meio dos

Jesuítas, como crença divina para catequizar os índios e posteriormente os negros escravos,

sendo, então, composta pelas manifestações culturais de diversas etnias e povos. Mesmo com

variações regionais, seja quanto ao estilo, ao ritmo e ao som, a Folia de Reis mantém a mesma

crença e devoção ao Menino Jesus e aos Três Reis Magos.

Considerando essas ponderações, este trabalho tem como objetivo apresentar os

aspectos diversos que constituem a música da Folia de Reis da comunidade quilombola

Agreste, enfocando os diversos elementos que constituem este fenômeno musical. O universo

da pesquisa foi constituído pelos habitantes da comunidade, considerando mais

especificamente os músicos participantes da Folia de Reis: o mestre e os foliões.

Para uma compreensão desses vários aspectos referentes à música da Folia de Reis de

Agreste, a estruturação do trabalho foi sistematizada em quatro capítulos, sendo que cada um

deles compreende um aspecto específico da pesquisa. Essa sistematização proporcionou a

discussão em separado de cada parte, sendo fundamental para a caracterização do trabalho,

possibilitando assim chegar a conclusões significativas acerca do tema proposto.

O capítulo 1 apresenta as descrições e reflexões em torno dos procedimentos

metodológicos desenvolvidos para a pesquisa, os instrumentos de coleta e uma detalhada

descrição dos processos de análise e sistematização dos dados, justificando as escolhas que

Page 18: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

17

subsidiaram cada uma das etapas do trabalho e apresentação dos resultados da Pesquisa.

Apresento ainda uma discussão acerca da pesquisa de campo e suas implicações, como minha

inserção no campo e os desdobramentos desta. Apresento também, uma reflexão sobre a

etnografia da performance musical e sua importância na busca da compreensão do fenômeno

musical.

O capítulo 2 contempla uma discussão acerca da formação das comunidades

quilombolas, um cenário de identidades afro-descendentes no contexto nacional, no qual faço

um breve relato histórico da chegada dos africanos no Brasil e sua contribuição para a

formação cultural brasileira. Foram abordados também os aspectos conceituais sobre

quilombolas, assim como a constituição dessas comunidades em Minas Gerais, mais

especificamente na região Norte. Finalizo este capítulo historicizando a comunidade Agreste,

discutindo sobre sua formação e o processo de reconhecimento.

O capítulo 3 apresenta uma discussão teórica sobre as questões conceituais referentes

à Folia de Reis, assim como uma descrição do ritual na comunidade, demonstrando os vários

aspectos que caracterizam essa manifestação. Traço também, um panorama das dimensões

socioculturais dessa manifestação em Agreste, no qual foram abordados o contexto social da

representação da Folia, o modo de vida das pessoas, trabalho, educação e religiosidade. Inter-

relacionar o acontecimento musical dessa manifestação com dimensões mais amplas do

contexto, buscando compreender o significado e a importância da Folia para os participantes,

foi um ponto essencial para uma compreensão mais aprofundada dos aspectos socioculturais

do fenômeno musical.

No capítulo 4, foram apresentadas as descrições analíticas dos aspectos gerais da

música da Folia de Reis de Agreste, enfocando os elementos definidores das estruturas no que

se referem às características organológicas, rítmicas, melódicas e vocais. Os aspectos

estruturais foram examinados minuciosamente e analisados considerando os elementos

definidores da identidade musical que caracteriza a performance do foliões. Aqui, foram

apresentadas as transcrições musicais juntamente com as análises harmônicas, melódicas e

rítmicas, utilizando uma abordagem que focou a inter-relação entre música e dança, música e

elementos plástico-visuais, música como forma de entretenimento, música como fator de

afirmação social e música como expressão da religiosidade. Discuto também sobre Identidade

Cultural e Musical no contexto da comunidade.

De acordo com a estruturação deste trabalho e com base nas discussões realizadas e

elaboradas de maneira lógica e sistemática em cada um desses quatro capítulos, foi possível

apresentar os principais resultados da pesquisa, possibilitando compreender os valores e

Page 19: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

18

significados particulares que constituem a manifestação, proporcionando um aprofundamento

nesse universo cultural. Assim, o trabalho contempla as principais características históricas,

socioculturais e estruturais da manifestação musical da Folia de Reis na comunidade

quilombola Agreste.

Page 20: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

19

CAPÍTULO 1

Aspectos conceituais e metodológicos da pesquisa na Comunidade

Quilombola Agreste

A fim de compreender as bases do fenômeno musical que caracterizam a Folia de

Reis na comunidade Agreste, estruturei uma pesquisa que pudesse, com base nos preceitos da

etnomusicologia, propiciar uma visão ampla da música nesse contexto.

Haja vista a complexidade do fenômeno musical, as pesquisas em etnomusicologia

na atualidade têm exigido dos pesquisadores na área, metodologias cada vez mais

abrangentes, que permitam ao etnomusicólogo compreender, por múltiplas perspectivas, a

natureza musical do fenômeno que estuda.

Estudos recentes da etnomusicologia têm revelado aspectos diversos da

complexidade dos procedimentos metodológicos com os quais os pesquisadores lidam nos

trabalhos, evidenciando que, para uma compreensão da música enquanto fenômeno cultural, o

etnomusicólogo busca construir soluções aplicáveis aos conflitos surgidos do confronto entre

os conhecimentos teóricos e práticos característicos da área. Na pesquisa etnomusicológica, o

pesquisador deve estar atento ao decidir sobre as questões que nortearão as definições

relevantes para a pesquisa, buscando as ferramentas necessárias para alcançar os objetivos

propostos e definindo as bases epistemológicas e metodológicas que darão suporte à mesma.

Dessa forma, a escolha e definição de uma metodologia de pesquisa que contemple

investigação sistemática, coerência entre os objetivos e o referencial teórico, assim como o

comprometimento com a realidade pesquisada, são pontos fundamentais nas definições

metodológicas do trabalho.

Tomando por base que a etnomusicologia é o resultado dos encontros entre as

ciências humanas, no caso a antropologia e a música, permitindo perspectivas disciplinares

constituintes de ambas, como afirma Menezes Bastos (2004), e sendo a pesquisa de campo

fundamental para os estudos investigativos nessas áreas, considero que o trabalho de campo

com observação participante foram pontos nevrálgicos para realização desta pesquisa. Assim,

esse momento da pesquisa possibilitou a busca da compreensão das expressões musicais da

Folia de Reis na comunidade. A manifestação tradicional da Folia de Reis foi selecionada

para análise tendo em vista sua função social e religiosa, contribuindo para a construção da

identidade e para o sentimento de pertença, utilidade e reconhecimento nas pessoas.

Este estudo teve como referências teóricas, autores que apresentaram caminhos e

perspectivas consistentes na área da etnomusicologia e que fundamentaram meus estudos

Page 21: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

20

durante o mestrado. Dessa forma autores como Merriam (1964), Hood (1971), Feld (1982),

Nettl (1983), Anthony Seeger (1992), Lühning (1991, 2004), Blacking (1995), Myers (1992),

Oliveira Pinto (2001), Reily (2002), entre outros, evidenciaram uma gama de caminhos

existentes para a área e contribuíram para o desenvolvimento teórico-metodológico do

trabalho.

Partindo dessas considerações, apresento neste capítulo o caminho metodológico que

percorro nesta dissertação, onde foram aplicados procedimentos adequados às necessidades

estabelecidas pelo foco do trabalho, descrevendo a pesquisa de campo e sua importância no

contexto deste, assim como os instrumentos de coleta, análise e sistematização dos dados,

abarcando alternativas múltiplas e uma ampla estruturação metodológica para compreensão

das manifestações musicais tradicionais de Agreste, focando as dimensões estruturais e

socioculturais da Folia de Reis.

Projeto Negros do Norte de Minas: o ponto de partida

Março de 2006. Minha ligação com a realidade da comunidade quilombola Agreste

inicia nesta época. Na Universidade Estadual de Montes Claros, UNIMONTES, onde leciono

no curso de licenciatura em Música, recebi um convite para me integrar a um Projeto de

Pesquisa e Extensão intitulado Negros do Norte de Minas: Cultura, Identidade e Educação

Étnica em uma Comunidade Quilombola.

Esse Projeto teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais

(FAPEMIG) e se constituiu como uma atividade didática, pedagógica, científica e

extensionista que visava contribuir para o conhecimento da e para intervenção na realidade

sócio-cultural e política das populações negras existentes no norte de Minas, categorizadas

atualmente como quilombos (conceito que discutirei no próximo capítulo). Tinha como

objetivo geral realizar pesquisa multidisciplinar em uma comunidade quilombola no Norte de

Minas Gerais, objetivando compreender a realidade social, cultural, educacional e identitária

vivida pelos seus membros em suas relações internas e as que os vinculam à sociedade

englobante em suas dimensões local, regional e nacional.

Após uma primeira reunião com os professores e alunos participantes do Projeto,

percebi o quanto seria importante participar, pois o Projeto integrava áreas distintas buscando

desenvolver atividades de pesquisa e de extensão no âmbito da Sociologia, Antropologia,

Pedagogia e da área de Artes/Música da qual eu seria o representante.

Page 22: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

21

Na primeira etapa do projeto, o objetivo era definir uma comunidade negra rural para

os estudos. Nesse contexto, a comunidade negra Agreste, situada na divisa dos municípios de

São João da Ponte e Capitão Enéas, foi a escolhida1.

Em relação à escolha da comunidade, após relatório de pesquisa realizado, o grupo

foi unânime em apontar a comunidade Agreste como aquela que reunia as características mais

próximas do objetivo do projeto. De acordo com o Relatório:

O distrito de Agreste possui uma população mais homogênea em termos de

grupo étnico, diante da percepção de uma presença maior de pessoas com

características afro-descendentes. Em termos fundiários, a região apresenta

uma grande concentração de terras em mãos de fazendeiros. A localidade

está rodeada de grandes fazendas, de forma que a população possui somente

seus terreiros ligados a casa, onde cultivam temperos, ervas, verduras, frutas

e criam pequenos animais. Não há sequer um pequeno pedaço de terra para

se fazer uma horta comunitária, conforme depoimento do presidente da

Associação de Moradores. A comunidade está ilhada. (IDE, 20062).

A partir daí, buscamos um amplo material bibliográfico que seria necessário para um

maior embasamento teórico acerca dos vários aspectos que envolvem os estudos da temática

quilombola. Trabalhos de antropólogos como Arruti (1997), Costa (1999, 2001, 2005, 2008),

Costa Filho (2005), Leite (2002), O‟Dwyer (2005), assim como os textos produzidos pelo

CEDEFES (centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva) e da Fundação Cultural

Palmares, entre outros, contribuíram para o as reflexões teóricas e desenvolvimento da

pesquisa.

Os meus conhecimentos sobre essas comunidades foram se aprofundando à medida

que as discussões durante as reuniões e debates do PNNM3 eram realizadas. Após três meses

de estudos teórico-metodológicos, realizamos a primeira pesquisa de campo na comunidade,

que ocorreu entre os dias 02 e 04 de junho de 2006. Essa primeira visita, ainda na perspectiva

do PNNM (FIG. 1), teve como objetivo estabelecer um primeiro contato com os habitantes,

buscando uma imersão no modo de vida dos moradores para tentar compreender sua cultura,

como também para conhecer a dimensão físico-geográfica da comunidade.

Outras visitas ao Agreste foram realizadas durante esse mesmo ano de 2006, no mês

de Setembro e também em 2007, no mês de outubro, através da quais busquei realizar um

levantamento das manifestações musicais tradicionais, assim como tive a oportunidade de

1Não tive participação direta na escolha da comunidade, pois quando entrei no Projeto a pesquisa que resultou na

escolha de Agreste já havia sido realizada. 2 Maria Helena de Souza Ide, coordenadora do PNNM. Relatório em anexo

3 Projeto Negros do Norte de Minas

Page 23: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

22

coordenar oficinas de Percussão (FIG. 2) juntamente com os alunos e Professores da Escola

Municipal Versol de Oliveira Lima, única escola de Agreste.

Nas viagens feitas com o PNNM, costumávamos permanecer de três dias a uma

semana. Já para a pesquisa da Folia de Reis em 2009, viajei sozinho e permaneci na

comunidade por dois dias, chegando no dia 19 e saindo na manhã do dia 21 de Janeiro.

Sempre ficamos hospedados nas casas dos moradores, que eram avisados com antecedência.

Relatos referentes à pesquisa de campo e os desdobramentos desta estarão dispostas adiante,

nos quais conceitos e a metodologia utilizada durante o processo de investigação serão

discutidos.

Essas primeiras experiências no contexto da comunidade Agreste me proporcionaram

vivenciar momentos únicos das práticas musicais, revelando a riqueza e a diversidade dos

aspectos socioculturais e estéticos das manifestações traduzidos nos festejos religiosos

populares como a Folia de Reis, a Festa de Nossa Senhora Aparecida e as Festas Juninas.

Como resultado desse processo vivido durante a participação no PNNM, experiência essa

enriquecedora, surgiu o interesse de uma pesquisa sistemática no universo cultural/musical de

Agreste.

Portanto, em 2008 ingressei no curso de Mestrado em Etnomusicologia, no Programa

de Pós-Graduação em Música da UFPB, com um projeto de pesquisa que foca as dimensões

socioculturais e estruturais da Folia de Reis de Agreste, buscando compreender os aspectos

fundamentais que caracterizam essa manifestação.

FIGURA 1 – Equipe do Projeto Negros do Norte de Minas. Pesquisa de

Campo em Agreste.4

4 As fotos, cujas fontes não estão indicadas no texto, são de minha autoria.

Page 24: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

23

FIGURA 2 – Oficina de Percussão realizada por mim com alunos e professores da Escola Municipal

Versol de Oliveira.

A Pesquisa de Campo: característica básica da pesquisa etnomusicológica

A partir da segunda metade do século XX, a pesquisa de campo tornou-se condição

essencial para a busca investigativa no trabalho etnomusicológico, criando um novo

paradigma para seu campo de estudo e ganhando amplo reconhecimento, evidenciando que a

etnomusicologia utilizou-se abundantemente da etnografia e do trabalho de campo como

ferramentas de pesquisa. A partir das reflexões de Bruner, Clifford e Marcus, Myers (1992)

afirma que “o texto etnográfico veio a ser examinado como uma parte da literatura em seus

próprios termos, reconsiderado à luz de um novo humanismo5” (MYERS, 1992, p. 22,

tradução minha).

De acordo com Myers (1992), o termo pesquisa de campo com observação

participante foi criado pelo anglo-polonês Bronislow Malinowski (1884 – 1942), considerado

um dos pais da antropologia moderna, o qual expôs na introdução de sua primeira obra

Argonauts of the Western Pacific6, as questões fundamentais do trabalho de campo, como:

a relação entre teoria e método, estratégias de pesquisa indutiva versus

dedutiva; observação participante; importância da abertura de espírito e auto-

crítica; a ligação de dados aparentemente não relacionados; as diferenças

entre observação e insight; a distinção entre as observações dos

5 The ethnographic text came to be examined as a piece of literature in its own right […] reconsidered in the light

of this new humanism. 6 MALINOWSKI, B. Argonauts of the Western Pacific. London: Routledge, 1922.

Page 25: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

24

pesquisadores e as idéias expressas pelos informantes nativos (dados êmicos

e éticos); o isolamento da aventura antropológica e a frustração, ansiedade e

desespero do choque cultural 7(MYERS, 1992, p. 24-25, tradução minha).

Para Lühning (1991), Malinowski não só criou o termo como realizou um estudo

desse tipo, opondo-se à imagem do armchair anthropologist8 e trazendo nova perspectiva

para os estudos antropológicos e etnomusicológicos.

A introdução da pesquisa de campo com observação participante na

etnomusicologia significa uma mudança qualitativa significante a partir do

momento em que a pesquisa e a análise seriam feitos por uma mesma

pessoa, possibilitando assim documentar a riqueza do fenômeno musical

dentro do seu contexto cultural, enfim tornando possível um estudo

contextual das músicas (LÜHNING, 1991, p. 114).

Nessa ótica, Oliveira Pinto (2001) argumenta que depois de deixar de ser uma

disciplina que enxerga os seus objetos a partir de uma perspectiva de gabinete (armchair-

perspective), a pesquisa de campo tornou-se condição sine qua non para a pesquisa

etnomusicológica. Assim, a partir da segunda metade do século XX, a etnomusicologia

deixou o aspecto meramente "musicológico", por vezes em segundo plano, para se utilizar da

antropologia, principalmente no que se refere às suas abordagens metodológicas. “Dessa

forma a etnomusicologia na busca da compreensão da música como fenômeno cultural

penetra no terreno da pesquisa antropológica” (OLIVEIRA PINTO, 2001, p. 19).

Quanto aos distintos conceitos de pesquisa de campo, podemos recorrer ao de

Hugues, citado por Myers (1992), afirmando que: “[...] é a observação de pessoas in situ que

implica em encontrá-las onde elas estão e permanecendo com elas um tempo, observando seu

comportamento para transformar em caminhos úteis para as ciências sociais, mas não

prejudiciais para os observados9” (HUGUES, citado por MYERS, 1992, p. 23, tradução

minha).

Na perspectiva de Silva (2000), o trabalho de campo é o processo pelo qual o

antropólogo (etnomusicólogo) observa de perto a comunidade pesquisada para interpretá-la,

7 The relationship of theory and method; inductive versus deductive research strategies; participant observation;

the importance of open-mindedness and self-criticism; the linking of apparently unrelated data; the diference

between observation and insight; the distinction between the scholar‟s observations and ideas expressed by the

native informant („emic‟ and „etic‟ data); the isolation of the anthropological adventure, and the frustration,

anxicty and despair of culture shock. 8 Antropólogo de gabinete.

9 Observation of people in situ; finding them where they are, staying with them in some role which, while

acceptable to them, Will allow both intimate observation of certain parts of their behaviour, and reporting it in

ways useful to social science but not harmful to those observed.

Page 26: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

25

desempenhando dessa forma um papel fundamental na definição da antropologia, e

consequentemente da etnomusicologia.

Um dos aspectos mais característicos durante o trabalho de campo é a observação

participante (FIG. 3), na qual o pesquisador participa ativamente das atividades, tanto

musicais quanto extramusicais vividas. Com relação à relevância da observação participante

durante o trabalho, Myers (1992) declara que:

[...] é a principal estratégia utilizada no trabalho de campo. O

pesquisador vive na comunidade, participa da vida diária,

especialmente das atividades musicais, registra as observações e pede

aos membros da comunidade que as comentem. [...] A observação

participante aumenta a legitimidade dos dados, reforça a interpretação,

favorece a penetração na cultura e ajuda o investigador a formular

perguntas significativas10

(MYERS, 1992, p. 29, tradução minha).

O antropólogo George Stocking (1983) assinala que o observador deve adotar a

observação participante para se aproximar de uma comunidade e tornar-se, durante um tempo

e de certo modo, parte integrante de seu sistema, estabelecendo relações cara a cara, de modo

a que os dados recolhidos reflitam, na medida do possível, o ponto de vista do nativo. “Isso

implica considerar o trabalho de campo como uma experiência básica tanto para o

investigador como para a produção de conhecimento e adotar um enfoque holístico das

culturas ou sociedades que são os sujeitos dessa forma de conhecimento” (STOCKING,

citado por LANDA, 2003, p. 365, tradução minha).

A observação participante, através da participação musical junto ao grupo, tocando um

instrumento, cantando e dançando é uma importante estratégia da pesquisa de campo, na medida

em que as particularidades musicais, as suas regras, a percepção de padrões específicos ou os

critérios que definem “toques”, podem ser mais bem estudados através da prática musical, como

atesta Hood (1963). Contudo, alguns pesquisadores enxergam obstáculos para o observador

participante, não tanto entre o que vê e o fato em si, mas na discrepância entre o praticamente

intraduzível de sua experiência e uma linguagem de consenso geral no momento de comunicar o

que se viveu em campo, exigindo do observador participante uma abordagem interpretativa muito

criteriosa e ordenada.

10

The main strategy used in ethnomusicological fieldwork is participant observation; o researcher lives in the

community, participates in daily life, especially musical activities, records observation and asks community

members to comment on them […] Participant observation enhances validity of the data, strengthens

interpretation, lends insight into the culture, and helps the researcher to formulate meaningful questions.

Page 27: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

26

FIGURA 3 – O autor tocando Caixa de Folia com Seu Lero ( Mestre da Folia de Reis de Agreste).

Esse tipo de pesquisa pode ser considerado como parte intrínseca na atividade de coleta

de dados, na medida em que durante o trabalho investigativo, o etnomusicólogo estabelece

contato direto com o universo pesquisado, imergindo diretamente no modo de vida e nas ações

das pessoas, buscando conhecer, entender e interpretar suas atitudes e o que é vivido

musicalmente. Dessa forma, esse tipo de pesquisa exige experiência e um talento para lidar com o

ser humano, procurando adaptar-se a um modo de vida distinto, assim como documentar uma

cultura musical não familiar. Essa característica é traduzida nas palavras de Helen Myers,

enfatizando que “no trabalho de campo nós expomos o lado humano da etnomusicologia11”

(MYERS, 1992, p. 21, tradução minha).

Para Bruno Netll (1964), o trabalho de campo em etnomusicologia abarca o

estabelecimento de relações pessoais entre o investigador e as pessoas que compõem a cultura

musical investigada, relações essas que vão além de simples reuniões e instruções escritas,

contribuindo para desvendar as bases do pensamento e do comportamento em relação à música,

buscando, assim, lidar com os conceitos, significados e com toda subjetividade da cultura

investigada “[...] pelo fato de que o trabalho de campo etnomusicológico, além de ser considerado

um tipo de atividade científica, é também uma arte12” (NETTL, 1964, p. 64, tradução minha).

Todavia, lidar com toda a subjetividade da cultura investigada é uma tarefa complexa

e requer habilidades diversas do etnomusicólogo em campo. Essas habilidades vão além de

11

In fieldwork we unveil the human face of ethnomusicology. 12

[...] because ethnomusicological field work, in addition to begin a scientific type of activity, is also an art.

Page 28: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

27

gravar, ouvir, aprender, praticar, transcrever e perceber nuances que dão forma e sentido ao

fenômeno musical, de maneira que:

o pesquisador vai em busca de trazer e de explicar no seu código o que não

pode ser totalmente explicado, de traduzir algo que, de certa forma, não é

traduzível, de dizer o que não pode ser dito através da nossa linguagem

verbal e escrita. O que dá sustentação ao trabalho etnomusicológico é

justamente a capacidade do pesquisador de achar estratégias para

objetivamente conseguir expressar, refletir e interpretar o subjetivo

(QUEIROZ, 2005, p. 6).

Outro ponto essencial durante a pesquisa musical em campo é a preparação do

pesquisador para lidar com o equipamento que possibilite a gravação, a captação de sons e

fixação de imagens para análise posterior, arquivos e estudos futuros. “Para os

etnomusicólogos as habilidades mais essenciais são as de gravação e de fotografar. Esteja

completamente familiarizado com seu equipamento antes de chegar a campo13

” (MYERS,

1992, p.31, tradução minha).

A manutenção de registros deve ser realizada de forma ordenada, auxiliada por

equipamentos mecânicos como gravadores de áudio e vídeo e microfones, como afirma Myers

(1992). “Uma das grandes responsabilidades na etnomusicologia é a preservação de registros,

seu transporte no campo e do campo para o arquivo [...] Esta inescapável parte do trabalho

requer presença de espírito e habilidade organizacional de mestre14

” (MYERS, 1992, p.23-24,

tradução minha). Essa organização implica, entre outras coisas, conhecer o equipamento e

realizar testes anteriormente à pesquisa, o que facilita o trabalho e previne problemas de

última hora.

Na ótica de Oliveira Pinto (2001), há basicamente duas abordagens quando se fala

em documentar a música no seu devido contexto performático, a abordagem musicológica e a

antropológica. Na abordagem musicológica, o fenômeno musical, enquanto texto e estrutura

está em primeiro plano, assim a gravação musical é de fundamental importância, pois a

avaliação posterior deste aspecto depende exclusivamente do registro musical. Na abordagem

antropológica, a investigação de campo caracteriza-se pela postura do pesquisador, que vê a

música inserida no seu contexto cultural, dando-se importância ao todo, isto é, à "música na

13

For ethnomusicologist the most essencial skills are recording and photography. Be completely familiar with

your equipment before you arrive in the field. 14

A major burden in etnomusicology is the preservation and documentation of recordings, their transportation in

the Field, and then from field to home to archive [...] This inescapable part of the job requires presence of

mind and masterful organizational skills.

Page 29: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

28

cultura" e à "música enquanto cultura" (MERRIAM, 1964; 1977). O registro do áudio e de

imagens ultrapassa os aspectos puramente musicais.

Partindo dessas premissas acerca da pesquisa de campo e sua importância para os

estudos etnomusicológicos e conseqüentemente para esta pesquisa, considero que esta se

constituiu como ponto fundamental para realização do trabalho, na medida em que através do

engajamento na comunidade, pude observar de perto o cotidiano dos moradores

acompanhando atentamente as práticas musicais, colhendo informações essenciais e

agregando as fontes de informações, como: o diário de campo, gravações de entrevistas, de

músicas, registros fotográficos e em vídeo. Assim, apresento a seguir o momento dos meus

primeiros contatos com o campo, a chegada à comunidade, minhas primeiras impressões do

lugar, natureza, pessoas e sons.

Revelando o campo de Agreste: os primeiros contatos

Minha primeira imersão no campo (FIG. 4), realizada entre os dias 02 e 04 de Junho

de 2006, juntamente com participantes do PNNM, como já foi descrito no início deste

trabalho, me trouxe a uma realidade que até então era desconhecida, um universo social e

cultural com características peculiares e distintas que busquei registrar em diário de campo,

fotos e vídeos. Portanto, através de uma narrativa etnográfica descrevo minhas primeiras

impressões do lugar, cultura e paisagem sonora.

FIGURA 4 – As ruas da comunidade Agreste.

Page 30: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

29

Marcada a viagem, la estávamos nós, toda equipe do PNNM no Campus da

Unimontes, preparando para a partida. O meio de transporte foi o ônibus cedido pela Universidade,

local de onde saímos às 07h30min aproximadamente e chegando a Agreste por volta das 09h20min.

Percorremos 130 km de distância, sendo 100 de asfalto e 30 de terra. Ao chegar, dividimos a equipe

em pequenos grupos e seguimos para as acomodações nas casas dos moradores, que já nos

aguardavam, pois sempre eram avisados da visita da equipe.

A expectativa quanto a esse primeiro contato foi carregada de ansiedade, pois de fato

não sabia como seria a aceitação da minha presença, e consequentemente, se poderia

participar dos acontecimentos musicais para uma coleta de dados necessária à pesquisa.

Assim, concordo com as palavras de Silva (2000), onde ele afirma que:

Costumamos pensar na observação participante basicamente como uma

técnica ou um procedimento realizado pelo antropólogo para conhecer a

comunidade que estuda. Entretanto, não é apenas o antropólogo que procura

familiarizar-se com o universo cultural do grupo no qual se insere. O grupo

também mobiliza seu sistema de classificação para tornar aquele que

inicialmente era um “estrangeiro” em uma “pessoa de dentro”, isto é, um

sujeito socialmente reconhecido (SILVA, 2000, p. 287).

Assim sendo, para que este processo de mútuo reconhecimento acontecesse, procurei

estar atento as atitudes locais como também manter um relacionamento amigável com as

pessoas, o que facilitou o contato e possibilitou vivenciar ativamente o contexto cultural e

musical.

Como discutido por Brandão (1981), a atuação do pesquisador deve ser pautada pela

tranqüilidade, porque os próprios membros da comunidade irão observar o comportamento do

pesquisador, que também a vê como uma vivência. Essas proposições foram fundamentais

para a minha prática etnográfica em campo.

No caminho para a casa onde iria ficar, andando pelas ruas de terra, além de apreciar

o espaço físico local, ouvia músicas de contexto midiático que vinham dos aparelhos de som

das casas. Os aparelhos de som assim como os televisores são uma forma de entretenimento

que faz parte do dia-a-dia dos moradores, pois em todas as casas que visitei observei a

utilização desses.

A primeira impressão que tive na chegada foi em relação aos aspectos naturais do lugar, que

apresenta em suas características, uma paisagem cercada por “uma floresta de caatinga arbórea

com milhares de pequenas lagoas formadas a partir do assoreamento de dolinas15

que surgem

15

Depressão afunilada, produzida pela dissolução em regiões calcárias ou pelo desmoronamento resultante de

tais dissoluções. Fonte: Dicionário Eletrônico Aurélio.

Page 31: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

30

da ruptura de tetos de cavernas existentes no sedimento calcário que recobre toda a região”

(COSTA, 2008, p. 1). A comunidade é margeada por lagoas e pelo rio Verde Grande (FIG.

5), que além de fornecer a água utilizada para consumo humano e dos animais, fornece

também o peixe, que é uma das mais importantes fontes de alimento, juntamente com a

farinha de mandioca que ainda é extraída de forma artesanal (FIG. 6). Outra importante

utilidade das lagoas e do rio é como fonte de lazer para os agrestinos, que passam os

Domingos banhando-se em suas águas.

Depois de acomodados, nos reunimos na parte central da comunidade para, a partir

daí, fazer uma imersão no modo de vida da coletividade e tentar compreender sua cultura.

Esse modo de vida a que me refiro é compreendido como ethos e visão de mundo numa

perspectiva geertziana. Geertz (1989) concebe a cultura como uma teia de significados que o

próprio homem tece para si, assim cultura:

[...] denota um padrão de significados transmitido historicamente,

incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em

formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e

desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida.

(GEERTZ, 1989, p. 103)

Conforme esse autor, a cultura considera os aspectos morais e os elementos

valorativos que podem ser resumidos sob a noção de ethos, e os aspectos cognitivos,

existenciais designados pela noção de eidos ou “visão de mundo”. O ethos de um povo está

sintetizado no seu caráter, no seu estilo moral e estético e nas atitudes e disposições

subjacentes em relação a ele mesmo e ao seu mundo. O eidos, ou a visão de mundo desse

povo, é expresso através dos conceitos que ele utiliza para interpretar a realidade – seu

conceito da natureza, de si mesmo, da sociedade. Dessa forma, para Geertz a cultura consiste

em uma interpretação realizada pelo nativo sobre a sua sociedade e a análise que o

antropólogo faz dessa interpretação, de maneira que a prática antropológica deve ser orientada

a partir da própria conceituação elaborada pelos nativos sobre seu modo de vida,

compreendido por ele como estilo de vida e como visão de mundo.

A partir desta ótica, conhecer o modo de vida da comunidade foi essencial para a

compreensão do fenômeno musical, pois para o estudo da música como cultura (MERRIAM,

1977), o etnomusicólogo considera não só o produto música, mas toda a complexidade

sociocultural que a envolve (MERRIAM, 1964), na medida em que não é possível realizar um

estudo etnomusicológico que não contemple tanto o homem quanto a música. Assim, o

sociólogo Michel Bozon (2000), citado por Prass (2006), enfatiza que para descrever a música

Page 32: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

31

realizada por grupos distintos não é suficiente tratar seu repertório em suas especificidades

técnicas, mas principalmente, “mostrar qual o estilo de vida e de sociabilidade colocado em

ação com [determinada] prática musical” (Bozon, 2000, p. 153, citado por PRASS, 2007, p.

4).

Portanto, para compreensão e interpretação desses significados, e daquele modo de

vida, primeiramente andei por todo o lugar16

, buscando um diálogo com as pessoas,

conhecendo e registrando em fotos e vídeo, assim como realizando gravações e anotações de

campo para análise.

Durante a caminhada foi possível perceber um ou outro morador tocando violão

sentado à porta de sua residência, ora tocando uma toada,17

ora uma música sertaneja de

contexto midiático, enquanto um grupo bate papo em frente a um bar ou na varanda de suas

casas (FIG. 7).

Ao cair da noite, alguns se recolhem frente à televisão, outros se confraternizam nos

bares. Nas Sextas Feiras e Sábados, alguns bares se transformam em Boates, com uma

iluminação e som “adequados”, além de reprodução de DVDs para o entretenimento das

pessoas.

16

Dados referentes aos aspectos físico-geográficos e históricos da comunidade estão dispostos no capítulo 2. 17

Termo geral para cantiga; usa muitas vezes a quadra poética na letra.

FIGURA 5 – A ponte sobre o Rio Verde Grande. Fonte de lazer para os moradores de

Agreste.

Page 33: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

32

FIGURA 6 – Moinho artesanal de farinha de mandioca. Casa de Seu João e Dona Ana.

FIGURA 7 – Um morador tocando violão na porta de sua casa e o Bar Esquema 3.

Após conversas preliminares, procurei entrevistar pessoas que, como interlocutores,

me forneceram dados relevantes quanto à cultura local. Essas pessoas foram José Nunes dos

Santos, conhecido como Zé Nunes, um dos foliões mais antigos da comunidade; e Dona

Clêusa, que trouxe dados históricos relevantes sobre a vivência musical. Outra personagem

social importante se chama Aureliano R. dos Santos, conhecido como Seu Lero, que é o

mestre da Folia de Reis. Essas entrevistas18

foram muito importantes, pois me forneceram um

panorama cultural/musical da comunidade.

18

Entrevistas com Seu Lero e Zé Nunes, também foram realizadas em 2009, na qual me refiro a Folia de Reis

propriamente dita. Em anexo.

Page 34: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

33

Neste trabalho de cunho etnográfico, tanto no momento da coleta de dados, quanto

no processo de elaboração das análises desses, o diálogo foi fundamental para os resultados

aqui apresentados. Refiro-me tanto aos diálogos realizados com os moradores quanto aos

diálogos que os próprios moradores estabeleciam entre eles e que tive a oportunidade de

observar. Conforme Vicenzio Cambria (2008), a idéia do diálogo sempre foi considerada uma

metáfora do trabalho etnográfico, atuando entre “nós” (cultura ocidental, dominante, escrita,

acadêmica, teórica, urbana, etc.) e os “outros” (culturas extra-ocidentais, dominadas, orais,

populares, folclóricas, rurais, etc.) e se daria como um encontro, uma negociação de

diferenças. Ainda segundo este autor, o diálogo, como forma de interação humana, também

sempre foi uma condição imprescindível de qualquer pesquisa de campo. “Neste caso, o

diálogo seria aquele entre um pesquisador (o representante do “nós”) e os informantes com

que ele trabalha em campo (que, muitas vezes, são assumidos como representantes de um

“outro”coletivo)” (CAMBRIA, 2008, p. 201). Deste modo, tanto as conversas realizadas nas

casas dos moradores quanto os „bate-papos” nos “botecos”, constituíram fontes relevantes de

coleta de informações.

Através desses dados fornecidos oralmente e registrados, tanto em gravador quanto

de forma escrita, ficou evidente que as práticas características das manifestações tradicionais

da religiosidade popular, como as Festas Juninas (realizada para Santo Antônio em Agreste), a

Festa de Nossa Senhora Aparecida e a Folia de Reis, são as mantenedoras das tradições e são

tidas como representantes da identidade19

local.

Os simbolismos contidos nas práticas dessas manifestações informam a realidade

sociocultural desta comunidade afro descendente norte mineira.

Todos os dados colhidos durante essas primeiras participações no contexto

investigado, somados a observação participante, possibilitaram vivenciar momentos

característicos das práticas musicais na comunidade, tanto nas diversões durante as noites

dançantes nas boates, como nas práticas tradicionais e suas danças e coreografias, os toques

dos instrumentos, o canto das músicas, etc. A experiência inicial neste contexto amplo e

complexo, fez perceber que na paisagem sonora20

de Agreste, as práticas tradicionais

19

Discussão sobre Identidade musical em Agreste está no capítulo 4. 20

Em meados da década de 1960 teve início no Canadá, mais precisamente na Simon Frayser University, um

movimento que se propunha realizar uma análise do ambiente acústico como um todo. Tal projeto foi

denominado World Soundscape Project e foi encabeçado pelo compositor canadense R. Murray Schafer. A

palavra Soundscape foi um neologismo introduzido por Schafer que pretendia criar uma analogia com a

palavra Landscape (paisagem). A paisagem sonora, segundo Schafer, seria então: o ambiente sonoro.

“Tecnicamente, qualquer porção do ambiente sonoro vista como um campo de estudos” (SCHAFER, 1997, p.

366).

Page 35: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

34

dialogam e transitam com as sonoridades de contexto midiático, demonstrando diferentes

formas de vivência musical, onde “tradição e modernidade formam um mosaico de relações

aparentemente cacofônicas que precisa ser analisado a partir dos sentidos dados pelos

próprios atores sociais” (PRASS, 2007, p.4).

Etnografia da Performance Musical

Partindo dos dados etnográficos colhidos durante a pesquisa de campo e expostos

neste trabalho, proponho uma discussão sobre a etnografia da performance musical, que pode

ser considerada como uma ferramenta essencial para a compreensão dos fenômenos musicais.

A partir da década de 1980 a etnomusicologia vem buscando novas concepções sobre

a performance musical, numa tentativa de unir as abordagens musical e antropológica.

Estudos recentes demonstram que “para fornecer um registro adequado da música

como cultura, tanto sua estrutura apresentada em eventos reais quanto seu contexto histórico e

social, devem ser explorados em detalhes” (MURPHY, 2008, p. 15). Para este autor a

etnografia da performance musical é compreendida como uma metodologia que tenta

descrever as relações entre uma dada música e a sociedade em que ela existe, através de

análise detalhada de eventos de performance específicos.

Segundo Herndon e McLeod (1980), citados por Murphy (2008), a etnografia da

performance musical surgiu da necessidade de firmar base comum entre abordagens

musicológicas e antropológicas com a etnomusicologia, fixando a performance musical como

foco. Dessa forma, a etnografia da performance musical requer, de início, a determinação de

um campo social mais amplo “que inclua não apenas os sons físicos, mas também ações,

pensamentos e sentimentos dos envolvidos na concepção, performance e recepção da música

num contexto cultural particular” (HERDON; McLEOD, 1980, citados por MURPHY, 2008,

p. 15).

Outro autor que traz uma nova abordagem sobre as questões que envolvem a

etnografia da performance musical é Anthony Seeger (1992), que considera a etnografia da

música como o escrito sobre as maneiras que as pessoas fazem música. Ela deve estar ligada à

transcrição analítica dos eventos, mais do que simplesmente à transcrição dos sons, e

geralmente inclui tanto descrições detalhadas quanto declarações gerais sobre a música,

baseada em uma experiência pessoal ou um trabalho de campo.

Na ótica de Behague (1984), a performance tem sido atualmente o primeiro aspecto

de estudo da etnomusicologia que têm tendido, por isso, a desenvolver uma abordagem

Page 36: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

35

bastante inclusiva do estudo da performance, considerando-a, na atualidade, não só como

evento, mas também como uma processo que reúne aspectos musicais e extra musicais.

Dessa forma, a etnografia da performance musical deveria esclarecer as maneiras pelas quais

os elementos não-musicais numa ocasião ou evento de performance influenciam o resultado

musical de uma performance. “Práticas de performance resultam da relação do conteúdo e do

contexto” (BEHAGUE, 1984, p. 7, tradução minha)21

.

Assim, finalizando essa breve reflexão, podemos afirmar que para compreender o

fenômeno musical, devem ser levados em conta os vários aspectos representados na

performance, tanto musicais como extramusicais, buscando seu significado de forma

contextualizada com o universo na qual é praticada.

Descrições metodológicas da pesquisa

O universo da pesquisa

As manifestações musicais tradicionais da comunidade Agreste são aspectos

fundamentais que traduzem um universo cultural abundante e peculiar. Neste contexto, esta

pesquisa foca a manifestação da Folia de Reis, que juntamente com outras manifestações,

como a Festa de Nossa Senhora Aparecida e as Festas Juninas, são tidas como demonstrativos

identitários dessa comunidade. Dessa forma, o universo da pesquisa foi constituído pelos

habitantes da comunidade quilombola Agreste, considerando e abrangendo mais

especificamente os músicos participantes da manifestação cultural da Folia de Reis: o mestre

da Folia e os músicos participantes.

A Folia de Reis neste contexto é uma prática que tem como principal função a

religiosa, onde através das rezas dos Terços e dos cantos, os foliões demonstram toda devoção

e fé aos Santos Católicos. Esta manifestação característica da religiosidade popular acontece a

mais de cem anos na comunidade e apesar das mudanças e transformações que ocorreram

com o passar do tempo, permanecem com respeito e fé aos Três Reis Magos e ao Menino

Jesus. Como afirma Seu Lero: “Pra cada um Santo tem um canto, o canto pra São Sebastião,

Santos Reis e Nossa Senhora Aparecida, pra cada Santo um canto, é devoção, tradição” (Seu

Lero, 2009).

21

Practices of performances result from the relationship of content and context.

Page 37: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

36

Instrumentos de coleta de dados

Os instrumentos de coletas de dados que utilizei foram fundamentais para realização

da pesquisa e dentro das perspectivas da realidade da manifestação, o que permitiu uma

abordagem do campo pesquisado, como também, a coleta de informações imprescindíveis

acerca dos vários aspectos que constituem o fenômeno musical da Folia de Reis da

comunidade.

Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados: pesquisa bibliográfica,

pesquisa documental, observação participante, entrevistas semi-estruturadas e registros

sonoros, fotográficos e em vídeo. A junção destes me forneceu o suporte devido para alcançar

o objetivo da pesquisa.

Pesquisa bibliográfica

A pesquisa bibliográfica foi realizada durante todo o tempo da pesquisa. Foram

consultadas obras que referem aos estudos relacionados à temática da formação das

comunidades quilombolas em diferentes contextos do Brasil, focando o Estado de Minas

Gerais e mais precisamente a região Norte. Foram pesquisadas produções bibliográficas

enfocando estudos e abordagens sobre os aspectos que constituem as expressões musicais

afro-brasileiras, a Folia de Reis, em suas dimensões estruturais, históricas e socioculturais,

assim como trabalhos diversos relacionados à etnomusicologia, antropologia e outros campos

relacionados com a abordagem da pesquisa. O trabalho foi realizado tendo por base a

produção de conhecimento a partir de livros e artigos científicos como fontes principais,

contudo, consultei fontes diversas, como: legislação, artigos da internet e dicionários com

termos técnicos.

Foram realizadas pesquisas na Biblioteca da Universidade Estadual de Montes Claros

- Unimontes, na biblioteca do Centro Cultural Hermes de Paula de Montes Claros como

também na biblioteca do Centro Cultural São Paulo, na capital paulista em outubro de 2008.

A pesquisa bibliográfica forneceu as bases conceituais e as linhas epistemológicas que

embasaram os caminhos traçados na pesquisa.

Pesquisa documental

A pesquisa documental também se consolidou como ponto fundamental para o

trabalho, tendo em vista a falta de material histórico referente a Agreste. Devido ao

Page 38: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

37

“isolamento” da comunidade, não foram encontrados dados secundários (documentos) que

nos fornecessem informações necessárias, assim procurei trabalhar com dados primários

(colhidos por mim e pelos membros do PNNM) que foram, de acordo com nossos estudos, a

primeira coleta de informações sobre a vida da comunidade.

Dessa forma, a pesquisa documental abrangeu relatórios e outras fontes coletadas

pelo grupo, assim como registros referentes a dados censitários realizados por professores a

alunos participantes do PNNM. Esses dados foram relevantes para identificar as principais

transformações territoriais e socioculturais ocorridas em Agreste ao longo de sua história.

Observação participante

A observação participante foi o mais importante instrumento de coleta de dados

durante a pesquisa de campo.

Através deste instrumento foi possível vivenciar de perto a música da Folia de Reis e

compreender significados e valores estabelecidos e construídos pelos foliões e participantes.

Experienciar e participar, buscando em equilíbrio entre participação e observação, me

proporcionaram um contato direto com esse universo, revelando aspectos singulares tanto da

performance quanto do modo de vida dos foliões.

As observações foram feitas durante o ensaio e apresentação da Folia de Reis, assim

como em outros festejos religiosos realizados na comunidade com o intuito de compreender

aspectos particulares da música e de suas inter-relações socioculturais.

A partir dessa compreensão, procurei como pesquisador, durante a observação

participante, imergir num outro universo cultural, lidando tanto com características

comportamentais dessa realidade, como também com os conceitos e significados

estabelecidos durante as práticas musicais no contexto quilombola.

Entrevistas

As entrevistas foram essenciais para coleta de dados, possibilitando a averiguação

dos fatos e os motivos conscientes para opiniões, sentimentos ou condutas dos entrevistados.

Primeiramente realizei entrevistas semi-estruturadas com alguns interlocutores,

selecionados através da indicação dos próprios moradores de Agreste, que através de relatos

orais forneceram dados históricos e do modo de vida na comunidade. Em seguida realizei

Page 39: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

38

entrevistas com os Foliões e moradores da comunidade que participam da Folia de Reis,

objetivando coletar dados essenciais para compreensão do universo da manifestação.

Busquei também trabalhar com a coleta de informações a partir da história oral, onde

através da memória do grupo as informações eram dadas e confirmadas pelos membros da

comunidade.

De acordo com Meihy e Holanda (2007) o ponto de partida das entrevistas em

história oral implica aceitar que os procedimentos são feitos no presente, com gravações, e

envolvem expressões orais emitidas com intenção de articular idéias orientadas a registrar ou

explicar aspectos de interesses planejados em projetos. Assim:

Entrevistas em história oral são a manifestação do que se convencionou

chamar de documentação oral, ou seja, suporte material derivado de

linguagem verbal expressa para esse fim. A documentação oral quando

apreendida por meio de gravações eletrônicas feitas com o propósito de

registro torna-se fonte oral. A história oral é uma parte do conjunto de fontes

orais e sua manifestação mais conhecida é a entrevista (MEIHY;

HOLANDA, 2007, p. 14).

Dessa forma, a história oral que é “um recurso moderno usado para a elaboração de

registros, documentos, arquivamento e estudos referentes à experiência social de pessoas e de

grupos” (MEIHY; HOLANDA, p. 17), contribuiu de forma relevante para coleta de dados

referentes a vários aspectos da vida das pessoas de Agreste.

Na perspectiva de Gaskell (2002, p. 64) a compreensão dos mundos da vida dos

entrevistados e de grupos sociais especificados é a condição sine qua non da entrevista

qualitativa e tal compreensão poderá contribuir para um número de diferentes empenhos na

pesquisa.

Neste contexto, as entrevistas semi-estruturadas foram as mais utilizadas, com

roteiros pré-estabelecidos, que foram se desenvolvendo a partir das conversas. As entrevistas

foram realizadas na casa do Mestre da Folia, como nas casas dos interlocutores, sendo que

todo processo de gravação foi realizado com a utilização de um gravador modelo SONY

WALKMAN - NET MD KMAN – MZ - N707 TYPER-R – MDLP, que com boa qualidade

sonora, favoreceu o trabalho de transcrição e análise das informações obtidas.

Destaco aqui, a opção pelas entrevistas no lugar de questionários, pois percebi que

poderia colher mais informações acerca do modo de vida, assim como das manifestações

culturais, com este recurso metodológico. Apesar da importância dos questionários,

principalmente para coletar dados quantitativos que dão suporte a pesquisa, percebi que os

informantes mais velhos sempre tinham algo mais a revelar e extrapolavam nas respostas,

Page 40: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

39

chegando a falar por horas em seus depoimentos, portanto mesmo com questionários prontos

para aplicação optei pelo recurso das entrevistas.

Através dos conteúdos das entrevistas e de uma análise aprofundada dos relatos, pude

coletar informações singulares das dimensões históricas, socioculturais e estruturais

específicas da Folia de Reis de Agreste.

Registros em Áudio

Os registros em áudio se constituíram como um importante instrumento de gravação

de campo.

Esses registros, gravados durante o ensaio e do ritual, possibilitaram captar detalhes

fundamentais dos aspectos das músicas. Além disso, as gravações em áudio foram de

fundamental importância para a construção de um arquivo sonoro para futuras transcrições e

análise musicais, captando os detalhes de cada elemento musical como ritmo, melodia, letra e

canto.

Para garantir a qualidade das gravações utilizei um aparelho portátil gravador SONY

WALKMAN MD, de modo que as gravações fornecem um suporte necessário para a coleta

das músicas que foram transcritas no trabalho, sendo utilizadas como exemplos

complementares das transcrições, pelo fato de que o registro gráfico não dá conta de traduzir

o fenômeno com todas as suas nuanças, o que pode ser proporcionado pela exemplificação em

áudio.

Registros em vídeo

Os registros em vídeo foram realizados enfocando aspectos particulares da prática

musical e outros elementos da performance (plástico-visuais e coreográficos) que se inter-

regem com o fenômeno musical da Folia de Reis. Os registros em vídeo foram fundamentais

para o processo de análise, tendo em vista que possibilitaram a observação da prática musical

por uma perspectiva diferenciada.

Dessa forma, somando som e imagem foi possível perceber nuanças que nem sempre

podem ser captadas pela percepção exclusivamente sonora.

Page 41: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

40

Registros fotográficos

Os registros em fotos foram feitos primeiramente, para registrar o modo de vida dos

moradores de Agreste, assim como os aspectos físicos da comunidade.

Quanto às manifestações culturais, focando a Folia de Reis, as fotos foram úteis para

captar aspectos gerais da performance musical dos foliões, como instrumentos, adereços,

movimentos coreográficos, detalhes da execução musical, etc. As fotos além de ampliarem as

possibilidades analíticas, serviram como importante ferramenta para ilustrar e complementar

aspectos musicais transcritos e descritos nos textos gerados durante o trabalho.

Os registros fotográficos também trouxeram imagens de personagens fundamentais

para a compreensão da manifestação que inseridas junto aos textos e as análises do estudo,

forneceram informações visuais que retratam as singularidades do universo musical estudado.

Instrumentos de organização e análise dos dados

Depois de coletados os dados para a pesquisa, esses dados foram organizados e

analisados, através de instrumentos que possibilitaram uma leitura e compreensão criteriosa

das informações detalhadas no contexto investigado.

Assim sendo, uma organização sistemática contribuiu imensamente para o processo

de análise, de forma que descrevo a seguir os principais instrumentos de análise:

Referencial teórico

A constituição do referencial teórico nesta pesquisa se deu a partir de uma pesquisa

bibliográfica que fundamentou as interpretações e análises dos dados, possibilitando reflexões

contextualizadas tanto com o universo pesquisado, quanto com o campo mais abrangente dos

estudos do fenômeno musical numa perspectiva etnomusicológica.

Abordagens teóricas da antropologia interpretativa forneceram as bases fundamentais

para a discussão acerca da temática quilombola no Brasil. Outras vertentes literárias foram

importantes para o campo teórico, como as abordagens de autores que escreveram sobre a

Folia de Reis e outras manifestações e expressões da cultura popular.

Dessa forma, o referencial teórico alicerçou e estabeleceu ao longo dos estudos, o

direcionamento das abordagens realizadas durante o trabalho, constituindo um amplo material

de estudo indispensável para a compreensão desse complexo e rico universo cultural.

Page 42: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

41

Transcrições das entrevistas

A realização das transcrições textuais dos relatos e depoimentos orais, obtidos a

partir das entrevistas, foi essencial para análise dos elementos explicativos contidos nos

relatos, fornecendo dados substanciais para a compreensão dos aspectos históricos e

socioculturais da Folia de Reis.

A transcrição da fala foi apresentada no trabalho de forma que pudesse representar as

características lingüísticas e buscando valorizar as formas de expressão de cada entrevistado.

Assim optei por uma transcrição literal, que buscou ao mesmo tempo, descrever os

depoimentos sem descaracterizar o que era dito, mas possibilitando que o leitor captasse os

detalhes da estruturação da fala do entrevistado.

Para uma compreensão do discurso verbal, foram levados em consideração não só a

fala dos entrevistados, mas uma gama de outros significados que a caracterizaram

culturalmente, relacionando os depoimentos com as situações e momentos que cercam o

universo focado nas entrevistas.

De acordo com Lucena; Barbosa; Oliveira (2004, p. 37) com base em perspectivas de

análise lingüística, as práticas discursivas, da mesma forma que as práticas sociais, podem ser

compreendidas como fenômenos que envolvam o saber, o poder e os sujeitos, ora organizando

relações mais amplas com o universo cultural, ora construindo formas de discurso específicos

para situações localizadas.

Nesta perspectiva, Queiroz (2005) também argumenta que os depoimentos orais,

relatados durante as entrevistas, devem ser analisados segundo a perspectiva de que eles não

são simplesmente modos de produção do discurso, mas sim, representações que refletem

conceitos, comportamentos, processos, técnicas e formas diversificadas de expressões do

sistema cultural que as cria, as impõem, as mantém e as pratica.

Dessa forma a análise das falas foi imprescindível para compreensão do processo

discursivo.

Edição de vídeos e seleção das fotografias

Foram editadas partes das gravações em vídeo focando principalmente o giro de

folia, onde foram selecionados trechos relevantes para o processo de análise, desde a chegada

dos foliões, as rezas dos Terços, os cantos e as danças durante a manifestação.

Page 43: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

42

A seleção das fotografias foi realizada considerando os registros que foram utilizados

tanto para análise quanto para ilustração do texto, contribuindo de forma expressiva para a

visualização dos aspectos e características da manifestação.

As transcrições musicais

As transcrições musicais, ou registros gráficos das músicas, foram realizados com

base nos registros sonoros e audiovisuais captados durante a Folia de Reis.

Durante o processo de transcrição, busquei utilizar categorias estruturais aplicadas no

meio musical acadêmico, de forma que, através da análise da métrica rítmica e dos intervalos

melódicos instituídos pela notação “ocidental”, foi possível uma quantificação de elementos

característicos das músicas dos Foliões, o que permitiu o entendimento e a tradução dos

códigos distintos desse fenômeno musical para uma linguagem “padrão”.

Assim como as transcrições verbais, a transcrição musical apresenta limitações

comuns desta ferramenta, porém não deixa de ser importante para o processo de análise e

descrição no estudo etnomusicológico.

Na visão de Ellingson (1992), a transcrição musical tem sido considerada, ao longo

do tempo, ferramenta fundamental para a metodologia dos estudos em etnomusicologia,

apresentando objetivamente dados quantificáveis e analisáveis que fornecem uma sólida base

para a etnomusicologia como disciplina científica.

Neste trabalho, as transcrições musicais tiveram como finalidade a organização

estrutural do repertório dos Foliões, como também apresentar aspectos essenciais das músicas,

servindo para ilustrar detalhes da melodia, do ritmo, das letras e da composição do repertório

possibilitando uma reflexão sistemática sobre esses mesmos aspectos.

Realização da pesquisa e apresentação dos resultados

A partir dos caminhos metodológicos utilizados durante o processo de realização da

pesquisa, a apresentação dos resultados foi desenvolvida de forma contextualizada em relação

ao universo investigado, buscando sempre a veracidade dos dados coletados e a coerência

necessária durante o processo de análise desses.

Com base nos elementos coletados e analisados, busquei estruturar de maneira lógica

e sistemática as informações que se revelaram essenciais para a compreensão dos aspectos

socioculturais e estruturais da Folia de Reis no contexto estudado.

Page 44: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

43

A segmentação do trabalho, dividida em quatro capítulos, foi ordenada de forma

coerente com os objetivos do trabalho, buscando proporcionar em cada parte a apresentação

de um conjunto de elementos fundamentais acerca da manifestação estudada como também,

mostrar com clareza as perspectivas etnomusicológicas contextualizadas ao universo musical.

Para concluir, procurei apresentar neste trabalho, um panorama do fenômeno musical

estudado, indicando aspectos fundamentais que retratam a multiplicidade das características

que constituem a música da Folia de Reis na comunidade quilombola Agreste no Norte de

Minas Gerais.

Page 45: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

44

CAPÍTULO 2

Comunidades quilombolas: um cenário de identidades afro-

descendentes no contexto nacional

O Brasil, maior país da América do Sul, possui uma grande diversidade cultural,

onde aprender sua história nos remete a conhecer a história e cultura de vários povos, que

trouxeram em seus conhecimentos e memórias coletivas, elementos representativos, que

serviram de base para a construção da identidade e reconhecimento enquanto país pluriétnico

e multicultural.

Na formação da cultura brasileira, heterogênea, complexa e plural, o negro africano

foi um componente étnico que trouxe relevante contribuição para a formação cultural e

histórica do povo. Dessa forma, o desenvolvimento da identidade brasileira está condicionado

à participação dos africanos, cuja sabedoria está presente nas manifestações culturais, nos

gestos e nas relações.

No entanto, as realidades vividas pelos descendentes de escravos e comunidades

quilombolas ainda se encontram desconhecidas no contexto social brasileiro e só

recentemente passaram a ser debatidas no meio acadêmico, político e nos movimentos sociais.

A situação dessas comunidades é uma das questões emergentes da sociedade brasileira, tendo

em vista a falta de visibilidade social, cultural e territorial, agravada pelo esquecimento

evidenciado na história oficial. Atualmente, tem havido um movimento crescente de entidades

e instituições nacionais e internacionais, que vêm discutindo sobre essa realidade e formando

redes de apoio aos quilombolas.

O texto da Constituição Federal de 1988, fruto de uma ativa mobilização social, ao

instituir o Artigo 68 das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), deu um passo

importante para o reconhecimento dessa realidade ao estabelecer que aos remanescentes das

comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade

definitiva, devendo o estado emitir-lhes os títulos respectivos. Com esse Artigo a Constituição

Federal acena para o reconhecimento da diversidade étnica e cultural brasileira.

Partindo dessas reflexões, para um aprofundamento na discussão sobre os vários

aspectos que constituem a temática quilombola no Brasil, este capítulo traz um recopilado

panorama histórico que remete à chegada dos primeiros escravos africanos, sua contribuição

na formação sociocultural brasileira, assim como a resistência ao processo de escravidão.

Page 46: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

45

Discorre também sobre a formação das comunidades quilombolas em Minas Gerais, focando

a região norte mineira e finalmente a história da comunidade Agreste.

Os Africanos no Brasil: contribuições e resistência

A compreensão acerca da formação das comunidades quilombolas e a realidade

sociocultural dessas na atualidade estão certamente associadas ao conhecimento do passado

vivido pelos escravos e sua contribuição na formação de uma identidade afro-descendente,

assim como as estratégias de sobrevivência e a resistência ao regime escravocrata. Para

discorrer sobre essas dimensões neste capítulo, foi necessário revisitar esse passado através da

documentação disponível na literatura, livros, artigos impressos e eletrônicos, entre outros.

O processo de escravidão negra no Brasil durou cerca de trezentos anos e de acordo

com a literatura pesquisada não se sabe a data exata da chegada dos primeiros africanos no

Brasil. Alguns dados indicam que os africanos aportaram a partir da primeira metade do

século XVI, outros autores indicam a segunda metade. Para o historiador Clóvis Moura

(1983), a primeira leva de escravos vindos da África ocorreu em 1549, quando o primeiro

contingente é desembarcado em São Vicente, porém, alguns historiadores acreditam que bem

antes dessa data já haviam desembarcado negros por essas terras. Já Brandão (1978) cita duas

datas como prováveis para chegada dos negros africanos. Um foi talvez por volta de 1531,

quando a caravela de Martin Afonso de Souza encontrou navios de transporte de escravos,

outra em 1538, quando Jorge Bixorda enviou carregamento regular de negros ao Brasil. O

fato concreto é que começaram a chegar ao século XVI, para trabalhar com a produção de

açúcar que se constituiu na primeira atividade rentável e a partir da qual teve início a

construção da base econômica do país.

De acordo com as diversas teses sobre a escravidão no Brasil, os negros foram

trazidos com o objetivo de constituir a mão-de-obra do colonizador português, que não

aceitava fazer o trabalho braçal em nome de uma nobreza muitas vezes auto-outorgada.

Todavia para Munanga e Gomes (2006), os colonizadores, para conseguir mão-de-obra

necessária, recorreram a um procedimento chamado escravidão, os quais buscaram destituir as

populações indígenas de todos os seus direitos sobre a terra de seus ancestrais e de seus

direitos humanos e transformando-os em força animal de trabalho.

Porém, com a resistência da arredia população ameríndia a este processo, o que

culminou com sua massiva exterminação, abriu-se um caminho ao tráfico negreiro, que trouxe

Page 47: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

46

ao Brasil milhões de africanos, que escravizados, forneceram a força de trabalho necessária ao

desenvolvimento econômico da colônia.

Os africanos e seus descendentes, por mais de três séculos de escravidão,

constituíram a força de trabalho necessária ao desenvolvimento da colônia.

Entre as várias contribuições relevantes dos negros africanos na construção do Brasil,

além da econômica mencionada anteriormente, podemos citar a demográfica, contribuindo

para o processo de territorialização e ajudando no povoamento, o que indica um grande

contingente de negros que desembarcara em solo brasileiro:

[...] a evolução demográfica, segundo alguns autores, mostra que, até 1830,

os negros constituíam 63% da população total, os brancos 16% e os mestiços

21%. A partir de 1850, data da abolição do tráfico negreiro, acompanhada

pela extinção da escravidão em 1888, a população negra começou a

decrescer sensivelmente por causa das más condições da vida em que se

encontrava e da mestiçagem com brancos e índios (MUNANGA; GOMES,

2006, p. 20)

No aspecto cultural, foram significativas as contribuições dos negros africanos, como

na dança, nas artes plásticas, na arquitetura, na língua portuguesa, no campo da religiosidade e

na música. Com relação à música e dança temos o coco, jongo, maculelê, maracatu, bumba-

meu-boi, os congados e também o samba, que de acordo com alguns autores é um referencial

da identidade cultural brasileira. Aspectos que foram amplamente retratados na literatura

nacional, em obras de autores como Mario de Andrade22

.

Quanto à religiosidade, o Candomblé, a Umbanda e a Macumba, que fazem parte da

religiosidade popular afro-brasileira, são representativos da herança dos negros africanos ao

Brasil.

A influência e contribuição dos negros na língua portuguesa também foram

representativas, com a introdução de um vocabulário de muitas palavras africanas que são

utilizadas cotidianamente pelos brasileiros, como por exemplo: acarajé, bagunça, calunga,

dendê, fubá, marimba, muvuca, quitanda, vatapá, entre outras. Enfim, a abundância da

contribuição cultural africana na formação da cultura brasileira fica evidente nas

manifestações populares.

Contudo, esses traços culturais que foram inseminados na cultura brasileira

representam também uma história de luta e resistência ao processo de escravidão. “Onde

houve escravidão houve resistência”. (REIS; GOMES, 2008, p. 9).

22

ANDRADE, Mário de. Danças Dramáticas. 2. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 2002.

Page 48: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

47

Entre as formas de resistência utilizadas, houve um tipo que pode ser considerada

como a mais característica e simbólica: a fuga de escravos. Essas fugas levavam à formação

de grupos de escravos fugidos, onde se associavam também outros personagens sociais. No

Brasil esses grupos eram chamados principalmente de quilombos, calhambos, calhambolas ou

mocambeiros. Este processo de aquilombamento ocorreu onde houve escravidão dos africanos

e seus descendentes, contudo não eram as únicas formas de resistência dos negros perante a

escravidão. Rebeliões, insubmissão às regras do trabalho nas roças ou plantações onde

trabalhavam, os movimentos espontâneos de ocupação das terras disponíveis, fugas,

abandonos das fazendas pelos escravos, assassinatos de senhores e suas famílias, suicídios,

organizações religiosas e revoltas organizadas também fizeram parte da história da escravidão

no Brasil.

Quilombo: aspectos conceituais

No momento hodierno, a temática quilombola vem alcançando maior visibilidade no

universo social nacional, exigindo para seu estudo enquanto temática específica, a cooperação

de múltiplas disciplinas e formações acadêmicas, sendo discutida por várias áreas do

conhecimento, como a antropologia, sociologia, história, filosofia e fundamentalmente neste

trabalho, por um viés etnomusicológico.

Para uma reflexão teórico-conceitual sobre o termo quilombo, buscou-se fazer

primeiramente uma referência ao passado histórico do período colonial, quando se tem pela

primeira vez no Brasil, de acordo com os autores pesquisados, o uso formal jurídico do termo.

No significado que remete ao período escravista o termo quilombo é entendido como “reduto

de negros escravos fugitivos”. De acordo com Moura, citado por Munanga e Gomes (2006),

em 1740 o Conselho Ultramarino, órgão colonial responsável pelo controle central

patrimonial, definiu formalmente quilombo como “toda habitação de negros fugidos que

passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se

achem pilões neles”. Este “conceito jurídico-formal que ficou, por assim dizer, frigorificado”

(ALMEIDA, 2002, p. 47) ainda é utilizado por alguns autores, contudo insistir nessa definição

consiste em invisibilizar o real significado e história desses grupos.

Quanto à semântica do termo, de acordo com Munanga e Gomes (2006):

a palavra Kilombo é originária da língua banto umbundo, falada pelo povo

ovibundo, que se refere a uma instituição sociopolítica militar conhecida na

África Central, mais especificamente na área formada pela atual República

Democrática do Congo (antigo Zaire) e Angola, e apesar de ser um termo

Page 49: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

48

umbundo, constitui-se em um grupamento militar composto pelos Jaga ou

Imbangala (de Angola) e os Lunda (do Zaire) no século XVII (MUNANGA

e GOMES, 2006, p. 71).

Ainda na perspectiva desses autores, a palavra quilombo, na África, refere-se a uma

associação de homens, aberta a todos, onde esses eram submetidos a rituais de iniciação que

os integravam como co-guerreiros num regimento de super-homens invulneráveis às armas

inimigas.

No ponto de vista de Théo Brandão (1978) quilombo é uma palavra que nomeia o

auto ou dança dramática e é corrente no Brasil para o reduto de negros, fugidos dos engenhos

de açúcar e fazendas, onde se encontravam em cativeiro, sobretudo durante o período

colonial. Os sítios de fuga e de defesa eram chamados geralmente de quilombos, palavra

oriunda da língua dos negros que neles predominavam, os bantos, e que significava

exatamente, de acordo com a opinião da maioria das autoridades, habitação (kilombo em

língua bundo-angolense).

A partir dessas definições, na busca de novas abordagens e interpretações, o conceito

de quilombo vem sendo ressemantizado, de forma que “é necessário que nos libertemos da

definição arqueológica” (ALMEIDA, 2002, p. 43).

Contemporaneamente, portanto, o termo quilombo não se refere a resíduos

ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação

biológica. Também não se trata de grupos isolados ou rebelados, mas,

sobretudo, consistem em grupos que desenvolveram práticas cotidianas de

resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida

característicos e na consolidação de um território próprio (O‟DWYER, 2002,

p. 18).

Os termos “quilombos”, “quilombolas”, “terras de pretos”, “comunidades negras

rurais” e “comunidades remanescentes de quilombos” vêm sendo objeto de debate não apenas

nos meios acadêmicos, mas também no âmbito das políticas públicas, tendo adquirido

visibilidade e uma significação atualizada principalmente após o Artigo 68 do Ato das

Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal brasileira de 1988,

que visa garantir os direitos territoriais e culturais aos remanescentes de quilombos, como

descrito no início deste capítulo.

Conforme O‟Dwyer (2002), o emprego do termo remanescente de quilombo na

Constituição Federal traz a seguinte questão: quem são os chamados remanescentes de

quilombos cujos direitos são atribuídos pelo dispositivo legal? A resposta a essa questão no

âmbito jurídico-legal é crucial para as comunidades, pois envolve a sua forma de organização

Page 50: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

49

interna, o acesso fundamental ao seu território histórico e o alcance de benefícios sociais

especificamente direcionados aos quilombolas. Para Santos e Camargo (2008) é a definição

conceitual que pode determinar a inclusão de uma parcela da população brasileira nessa

categoria histórica e antropológica.

Do ponto de vista jurídico-legal, não há na Constituição da República uma

conceituação própria. Essa definição se encontra estabelecida no Decreto 4887, de 2003, que

define as comunidades quilombolas como “os grupos étnico-raciais, segundo critérios de

auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas,

com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica

sofrida” (SANTOS; CAMARGO, 2008, p. 36). É importante sublinhar que nesta concepção a

caracterização do grupo enquanto quilombola está subordinada ao critério de auto-atribuição a

ser definida pela própria comunidade.

Na atualidade o conceito de quilombola se dilatou, não está mais condicionado e

preso no termo histórico. Para Arruti (2003), o quilombo hoje é reconhecido pelas suas

características antropológicas e territoriais. A relação da comunidade com o território (uso e

apropriação), com a cultura de matriz africana e com a política é que estabelecerá se uma

comunidade é quilombola ou não. As formas de uso do território são outro diferencial

considerado nos estudos na atualidade, que passaram a conceber as comunidades quilombolas

como as chamadas populações tradicionais, que são grupos sociais que vivem, por períodos

relativamente longos, em um espaço geográfico definido e constroem sua identidade a partir

das relações que estabelecem com o território que ocupam.

Essas relações caracterizam-se pela ocupação da terra predominando seu uso comum,

sendo que a utilização dessas áreas obedece à sazonalização das atividades, sejam extrativistas

ou outras, caracterizando diferentes formas de uso e ocupação dos elementos fundamentais ao

ecossistema, que tomam por base laços de parentesco e vizinhança, assentados em relações de

solidariedade e reciprocidade.

O‟Dwyer (2002), considera que o texto constitucional não evoca apenas uma

identidade histórica às comunidades quilombolas, segundo o texto é preciso, sobretudo, que

esses sujeitos históricos presumíveis existam no presente e tenham como condição básica o

fato de ocupar uma terra, que, por direito, deverá ser em seu nome titulada.

Esse aspecto presencial, focalizado pela legislação, tem levado antropólogos

a seguir um princípio básico: fazer o reconhecimento teórico e encontrar o

lugar conceitual do passado no presente. Assim, qualquer invocação do

passado deve corresponder a uma forma atual de existência capaz de

Page 51: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

50

realizar-se a partir de outros sistemas de relação que marcam seu lugar num

universo social determinado (O`DWYER, 2002, p. 14).

Segundo Santos e Camargo (2008), o reconhecimento dessa condição social foi

estabelecida pelo decreto 6.04023

, de 7 de Fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional

de desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, onde em seu artigo

3º define que essas populações:

“são grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que

possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam

territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural,

social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações

e práticas geradas e transmitidas pela tradição” (SANTOS; CAMARGO,

2008, p. 36).

O reconhecimento dessas populações também ultrapassa a visão positivista de

homogeneidade da população, a concepção de “povo brasileiro” como atesta Almeida (1999).

Essa idéia carrega a noção de que a sociedade é homogênea e que nela há uma única

identidade coletiva por todos igualmente compartilhada.

Na nova concepção, surge a idéia da diferenciação social e da diversidade

cultural no seio de uma mesma sociedade. Essas mudanças vêm sendo

provocadas pelas lutas e articulações políticas dos movimentos sociais, que

buscam seus espaços em uma sociedade mais ampla, dominante e

homogenizadora. O fenômeno mais importante nesse sentido é que as novas

identidades se organizam em movimentos sociais (ALMEIDA, 1999, citado

por SANTOS; CAMARGO, 2008, p. 37).

No modo de ver do antropólogo Alecsandro Ratts (2000), a discussão sobre

quilombos no Brasil é longa e complexa, a utilização ampla do conceito de quilombo e de

remanescente de quilombo merece ser discutida com cautela, levando em conta que pode

causar certa mescla e confusão conceitual que pretende dar conta da diversidade de formas de

acesso à terra e das formas de existir das comunidades negras rurais. “É preciso então tomar

cuidado, pois um conceito amplo de quilombo, usado política e juridicamente, corre o risco de

ser generalizado de uma realidade que é historicamente diversa e particular” (RATTS, 2000,

citado por MUNANGA e GOMES, 2006, p. 75).

Baseando-me nessas definições, tomo como referência para este trabalho o conceito

evidenciado por Santos e Camargo (2008), onde uma comunidade quilombola é aquela que

apresenta relações de parentesco entre seus membros; descendência africana e vínculos

históricos e culturais com determinado território, independentemente da época em que foi

23

Em anexo.

Page 52: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

51

formada. A permanência de elementos de cultura africana pode ser observada ou não na

atualidade; porém, referências a um passado relativamente próximo são mantidas.

Minas Gerais e sua constituição quilombola

O Estado de Minas Gerais foi um dos estados brasileiros que possuiu maior

população negra escrava do país. Esse fato se deu devido à descoberta de ouro e

posteriormente de diamante, que provocou um intenso fluxo migratório para Minas Gerais em

fins do século XVII. Bandeirantes paulistas, “na caça ao índio, ao ouro e às esmeraldas”

(SILVA, 2005, p. 68), juntamente com baianos e pernambucanos migraram para Minas Gerais

e trouxeram consigo um grande contingente de negros escravos.

Para Ramos (2008) a escravidão foi a forma dominante de organização do trabalho

no surgimento da sociedade mineira e é no contexto do sistema escravocrata por inteiro que os

quilombos podem ser mais bem examinados.

A atividade mineradora teve seu apogeu na primeira metade do século XVIII, onde a

necessidade de mão-de-obra para a exploração mineral e a ávida corrida pelo ouro durante a

primeira metade do século causaram uma maior valorização do negro escravo na região. A

demanda por trabalhadores, assim como as dificuldades encontradas com o tráfico,

valorizaram o preço da mão-de-obra. Com essa valorização, proprietários de escravos de São

Paulo, Bahia, Rio de Janeiro e Pernambuco também migraram para as Minas, onde os

negócios tornaram-se mais rendosos. O fluxo de migrantes e a grande riqueza mineral da

região fizeram com que Minas Gerais se transformasse no centro do poder econômico do país

durante o século XVIII.

A classe escrava destacou-se por seu grande número e rebeldia desde princípios do

século XVIII.

Existem indicadores que a classe escrava nunca foi inferior a 30% da

população total em Minas Gerais, e que em algumas regiões a população

livre foi menor que a população escrava. Por sua vez, a classe forra, que na

primeira metade do século XVIII equivalia a apenas 1,2% da população

escrava, em 1786 era 35% da população total e em 1808 atingiu 41%

(GUIMARÃES, 2008, p. 142).

Concomitante ao processo de escravidão, a fuga dos escravos e a conquista de terras

para viver em liberdade marcaram a história do estado, que se tornou um grande celeiro de

comunidades quilombolas. Após a abolição da escravatura, muitos quilombolas, ou

calhambolas, como eram chamados em Minas Gerais, permaneceram nos territórios

Page 53: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

52

conquistados por seus antepassados ou ocuparam novos espaços a fim de iniciar uma vida de

liberdade. Nessa trajetória de luta histórica, muitos territórios foram ocupados. Atualmente, os

descendentes de escravos se articulam na luta para conseguir se manter em suas terras e ter

seu direito de propriedade sobre elas. E neste contexto de sistema escravocrata, os quilombos

marcaram esse período da história de Minas Gerais constituindo umas das mais complexas

formas de reação à escravidão.

Há vestígios de que a maioria das comunidades quilombolas em Minas Gerais surgiu

a partir da abolição da escravidão em 1888, como afirmam Santos e Camargo (2008), onde

grande parte dos negros não tinha local para fixar moradia, nem tão pouco, perspectiva de

integração à sociedade. Dessa forma muitas famílias de escravos alforriados migraram para

locais ermos, grotões e terras desabitadas.

Diferentes tipos de quilombo se formaram em Minas Gerais, alguns com grupos

menores que viviam de roubos a fazendeiros nas estradas, até grupos com estruturas

complexas formando vilarejos. As atividades desenvolvidas para sobrevivência foram

variadas, como a caça, agricultura, criação de animais, mineração, contrabandos, etc. Essas

comunidades, apesar de formadas no movimento de luta e resistência, em muitas ocasiões

eram toleradas pelo regime dominante, onde existiam formações de comércio e mão-de-obra

escrava ou barata. Guimarães (2008) enfatiza essa questão expondo os diversos tipos de

ligações entre os quilombos e a sociedade escravista:

[...] relações comerciais clandestinas com contrabandistas, taverneiros,

negras de tabuleiro e fazendeiros; ataques a viajantes, tropeiros, fazendas,

periferias de vilas e aldeias; uma rede de informações que começava dentro

das senzalas e terminava dentro dos quilombos; relações afetivas

estabelecidas entre escravos, forros e quilombolas, visto que estes

comumente freqüentavam as periferias dos centros urbanos ou fazendas do

meio rural (GUIMARÃES, 2008, p. 143).

Essas relações contribuíram para a multiplicação dos quilombos, que, embora

causassem estragos, serviam também como válvula de escape às tensões da escravidão.

Povos de diferentes regiões da África foram a base da formação das populações

quilombolas em Minas Gerais, como os Banto24

, os Mina-jêje25

, os Iorubas e Haussás26

.

24

Povo originário das regiões Sul e Sudeste da África. 25

Oriundos do Oeste da África. 26

Originários da região nagô, situada na região Oeste da África.

Page 54: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

53

Quilombos em Minas Gerais: situação atual

Para um estudo amplo sobre a situação geográfica, educacional, social e cultural das

comunidades quilombolas mineiras na atualidade, foi realizada uma pesquisa nos textos da

Fundação Cultural Palmares e do CEDEFES – Centro de Documentação Eloy Ferreira da

Silva, assim como trabalhos do antropólogo João Batista de Oliveira Costa, entre outros. De

acordo com as análises e reflexões, pôde-se constatar que essas comunidades podem ser

consideradas como um dos segmentos sociais mais pobres, esquecidos e desconhecidos da

nossa sociedade, pois pouco se sabia sobre elas até o início dos anos 2000. Tanto os órgãos

públicos, as organizações não governamentais (ONGs), como as entidades privadas ligadas às

questões da população afro-descendente no Estado não dispunham, até início da década de

2000, um maior conhecimento do universo quilombola.

Quem são, onde vivem e como vivem essas comunidades ainda são questões que

requerem maior atenção de todos os segmentos da sociedade mineira.

Panorama da distribuição populacional quilombola em Minas Gerais

De acordo com o CEDEFES (2008), até Junho de 2007 foram localizadas 435

comunidades negras27

em cerca de 170 municípios (FIG. 1), em 20% do total de municípios

do Estado. Berilo, Chapada do Norte, Minas Novas, Virgem da Lapa e Araçuaí, compõem no

Vale do Jequitinhonha, a maior concentração de quilombos do Estado. No Médio São

Francisco, há uma grande concentração nos municípios de Janaúba, Manga, Januária e Pai

Pedro, que juntos representam o que o antropólogo João Batista Almeida Costa (1999) define

como “campo negro”.

Com estudos realizados pelo CEDEFES em 154 comunidades, foi possível verificar

uma média de 54 moradias por comunidade. As comunidades que possuem maior número de

moradias são Brejo dos Criolos, no Norte de Minas, com 438, e Pinhões, na região da grande

Belo Horizonte, com 350. A média da população encontrada é de 264 pessoas por

comunidade. Com base nos dados estima-se que a população quilombola em Minas Gerais

seja de 100 a 115 mil pessoas.

27

Segue em anexo a lista das comunidades quilombolas catalogadas em Minas Gerais até 2007.

Page 55: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

54

FIGURA 1 – Municípios com maior número de comunidades quilombolas

Fonte: CEDEFES, 2007.

Mais de 97% das comunidades pesquisadas estão localizadas em áreas rurais (FIG.

2). Durante o período de escravidão, os negros fugidos buscavam áreas desocupadas e

distantes da população escravista e geralmente escolhiam locais de difícil acesso, como serras

e matas fechadas, formando grupos que também continham índios, mestiços e até brancos.

Com o fim da escravidão, essas populações não receberam qualquer compensação, assim, os

grupos diversos se espalharam pela vastidão do Estado em busca de locais isolados em que

pudessem sobreviver. Essa é ainda uma característica de boa parte das comunidades na

atualidade.

FIGURA 2 - Localização das comunidades quilombolas

de Minas Gerais. Fonte: CEDEFES, 2007.

A maior parte das comunidades quilombolas está concentrada nas regiões Norte de

Minas, Jequitinhonha e Metropolitana de Belo Horizonte, onde se encontram mais de 70% do

Page 56: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

55

seu total. No Vale do Rio Doce, 6,7%, na Zona da Mata, 4,8% e no Nordeste por volta de

3,4%. Outras regiões, como o Triangulo/Alto Paranaíba, a Central, Oeste, Sul e Campo das

Vertentes, apresentam registros pouco significativos.

FIGURA 3 – Localização das comunidades quilombolas segundo as

Regiões geográficas. Minas Gerais. 2007.

Fonte: CEDEFES, 2007.

Aspectos do modo de vida

Baseando nos dados levantados em 2006, em pesquisa realizada num universo de 180

comunidades quilombolas, o CEDEFES traz informações sobre infra-estrutura, saúde,

educação, conflitos e outras situações enfrentadas por essas populações. Muitas comunidades

em sua condição atual correm o risco de desaparecimento, tendo em vista que a falta de

perspectiva de geração de renda ou de subsistência, tem criado grande migração dos

moradores para os centros urbanos. Partindo desta observação, evidencio alguns dos

resultados da pesquisa realizada pelo CEDEFES, contribuindo para a compreensão da

realidade vivida por essas populações.

Saneamento

Tratamento de água, captação e tratamento de esgoto e coleta de lixo, são quase

inexistentes nessas comunidades. O lixo acumulado e o esgoto são jogados nos cursos d‟água,

o que desencadeia doenças de veiculação hídrica, como esquistossomose, amebíase, giardíase,

cisticercose, infecções, cólera, verminoses, entre outras. Este quadro, juntamente com a falta

de atendimento médico, tem aumentado o índice de mortalidade nas comunidades.

Page 57: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

56

De acordo com o CEDEFES apenas 6,4% delas recebem a água tratada, as demais

utilizam água in natura, retirada dos rios, córregos ou poços. Quanto ao saneamento a situação

é ainda mais precária, pois existe apenas em quatro comunidades em 173 verificadas.

Quanto ao atendimento médico e postos de saúde, em 345 comunidades pesquisadas

pelo CEDEFES em 2006, apenas 16 (44%) possuem posto de saúde. Nenhuma comunidade,

com exceção das urbanas, possui acesso rápido a hospitais. O PSF (Programa de Saúde da

Família) tem atingido muitas comunidades e colaborado no atendimento médico e na

prevenção de doenças.

Abastecimento de energia elétrica e comunicações

De 150 comunidades pesquisadas, somente 76 possuíam energia elétrica em 2006.

Quanto à comunicação, poucas localidades possuem telefone público, apesar da grande

demanda, e se configuram como reivindicações pertinentes para o desenvolvimento e para a

geração de renda.

Quanto ao sistema de correios a situação é precária, principalmente nas comunidades

mais distantes, pois não existem agencias dos correios em muitas comunidades nem nas

proximidades, exceto nas situadas em áreas urbanas.

Educação

No que se refere à educação, a situação é diferente da saúde. Parcela significativa das

comunidades possui escola (até a quarta série) municipal ou estadual. Contudo a estrutura

física da maioria dessas escolas se encontra em quadro de precariedade. Muitas funcionam ao

ar livre, em prédios em péssimas condições e em alguns casos as aulas são ministradas em

Igrejas. A formação do professor que leciona na comunidade e a resposta pedagógica ao

ensino estão aquém da realidade e da necessidade dessas populações. O professor, na maioria

das vezes não é da comunidade e, assim, dificilmente consegue adentrar no mundo

etnicamente diferenciado dos alunos. A quantidade de escolas que lecionam até a oitava série

tem diminuído. Os problemas são os mesmos das escolas até a quarta série, todavia, a

obrigatoriedade da implementação da Lei 10.639, que inclui o ensino da história da África e

dos afro-brasileiros, ainda não ocorre.

Page 58: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

57

Titulação

Desde o tempo de suas formações, as comunidades quilombolas viveram na

invisibilidade, não sendo reconhecidas pelas políticas públicas e sequer sendo citadas pela

legislação em vigor. Contudo, a situação vem tomando novos rumos com a promulgação da

Constituição Federal de 1988, que assegurou às comunidades quilombolas o direito à

propriedade de suas terras. O primeiro item está definido no Art. 68, que já foi tratado neste

trabalho. A outra referência constitucional está definida no Art. 216 quando enfatiza que

“ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos

antigos quilombos” (SANTOS: CAMARGO, 2008, p. 51).

Os procedimentos para a identificação e titulação das terras quilombolas são

orientados por legislação federal e por legislações estaduais28

. As legislações estaduais são

seguidas quando a titulação é conduzida por um órgão do governo do estado. Em fevereiro de

2008 seis estados contavam com normas próprias para a regularização das terras de quilombo:

Espírito Santo, Pará, Paraíba, Piauí, Rio Grande do Sul e São Paulo.

Na esfera federal, o INCRA é o órgão responsável por titular as terras de quilombo,

seguindo os procedimentos estabelecidos no Decreto Federal nº 4.887 de 200329

e na

Instrução Normativa 30

INCRA nº 49 de 2008. Com o Decreto nº 4.887 de 2003, o governo

brasileiro aderiu a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, o que

constituiu um novo avanço no reconhecimento dos direitos das comunidades. Segundo a

Convenção 169, é pela autodefinição que uma comunidade tradicional se firma enquanto tal.

Outro aspecto enfatizado na convenção é a proteção e o direito do uso dos recursos naturais

das áreas onde os povos residem, permitindo que, nesse contexto, os mesmos participem dos

ganhos.

Quanto à Instrução Normativa INCRA nº 49 de 2008, publicada em outubro de 2008,

mereceu o repúdio dos quilombolas e da sociedade. Essa é terceira instrução normativa

editada pelo INCRA na gestão do governo Lula. A cada nova instrução, o governo adiciona

novos empecilhos ao processo destinado a identificar e titular as terras quilombolas. A mais

recente norma do INCRA torna o processo de titulação ainda mais burocratizado, menos

eficiente e mais oneroso. Só para a etapa de contestação administrativa, a IN 49/2008 prevê

um prazo de até nove meses. A concretização das titulações, portanto, está seriamente

comprometida.

28

Ver em: http://www.cpisp.org.br/htm/leis/conheca_quilombos_estadual.htm 29

Decreto em anexo. 30

Ver em: http://www.cpisp.org.br/htm/leis/fed44.htm

Page 59: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

58

Até Agosto de 2003, havia registro de três pedidos para titulação das terras

quilombolas no INCRA de Minas Gerais. Porém esses números vêm aumentando

gradativamente, sendo que a cada semana novos processos estão chegando ao órgão.

O cadastramento das comunidades para obtenção do título da terra e outros

benefícios, deve ser feito na Fundação Cultural Palmares, órgão do Ministério da Cultura. O

procedimento é feito da seguinte forma: após o processo de auto-reconhecimento, a

comunidade encaminha a Brasília o pedido de registro no cadastro. A Fundação Cultural

Palmares já cadastrou, até Junho de 2007, 116 comunidades quilombolas em Minas Gerais.

Conflitos e tensões

Conflitos e tensões fazem parte da realidade vivida pelas comunidades quilombolas

em Minas Gerais. A falta de políticas públicas ou o desconhecimento pelos quilombolas dos

projetos de governos, que podem beneficiá-los, dificultam a sustentabilidade destes grupos em

seus locais tradicionais.

Problemas relacionados à grilagem de terras são um dos principais fatores de

conflitos nas terras quilombolas. Muitas comunidades perderam seus terrenos para grileiros

nas décadas de 60, 70 e 80 do século XX. Além da grilagem de terras, a ocupação das terras

quilombolas para monocultura de eucalipto, a mineração, seja na forma de expropriação das

terras, como da destruição e poluição do seu ambiente, tem sido motivo de preocupação

comum para muitas comunidades.

Nas comunidades do Norte de Minas especificamente, a dificuldade de acesso e a

baixa qualidade da água são dificuldades visíveis, onde as regiões de melhor acesso a água

ficaram sob o domínio de fazendeiros. Para concluir, é importante frisar os problemas

causados pela poluição ambiental nas áreas quilombolas.

As atividades de monocultura, mineração, hidrelétricas e de pecuária no

entorno e dentro dos territórios tradicionais quilombolas comprometem as

práticas comuns como a pesca, a caça, a cata de raízes e frutos, entre outras,

que transitam nas esferas da cultura e da subsistência das comunidades

(SANTOS; CAMARGO, 2008, p. 82).

Cultura e religiosidade

As comunidades quilombolas de Minas Gerais mantêm uma significativa variedade

de expressões musicais e religiosas. Manifestações culturais tradicionais que são transmitidas

Page 60: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

59

oralmente através da manutenção de lendas e mitos, como o caboclo d‟água31

, a mãe do

ouro32

, o bicho fortaleza33

, entre outros. O artesanato, trabalhos em cerâmica, o buriti, a palha

e a madeira constituem uma forte expressão no Norte e Vale do Jequitinhonha, assim como a

feitura de bonecas de pano e retalho.

A culinária das comunidades, baseada na cultura do milho e da mandioca, ervas e

temperos, também é uma característica comum de matriz africana, que se expressa em

inúmeras festas e celebrações. A couve, a galinha, o angu e o feijão são comumente usados na

alimentação do dia-a-dia. Nas comunidades ribeirinhas a caça e o peixe são mais consumidos.

Quanto às manifestações culturais, o Congado e suas variantes estão presentes em

quase todas as regiões do Estado de Minas Gerais. A Folia de Reis é também uma

manifestação tradicional presente em várias comunidades, principalmente no Norte de Minas.

As comunidades quilombolas de Minas Gerais possuem forte religiosidade

cristã, fundada no catolicismo popular mesclado com práticas expressões

musical-religiosas, como o Batuque, o Congo, a Marujada, a Caretada, o

Candonmbe, o Lundum-de-pau, a Chula, o Caxambu, a Tapuiada, a Dança

de São Gonçalo, a Umbigada, o Sapateado, o Catopé, o Caboclo, o

Moçambique e o Jongo34

(SANTOS; CAMARGO, 2008, p. 63).

As festas Juninas também são expressões freqüentes nas comunidades.

Comunidades Quilombolas do Norte de Minas: constituição e

características

A região do Norte de Minas Gerais (FIG. 13) constitui como uma das 12

mesorregiões35

do Estado e é formada pela união de 89 municípios agrupados em sete

31

As comunidades quilombolas ribeirinhas do São Francisco têm uma forte ligação com o caboclo d‟água, uma

entidade que vive dentro do rio e pode se transfigurar em várias formas de homens, mulheres, canoas, peixes,

entre outras formas físicas ou abstratas. 32

A mãe do ouro é recorrente nas comunidades que estão nas antigas áreas mineradoras. Segundo uma moradora

da comunidade de Mato do Tição, no município de Jaboticatuba, a mãe do ouro aparece sempre de branco e à

noite para atrair os homens com uma luminosidade hipnótica. Os homens vão atrás dela e nunca conseguem

encontrá-la, sempre ficam perdidos. 33

A história do bicho fortaleza foi relatada por moradores do quilombo de Mumbuca, no município de

Jequitinhonha. Ele é a alma de um antigo morador que batia na mãe com a mão de pilão. Todos os moradores

temiam esse rapaz, e, quando ele faleceu, sua alma, na forma de uma criatura grande e peluda, assombrava os

moradores. Sua família descobriu que, oferecendo ao bicho fortaleza alimento durante certo período do ano,

ele sossega e não incomoda os moradores. 34

Sobre essas manifestações ver: SANTOS, Maria Elisabete Gontijo dos; CAMARGO, Pablo Matos.

Comunidades quilombolas de Minas Gerais no século XXI: história e resistência. Belo Horizonte, MG.

Autêntica, 2008, p. 63-74. 35

Mesorregião é uma subdivisão dos estados brasileiros que congrega diversos municípios de uma área

geográfica com similaridades econômicas e sociais. Foi criada pelo IBGE e é utilizada para fins estatísticos e

não constitui, portanto, uma entidade política ou administrativa.

Page 61: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

60

microrregiões36

. Possui características similares às da Região Nordeste do Brasil com um

clima quente, beirando o semi- árido37

, formada por Planalto Atlântico. Essa região, assim

como o nordeste mineiro, pertenceu ao estado da Bahia até meados de 1757 e mantêm uma

economia baseada na pecuária e extrativismo vegetal. Nessa região, a maior parte das

comunidades quilombolas se encontra nos vales dos rios Verde Grande e Gurutuba. A história

dessas comunidades na região norte mineira remete ao século XVII. “É importante frisar que

nos idos de 1660 os africanos e seus descendentes já haviam instituído comunidades

quilombolas no vale do rio Verde Grande” (COSTA, 2005, p. 3).

FIGURA 4 – Municípios com comunidades quilombolas: mesorregião Norte de Minas.

Fonte: Projeto Quilombos Gerais. CEDEFES – 2007.

A formação de quilombos constituiu-se em estratégia utilizada pelos africanos que,

escravizados, ansiavam por liberdade e, assim, instituíram alternativas ao sistema escravista

hegemônico, então vigente.

O princípio subjacente à formação de quilombo constitui-se na busca de

lugares de difícil acesso que propiciassem o estabelecimento de barreiras

estruturais, que tanto podiam ser naturais quanto sociais. Os agrupamentos

36

Microrregião é, de acordo com a Constituição braileira de 1988, um agrupamento de municípios limítrofes.

Sua finalidade é integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum,

definidas por lei complementar estadual 37

O clima semiárido é um tipo de clima caracterizado pela baixa umidade e pouco volume pluviométrico. Na

classificação mundial do clima, o clima semiárido é aquele que apresenta precipitação de chuvas média entre

300 mm e 800 mm.

Page 62: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

61

humanos aquilombados pretendiam, dessa forma, impedir o contato do

mundo branco e escravista com o mundo negro vivendo em liberdade. Neste

sentido, as barreiras naturais apresentavam-se como: serras de difícil acesso

– Palmares -; áreas acima de corredeiras e cachoeiras próximas às cabeceiras

de rios – Erepecuru-Cuminá e Trombetas -; áreas alagadas e com

proliferação de doenças endêmicas, principalmente a malária – Baixada

Fluminense e região da Jahyba no Norte de Minas (COSTA, 2008, p. 25).

Ainda segundo Costa (2008), antes da chegada dos bandeirantes paulistas e baianos

no que é hoje o território mineiro, africanos fugidos da escravidão se fixaram em diversas

áreas. A bandeira de Mathias Cardoso de Almeida, que ocupou a partir de 1660 a região do

Médio São Francisco, tinha como funções aprear indígenas para vender como escravos na

Vila de São Paulo e exterminar os quilombos existentes na área. Contudo, condições

ambientais propiciaram a proliferação de endemias, o que impossibilitou a fixação de currais

e afastou a população branca e indígena do vale do rio Verde Grande, região denominada por

eles como Jahyba – “‟água podre”, “água ruim”. Para Costa (2005) a palavra tupi-guarani

jahyba, dependendo da forma de se articular as sílabas que a constituem, tem como

significação “água podre”, “água má”, “lugar de difícil acesso e esquisito” e, finalmente,

“brenhas do mato”. “Com esta denominação os bandeirantes formadores do norte de Minas e

do sertão sul da Bahia queriam informar a existência de malária no rio Verde Grande em toda

a extensão do seu vale” (COSTA, 2005, p. 2). E como a população de origem africana

apresentava maior resistência a essa doença endêmica, a malária serviu como escudo protetor

da ocupação do local por escravos.

O mesmo autor considera que o clima tropical com média anual em torno de 32o

e

media pluviométrica em torno dos 900 mm anuais, foram fatores climáticos que contribuíram

para a proliferação da malária na região, assim:

Essas condições ambientais propiciaram a existência de endemia de malária

que afastou a população branca e indígena do interior do vale do rio Verde

Grande38

e, como terra de ninguém ou como terra que ninguém queria, os

negros fugitivos da escravidão no período colonial e imperial escolheram

para situar-se com liberdade e autonomia de vida. No interior dessas

condições ambientais centenas de pequenos núcleos negros, como quilombos

ou calhambos como referenciados regionalmente, foram formados e deram

origem a dezenas de pequenas comunidades negras rurais, muitas das quais,

atualmente, reivindicam para si os direitos vinculados ao Art. 68 dos ADCT.

(COSTA, 2008, p. 2).

A estratégia usada pelos quilombolas para sobrevivência nessas áreas resultou num

processo de invisibilização eficaz, o que proporcionou que a organização comunitária do

38

Nesse sentido vide Santos (1997) e Maurício (1995).

Page 63: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

62

território permanecesse inalterada até meados do século XX. Esse quadro começa a mudar

quando se dá a instalação da estrada de ferro nos anos de 1940, feita com objetivo de ligar o

Rio de Janeiro a Salvador, o que favoreceu a penetração da população branca. Na construção

desta rede foram utilizadas como mão-de-obra, moradores das comunidades negras rurais que

viviam no interior da Mata da Jahyba. A utilização de mão-de-obra negra se deve à malária

endêmica que ocorria na região e que requereu do governo federal implantar dois postos de

tratamento a esta doença, um em Montes Claros e outro em Monte Azul, quase na divisa com

a Bahia.

Durante o governo Dutra, começa o combate à malária, com a presença de

funcionários da SUCAM39

desinseticizando o interior da mata e as lagoas, além da

distribuição de aralém. E foram os inseticidas e o aralém que propiciaram o processo de

afazendamento dos pecuaristas nas terras do vale do rio Verde Grande, conforme João Vale

Maurício, citado por Costa (2005).

os inseticidas e o aralém permitiram aos nossos pecuaristas invadirem o Vale

do Rio Verde Grande, com suas terras maravilhosas, antes totalmente

proibidas pela altíssima incidência da malária. Foi assim que surgiram as

primeiras grandes fazendas, enriquecidas de exuberante pastaria do colonião.

Podemos dizer que os nossos fazendeiros desceram os cerrados e

caminharam para a riqueza dos vales (MAURÏCIO, 1995, p. 163, citado por

COSTA, 2005, p.4).

A situação social do Norte de Minas na atualidade, se apresenta com um Índice de

Desenvolvimento Humano de 0,540, inferior à do Nordeste (0,548), sendo considerada uma

das regiões mais pobres do país. As fontes para a geração de renda das comunidades

quilombolas são bastante limitadas. A maioria dos moradores são trabalhadores rurais pagos

pelo sistema de diárias, por fazendeiros, contudo, a demanda de trabalho não é constante,

assim algumas comunidades se articulam para comercializar seus produtos em feiras locais,

tendo no artesanato uma fonte de renda.

Essas dificuldades levam à migração sazonal entre os moradores, que se dirigem para

São Paulo e Paraná, dedicando ao trabalho na colheita de café e o corte de cana. Essa

migração na busca de trabalho costuma durar seis, sete meses, fazendo com que diversas

comunidades ficam basicamente com a população de crianças, mulheres e idosos durante

metade do ano. Outro fator ligado a essa situação de sazonalidade, é que a população feminina

jovem das comunidades, usualmente migra para centros urbanos em busca de trabalho

doméstico e muitas não retornam. Todos esses fatores provocam a perda dos vínculos

39

Superintendência de Campanha de Saúde Pública

Page 64: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

63

familiares e culturais, acarretando em muitas ocasiões a falta de transmissão dos saberes

tradicionais, o que pode causar a “extinção” dessas práticas.

Muitas comunidades quilombolas norte mineiras, vivem quase que somente da

subsistência e da prática do escambo de produtos produzidos nas comunidades, todavia a

aposentadoria rural e a bolsa família são a segurança de renda para essas populações.

Quanto ao reconhecimento regional desses grupos, as populações tradicionais no

Norte de Minas são denominadas de formas distintas, dependendo do bioma da região,

variando a denominação de acordo com o bioma em que estão inseridos no cerrado ou na

caatinga. São conhecidos como geraizeiros, caatingueiros, vazanteiros, chapadeiros e

ribeirinhos. Os que vivem nas chapadas da margem esquerda do São Francisco são

conhecidos como chapadeiros. Os veredeiros e os campineiros localizam-se na margem

direita. Já os que vivem nos vales do rio Verde Grande e do Gurutuba, são denominados

geraizeiros e caatingueiros. Os que vivem nos sopés da serra do Espinhaço, na região da Serra

Geral, são também chamados de caatingueiros. Os barranqueiros vivem nas margens do rio

São Francisco.

Já são 153 comunidades identificadas na região, passando assim a ser considerada a

região com maior número de comunidades quilombolas, através de levantamento feito até

2007. Santos e Camargo (2008) reiteram que foram encontrados dois grandes campos negros:

um na região do rio Gurutuba, com cerca de 30 comunidades, e outro na região da Jaíba.40

A

área foi denominada como Território Negro da Jahyba (Costa, 2001) e tem sido largamente

utilizada pelo movimento social regional e estadual, como expressão histórica e simbólica da

resistência negra em Minas Gerais. A ampla ocupação negra do vale do rio Verde Grande

pode atestar os pedidos de reconhecimento como remanescentes de quilombos feitos por 62

comunidades rurais negras situadas no interior do referido vale.

Até o momento, apenas a comunidade Brejo dos Crioulos recebeu o título de

reconhecimento, o que trouxe uma série de benefícios a essa população. Este acontecimento

se deu no ano de 1998 e começou a ser difundido entre as comunidades negras rurais do

Território Negro da Jahyba.

40 Jaíba é um município do estado de Minas Gerais. Sua população estimada em 2008 era de 31.758 habitantes

.

Jaíba limita a norte com os municípios de Matias Cardoso e Gameleiras, a oeste com Itacarambi, a leste com

Pai Pedro e a sul com Varzelândia, Verdelândia e Janaúba.

Page 65: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

64

Segundo Costa (2005) somente no final dos anos 1990, as famílias de Brejo dos

Crioulos encaminharam solicitação à Fundação Palmares e ao Ministério Público Federal em

Belo Horizonte, tanto para o reconhecimento como comunidade remanescente de quilombos,

quanto à regularização fundiária. A partir dessa ação, o Território Negro da Jahyba começou

a ser visibilizado e a história regional a ser reescrita ao reconhecer o papel crucial dos negros

na constituição da sociedade regional. Dessa forma, Brejo dos Crioulos apresenta-se no

cenário do Território Negro da Jahyba como a “locomotiva” que deu partida ao processo de

territorialização étnica ao posicionar-se para conquistar os direitos advindos do Art. 68 dos

ADCT.

A comunidade quilombola Agreste: formação e características básicas

A comunidade quilombola Agreste (FIG. 5) está localizada no interior do vale do rio

Verde Grande, que corta a região norte mineira no sentido sul/norte desde Montes Claros, até

a divisa com a Bahia. É um povoado do município de São João da Ponte/MG e encontra-se

situado na divisa entre o município a que pertence e o município de Capitão Enéas, à margem

direita do rio Verde Grande, a uma distância de aproximadamente cento e trinta quilômetros

de Montes Claros e quinhentos e setenta quilômetros da capital mineira, Belo Horizonte.

Agreste é cercada por duas grandes fazendas, como indicado no Croqui (FIG. 8),

dedicadas à pecuária extensiva. A comunidade possui uma única escola municipal de ensino

fundamental41

(FIG. 6), que foi recentemente construída em novo local; um posto de saúde

dotado de poucos recursos para apoio às ações do Programa de Saúde da Família; 5 casas

comerciais, sendo uma mercearia e 4 vendas. A comunidade se fixou ao redor de uma igreja,

como é característico nas formações das comunidades rurais. A formação arquitetônica do

povoado é relativamente simples com casas antigas feitas de adobe e telha comum, contudo

há casas mais modernas feitas de tijolos e telhas do tipo francesa, colonial ou amianto.

Em Agreste, também são realizados cultos evangélicos, que acontecem em uma casa

de um membro vinculado à Congregação Cristã do Brasil, contudo o evangelismo é recente na

comunidade. Há um cemitério (FIG. 7), embora nas fazendas existam sepulturas que

demarcam a territorialidade negra das mesmas. Conforme O‟Dwyer (2002), tão importante

quanto o culto aos santos é o culto aos mortos, o culto aos antepassados que faz dos

cemitérios um lugar sagrado, o lugar onde as cruzes marcam seus assentamentos. “(...) A

crença fundamental é de que os mortos, depois de uma passagem, se transformam em

41

Escola Municipal Versol de Oliveira Lima.

Page 66: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

65

espíritos, identidades sobrenaturais que devem ser cuidadas pelos vivos. Cabem a seus

descendentes diretos esses cuidados” (O‟DWYER, 2002, p. 20).

Em Agreste, existe energia elétrica e abastecimento de água a partir de poço

artesiano, abertos em cada uma das habitações da localidade, assim como telefones públicos,

localizados em pontos específicos. Existe também uma associação de moradores do povoado,

que tem como objetivo coordenar o processo de desenvolvimento local, mas, objetivamente,

serve apenas, para receber parcos benefícios disponibilizados pela administração municipal.

“Uma característica fundamental na visão dos moradores é o esquecimento a que Agreste está

relegada” (COSTA, 2008, p. 4).

FIGURA 5 – Mapa da localização Estadual de Agreste.

A geração de renda das famílias se dá por meio de assalariamento de alguns de seus

membros nas diversas fazendas onde trabalham, e pela venda, esporádica, da mão-de-obra de

homens para limpeza de pastos e conserto de cercas de arame, assim como o trabalho de

mulheres para combate a formigueiros existentes nos pastos. Nos períodos em que há muito

serviço nas fazendas, normalmente na colheita de milho e na matança de formigas, todos os

dias, por volta das cinco horas, é possível ver um caminhão carregado de trabalhadores com

destinos às fazendas da região e só retorna no fim do dia.

Page 67: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

66

FIGURA 6 – Escola Municipal Versol de Oliveira Lima e a Igreja Católica.

FIGURA 7 – Cemitério de Agreste.

Page 68: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

67

FIGURA 8 – Croqui de Agreste cercada por fazendas.

Fonte: PNNM, 2006

Croqui de Agreste

FIGURA 9 – Croqui de Agreste.

Fonte: PNNM, 2006

Page 69: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

68

Lista de Moradores e Localidades de Agreste

FIGURA 10 – Lista de moradores e localidades de Agreste, de acordo com o Croqui da FIG. 17.

Fonte: PNNM, 2006.

Page 70: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

69

A diminuta extensão de cada área familiar impede a produção de recursos essenciais

à reprodução de suas vidas materiais, como lenha, peixes e trabalho. Assim, o trabalho

assalariado e esporádico nas fazendas, se tornou a fonte de renda de grande parte dos

moradores da comunidade.

Processo de formação

Agreste teve o início de sua formação em fins do século XIX, quando um grupo de

irmãos vindos da região de Catuni42

, antiga São Gonçalo do Gurutuba, no alto curso do rio de

Gurutuba, se fixaram em diversas áreas, mas próximos um dos outros, como enfatiza Neri

(2008). Aos poucos as relações com outros moradores das localidades vizinhas foram se

fixando, notadamente, os de Vereda Viana e por meio de relações de casamento e compadrio

foram instituindo a comunidade de Guandu, que foi o primeiro nome da localidade.

Dessa forma, o processo de ocupação territorial de Agreste se deu seguindo um

padrão no qual membros de uma família dispersados por uma ampla área, buscam através do

casamento virilocal, requerer do noivo o estabelecimento do mundus familiar pela apropriação

da terra e pela transformação da natureza em um sítio familiar43

. Este processo favorece um

tipo de interação social e organização de coletividades organizadas, apenas, pelos membros de

uma família que se espalhavam por diversos pontos distanciados da área, as interações sociais

propiciavam a coesão do grupo de parentes, que eram também amigos e, muitos, compadres.

O território é composto por menos de dois alqueires, ocupados por 123 famílias e 407

pessoas44

de um total de vinte alqueires doados no passado por Josefina, esposa de Filisbino

Martins de Castro, a Santo Antônio, o padroeiro da comunidade. Os moradores da

comunidade estão relacionados entre si por laços de parentesco e relatam sua procedência a

partir de cinco irmãos: Zizuíno Martins de Castro (Zuíno), Profile Martins de Castro, Maria

Martins de Castro, Filisbino Martins de Castro e Joaquim Martins de Castro (Joaquim Rio

Verde), que ocuparam aquelas terras antigamente, chamadas Gandú e onde hoje moram seus

descendentes. Essa irmandade, que compunha o povo mais antigo45

dos Martins de Castro,

corresponde a um grupo de irmãos que migrou para essa localidade no século XIX.

42

Catuni: é o nome da última elevação que a Serra do Espinhaço faz antes de chegar ao Rio São Francisco, na

região norte mineira. 43

Nesse sentido, vide Woortmann (1995). 44

Dados do censo realizado por Renato Aquino Neri, durante trabalho de campo realizado pelo PNNM, entre os

anos 2006 e 2008. 45

Povo mais antigo é uma categoria social local que se refere aos primeiros moradores.

Page 71: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

70

Atualmente, Agreste é constituído por três troncos familiares bem definidos:

Rodrigues Barbosa, Nunes dos Santos e Fernandes de Souza, todos originários do tronco

ancestral Martins de Castro. Esses troncos se decompõem em oito grupos domésticos –

Rodrigues Barbosa, Nunes dos Santos, Fernandes de Souza, Martins de Souza, Martins dos

Anjos, Mendes Pereira, Gonçalves Martins e Santos.

Com a fixação dos agrestinos na terra de santo46

, dada a exigüidade do território,

começaram a surgir os primeiros grupos domésticos que iriam influenciar e moldar uma nova

estrutura de parentesco com a ampliação das redes de solidariedade e das relações de troca

para viabilizar a reprodução material e social do grupo. Maiores informações sobre esse

processo em Neri (2008).

Processo de reconhecimento da comunidade

O processo de reconhecimento da comunidade está em andamento juntamente com o

processo de Vereda Viana. Contudo, quanto aos esforços para conseguir o reconhecimento

dos seus direitos, Agreste se posiciona distintamente de Brejo dos Crioulos, que lutou contra

as adversidades locais para viver com dignidade, autonomia e liberdade em seu próprio

território.

Devido à relação de subordinação e dependência criada pelos fazendeiros, os

membros dessa comunidade negra rural não conseguem se perceber livres do “trabalho”

disponibilizado pelos fazendeiros. A dependência e subordinação, entretanto, não é apenas

material, ela é simbólica e de consciência, como afirmado por um de seus moradores. “A

maioria está com o pensamento muito do próprio fazendeiro, mas nunca que está sossegado.

Porque sossegado é aquele que é dono do seu nariz” (MORADOR, citado por COSTA, 2008,

p. 11). Como afirma Costa (2008), a aceitação da dominação, da submissão e da dependência

vincula-se ao medo de perderem a possibilidade de reprodução material, viabilizada pelo

assalariamento, desarticulando a possibilidade de posicionamento pela conquista do direito

fundiário, disposto no Art. 68.

Bernardo M. Oliveira (2007), um dos participantes do PNNM, ao realizar estudo

sobre as representações étnicas em Agreste, evidencia que a representação do ser quilombola

na comunidade não possui o mesmo conteúdo que em Brejo dos Crioulos. Para os agrestinos,

as imagens sobre quilombolas vinculavam-nos a desordeiros, preguiçosos e negros rebeldes.

Como se posicionam como um grupo sossegado e trabalhador, não era possível assumir tal

46

Terras doadas no passado a Santo Antônio o padroeiro da comunidade

Page 72: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

71

representação. Entretanto, durante o seu trabalho de campo, Oliveira (2007) percebeu que a

Associação de Brejo dos Crioulos enviou para Agreste um número significativo de cestas

básicas, que recebeu além da demanda local. Enquanto as cestas foram distribuídas, o

presidente da Associação de Brejo dos Crioulos informava aos moradores a vantagem de ser

quilombola reconhecido pelo governo federal. A partir daí, o termo quilombola começou a ter

outra conotação em Agreste, seria, então, vantajoso ser reconhecido como tal.

Ainda de acordo com Oliveira (2007), os moradores de Agreste passaram a elaborar

a identificação “ser quilombola” tendo em vista a conquista de benefícios e, devido ao

utilitarismo presente, fragmentos culturais foram articulados como estratégia política na

marcação da identificação da coletividade. Mas, o ser quilombola em Agreste encontra-se

esvaziado de qualquer conteúdo conflituoso de regularização fundiária, uma vez que, apenas

pretendem estender ao governo federal a dependência e a submissão já vivenciada frente aos

fazendeiros que os circundam e os mantêm submetidos à sua dominação. Todavia,

independentemente das circunstâncias e dos motivos que levaram à incorporação dessa

identidade, hoje a comunidade de Agreste se auto-identifica como quilombola, sendo aqui

reconhecida e tratada com tal.

Page 73: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

72

CAPÍTULO 3

A Folia de Reis: a crença, a reza e a festa

Crer, Rezar, Festar, Dançar

(BRANDÃO, 1985)

A Folia de Reis é uma forte expressão da cultura e religiosidade católico-popular

brasileira que ocorre em várias regiões do país, principalmente nos estados do Nordeste, em

Minas Gerais, Goiás, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, entre outros, sendo “a

viagem ritual mais difundida no Brasil e a mais rica de ritos e crenças próprias” (BRANDÃO,

1985, p. 138). Para Brandão (1985), a Folia de Reis é um ritual do catolicismo popular que

desde muitos anos tornou-se predominantemente rural e se fez em povoados, sítios e fazendas.

“O catolicismo popular rural é entendido como um sistema religioso da comunidade

camponesa e por isso uma religião de reprodução da prática religiosa e evitação da palavra

profética” (BRANDÃO, 1986, p. 139), ou seja, o padre não interfere na dívida do devoto com

o padroeiro. O mundo simbólico desse sistema religioso se divide, portanto, em “este mundo”

- o mundo dos humanos, e o “outro mundo” – o mundo dos seres celestiais, sendo ambos

regidos pelas mesmas regras e normas de troca.

Não pretendo aqui aprofundar-me no mérito da questão sobre o conceito de

catolicismo popular, pois abarca uma discussão ampla que é motivo de divergências entre

vários autores, todavia proponho algumas reflexões para um maior esclarecimento acerca do

tema.

Assim sendo, cito Thales de Azevedo (1966), que em sua tipologia divide os

católicos da seguinte maneira: os católicos formais, ou seja, aquelas que praticam o

catolicismo; os católicos tradicionais: aqueles que se dizem católicos, mas não praticam nem

conhecem o essencial do catolicismo oficial; os católicos culturais: aceitam elementos do

catolicismo não pelo seu valor religioso, mas como parte da cultura em vigor e, finalmente, os

católicos populares, vinculados às comunidades das zonas rurais tradicionais, despojado de

conteúdo dogmático e moral.

“essa religiosidade (católico-popular) relaciona-se mais com a estrutura da

comunidade local do que com a sociedade nacional e é relativamente

independente da Igreja formal. Também é certo que, muitas vezes, o culto do

santo da devoção do indivíduo é mais importante do que o do padroeiro da

comunidade” (AZEVEDO, 1966, p. 184).

Page 74: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

73

O sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira (1997) sugere uma definição de catolicismo

popular mais ampla, como descreve: “Podemos então definir o catolicismo popular como um

conjunto de representações e práticas religiosas autoproduzidas pelas classes subalternas,

usando o código do catolicismo oficial” (OLIVEIRA, 1997, p.47).

Segundo Simone G. de Oliveira (1976), citada por Silva (2006), o elemento central

do catolicismo popular é o santo. Para a autora, o santo está presente na sua imagem, mas não

se identifica com ela. É como se a imagem tivesse vida: o devoto conversa com ela, oferece-

lhe flores e velas, enfeita-a, visita-a no santuário, leva-a em procissão e romaria; mas pode

também vir a ser punida pelo mesmo devoto, quando este se vê desfavorecido pelo santo.

Dessa forma, é em torno da imagem que se organiza o culto popular,

O culto aos santos organiza-se através de lideranças leigas, sendo esporádica a

intervenção de sacerdotes, assim, segundo Oliveira (1977), pode-se descrever o catolicismo

popular como uma religião de grande quantidade de reza, com pouca missa; e, ainda, muito

santo e pequena presença do padre.

Quanto à origem da Folia de Reis ser principalmente no meio rural, Brandão (1985)

afirma que mesmo pela inexistência de um corpo de especialistas (padres, bispos, etc.) da

Igreja Católica, os habitantes do meio rural não deixaram de praticar seus atos religiosos e

homenagear seus santos.

Longe das cidades, nas imensas e despovoadas áreas dos sertões do país,

comunidades de camponeses e pequenas confrarias de grupos rituais cultuam

os seus padroeiros e uma pequena multidão de santos de preceito. Sem a

necessidade da presença de sacerdotes oficias, fazem os seus cultos e, entre

os seus especialistas do sagrado, distribuem quase todo o trabalho religioso

de que nutrem a vida, a fé e os sonhos (BRANDÃO, 1985, p. 134).

A Folia de Reis constitui-se de grupos de devotos dos Três Reis Magos, que durante

o período entre 24 de Dezembro a 6 de Janeiro, fazem visitações nas casas, onde realizam

louvações cantando ao Menino Jesus e aos Reis Magos, chamados Baltazar, Belchior (ou

Melchior) e Gaspar.

Porto (1982) afirma que as folias talvez tenham suas origens nas “Jornadas de

Pastorinhas”:

[...] eram meninas-moças que, no período litúrgico do Natal, percorriam as

casas das famílias citadinas, pedindo esmolas para as finalidades

assistenciais. Usavam-se graciosamente da música instrumental e vocal para

pedir os donativos e para agradecê-los. As “Companhias de Reis”

inicialmente eram uma revivescência, no campo, daquilo que as pastorinhas

faziam nas cidades. Com o passar do tempo, o povo foi criando os ritos, que

Page 75: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

74

até hoje são observados com fidelidade. Enquanto que havia criatividade no

tocante às letras, eram religiosamente conservadas as melodias, sem dúvida

originárias do cancioneiro religioso do catolicismo ibérico (PORTO, 1982,

p. 14).

Para alguns pesquisadores, a tradição da Folia de Reis teria chegado ao Brasil por

intermédio dos portugueses no período da colonização, uma vez que essa manifestação

cultural era realizada por toda a Península Ibérica. Era comum a doação e recebimento de

presentes a partir da entoação de cantos e danças nas residências. A Folia fixou-se em terras

brasileiras no século XVI, por meio dos Jesuítas, como crença divina para catequizar os índios

e posteriormente os negros escravos. Assim, a Folia de Reis brasileira passou a ser composta

pelas manifestações culturais de diversas etnias e povos, com variações regionais, seja quanto

ao estilo, ao ritmo e ao som, entretanto, mantendo a mesma crença e devoção ao Menino Jesus

e aos Três Reis Magos.

Nessa mesma linha teórica, Brandão (1985) confirma que há indícios de que esse

culto popular à figura dos “Três Reis do Oriente” é quase tão antigo quanto o dos padroeiros

dos primeiros conquistadores.

Os missionários jesuítas costumavam catequizar os índios com o recurso de

autos e dramas litúrgicos, que faziam traduzir inclusive para a “língua geral”,

falada em quase toda colônia. De novo e com a liberdade que os interesses

da empresa conversionista torna necessária, índios e brancos e mais os

negros escravos tempos depois, cantam, representam e dançam durante as

festas, dentro das igrejas e nas procissões (BRANDÃO, 1985, p.143).

Brandão (1985) enfatiza também que:

O cerimonial de recepção a pessoas ilustres, quando elas visitam as reduções

indígenas dos missionários, possui procissões e cantos com dança. O teatro

litúrgico e catequético de José de Anchieta inclui seqüencias muito

semelhantes às dos momentos de chagada das Folias de Reis nas casas de

camponeses do interior do Brasil, hoje. Com a passagem dos anos de

conquista colonizadora para os do franco estabelecimento da empresa

colonialista, os rituais de catequese de índios misturam-se com os que os

habitantes brancos, mulatos e negros das cidades e dos sertões incorporam

aos seus festejos a santos padroeiros. Danças costumeiras, de que as folias

portuguesas seriam um possível exemplo, aparecem incorporadas às

dramatizações litúrgicas feitas com a presença do clero, no interior das

igrejas coloniais: nos ciclos do Natal e da Páscoa, em festas como as de

Corpus Christi e Pentecostes, nos festejos populares aos padroeiros de

cidades, corporações de profissionais e grupos étnicos e sociais [...] este é o

caminho pelo qual, pelas mãos dos missionários jesuítas, a Folia penetrou na

Colônia (BRANDÃO, 1985, p. 143 – 144).

Page 76: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

75

O termo Folia designa uma celebração ou ritual da religiosidade popular, mais

precisamente do denominado catolicismo popular. Contudo, o termo tem variações conforme

a região, como explica Porto (1982). No Sul, são chamados Ternos de Reis, Pastorais do

Senhor Menino ou Folias de Reisadas. No Rio de Janeiro e em Minas Gerais, as folias são

mais diversificadas, tanto em número de pessoas quanto em variações, havendo lugares onde

se leva a bandeira. No Nordeste, predominam os ranchos Bois de Reis, Reisadas, Pastoris e

Bailes Pastoris, sem caráter necessariamente religioso, que dançam de praça em praça e nos

salões. No Sul de Minas e em Santa Catarina, a festa se chama Terno de Reis. No Rio Grande

do Sul, Companhia de Reis.

Nas afirmações de Brandão (1985), houve um tempo em que por toda parte, no

Brasil, se dançava e cantava alegremente dentro dos templos, diante dos altares cristãos, onde

padres e freiras davam as mãos ao que, à época, se nomeava como “o populacho” e todos

cantavam e dançavam dentro da igreja. Em parte, por isso, provavelmente ritos coletivos

depois expulsos para as ruas e para a roça são chamados “Folia” e os seus devotos, “foliões”

(BRANDÃO, 1985, p. 139).

O termo dominante no sudeste brasileiro é Folia de Reis, como assinala Reyli (2002),

mas alguns foliões preferem o termo Companhia de Reis. Ainda há certa tendência dos foliões

de chamar Folia de Reis quando eles estão se referindo à tradição genericamente, enquanto o

termo Companhia de Reis é usado quando eles se referem a um grupo particular. No norte de

Minas Gerais, a folia, que pode ser dedicada a diferentes santos (tais como Santa Luzia,

Santos Reis, São Sebastião, Bom Jesus, São José, entre outros) é performada por um conjunto

de tocadores, no caso os foliões, reunidos em grupo ou terno, que durante determinado

período circula por um território (giro)47

, visitando as casas dos devotos, distribuindo bênçãos

a seus moradores em troca de ofertas para a festa do santo.

A Folia de Reis possui variações quanto a sua formação e características, contendo

aspectos próprios em cada localidade, contudo alguns personagens são comuns e

fundamentais para a compreensão da manifestação. Segundo Porto (1982), os componentes da

Folia de Reis geralmente se dividem em três grupos: o bandeireiro, o palhaço e o coro. Cada

um dos grupos possui seu significado e sua função no contexto da manifestação. A

personagem do bandeireiro tem a função de carregar respeitosamente a Bandeira,

apresentando-a ao chefe da casa onde a folia acaba de chegar, e receber os donativos

oferecidos pela família. As Bandeiras se constituem como o elemento sagrado da Folia e

47

O giro consiste na Jornada, ou na Viagem, que significa a caminhada que os foliões fazem percorrendo e

cantando de casa em casa. Na linguagem dos foliões, a folia não caminha, ela gira.

Page 77: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

76

assim são tratadas, na medida em que os moradores das casas visitadas beijam-nas

demonstrando respeito e devoção. Conforme Brandão (1977), durante todo o tempo em que a

Folia está no pouso, a Bandeira dos Três Reis Santos é colocada na parede, sobre o altar, com

as fitas coloridas pendendo sobre ela. É comum que as pessoas beijem as fitas da Bandeira

quando a Folia chega a uma residência, quando a oração do terço termina ou quando a Folia

vai se retirar do pouso. A Bandeira é feita de pano brilhante e nela é colada uma estampa dos

Reis Magos.

Além da Bandeira, a Toalha é um apresto presente e importante nos grupos de folia,

sendo usada por todos os seus membros. São sempre brancas e, na maioria das vezes, trazem

bordadas inscrições alusivas à devoção. Usam-na dobrada em quatro (no comprimento). Por

ser também um símbolo sagrado, não pode ser utilizada de qualquer forma.

As figuras dos Palhaços, que geralmente são dois, são os puxadores das duas alas da

folia, trata-se de irmãos (simbolicamente) e têm obrigações e proibições específicas, como

jamais dançar diante da Bandeira, entre outras. Segundo Porto (1982), os palhaços são

denominados também marungos, alferes e, sobretudo, bastião, corruptela de bastão, objeto

geralmente usado por eles para as suas evoluções e acrobacias. Nas Folias, os palhaços são os

responsáveis pelos momentos lúdicos, quando assustam as crianças e divertem os adultos com

seus versos irreverentes e críticos. Ao fim da recitação das profecias, os palhaços,

acompanhados dos instrumentos musicais, iniciam sua performance com o recitativo das

chulas48

, e suas danças acrobáticas.

Quanto ao Coro, Porto (1982) considera que esse é constituído quase sempre por seis

pessoas, cada uma com o seu nome especificado. Os membros do coro podem, ou não, ser os

tocadores dos instrumentos que acompanham o canto. O mais comum é serem, ao mesmo

tempo, cantores e instrumentistas. Entre essas peças que formam o coro da Folia, temos a

figura do Mestre, que é o personagem mais importante da folia, sendo o organizador. É o

Mestre que estabelece o trajeto e horários, tipos de enfeites dos instrumentos, enfim prepara e

coordena todos os movimentos da Folia. É conhecido também como Embaixador e uma das

suas importantes tarefas é improvisar os versos a serem cantados. Os demais membros de uma

Companhia, na ótica de Porto (1982), são: o Contramestre, que é chamado também de

Respondedor, tendo a função de comandar o coro e corresponde à 2ª voz; o Contrato, que faz

o dueto com a 2ª voz, é chamado de Ajudante de Respondedor; o Tipe, que faz a 3ª voz; o

48

Segundo Cascudo (1962), trata-se de “canto e dança quase desaparecidos no Brasil”, uma “espécie de lundu

ou baião, sensual, sempre cheia de pimenta verbal e paixão comprimida, no ritmo de dois por quatro.

Acompanhava-se a violão. (...) A dança ainda era popular em meados do séulo XIX no Rio de Janeiro” sendo

“igualmente conhecida em Portugal” (1962: 210).

Page 78: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

77

Contratipe, que equivale ao tenor; e a Requinta ou Turina, considerada a voz mais

característica de uma folia, sendo cantada em resposta ao último verso de uma estrofe49

.

Os cânticos da Folia de Reis referem-se, de modo geral, ao nascimento do Menino

Jesus e a visita dos Reis Magos. Existem basicamente três tipos de canto: o canto de chegada,

(consulta ao dono, entrega da bandeira ao mesmo e entronização da bandeira); de louvação

(pedindo licença para entrar, louvação aos moradores, pedido de esmolas e agradecimento) e

o canto de saída, ou de agradecimento seguido da festa de encerramento – baile e entrega da

Bandeira. Durante a cantoria os foliões se alternam em cantar versos enfatizando as

promessas feitas e confirmando a eficácia do devoto no cumprimento de seu voto. A música é

repetida por várias vezes durante os dias da jornada. Há casos em que ela é considerada como

típica daquela companhia e varia somente diante da adoração do presépio.

Quanto ao ciclo de visitações, denominadas também como giro ou jornada, consiste

basicamente na saída de determinada casa “pouso de saída”, visitações e pedidos de esmolas

em inúmeras casas e a chegada a casa onde se encerra o ciclo “pouso ou casa da entrega”

(IKEDA, 1994, p. 169).

Tomando como base essas referências conceituais acerca da Folia de Reis, este

capítulo traz na seqüência uma descrição etnográfica do ritual no contexto da comunidade

Agreste (sendo realizada uma análise de seus aspectos estruturais das músicas no próximo

capítulo); em seguida apresento o contexto sociocultural da representação da Folia.

O Ritual em Agreste

A Folia de Reis em Agreste pode ser considerada como um fenômeno cultural amplo

e complexo, possuindo características temporais e espaciais peculiares que a distinguem de

outras folias regionais que tive a oportunidade de pesquisar. Os dados aqui apresentados são

baseados na observação direta, o que possibilitou uma etnografia da manifestação, realizada

no dia 20 de Janeiro de 2009.

Nesse contexto, a Folia de Reis é chamada por alguns moradores como a Folia de

Seu Lero, apelido de Aureliano R. Soares, que é o mestre da folia e também organizador,

juntamente com seus familiares, fazendo o papel do festeiro. Seu Lero é o patriarca de uma

família de dez filhos, cinco homens e cinco mulheres, sendo que apenas um filho, o Ângelo

Márcio G., mora em Agreste. Contudo, na época da folia, outros filhos retornam para

participar. Seu Lero é dono de uma venda que subdivide um dos cômodos de sua casa, sendo

49

A análise dessas vozes na Folia de Reis de Agreste está no próximo capítulo.

Page 79: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

78

um dos poucos pontos de comércio na comunidade. Toda a família ajuda na organização da

folia, montando a Lapinha, providenciando o lanche, o almoço e o churrasco que é feito no

final da noite.

De modo geral, a liderança da folia se dá a partir da figura do Embaixador, que

geralmente é o membro organizador e que tem maior experiência e conhecimentos sobre a

prática dessa manifestação. São chamados também de Mestre, Capitão ou Guia e em alguns

casos esses Mestres são os mantenedores das tradições, como lembra Brandão (1977). Esse

pode ser o caso de Agreste, em que Seu Lero tem papel fundamental. A manifestação é

realizada sempre na casa do festeiro (FIG. 1), no dia vinte de Janeiro, dia de São Sebastião,

padroeiro de Seu Lero.

FIGURA 1 – A casa de Seu Lero. Local onde é realizada a Folia de Reis.

Antes da folia, realizei entrevistas50

semi-estruturadas com Seu Lero e o folião

chamado Toni. Ambos me forneceram informações relevantes sobre os vários aspectos

relacionados às músicas que compõem o ritual na comunidade.

Quando perguntado sobre o início da Folia na comunidade Seu Lero afirma:

50

Entrevistas em anexo.

Page 80: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

79

Comecei quando eu morava na Vereda a partir de 1973 quando eu mudei

pra cá. Essa reza que eu faço é finalizando a folia. Eu fiz uma promessa,

eles até dançava lá (em Vereda Viana, comunidade vizinha), mas eu não

gostei e cortei, veio os foliões do Agreste. Versol me colocou na folia dele e

continuamos, quando ele faleceu entrou o Luisim, que era Folião dele,

tomou conta do terno de Folia e eu acompanhei durante o tempo que ele

teve aqui. Depois ele foi pra Jaiba, entrou pra outra Igreja e então pra não

acabar eu tomei frente, pedi ele as cópia do canto e fui estudando e decorei

os cantos e continuei muito tempo até os folião companheiro deu pra

bagunçar, beber muito, sair fora do ritmo, eu ia aconselhava eles e eles

brigavam comigo (SEU LERO, 2009).51

Essa folia organizada por Seu Lero, então, acontece desde 1973. Contudo, nos

depoimentos orais obtidos através de entrevistas com outros foliões, como Zé Nunes, 78 anos,

que é um dos mais antigos, a folia já existe há mais de 100 anos. Quando pergunto sobre ele

ser um dos foliões mais antigos ele responde:

De ajudante já sou bem velho né? Porque quando eu nasci, quando eu tava

criando, tinha um Terno que era do meu avô Filisbino, depois o outro terno

e o folião chamava Joaquim de Souza, que era tio de minha muié, depois

entrou o Versol, que era residente daqui, e eu, depois de Versol pra cá eu

fuliei toda vida, uns 20 anos (ZÉ NUNES, 2009).52

A data da folia na comunidade segue uma prática comum em muitas comunidades

que rezam para São Sebastião. Segundo alguns autores, a partir do dia 6 de janeiro, a Folia de

Reis se transforma em Folia de São Sebastião, cantando a vida e morte do santo mártir, na

qual os foliões usam as mesmas roupagens da Folia. O grupo acrescenta, ainda, um figurante,

que representa São Sebastião, em seus trajes de soldado romano, ou acrescentam a imagem do

Santo nas toalhas e também na Bandeira. Assim, o ciclo natalino da Folia de Reis se prolonga

até 20 de Janeiro. Em Agreste, a folia é tida como de Santos Reis e os foliões não usam a

vestimenta característica desta Folia, como a toalha por exemplo. Segundo Seu Lero, eles

usam a roupa que tiver no corpo. A Bandeira também não é utilizada no ritual: Num declaro

isso não, eu rezo um Terço para cada Santo, mas nunca usei carregar Bandeira (SEU LERO,

2009). Na Folia de Reis da comunidade são cantados, além do canto de saudação ao Oratório,

o canto a São Sebastião e o hino a Nossa Senhora Aparecida.

Os preparativos para a folia começam logo pela manhã, bem cedo. Márcio, filho de

Seu Lero, solta foguetes no quintal da casa indicando o dia Santo. Enquanto isso, a esposa de

Seu Lero, assim como sua nora, preparam a Lapinha, ou Oratório (FIG. 2 e 3) como é

chamado por eles. Ela é montada na sala, ornamentada com as imagens dos Santos Reis, São

51

Entrevista gravada em MD no dia 20/01/2009. 52

Entrevista gravada em MD no dia 20/01/2009.

Page 81: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

80

Sebastião e Nossa Senhora Aparecida. Flores e uma iluminação a base de pequenas lâmpadas

coloridas também fazem parte do enfeite. Na parede ficam colocados os quadros com as

imagens dos Santos referidos.

FIGURA 2 – O Oratório com as imagens dos Três Reis Magos, São Sebastião e Nossa Senhora Aparecida.

FIGURA 3 – Sala da casa de Seu Lero, onde é montado o Oratório para realização da Folia.

Page 82: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

81

Apesar da participação dos filhos na organização da folia, Seu Lero afirma que não

há vontade por parte deles de continuar a tradição: Ninguém quer não, não vou falar mal dos

outros, nem meus filhos quis, então não adianta, o melhor das cartas é não jogar né? Então

ninguém quer (SEU LERO, 2009).53

Quando lhe pergunto por que acredita que a tradição está acabando, ele responde:

Uns faleceram, Versol e Francisco, os que tão aqui parou tudo...é falta de fé

né? O folião hoje muda muito, esse negócio de Igreja, lei, muda muito, uns

vão na Igreja, outros deixa de ir na Igreja, cada um faz o que quer. Mas o

folião aqui ta acabando...tá, tá acabando, pode dizer que ta acabando...eu

mesmo não vou correr aqui atrás de quem não quer mais não, tô ficando véi

da batalha e não tem outro que serve, então ta terminando (SEU LERO,

2009).54

Apesar dessa opinião, Seu Lero acredita que a tradição da folia deve permanecer,

afirmando que: “Eu achei no mundo, aqui eu deixo, não foi eu que plantei, foi os Três Reis

Magos né? Os primeiros que foram visitar Jesus, então acho que não deveria acabar não,

continuar, como eu já dei muita tradição pra muitos ai” (SEU LERO, 2009).

Em relação à tradição, discuto o conceito elaborado por Shils (1981). De acordo com

Shils (1981), a definição de tradição é muito ampla e responde bem ao problema da cultura

rural tradicional, que é o caso de Agreste, versus cultura moderna urbana não tradicional,

ambas construídas de complexas tradições. Contudo, essa complexidade difere em relação ao

seu tipo. Conforme Shils (1981), tradição é uma traditum, qualquer coisa a qual é transmitida

ou trazida do passado para o presente, tendo sido criada através das ações humanas, do

pensamento ou imaginação e é passada de uma geração para a próxima. Essa definição inclui

a substância a qual está sendo transmitida e o processo de transmissão. Essa substância a que

ele se refere significa todos os padrões conquistados pela mente humana, todos os padrões de

crença ou modos de pensar, todos os padrões de relações sociais conquistados, todas as

práticas técnicas e todos os artefatos físicos ou objetos naturais que são suscetíveis de

tornarem-se objetos de transmissão. Cada um é capaz de tornar-se uma tradição, formando o

que ele chama de “catálogo completo da cultura humana”. A elaboração desse catálogo em

detalhes, a enumeração e descrição das classes de entidades, as quais formam a substância da

tradição e suas qualidades, fazem parte do trabalho do etnógrafo.

Para Shils (1981):

53

Entrevista gravada em MD no dia 20/01/2009.

54

Entrevista gravada em MD no dia 20/01/2009.

Page 83: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

82

Esses dois elementos – a substância e o processo de transmissão, os quais

formam a definição mínima – devemos agregar o valor que a sociedade

atribui à tradição. Tradição é sempre considerada autorizada, normativa ou

prescritiva, ademais, tem de ser consenso na sociedade neste ponto. (SHILS,

1981, p. 115, tradução minha)55

.

Seguindo esta perspectiva, a compreensão dos processos de transmissão é condição

essencial para a compreensão da própria cultura, da tradição e sua manutenção. Assim,

fazendo um paralelo com a etnomusicologia, a transmissão musical é abordada como um dos

aspectos fundamentais para a compreensão da dinâmica do fenômeno musical, em que

significados e valores são representações socialmente construídas, criando as bases nas quais

a prática musical é forjada, bem como suas mudanças e permanências.

Retomando a descrição do ritual, enquanto a família fica responsável pela preparação

do local e do lanche, Seu Lero se encarrega de preparar os instrumentos, afinando as violas,

limpando e arrumando no sofá da sala. A folia não tem hora certa para começar. Quando

perguntado sobre o horário Seu Lero é enfático:

Não tem escolha, o ano passado nós rezamos de dia, três horas da tarde, nós

terminamos a noite, no ano atrasado, nós amanhecemos o dia, veio meus

parente de Sete Lagoas, meu filho de Montes Claros e nós amanhecemos o

dia, quando tem folião nós amanhece o dia, quando não tem termina cedo,

reza de dia e termina de dia mesmo (SEU LERO, 2009).

Com essa afirmação, ele deixa claro que a folia varia de horário, como também de

formação, pois não aparecendo os foliões a manifestação termina mais cedo. De fato, durante

a pesquisa, percebi que a terno não possui formação pré-estabelecida, pois a maioria dos

foliões participantes vem de comunidades vizinhas, chegando às vezes no mesmo dia. Dessa

forma, o ensaio e a divisão dos instrumentos dependem dessa condição.

Sobre o ensaio Seu Lero afirma que:

De primeiro tinha [...] Nós saia pra folia e cantava três dias na vizinhança,

dava o manifesto no dia 24 pra 25, parava, no dia primeiro de Janeiro nós

entrava cantando, tirando esmola. Até na Vereda nós foi na folia. Até o

dinheiro que tirava ganhava de esmola. Frango, tudo, não tinha dinheiro

dava um frango, e dava uma festa no dia 6. Ia de casa em casa. Pra mim

acabou-se. Não tem assunto de folia mais não, não tem folião, mas se pintar

algum ai nós faz né? Tomara que dê certo (SEU LERO, 2009)56

.

55

To these two elements,-the substance and the process of transmission, which form the minimal definition,-one

must add the value that the tradition is assigned by society. Tradition is always considered authoritative,

normative or prescriptive. Moreover, there has to be consensus in the society on that point. 56

Entrevista gravada em MD no dia 20/01/2009.

Page 84: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

83

Ainda na parte da manhã, os foliões chegaram. Uns de carona, outros de ônibus (FIG.

4), e obviamente fiquei mais aliviado, pois tinha receio de que a manifestação musical não

acontecesse. Esse ônibus foi o mesmo que peguei para chegar a Agreste e demorou quase sete

horas para percorrer pouco mais de 180 km, pois passa por várias fazendas, transportando

também mercadorias e mantimentos encomendados pelos moradores locais.

FIGURA 4 – Ônibus que faz o trajeto de São João da Ponte a Agreste.

Por volta das 13h, após um almoço cedido pela esposa do festeiro, os foliões iniciam

a afinação dos instrumentos e em seguida o ensaio, em que Seu Lero reforçava as letras e a

harmonia.

A folia se iniciou às 14h, momento em que os foliões se organizaram em duas filas

paralelas, de três músicos cada, em frente ao Oratório doméstico, como indicado na estrutura

a seguir (FIG. 5). O conjunto musical dos foliões era formado por: Toni, o “rabequeiro”; Seu

Lero (o mestre) na Viola; Carlim Pedroso na viola; João Ferreira, também na viola; Ernesto

na caixa de folia e José Pedroso no pandeiro. Há um violão que também foi tocado pelo

rabequeiro durante o Guaiano. Não há participação feminina nessa formação, mas, caso fosse

necessário, Seu Lero colocaria a sua nora para cantar, na falta dos foliões. Essa formação com

violas, rabeca, caixa de folia e pandeiro é característica de muitas Folias de Reis na região

norte mineira.

Page 85: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

84

Tanto os músicos como as rezadeiras e demais participantes se aglomeram em uma

pequena sala que mede aproximadamente 9m2, sempre ajoelhando e fazendo o Sinal da Cruz

em frente ao Oratório, ao entrar. A primeira música foi um canto de saudação ao Oratório (ver

transcrição 1, cap. 4), não sendo cantado o canto de chegada, que é característico em outras

folias. O canto de Saudação à Lapinha descreve a viagem dos Três Reis e os personagens

encontrados por eles na trajetória, do início da busca até a adoração ao menino Jesus. Em

Agreste, o canto faz louvação a Maria Mãe de Jesus e ao nascimento do Nosso Salvador Jesus

Cristo. Após o canto, os foliões se acomodam no sofá para participarem das rezas. A primeira

reza foi dedicada para São Sebastião. Na sequência, foi rezado o Terço dedicado a Nossa

Senhora Aparecida.

FIGURA 5 – Estrutura espacial da Folia e os foliões em formação.

Quem comanda a reza, ficando responsável pelos terços, é a filha de Seu Lero, que

juntamente com outras participantes fazem o papel das rezadeiras. Na maioria das vezes, a

reza do terço é um pedido do dono da casa, sendo que, os foliões consideram-na como uma

das obrigações da folia e nunca se negam a fazê-la. Conforme Brandão, a reza é um dos

únicos momentos em que as mulheres têm uma atuação ritual semelhante à dos homens.

Isto acontece por dois motivos. Primeiro porque a reza do terço é

compreendida como uma forma de oração familiar onde é importante a

presença de esposas e de filhas. Em segundo lugar, porque são as mulheres

as que melhor recordam na íntegra todos os momentos da reza (BRANDÃO,

1977, p. 12).

Page 86: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

85

Após cada reza, é realizado um canto dedicado a cada Santo. Conforme Seu Lero: “Pra

cada um Santo tem um canto, o canto pra São Sebastião, Santos Reis e Nossa Senhora

Aparecida, pra cada Santo um canto, é devoção, tradição” (SEU LERO, 2009)57

. Após cada

canto, são feitas as saudações: “Viva São Sebastião, Viva Nossa Senhora Aparecida, Viva os

Três Reis Magos, Viva o dono da casa, o festeiro, as rezadeiras”.

Entre o segundo e terceiro Terço, foi feito um intervalo, em que foi servido vinho

para os adultos e sucos e biscoitos para as crianças (FIG. 6).

FIGURA 6 – O lanche servido pela filha e esposa de Seu Lero durante a Folia.

Enquanto o lanche é servido, os foliões se juntam em um quarto ao lado da sala para

afinar os instrumentos (FIG. 7). Durante o processo de afinação58

, percebi que os foliões

afinavam as violas tendo como referência a afinação da rabeca, não sendo utilizado nenhum

tipo de afinador, ou outro recurso para o processo. É uma afinação de ouvido como afirmou

Toni, o rabequeiro.

Outro fator que pude observar foi o revezamento dos instrumentos entre os músicos,

principalmente entre o violeiro e o rabequeiro. Essa situação se dava pela necessidade.

Quando o rabequeiro não conhecia a melodia da música, tocava a viola para acompanhar.

Quando alguém apresentava alguma dificuldade técnica em uma determinada música, o outro

que sabia acabava tocando.

57

Entrevista gravada em MD no dia 20/01/2009. 58

Sobre a instrumentação musical, afinação dos instrumentos, vozes e transcrições musicais, no capítulo 4.

Page 87: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

86

FIGURA. 7 – Afinação dos instrumentos durante o intervalo

Às 18h23min, os foliões seguiram para a Igreja (FIG. 8), onde foi cantado o hino a

Nossa Senhora Aparecida (ver transcrição 2, cap. 4). Em Agreste, não há mais o “giro”, indo

de casa em casa, há apenas o deslocamento para a Igreja, onde são realizados os cantos frente

ao altar e o retorno para a casa, como mostra o próximo esquema (FIG. 9).

FIGURA 8 – Os foliões se dirigindo a Igreja onde foi cantado o canto a Nossa Senhora Aparecida.

FIGURA 8 – Os foliões se dirigindo a Igreja onde foi cantado o canto a Nossa Senhora Aparecida

Page 88: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

87

FIGURA 9 – Esquema do trajeto dos foliões. Saem da casa, cantam na Igreja e

retornam a casa para continuação da Folia.

Às 18h45min, os foliões retornam para casa de seu Lero, onde é rezado o último

Terço para São Sebastião. Entre os trechos da reza, são cantadas músicas características do

folclore mineiro como Calix Bento e também são feitos pedidos pelos entes queridos, de cura,

constituindo um momento de muita emoção e choro. Após a reza, foi cantado o hino para São

Sebastião (ver transcrição 3, cap. 4). Ao término das rezas e cantos, costuma acontecer o

Leilão, o que não houve nessa data, tendo em vista que muitos participantes chegaram em

cima da hora, o que inviabilizou a organização. Com relação ao Leilão Seu Lero afirma:

É depois da reza, o ano passado ainda teve. Eu tenho um livrim com a foto

que explica, por trás (do livro) é oferecido a São Sebastião, o livrim explica

que na tradição antiga, antiga, (enfatiza a palavra antiga) o povo oferecia

porco, galinha pra São Sebastião, ele era o Santo que combatia a peste, a

guerra, a doença. É a fé que cura. Eu peguei essa promessa na Vereda

Viana e peguei com Deus, ele é um Santo muito milagroso (SEU LERO,

2009)59

.

Seguindo a sequência do ritual, chega o momento de descontração da Folia, no qual

teve início o Lundu (ver transcrição 4, cap. 4) e posteriormente o Guaiano (ver transcrição 5,

cap. 4). “O Lundu (grafado também como landum, lundum, londu) designa na música

brasileira coisas distintas, que são em geral consideradas como interligadas”, como afirma

59

Entrevista gravada em MD no dia 20/01/2009.

Page 89: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

88

Sandroni (2001). “Ele foi primeiro o nome de uma dança popular, depois o de um gênero de

canção de salão e, finalmente, o de um tipo de canção folclórica” (SANDRONI, 2001, p. 39).

Para Mário de Andrade (1989), o Lundu é:

Canto e dança populares no Brasil durante o séc. XVIII, introduzidos

provavelmente no Brasil pelos escravos de Angola, em compasso 2/4 onde o

primeiro tempo é frequentemente sincopado. No início era dança cuja

coreografia foi descrita como tendo certa influencia espanhola pelo

alteamento dos braços e estalar dos dedos semelhante ao uso das

castanholas, tendo, no entanto, a umbigada característica. A coreografia foi

aproximada por alguns autores às do samba e do batuque. O lundu canção

foi conhecido durante o primeiro Império e, no séc. XIX, depois de ter

freqüentado os salões familiares, caiu em desuso. [...] O acompanhamento do

canto e da dança, que era feito por instrumentos de cordas dedilhadas, foi

substituído, nos salões pelo piano (ANDRADE, 1989, p. 291).

Andrade (1989) também se refere ao Lundu como uma forma característica do

folclore negro e certamente a mais generalizada.

Tinhorão (1988) salienta que a partir das composições poético-satíricas de Gregório

de Matos, houve a substituição do termo kilundu por lundus. Tinhorão também revela que os

negros se reuniam em territórios abertos, próximos da cidade, denominados quilombos, para

fins religiosos ou à procura de diversão, onde o Lundu era dançado.

O termo lundu é atualmente utilizado na tradição da Folia de Reis para designar um

dos gêneros de dança sapateada que faz parte de seu ritual religioso. Em Agreste, o Lundu foi

tocado com a mesma formação do restante da folia e acompanhado com palmas pelos

participantes e sem sapateado. Dessa forma, o Lundu da Folia de Agreste não contém em suas

características o aspecto “sensual” dos Lundus identificados no Brasil do século XVIII, como

a umbigada, por exemplo.

Após o Lundu, deram início ao Guaiano, que é uma dança composta pelo canto,

sapateado e palmas. Na Folia de Reis de Agreste, o Guaiano foi executado por apenas quatro

foliões, sendo três violas para o acompanhamento harmônico e caixa de folia. A letra do

Guaiano estudado tem caráter de entretenimento, não tendo vínculo religioso com o restante

do ritual. A dança é feita seguindo uma coreografia em forma de “S”, ou um “8”, na qual os

participantes giram entre si, cruzando e entrelaçando as duas duplas necessárias para sua

realização. Outra característica dessas canções são as emissões de dois sons extensos,

executados com a voz, ao fim de cada estrofe por dois participantes, cada qual com seu

registro. Esses sons, de registro agudo e registro grave, são chamados de requinta e baixô,

respectivamente. A requinta foi sempre cantada por Seu Lero durante o ritual.

Page 90: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

89

É importante ressaltar que a figura do Palhaço, que é responsável pelas brincadeiras

na Folia, não existe em Agreste. De acordo com Seu Lero, nunca utilizaram esse personagem.

Quanto à faixa etária dos participantes, percebi pessoas de todas as idades, de

crianças a idosos. As crianças não participaram diretamente tocando instrumentos, contudo

estiveram presentes durante todo o ritual, aproveitando os intervalos para pegar num

instrumento e outro, demonstrando interesse em aprender.

Ao término do Guaiano, foram feitas as saudações e os instrumentos foram

guardados no quarto ao lado da sala, dando fim ao ritual. Entretanto, a festa continuou e foi

servido um churrasco, preparado pela família do festeiro. Durante e após o churrasco, que se

iniciou por volta das 23h30min, novos repertórios tomaram conta da noite, em que músicas

sertanejas de contexto midiático foram tocadas por alguns dos foliões, já no lado de fora da

sala, animando as pessoas até a madrugada.

O contexto sociocultural da representação da Folia de Reis

Para compreender essa expressão musical de forma contextualizada com os

significados e valores que a constituem é essencial procurar entender os vários aspectos que

caracterizam a manifestação em seu sistema social e cultural. “A música transcende os

aspectos estruturais e estéticos se configurando como um código estabelecido a partir do que a

própria sociedade que a realiza elege como essencial e significativo para o seu uso e a sua

função no contexto que ocupa” (QUEIROZ, 2005, p. 85).

Visando ampliar a compreensão dessa manifestação nesse contexto e entendendo a

importância dos aspectos sociais para a caracterização das práticas musicais, descrevo o

contexto social da representação da Folia de Reis em Agreste. Para esse fim, procurei me

embasar nas entrevistas e observações registradas em campo, assim como artigos e trabalhos

monográficos realizados por pesquisadores do PNNM.

É importante frisar que para a compreensão dos aspectos sociais de Agreste, assim

como seu desenvolvimento, não foi possível a utilização da ferramenta historiográfica, como

já foi descrito no primeiro capítulo deste trabalho. Assim sendo, a memória coletiva se

transforma no instrumento fundamental para o desenvolvimento da leitura dos acontecimentos

passados e consequentemente atuais desse grupo social. A memória coletiva tem sido

evidenciada em estudos e pesquisas da antropologia e outras áreas, podendo ser

compreendida, segundo O´Dwyer (2002), como sendo o mecanismo da estruturação do

processo histórico de certa comunidade ou grupo social através daquilo que está na lembrança

Page 91: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

90

dos membros dessa comunidade ou grupo. Acionando a memória do vivido e ouvido por cada

membro de uma coletividade, é possível construir o processo histórico formando, assim, a

memória coletiva.

Outro aspecto importante em relação à memória coletiva, segundo Oliveira (2007), é

que não se pode basear nas narrativas de um único indivíduo e sim nas narrativas da maior

parte dos membros de um grupo e se possível de todos os seus membros. A memória social

pode ser compreendida como uma comunidade de memória, pois sendo coletiva ela se

encontra no conjunto das memórias dos seus membros60

. A partir deste recurso metodológico

foi possível historicizar a formação da coletividade de Agreste e seu desenvolvimento social.

Agreste no “Tempo Antigo” e no “Tempo Atual”: condições de vida

De acordo com os estudos antropológicos realizados por Oliveira (2007), a

historicidade de Agreste, para seus membros, se divide em dois momentos distintos: o Tempo

Antigo e o Tempo Atual.

O Tempo Antigo, segundo os moradores, se inicia através de uma história de

deslocamento e expropriação territorial, em que diversas famílias negras

partiram de vários lugares na proximidade do atual povoado para formar o

que hoje se constitui a comunidade de Agreste. Antes deste período, algumas

dessas famílias viviam nas proximidades, outras se encontravam espalhadas

e distanciadas do território da comunidade atualmente (OLIVEIRA, 2007, p.

22 – 23).

Uma característica marcante desse período é o fato de que a terra era comum, ou em

comum, sendo o elemento central para os moradores, visto que era através dela que eles

produziam e reproduziam a vida familiar e coletiva. Nesse período, as famílias antigas

plantavam e cultivavam o que davam conta de cuidar. A roça não era muito grande e toda a

produção era somente para o necessário. Eram plantados feijão, arroz, mandioca, milho,

abóbora, cana e frutas. O hábito de caçar também era um elemento presente neste cotidiano

no intuito de permitir o acesso à proteína animal por parte dos membros do grupo. O cultivo

do algodão também era uma prática dos moradores, cujo produto era trabalhado na produção

de fios e depois tecidos em teares simples, produzindo então vestimentas utilizadas no dia-a-

dia.

60

Neste sentido vide a tese de Borjas (1995) citado por Oliveira (2007), que trabalha com a memória de diversos

grupos que se confrontam na vida social de uma cidade goiana para narrar acontecimentos do passado dessa

coletividade.

Page 92: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

91

Nas relações de trabalho, havia o que era chamado de troca de dia, quando em um

dia uma pessoa trabalhava para alguém e no outro este alguém é que trabalhava para aquele, o

que consistia num processo de solidariedade entre os trabalhadores. “Ainda no período do

Tempo Antigo, surgiram agrimensores que começaram a dividir as terras por solicitação de

fazendeiros da região e, posteriormente, a vender algumas glebas denominadas de ausentes

para outros fazendeiros” (OLIVEIRA, 2007, p. 24).

O período que se configura como a formação do Tempo Atual tem origem a partir de

1960. Nesse período, o governo federal decidiu fazer uma mudança geral na economia

brasileira e no caso da realidade regional havia um pensamento de que o Norte de Minas era

atrasado. Como parte da ação do governo federal, a região passou por uma transformação em

seu sistema econômico e nas relações sociais vividas. A isso foi denominado modernização

da economia brasileira (COSTA, 1999).

Neste período, a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

(SUDENE) passa a financiar o processo de mudança econômica e social da

região rumo à “modernização”. Isto ocorreu através de projetos que

permitiram, por um lado, as fazendas serem transformadas em empresas

rurais e, por outro lado, os fazendeiros da região expandir suas propriedades

realizando uma intensa concentração fundiária (OLIVEIRA, 2007, p. 25).

Esse processo é denominado como expansão da fronteira agrícola (COSTA, 1999), e

consistiu basicamente na expropriação de todo o território dos negros que viviam no interior

da mata da Jaíba durante o Tempo Antigo. Como resultado desse processo, os antigos

moradores, assim como seus descendentes que ainda vivem em Agreste, não foram capazes de

resistir às pressões de populações urbanas em busca da aquisição de terras para formarem

fazendas e usufruírem dos benefícios da SUDENE. Utilizando de diversas estratégias, aos

poucos as famílias vendem seus direitos de posse e se transferem para a Terra do Santo

Antônio.

A “aquisição” das terras foi empreendida através da compra de algumas

terras por preços insignificantes. É narrado que muitas vezes essas terras

eram trocadas por poucos animais como gado, ou por algumas outras

necessidades imediatas que aquelas pessoas tinham e, também, pelo uso da

violência, quando fazendeiros apossavam das terras sob a segurança de seus

jagunços (OLIVEIRA, 2007, p.25).

Esses fatos causaram uma mudança profunda no modo de vida daqueles moradores,

que passaram de uma coletividade que usufruía livremente dos recursos naturais e sociais para

trabalhadores rurais dependentes e sob o domínio dos fazendeiros, sendo obrigados a vender

Page 93: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

92

sua mão-de-obra. Agreste se encontrava encurralada por cercas de arame farpado que

separavam as fazendas entre si e consequentemente a comunidade, de maneira que o território

que hoje a compreende não é suficiente para a produção de sua subsistência.

A partir dessas mudanças, tem-se um novo quadro da economia local, que se sustenta

com alguns poucos trabalhos permanentes nas fazendas da região como vaqueiro e caseiro,

trabalhos temporários como a matança de formigas, colheita de milho, que normalmente são

realizados pelas mulheres, e por trabalhos de manutenção de cercas e outras atividades

temporárias. Migrações sazonais para outras regiões do país nos períodos de corte de cana e

colheita do café também são comuns e constituem uma importante estratégia econômica. O

restante das rendas das famílias vem dos Programas do governo como Bolsa Família e

aposentadoria, assim como a caça e a pesca, que se constituem como meios de complementar

as despesas e possibilita uma renda extra.

Mesmo com essa situação complexa que hoje faz parte do cotidiano dos habitantes,

são poucos os conflitos registrados no contexto da comunidade, que pode ser considerada

pacata e com um índice de criminalidade baixo, indicando um bom relacionamento entre eles.

Os participantes da Folia de Reis de Agreste (os foliões, as rezadeiras) com exceção

de Seu Lero e sua filha que mora em Montes Claros, são trabalhadores rurais e se enquadram

diretamente nas dimensões sociais apresentadas.

Educação

A imersão na comunidade, ainda dentro da perspectiva do PNNM, me proporcionou

um contato com o contexto escolar e suas características. Além de conhecer o espaço físico da

escola, pude trabalhar com alguns professores na realização de oficinas de Música, que

ocorreram nos anos de 2006 e 2007. Através desse contato, foi possível compreender melhor

os processos que envolvem a educação na comunidade. Além da obtenção de dados coletados

através desses contatos, que contribuíram para uma discussão sobre o panorama educacional

da comunidade, foi essencial a realização de pesquisas tendo como referencial teórico os

artigos e monografias escritos pelos participantes do PNNM, ligados diretamente à área da

Educação.

Agreste possui uma única escola, a Escola Municipal Versol de Oliveira Lima (da

qual já me referi no capítulo anterior). A instituição pertence à rede pública municipal de

ensino e atende em três turnos de funcionamento, matutino/vespertino/noturno, atendendo a

turmas de Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio Cientifico e Educação de

Page 94: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

93

Jovens e Adultos (SILVEIRA, 2009). A instituição atende por volta de 80 alunos das séries

iniciais do Ensino Fundamental e ao todo atende mais de 250 alunos. A escola conta com um

corpo de 12 professores, sendo um docente da educação infantil, quatro das séries iniciais do

Ensino Fundamental e sete das séries finais do Ensino Fundamental. Mas, algumas das

professoras que atuam nas séries iniciais também atuam nas séries finais do Ensino

Fundamental. A escola recebe estudantes de várias outras comunidades da região que vêm em

um ônibus alugado pela prefeitura de São João da Ponte.

Dados quantitativos obtidos por Silveira (2009) indicam que 80% dos 12 professores

entrevistados são do sexo feminino, e apenas 20% são do sexo masculino. Em relação ao local

de origem desses sujeitos, 25% dos entrevistados têm origem no distrito de Agreste e 75%

nasceu em cidades próximas como Montes Claros, Capitão Enéas, São João da Ponte ou em

outros distritos desse último município. Entretanto, 80% desses professores atualmente

residem em Agreste, condição favorável para melhor conhecimento da realidade escolar,

tendo em vista que a identificação do contexto sócio-político, econômico e cultural do seu

entorno se constitui em elemento fundamental para a construção do projeto político

pedagógico.

Quanto ao grau de escolaridade, 17% têm curso superior (diretora e supervisora),

sendo que um desses professores possui pós-graduação, 75% estão cursando o nível superior e

apenas um (8%) afirma possuir exclusivamente o magistério. Nesse sentido, apesar de ter sido

encontrado dentro do quadro de profissionais da escola um professor com apenas o

magistério, percebe-se que a maioria quase absoluta dos entrevistados tem se preocupado em

se adequar ao disposto nos artigos 61 e 62 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

LDBDEN Nº 9394/96 que estabelece a obrigatoriedade de formação em nível superior dos

profissionais da educação que exercem a docência nos níveis fundamentais.

Com relação às “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações

Étnicas Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana61

”, a escola

demonstra conhecê-las e estando, inclusive, de acordo com os norteamentos das mesmas.

Neste aspecto, percebe-se que escola de Agreste tem se preocupado em desenvolver um

trabalho de valorização da cultura negra, ao buscar nas diretrizes um auxílio para sua prática.

61

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História

e Cultura Afro-Brasileira e Africana, foram homologada, em 18 de março de 2004, do Parecer 03/2004, de 10 de

março. Essa lei instituiu obrigatoriedade do ensino de História da África e dos Africanos no currículo escolar do

ensino fundamental e médio.

Page 95: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

94

Outro ponto a ser frisado refere-se à concepção da escola em relação ao trabalho

coletivo, incluindo a participação da família na escola. De acordo com Silveira (2009), a

escola acredita que a participação dos pais é fundamental nesse espaço. Porém, é notado que

essa participação é desejada para tratar sobre questões rotineiras como: aspectos físicos,

materiais ou fazer o acompanhamento dos problemas de comportamento, notas e freqüências

dos alunos.

Durante a Folia de Reis, foi possível verificar a presença de alunos e professores,

indicando uma participação ativa do efetivo escolar nas festividades religiosas locais.

Religiosidade

As participações sociais nos acontecimentos religiosos no contexto de Agreste

demonstram uma vivência religiosa focada na fé e devoção aos Santos católicos. O

catolicismo popular divide espaço com o eclesiástico. Grande parte das pessoas da

comunidade se dá por católica, reunindo-se na Igreja aos Domingos para a reza da Missa. Não

há padres na comunidade, dessa forma, vem sempre um de fora para realização do culto.

Quanto ao catolicismo popular, é representado pelos festejos religiosos que ocorrem

anualmente na comunidade. São três as Festas que acontecem na atualidade: a Festa de Nossa

Senhora Aparecida, as Festas Juninas (ofertadas a Santo Antônio) e a Folia de Reis. Nesses

festejos, o sagrado e o profano simbolizam a cultura popular religiosa característica na

comunidade. Segundo Brandão (1986), “a melhor maneira de se compreender a cultura

popular é através de estudos sobre a religião, pois é ali que ela aparece viva e multiforme,

existindo em um estado constante de luta por sobrevivência e autonomia” (BRANDÃO, 1986,

p 15).

Os festejos religiosos populares em Agreste trazem em seu contexto a religiosidade e

a festa como representantes do catolicismo popular, em que a festa representa o lúdico e a

religião remete as regras e obrigações. Essa interseção entre a festa e os ritos religiosos é

característica em culturas em que a religiosidade popular se encontra presente e o fenômeno

festivo é aproximado do religioso.

Segundo o antropólogo Camurça (2003), citado por Silva (2006), é através da

exaltação coletiva, presente nos ritos religiosos e nas festas, que a sociedade gera imagens e

situações em que ela se cria e se repõe, pois enquanto expressões da sociedade, tanto a festa

(como ajuntamento puramente celebrativo) como o rito festivo religioso (ligado a motivações

de crença no além), tem a mesma função de criar e expressar o social.

Page 96: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

95

Para Roberto DaMatta (1979), as festas são fenômenos recriadores e resgatadores do

tempo, espaço e relações sociais. As festas, diz DaMatta, mantêm a sociedade como tal e a

reabastecem de energia com esse momento de fuga, assim como reforçam as formalidades

sociais.

Além dos cultos católicos e festejos religiosos populares em Agreste, também há a

prática da religião Evangélica, sendo os cultos realizados em casas de moradores, pois como é

recente na comunidade, ainda não possui um templo.

A religiosidade é um elemento de grande importância para as análises realizadas

neste trabalho, haja vista que tem influência direta nas estruturas musicais, sendo aspecto

fundamental na definição das letras, na estruturação do canto, e no processo ritual como um

todo. A música tocada pelos foliões e dedicada aos Santos engloba aos elementos principais

de sua estrutura, princípios que refletem a crença, a devoção e a fé.

Page 97: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

96

CAPÍTULO 4

Dimensões estruturais da Música na Folia de Reis de Agreste

A música da Folia de Reis de Agreste possui, em cada componente de sua estrutura,

características peculiares que associadas ao contexto sociocultural revelam um fenômeno

musical vasto e complexo, no qual a prática musical está relacionada com conhecimentos,

crenças, comportamentos, valores e significados da estrutura ritual.

As dimensões estruturais das músicas “são concebidas através das formas de

utilização dos instrumentos, dos padrões e variações dos ritmos, da organização do repertório,

das características das letras, do canto e das melodias” (Queiroz, 2005, p. 137).

Para a compreensão dos aspectos estruturais se faz necessária uma reflexão sobre o

modelo Tripartite utilizado por Merriam (1964), que procura investigar a música partindo de

três pontos: a conceituação da música, comportamentos relacionados à música e as estruturas

musicais. Música pode ser compreendida como:

[...] A intenção de fazer algo chamado música (ou sons estruturados

similares ao que nós outros chamamos música), em oposição a outros tipos

de sons. É a habilidade para formular uma cadeia de sons aceitos pelos

membros de um grupo dado como música (ou qualquer coisa que eles

chamam de música). Música é a construção e o uso de instrumentos que

produzem sons. É o uso do corpo para produzir e acompanhar os sons.

Música é a emoção que acompanha a produção, apreciação e a participação

na performance. Música é som, porem é também a intenção e a realização; é

tanto emoção e valor como estrutura e forma. A música é composta,

estudada, executada e recebida por membros de sociedades. Por outro lado a

música é um sistema de comunicação que abarca sons estruturados e

produzidos por membros de uma comunidade quando se comunicam com

outros membros. Esta é uma definição similar às de Jonh Blacking (1973) e

Alan Merriam (1964). (LANDA, 2004, p. 128, tradução minha)62

.

Segundo Merriam (1964), a estrutura de um som musical deve pertencer a um

sistema geral que não se explica independentemente da existência de determinados seres

humanos, posto que ele seja produto de um comportamento específico, sendo este o

62

[…] La intención de hacer algo llamado música (o sonidos estructurados similares a lo que nosotros llamamos

música), en aposición a otros tipos de sonidos. Es la habilidad para formular cadenas de sonidos aceptados

por los miembros de un grupo dade como música (o cualquier cosa que ellos llamen música). Música es la

construcción y el uso de instrumentos que producen sonidos. Es el uso del cuerpo para producir y acompañar

los sonidos. Música es la emoción que acompaña la producción, apreciación y aparticipación en la

performance. Música es sonido, pero es también la intención y la realización; es tanto emoción y valor como

estructura y forma. La música es compuesta, estudiada, ejecutada y recibida por miembros de sociedades. Por

lo tanto, la música es un sistema de comunicación que abarca sonidos estructurados, y producidos por

miembros de una comunidad cuando se comunican con otros miembros.Esta es una definición similar a las de

Jonh Blacking (música como sonidos humanamente organizados; 1973) y Alan Merriam (música como

cultura, 1964).

Page 98: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

97

fundamento da concepção da música. Dessa forma, para operar em um sistema musical, o

indivíduo deve ter consciência do tipo de comportamento que pode produzir o som desejado.

Esses conceitos não se referem apenas ao comportamento físico, social e verbal, e sim ao que

se pensa que a música é ou deveria ser.

Assim, as distinções entre música e ruído, a valoração da habilidade musical

individual, as normas sociais e o tipo de participação dos grupos no fazer musical, e muitos

outros fenômenos de toda atividade musical, têm sua razão de ser nos conceitos básicos que a

sociedade desenvolve a respeito. “Sem a concepção da música não pode haver

comportamento, e sem comportamento, não é possível produzir som musical” (MERRIAM,

1964, p. 51).

Portanto, para compreender a música da Folia de Reis no contexto da comunidade

Agreste, é essencial o entendimento do significado que a música tem para os próprios foliões,

assim como dos comportamentos desses no fazer musical.

Para este estudo, optei por analisar separadamente cada um dos elementos que

constituem o fenômeno musical, o que possibilitou melhor apresentação e discussão da

estruturação musical da Folia de Reis.

Os instrumentos musicais e suas funções na constituição sonora da Folia de

Reis

Peças fundamentais no contexto ritual, os instrumentos musicais (FIG. 1) utilizados

na Folia de Reis em Agreste são constituídos por cordofones (o som é produzido por uma

corda tensa) e membranofones (o som é produzido por uma membrana esticada). Entre os

cordofones, são utilizadas três instrumentos harmônicos e um melódico, sendo três violas e

uma rabeca respectivamente. Enquanto os membranofones são constituídos por uma caixa de

folia e dois pandeiros. Primeiramente, trato dos cordofones e em seguida dos membranofones.

Page 99: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

98

FIGURA 1 – Os instrumentos musicais da Folia de Reis de Agreste: três Violas, uma Rabeca, dois

Pandeiros e uma Caixa de Folia.

Cordofones

A Rabeca

FIGURA 2 – A Rabeca usada pelos foliões em Agreste.

Page 100: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

99

A rabeca ou rebeca é um instrumento de corda e arco semelhante ao violino, “de

origem portuguesa e ancestral árabe, o rebab” (MURPHY, 2008, p. 61). Apesar da evidente

semelhança entre os dois, a rabeca se distingue do violino em muitos aspectos, principalmente

na construção e no modo de tocar. A rabeca não possui um padrão universal, apresentando

muitas variações no tamanho, formato, número de cordas, afinações utilizadas e materiais

empregados em sua confecção. As características de cada instrumento obedecem às tradições

regionais e também à criatividade e aos meios de que dispõe o fazedor de rabecas. O som é

produzido através da fricção do arco nas cordas. O arco se constitui como uma vareta curvada

em forma de meia-lua, a cujas pontas se fixam as cordas que podem ser de crina ou náilon.

De acordo com os foliões, essa rabeca (FIG. 2) foi construída por Zé Côco do

Riachão63

, que era violeiro, rabequista, sanfoneiro, pandeirista, compositor e um dos grandes

nomes da música caipira brasileira. Uma das características marcantes na rabeca de Zé Coco

do Riachão são as bolas brancas pintadas no braço. A usada em Agreste possui quatro cordas

de aço, tendo as seguintes dimensões: 58cm de comprimento, 20cm de largura e 5 cm de

altura (lateral). O arco possui 58cm de comprimento.

Quanto à maneira de tocar, o folião em Agreste apóia a rabeca pouco abaixo do

ombro esquerdo, mais precisamente no braço (FIG. 3). O arco é seguro com a mão direita e

tem as cordas feitas de crina.

FIGURA 3 – Forma de tocar apoiando a Rabeca abaixo do ombro.

63

José dos Reis Barbosa dos Santos. Nascido no ano de 1912, em Brasília de Minas, na região do Norte de

Minas. Foi Criado na localidade de Riachão, às margens do rio que leva o mesmo nome, na confluência dos

municípios de Mirabela e Brasília de Minas, no Vale do São Francisco. O pai era fazedor e tocador de violas.

No momento de seu nascimento, passava uma Folia de Reis e ele foi consagrado pela Mãe aos santos Reis;

por isso "dos Reis" registrado em cartório. Zé Coco deixava claro sua devoção aos Santos Reis, e sempre se

apresentava como José Reis Barbosa dos Santos. Foi descoberto aos 65 anos, gravou Brasil Puro em 1980, Zé

Coco do Riachão em 1981 e Vôo das Garças em 1987. Faleceu em 1998, aos 86 anos.

Page 101: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

100

A rabeca tem a função de executar as melodias, dando suporte ao canto e a afinação

segue a do violino, mi4 -lá3 -ré3 -sol2 (do agudo para o grave).

As Violas

Na folia em Agreste são usadas três violas industrializadas (FIG. 4), feitas em

madeira e todas com dez cordas de aço, unidas aos pares, montando cinco pares. Os dois pares

mais agudos são afinados em uníssono, os outros três pares são afinados em oitavas (mesma

nota, com diferença de alturas de uma oitava).

As violas maiores têm as mesmas medidas: 35cm de largura do corpo; 98cm de

comprimento e 9cm de altura (lateral). A menor (conhecida como Viola Caipira) possui 68cm

de comprimento e 7cm de altura (lateral). Uma delas é enfeitada com fitas coloridas que

podem carregar um simbolismo. Para alguns autores, o enfeite dos instrumentos tem relação

com as festas populares de Folia de Reis, na qual se comemora a ascensão de Jesus ou, "do

Divino". São sete fitas e cada cor representa um personagem do nascimento de Jesus. A

Branca representa o próprio Jesus; a Azul clara representa Maria; a Rosa, São José; a

Amarela, o ouro dado como presente; a Vermelha, o incenso; a Verde, a mirra; e, por fim, a

Azul escura que representa São Gonçalo, Santo protetor dos violeiros.

FIGURA 4 – As Violas da Folia de Reis.

Page 102: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

101

Cascudo (1962) descreve a Viola como:

“Instrumento de cordas dedilhadas, cinco ou seis, duplas, metálicas. [...] É

verdadeiramente o grande instrumento da cantoria sertaneja. [...] O século do

povoamento brasileiro, o séc. XVI foi a época do esplendor da viola em

Portugal, expresso nos autos de Gil Vicente e nos cancioneiros. [...] É ainda

o instrumento animador dos velhos bailes populares e devocionais no norte e

no sul do país” (CASCUDO, 1962, p. 774,).

As violas têm como função acompanhar e coordenar harmonicamente as canções,

sendo inclusive responsáveis pela ampliação de corpo e volume sonoro instrumental dos

cantos e danças.

Membranofones

Caixa de Folia

A caixa de folia (FIG. 5) consiste em um tambor cilíndrico de tamanho médio ou

pequeno, geralmente feito de madeira, com uma membrana (couro de boi) em cada uma das

extremidades, esticadas por cordas. Além da corda para dependurar no ombro, a Caixa

também possui afinadores, pequenos anéis de couro, que servem para manter as cordas

esticadas. Um detalhe característico da caixa de folia é uma corda na parte inferior desse

tambor que, esticada com um sistema de cravelha, faz com que o couro vibre quando rufado.

FIGURA 5 – Caixa de Folia e a forma como é tocada.

Page 103: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

102

A caixa usada em Agreste possui tanto o corpo como o aro de madeira, tendo o

tamanho de 12” (polegadas) de circunferência e 30cm de altura, feita artesanalmente “por um

homem lá de Tamboril”64

, como afirma Seu Lero.

A maneira como ela é tocada pelo folião consiste em pendurar o instrumento no

ombro esquerdo e tocá-lo com duas baquetas sem feltro (que também foram confeccionadas

artesanalmente). As baquetas são seguradas com os dedos polegar e indicador, com a mão

esquerda apoiada na borda e a mão direita direcionando a ponta da baqueta de baixo para

cima. Os toques são feitos tanto na membrana (pele), para uma sonoridade mais grave, como

no aro da caixa, para uma sonoridade aguda, criando possibilidades timbrísticas que

enriquecem a marcação rítmica da música da Folia.

A principal função da caixa na folia é a marcação rítmica mantendo um padrão

rítmico constante, apoiando a harmonia e a melodia dos cantos. Como afirma Seu Lero: “Para

cada Santo é um ritmo, pra São Sebastião é um ritmo, pra Nossa Senhora Aparecida é outro

e pra Santos Reis é outro”.

O Pandeiro

Assim como a caixa, o pandeiro (FIG. 6) é responsável pelo apoio rítmico na música

da Folia. Cascudo (1962) descreve o Pandeiro como um “instrumento de percussão, ritmador,

acompanhador do canto pela marcação do compasso. Foi trazido ao Brasil pelos portugueses,

que o tiveram através de romanos e árabes” (CASCUDO, 1962, p. 559).

FIGURA 6 – Os Pandeiros artesanais da Folia de Agreste.

64

Localidade próxima a Agreste.

Page 104: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

103

Os pandeiros usados em Agreste também são construídos de forma artesanal, feitos

“de pele de Cotia” 65

, como explicado por Seu Lero. Assim como a caixa, esses pandeiros

foram feitos por uma pessoa que mora em Tamboril. Eles têm medidas diferentes, sendo um

de 8” de circunferência, por 5cm de base, e o menor (a direita na foto) com 6”, por 4cm de

base. O maior possui quatro duplas de platinelas (feitas com tampa de garrafa) e o menor

apenas três.

Apesar dos dois pandeiros encontrados na casa de Seu Lero, apenas um foi usado, o

maior. Ele é tocado de forma muito particular pelo pandeirista (FIG. 7) que segura o pandeiro

com a mão direita e choca a pele contra a ponta dos dedos da mão esquerda. Às vezes, para

conseguir o efeito de um rufo breve, o panderista escorrega os dedos da mão esquerda sobre a

pele explorando as várias sonoridades que este instrumento possibilita, explorando tanto uma

sonoridade grave quanto aguda através das platinelas.

FIGURA 7 – José Pedroso tocando o Pandeiro.

O Repertório

A composição do repertório é um elemento fundamental na constituição do ritual em

Agreste, trazendo nas nuances das letras dos cantos, nas harmonias, melodias e ritmos, um

65

Cutia, ou Cotia: mamífero roedor de pequeno porte.

Page 105: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

104

corpo de significados que relacionados ao contexto expõem uma manifestação com

características da religiosidade popular, na qual elementos da cultura européia e africana estão

presentes.

O repertório da Folia em Agreste traz particularidades que o diferenciam de outras

folias realizadas na região. Como já discutido no capítulo anterior, o repertório da Folia de

Reis, de forma geral, se constitui nos cantos, sendo o canto de chegada e pedido de entrada na

casa, o canto de saudação aos moradores e a Lapinha (Oratório), canto de entrega da bandeira

ao (s) morador (es) e o canto de agradecimento e despedida, assim como os Lundus e

Guaianos, que são característicos na Folia norte mineira.

Contudo, o repertório da Folia em Agreste, contém, além do canto de saudação ao

Oratório, o guaiano e lundu, os hinos a São Sebastião e a Nossa Senhora Aparecida.

Partindo dessa explicação, analiso cada um desses cantos a partir da transcrição

musical, lembrando que a escrita gráfica da música é um meio privilegiado para compreender

o fenômeno musical, contudo a transcrição não é a música. Segundo Anthony Seeger (1987),

as transcrições nunca devem ser um fim em si mesmas, mas sim uma ferramenta para levantar

questões e facilitar a compreensão da estrutura musical. Para Landa (2003), os

etnomusicólogos utilizam o método da representação gráfica da música com a intenção de

aderir aos conhecimentos dos princípios geradores das estruturas sonoras dotadas de sentido.

Já que se trata de regras aplicadas por todos os membros de determinado

conjuntos musicais [...] os emissores de mensagens sonoras atuam em

coordenação consensual, muitas vezes implícita, com os receptores dos

mesmos [...] que permite a todos considerar a esses produtos como música. E

que esses produtos podem tomar a forma de obras acabadas que é possível

repetir (com ou sem variantes), os discurso criados no momento da execução

(LANDA, 2003, p. 162, tradução minha)66

.

A partir das análises das transcrições, foi possível descrever algumas características

comuns nas músicas da Folia. Entre essas características está a tonalidade, pois todas têm a

harmonia predominante dentro do sistema tonal tradicional, ficando basicamente entre a

Tônica e a Dominante, (1º e 5º Grau). Os andamentos dos cantos variam de semínima =

55bpm até 90bpm, cantados a quatro vozes (no caso de Agreste, podendo ser de até seis

vozes), em forma responsorial (solo/coro). Assim, em cada estrofe cantada repete-se a forma

66

Ya se trate de reglas aplicadas por todos los miembros de determinados conjuntos de músicos [...] los emisores

de mensajes sonoras actúan en coordinación consensual, a menudo implícita, con los receptores de los mismos

[...] que permiten a todos considerar a esos productos culturales como música. Y esos productos puedem

tomar la forma de obras acabadas que es posible repetir (con o sin variantes), o de discursos creados en el

momento de la ejecución.

Page 106: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

105

responsorial entre solista e resposta coral. A forma de cantar com um timbre anasalado, com a

utilização de glissandos descendentes nos finais das frases, também é uma forte característica

no canto dos foliões. No início de todas as músicas, o rabequeiro toca a nota tônica auxiliando

os demais músicos na afinação vocal e harmônica.

Partindo dessas observações, descrevo a seguir as transcrições musicais seguindo a

ordem do ritual, sendo a primeira transcrição o Canto de Saudação; a segunda, o Canto a

Nossa Senhora Aparecida; a terceira, o canto a São Sebastião; a quarta, o Lundu; e, por

último, o Guaiano.

Page 107: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

106

Page 108: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

107

FIGURA 8 – Canto de Saudação.

Page 109: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

108

Canto de Saudação: letra

Ó Bendito louvado seja

Louvado seja o Senhor

Louvado seja o Senhor

Ô da cepa nasceu a rama

Da rama nasceu a flor

Da rama nasceu a flor

Ô da flor nasceu Maria

Mãe do Nosso Salvador

Mãe do Nosso Salvador

O canto de saudação foi o primeiro canto realizado e a letra é curta se comparada às

letras dos outros cantos. Como descrito no capítulo anterior, o canto traz o louvor a Maria,

Mãe de Jesus e ao nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo. As duas vozes nesse canto

seguem em intervalos de terças paralelas durante toda a música, sendo cantada por Seu Lero

na primeira voz e Toni na segunda. Esse canto não segue o sistema de responsório, pois não

há solo e resposta do coro.

Tocada em compasso ternário, a música segue a harmonia tradicional na tonalidade

de Ré Maior, sem grandes saltos melódicos.

O padrão rítmico da caixa segue com variações de semínima, no andamento de

semínima = 90bpm. O folião executa o ritmo usando tanto a pele da caixa quanto o aro (vide

legenda abaixo). Nesse canto não houve a utilização do pandeiro, apenas da caixa de folia.

FIGURA 9 – Legendas para escrita da Caixa e Pandeiro. Servem para todo o repertório.

Page 110: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

109

FIGURA 10 – Canto a Nossa Senhora Aparecida

Page 111: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

110

Canto a Nossa Senhora Aparecida: letra

Entraremos meus companheiros

Entraremos meus companheiros

Nesta casa de alegria

Nesta casa de alegria

Pra fazer uma Saudação

Pra fazer uma saudação

A Nossa Senhora Aparecida

A Nossa Senhora Aparecida

Deus te salve ó Mãe santíssima

Deus te salve ó Mãe santíssima

Milagrosa Aparecida

Milagrosa Aparecida

Amparai os seus devotos

Amparai os seus devotos

Ó Virgem Mãe querida

Ó Virgem Mãe querida

Eu cheio de desejo

Eu cheio de desejo

De postar em vossos pés

De postar em vossos pés

Ó Virgem Mãe querida

Ó Virgem Mãe querida

Aumentai a nossa fé

Aumentai a nossa fé

Nossa Senhora Aparecida

Nossa Senhora Aparecida

Assuntai por caridade

Assuntai por caridade

Nossa Santa palavra

Nossa Santa palavra

Por ser Mãe de caridade

Por ser Mãe de caridade

Mãe de Deus e Mãe dos homens

Mãe de Deus e Mãe dos homens

Milagrosa de bondade

Milagrosa de bondade

Levai-nos no alto do Céu

Levai-nos no alto do Céu

Pela vossa Santa vontade

Page 112: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

111

Pela vossa Santa vontade

Hora viva hora reviva

Hora viva hora reviva

Viva a Nossa Mãe querida

Viva a Nossa Mãe querida

Viva no céu e na terra

Viva no céu e na terra

Ó Senhora Aparecida

Ó Senhora Aparecida

O canto a Nossa Senhora Aparecida foi feito no interior da Igreja Católica da

comunidade, sendo tocado pelos seis foliões, contudo apenas quatro cantam, Seu Lero (o

Mestre e violeiro), Toni (o rabequeiro), José Pedroso (o pandeirista) e Seu Ernesto (o

caixeiro). A música mantém uma harmonia simples ficando na tônica, subdominante e

dominante (1º , 4º e 5º Graus) e o desenho melódico também é simples, com intervalos curtos,

sendo o maior de 4ª. A melodia da rabeca repete a segunda voz do canto, executando poucas

variações de notas.

O canto segue o formato de responsório, no qual a primeira dupla, denominada guia,

divide-se entre primeira e segunda vozes da guia. A segunda dupla, denominada resposta,

divide-se em primeira e segunda vozes da resposta, seguindo um intervalo de terças paralelas

entre as vozes.

O padrão rítmico das violas seguem o mesmo do pandeiro, que fazem o

acompanhamento utilizando basicamente semínima pontuada, semínima e colcheia,

característica rítmica típica de uma toada de folia do norte de minas. A marcação rítmica da

caixa segue um desenho com as figuras mínima, seminima e colcheia. O andamento é

aproximadamente seminima = 75bpm.

A função do canto é de devoção à Nossa Senhora Aparecida, a Santa padroeira do

Brasil.

Page 113: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

112

FIGURA 11 – Canto a São Sebastião.

Page 114: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

113

Page 115: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

114

Canto a São Sebastião: letra

Na chegada nesta casa

Com sua bandeira na mão

Na chegada nessa casa

Com sua bandeira na mão

Nos viemos visitar

Martison67

Sebastião

Nós viemos visitar

Martison Sebastião

Oi Martison Sebastião

É um Santo milagroso

Martison Sebastião

É um Santo milagroso

Oi ele veio pra nos livrar

Desse mal contagioso

Ele veio pra nos livrar

Desse mal contagioso

Oi Martison Sebastião

Milagroso sem segundo

Martison Sebastião

Milagroso sem segundo

Pois ele veio nos livrar

Das injúrias desse mundo

Ele veio pra nos livrar

Das injúrias desse mundo

Martison Sebastião

Ele é filho do Pai eterno

Martison Sebastião

Ele é filho do Pai eterno

Ele veio pra nos livrar

Oi da peste, a fome e guerra

Ele veio pra nos livrar

Da peste, a fome e guerra

Oi Martison Sebastião

Milagroso como pode

Martison Sebastião

Milagroso como pode

Martison Sebastião

67

Transcrição literal de manuscrito elaborado pelo filho do Mestre da Folia. “Martison” tem o sentido de “Mártir

São Sebastião”. Conferir anexo.

Page 116: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

115

Só ama seus filhos pobre

Martison Sebastião

Só ama seus filhos pobre

Oi dezenove de Janeiro

Este Santo assim falou

Oi dezenove de Janeiro

Este santo assim falou

Com suas palavras santas

E a guerra se aquebrantou

Com suas palavras santas

E a guerra se aquebrantou

Oi dia vinte de Janeiro

Este Santo alevantou

Dia vinte de Janeiro

Este Santo alevantou

Minhas vista meus irmãos

E a guerra se acabou

Minhas vistas meus irmãos

E a guerra se acabou.

O terceiro canto da Folia foi o canto a São Sebastião, que tem a função de

homenagear esse Santo, que é o padroeiro de Seu Lero. As vozes seguem em intervalos

paralelos de terça e, da mesma forma que o canto a Nossa Senhora Aparecida, seguem em

modo responsorial, cantado também a quatro vozes.

A música é tocada em andamento lento, seminima = 55bpm, em compasso

quaternário. Contudo, há uma modulação rítmica no sexto e décimo-primeiro compassos, nos

quais, a divisão é binária. A tonalidade é Mi Maior, com a harmonia tradicional, girando entre

a tônica, subdominante e dominante.

A rabeca segue a melodia da primeira voz do canto guia, executando um desenho

melódico simples com intervalos curtos, sendo de fácil memorização. A melodia da rabeca no

início faz a introdução do canto e se repete duas vezes

O desenho rítmico executado pelo pandeiro não segue um padrão único, executando

variações entre as figuras semínimas, semínimas pontuadas, colcheias, colcheias pontuadas e

semicolcheias. A caixa também não executa um padrão constante, seguindo o desenho das

vozes, servindo mais como reforço a elas.

Page 117: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

116

Page 118: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

117

FIGURA 12 – Lundu

Lundu: letra

Abre a porta que a chuva evem

Abre a porta que a chuva evem

Essa porta trancada é que não tem ninguém

Essa porta trancada é que não tem ninguém

Abre a porta e também a janela

Abre a porta e também a janela

Ai, ai, ai quem me escuta, abre toda janela

Ai, ai, ai quem me escuta, abre toda janela

Abre a porta e a janela ao contrário

Abre a porta e a janela ao contrário

Ai, ai, ai quem tá fora, é o Senhor Capitão

Ai, ai, ai quem tá fora, é o Senhor Capitão

Abre a porta que eu quero entrar

Abre a porta que eu quero entrar

Ai que beijo gostoso que eu quero te dar

Ai que beijo gostoso que eu quero te dar

Se eu dissesse que vinha com a velha

Se eu dissesse que vinha com a velha

Você ia saber que eu já tinha mulher

Você ia saber que eu já tinha mulher

Page 119: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

118

O Lundu cantado em Agreste possui um caráter dançante, executado no andamento

aproximado de semínima = 90bpm, indicando um momento festivo da folia.

A letra não possui característica religiosa como nos cantos aos Santos. É cantado a

quatro vozes, contudo não segue a forma de responsório. As duplas cantam em intervalos

paralelos de terças, não havendo a utilização da requinta.

Tocada em 4/4, a música segue a harmonia tradicional, na Tonica e Dominante (1º e

5º Grau), na tonalidade de Ré Maior. O desenho melódico é simples, com melodias curtas e

sempre repetitivas.

A Rabeca não segue a melodia das vozes, executando um desenho melódico simples

e constante, com intervalos curtos, sendo de fácil memorização.

Quanto aos instrumentos harmônicos, foram utilizadas as violas, que mantêm uma

harmonia simples, seguindo um padrão rítmico constante

Em relação a percussão, tanto a Caixa quanto o Pandeiro dão apoio rítmico à

melodia. A Caixa segue com um padrão rítmico constante, executando um desenho com a

utilização das figuras colcheia pontuada e semicolcheia, executando poucas variações. O

pandeiro também segue um desenho rítmico constante com os seguintes padrões:

semicolcheia, colcheia, semicolcheia, nos primeiros e terceiros tempos dos compassos; e duas

colcheias preenchendo o segundo e quarto tempo, como transcrito abaixo:

FIGURA 13 – Padrão rítmico do Pandeiro

Ficou evidente durante a execução, que o pandeirista modifica o padrão rítmico no

momento que ele participa do canto, retornando ao padrão rítmico, transcrito na partitura,

quando ele não canta.

O Lundu não é dançado em Agreste, é apenas acompanhado por palmas dos demais

participantes.

Page 120: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

119

Page 121: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

120

Page 122: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

121

Page 123: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

122

Page 124: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

123

Page 125: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

124

Page 126: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

125

Page 127: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

126

FIGURA 13 – Guaiano.

Page 128: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

127

Guaiano: letra

La vem a velha

A velha evem

Mas que moça bonita

Que a Velha tem

La vem a Velha

A Velha evem

Mas que moça bonita

Que a Velha tem

Eu passo por dentro

Você passa por fora

Que espaço pequeno

Ai meu Deus a Viola

O Guaiano cantado em Agreste tem como características seu aspecto dançante,

tocado no andamento aproximado de semínima = 90bpm, acompanhado por palmas e

sapateado, indicando um momento festivo da folia. A forma da dança no Guaiano é uma das

suas características marcantes. Apenas quatro foliões participam da dança, como se

entrelaçando em formato de “S”, ou um “8”. As palmas são feitas pelos ouvintes e não pelos

foliões, que apenas executam o sapateado no final dos versos. O sapateado segue um desenho

rítmico com variações de semínimas, colcheias, colcheias pontuadas e semicolcheias.

A letra foge do caráter religioso, cantada sobre uma melodia de canção sertaneja com

caráter de entretenimento. As vozes cantam em intervalos paralelos de terças, neste caso a

primeira voz é cantada pelo rabequeiro, a segunda pelo Caixeiro e Seu Lero faz a requinta

(cantos agudos), isto é, dobrando a fundamental uma oitava acima no final das frases.

A música segue a harmonia tradicional, na Tônica e Dominante (1º e 5º Graus), na

tonalidade de Lá Maior. O desenho melódico é simples, com melodias curtas e sempre

repetitivas.

Com relação a percussão, apenas a caixa foi usada, tocando um padrão rítmico que se

repete de quatro em quatro compassos, com variações de semínimas, colcheias e

semicolcheias.

Quanto aos instrumentos harmônicos, foi utilizado um violão no lugar de uma das

violas, que juntamente com a caixa resultou numa sonoridade mais grave. Outra característica

do Guaiano é a não utilização da Rabeca, devido a dificuldade de executar os movimentos da

dança juntamente com o instrumento.

Page 129: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

128

A identidade da Folia de Reis: confluência dos elementos

A confluência de todos os elementos apresentados e discutidos neste capítulo dá

forma e caracteriza a performance musical da Folia de Reis de Agreste. A junção de cada

detalhe presente no instrumental, nos gestos e nos cantos dos foliões traduz a identidade geral

dessa manifestação. Dessa forma, a caracterização da música dos foliões é forjada a partir dos

elementos que compõem as suas estruturas musicais, inter-relacionados a valores e

significados mais amplos do universo cultural dessa manifestação, como aspectos sociais e

religiosos.

Entendendo que a cultura é essencial na vida da coletividade de Agreste e que a

música tanto determina quanto é determinante desta cultura, a música da Folia de Reis é um

fator fundamental como sistema de comunicação e expressão humana, traduzindo em sua

performance os significados que dão forma e sentido à identidade cultural local.

A identidade cultural no contexto deste trabalho pode ser compreendida como um

sistema de representação das relações sociais entre indivíduos e grupos, e está relacionada

com os “aspectos de nossas identidades que surgem de nosso „pertencimento‟ a culturas

étnicas, raciais, lingüísticas, religiosas e, acima de tudo, nacionais” (HALL, 2006, p. 8). Essas

representações sociais podem servir como “um conjunto de saberes que expressam a

identidade de um grupo social” (OLIVEIRA e WERBA, 1998, p. 107). E esse “conjunto de

saberes” está em constante desenvolvimento, tendo em vista que identidade é um processo

dinâmico, que se alimenta de várias fontes no tempo e no espaço e “por isso ela deve ser

entendida como mutável, porque o grupo pode alterar o significado da identidade conforme a

situação que ele vive” (ROBERTO CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976, citado por

OLIVEIRA, 2007, p. 16).

Seguindo essa mesma ótica, Cunha (1986) afirma que os grupos elegem como

significativo para reconhecer as suas identidades um conteúdo cultural específico que, para

eles, irá marcar o que se pode entender como sendo as diferenças entre dois grupos, ou seja, a

cultura do contraste. Para essa autora, a identidade é situacional porque em cada contexto

vivido pelo grupo pode existir uma identidade diferente que este retira do seu material

cultural, e cada uma dessas identidades pode se alterar conforme o processo dessas vivências

grupais.

Assim, o conceito de identidade é construído a partir do contraste percebido entre

dois ou mais grupos que estabelecem interações sociais. À medida que reconhece que os

“outros” são diferentes, o grupo entende o que seria ele mesmo, ele compreende o que

Page 130: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

129

constitui o “nós” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1976, p. 5). Decorre desse mecanismo de

diferenciação o reconhecimento da identidade coletiva, assim como a certificação do que é o

“outro”, que é percebida na afirmação da diferença. Dessa forma, foi essencial para a

discussão sobre identidade neste trabalho, partir do pressuposto de que a comunidade Agreste

pode construir diversas identidades coletivas e, além disso, que a identidade é fruto de cada

processo situacional vivido pelos membros da coletividade.

Da mesma forma que discuto identidade cultural, a compreensão sobre identidade

musical é um aspecto importante para o desenvolvimento do trabalho. Recentes pesquisas em

etnomusicologia têm tratado da relação entre identidade musical e performance, no sentido de

que o desenvolvimento da identidade musical de um grupo ou coletividade pode ser definida

socialmente em torno de determinadas ações culturais, no caso a performance musical.

Entendendo que a música é um meio de comunicação que permite às pessoas

compartilhar emoções, intenções e significados, possibilitando a interação entre elas, sendo

“um meio valioso para entender pessoas e comportamentos” (MERRIAM, 1964, p. 13,

tradução minha) 68

, é através da performance musical que um grupo se apresenta aos demais,

negociando e reconstruindo permanentemente sua identidade. A música, nesse processo, não

só reflete como também interfere e modifica a estrutura cultural pré-existente. Dessa forma, a

performance musical pode ser compreendida como uma atividade social pela qual a cultura é

criada, negociada e realizada, Seeger (1987).

A discussão em torno da identidade musical de um grupo está relacionada à

compreensão da sua performance musical e sua relação com o contexto social. Assim, de

acordo com Mendes (2004), a identidade musical constitui “o conjunto de acontecimentos

„musicais‟ que, caracterizado pela performance do grupo e pelo resultado sonoro, representa a

síntese dos elementos musicais essenciais componentes da música” (MENDES, 2004, p. 83).

Para Thomas Solomon (1997), a performance musical é uma prática para a

construção da identidade e isso tem sido lugar comum na etnomusicologia. Segundo esse

autor, a “performance musical é uma prática para incorporar identidade na comunidade,

registrando-a tanto na paisagem terrestre quanto na paisagem da mente [...] as pessoas de uma

comunidade, como um corpo social, são inseparáveis da paisagem onde vivem” (SOLOMON,

1997, p. 312, tradução minha)69

.

68

[…] music is a means of understanding peoples and behavior and as such is a valuable tool in the analysis of

culture and society. 69

Musical performance is a practice for embodying community identity, inscribing it on earthly landscapes as

well as in the landscapes of the mind.

Page 131: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

130

Stokes (1994) sugere que “o evento musical [...] evoca e constitui memórias coletivas

e experiências presentes do lugar com uma intensidade, força e simplicidade não alcançada

por outra atividade social” (STOKES, 1994, p. 3, tradução minha),70

assim a representação de

muitos aspectos da performance musical é particularmente proveitosa para a construção e

reconhecimento da identidade.

Dessa forma, sons produzidos coletivamente incorporam identidades coletivas

fazendo perceptíveis os fatos das relações sociais entre pessoas que têm tipos de experiências

sociais em comum. No caso de Agreste, a performance da Folia de Reis costuma ocorrer com

a presença de pessoas de outras comunidades; assim, essas ocasiões são a oportunidade para

chamar as comunidades vizinhas com seus representantes, criando espaço para a

representação das diferenças – diferenças entre as próprias comunidades. Dessa forma, o

modo como a performance musical ocorre, usando a respiração, lábios e cordas vocais para

cantar ou mãos para tocar instrumentos musicais, assim como o corpo para dançar, fazem essa

incorporação sensível de uma forma esteticamente diferenciada, tornando uma performance

única e demarcando as diferenças, construindo uma identidade que está sempre em processo.

70

The musical event [...] evokes and organizes collective memories and present experiences of place with a

intensity, power and simplicity unmatched by other social activity.

Page 132: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

131

CONCLUSÃO

Realizar um estudo sobre a música da Folia de Reis na comunidade quilombola

Agreste me permitiu conhecer um universo cultural amplo e complexo, carregado de

significados e valores próprios, que traduzem uma vivência musical caracterizada pela fé e

devoção aos Santos Reis.

A partir do estudo realizado, através da utilização de abordagens distintas, ficou

evidente que a música da Folia de Reis na comunidade é caracterizada por um conjunto de

elementos que, de forma inter-relacionada, dão particularidades à estrutura rítmica do grupo, à

forma de cantar, a sonoridade dos instrumentos, entre outros aspectos.

Tendo em vista que a música é uma prática que agrega valores sociais, religiosos e

culturais, o estudo apresentou as principais características da prática musical da Folia de Reis

da comunidade, analisando-as a partir dos seus aspectos estruturais e das relações que o

fenômeno estabelece com o contexto sociocultural.

De forma geral, a música da Folia de Agreste congrega aspectos que podem ser

considerados fundamentais para dar forma e identidade à manifestação. Como discutido no

trabalho, a manifestação possui características temporais e espaciais próprias (não tendo

horário definido, como também não realizando o “giro”), o que reflete diretamente na

formação do conjunto musical e consequentemente no repertório. Devido a esses fatores, a

música da Folia permite algumas variações no canto, nos ritmos, na execução instrumental, no

repertório, entre outros aspectos, contudo sem descaracterizar o resultado sonoro que a

constitui.

No que se referem às suas estruturas, as músicas da Folia contêm aspectos comuns,

entre esses a tonalidade, pois todas têm a harmonia predominante dentro do sistema tonal

tradicional. Nas construções melódicas, fica evidenciada a utilização de frases curtas com

motivos melódicos simples, que criam melodias de fácil assimilação, padronizadas dentro de

centros tonais maiores. Os andamentos dos cantos variam de semínima = 55bpm até 90bpm,

cantados a quatro vozes, em forma responsorial (solo/coro). A forma de cantar com um timbre

anasalado com a utilização de glissandos descendentes nos finais das frases, também é uma

forte característica no canto dos foliões. No início de todas as músicas, o rabequeiro toca a

nota tônica, auxiliando os demais músicos na afinação vocal e harmônica.

A rabeca, as violas, a caixa de folia e o pandeiro, que constituem o instrumental da

Folia, criam a característica sonora da manifestação, em que os instrumentos são adaptados à

função sonora desejada pelos foliões. A utilização dos instrumentos descritos no trabalho

Page 133: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

132

representa uma característica comum na Folias de Reis praticadas na região norte mineira,

contudo a forma de tocar é particular de cada folião.

Quanto à constituição histórica da manifestação no contexto estudado, trata-se de

uma prática centenária, tendo Seu Lero como Mestre desde o início da década de 1970. Diante

das mudanças que ocorreram com o passar do tempo, tanto na estrutura como no repertório,

os foliões mantêm a fé e devoção ao menino Jesus e aos Três Reis Magos, assim como nos

outros Santos católicos, representados nesta Folia por Nossa Senhora Aparecida e São

Sebastião. A religiosidade é um elemento de grande importância na constituição da música

dos foliões, haja vista que tem influência direta nas estruturas musicais, sendo aspecto

fundamental na definição das letras, na estruturação do canto, e no processo ritual como um

todo. Assim, a religiosidade representa um aspecto essencial na definição identitária da Folia.

A música da Folia de Reis de Agreste, também chamada Folia de Seu Lero, é

caracterizada pela confluência dos elementos estruturais da música com valores e significados

sociais e religiosos que, refletidos nas letras e na performance dos foliões, dão a esse

fenômeno musical características identitárias próprias. Assim, o cantar, rezar e festar são

expressos através da prática musical, que traduz em sua estruturação os aspectos estéticos e os

valores simbólicos que dão vida e forma à música dos foliões.

Durante minhas pesquisas de campo, fiquei hospedado nas casas das pessoas da

comunidade, que sempre me trataram com muita atenção e respeito, demonstrando a

característica acolhedora e pacífica dos habitantes.

Finalmente, através deste trabalho, foi possível concluir também que o universo

quilombola da região norte mineira, carece de pesquisas que possam demonstrar as

particularidades históricas, sociais, identitárias e culturais, além de uma maior atenção do

poder público e reconhecimento de seus direitos territoriais e culturais.

Page 134: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

133

REFERÊNCIAS

ABRAHAMS, Roger D. The theoretical boundaries of performance. In: HERDON, Marcia;

BRUNYATE, Roger (Ed.). Form in performance, hard-core ethnography. Nova York:

McGraw-Hill, 1975, p. 18-27.

ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Os quilombos e as novas etnias. In: Quilombos:

Identidade étnica e territorialidade. Eliane Catarino O‟Dwyer ( Org.). Rio de Janeiro: Editora

FGV, 2002.

ANDRADE, Mário de. Danças Dramáticas do Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 2002.

______. Dicionário musical brasileiro. Belo Horizonte: Itatiaia; Brasília: Ministério da

Cultura; São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, 1989.

(Coleção Reconquista do Brasil, 162).

______. Pequena história da música. 9. ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1987.

ARRUTI, José Maurício Andion. A Emergência dos Remanescentes. In: Mana 3(2), 1997, p.

7-38.

______. Mocambo: antropologia e história no processo de formação quilombola. São Paulo:

EDUSC, 2006.

______. O quilombo conceitual: para uma sociologia do artigo 68. Tempo e Presença. Rio de

janeiro, 2003.

AZEVEDO, Teófilo de. A folia de Reis no norte de Minas. Belo Horizonte: Ed. Sesc. 1985, p.

15.

AZEVEDO, Teófilo de. Literatura popular do norte de minas: a arte de jogar versos. São

Paulo: Global, 1978.

AZEVEDO, Téo. Folia de Alto Belo. Associação de Folclore de Alto Belo. Belo horizonte,

MG. 2007, p. 150.

AZEVEDO, Thales de. Problemas metodológicos da sociologia do catolicismo. Cultura e

situação racial no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, p.165-194.

BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário histórico geográfico de Minas Gerais. Belo

Horizonte: Itatiaia, 1971.

BARTH, Fredrik. Os grupos étnicos e suas fronteiras. In: LASK, Tomke (org.). O Guru, o

iniciador e outras variações antropológicas. – Fredrik BARTH. Tradução de John CUNHA

Comerford. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000, p. 25-67

BASTOS, Rafael José de Menezes. Etnomusicologia no Brasil: algumas tendências hoje. In:

Antropologia em Primeira Mão. Florianópolis, Santa Catarina: UFSC, 2004.

Page 135: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

134

BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um

manual prático. Tradução de Pedrinho A. Guareschi. 5. Petrópolis: Vozes, 2002.

BÉHAGUE, Gerard. Performance practice: ethnomusicological perspectives. Westport:

Greenwood Press, 1984.

BLACKING, John. How music is man? 5. ed. London: University of Washington Press,

1995a.

_____. Music, culture, and experience. In: BYRON, Reginald (Ed). Music, culture, and

experience: selected papers of John Blacking. London: The University of Chicago Press,

1995b. p. 223-242.

BOHLMAN, Philip V. Ethnomusicology: post-1945 developments. In: MACY, L. (Ed.). The

New Grove Dictionary of Music Online. Disponível em: http://www.grovemusic.com. Acesso

em: 20 de Jan. 2003.

BOZON, Michel. Práticas musicais e classes sociais: estrutura de um campo local. Em Pauta, V. 11,

N. 16-17, abr./Nov. Porto Alegre: PPG-Mus/UFRGS, 2000, p. 147 – 174.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A Folia de Reis de Mossâmedes. Cadernos de Folclore nº 20.

Rio de Janeiro: Arte-FUNARTE, Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro, 1977.

_____. A cultura da rua. Campinas: Papirus, 2. ed. 2001.

_____. Memória do Sagrado: estudos de religião e ritual. São Paulo: Paulinas, 1985.

_____. Os deuses do povo: um estudo sobre a religião popular. 2 ed. São Paulo: Brasiliense,

1986.

_____. O Divino, o santo e a senhora. Rio de Janeiro: Funarte, 1975.

_____. O que é folclore. São Paulo: Brasiliense, 1989. (Coleção Primeiros Passos).

_____. Sacerdotes de Viola: rituais religiosos do catolicismo popular em São Paulo e Minas

Gerais. Petrópolis: Vozes, 1981.

BRANDÃO, Théo. Quilombo. Caderno de Folclore. n. 28. Rio de Janeiro, 1978.

CAMBRIA, Vincezo. A fala que faz: música e identidade negra no bloco afro Dilazenze.

Revista Antropológica. Vol. 17 (1), 2006.

_____. Novas estratégias na pesquisa musical: pesquisa participativa e etnomusicologia. In:

Música em Debate: perspectivas interdisciplinares. Rio de Janeiro: Mauad Editora Ltda, 2008.

CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Antropologia e moralidade. In: Revista Brasileira de

Ciências Sociais, n° 24, ano 9, fevereiro de 1994, p. 110-121.

CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Identidade Étnica, Identificação e Manipulação. In:

CARDOSO DE OLIVEIRA, Roberto. Identidade, Etnia e Estrutura Social. São Paulo:

Livraria Pioneira Editora, 1976, p. 1-31.

Page 136: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

135

CARVALHO, Vaílton L de. História do rio São Francisco. Salvador: Seplantec/CPE, 1981.

CASCUDO, Luis da Câmara. Antologia do folclore Brasileiro. São Paulo: Livraria Martins

Editora, 1956, p. 628.

_____. Dicionário do folclore brasileiro. 10. Ed. São Paulo: Global, 2001.

CEDEFES. CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO ELÓY FERREIRA DA SILVA (org.).

Comunidades quilombolas de Minas Gerais no séc. XXI: História e Resistência. Belo

Horizonte: Autêntica; CEDEFES, 2008.

COSTA, João Batista de Almeida. Agreste e Brejo dos Crioulos: situações desiguais no

território negro da jahyba. Trabalho apresentado na 26ª Reunião Brasileira de Antropologia,

2008.

________. A Reescrita da História: A valorização do negro e a atualização de relações

ancestrais no norte de Minas. In: Revista Verde Grande 1(2): Montes Claros, 2005.

________. Brejo dos Crioulos e a Sociedade Negra da Jaíba: novas categorias sociais e a

visibilização do invisível na Sociedade Brasileira. In Pós – Revista Brasiliense de Pós-

Graduação em Ciências Sociais, Ano V, 2001, p 99-122.

________. Do tempo da fartura dos crioulos ao tempo de penúria dos morenos: a identidade

através de um rito em Brejo dos Crioulos (MG). Dissertação de Mestrado. Brasília: Unb,

1999.

________. Saber-se quilombola, ser quilombola: o enredamento de Brejo dos Crioulos (MG)

nas tramas do aparelhamento estatal. Florianópolis: IV Reunião de Antropologia do Mercosul,

GT1 Laudos Antropológicos, 2003, (mimeo).

COSTA FILHO, Aderval. Laudo de Identificação e Delimitação Territorial do Quilombo do

Gorutuba (Norte de Minas Gerais). Ministério da Cultura: Fundação Palmares. Brasília,

2005.

CUNHA, Manuela Carneiro da. Etnicidade: da cultura residual mas irredutível. In:

Antropologia do Brasil: mito, história, etnicidade. São Paulo: Brasiliense, 1986. p. 97-108

DAMATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e Heróis. São Paulo: Rocco, 1979.

________. O que faz o Brasil, Brasil. 8. Ed. São Paulo: Rocco, 1986.

DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Martins Fontes,

2003.

ELLINGSON, Ter. Transcription. In: MYERS, Helen (Edit). Ethnomusicology: historical

and regional studies. London: The Macmillan Press, 1992. p.110-152.

FELD, Steven. Sound and Sentiment: Birds, Weeping, Poetics, and Song in kaluli

Expression. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1982.

Page 137: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

136

FINNEGAN, R. The hidden musicians: making-music in an English town. Cambridge:

Cambridge University Press, 1989.

FONSECA, Graziano Leal. Moral e códigos de conduta na comunidade negra rural de

Agreste. 2008. 63 f. Monografia (Ciências Sociais). Universidade estadual de montes Claros,

Montes Claros, 2008.

FRANÇA, Junia Lessa; VASCONCELLOS, Ana Cristina de. Manual para Normalização de

Publicações Técnico Científicas. 8. Ed. Belo Horizonte: UFMG, 2007.

FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Sistematização Nacional das Comunidades

Remanescentes de Quilombo. In: Revista Palmares 5, Brasília: Fundação Cultural Palmares,

2000, p. 10-44.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.

________. O saber local – novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis: Vozes,

1998.

GIDDENS, Anthony. Sociologia. Porto Alegre: Artmed, 2005, p.38-45.

GUIMARÃES, Carlos Magno. Mineração, Quilombos e Palmares. In: Liberdade por um fio:

história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. Ed. Rio de Janeiro: DP&A,

2006.

________. Da diáspora. Identidade e mediações culturais. Belo Horizonte: Editora UFMG,

2003.

HERNDON, Márcia; McLeod, Norma (Org.). The Ethnographybof Musical Performance.

Noorwood: Norwood Editions, 1980.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manuel de Mello

(Ed.). Emanação. In: Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro:

Objetiva, 2001. (1 CD Rom).

______. Símbolo. In: Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro:

Objetiva, 2001. (1 CD Rom).

HOOD, Mantle. Music, the Unknown. En: F. Harrison, M. Hood & C. Paliska (eds),

Musicology. Westport: Greenwood Press, 1963.

______. The ethnomusicologist. Nova York: McGraw-Hill, 1971.

IKEDA, Alberto T. Folias de Reis, Sambas do Povo; Ciclo de Reis em Goiânia: tradição e

modernidade. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Senri Ethnological

Reports 1, 1994.

Page 138: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

137

KIMO, Igor Jorge. Música, Ritual e Devoção no Terno de Folia de Reis do Mestre Joaquim

Pólo. 2006. Dissertação. 216 f. (Mestrado em Música). Universidade Federal de Minas

Gerais, UFMG. Belo Horizonte, 2006.

LANDA, Enrique Cámara. Etnomusicologia. ICCMU. Colección Música Hispana. Madri,

Espanha, 2003.

LUCAS, Maria Elizabeth; ARROYO, Margarete; STEIN, Marília; PRASS, Luciana. Entre

congadeiros e sambistas: etnopedagogias musicais em contextos populares de tradição afro-

brasiliera. Revista da FUNDARTE, Montenegro, n. 3, 2003, p. 4-20.

LUCENA, I. T. OLIVEIRA. M. A. & BARBOSA, R. E. (orgs). Análise do discurso: das

movências de sentido às nuanças do (re) dizer. João Pessoa: Idéia, 2004.

LÜHNING, Ângela. Etnomusicologia brasileira como etnomusicologia participativa:

Inquietudes em relação as músicas brasileiras. In: Musicas africanas e indígenas no Brasil.

Belo Horizonte. Editora UFMG, 2006, p. 37-55.

______. Métodos de Trabalho na Etnomusicologia: reflexões em volta de experiências

pessoais. Revista de Ciências Sociais. Fortaleza, 1991, p. 105 – 126.

______. Música: palavra chave da memória. In: Ao encontro da Palavra Cantada: poesia,

música e voz. Rio de Janeiro: 7 letras, 2001.

MATOS, Cláudia Neiva de; MEDEIROS, Fernanda Teixeira de; TRAVASSOS, Elizabeth

(organizadoras). Ao encontro da palavra cantada: poesia, música e voz. Rio de Janeiro: 7

letras, 2001.

MAURÍCIO, João Valle. Caminhos do Boi III. In: Janelas do Sobrado. Memórias. Montes

Claros: Arapuim, 1995.

MEIHY, José Carlos Sebe; HOLANDA, Fabíola. História Oral: como fazer como pensar.

São Paulo: Editora Contexto, 2007.

MENDES, Jean Joubert F. Música e religiosidade na caracterização identitária doTerno de

Catopês de Nossa Senhora do Rosário do Mestre João Farias em Montes Claros – MG. 2004.

202 f. Dissertação. (Mestrado em Música na área de concentração em Etnomusicologia).

Universidade Federal da Bahia, UFBA, Salvador, 2004.

MERRIAM, Alan P. 1977. “Definitions of „Comparative Musicology‟ and „Ethnomusicology‟: An

Historical - Theoretical Perspective”. Ethnomusicology 21: 189–204.

______. The anthropology of music. Evanston: Northwester University Press, 1964.

MOURA, Clóvis. Brasil: as raízes do protesto negro. São Paulo: Global, 1983.

MUNANGA, Kabengele; GOMES, Nilma Lino. O Negro no Brasil de Hoje. São Paulo:

Global Editora, 2006.

MURPHY, John Patrick. Cavalo Marinho Pernambucano. Belo Horizonte: UFMG, 2008.

Page 139: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

138

MYERS, Helen. Ethnomusicology: an introduction. New York: W.W. Norton e Company,

1992.

NERI, Renato Aquino. Três faces de uma organização social: Parentesco, Casamento e

Compadrio. Montes Claros. 2008. 115f. Monografia (graduação em Ciências Sociais)

Unimontes: Montes Claros, 2008.

NETTL, Bruno et al. Excursions in world music. 2. ed. New Jersey: Prentice Hall, 1997.

______. Theory and method in ethnomusicology. New York: The Free Press, 1964.

______. The study of ethnomusicology: twenty-nine issues and concepts. Urbana, Illinois:

University of Illinois Press, 1983.

O‟DWYER, Eliane Cantarino (Org). Quilombos: Identidade étnica e territorialidade. Rio de

Janeiro: Editora UFV, 2002.

OLIVEIRA, Bernardo Macedo. Representações étnicas em Agreste: marcadores da identidade

coletiva. 2007. 94 f. Monografia (Ciências Sociais). Universidade Estadual de Montes Claros,

UNIMONTES, Montes Claros, 2007.

OLIVEIRA, Fátima O. de; WERBA, Graziela C. Representações Sociais. In: Strey, Marlene.

(et al.). Psicologia social contemporânea: livro texto. Petrópolis: Vozes: 1998.

OLIVEIRA, Pedro A. Ribeiro de. O catolicismo popular: tradicional, privado e da libertação.

In: CEB’s; Vida e esperança nas massas. São Paulo: Editora Salesiana Dom Bosco, Texto

Base, 9º Encontro Intereclesial-São Luiz, MA, 1997.

______. Religião e Dominação de Classe: Gênese, Estrutura e função do catolicismo

romanizado no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1985.

______. O catolicismo do povo. In A religião do povo, Cadernos Studium Theologicum,

Curitiba: Editora Ave Maria, 1976.

OLIVEIRA. Simone G. de. Folia de Reis: fé e festar entre a tradição e a modernidade. In:

PEREIRA, Mabel Salgado; CAMURÇA, Marcelo Ayres. 89 (Drgs). Festa e Religião:

imaginário e sociedade em Minas Gerais. Juiz de Fora: Templo, 2003, p. 23-38.

OLIVEIRA, Fátima O. de; WERBA, Graziela C. Representações Sociais. In: Strey, Marlene.

(et al.). Psicologia social contemporânea: livro texto. Petrópolis: Vozes: 1998.

PRASS, Luciana. Saberes musicais em uma escola de samba: uma etnografia entre os

Bambas da Orgia. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2004.

______. Tambores do Sul: um projeto etnomusicológico e videográfico sobre as práticas

musicais em comunidades remanescentes de quilombos no RS. In: VII Reunião de

Antropologia do Mercosul (RAM), 2007. Porto Alegre. Anais da VII RAM. Porto Alegre:

UFRGS, 2007.

Page 140: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

139

PEREIRA, Mabel Salgado; CAMURÇA, Marcelo Ayres (orgs). Festa e Religião: imaginário

e sociedade em Minas Gerais. Juiz de Fora: Templo Editora, 2003.

PORTO, Guilherme. As Folias de Reis no Sul de Minas. Rio de Janeiro:

MEC/SEC/FUNARTE - Instituto Nacional de Folclore, 1982.

PINTO, Tiago de Oliveira. Som e Música: questões de uma antropologia sonora. In: Revista

de Antropologia, 44(1). São Paulo: USP, 2001.

QUEIROZ, Luís Ricardo Silva. Performance musical nos ternos de Catopês de Montes

Claros. 2005. 236 f. Tese (Doutorado em Música na área de concentração em

Etnomusicologia). Universidade Federal da Bahia, UFBA, Salvador, 2005.

RAMOS, Donald. O quilombo e o sistema escravista do século XVIII. In: Liberdade por um

fio: história dos quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

REILY, Suzel Ana. Voices of the Magi: enchanted journeys in southeast Brasil. The

University of Chicago Press: Chicago & London, 2002.

REIS, João José; GOMES, Flávio dos Santos (Org.). Liberdade por um fio: história dos

quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

SANTOS, Maria A. G. dos; CAMARGO, Pablo M. CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO

ELÓY FERREIRA DA SILVA - CEDEFES (org.). Comunidades quilombolas de Minas

Gerais no séc. XXI: História e Resistência. Belo Horizonte: Autêntica, 2008.

SEEGER, Antthony. Ethnography of Music. In: MYERS, Helen. Ethnomusicoly: an

introduction. Londres, The MacMillan Press, 1992.

______. Music and dance. In INGOLD, Tim (ed.). Companion Encyclopedia of

Anthropology. London and New York: Routledge, 1994, p. 687-705.

______. Why Suyá Sing: A Musical Anthropology of an Amazonian People. Cambridge

University Press, 1987, 147 p.

SHILS, Edward. Tradition. London and Boston: Faber & Faber, 1981.

SILVA, Maria Luiza dos Santos. A Folia de Reis da Família Corrêa de Goianira: uma

manifestação da religiosidade popular. 2006. 100 f. Dissertação (Mestrado Profissional em

Gestão do Patrimônio Cultural). Universidade Católica de Goiás, 2006.

SILVA, Nayara Alvim. Quilombo do Agreste: religiosidade negra no Norte de Minas. 2008.

99 f. Monografia. (Ciências Sociais). Universidade Estadual de Montes Claros,

UNIMONTES, Montes Claros, 2008.

SILVA, Vagner Gonçalves da. Observação participante e escrita etnográfica. In: FONSECA,

Maria Nazareth Soares (Org.). Brasil afro-brasileiro. Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p.

285-306.

Page 141: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

140

SILVEIRA, Andréia C. Estudo e análise da construção do Projeto Político Pedagógico da

escola localizada na comunidade quilombola de Agreste. 2009. 74 f. Monografia (Pedagogia).

Universidade Estadual de Montes Claros, UNIMONTES, Montes Claros, 2009.

SOLOMON, Thomas. Mountains of Song: Musical Constructions of Ecology. Place and

identity in Highland Bolivia. Ph.D. dissertation (Anthropology), University of Texas, Austin.

University Microfilms International, N. 9813131, 1997.

STOCKING JR., George W. Observers Observed: Essays on Ethnographic Field Work.

Madison. The University of Wisconsin Press, 1983.

STOCKING JR., George W. Theory and method in ethnomusicology. New York: The Free

Press, 1964.

STOKES, Martin. Introduction: Ethnicity, Identity and Music. In: Ethnicity, Identity and

Music: The Musical Construction of place. Edited by Martin Stokes, 1 – 27. Oxford: Berg,

1994a.

TINHORÃO, José Ramos. Música popular de índios, negros e mestiços. 2.ed. Petrópolis:

Vozes, 1972, p. 204.

______. TINHORÃO, José Ramos. Os sons dos negros no Brasil: cantos, danças, folguedos,

origens. São Paulo: Art Editora, 1988, p. 138.

TURNER, Victor. From ritual to theatre: the human seriousness of play. New York: PAJ

Publications, 1982.

_____. O processo ritual. Petrópolis: Vozes, 2005.

_____. The anthropology of performance. New York: PAJ Publications, 1988.

XAVIER, Silézia Soares F. A Valorização da identidade Negra pela Escola. 2008. 43 f.

Monografia (Pedagogia). Universidade Estadual de montes Claros, UNIMONTES, Montes

Claros, 2008.

ZALUAR, Alba. Os santos e as suas festas. In: Religião e Sociedade. São Paulo: Cortez

Editora, vol. 8, p. 53-60, 1982.

Page 142: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

141

ANEXOS

Letras dos Cantos – Transcritas pelo filho do Mestre da Folia de

Reis de agreste

Canto a São Sebastião

Page 143: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

142

Page 144: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

143

Canto a Nossa Senhora Aparecida

Page 145: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

144

Entrevistas

Entrevistas realizadas durante a pesquisa de campo na Comunidade Quilombola

Agreste.

1ª Entrevista

Data: 20 de Janeiro de 2009

Nome: Aureliano Rodrigues Gonçalves. Seu Lero. (O Mestre da Folia de Reis de agreste).

Idade: 71 anos.

1) Seu Lero, bom dia e obrigado pela entrevista. A quanto tempo acontece a Reza e a

Folia de Reis no dia 20 de Janeiro, aqui no Agreste?

R: Comecei quando eu morava na Vereda a partir de 1973 quando eu mudei pra cá.

2) Essa Reza é finalizando a Folia de Reis, é o arremate?

R: É finalizando. Eu fiz uma promessa, eles até dançava lá, mas eu não gostei e cortei,

veio os foliões do Agreste, Versol me colocou na Folia dele e continuamos, quando ele

faleceu entrou o Luisim, que era Folião dele, tomou conta do terno de Folia e eu

acompanhei durante o tempo que ele teve aqui. Depois ele foi pra Jaiba, entrou pra outra

Igreja e então pra não acabar eu tomei frente, pedi ele as cópia do canto e fui estudando e

decorei os cantos e continuei muito tempo até os folião companheiro deu pra bagunçar,

beber muito, sair fora do ritmo, eu ia aconselhava eles e eles brigavam comigo. Zé Nunes

mesmo brigou, disse que não ganhava dinheiro pra ficar com a boca arreganhada, e eu

falei, não quer arreganhar a boca você fecha, costura, mas se você não quer, não vai, sai

fora.

3) E essa Reza, você faz para quais os Santos?

R: São Sebastião, meu padroeiro, Santos Reis e Nossa Senhora Aparecida, tudo no dia de

hoje.

4) E geralmente são quantos músicos, os tocadores que participam da Folia?

Page 146: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

145

R: Antigamente nós era oito folião.

5) E quais os instrumentos?

R: Viola, violão, rebeca, a caixa, pandeiro...hoje não tá tendo mais nem folião, só tá tendo

eu e os três Reis Magos né?

6) E o Senhor reza três Terços né?

R: Um para Mosto São Sebastião, o segundo para Santos Reis e o Terceiro para Nossa

Senhora Aparecida.

7) Como é que é feita a Reza dos Terços, é a noite, de dia? Começa de dia, vai para

noite?

R: Não tem escolha, o ano passado nós rezamos de dia, três horas da tarde, nós

terminamos a noite, no ano atrasado, nós amanhecemos o dia, veio meus parente de Sete

Lagoas, meu filho de Montes Claros e nós amanhecemos o dia, quando tem folião nós

amanhece o dia, quando não tem termina cedo, reza de dia e termina de dia mesmo.

8) E os cantos Seu Lero?

R: Pra cada um Santo tem um canto, o canto pra São Sebastião, Santos Reis e Nossa

Senhora Aparecida, pra cada santo um canto, é devoção, tradição.

9) E esses cantos você pegou com Versol?

R: Eu só peguei de Santos Reis, pra falar a verdade ele não sabia os cantos de Nossa

Senhora Aparecida e nem de São Sebastião, ele cantava assim, falava no Santo, pra

oferecer pra imagem e tal, mais ele não sabia os cantos, depois com os anos que eu pedi a

cópia dos cantos e trazia os folião do Jacaré pra cá.

10) E essa reza costuma durar quanto tempo?

Page 147: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

146

R: Não tem tempo, é até eu agüentar, a hora que eu não agüentar acabou, enquanto o

povo me segue ia até amanhecer o dia.

11) E o leilão, me parece que tem um leilão, ele é após a reza?

R: É depois da reza, o ano passado ainda teve. Eu tenho um livrim com a foto que

explica, por trás é oferecido a São Sebastião, o livrim explica que na tradição antiga,

antiga, (enfatiza a palavra antiga) o povo oferecia porco, galinha pra São Sebastião, ele era

o Santo que combatia a peste, a guerra, a doença. É a fé que cura. Eu peguei essa

promessa na Vereda Viana e peguei com Deus, ele é um Santo muito milagroso.

12) E essa reza acontece sempre dentro da casa do Senhor?

R: Sempre, é aqui na minha casa.

13) E vem gente de fora?

R: Vem...ano passado veio muita gente de fora, esse ano eu tô muito sem graça, muita

gente que ia vim e não pode, tô muito sem graça.

14) Agora aqui no Agreste, Seu Lero, tem algumas manifestações tradicionais que

acontecem aqui, a reza do Senhor e qual mais?

R: Só Elpidão, ali, costuma rezando dia 12 de Outubro, Festa de Nossa Senhora

Aparecida, mas no mais acabou. O Versol rezava dia 13, pra Santa Luzia, morreu, acabou,

teve um véi, o Francisco que também rezava pra Santa Luzia, morreu, acabou, tudo no dia

13. Tinha o Oliço ali que rezava dia 11 de Outubro. Acabou, parou...os festeiro só eu e

Elpidão.

15) No meio do ano tem as Festas Juninas né?

R: Mas é festa de Igreja né? Vem padre, Junho e Setembro, na primeira semana de Junho.

Primeiro era 8 de Junho e 8 de Setembro, agora passou para primeiro de Junho e primeiro

de Setembro, é conforme o primeiro sábado do mês.

Page 148: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

147

16) Então o Senhor acredita que essa tradição no Agreste acabou porquê?

R: Uns faleceram, Versol e Francisco, os que tão aqui parou tudo...é falta de fé né? O

folião hoje muda muito, esse negócio de Igreja, lei, muda muito, uns vão na Igreja, outros

deixa de ir na Igreja, cada um faz o que quer. Mas o folião aqui ta acabando...ta, ta

acabando, pode dizer que ta acabando...eu mesmo não vou correr aqui atrás de quem não

quer mais não, to ficando véi da batalha e não tem outro que serve, então ta terminando.

17) E o Senhor acha importante manter essa tradição?

R: A...deveria, eu acho. Eu achei no mundo, aqui eu deixo, não foi eu que plantei, foi os

Três Reis Magos né? Os primeiros que foram visitar Jesus, então acho que não deveria

acabar não, continuar, como eu já dei muita tradição pra muitos ai. Na Vereda mesmo eu

plantei uma folia lá, que tava bonita demais, eles começou aqui comigo, eu trazendo eles

aqui pra folia mais eu. E pra falar a verdade, eles tava melhor do que eu, mas acabou eles

brigando lá, foi na Nossa Senhora Aparecida mesmo, um quebrou a rebeca na cabeça do

outro e virou uma cachorrada e acabou a tradição. Já tem maconheiro no meio. Eu só ando

na coisa certa, se num seguir a coisa certa num tem jeito. O Zé Nunes mesmo, folião mais

véio, podia me aconselhar e ajudar, mas num foi.

18) Então o Senhor é o Mestre da Folia daqui há mais de trinta anos?

R: Infelizmente só tem eu, só tem eu, mais ninguém.

19) Mas o Senhor não pensou em ensinar isso aos mais novos?

R: Ninguém quer não, não vou falar mal dos outros, nem meus filhos quis, então não

adianta, o melhor das cartas é não jogar né? Então ninguém quer.

20) E hoje, vai começar que horas?

R: Não tem precisão não, tem uma filha minha que ficou de chegar, deve tá por aí. É de

meio dia em diante, antes eu sei que não vai começar.

Page 149: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

148

21) O Senhor monta a Lapinha aqui na sua casa?

R: É o oratório.

22) E a reza é em frente ao oratório?

R: É em frente ao oratório.

23) E todo mundo ajuda a montar?

R: É minhas filhas, minha nora, as rezadeira.

24) Seu Lero, e os músicos que acompanham o Senhor?

R: Já falei acabou, não existe mais ninguém, acabou. No ano passado eu coloquei até

muié pra me ajudar.

25) E chega a ensaiar antes?

R: De primeiro tinha, mas depois eles ia fazer errado, eu ia reclamar e eles brigavam

comigo, tinha de seguir o que eles queria, para fazer errado, do modo que eles queria eu

não queria, saí fora. Queria acompanhar as tradição com que eu aprendi e me explicava,

como que era o sistema da folia, mas eles não queria me seguir. Tinha um corião nosso

aqui, era o Luisim, e o Imperador era outro Luis. Nós saía pra folia e cantava três dias na

vizinhança, dava o manifesto no dia 24 pra 25, parava, no dia primeiro de Janeiro nós

entrava cantando, tirando esmola. Até na Vereda nós foi na folia. Até o dinheiro que tirava

ganhava de esmola. Frango, tudo, não tinha dinheiro dava um frango, e dava uma festa no

dia 6. Ia de casa em casa. Pra mim acabou-se. Não tem assunto de folia mais não, não tem

folião, mas se pintar algum ai nós faz né? Tomara que dê certo.

26) Com relação aos instrumentos, algum era feito aqui ou era comprado?

Page 150: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

149

R: Comprado. O que eles fazia aqui é os pandeiro, de couro de veado e cotia. A caixa

também, eles fazia aqui na Vereda. Zé Nunes deve ter uma aí.

2ª Entrevista

Entrevista com Zé Nunes. Um dos Foliões mais antigos de Agreste.

Nome: José Nunes dos Santos. (Um dos foliões mais antigos da comunidade).

Idade: 78 anos.

1) O Senhor é um dos primeiros foliões aqui de Agreste?

R: De ajudante já sou bem velho né? Porque quando eu nasci, quando eu tava criando,

tinha um Terno que era do meu avô Filisbino, depois o outro terno e o folião chamava

Joaquim de Souza, que era tio de minha muié, depois entrou o Versol, que era residente

daqui, e eu depois de Versol pra cá eu fuliei toda vida, uns 20 anos.

2) E o Senhor tocava qual instrumento?

R: Caixa, e até hoje...teve um tempo que eu afastei da folia, o povo foi morrendo, aí eu

encostei a caixa. Tava muito véia e enfraqueceu né? Lero tem viola, violão, agora eu

acompanho com a de Lero. Agora depois de Versol foi meu cunhado, ele não mora aqui não,

mora em Itacambira. Chama Luís. Agora depois dele Lero entrou, pra Lero não falar mal, a

folia aqui tá parada, porque Lero é assim, ele falta, mas qualquer falta dos outro e descobre e a

dele ele escapa e o povo não gosta disso e afasta. Folia agora só no dia 20 de Janeiro. O povo

canta guaiano, sapateia, Lero é bom festero, é boa pessoa só é nojento né? Mas ele é boa

pessoa. Todo ano nós brinca muito lá. Quando aparece os companheiro certo, não tem os

companheiro certo mais né? Às vezes é um que arrisca fazer e não sabe e descontrola né?

Agora mesmo, hoje pelo menos tem um que está internado em Montes Claros, o Preto, só tem

eu e Lero mesmo, se aparecer faz se não, ninguém sabe nem se tem.

3) Essa reza é muito antiga não é?

Page 151: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

150

R: É, toda vida, já tem uns vinte anos, desde que ele mudou pra qui, e continuou a mesma

coisa, todo ano, todo ano.

4) E quantos foliões costumam participar da folia?

R: Bom...os folião tem que ser a base certa né? Tem que ser quatro pessoa, a folia mesmo

tem que ser quatro, agora pra fazer a assistência tem que ser oito pessoa, até oito pessoa,

agora se não tiver pode ser até quatro pessoa.

5) E quais são os instrumentos?

R: Viola, caixa, violão, pandeiro, rebeca, e o instrumento é esse. Aqui já foi muito bom,

pra folia era uma festa arrumada, agora acabou, nós era em oito folião, agora morreu

quase todos né? Já morreu quase todos..meu irmão era bom demais pra cantar, não sabia

tocar, não tocava não, mas era...ele batia pandeiro bom demais, morreu, tinha o Versol,

era o chefe da folia, morreu, tinha do nome Ciciano, morreu, seu Luis, morreu, os folião

véio morreu tudo né?

6) E os mais jovens, você não costuma ensinar as mais jovens?

R: O povo não quer moço, até quer, mas ocê sabe, é o que eu to falando com ocê, é o

modo de Lero, ele podia ensinar, até motivar o que tem vontade né? Mas ele não tem

paciência, aquilo qualquer é reclamado da pessoa, a pessoa vai, abusa e nem beira e vai

acabando né?

7) E aqui, por exemplo, nas tradições aqui, nas festas, foram acabando, tinha outras

tradições que foram acabando com o tempo, quais destas que o Senhor lembra e que

acabaram com o tempo?

R: Bom, óia, quando eu me conhecia por gente, as folias aqui era mês de Junho, festa da

Igreja né? Começava dia primeiro, ia até dia treze, era treze dia de festa, todo dia eles

rezava, e cantava e dançava, o povo morava mesmo ai..

8) Tinha o Batuque aqui?

Page 152: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

151

R: Demais, demais...tinha Batuque a noite inteira, tinha tal cana verde..

9) Cana Verde? É uma Dança?

R: É uma dança, é uma dança das moça, as muié mais véia, ia batucar, aqueles homem e

aquelas moça ia. Essa cana verde eles chamava de cantiga de roda, dança de roda, pegava

o vulto e enchia aquela roda assim ó..(apontando para o terreiro).

10) E hoje não tem mais?

R: Agora, hoje acabou tudo isso, batuque também acabou, o povo começa ali, mas não é

como era não, se formar o batuque entra muita gente, mas não faz que nem fazia. Naquele

tempo o povo dançava mesmo o batuque, aqui no Arapuim tem, o povo ainda tem. La tem

um lugar que chama Caxambu, o povo é doido, dança, mas dança mesmo, e Arapuim,

Jaiba, era a gema do batuque, era lá...Agora, aqui tinha as dança de sala que eles chamava

era bailo, e o bailo era brincar mesmo, beber cachaça, jogar baralho, jogar tudo,

caipira...naquele tempo não tinha outro jogo não, era caipira, aquelas das pedrinha, e

baralho...naquele tempo o jogo era esse, não tinha sinuca, as luz das festa era candeia de

cera de abelha, não tinha vela não, toda vida tem vela mas é pouca, era pegar a cera de

abelha no mato, e ajeitava, fazia aqueles rolo, cortava assim, um dia tinha duas mil pessoa,

todo mundo com uma candeia na mão, então foi mudando tudo..

11) E o que acontece hoje? O que o Senhor vê, percebe? Qual o divertimento hoje?

R: Divertimento hoje tem, é a força, naquele tempo era sanfonero, pé de bode, quatro

baixo, oito baixo, hoje é no sol, cerveja..naquele tempo era cachaça, era só brincadeira

mesmo, não tinha cerveja, era cachaça, era a bebida do povo, quem bebia, a cachaça,

bebeu, quem não bebia, não bebia nada, não tinha refrigerante...Agora as dança, as dança

inclusive conforme era, é cada vez mais o povo aprendendo mais, quando é pra fazer um

forró ai, enche de gente né? Agora deferençô também os tipo de dança né? Antigamente o

povo dançava num sistema e hoje é de outro, o forró hoje tá mesma coisa de lambada né?

Antigamente o povo era mais grosseiro, num sabia disso não, chamava era forró,

tal...música assim, assim, falava ...eles não sabia disso não, até o nome das música deles

Page 153: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

152

era diferente, de primeiro era um tal de sorteio, mazurca, era um tal de calango, o nome

era assim...hoje não tem mais.

12) Hoje eles ligam o som né?

R: Hoje tem o bar Esquema, o ponto de seu Lero, Cassiano. Sábado e Domingo eles liga o

som, na semana não tem não..Hoje eles não abrem não, hoje é dia de Santo, dia de São

Sebastião, ai eles não abre não, e então vai levando aí...A folia, os canto, tudo tem que...os

cara certo que canta junto, se entra outro não sai bem, responde direito...quando tá

acostumado não, sabe tudo, o que um fala lá, outro responde..

13) E o Senhor canta também?

R: Eu só acompanho, Lero é que guia, eu só acompanho...cada canto tem um sistema, até

o batido da viola, tudo tem interferência, tem uns mais avexado, outros mais compassado,

mas o canto de Reis, praticamente só faz pra aquele Santo, o som é um som, agora você

tem que agradecer pra aquele Santo que é o dia dele né?

14) Seu Zé Nunes, tem também as festas Juninas não é?

R: É no mês de Junho, no primeiro final de semana, abre a Igreja, o Padre é de São João

da Ponte, todo sábado e domingo tem leilão, vem o Padre, celebra missa, casa gente,

levanta a bandeira, pra Santo Antônio.

15) E tem folia nesta época?

R: Não tem não, nessa festa tem muita é dança, essas coisa, farra.

16) E em outubro tem a Festa de Nossa Senhora Aparecida?

R: Alguns festeja.

17) E tem folia também?

Page 154: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

153

R: Não, na Vereda tem folia, lá tem um bocado de gente que reza lá e canta Reis, agora

por aqui quando aparece, não tem folia, só dança mesmo, é 12 de Outubro, de 11 pra 12,

uns faz 11, outros faz 12, não tem folia não, só dança, esses negócio..tem Santa Luzia

também que proteja as vista da pessoa né? Muita gente reza..

Page 155: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

154

Relatório do PNNM – Escolha da Comunidade Agreste

Universidade Estadual de Montes Claros

Pró-Reitoria de Extensão

Mestrado em Desenvolvimento Social

Projeto de Extensão

“Negros do Norte de Minas: identidade, cultura e educação étnica em uma

comunidade quilombola”

Relatório de Viagem 1

Montes Claros, maio de 2006

Page 156: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

155

RELATÓRIO DE VIAGEM

Data: 06 e 07 de maio de 2006

Professores participantes:

-Cláudia de Luz

-João Batista Almeida

-Luciano Sarmento

-Maria Helena Ide (Bárbara)

-Maria Railma Alves

-Mônica Amorim

Localidades visitadas71

:

a) Município de Janaúba: Distrito de Quem-Quem

b) Município de São João da Ponte: Distrito Agreste e Comunidade Vereda Viana

c) Município de Capitão Enéas: Bairro Sapé

Objetivo

Localizar e selecionar comunidade quilombola para desenvolver atividade de pesquisa e

extensão.

Relatório

O presente relatório se estrutura em duas partes. Na primeira são descritas impressões

gerais das localidades visitadas e os contatos que foram estabelecidos; na segunda são

apresentados relatos específicos das percepções de cada grupo de professores, que

compõe a equipe interdisciplinar do projeto, sobre a comunidade selecionada.

71

A escolha das localidades a serem visitadas foi resultado de consulta anterior feita pelo prof. João Batista a

lideranças rurais que apontaram lugares habitados por população composta, em sua maioria, por pessoas negras.

Page 157: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

156

Descrição da viagem e dos contatos estabelecidos

06/05/06

Distrito Quem-Quem, município de Janaúba

Chegamos à comunidade pela manhã. A primeira providência foi identificar pessoas de

referência que pudesse nos passar algumas informações básicas sobre a comunidade e sobre

pessoas mais velhas que fossem portadoras da memória da localidade.

Iniciamos o contato com uma pessoa que abordamos na rua, a qual nos indicou a casa da

professora Fatinha. Ela nos recebeu de forma muito aberta e se dispôs a relatar, de modo

geral, a história do distrito, apontando em sua fala pessoas mais velhas de referência na

comunidade.

Visitamos também duas senhoras anciãs, apontadas pela professora. Elas não acrescentaram

informações novas ao que já havíamos coletado. Uma terceira senhora, também mais velha

não quis nos receber. Ficou do terreiro nos observando, mas não sentiu confiança em

estabelecer contato. Fomos à casa de uma benzedeira, dona Tina. Ela é muito procurada pela

população para rezar as pessoas que estão com espinhela caída.

Foi possível perceber que parte da população de Quem-Quem é composta de pessoas que

possuem características de população de descendência africana. Porém, foi possível também

perceber, andando pelas ruas, que a população negra e branca é muito misturada, não

havendo, a primeira vista, uma concentração significativa de população afro-descendente.

Distrito de Agreste, município de São João da Ponte

Usando a mesma estratégia de Quem-Quem, procuramos contato inicial com pessoas mais

velhas e com o presidente da Associação de Moradores, seu Tito.

O grupo se dividiu. As professoras Bárbara (Maria Helena), Railma e Mônica foram

conversar inicialmente com a professora Maria Luisa, a qual apontou o senhor João Souza

como uma referência importante por ter sido criado pelo falecido Versol, que foi uma pessoa

chave na comunidade.

Page 158: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

157

Os professores João Batista, Claúdia e Luciano fizeram contato com o senhor José Nunes,

uma pessoas mais velha, conhecedora da história da comunidade e com o Presidente da

Associação de Moradores, senhor Tito.

Os contatos permitiram levantar algumas informações iniciais importantes sobre a história da

comunidade.

O distrito de Agreste possui uma população mais homogênea em termos de grupo étnico. É

perceptível uma presença maior de pessoas com características afro-descendente. Em termos

fundiários, a região apresenta uma grande concentração de terras em mãos de fazendeiros. A

localidade está rodeada de grande fazendas, de forma que a população possue somente seus

terreiros ligados à casa, onde cultivam temperos, ervas, verduras, frutas e criam pequenos

animais. Não há sequer um pequeno pedaço de terra para se fazer uma horta comunitária,

conforme depoimento do presidente da Associação de Moradores. A comunidade está ilhada.

Comunidade de Vereda Viana

Acompanhados do senhor Tito, visitamos a comunidade Vereda Viana, distante cerca de 15

km(???) de Agreste. A comunidade apresenta uma ocupação territorial mais dispersa. As

casas se localizam distantes uma das outras. Como não encontramos o presidente da

Associação em casa, conversamos somente com senhor Tião e sua esposa. O senhor Tião, é

considerada uma pessoa portadora de um grande conhecimento sobre a origem da

comunidade.

Diferentemente de Agreste, as famílias de Vereda possuem pequenas propriedades, onde

praticam agricultura de subsistência.

07/05/06

Bairro Sapé, cidade de Capitão Enéias

O bairro Sapé parece possuir uma concentração maior de população negra dentro da cidade de

Capitão Enéias. Segundo relato de pessoas da comunidade, sua origem remonta a um

quilombo que se estabeleceu às margens da lagoa e que, devido a expansão da cidade, acabou

sendo incorporado ao perímetro urbano.

Page 159: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

158

Assim como Quem-Quem, a presença da população negra dentro do bairro está muito diluída,

o que torna difícil inferir, em um primeiro contato, se ele realmente concentra uma população

afro-descendente de forma significativa para esta primeira fase do projeto.

Reunião de trabalho

1) Seleção da comunidade

Após a visita ao bairro Sapé, a equipe de professores se reuniu com o objetivo de

discutir a seleção da comunidade. Foi solicitado também que houvesse uma rodada de

colocações sobre as impressões iniciais a respeito da comunidade escolhida a partir da

ótica de cada campo disciplinar ligado ao projeto, quais sejam: antropologia, arte,

educação e sociologia.

Em relação à escolha da comunidade, o grupo foi unânime em apontar a comunidade de

Agreste como aquela que reúne as características mais próximas do objetivo do projeto de

trabalhar com uma comunidade quilombola. Agreste, entre todas as outras localidades

visitadas, foi a que mais concentra de forma menos diluída uma população de afro-

descendentes. Foi possível perceber uma concentração maior e mais homogênea de pessoas

com descendência africana. Outra característica possível de ser inferida, a partir das

conversas, foi o processo de perda das terras pela população negra, com uma conseqüente

concentração no perímetro urbano, ficando a comunidade espremida pelas grandes fazendas

ao redor.

Na visão da equipe, o projeto a se iniciar com a comunidade de Agreste possui um grande

potencial para irradiar para outras localidades próximas de forma a abranger toda uma região

quilombola que se estabeleceu historicamente na bacia do rio Verde Grande.

Page 160: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

159

Comunidades quilombolas catalogadas em Minas Gerais até 2007

Município Nome da comunidade

Abadia dos Dourados Dourados

Alagoa Bairro Quilombo

Além Paraíba Caxambu

Almenara Marobá

Alvorada de Minas Escadinha de Cima

Amparo da Serra Estiva

Antônio Dias Baú Indaiá Mangorreira

Araçuaí Arraial da Ponte do Gravatá Arraial dos Crioulos Ambus Baú Córrego do Narciso do Meio (do Narciso ou Narciso do Meio) Sapé Pé de Serra Tesoura

Arinos Morrinhos

Ataléia Ferreirão Paulos Salineiro

Mercês Contenda

Belo Horizonte Luízes Mangueiras

Belo Oriente Córrego Grande e Corguinho Fazenda Esperança

Belo Vale Chacrinha dos Pretos Comunidade da Boa Morte

Berilo Brejo Caititu do Meio Alto Caititu Caititu de Baixo Morro do Buteco Quilombola (Calhambola) Vila Santo Isidoro

Vai Lavando Barro Capivari Relâmpago Itacambira Povo Jatobá Jacu Bom Jardim Mocó Muniz

Água Limpa de Cima Água Limpa de Baixo

Bias Fortes Colônia do Paiol

Bocaiúva Borá Peixoto Senhorinha dos Santos Palmito Mocambo

Bom Despacho Tabatinga

Page 161: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

160

Quenta Sol

Bom Sucesso Carrapato

Bonito de Minas Campo Redondo Ilha do Retiro Ilha Valerinho Lapinha Ressaca Tamboril Tapera

Buriti das Mulatas

Brasilândia de Minas Porto

Brasília de Minas Cercado Paracatu

Brumadinho Córrego do Feijão Sapé

Cachoeira da Prata Nicolau Teixeira / Ariranha

Caeté Felipe

Candeias Furtados

Capelinha Cisqueiro Galego Santo Antônio do Fanado Santo Antônio dos Moreiras Vendinha

Capinópolis Família Teodoro

Capitão Enéas Barreiro Grande

Carlos Chagas Marques I Marques II

Cantagalo São Felix

Catuti Gado Velhaco / Gurutubanos Maravilha / Gurutubanos

Chapada do Norte Cruzinha Cuba Misericórdia Moça Santa (Bom Jesus) Gamela Gravatá (Quebra-Bateia) Córrego Santa Rita Córrego do Rocha

Paiol Poções Porto dos Alves Ribeirão da Folha Ribeirão da Cachoeira Ferreira Água Suja

Chapada Gaúcha Barra Vermelha Buracos Cajueiro São Félix Rio dos Bois Retiro dos Bois Vereda D'anta Prata

Coluna Furtuoso Suaçuí

Conceição do Mato Dentro Candeias

Congonhas do Norte Três Barras

Page 162: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

161

Contagem Arturos

Coração de Jesus São Geraldo

Coromandel Chapadão do Pau Terra Padre Lázaro

Couto de Magalhães Canjicas

Crisólita Deládio

Crucilândia Correias

Curral de Dentro Laranja

Curvelo Passar de Pedra Baú

Diamantina Quartel de Indaiá

Dionísio Baú

Divino São Pedro São Pedro de Cima

Dores de Guanhães Fazenda do Berto

Fazenda Bocaina São Pedro Macuco

Felisburgo Paraguai Tanque

Ferros Mendonça

Fervedouro Paraíso

Formoso Costa Barbosa São Francisco (Mato Grande)

Francisco Badaró Alta Passagem Mocó Tocoiós

Francisco Sá Poções

Frei Lagonegro Córrego das Areias

Fronteira dos Vales Nunes Prejuízo Ventania

Gameleiras Lagoa dos Mártires

Glaucilândia Laranjão

Gouveia Espinho

Guidoval Ribeirão Preto

Itacarambi Remanso Vila Florentina Pau Jau Ilha do Capão Brejo do Santana Ilha do Retiro

Indaiabira Brejo Grande Fazenda Brejo Grande

Itabira Morro Santo Antônio Capoeirão Engenho Felipes Gatos Família Pascoal Quilombo

Itaobim Arraial dos Farranchos

Itaúna Catumba

Jaboticatubas Açude Cipó

Page 163: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

162

Berto Mato do Tição

Jaíba Vila João Garcia (ou Lagoa de Barro) / Gurutubanos

Canudo / Gurutubanos

Janaúba Açude / Gurutubanos Barroca / Gurutubanos Gorgulho / Gurutubanos Guerra / Gurutubanos Jacaré Grande / Gurutubanos

Lagoa de Barro / Gurutubanos Loreana / Gurutubanos Pacuí II / Gurutubanos Salinas Maravilhas / Gurutubanos Tabua / Gurutubanos Taperinha II / Gurutubanos Vila Sudário / Gurutubanos Lagoa dos Mártires / Gurutubanos Bodoque / Gurutubanos Mocambinho / Gurutubanos

Januária Água Viva Balaieiro Ilha da Capivara (Quebra Guiada) Brejo do Amparo Fazenda Picos Gameleira Pasto do Cavalo

Jeceaba Bananal e Mato Félix

Jenipapo de Minas Cachoeira do Bolas Martins São José dos Bolas Lagoa Grande

Jequeri Capuxá

Jequitibá Doutor Campolina

Jequitaí Buriti dos Neves Quilombo Lagoa Trindade

Jequitinhonha Mumbuca Farranchos

Joaíma Barreirinhos

João Pinheiro Santana da Caatinga

Lagoa Formosa Campo Bonito

Leme do Prado Ferreira Porto Coris (Boa Sorte)

Luislândia Júlia Mulata

Manga Brejo de São Caetano Ilha da Ingazeira Justa I Justa II Pedra Preta Puris

Riacho da Cruz Bebedouro Espinho Malhadinha Vila Primavera

Martinho Campos Açude Ruim

Mato do Barreiro (Saco do Barreiro) Fazenda do Olho D'água

Materlândia Boa Esperança

Page 164: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

163

Bufão Córrego do Botelho Costas e Roseiras São Domingos Turvo de Cima e Fidélis

Matias Cardoso Lapinha Praia

Medina Arredor

Minas Novas Gravatá Mata Dois Bem Posta Macuco Nagô Quilombo São Cristóvão

São Benedito do Capivari Trovoada Cabeceira do Ribeirão da Folha São Pedro do Alagadiço Cabeceiras Santiago Capão da Taquara

Mirabela Borá

Moeda Coqueiros

Monjolos Rodeador

Monte Carmelo Atalhos

Montes Claros Buraco Redondo Monte Alto

Montezuma Vargem das Salinas (Fazenda São Bartolomeu)

Muzambinho Barra Funda Brejo Alegre

Nanuque Gumercindo dos Pretos

Nazareno Jaguara Palmital

Nova Era Comunidade da Luz

Oliveira São Domingos

Onça de Pitangui Rio do Peixe

Ouro Branco Guidoval

Ouro Preto Lavras Novas

Ouro Verde de Minas Água Preta Córrego Santa Cruz

Pai Pedro Barra do Pacuí / Gurutubanos Picada / Gurutubanos Salinas I / Gurutubanos Salinas II / Gurutubanos Salinas IV / Gurutubanos Salinas V / Gurutubanos Salinas VI / Gurutubanos São Domingos Taperinha / Gurutubanos

Paracatu Cercado Comunidade dos Amaros Machadinho Pontal São Domingos

Paraopeba Pontinha

Passa Tempo Cachoeira dos Forros

Page 165: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

164

Patrocínio Calunga

Pimenta Cachoeira do Quilombo

Pescador Ferreiras

Piracema Quilombo Tatu

Piranga Santo Antônio de Pinheiros Altos Guiné Bacalhau

Pitangui Velozo

Ponte Nova Abre Campo Baú Fátima São Pedro

Porteirinha Mumbuca / Gurutubanos Brutiá

Presidente Juscelino Capão Caiambola

Raul Soares Bernardos

Ressaquinha Santo Antônio do Morro Alto

Resende Costa Curralinho dos Paula

Riacho dos Machados Peixe Bravo

Rio Espera Buraco do Paiol Moreiras

Rio Pardo de Minas Catulé Fazenda Cachoeira

Rio Pomba Coelhos

Sabinópolis Córrego Mestre Córrego São Domingos Maritaca Quilombo Santa Bárbara e Barra São José do Quilombo

Sesmaria

Salinas Comunidade dos Bagres Comunidade dos Firminos Matrona

Santa Bárbara Cachoeira de Florália

Santa Fé de Minas Fazenda Genipapo

Santa Luzia Pinhões Santa Rita

Santa Maria de Itabira Barro Preto São Pedro Quilombo Macuco Florença

Santana do Riacho Xiru

Santo Antônio do Itambé Botafogo Mata dos Crioulos Martins

Santo Antônio do Retiro Passos Cavalos Tamboril

São Domingos do Prata Serra

São Francisco Bom Jardim da Prata Buriti do Meio Lagoa da Prata

Page 166: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

165

Lajedo Ribanceiras Pinhãozeiro Porto Velho São João Batista (Barra dos Caldeirões)

São Gonçalo do Rio Abaixo Quilombo

São Gonçalo do Rio Preto Rio das Pedras

São João da Ponte Agreste Terra Dura e Sete Ladeiras Vereda Viana

São João da Ponte e Varzelândia Brejo dos Crioulos Boa Vistinha e Limeira

São João do Paraíso Fazenda Cariri Fazenda Salinas

São José da Lapa Dom Pedro Fazenda Conceição Maravilha / Fazenda Cabeleira

São Romão Ribanceira

Senhora do Porto Moinho Velho

Serra do Cabral Buriti do Chega Nega

Serranópolis de Minas Brejão Brutiás Campos-Pintados Rio da Cruz Touro / Gurutubanos

Serro Ausente Baú Comunidade do Ó (Milho Verde) Ribeirão dos Porcos Rua Vila Nova (São Gonçalo do Rio das Pedras)

Teófilo Otoni Bairro Palmeiras / Margem da Linha São Julião Imburama Cama Alta

Três Pontas Cascalho

Martinho Campos Quebra-Pé

Uberlândia Tenda dos Morenos

Urucuia Baixa Funda

Varzelândia Boa Vistinha

Limeira

Vazante Bagres Cabeludo Bainha

Verdelândia Cachoeirinha Amargoso Fazenda Polpa do Mundo / Mirassol / F. Santa Cruz / F. Corgão Fazenda Limeira / Vista Alegre Lagoa da Pedra / Lagoinha Fazenda Boa Sorte / Fazenda Caitité / Comunidade União

Viçosa Buieié Quilombo da Rua Nova

Virgem da Lapa Almas Bugres Curral Novo Mutuca Onça Rosário

Page 167: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

166

Pega Capim Puba Cardozo Gravatá Massacara

Visconde do Rio Branco Bom Jardim

Baixo Paraopeba Retiro dos Negros Beira Córrego

Comunidades quilombolas catalogadas em Minas Gerais

Fonte: http://www.cpisp.org.br/comunidades/html/brasil/mg/mg_lista_comunidades.html

Page 168: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

167

Presidência da República

Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO Nº 4.887, DE 20 DE NOVEMBRO DE 2003.

Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, alínea "a", da Constituição e de acordo com o disposto no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias,

DECRETA:

Art. 1o Os procedimentos administrativos para a identificação, o reconhecimento, a delimitação,

a demarcação e a titulação da propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, serão procedidos de acordo com o estabelecido neste Decreto.

Art. 2o Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste

Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

§ 1o Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das comunidades dos

quilombos será atestada mediante autodefinição da própria comunidade.

§ 2o São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as utilizadas

para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural.

§ 3o Para a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios de

territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sendo facultado à comunidade interessada apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental.

Art. 3o Compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de

Colonização e Reforma Agrária - INCRA, a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

§ 1o O INCRA deverá regulamentar os procedimentos administrativos para identificação,

reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, dentro de sessenta dias da publicação deste Decreto.

§ 2o Para os fins deste Decreto, o INCRA poderá estabelecer convênios, contratos, acordos e

instrumentos similares com órgãos da administração pública federal, estadual, municipal, do Distrito Federal, organizações não-governamentais e entidades privadas, observada a legislação pertinente.

§ 3o O procedimento administrativo será iniciado de ofício pelo INCRA ou por requerimento de

qualquer interessado.

Page 169: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

168

§ 4o A autodefinição de que trata o § 1

o do art. 2

o deste Decreto será inscrita no Cadastro Geral

junto à Fundação Cultural Palmares, que expedirá certidão respectiva na forma do regulamento.

Art. 4o Compete à Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da

Presidência da República, assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA nas ações de regularização fundiária, para garantir os direitos étnicos e territoriais dos remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos de sua competência legalmente fixada.

Art. 5o Compete ao Ministério da Cultura, por meio da Fundação Cultural Palmares, assistir e

acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA nas ações de regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como para subsidiar os trabalhos técnicos quando houver contestação ao procedimento de identificação e reconhecimento previsto neste Decreto.

Art. 6o Fica assegurada aos remanescentes das comunidades dos quilombos a participação em

todas as fases do procedimento administrativo, diretamente ou por meio de representantes por eles indicados.

Art. 7o O INCRA, após concluir os trabalhos de campo de identificação, delimitação e

levantamento ocupacional e cartorial, publicará edital por duas vezes consecutivas no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localiza a área sob estudo, contendo as seguintes informações:

I - denominação do imóvel ocupado pelos remanescentes das comunidades dos quilombos;

II - circunscrição judiciária ou administrativa em que está situado o imóvel;

III - limites, confrontações e dimensão constantes do memorial descritivo das terras a serem tituladas; e

IV - títulos, registros e matrículas eventualmente incidentes sobre as terras consideradas suscetíveis de reconhecimento e demarcação.

§ 1o A publicação do edital será afixada na sede da prefeitura municipal onde está situado o

imóvel.

§ 2o O INCRA notificará os ocupantes e os confinantes da área delimitada.

Art. 8o Após os trabalhos de identificação e delimitação, o INCRA remeterá o relatório técnico

aos órgãos e entidades abaixo relacionados, para, no prazo comum de trinta dias, opinar sobre as matérias de suas respectivas competências:

I - Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional - IPHAN;

II - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA;

III - Secretaria do Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;

IV - Fundação Nacional do Índio - FUNAI;

V - Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional;

VI - Fundação Cultural Palmares.

Parágrafo único. Expirado o prazo e não havendo manifestação dos órgãos e entidades, dar-se-á como tácita a concordância com o conteúdo do relatório técnico.

Page 170: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

169

Art. 9o Todos os interessados terão o prazo de noventa dias, após a publicação e notificações a

que se refere o art. 7o, para oferecer contestações ao relatório, juntando as provas pertinentes.

Parágrafo único. Não havendo impugnações ou sendo elas rejeitadas, o INCRA concluirá o trabalho de titulação da terra ocupada pelos remanescentes das comunidades dos quilombos.

Art. 10. Quando as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos incidirem em terrenos de marinha, marginais de rios, ilhas e lagos, o INCRA e a Secretaria do Patrimônio da União tomarão as medidas cabíveis para a expedição do título.

Art. 11. Quando as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos estiverem sobrepostas às unidades de conservação constituídas, às áreas de segurança nacional, à faixa de fronteira e às terras indígenas, o INCRA, o IBAMA, a Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional, a FUNAI e a Fundação Cultural Palmares tomarão as medidas cabíveis visando garantir a sustentabilidade destas comunidades, conciliando o interesse do Estado.

Art. 12. Em sendo constatado que as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos incidem sobre terras de propriedade dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, o INCRA encaminhará os autos para os entes responsáveis pela titulação.

Art. 13. Incidindo nos territórios ocupados por remanescentes das comunidades dos quilombos título de domínio particular não invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, e nem tornado ineficaz por outros fundamentos, será realizada vistoria e avaliação do imóvel, objetivando a adoção dos atos necessários à sua desapropriação, quando couber.

§ 1o Para os fins deste Decreto, o INCRA estará autorizado a ingressar no imóvel de

propriedade particular, operando as publicações editalícias do art. 7o efeitos de comunicação prévia.

§ 2o O INCRA regulamentará as hipóteses suscetíveis de desapropriação, com obrigatória

disposição de prévio estudo sobre a autenticidade e legitimidade do título de propriedade, mediante levantamento da cadeia dominial do imóvel até a sua origem.

Art. 14. Verificada a presença de ocupantes nas terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, o INCRA acionará os dispositivos administrativos e legais para o reassentamento das famílias de agricultores pertencentes à clientela da reforma agrária ou a indenização das benfeitorias de boa-fé, quando couber.

Art. 15. Durante o processo de titulação, o INCRA garantirá a defesa dos interesses dos remanescentes das comunidades dos quilombos nas questões surgidas em decorrência da titulação das suas terras.

Art. 16. Após a expedição do título de reconhecimento de domínio, a Fundação Cultural Palmares garantirá assistência jurídica, em todos os graus, aos remanescentes das comunidades dos quilombos para defesa da posse contra esbulhos e turbações, para a proteção da integridade territorial da área delimitada e sua utilização por terceiros, podendo firmar convênios com outras entidades ou órgãos que prestem esta assistência.

Parágrafo único. A Fundação Cultural Palmares prestará assessoramento aos órgãos da Defensoria Pública quando estes órgãos representarem em juízo os interesses dos remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos do art. 134 da Constituição.

Art. 17. A titulação prevista neste Decreto será reconhecida e registrada mediante outorga de título coletivo e pró-indiviso às comunidades a que se refere o art. 2

o, caput, com obrigatória inserção

de cláusula de inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade.

Parágrafo único. As comunidades serão representadas por suas associações legalmente constituídas.

Page 171: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

170

Art. 18. Os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, encontrados por ocasião do procedimento de identificação, devem ser comunicados ao IPHAN.

Parágrafo único. A Fundação Cultural Palmares deverá instruir o processo para fins de registro ou tombamento e zelar pelo acautelamento e preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Art. 19. Fica instituído o Comitê Gestor para elaborar, no prazo de noventa dias, plano de etnodesenvolvimento, destinado aos remanescentes das comunidades dos quilombos, integrado por um representante de cada órgão a seguir indicado:

I - Casa Civil da Presidência da República;

II - Ministérios:

a) da Justiça;

b) da Educação;

c) do Trabalho e Emprego;

d) da Saúde;

e) do Planejamento, Orçamento e Gestão;

f) das Comunicações;

g) da Defesa;

h) da Integração Nacional;

i) da Cultura;

j) do Meio Ambiente;

k) do Desenvolvimento Agrário;

l) da Assistência Social;

m) do Esporte;

n) da Previdência Social;

o) do Turismo;

p) das Cidades;

III - do Gabinete do Ministro de Estado Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome;

IV - Secretarias Especiais da Presidência da República:

a) de Políticas de Promoção da Igualdade Racial;

b) de Aqüicultura e Pesca; e

Page 172: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

171

c) dos Direitos Humanos.

§ 1o O Comitê Gestor será coordenado pelo representante da Secretaria Especial de Políticas

de Promoção da Igualdade Racial.

§ 2o Os representantes do Comitê Gestor serão indicados pelos titulares dos órgãos referidos

nos incisos I a IV e designados pelo Secretário Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.

§ 3o A participação no Comitê Gestor será considerada prestação de serviço público relevante,

não remunerada.

Art. 20. Para os fins de política agrícola e agrária, os remanescentes das comunidades dos quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento preferencial, assistência técnica e linhas especiais de financiamento, destinados à realização de suas atividades produtivas e de infra-estrutura.

Art. 21. As disposições contidas neste Decreto incidem sobre os procedimentos administrativos de reconhecimento em andamento, em qualquer fase em que se encontrem.

Parágrafo único. A Fundação Cultural Palmares e o INCRA estabelecerão regras de transição para a transferência dos processos administrativos e judiciais anteriores à publicação deste Decreto.

Art. 22. A expedição do título e o registro cadastral a ser procedido pelo INCRA far-se-ão sem ônus de qualquer espécie, independentemente do tamanho da área.

Parágrafo único. O INCRA realizará o registro cadastral dos imóveis titulados em favor dos remanescentes das comunidades dos quilombos em formulários específicos que respeitem suas características econômicas e culturais.

Art. 23. As despesas decorrentes da aplicação das disposições contidas neste Decreto correrão à conta das dotações orçamentárias consignadas na lei orçamentária anual para tal finalidade, observados os limites de movimentação e empenho e de pagamento.

Art. 24. Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 25. Revoga-se o Decreto no 3.912, de 10 de setembro de 2001.

Brasília, 20 de novembro de 2003; 182o da Independência e 115

o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Gilberto Gil Miguel Soldatelli Rossetto José Dirceu de Oliveira e Silva

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 21.11.2003

Page 173: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

172

Procedimento de Certificação de Comunidades Quilombolas

Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos os grupos étnicos raciais, segundo

critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais

específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com formas de resistência à

opressão histórica sofrida.

Para a emissão da certidão de autodefinição como remanescente dos quilombos deverão ser adotados os seguintes procedimentos: I - A comunidade que não possui associação legalmente constituída deverá apresentar ata de reunião convocada para específica finalidade de deliberação a respeito da autodefinição, aprovada pela maioria de seus moradores, acompanhada de lista de presença devidamente assinada;

- A comunidade que possui associação legalmente constituída deverá apresentar ata da assembléia convocada para específica finalidade de deliberação a respeito da autodefinição, aprovada pela maioria absoluta de seus membros, acompanhada de lista de presença devidamente assinada;

III- Remessa à FCP, caso a comunidade os possua, de dados, documentos ou informações, tais como fotos, reportagens, estudos realizados, entre outros, que atestem a história comum do grupo ou suas manifestações culturais;

IV - Em qualquer caso, apresentação de relato sintético da trajetória comum do grupo (história da comunidade);

V - Solicitação ao Presidente da FCP de emissão da certidão de autodefinição. A Fundação Cultural Palmares poderá, dependendo do caso concreto, realizar visita técnica à

comunidade no intuito de obter informações e esclarecer possíveis dúvidas.

As comunidades quilombolas poderão auxiliar a Fundação Cultural Palmares na obtenção de documentos e informações para instruir o procedimento administrativo de emissão de certidão de autodefinição. Quanto às questões de medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios

de territorialidade indicados pelos remanescentes. Contudo, compete ao Ministério do

Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA),

a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas.

Page 174: A Música da Folia de Reis na Comunidade Quilombola Agreste ...files.marconeves.webnode.com.br/200000012-251962612f/Dissert.P… · Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências

173

CD – Arquivo único contendo registros em Vídeo e Áudio da Folia

De Reis de Agreste.

1 – A reza dos terços

2 – Canto de Saudação

3 – Canto a Nossa Senhora Aparecida

4 – Canto a São Sebastião

3 – Lundu

4 – Guaiano