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A Mulher Encarcerada Em Face Do Poder Punitivo - Olga Espinoza (Ibccrim)

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«oes I:(lternacionais(2002) e . cia Biblioteca (2003) n~ IBCCRIM.

Advogada na Comissao Episcopal

de A«ao Social, Peru (1997-2000).

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nome da obra: Retrato de wna mulher artista: Liubov Popov a

ano: 1915 dimensoes do quadro: 17 x 71cm

tecnica: 6leo sabre tela

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Olga Espinoza

A mulher encarcerada ern face do poder punitivo

Sao Paulo 2004

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© Desta edi9ao - IBCCRIM

ProdUl;aO Gratica: Metodo Editora9ao e Editora Ltda. Fone: (11) 289-1366 - Fax: (11) 289-0679

Capa: Luis Colombo e Lili Lungarezi

CIP-BRASIL. CATALOGA<;AO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE lIVROS, RJ

Espinoza, Olga A mulher encarcerada em face do poder punilivo I Olga Espinoza _

Sao Paulo : IBeCRIM, 2004. (Monografias I IBeCAIM ; 31)

BibUografia 1. Prisioneiras • Estatuto legal, leis, etc. 2. Execu98.0 penal. 3. Direito

penitenciario. 4. Prisioneiras • Emprego.

r. Titulo. If. Serie.

04·2134. COO 365.43 cnu 343.811·055.2

INSTITUTO BRASILEIRO DE CIENCIAS CRIMINAlS (IBCCRIM) Rua 11 de agosto, 52, 2.' andar· CEP 01018-010 - Sao Paulo, Sp, Brasil Tel.: (xx 55 11) 3105-4607 (tronco-chave) http://www.ibccrim.org.br '. e-mail: [email protected]

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TODOS OS DIREITOS DESTA EDI9AO RESERVADOS

Impresso no Brasil' - Printed in Brazil 2004

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Diretoria da gestao 2003/2004

Diretorla executlva

Presldente Marco Antonio Rodrigues Nahum

1.0 Vlce-Presldente

Mauricio Zan aide de Moraes

2.° Vlce·Presldente Maria Thereza Rocha de Assis Moura

1.° Secretarlo

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2.0 SecreUirlo

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1.° Tesourelro

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Ana Beatriz BaraOna Lopes (AM): Carmen da Costa Barros (OF): Edmundo Oliveira (PA); Elmir Duclerc (BA); Fabio Roberto O'Avila (RS): Fabio Trad (MS): Fabiola Monteconrado Ghidalevich (AM); Felipe Augusto Forte Negreiros Deodato (P8); Felipe Cardoso Moreira de Oliveira (SCI: Femando Luiz Ximenes Rocha (CE); Guilherme Costa Camara -(PS); Heloisa Estellita (OF); Joao Guilherme Lages Mendes (AP); Lena Rocha (RN); Uliane Cristina de Oliveira (MG)i Marcela Leonardo (MG): Maria Lucia Karam (RJ); MaurIcio Kuehne {PRJ; Nilzardo Car­neiro Leao (PE); Oswaldo Trigueiro Filho (PBj; Paulo Vrnicius Sporleder de Souza (RS): Selma p" de Sanlana (SA)

Comissao de Monografia [email protected] - www.ibccrim.org.br

Pres/dente da Comissao de Monografia

Carmen Silvia de Meraes Barros

Mernbros

Ana lucia Menezes Vieira, Angelica de Maria Mello de Almeida, In~s Thomaz, Rafael Ram"la

Muneratu e Vinicius de Toledo Piza Peluso

Integrantes da Comissao Julgadora do 8.° Concurso de Monograflas Juridlcas: Alvino Augusto de Sa, Andre de Almeida Panzeri, Andrei Koerner, Ela Wiecko Volkmer de CasUlho, Ines Thomaz, Karyna Batista Sposato e Sergio de Oliveira Medici

Suplentes: Benedilo Roberto Garcia Pozzer Eduardo Reale Ferrari

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"0 que aconteceria se uma mulher despertasse uma manha transformada em homem?

E se a famflia nao fosse 0 campo de treinamento onde 0 menino aprende a mandar e a menina a obedecer?

E se houvesse creches?

E se 0 marido participasse da limpeza e da cozinha?

E se a inocencia se fizesse dignidade?

E se a razao e a emo~iio andassem de bra<;:os dados?

E se os pregadores e os jornais dissessem a verdade?

E se ninguem fosse propriedade de ninguem?"

EDUARDO GALEANO,

(Mulheres, Porto Alegre, L&PM, 2000, p. 126.)

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AGRADEClMENTOS ill

.... A Fundac;ao de Amparo a Pesquisa do Estado de Sao Paulo,

pelo auxilio financeiro na realizac;ao desta pesquisa.

Ao Professor Dalmo Dallari, registramos aqui nossOS sinceros agradecimentos pelo constante apoio e incentivo na preparac;ao deste trabalho.

Aos Professores Alvino Augusto de Sa, Sergio Salornao She­caira, Alvaro Pires e Fernando Acosta, tarnbem estendernos nossa gratidao por nos orientarem nos caminhos da criminologia e da academia.

Ao Doutor Alberto Silva Franco, por acreditar em nosso projeto pessoal enos brindar 0 seu apoio durante nosso estagio no Brasil.

As autoridades e funcionarias da Penitenciaria Ferninina da Capital - PFC e da Coordenadoria de Saude da Secretaria de Administrac;ao Penitenciaria, por facilitarem nosso ingresso na prisao e 0 aces so a informac;ao priviJegiada.

As amigas Ingrid Cyfer, Mariana Possas e Daniela Ikawa, com as quais vivenciei 0 fascfnio de descobrir urn mundo novo. Tambem aos amigos Alessandra Teixeira, Jacqueline Sinhoretto e Marcos Lima, por nos acornpanharem nos a vanc;os e retrocessos e por se disporem prontamente a dialogar e corrigir ideias ainda em formac;ao.

Aqueles outros amigos e colegas, Ana Lucia Pastore, Ana Lucia Sabadell, Fernando Salia, Patricia Ferreira, Renato Lima, Rose Ianella, Sergio Mazina e Sergio Tonkonov, que participaram desta pesquisa em diferentes momentos com snas pertinentes sugestoes e colaborac;oes.

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PREFAcIO I

1 - A sociedade patriarcal, de feitio hienirq uico, vertical e repressivo, formatada a tempos imemoriais, produziu, com base em diferengas puramente biologicas dos seres humanos, discrirni­na<;6es intoleraveis, tais como 0 racismo, a discrirnina<;ao de genero, de doentes, de rninorias sexuais, de crian<;as etc. 0 poder do pater familiae, 0 poder punitivo e 0 poder do saber, como assevera Eugenio Raul Zaffaroni, I articularam-se como urn ver­dadeiro tripe de suporte dessa sociedade de inquestionavel cono­tagao masculina.

A mulher foi ostensivamente discriminada e tal discr.imina<;ao tornou-se a mais significativa e abrangente de todas na medida ern que correspondia, do ponto de vista quantitativo, a metade da propria humanidade. A mulher estava submetida a controles sociais rfgidos entre os quais se inclufam 0 controle domestico exercido, primeiro, pelos pais e, depois, pelo marido; 0 controle medico; 0

controle no mercado de trabalho; e 0 controle de acesso aos espa<;os publicos. A discrimina<;ao biologica sacralizou-se corn 0 apareci­mento do poder punitivo e 0 saber, "quando 0 objeto e outro ser humano", estabeleceu "uma hierarquia: o· ser humano-objeto sera sempre urn ser inferior ao ser humano-sujeito". "A discrimina<;ao hierarquizante entre os seres humanos e urn pressuposto e uma con seqUencia necessaria desta forma de saber do dominus. "2

A manten<;a da mulher, numa posi<;ao submissa, dentro da sociedade patriarcal e machista s6 come<;ou efetivamente a ser

I El discurso feminista y' el poder pumtlvo, Las trampas del poder punitivo, Buenos Aires, Editorial Biblos, 2000, p. 19-37.

2 Eugenio Raul Zaffaroni, ob. cit. p. 23.

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14 A MULHER ENCARCEAADA EM FACE 00 PODER PUNITIVO

q uestionada no decorrer do seculo XIX, enos anos iniciais do seculo XX, quando se iniciou 0 movimento feminista organizado com base nas mulheres de classe media que passaram a reivindicar o direito a edncac;:ao, ao trabalho e a sexualidade livre. Todas as rei vindicac;:oes enunciadas nessa primeira mobiliza~iio foram agln­tinadas no direito ao voto, que se considerou apto a servir de instrumento para as finalidades pretendidas. Nao obstante os esforc;:os das sufragistas, 0 reconhecimento dos direitos politicos das mulheres nao significou que tivessem logrado a necessaria cidadania na sociedade exasperadamente machista em que estavam inseridas. Assim, encerrava-se "urn cicio centrado na vindicar;iio do direito poiftico basico ao sufnigio, da inserc;:ao como cidadaos formais, mas se abriu urn novo cicio que era 0 da explicar;iio, isto e, comec;:ava (, perfodo no qual se tentava encontrar e analisar as cansas das dificuldades das mulheres na inserc;:ao plena da cida­dania. E para tanto a teoria necessitava desenvolver novos instru­mentos conceituais que Ihes permitissem analisar a realidade das mulheres".' Na segunda metade do seculo XX, urn novo movimen­to feminist a comec;:ou a adensar -se, nao mais com base nas mulheres de pracedencia burguesa, mas principalmente com res­paldo em mulheres das mais diversas origens (trabalhadoras, estudantes, lesbicas, mulheres de cor etc.). Como observa ainda Cristina Sanchez Munoz,4

"0 interlocutor a que dirigiam suas demandas ja nao era 0 Estado" uma vez que a "interpelac;:ao se enderec;:ava agora as pr6prias mulheres, as suas vidas, as suas experiencias cotidianas como expressoes da snbordinac;:ao. Essas experiencias, que sao agora postas em foco, encontram reflexo num dos lemas mais representativos da epoca: tudo que e pessoal e poiftico. Com isso, expunha-se a 'relevancia p"blica das questoes tradicionalmente consideradas privadas, tais como as relac;:oes familiares, a criac;:ao dos filhos.ou a divisao sexual do trabalho que afetavam de forma muito direta as vidas cotidianas das mulheres e que deviam fazer parte do debate politico". A segunda onda de mobilizac;:ao de mulheres deu origem a teorias feministas - ana-

3 Cristina Sanchez Munoz, Feminismo y ciudadania, Estado, justicia, derechos, Madrid, Alianza Editorial, 2002, p. 355.

4 Ob. cit. p. 356.

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.!i~ lisadas, de modo percuciente, no trabalho ora prefaciado - que J~ atendiam a objetivos teoricos e pniticos dlversos, isto e, desde ll_ffi i* posicionamento estritamente .Iiberal ate nma postura de conotac;:ao f,~ socialista, !,Jassando necessanamente pelo modo de pensar radical

;fi~ Oll separatlsta. m ~a dec~da dos anos setenta. do :ecnlo ~assado, ur;; n?vo ~r vocabulo fm posto na mesa de dlscussao: 0 genera, que sena a I) construc;:ao cultural e social sobre urn corpo sexuado. 0 sexo H: apareceria como nm dado e 0 genera como a marc a cultural sobre ~ 0 sexo, como a elaborac;:ao cul:ural do ~eminino e do masculino. !\! Alem disso, 0 concelto de genera fm mtroduzldo como uma I categoria anal{tica que pennitia c1assificar fenomenos e aspectos ~} das relac;:oes entre mulheres e homens ate entao silenciados, [. ignorados ou expostos como naturais. Atraves do genera como

categoria se pracurava explicar as persistentes desigualdades e as relac;:oes de poder".5 Mas 0 conceito de genera, que invadiu as ciencias sociais - e aqui se fala de "violencia de genero", "poIfticas de genero" ou "indicadores de genero" -, nao se tomou uma carapac;:a blindada, imune a criticas, e estas se acumularam desde os anos oitenta do seculo passado ate os dias presentes. Judith Butler,' citada por Cristina Sanchez Munoz,' "questiona a dico­tomia sexo/genero como reprodutor da 16gica binaria natureza! cultura. Nao podemos afirmar que 0 sexo nao esteja tambem submetido a interpretac;:oes culturais, mas nao ha cogitar de urn

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f~ essencialismo de genero: isto e, a afirmac;:ao de uma categoria que englobaria a todas as mulheres e que cairia num deterrninismo social. As mulheres negras e as Iesbicas proclamaram 0 carater metanarrativo do conceito de genero, que inviabiliza as diferenc;:as entre as mulheres, impondo uma identidade comum que corres­ponde na realidade aos interesses da identidade hegemonica das mulheres heterossexuais e da rac;:a branca. Em sintese, 0 genero caiu na mesma armadilha que havia pretendido evitar: a homo­geneizac;:ao da diversidade e a imposic;:iio de uma identidade unica".

5 Cristina Sanchez Munoz, ob. cit. p. 358-359. 6 Gender Trouble, 1990. 7 Ob. cit. p. 359.

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16 A MULHER ENCARCERADA EM FACE 00 POOER PUNITIVO

o Iivro de Tamar Pitch' trouxe a baila urn enfoque novo sobre a liberdade feminina e sobre a necessidade de revisao, por via de conseqiiencia, a partir dessa perspectiva, de conceitos conde­nados aestratifica«ao nas areas do direito, da etica, da moral, dos costumes, da saude, da poiftica etc. A liberdade de ser, de projetar sua vida para 0 futuro· e de lan«ar-se na implementa«ao desse projeto esta "muito mais condicionada para as mulheres do que para os homens na medida em que aquelas nao dispoem do pleno domfnio de seu corpo. 0 corpo das mulheres, diferentemente do corpo dos varoes,sempre foi urn espa«o confIitivo submetido a discursos publicos - jurfdicos, eticos, poifticos -, a praticas medicas, interven«oes pedagogicas, regras, disciplinas, controles. Dito de outro modo, foi e .0 ainda objeto de direito e de direitos de outros, como corpo nlio autonomo, subordinado a poderes heteronomos: maritais, jurfdicos, morais, religiosos, sanitarios". Destarte, "a Iiberdade feminina se concebe, se teoriza, como uma', reivindica«ao em estreita conexao com 0 corpo. A Iiberdade feminina .0, direta ou indiretamente, uma Iiberdade do corpo, e precisamente de urn corpo sexuado, de urn corpo feminino: quer se trate da Iiberdade sexual, isto .0, da imunidade do corpo feminino frente as viola«oes, abusos sexuais, assedios, mutiIa«oes genitais ou servidoes conjugais; quer se trate de autodetermina«ao da maternidade e de suas formas e, em· qualquer caso, da nao constri«ao a gravidezes for«adas; quer Se trate de imunidade frente a prostitui«ao for«ada, ou de explora«ao da prostitui«ao ou do

. trafico de pessoas ou tambem de prote«ao paternalista imposta as prostitutas; quer se trate, em geral, da liberdade como autodeter­mina«lio do proprio futuro de \)da e de trabaIho". 9 E nesse nexo inafastavei, demonstrado por Tamar Pitch, entre a liberdade feminina e 0 corpo das mulheres, que Luigi Ferrajoli detectou uma contribui«lio extremamente valiosa para a teoria geral dos direitos da liberdade, ou seja, a refe,::encia ao elemento essencial, pree­xistente a todas ,as liberdades,' "que representa a tutela do corpo

8 Urn derecho para das. La canstrucci6n jurfdica de genera, sexo y sexualidad, trad. Cristina Garcia Pascual, Madrid, Edito'rial Trotta, 2003.

9 Luigi Ferrajoli, Prologo do livro de Tamar Pitch, ob. cit. II e 13.

PREFAcIO 17

humano, de sua sacralidade e intangibilidade, em outras palavras, o habeas corpus. Este pressuposto material, corporeo, fisico da Iiberdade, foi durante muito tempo dado como indiscutfveI a partir da filosofia jurfdica e poiftica moderna: urn dado de fato adquirido depois da elimina~ao da tortura, das penas corporais, das corvees e da escravidao"IO Mas 0 IiberaIismo de nossos dias desfocou, de novo, essa impartivei conexlio entre 0 corpo e a liberdade, e a perspectiva dessa separa«lio se evidencia agora, de forma brutal, em novos e continuos agravos a Iiberdade pessoaL "Pensemos", enfatiza Luigi FerrajoIi, "nas ciirceres de Guantanamo ou na violencia ou vexa«oes policiais contra os manifestantes antiglo­balizac;:lio, de Seattle a Godeborg e a Nice, de Napoles a Genova. Pensemos na Iiberdade de emigrar, que apesar de prociamar-se solenemente no artigo 13 da DecIara«lio Universal dos Direitos Humanos se nega a massa de pessoas e corpos famintos que se agrupam ern nossas fronteiras. Pensemos, sobretudo, nessa Iiber­dade do corpo que consiste na imunidade ante as enfermidades, a fome, a sede e que hoje se nega a bilhoes de seres humanos". II Pensemos ainda em outros epis6dios internacionais impactantes como as torturas da prislio de Abu Ghraib, 0 terrorismo de grupos ou estatal no confIito palestino-israelense, a matan«a indiscrimi­nada de civis, no Iraque, produzida pela maquina de guerra americana. Pensemos, em termos nacionais, no alargamento da faixa dos ninguens; nas pris6es onde se nega 0 mfnimo espa«o fisico ao corpo do preso; ou mesmo nos detentos submetidos ao famigerado regime disciplinar diferenciado .

Dai a conciusao de que "a Iiberdade das mulheres se converte numa liberdade paradigmatica e num duplo sentido: enquanto tal liberdade .0 imunidade do corpo frente a constri~6es, vexa«oes e discrimina«oes e enquanto a mulher constitui 0 paradigma do outro e por isso sua opressao e discrimina«lio slio paradigmatic as de todas as desigualdades que hoje persistem sob 0 veu da igualdade de direitos". l2

10 Prologo, p. 14. 11 Luigi Ferrajoli, Prologo ao livro de Tamar Pitch, p. 14. 12 Luigi Ferrajoli, Prologo do livro de Tamar Pitch, p. 14-15.

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r 18 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PQDER PUNITIVO

2 - A leitura da disserta<;ao de mestrado de Olga Espinoza provoeou-me rea<;6es inesperadas. Sei bern que escrever 0 prefiieio de urn livro tern limites bern definidos e que nao podem ser extrapolados. Mas fui tornado - confesso - de surpresa e me vi envolvido, de repente, por uma temiitica extremamente provoca­tiva. Jii havia lido, aqui e ali, alguns artigos sobre a discrimina<;ao feminina, mas nao chegara a ponto de perceber a profundidade e a gravidade des sa quebra de igualdade entre os seres humanos. Talvez por ser 0 outro, que nao sente 0 deseonforto do processo discriminalizador... Olga Espinoza eoloeou-me de chofre no amago da questao e nao me deu chance de permanecer indefinido: ou me resignava conscientemente ao papel de opressor ou me mobilizava no combate a discrimina<;ao. Creio ter havido, de sua parte, a imensa habilidade de focar a questao feminista a partir de urn espa<;o fisico bern restrito, que e a expressao maxima da ruptura do contexto social: na prisao, ou seja, no local onde vivem os que foram expulsos da sociedade. E, por cima, numa prisao feminina, isto e, numa institui<;ao em que a separa<;ao de genero e imposta de partida. 0 que ali interessava investigar e se as condi<;6es do encarceramento feminino respeitavam os direitos fundamentais reconhecidos fartamente do ponto de vista consti­tucional e legislativo, mas, de maneira avara, nao concretizados na realidade prisional. E, ainda, se 0 trabalho, em nivel prisional, representava 0 meio transformador idoneo a prover as condi<;6es basicas de sobrevivencia da mulher presa, garantindo-Ihe 0 status de cidada que the perrnitiria afastar-se da marginalidade ou se nao passava de urn instrumento capaz de impor "a docilidade e a domesticidade como virtudes, refor<;ando a submissao da mulher e restringindo 0 exercicio de praticas cidadas".

Embora seja ponto pacifico que a prisao erie internamente uma cultura pr6pria, simbolizada por gestos, tatuagens, linguagens e c6digos de convivencia, nao se pode fugir a observa<;ao de que os muros da prisao tra<;am fronteiras com 0 mundo externo, bern mais amplo e bern mais complexo, e que, de algum modo, se interconectam. E esse mundo. extemo influi no universo prisional, estabelecendo sistemas totalmente diversos de convivencialidade aplicaveis a homens e a mulheres, miixime porque a prisao se

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PREFAclO 19

earacterizou sempre por ser urn espa<;o majoritariamente mascu­lino. Dai, como observa Olga Espinoza, "a necessidade de con­trolar as mulheres nao ruudou: subsiste 0 intuito de transforma­las e encaixa-las eru modelos tradicionais, entendidos de acordo com padr6es sexistas. Essa situa<;ao acentua 0 carater reabilitador do tratamento, que busca 'restabelecer a mulher em seu papel social de mae, esposa e guarda do lar e de faze-l a aderir aos valores da cJasse media' naturalizando as atribui<;6es de genero e reprodu­zindo a desigualdade no tratamento das presas"13

E se se eneara esse tratamento reabilitador, sob 0 iingulo do trabalho prisional, reservam-se as presas as atividades consideradas tradicionalmente femininas, 0 que lhes impossibilita, no futuro, qualquer possibilidade de insen;:ao no mere ado de trabalho. "( ... ) sua exclusao precede 0 ingresso na prisao, permanece durante sua estada e se pereniza depois da obten<;ao da liberdade. Isso significa que 0 estigma de serem 'mulheres e pobres' as acompanha permanentemente no exercicio das atividades laborativas"14 "Os programas de trabalho fomentam e privilegiam atividades domes­ticas e industriais 'pr6prias do sexo' (tecer, bordar, cozinhar, cuidar da aparencia e fazer confeitaria), 0 que, de fato, 'nao lhes perrnite disputar melhores coloca<;:6es no mereado de trabalho ao reencon­trar a liberdade'." 15

As entrevistas com as presas na Penitenciaria Feminina foram antecedidas de uma ampla analise estatistica, sob os mais diversos angulos, do perfil dessas mulheres: idade, naturalidade, ra<;a, escolaridade, condi<;:ao de emprego, tipos de crime pratieados, ineideneia do fator reineideneia etc. E como fora anteriormente proposto, 0 fulcro da pesquisa empreendida visava a questao do trabalho prisional. Nessa tarefa, a investiga<;:ao detectou algumas variantes que se entrechocam. 0 trabalho e valorizado pelas presas, mas a administra<;ao prisional mostra-se sempre deficitaria no atendimento da demanda. E tido ainda como atividade benefica, sob tres enfoques diversos: a) afasta as presas da realidade

l3 p. 85.86. " p. 135. l' p. 136.

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20 A MllLHER ENCARCEAADA EM FACE DO POOER PUNITIVO

prisional, ocupando-lhes 0 tempo livre, mas 0 nao atendimento da demanda significa deixa-las na ociosidade e isso pode sugerir, no entender das autoridades prisionais, vadiagem e fracasso do pro­cesso ressocializador, favorecendo ainda 0 envolvimento em ile­galidades; b) permite contabilizar 0 tempo para a obten"ao da remi"ao, mas deixa as presas it merce dos agentes prisionais que disp6em do poder da caneta e, portanto, podem determinar os premios e os castigos que terao repercussao no tempo prisional; c) remunera as pres as, mas em condi«6es peculiares e de dificil equipara"ao com 0 mercado de trabalho. A tudo isso se agregam as regras de extremo rigor exigidas pelos agentes prisionais nos locais de trabalho. Como observa Olga Espinoza "as presas nao podem preyer 0 que acontecera quando se trata das funcionanas, porquanto as regras que definem seu comportamento sao desco­nhecidas da massa carceraria, a despeito de interferirem diretamen­te na vida das reclusas. Essa ignoriincia persistente gera desorien­ta"ao e estimula, ainda mais, a docilidade como valor absoluto. o trabalho se converte em gerador de presos doceis". 16 Portanto, "trabalhar em urn presidio, em princfpio, significa perder 0 au­tocontrole da propria vida, adequar-se a regras e a princfpios desconhecidos ou incoerentes; significa tambem interagir com 0

mundo por meio do medo, do isolamento, for«ar-se a perder 0

espmto de colabora«ao e nao demonstrar solidariedade - apenas sobreviver" .17

Os resultados da pesquisa permitem, desde logo, concluir que "a prisao representa uma caricatura da sociedade em geral"; que se cuida de "urn espa«o que reproduz as condi,,6es de exclusao das mulheres, segundo vivenciadas no mundo exterior"; que "intensifica os defeitos da sociedade de forma perversa porque, ao controlar todos os aspectos da vida dos individuos e faze-los dependentes de uma autoridade extema, acaba par infantiliza-Ios ao mesmo te~po em que \leles exige maturidade para declara-los ressocializados" e que "nesse ambiente paradoxal, desenvolvem­se atividades laborativas, caracterizadas pela aliena"ao, a impro-

\6 p. ISO-lSI. 17 p. lSI.

PREFAclO 21

dutividade, a irracionalidade, a falta de utilidade pos-pnsao, a imposi"ao de rela,,6es de poder desigual e de maior controle da popula«ao prisional". Mas essas nao sao as (inicas conclus6es. A pesquisa denuncia urn profundo fosso entre os direitos fundamen­tais proclamados por uma pletora de declara,,6es de direitos tanto nacionais como continentais, au mesma intemacionais, e as con­di,,6es da realidade prisional. Os seres humanos sao, como nunca foram no pass ado, e apenas nos textos escritos, tao iguais em direitos, mas, desproporcionalmente, tao desiguais em concreto. Para obviar essa situa«ao, devem ser buscados "carninhos que permitam 0 exercfcio amplo do direito a cidadania, inclusive no contomo da estrutura prisional, de tal forma que homens e mulheres presos consigam, apesar da prisao, sentir-se inseridos em uma estrutura de garantia de direitos em que a pessoa humana assume urn papel primordial e sua realiza«ao se converte em objetivo do Estado. Nesse contexto, 0 trabalho exercido na prisao - enquanto ela existir - deve se distanciar das praticas de manipula«ao, submissao e imposi«ao de modelos conservadores de feminilidade ou de mulher 'normal'; deve passar a 'ser entendido como urn direito de base constitucional e, ao mesmo tempo, como altemativa de resistencia a degrada"ao do carcere". \8

o desfecho do trabalho dissertativo de Olga Espinoza deixa patente que a mulher, quer esteja na prisao, quer se encontre inserida no contexto social, foi e continua a ser discriminada. A prisao nao passa de uma fotografia da mesma desigualdade retra­tada no espa«o livre. E nao poderia ser de outra forma enquanto houver "a ausencia de um especffico direito exclusivo da mulher sobre 0 proprio corpo, 0 que conduz a uma mera liberdade, sempre suscetfvel de ser limitada pelo legislador com base nos direitos ou inclusive nos interesses de outros sujeitos. Somente a consagra«ao de tal liberdade como direito fundamental - uma especie de corolario da liberdade pessoal e do habeas corpus- permite protege-Ia de possiveis supress6es, limita,,6es ou condi,,6es hete­ronomas". Assim como "a liberdade pessoal nasceu historicamente, como uma liberdade abstrata, concretamente modelada pela liber-

\8 p. 167.

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22 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODEA PUNITIVO

dade masculina", nada obsta que 0 conceito seja remodelado, sob a perspectiva feminina. "Do mesmo modo como 0 significado do principio da igualdade - circunscri to originariamente aos cidadaos varoes, alfabetizados e proprietarios - foi mais tarde modificado pelas lutas dos que tinham sido exC\ufdos e the impuseram sua redefini«ao, tambem os direitos de liberdade coincidem na pratica com os significados que as lutas dos exclufdos conseguem lhes impor, remodelando-os sucessivamente sobre seus corpos e sobre suas necessidades."19 Oxala que as mulheres atinjam a soberania sobre 0 proprio corpo e a partir dai a1cancem sua liberdade e sua igualdade com os homens, deixado de ser meio para fins que nao sao seus.

3 - Resta, por fim, apresentar a pessoa de Olga Espinoza. Ha uns cinco anos e meio, uma jovem advogada peruana se apresentou na sede do Instituto Brasileiro de Ciencias Criminais, relatando 0

proposito de completar sua forma«ao intelectual no curso de Mestrado da Faculdade de Direito da Universidade de Sao Paulo. Veio de armas e bagagem; instalou-se num pequeno apartamento em Vila Mariana e se pos a trabalhar, num ritmo intenso, tanto na concretiza«ao do curso de mestrado, como no desempenho de inumeras atividades no IBCCRIM. Falava alguns idiomas. Expres­sava-se bem em portugues, que havia aprendido no Peru, mas escorregava quase sempre na dureza do ditongo nasal iio, acos­tumada talvez com a maior musicalidade do ditongo io do espanhol. Nao se impacientava com as brincadeiras: dava um sorriso largo; esfon;ava-se por arrematar a palavra com 0 iio e, com 0 passar do tempo, encontrou a tonaliCIade exata. Estudou com afinco, terminou 0 curso de mestrado e preparou seu projeto de disserta«ao. E partiu, decididamente, pant uma pesquisa de campo na Peniten­ciaria Feminina de Sao Paulo. Fez um trabalho cientffico serio que recebeu ampla consagra«ao .p·or parte da Banca Exarninadora da Faculdade de Direito de Sao Paulo, presidida pelo Prof. Dalmo de Abreu Dallari. Sem perder suas rafzes peruanas, Olga Espinoza

19 Luigi Ferrajoli, Pro/ago no livro de Tamar Pitch, p. 16 ..

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logrou identificar-se totalmente com 0 espfrito, a sensibilidade e a alma brasileiros. Se me fosse permitido resumir sua personalidade em poucas palavras} diria que se trata de um ser humano integro, raro e completo. E, portanto, a disserta<;ao universitaria dessa pessoa que luta de forma incisiva contra a discrirnina«ao ferninina, que possui posi«oes democraticas firmes e not6rias preocupa«oes sociais, que 0 Instituto Brasileiro de Ciencias Crirninais tern 0

orgulho de apresentar a seus associados como mais uma de suas monografias especiais.

Alberto Silva Franco

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INTRODU<;:Ao .. ....................................................... .... .... ...... ....... 27

i. CONSTRU<;:Ao TEORICA DO OBJETO DE PESQllSA .. 31 :~l

h 1.1 Definic;:ao de termos .................... ...... .................... ....... ...... 31 ~! 1.1.1 Direitos humanos ................................................ ....... 32 " ,

1.1.2 Trabalho ..................................................................... 38

1.1.3 Perspectiva de genero .................. , ....... ........... ..... ..... 48

1.2 Feminismo e criminologia .................... ;............................ 53

1.2.1 Antecedentes .............................................................. 53 ( , 1.2.2 As teorias feministas no direito ............................... 58

l.2.3 Criminologia critica.. .................................. ............... 64

( l. 2.4 Criminologia feminista .......... .......................... .......... 70

l.3 Pesquisas sobre a prisao feminina .................................... 78

( 2. REPRESENT A<;OES JURiDICAS NO SISTEMA PRISIO-

( NAL ........................................................................................... 87

" 2.1 0 contexto politico-social.............. ..................................... 87

I , 2.2 Normatividade nacional e internaciona!....................... ..... 93

.~ 2.3 Interpretando a mulherpor meio da lei ........................... 104 '\ 'el

i~1 \ 3. CONCEP<;:OES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES

COM RELA<;:Ao AO PODER PUNITIVO ................ .......... 111 '( fi 3.1 Metodologia ........................................................................ III

t::l 3.l.1 0 perfil das mulheres entrevistadas .................. ,...... 116 ~x t'1 ~~ ,

3.2 Mulheres na prisao ................................... 1......................... 122

3.3 A penitenciaria feminina da capital ........... ~...................... 127

Page 15: A Mulher Encarcerada Em Face Do Poder Punitivo - Olga Espinoza (Ibccrim)

26 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

3.4 Trabalho na prisao ............................................................. 133

3.4.1 Trabalhar na penitenciaria feminina da capital: Obten-,ao de liberdade .................................... ................ ..... 138

3.4.2 0 poder da caneta ..................................................... 146

3.4.3 Vincula,ao das mulheres com a familia ................. 152

3.4.4 Suporte econilmico denlro e fora ............................. 155

3.4.5 Desilusao versus esperan,a ....................................... 158

4. CONCLUSOES ......................................................................... 165

BIBLIOGRAFIA ............................................................................ 169

RELA<;AO DAS MONOGRAFIAS PUBLICADAS .................. 181

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INTRODU<;;AO I

A o desenvolver esta pesquisa assumimos a tarefa de analisar o papel da mulher presa no contexto do sistema punitivo.

Centralizamos nossa reflexao no exercfcio do trabalho nos presi­dios femininos da cidade de Sao Paulo, objetivo que logo foi restringido it Penitenciaria Feminina da Capital, presidio que abriga a maior populac;:ao prisional feminina do Estado de Sao Paulo, por diversas raz5es (exemplificadas pela facilidade na obtenc;:ao de permissao das autoridades do presidio, maior acessibilidade para a realizac;:ao das entrevistas com as mulheres pres as e disponibi­lidade e colaborac;:ao das proprias funcionarias no desenvolvimento da pesquisa) explicitadas no ultimo capitulo.

Para atingir nosso objetivo, pensamos, em urn primeiro mo­mento, em descrever 0 discurso do Estado com respeito ao trabalho, sob a premiss a de ser ele compreendido como uma ferramenta para atingir 0 fim ressocializador da execuc;:ao, para em seguida compara-Io com a situac;:ao a ser identificada na pesquisa de campo. No entanto, no decorrer da pesquisa bibliografica e durante as discuss5es com alguns interlocutores, deparamos com a necessidade de focalizar nossa reflexao nas falas das mulheres sobre 0 trabalho executado na prisao, ou seja, nas expectativas que tern elas acerca das atividades que desenvolvem no interior do carcere, bern como nas percepc;:5es sobre 0 papel que ele exerce na integraC;:iio social pos-prisional.

Algumas raz5es nos motivararn a decidir por observar a prisao de urn ponto de vista determinado - neste caso, 0 trabalho. Primeiro, partir do eixo do trabalho para analisar a prisao feminina nos permitiria centralizar a pesquisa em urn item, e explora-Io em profundidade, contrariamente ao que aconteceria se estendessemos

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28 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

a analise ao estudo da prisao como urn todo (pratica comum entre pesquisadoras e pesquisadores), tratando diferentes assuntos mais superficialmente. Segundo, uma vez que 0 trabalho e considerado atividade primordial na vida dos individuos, por meio delepode­damos nos aproximar de outros ambitos sob sua influencia, como a familia, as intera~oes proprias do carcere, a valora~ao do dinheiro, as expectativas sobre 0 futuro, entre outros. Terceiro, definindo 0 trabalho como elemento-chave nas finalidades mani­festas do Direito de Execu~ao Penal e como eixo sobre 0 qual se desenvolvem as trocas na sociedade p6s-modema, seria possivel compreender as expectativas das mulheres pres as a respeito do mundo da prisao e da norma e observar tais expectativas com suas complexidades e recursos.

Acreditamos que, transitando por esse caminho, conseguiremos enxergar 0 trabalho penal feminino sob uma optica abrangente, que nos aproxime do discurso do objeto' a ser estudado, valorizando-0, pois por seu intermedio buscamos superar esquemas dogmMicos que nao levam em conta a subjetividade que envolve 0 objeto de analise (quer no tocante a aproxima~ao da pesquisadora, quer no toe ante aos sujeitos pesquisados).

A principio, poderia parecer que pretendiamos avaliar a efe­tividade ou nao da finalidade ressocializadora, porem nao e essa nossa inten~ao. Tal objetivo requereria uma pesquisa que verifi­casse 0 tempo presente (no qual se desenvcilve 0 trabalho prisional) e 0 tempo futuro (que avaliara se a atividade serviu ou nao para evitar a continuidade da mulher no circulo vicioso da criminali­dade). Cientes de nossas Iimita~oes materiais, delimitamos nosso estudo a descri~ao das condi~oes de trabalho das mulheres presas na Penitenciaria Feminina da 'Capital, para entao analisar a per­cep~ao e as expectativas qJle elas mantem sobre 0 tema.

Esta pesquisa parte de uma firme convic~ao no respeito universal da dignidade de toda:s as pessoas e da cren~a nos direitos humanos como premissa necessaria para a estrutura~ao de uma sociedade democratica, assentada no Estado de direito,

1 Embora nao pretend amos reduzir as pessoas entrevistadas a condis:ao de objetos, procuramos a recuperac;ao de suas subjetividades.

INTRODUC;iio 29

Observaremos a problemiitica da criminalidade a partir de uma visao crftica, valendo-nos do questionamento da ontologiza~ao dos conceitos de criminoso/criminosa, de crime e de puni~ao, alem de contextualizar nossa reflexao nos postulados da criminologia fe­minista, que reconhece 0 carater indispensavel da perspectiva de generO em trabalhos que se ocupam de estudar as rela~oes sociais, como e 0 nosso caso. Esse referencial teorico dara sustento as reflexoes desenvolvidas nos capitulos seguintes.

No capitulo 2, interpretaremos a representa~ao da lei sobre 0

sistema penitenciario e, especificamente, sobre a mulher encarce­rada, a fim de identificar como a norma institucional constroi a imagem de rec1usa e define conceitos que intervirao na transfor­ma~ao da presa em cidada ressocializada.

Por fim, no capitulo 3, refletiremos sobre as expressoes do poder punitivo dialogando com as imagens edificadas pelas entre­vistadas,2 por meio das quais nos aproximamos do mundo da prisao feminina e desvendamos mitos e estereotipos construidos no senso comum e no discurso legislativo. Preocupamo-nos em dar a palavra as presas em vez de lhes expropriar a possibilidade de se posi­cionarem no espa~o publico.

Esperamos que 0 leitor nao seja defraudado pelas promessas expostas nesta introdu~ao e consiga verificar cada urn dos temas propostos.

2 Precisamos esclarecer que este trabalho olio incorpora a perspectiva das funcionarias penitenciarias. porquanto acreditamos que isso demandaria uma Olitra pesquisa. fugindo dos objetivos propostos.

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1

CONSTRU<;AO TE6RICA DO OBJETO DE PESQUISA I

SUMARIO: 1.1 Defini~iio de termos: 1.1.1 Direitos huma­nos; 1.1.2 Trabalho; 1.1.3 Perspectiva de genera - 1.2 Feminismo e criminologia; 1.2.1 Antecedentes; 1.2.2 As teorias feministas no direito; 1.2.3 Criminologia crftica; 1.2.4 Criminologia feminista - 1.3 Pesquisas sobre a prisao feminina.

1.1 DEFINI<;.i\.O DE TERMOS

OS conceitos nao sao estaticos; eles evoluem no decorrer do tempo. Alem do mais, mudam de sentido.segundo as circuns­

tancias e os individuos que os aplicam. Por essa razao, considera­mos pertinenteescIarecer a nos sa compreensao no tocante a alguns termos que serao us ados com freqiiencia neste estudo e, por sua vez, como sao compreendidos pelas mulheres que entrevistamos.

Neste capitulo, desenvolveremos brevemente 0 conceito de direitos humanos, de perspectiva de genero e, finalmente, de trabalho. Depois, refletiremos sobre a criminologia e 0 feminismo, e a influencia de urn sobre 0 outro, para apresentar entao as pesquisas mais importantes sobre prisao feminina.

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32 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

1.1.1 Direitos humanos

"A vida e justa quando garantida a dignidade da experiencia hUn/mzG. Vida com fome nlio e justa Ilem digna. Vida com dor tanthem niio,

seja qualquer a esp/cie de dor que acomc!a 0 hamell!. A vida IOcada pelo medo e pela allglistia e experiellcia maisii,

mais ainda se 0 desequil£brio vem de fora. "I

"C! pader que pratica injustira transpira violencia por todos os poros. "2

o que significa falar de direitos humanos? Serao os mesmos direitos humanos aqueles que servem como justificativa para a invasao de alguns paIses e aqueles rec1amados pelos familiares de desaparecidos aos govemos? Podemos falar de direitos humanos como urn conceito cuja significac;:ao estaria ja esgotada? Ou e preferivel afirmar que tal definic;:ao ainda envolve conflitos nao Tesolvidos?

Essas perguntas adquirem uma complexidade que nao cabe explorar nos limites deste trabalho. Contudo, entendemos que 0

termo direitos humanos nao e estatico, portanto nao seria possIvel esgota-Io - motivo pelo qual continuar refletindo sobre sua sig­nificac;:ao assim como sobre sua extensao e pratica bastante valida.

Nesse sentido, acreditamos ser tarefa incontomavel contextua­lizar 0 termo para, em seguida, analisar 0 significado que daremos a ele, enriquecido com as percepc;:6es das mulheres que se encon­tram na prisao.

o reconhecimento do ser humane como sujeito de direitos inerentes a sua personalidade se positivizou a partir do seculo XVIII, com a Dec1arac;:ao de VirgInia, de 1776, e a Dec1arac;:ao Universal dos Direitos do Homem e do Cidadao, de 1789. Todavia, foi sobretudo durante 0 seculo XX, como decorrencia das devas­tadoras guerras mundiais, que a protec;:ao dos direitos e das Iiberdades da pessoa obteve maior desenvolvimento, porquanto

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, Carmen Lucia Antunes Rocha, AA VV. 50 anos da Declara,iio Universal dos Direitos Humanos. Sao Paulo. Editorial Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, 1998, p. 49.

. 2 Eduardo Galeano, palestra ministrada no VII Seminario Internacional do Instituto Brasileiro de Ciencias Criminais, Sao Paulo, out. 2001.

CQNSTRUQAO TEO RICA 00 OBJETO DE PESQUISA 33

ficou evidenciado que "a dignidade humana [precisava] de nova garantia, somente encontravel em novos princfpios politicos e em uma nova lei da terra, cuja vigencia desta vez alcance toda a humanidade".3 Com esse objetivo, em 10 de dezembro de 1948, a Assembleia-Geral das Nac;:6es Unidas proclama a Declarac;:ao Universal dos Direitos Humanos. Essa data marc a urn novo processo na positivac;:ao dos direitos human os,' caracterizado pela

intemacionalizac;:ao. Atualmente, a maioria das Constituic;:6es contemporaneas in­

corporou preceitos de afmnac;:ao e protec;:ao dos direitos humanos.' No caso do Brasil, a Constituic;:ao Federal de 1988 recolhe nos seus primeiros artigos (do 1.0 ao 17) os princfpios e direitos procIamados no ambito supranacional. Cabe salientar ainda que a segunda metade do seculo XX presenciou 0 surgimento de numero con­sidenivel de declarac;:6es, pactos, convenc;:6es e tratados que pro­clamam os direitos humanos como urn todo ou que os enfocam a partir de tematicas mais especificas (exemplificadas pela protec;:ao de minorias, a eliminac;:ao da discriminac;:ao, a garantia do exercfcio de direitos sociais, a protec;:ao do meio ambiente etc.), os quais contam com a assinatura de parcela significativa dos govemos do

mundo. Esses fatos exprimem a necessidade de as sociedades reconhe­

cerem que todo ser humano, por tal condic;:ao, possui uma serie de direitos diante do Estado, que tern por sua vez 0 dever de

3 Hannah Arendt, Origens do totalitarismo, Sao Paulo, Cia. das Letras, 1989, p. 13.

4 Antonio Can~ado Trindade salienta que "a Declara~ao Universal constituiu, com efeito, 0 (mpeto inicial do processo hist6rico de generaliZaf;ao da prote<;:3.o internacional dos direitos humanos e abriu 0 caminho para a ado9ao dos mais de setenta tratados sabre a materia que em nOSSQS dias operam regular e permanentemente noS planas global e regional" (AA VV. 50 anos da Declara,iio Universal dos Direitos Humanos. Ob. cit. p. 103).

5 Dalmo de Abreu Dallari, Direitos humanos, Constitui~ao e jurisdiqQO interna, Semimirio de Forma9ao sabre a Aplica<;:ao Interna das Normas Internacionais dos Direitos Humanos noS Palop, Lisboa. Coordena~ao Editorial Gabinete de Documentac;ao e Direito Com­parada, 1999, p. 75.

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34 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

respeita-los e garanti-los. Segundo Antonio Can<;:ado Trindade, a teoria dos direitos humanos, como e hoje conhecida, apresenta-se como a "plasma<;:ao historica das exigencias contemporaneas da justi<;:a"6

Nesse contexto de progressiva prote<;:ao dos seres humanos, a realidade cotidiana de muitos homens e mulheres contradiz as afirma<;:6es plasmadas nas normas nacionais e intemacionais. Assim, perguntamo-nos se podemos falar de direitos humanos universais e, na esteira desse raciocfnio, se podemos asseverar que todos os homens e mulheres sao sujeitos irrestritos dos direitos fundamen­tais.7 Destarte, dirigirno-nos ao ambito prisional a fim de verificar possiveis respostas as duvidas propostas.

A prisao, como corolario da pena privativa de liberdade, restringe a liberdade de locomo<;:ao e outros direitos claramente indicados na senten<;:a de condena<;:ao. A Lei de Execu<;:6es Penais expressamente esclarece, em seu art. 3.°, que "ao condenado e ao intemado serao assegurados todos os direitos nao atingidos pela senten<;:a ou pela lei". Portanto, a legisla<;:ao infraconstitucional garante 0 respeito aos direitos fundamentais dos submetidos a pena privativa de liberdade que se encontram sob custodia do Estado. Essa garantia se encontra legitimada no Pacto Intemacional de Direitos Civis e Politicos, ratificado pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, no qual se Ie que "toda pessoa privada de sua liberdade devera ser tratada com humanidade e com respeito a dignidade inerente a pessoa humana" (art. 10, inc. 1). A Conven<;:ao Inte­ramericana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992, disp6e no art. 5.°, inc. 2, que "ninguem deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cmeis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa priva:da de liberdade deve ser tratada com 0 devido respeito a dignidade inerente ao ser humano".

6 Antonio Can,ado Trindade, Fundamento de los derechos humanos, Estudios basicos ''d.e perechos "Humanos U, San Jose de Costa Rica, IIDH, 1994, p. 25.

7 Nossa inten':tao nao e entrar na discussao sabre a universalidade ou o relativismo da concep<;ao de direitos humanos, mas na amilise sabre 0 exercfcio au nao desses direitos pela comunidade humana all se eles correspondem a urn conjunto restrito de indivfduos.

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CONSTRUQAO TEORICA DO OBJETO DE PESQUISA 35

No plano intemacional, essas normas se complementam com as regras minimas de tratamento de reclusos, a conven<;:ao contra a tortura e outros tratamentos cmeis, desumanos ou degradantes (no ambito universal) e com a Conven<;:ao Interamericana para prevenir e punir a tortura (no contexto interamericano). Em face do exposto, podemos deduzir que a legisla<;:ao vigente garante 0

respeito dos direitos fundamentais para todas as pessoas, inclusive aquelas privadas de liberdade. No entanto, a materializa<;:ao da execu<;ao penal prejudica as garantias acima expostas,' visto que as condi<;:6es de encarceramento, no Brasil e na quase-totalidade de paises, se distanciam do sancionado pelos preceitos legislati­vos,. com 0 menoscabo de "todos e cada um dos direitos funda­mentais (a vida, a saude e a integridade fisica e psfquica, a defesa ao trabalho remunerado, ao respeito de sua vida privada, ao sigilo de sua correspondencia etc.)". Resta-nos afirmar que os direitos humanos das pessoas privadas de liberdade "se encontram desva­lorizados em compara<;:ao com a tutela que possuem esses mesmos

8 Ana Messuti esclarece que, para saber 0 significado da expressao uprivagao de liberdade", devemos observar como se traduz na pnitica essa pena, "em que condig5es se desenvolve sua execu~ao [ ... J. Quando essas condi~oes sao de uma precariedade extrema, que facilite 0 contagio de doen~as, altera~oes ffsicas e psfquicas de todo tipo, e inclusive a morte, por priva,ao de liberdade tern que se entender a submissao do condenado a essas condic;oes de precariedade extrema e, por conseguinte. a todos as sofrimentos que elas supoem" (Derecho penal y derechos humanos. Los cfrculos hermeneuticos de la pena, Revista Brasileira de Ciencias Criminais, Sao Paulo, RT, 1999, vol. 28, p. 36). .

9 Relat6rios de organismos internacionais, tais como 0 Human Right Watch, a Anistia Intemacional e 0 Observat6rio Intemacional de Prisoes, corroboram 0 afirmado. Nesse mesma sentido. a Centro de J usti,a Global, organiza~ao nao-governamental brasileira, no seu relat6rio anual Direitos humanos no Brasil 2002, declara que "a situac;ao carceniria no Brasil tern se deteriorado a cada ana: superlotac;ao cronica, instalac;6es deficientes, massacres em diversas penitenciarias. rebeli6es dos presos, corrupc;ao de agentes peniten­ciarios e torturas sao alguns exemplos do -cotidiano dos estabele­cimentos prisionais" (Sao Paulo, Centro de Justi~a Global, 2002, p. 21).

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36 A MULHER ENCARCERADA EM FACE 00 PODER PUNITIVO

direitos quando se referem aqueles que vivem em liberdade".lo Esse prejuizo se concretiza mesmo nos casos em que "a prisao e regular, os presidios sao de born nivel e ha respeito pela pessoa do encarterado" .11 0 simples confinamento de alguem num recinto afastado de seu habitat priva-o da convivencia com familiares e amigos e restringe a Iiberdade de escolha em questoes que vao do relevante ao' superfIuoY

A incompatibilidade entre 0 discurso legislativo e a pratica penitenciaria e cIaramente expressa por uma das entrevistadas, quando nos expJica 0 que entende por direitos humanos:

"[ ... ] outro dia eu tava comentando sabre direitos humanos, que nos temos 0 direito a isso, 0 direito aquila. Dentro do sistema nao existe isso, nao existe. Existe na caneta,13 existe pra voces que vern de fora... Quando que eIes sabem que [alguem das ONGs] vao chegar aqui, vai vim urn carregedor, vai vim uma pessoa mais importante pra ver como [esta a situac;:ao das pres as] na Casa, entao, urn dia antes eles [as autoridades do presidio] fazem aqui, [com as] presa, da uma geral na cadeia, passa urn sennao em todo 0 mundo, prepara todo mundo. Naquele dia nos temos que te fica calminha, toda ne,e temos que dar 0

melhor de nos, porque senaa! ... ja sabe ne!".

10 liiaki Rivera, La "devaluacion" de los derechos fundamentales de los reclusos. Tratamiento penitenciario y derechos Jundamentales. Barcelona, Bosch, 1994, p. 47.

II Dalmo de Abreu Dallari, AA VV. 50 aJlOS da Declara<;iio Universal dos Direitos Humanos, ob. cit., p. 116.

12 Gresham Sykes, em Society, of captives (Princeton, Princeton University Press, 1971), obra na qual observa a prisao de uma optica sociol6gica, salienta as condh;5es de sofrimento impostas ao preso, que vao da priva<;ao da liberdade, passando pelas diversas rotinas de despersonalizagao (0 anonimato do uniforme. a identificagao por meio de c6digos numericos. os gestos de respeito e subordinagao). a rejei<;lio da sociedade "decente", a priva<;lio das rela<;5es hete­rossexuais (inclusive das rela~5es sexuais livres. em forma geral)l ate a propria restri~ao a autonomia (mediante a imposi~ao de honirios. rotinas e comportamentos de diffcil tolerancia).

13 Existe s6 na legislagao, mas na~ na pra.tica.

CONSTAUQAO TEO RICA DO OBJETO DE PESQUISA 37

Evidenciam-se 0 duplo discurso das funcionarios e a incompa­tibilidade entre 0 discurso do Estado (consolidado na nonna peni­tenciaria) e a aplicac;:ao das normas por autoridades e funcioniirios que, fonnalmente, afinnam a necessidade de respeitar os direitos humanos dos presos, porem, na pratica, ocultam 0 descontentamen­to daqueles, valendo-se de ameac;:as ou de medidas de afastamento dos que apresentam coragem para expressar sua opiniao.

No Direito Penitenciirio alemao desenvolveu-se a teoria das relac;:oes especiais de sujeic;:ao14 para justificar a restric;:ao dos direitos fundamentais dos indivfduos privados de liberdaae. Dessas reIac;:oes de sujeic;:ao deriva urn modelo de execuc;:ao penal nao regulamentado juridicamente, ou seja, que autoriza os estabeleci­mentos prisionais a se regerem por norrnas infralegais, a despeito da oposic;:ao aos direitos humanos consagrados na Constituic;:ao e a outras leis. Essa corrente foi utilizada por muitos teoricos como argumento para a reduc;:ao do status jurfdico do homem e da mulher presos, os quais nao seriam nem cidadaos nem sujeitos de direitos, passiveis de serem submetidos ao arbftrio da administra,ao peni­tenciaria, sempre que justificavel para fins de manutenc;:ao da ordem e da seguranc;:a. Nesse contexto a execuc;:ao penal Jimitar­se-ia a implantac;:ao de medidas rnfnimas e indispensaveis para preservar a vida e a sande dos encarcerados.

As mudanc;:as promovidas a partir da segunda metade do seculo pass ado, que reafinnaram os direitos fundamentais para todos os seres humanos, induziram a alterac;:ao da orientac;:ao polftico­penitenciaria que sustentava a relac;:ao especial de sujeic;:ao dos individuos privados de liberdade. Assim, em 1972, 0 Tribunal

(4 Helena Fragoso analisa essa teoria sob 0 nome de "teoria da especial rela<;ao de poder ou autoridade". Ela "tern por base [ ... ] a ideia de que 0 Estado e 0 cidadao podem ter duas especies de rela<;5es jurfdicas: a rela~lio de sujei<;ao geral [ou] rela<;ao de dire<;ao ou subordina~ao, que necessariamente existe entre 0 Estado e tados oS cidadaos, e a rela~ao de sujeic;ao particular, que nasce unicamente nos casas em que se criam por fato do individuo rela~6es estreitas entre ele e 0 Estado (funciomirios. estudantes de servigos publicos etc.)". A rela~ao do preso com a administrat;ao penitencHiria seria uma rela~ao particular de sujei~ao au autoridade (Direitos do preso. Rio de Janeiro, Forense, 1980, p. 4),

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38 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

Constitucional alemao resolve abandonar a referida teoria "para declarar que nao seria constitucional a limitas;ao dos direitos fundamentais da pessoa com base numa norma de nivel adminis­trativo orientada a atingir, quer os fins da pena, quer do estabe­lecimento penitenciiirio". 15 Porem, apesar do importante avans;o, o mencionado tribunal permitiu que os direitos fundamentais das pessoas privadas ·de liberdade fossem !imitados nos casos de a restris;ao estar amparada por lei. Essa brecha aberta pelo Tribunal Constitucional alemao - que poderia motivar a manutens;ao da doutrina da relas;ao especial de sujeis;ao - nao teve repercuss6es relevantes graS;as ao desenvolvimento do direito constitucional e do direito intemacional dos direitos humanos, que garantiram 0

respeito incondicional de alguns direitos humanos para todas as pessoas, por serem inerentes it condis;ao humana, "independente­mente da lei e contra a lei se necessario" .16 Por conseguinte, e indiscutivel hoje que 0 homem e a mulher presos tambem sao detentores de direitos, os quais nao podem ser !imitados pelo arbitrio de nenhuma autoridade penitenciiiria.

As reflex6es que vimos apresentando pretendem exprimir uma ideia nao abstrata de direitos human os, uma nos;ao que con temple o ser humano como ente real, de came e osso, diferente segundo sua localizas;ao e interas;ao com a sociedade. Esse individuo, homem ou mulher, estii protegido por normas nacionais e inter­nacionais, tanto na sua condis;ao ampla de ser humano como na de mulher ou homem preso.

1.1.2 Trabalho

o trabalho e urn conceito que tern evoluido no decorrer da hist6ria da humanidade. '1 As.sim, em vez de ser considerado

15 Borja Mapelli Caffarena, EI sistema penitenclarlo, los derechos humanos y la juriSp~udencia constitucional, Tratamiento penitenciario y derechos fundamentales, Barcelona, Bosch, 1994, p. 18.

16 Dalmo de Abreu Dallari, 0 retrato do Brasil que queremos mudar, Mundo lovern, Porto Alegre, 1999, n: 300, p. 12.

17 Nao nos ocuparemos em analisar as antecedentes hist6ricos do conceito de trabalho. Contudo, pode-se sugerir a leitura de Fral)90is

CONSTRUCAO TEORICA 00 OBJETO DE PESQUISA 39

atividade desprestigiada,18 degradante e desonrosa,19 pas sou a ser supervalorizado, fato que, pode-se dizer, foi estimulado em decor­rencia de fenomenos socioeconomic os e politicoS que surgiram no Iluminismo, estenderam-se na Revolus;ao Industrial, no seculo XIX, e foram refors;ados com os postulados marxistas.

A Revolus;1io Industrial implantou 0 modelo de Estado capi­talista, e instituiu 0 paradigma da acumulas;ao de riquezas (nao mais de propriedades) para 0 progresso das nas;6es e dos povos.20 Como a aproprias;ao dependia da repetis;ao infinita de atos, foi 0 traba­lha21 a atividade mais apta para providenciar tal acumulas;ao. Dai o surgimento da "fors;a de trabalho" como instrumento a ser vendido para propiciar 0 acumulo de riqueza.22 Essa venda gerou,

Barret, Historia del trabajo, Buenos Aires, Universitaria de Buenos Aires, 1961; Vitor Ribeiro, Trabalhadores co-protagonistas sociais: o direito a trabalhar, Revista do Ministerio Publico, Lisboa, Sindicato dos Magistrados do Ministerio Publico, vol. 42, 1990; Arnauri Mascaro Nascimento, Evolut;iio hist6rica do sindicalismo. Compendio do direito do trabalho, Sao Paulo: RT, 1972; I. Tumedeff, Hist6ria do trabalho, Sao Paulo, Edi90es Nosso Livro, 1934; Johannes Haessle, Trabajo y moral, Buenos Aires, Dedebec, 1944.

18 Hannah Arendt, A condif;iio humana, Rio de Janeiro, Forense Universitaria, 2000.

19 Marilena Chaui, na introdu\Oao aO livro de Paul Lafargue, a direito a pregui,a. Sao Paulo: Hucitec/Unesp, 1999, p. 11.

20 John Locke, Segundo 0 tratado sabre 0 governo, cap. XXVI, Sao Paulo, Ibrasa, 1963.

21 Para Hannah Arendt, labor e trabalho sao termos diferentes e correspondem a duas atividades distintas: du homem comO animal laborens e do homem como homo faber. 0 labor e a atividade ligada "ao processo biol6gico do corpo humano" (ob. cit. p. 15), desenvolvida para a manuten9ao da vida; "e a condi9aO de vida comum a homens e a animais sujeitos a necessidade de prover a propria subsistencia". J6. 0 trabalho "6 a atividade correspondente a criac;ao de coisas artificiais. diferentes do ambiente natural e que transcendem as vidas individuais" (Jete Jane Fiorati. as direitos do homem e a condi~ao humana no pensamento de Hannah Arendt, as direitos humanos e 0 direito internacional, Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 198-199).

22 Jete Jane Fiorati, ob. cit.

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40 A MULHER ENCARCERAOA EM FACE DO PODER PUNITIVQ

por sua parte, a estrutura para a institui"ao do mercado de trabalho, dimensao polftico-econ6mica que determinara 0 status dos indi­viduos e 0 poder do Estado.23

Na atualidade, as rela,,6es intersubjetivas se desenvolvem sob o modele de mercado, no qual a valoriza"ao do individuo passa pela da atividade econ6mica por ele realizada na sociedade, desconsiderando as demais qualidades pessoais.

Em tempos anteriores ao Iluminismo, 0 trabalho - compreen­dido como labor e fabrica"ao, segundo a proposta arentiana -consistia em atividade restrita aqueles que nao podiam "ser livres e independentes das necessidades e priva,,6es humanas".2' Com a propaga"ao das ideias iluministas e a nova concep"ao do capital, a ociosidade e desvalorizada e 0 trabalho passa a ser considerado valor social, moral e econ6mico. Contudo, especificamente como direito, ganha tal condi"ao como conseqiiencia das lutas das classes operarias de fins do seculo XIX.25

23 Alessandro Baratta, Crimin%gia crttica e crftica do direito penal, Rio de Janeiro, Freitas Bastos/Instituto Carioca de Criminologia, 1999, p. 189.

24 Hannah. Arendt (2000), ob. cit. p. 21. 25 "Foi tambem uma contribuil;ao do secu10 XIX a afirma~ao do trabalho

como direito, no~ao que abriu caminho para que se tornasse clara a percep~ao de que 0 traba1ho e atividade humana, nao sendo suficiente atribuir a ele urn valor econ6mico, a semelhanga do que se faz com qualquer mercadoria. 0 reconhecimento do direito ao trabalho foi produto da reivindica~ao de traba1hadores revolucio­narios [ ... J" (Dalmo de Abreu DaUari, 0 traba1ho integra a condi~ao humana, 0 Estado de S. Paulo., 10 mar. 1996, p. 5). Enrique Ricardo Lewandowski .. explicando a influencia dO' movimento openirio no reconhedmento do direito ao trabalho, salienta que "as agita<;oes operarias registradas ao 10ngo de todo 0 seculo XIX e inicio do seguinte. 'assim como a internaciona1iza~ao do movimento openirio. passaram a preocupar as grandes potencias da epoca. B uscando urn tratamento cOmum para o' problema [grifo oosso]. representantes de diversos g6vernos reuniram-se em Berlim, em 1890, com 0

objetivo de elaborar urn programa de reforma social de abrangencia universal [ ... J. A preocupa~ao com 0 bem-estar dos trabalhadores refletiu-se tambem no Tratado de Paz de Versalhes, de 1919, documento que encerrou formalmente a Primeira Guerra Mundial,

CONSTRUQiio TEORICA DO OBJETO DE PESQUISA 41

E no art. 23 da Declara"ao Universal dos Direitos Humanos, de 1948, que a comunidade intemacional reconhece 0 trabalho como direito, protec;ao que logo e ampliada e detalhada no Pacto Intemacional de Direitos Econ6micos, Sociais e Culturais de 1976, com 0 que adquire condi"ao de executabilidade26

o direito ao trabalho compreende a prote"ao do indivfduo que trabalha, a fiscaliza"ao das condi,,6es em que se realiza sua atividade, assim como a fiscaliza"ao do produto ou da remunerac;ao percebida, entre outras quest6es. Ligados a ele se encontram os direitos ao lazer,27 as ferias, a limita"ao da jomada de trabalho, a seguran"a social, 0 direito de sindicalizac;ao e 0 direito de greve, instrumentos basicos para manter 0 crescimento pessoal dos tra­balhadores e cultivar as rela,,5es sociais.

em cujo texto figuravam nove princfpios relativos a regulamenta<;ao do trabalho, as quais fcram recomendados aos pafses signatarios. Para a implementa~ao desses principios, instituiu-se a OIT [Orga­niza~ao Intemaciona1 do Trabalho] como uma agenda da Liga das Na~6es, sociedade de Estados criada pe10 referido tratado [antecessor da ONU]. A OIT logrou tanto sucesso que sobreviveu a disso1u~ao da Liga, ocorrida em 1946, passando a constituir urn dos orgaos especializados da GNU" (Origem, estrutura e ejicacia das normas de proteqiio dos direitos humanos na ordem interna e na ordem internacional. Tese de doutorado. Facu1dade de Direito da Univer­sidade de Sao Paulo, 1982).

26 Existe importante critica na doutrina a executabilidade programatica desta categoria de direitos. Ver Victor Abramovich e Christiam Courtis. Hacia la exigibilidad de los derechos econ6micos, sociales y culturales; F. Contreras Pelaez, Derechos sociales: teorCa e ideologCa; Flavia Piovesan, Direitos humanos e 0 direito consti­tucional internacional; Carolina Fairstein e Julieta Rosi. Comentarios a la Observaci6n General n. 9 del Comite de Derechos Econ6micos, Sociales e Culturales, entre outros.

27 Ha algumas decadas. alguns paises mantinham entre suas leis a puni~ao do ocio, como contraven9ao aos bons costumes (exemplo no ja derrogado art. 59 da Lei de Contraven~6es Penais brasileira, e nas legislagoes venezuelana e peruana). por ser urn defeito. e nao manifestagao de liberdade. Para aprofundar-se nesse tema, ver Sergio Mazina Martins, Vadiagem - Conceito, Revista Brasileira de Ciencias Criminais, Sao Paulo, RT, vol. 4, p. 247, 1995. Consultar tambem Paul Lafargue, ob. cit. 1999.

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42 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVo

Vivemos sob a influencia de urn fenomeno de crescente des va­loriza<;:ao do trabalho como direito (iSSD nao significa, entretanto, que a tendencia se dirija a revaloriza<;:ao do aciD ou lazer) e de aumento dos indices de desemprego e subemprego.z' Assim, 0

desemprego, a precariza<;:ao do trabalho e a perda de prote<;:ao social Sao alguns dos problemas que enfrentamos na maioria dos paises no principiar do seculo XXI.29 Vitor Ribeiro, descrevendo 0 panorama do mercado de trabalho, denuncia "a insidiosa desfigura<;:ao e anomia com que 0 comercio negocista, claramente estimulado pelo clima reinante, e com a complacencia mais ou menos assumidil do poder, vai sitiando e enfraquecendo a cidadela protetiva das aquisi­<;oes tradicionais - os recibos [ ... j, a subcontrata<;:ao, 0 trabalho infantil, 0 trabalho temporano (verdadeiro monumento a coisifica­<;ao do trabalho humano), a precariza<;ao do emprego, a explora<;ao de migrantes [ ... J, os salarios em atraso etc.".'o

No entanto, apesar da crise do Estado de bem-estar e da expansao do modelo de Estado neoliberal que atenta contra as conquistas trabalhistas, 0 trabalho continua no apice das principais atividades desenvolvidas, porquanto representa 0 caminho legftimo para prover o homem e a mulher das condi<;oes basicas de subsistencia, alem de garantir 0 status de cidadao e cidadii, que os distancia da margina­lidade. Por essas razoes, 0 trabalho ainda se constitui em elemento indispensavel e essencial da condi<;ao humana.

Por is so mesmo, devemos reconhecer 0 carater de dever/direito nele implfcito, sem a identifica<;iio de uma contradi<;iio de sentidos.

28 Para aprofundar-se no tema, ver Porothee Susanne Rudiger, Con­sideraqao sabre as direitos dos trabalhadores na Declarar;ao Universal dos Direitos Humanos; 'Luis Gustavo Pollini, A evolw;iio e 0 retrocessa dos direitos humanos inerentes a dignidade humana no campo trabalhista; Eliana Santos Alves Nogueira, 0 direito ao trabalho e a crise de emprego.\

29 Laura Golbert. Ser, madre 0 trabajar?: la situaci6n de las mujeres en el mercado laboral. Ley. mercado y discriminacion. EI genera del trabajo, Buenos Aires, Editorial Biblos, 2000.

30 Vitor· Ribeiro, Trabalhadores e justi,a. Por uma afirma,ao etica do cidadaoltrabalhador, Revista do Ministerio Publico, Lisboa, Sind i­cato dos Magistrados do Ministerio Publico, n. 46, p. 10, 1991.

CONSTRUQAO TEORICA DO OBJETO DE PESQUISA 43

o valor vida tern adquirido importancia fundamental nas sociedades ocidentais, principalmente logo apas a segunda metade do seculo XX, quando se intensifica a intemacionaliza<;ao dos direitos huma­nos. Na prote<;:ao desse valor, 0 trabalho aSSume papel indispensavel, pois proporciona os recurs os materiais suficientes para atingir tal objetivo. Sob esse prisma, apresenta-se como dever moral. Mas a condi<;:iio de dever nao se esgota na finalidade economica, uma vez que ele tambem representa urn dever, niio s6 individual como social, por permitir as pessoas transformar 0 mundo em coopera<;ao com os outros, mediante 0 envolvimento, a intera<;ao e a socializa<;iio com os outros, 0 que gera beneficios para toda a coletividade.

Desse universo de deveres surgem, em conseqiiencia, direitos desfrutaveis pelos detentores daqueles deveres. Tais direitos saO exemplificados pela limita<;iio da jomada de trabalho, 0 direito a ferias e a descanso remunerado, a exigencia de prote<;:iio da vida e da saMe do trabalhador, 0 salario minimo, a imposi<;ao da igualdade juridica entre os sex os, a maior remunera<;ao por trabalho notumo e horas extras, a licen<;:a a gestante, entre outros,'1 pois "do fato de ser 0 trabalho um dever absoluto e inderrogavel para 0 homem, segue-se logicamente que 0 trabalho e, outrossim, um direito". 32

Confirma-se assim que "toda pessoa tern 0 direito ao trabalho e o dever de trabalhar, [ ... j e aquele que pode exigir 0 cumprimento do dever [nesse caso 0 Estado e a coletividadel tem, por seu lado, a obriga<;iio de assegurar 0 gozo do direito". 33

No ambito prisional, 0 trabalho nem sempre foi interpretado como um direito - com efeito, durante muitos anos foi utilizado como instrumento de puni~iio. Por influencia das mudan<;as na prote<;iio dos direitos humanos, e das correntes garantistas e criticas da criminologia e do direito de execu<;iio penal, a atividade ganhou o carater de direito por meio da vincula<;iio com a finalidade ressocializadora. Todavia, nos tempos atuais, 0 modele punitivo, isto e, que entende 0 trabalho como castigo, e 0 modele garantista,

'I Art. 7.° da CF. 32 Felice Battaglia, Filosofia do Trabalho, Sao Paulo, Saraiva, 1958,

p. 317. 33 Dalmo de Abreu Dallari, 0 trabalho integra a condi~ao humana, ob. cit.

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44 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

que considera 0 trabalho urn direito, convivem num mesmo territorio nacional; por essa razao, 0 trabalho, na pnitica, ainda esta longe de ser percebido como direito.

o trabalho ja era visto como punis:ao antes que a prisao fosse compreendida como pena. Essa nos:ao tern antecedentes na Idade Media: 0 trabalhador era considerado urn servo, e, quando se atrevia a abandonar a cidade, era tratado como fugitivo.34 No transcurso da economia agraria a manufatureira e com a decadencia das antigas instituis:oes feudais, opera-se uma transformas:ao: os camponeses trasladam~se para as cidades e convertem-se em massas ameas:ado­ras de trabalhadores agrfcolas. "Sem possessoes, 0 trabalhador agrfcola so podia optar pela vadiagem ou pela disciplina do trabalho assalariado. "35 Contudo, os problemas dramatizaram-se em virtude da crescente oferta de mao-de-obra e da escassa demanda.

No seculo XVII criaram-se as workhouses, ou "casas de traba­Iho", que, pelo carater disciplinador e opressor, se constituiram em instituis:oes antecessoras das pris6es, nas quais as pessoas entravam por livre vontade. As condis:6es de vida e de trabalho eram de tal natureza que ninguem que nao estivesse em extrema necessidade aceitaria se tomar intemo: 0 trabalho era duro, 0 isolamento e a disciplina absoluta "aterrorizavam 0 indolente e 0 malvado a ponto de nao desejarem passar por elas, a menos que, por uma situas:ao insustentavel, se vissem obrigados a recorrer a elas, pagando 0 pres:o da renuncia de sua liberdade". 36 T. Miralles37 salienta que a organizas:ao dessas casas era baseada na disciplina da higiene

34 Enrique E. Mari, EI panoptico en el texto de Jeremy Bentham, El discurso jur£dico: Perspectiva psicoanaUtica y atros abordajes episternol6gicos, Buenos Aires, Hachette, 1982, p. 223.

35 Idem. 36 Daria Melossi e Massimo Pavarini, Careel y jdbrica, Mexico, Siglo

XXI, 1985, p. 60. E. Marl (ot;. cit. p. 225) salienta que a finalidade ultima daquela institui~iio de \trabalho era for~ar 0 pobre a se oferecer a qualq~er urn que quisesse lhe dar urn emprego, inclusive em condi\=oes de -.desvantagem. Para is SO, era preciso que a casa de trabalho oferecesse condi~6es de vida piores do que aquelas que poderia encontrar urn trabalhador livre.

31 Roberto Bergalli et alii, Pensamiento criminol6gico. Estado y control II, Bogota, Editorial Temis, 1983, p. 97.

CONSTRUQAO TEORICA 00 OBJETO DE PESQUISA 45

corporal, na regulamentac;ao da sexualidade e na vida abstemia, bern como na aprendizagem laboral. Ate 0 seculo XVII, essas instituis:6es albergaram pobres, mendigos, ociosos, jovens e delinqiientes, man­tendo em alguns paises certo nivel de produtividade.

No comes:o do seculo XVIII, a Europa sofreu mudanc;as38 que ocasionaram a desaparic,;ao paulatina das casas de trabalho que se transformaram entao ern depositos de indi vfduos exc1uidos do incipiente e desorganizado mercado de trabalho. Nesse perfodo, 0

papel das casas de trabalho e 0 das prisoes se entrecruzam, reforc;ando a marginalizas:ao das pessoas que por causas diversas nao conseguiram entrar no sistema de produs:ao laboral.'9

No final daquele seculo, a conjuns:ao da corrente ideologica materialista com as premiss as morais do luteranismo da lugar as posturas reformistas dos carceres. Essas reformas pretenderam impor efetiva disciplina de modo a gerar uma transformas:ao moral e religiosa. Surgiram assim os famosos sistemas penitenciarios americanos que, baseados em regras sanitarias, disciplinares e religiosas, buscavam erradicar a corrups:ao e a desordem das pris6es da epoca. Alguns autores afirmam que tais sistemas teriam sido os primeiros a compreender a prisao como punis:ao formal.40

Os modelos penitenciarios mais conhecidos e de maior repercus­sao e influencia no mundo penitenciario foram os da Filadelfia (ou Pensilvllnia) e de Auburn. 0 primeiro se caracterizou por impor 0

isolamento celular notumo e diumo. Tinha por objetivo levar 0

indivfduo preso a enfrentar a propria consciencia por meio da pratica da reflexao em solidao, para que analisasse sua vida passada e seus erros, e compreendesse melhor sua estada naquele espas:o de restri­c;6es. Contudo, 0 trabalho era permitido como "premio", isto e, como

38 Como conseqUencia da crise do mercantilismo na Europa. R. Bergalli, ob. cit. p. 97.

39 Idem. 40 Norval Morris, El futuro de las prisiones, Madrid, Siglo XXI, 1985,

p. 21. 0 modelo da Pensilviinia ou Filadelfia seria uma invenc;:iio dos quakers que se estendeu par todos as Estados Unidos e logo por todo 0 mundo. As pris6es seriam urn "difundido produto norte­americana de exporta\=ao que, como 0 tabaco, teve aceita\=ao internacional, e conseqUencias nocivas".

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46 A MULHER ENCARCERADA EM FACE 00 PODER PUNITIVQ

"a unica forma de fugir da loucura [ ... J e de aliviar sua triste sorte".41 o tipo de atividade desenvolvida foi principalmente manual e cuja realiza~ao demandava poucos utensflios, pois 0 importante era man­terospresosocupadospormaiortempo.42 Mais tarde, foi implantado em Auburn outro sistema, que se diferenciava do modelo anterior pela combinac;:ao do isolamento notumo (sob a regra do absoluto silencio) com a vida.em comunidade durante 0 dia. Manteve-se 0

. trabalho prisional, mas ele perdeu sua condic;:ao de premio e assumiu o carater de "obrigac;:ao" - 0 trabalho forc;:ado tornou-se parte do castigo. A logica era evitar prescindir da for~a econ6mica constituida pelos presos, obrigando-os a trabalhar, inclusive contra sua vontade. Assim, a motivac;:ao para a mudanc;:a de regime penitenciario foi dada pela pretensao de obter lucro - eis 0 principio do capitalismo modemo - por intermedio do trabalho desses individuos.

Segundo T. Miralles, "com a evoluc;:ao da organizac;:ao do trabalho ao redor da manufatura e do trabalho em cadeia realizado coletivamente, 0 trabalho manual bruto e individual efetuado nas prisoes do modelo de Filadelfia deixa de ser competitivo e apresenta fortes perdas. Essa e a razao principal para que [aque1e J sistema seja progressivamente abandonado em favor da implantac;:ao do sistema de Auburn, onde 0 isolamento e so notumo, enquanto 0 trabalho e realizado coletivamente, mas em silencio"'" Ambos os sistemas

41 Francisco Gonzalez Navarro, Una matriz discipIinaria en cnsls. La carcel, Actualidad penal, Madrid, Actualidad Editorial, 1990, vol. 2, p. 520.

42 Jeremy Bentham, em defesa desse modelo na Europa de finais do seculo XVIII, propunha que 0 traQi'lho se desenvolvesse sob os mesmos padroes de Filadelfia. QU· seja, como meio de consolo em vez de castigo: "0 horror de uma prisao nao deve recair sabre a ideia do trabalho, mas sobre a severidade da disciplina, sobre vestes humilhantes, sabre urn alimento grosseiro. sabre a privac;ao de liberdade. A ocupa9ao [trabalho], ,antes que castigo para 0 preso, deve seT oferecida como consolo _e prazer; efetivamente dace em si mesma comparada-· com a ociosidade fon;osa, seu produta lhe confere dupl0 sabor. 0 trabalho, pai da riqueza: 0 trabalho e 0 maior dos bens ... Por que apresenta-Io como maldi9ao?" (citado por E. Marl, ob. cit. p. 220).

43 T. Miralles, ob. cit. p. 99.

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CONSTRU<;:iio TEORICA DO OBJETO DE PESQUISA 47

tin ham a func;:ao latente de domesticar os individuos; tratava-se de moldar suas consciencias - 0 que se procurava era a docilidade e 0

arrependimento dos condenados - de acordo com os padroes da emergente sociedade capitalista.44

Para Rusche e Kirchheirmer;' a pena de prisao esteve intimamente ligada ao desenvolvimento da sociedade industrial. A forc;:a de trabalho, conceito construido pe1a sociedade bur­guesa, constituiu-se no elemento que definiu as mudanc;:as na percepc;:ao da privac;:ao de liberdade como punic;:ao. A tese central do livro Punishment and Social Structure [Punic;:ao e estrntura social] consiste na analise do nascimento da prisao como instituic;:ao burguesa de punic;:ao na passagem para 0 capitalismo. Defendem os autores que a privac;:ao de liberdade como sanc;:ao se universalizou no Iluminismo, sob a influencia do mercan­tilismo da Idade Media. Nesse sentido, e certo que 0 mercado assumiu papel deterrninante na compreensao do trabalho, quer como punic;:ao, quer como premio, quer como direito.

Embora tenha sido superada a ideia do trabalho como castigo, subsiste a noc;:ao de compensac;:ao, premio ou beneficio. o desenvolvimento do trabalho prisional foi influenciado pela mudanc;:a na valorac;:ao do trabalho como urn todo. Assim, a hegemonia do modelo capitalista levou ao reaproveitamento das atividades realizadas no interior do carcere para proporcionar a gerac;:ao de beneficios e, em decorrencia, de lucros. Em adi~ao, o desenvolvimento dos direitos humanos e, nomeadamente, do direito ao trabalho perrnitiu exigir 0 reconhecimento de certos limites na pratica laborativa no interior dos carceres, segundo consta na legislac;:ao penitenciaria. Esse topico sera estudado com maior profundidade no capitulo seguinte.

44 Ver Michel Foucault, Vigilar y castigar. Nacimiento de la prisian, Buenos Aires, Siglo XXI, 1991.

45 Punifiio e estrutura social. Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1999. Esse material foi publicado pela primeira vez em 1939. e influenciou fortemente uma serie de teses crfticas que· se desenvolveram posteriormente. Pode-se citar, entre as autores cujo trabalho foi afetado, Michel Foucault.

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48 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

Fernando SalIa46 retoma a tese anterior (posteriormente desen­volvida por Dario Melossi e Massimo Pavarini) e a analisa estabe­lecendo uma contraposic;:ao com as ideias de Michel Foucault. A prisao seria para esses autores uma fabric a de proletarios e nao de mercadorias, visto que tende a confirmar a ordem social burguesa, ao distinguir proletarios de nao-proletarios e ao educar "0 preso para que se converta num proletario naoperigoso que nao represente ameac;:a It propriedade". 47 Assim, entendem eles que existiria uma contradic;:ao entre a func;:ao de reabilitac;:ao do delinqiiente e a contenc;:ao do encarceramento, que geraestigma . e dificulta 0

ingresso no mercado de trabalho. Porem, essa suposta contradic;:ao e interpretada por Michel Foucault como mais uma das facetas do carcere. Quando outros observam antagonismos entre as func;:6es da prisao - que leva a conduir pelo seu aparente fracasso -, Foucault destaca que a prisao cumpre a tarefa principal de produzir delinqiien­cia, quer dizer: por meio dela se estabelece "milli. oposic;:ao estrate­gica entre as ilegalidades e a delinqiiencia"," 0 que motiva a vigilancia poiftica e justifica a existencia do aparelho policial.

Para analisar as func;:6es da prisao e do trabalho penal, nao podemos nos limitar ao estudo das prescric;:6es legais, porquanto "a prisao con segue persistir a partir de func;:6es que nao estilo contidas no quadro legal". Trata-se de mais umajustificativa para a elabora­c;:ao de uma pesquisa de campo que nos permita identificar as func;:6es latentes do trabalho prisional, sob a perspectiva das mulheres pres as.

1.1.3 Perspectiva de genero

"[. .. ) 0 jim do si!culo XX 110S con/ronta com uma obviedade que, paradoxalmente, i uma das grandes revoluroes desse seculo:

a descoberta de que existem dois sexos e nao apenas um. "49

46 0 trabalho penal: uma revisiio\/list6rica e as perspectivas frente a privatizar;iio das prisoes, disserta<;ao de mestrado, Sao Paulo, FFLCHlUSP, 1991:

47 Dario Melossi e Massimo Pavarini, ab. cit. p. 73. 48 Idem, p. 74. 49 Rosiska Darcy de Oliveira, A igualdade faz toda a diferen~a, a precon­

ceito, Sao Paulo. Imprensa Oficial do Estado. 1996-1997. p. 73.

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CONSTRUc;:iiO TEORICA DO OBJETO DE PESaUISA 49

Comumente a referencia It perspectiva de genero ou e desconhe­cida ou e identificada com correntes feministas radicais que consi­deram 0 homem inimigo. Ainda pouco explorada. basta observar as escassas indicac;:6es que the sao feitas no ambito dos estudos jurfdicos e criminol6gicos latino-americanos.5o No entanto, nosso interesse em trabalhar com tal perspectiva naa se justifica simples­mente por pensarmas que deve ser difundida na area academica. mas por acreditarmos que. sob esse prisma, sera possive! observar mais efetivamente os conflitos que envolvem homens e mulheres. e, no caso espedfico desta pesquisa, a problematica do trabalho no interior de uma prisao feminina. Parece-nos importante, contudo, primeiro conhecer alguns conceitos que a abrangem.

Trabalhar sob urn enfoque ou perspectiva de genero demanda abordar tres dimens6es: 0 conceito de genero, as relar;5es de genero e 0 sistema de genera.51

A conceituac;:ao. de maneira geral, pode acarretar algumas confus6es, principalmente para os falantes das Hnguas espanhola ou portuguesa. Nao se utiliza 0 termo "genero" apenas para dassificar o tipo e a especie a que pertencem os seres e as coisas, mas tambem para designar 0 modo e a forma de ser de algo. Por exemplo, falamos em genero humane e genero animal, em genero masculino e genero feminino, em genero literario, genera de vida, genero da conversa­c;:ao. Todavia, nem todas as Hnguas apresentam as mesmas confu­s6es. Em ingles, 0 termo gender'2 apresenta urn sentido mais preciso, pois contempla s6 0 genero sexual.

No contexte dos estudos feministas, tal palavra faz referencia It "dicotomia sexual que e imposta socialmente pelas representac;:6es

50 Rosa Del Glma, Criminalidad y criminalizaci6n de fa mujer andina, Caracas. Editorial Nueva Sociedad, 1998.

51 Patricia Ruiz Bravo, Una aproximacion al concepto de genera, Sabre genera, derecho y discrirninaci6n. Lima, Pontificia Universidad Cat6lica del Peru - Defensoria del Pueblo, 1999. p. 134.

52 Foram as falantes de lfngua inglesa que introduziram a nova acep,:;ao de genera nas ciencias sociais e posteriormente nos estudos sabre mulheres (AIda Facio. Cuando el genera suena cambios trae. MetodoLogia para el andlisis de genera del fenomeno legal, Costa Rica. Ilanud. Programa Mujer. Iusticia y Genera. 1999. p. 39).

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50 A MULHER ENCARCERADA EM FACE 00 POOER PUNITIVO

e estereotipos que fazem os sexos parecerem diametralmente opos­tos. E assim que, a partir da exagerada importiincia dada as diferenc;as biologic as reais, se constroem representac;5es para cada sexo" .53

o objetivo dos grupos feministas ao desenvolver 0 conceito de genero foi evidenciar a fragilidade e a falsidade das explicac;5es biologicistas da subotdinac;ao da mulher.54 Tratava-se de demons­trar que a discriminac;ao feminina, sustentada em diferenc;as biolo­gicas, nao era resultado de uma estrutura inferior, mas da forma como a diferenc;a foi construfda social e culturalmente.

o estudo da situac;ao da mulher, por meio de uma otica de genero, representa "a ruptura epistemologica mais importante dos ultimos vinte anos nas ciencias sociais". 55 Sua importiincia reside justamente em romper com a invisibilidade da mulher nos estudos que enfocam a perspectiva masculina como universal, como proto­tipodo humano. Argumentava-se que, ao se referir ao homem, tacitamente a mulher estaria inclufda; ademais, ao elaborar urn estudo ou pesquisa com parametro especificamente feminino, estar­se-ia trabalhando de forma muito particular e sem can iter gera!'" -condic;ao supervalorizada, mas falsa. Esses argumentos foram con­testados por teoricas feministas que denunciaram que "a preeminen­cia da superioridade do homem sob a mulher e a logica do sexismo que tern impregnado 0 afazer cientffico, do quai nao tern fugido as ciencias penais e criminologicas".57 Muitos dos trabalhos desenvol­vidos por cientistas politicos, sociologos, psicologos, antropologos e juristas universalizam as conclus5es com 0 proposito de integrar ambos os generos, porem invisibilizam assim as particularidades do mundo feminino.

53 Idem, p. 40. 54 Patricia Ruiz Bravo, ob. cit. p. 134. " Ver AIda Facio e Rosalfa Camacho, En busca de las mujeres perdidas

o una aproximaci6n crftica a la' Criminologfa. Vigiladas y casti­gadas, Lima, Cladem,1993, p. 30.

56 Idem. 57 Gladys Tinedo Fernandez, Mujer, carcel y derechos humanos,

Capftulo criminologico. Zulia, Instituto de Criminologfa Dra. Lolita Aniyar de Castro, 1995, vols. 23-2, p. 339.

CONSTRUCAO TEORICA DO OBJETO DE PESOUISA 51

No que se refere as relaC;5es de genero, constroem-se a partir de representac;5es'· de masculinidade ou feminilidade baseadas em estereotipos que definem a forma como atuam, sentem e vivem homens e mulheres. Elaboram-se como parte de urn processo de identificac;ao de genero que se inicia na falll11ia, passa pela escola e se rearrrma no contexte social. 59

o genero nao alude exclusivamente a construc;5es sociocultuC

rais, historicas e psicologicas. Diz respeito tambem as relac;5es que se desenvolvem a partir dessas construc;5es, quer entre homens e mulheres (intergenero), quer entre homens ou entre mulheres (intra­genero)."O Por outr~ lado, quando nos referimos ao sistema de genero, "aludimos ao conjunto de normas, pautas e valores, atraves dos quais uma sociedade deterrninada modela a forma como a sexualidade e a procriac;ao devem ser contextualizadas". Portanto, as relac;5es de genero envolvem nao so a relac;ao entre homens e mulheres, mas igualmente 0 sistema social: "se, para analisar uma sociedade, levamos em considerac;ao 0 sistema economico, politico ou religioso, e preciso considerar 0 sistema de genero que interatua

58 Sistemas de ideias que modelam 0 comportamento das pessoas. 59 Nesse processo, podem se distinguir tres etapas au dimensoes: a

atribui~ao (asignacion) , a identidade e a papel (rol) de genera. A primeira se reaIiza quando do nascimento e da produ~ao do reconhecimento genital. Nesse momento, os pais e a famnia dec idem o nome da crian~a, vestem-na com roupas de determinada cor e comegam a tratar 0 recem-nascido como menino ou menina. A segunda se estabelece quando a crianga tern dais au tres anos. e comega a falar. 0 menino ou a menina adquirem enta~ uma identidade de genero, sob a qual se estruturanl toda sua experiencia vital. Finalmente, a terceira se forma a partir do conjunto de normas e prescri~5es, que sanciona a sociedade e a cultura, sabre 0

comportamento feminino au masculino. Martha Lamas, citado por P. Ruiz Bravo, ob. cit. p. 140-141.

60 Ver p, Ruiz Bravo. ab. cit.; Alicia Ruiz. La construcci6n de la subjetividad no es ajena a las mujeres, El derecho en el genero y el genero en el derecho, Buenos Aires, Editorial Biblos, 2000; Haydee Birgin, Identidad, diferencia y discurso feminista. Universalismo frente a particularisma, idem; Virginia Vargas Valiente" Un debate feminista en curso. Ediciones de las mujeres, Isis Intemacional, 1997, vol. 25,

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52 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

com os outros [sistemas] ao mesmo tempo em que os retroalimen­ta".61

Todas essas reflexoes nao surgiram de modo homogeneo nem uniforme;62 tanto e que se pode afIrmar a existencia de varios tipos de feminismo e a elaborac,:ao de diferentes estrategias para eliminar a discriminac,:ao contra a mulher (por exemplo, 0 feminismo liberal, o radical, 0 socialista, entre outroS).63 Contudo, uma das principais contribuic,:oes dos movimentos feministas tern sido revelar a condi­c;ao de genero nas relac;oes sociais, buscando com isso 0 reconheci­mento de .sua existencia para atingirmudanc,:as queidentifiquem homens e mulheres como seres humanos potencialmente iguais em direitos e em dignidade.

As breves reflexoes acima apresentadas nos levam a concIuir pela necessidade de incIuir a perspectiva de genera como marco de aproximac;ao ao universo carcerario, sobretudo tratando-se de uma pesquisa que identifica a mulher pres a como objeto de estudo. Assim, reconhecemos a prisao como urn ambiente que favorece a violac,:ao dos direitos, especialmente se se fundamenta na compreen­sao de que homens e mulheres presos seriam cidadaos de segunda categoria. Nesse contexto, jUlgamos mais aprapriada a inclusao dessa perspectiva porque nos permite iniciar nossa analise tomando como base 0 principio da dignidade humana, que estrutura a doutrina dos direitos humanos, para entao identificaro ambiente de exclusao que constitui 0 carcere. 0 trabalho surge em nossa refIexao como 0

instrumento que nos permitira entender a transformac,:ao das mulhe­res presas, na imposic,:ao de valores que compreendem a docilidade

61 P. Ruiz Bravo, ob. cit. p. 145. 62 Ver Colette ·Parent e Franc,:oise Digneffe, Pour une ethique feministe

de l'intervention penale, Rev!!e Carrefour, Ottawa, Editions Legas, 1994, vols. 16-2.

63 Para uma analise hist6rica do s\J.rgimento das teorias feministas, ver Encarna Bodel6n, Pluralismo, 'derechos y desigualdades: una reflexi6n desde el genero, Detechos y Libertades. Revista del Instituto Bartolome de las Casas, Madrid, Universidad Carlos III de Madrid, 1995, vol. 5; Lidia Falc6n 0 'Neill, Historia de los derechos de las mujeres. La construcci6n del sujeto politico, Derechos humanos de las mujeres. Aportes y reflexiones, Lima, Manuela Ramos - Unifem, 1998.

CONSTRUQAO TEORICA DO OBJETO DE PESQUISA 53

e a domesticidade como virtudes, reforc,:ando a submissao da mulher e restringindo 0 exercfcio de praticas cidadas.

Contudo, antes de examinar a representac,:ao do sistema prisional na normatividade brasileira e nas convenc,:oes intema­cionais de direitos humanos, devemos estudar a func,:ao do movimento feminista na mudanc;a de pensamento por intermedio do questionamento do paradigma patriarcal e na reformulac,:ao dos papeis de homens e mulheres no espac,:o publico, para finalmente analisar sua influencia no desenvolvimento da criminologia crftica e nas pesquisas sobre prisoes femininas.

1.2 FEMINISMO E CRIMINOLOGIA

1.2.1 Antecedentes

Para falar da mulher e de seu envolvimento com 0 sistema punitivo, partimos do pressuposto de que 0 sistema criminal esta em crise, na medida em que representa nma instituic;ao que nao cumpre suas func,:oes manifestas64 e se caracteriza por ser uma entidade seletiva e perversa, que recruta sua clientela entre os mais misenl.­veis,65 quer para criminaliza-la, quer para vitimiza-la.

A perversidade do sistema se evidencia na demanda por maior controle dos potenciais selecionados a esse mesmo controle. Quanto mais discriminatorio, arbitrario e brutal e seu exercicio, maior poder recIamam os controlados para 0 funcionamento do aparato puniti­vo.66 A perversidade se institui e expande por intermedio do "aparato de publicidade"67 do Estado, que prajeta a ilusao de urn poder

64 "Por fun~ao manifesta, entende-se aquela expressamente pre vista na norma criminal, como a prote~ao de certos bens jurfdicos e a prevenc,:ao de determinadas condutas" (0. Espinoza e D. Ikawa, Aborto: uma questao de politica criminal, Boletim do IBCCRIM, Sao Paulo: IBCCRIM, vol. 9, n. 104, p. 4, jul. 2001).

65 De acordo com 0 ultimo Censo Penitenciario. 66 E. R. Zaffaroni, La mujer y el poder punitivo, Vigiladas y castigadas,

Lima, Cladem, 1993, p. 20. 67 Idem.

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54 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

punitivo igualitario, nao seletivo, nao discriminador, disfar«ando de conjuntural ou circunstancial aquilo que e estrutural e permanente, isto e, inerente ao pr6prio poder. Assim, a resposta politico-criminal dos governantes se direciona ao atendimento do complexo problema da criminalidade mediante a inj~ao de solu«oes de curto prazo, cuja aten«ao e focada nos efeitos finais do controle social, ou seja, na atua«lio do sistema criminal. Isso se da por meio de medidas que

. abrangem 0 aumento de penas, a restri<;lio de garantias processuais penais, 0 endurecimento do regime penitenciario etc., que levam a popula«lio a acreditar que 0 sistema penal resolver;[ as graves crises sociais do nos so tempo, compostas pelo desemprego, a miseria, violencia, entre outros.

Segundo E. R. Zaffaroni, a rela«lio da mulher com 0 poder punitivo6' se revela no processo de gesta«lio desse poder.69 Pode-

68 0 pader punltlvo (cujas caracterfsticas correspondem ao modelo corporativista - concentrac;ao de poder e verticalidade) surge em oposic;ao a outra, cujo paradigma de solu«ao de conflitos era a luta e a composi<;ao. Antonio Hespanha. ao se ocupar deste ultimo, salienta que, na Idade Media, "0 contrale materializava-se pela dispersao de urn conjunto de poderes, distribuidos entre os senhores feudais, a Igreja, a comunidade local, 0 pai de familia e 0 Exercito"; em face disso, podemos afirmar que 0 atual modele de sistema criminal (centralizado e vertical) nao teria se inspirado nos moldes compositivQs. Ademais, convem salientar que a Hvinganc;:a privada". comumente identificada como "res posta sanguinfiria" (linchamentos, represalias, execuc;6es sumarias), representou, "alem da possibili­dade de matar ao of ensor, [principalmenteJ a possibilidade de exigir uma compensa<;ao, de puni-lo num carcere, de perdoa-Io, com all sem pagamento previa, e de recorrer a terceiros, quer urn lfder da comunidade. quer urn notario, ~ fim de evitar 0 processa". A variedade de safdas constitui urn avanc;o diante das propostas consignadas pelo sistema penal, ocasionando estragos menores nas relac;oes sociais das comunidades (E. Larrauri. Criminologfa crftica: abalicianismo y garantismo. Nueva Doctrina Penal. Buenos Aires, Editores del Puerto, 1998, v. 1.998/B, p. 730. Citado por O. Espinoza. 0 dire ito penal m{itirna: entre 0 minimalismo e 0

abolicionismo, mimeb; 2000). 69 A relac;ao entre a mulher e 0 sistema punitivo se acentua e se consagra

na Idade Media, ressurgindo em meados do seculo XIX e inten­sificando-se durante todo esse perfodo, que se estende ate 0 final da Segunda Guerra Mundial (E. R. Zaffaroni, ob. cit. p. 21).

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CONSTRUc;:Ao TE6RICA DO OBJETO DE PESQUISA 55

mos, inclusive, compreende-lo como um poder de genero,"o que, desde seu surgimento, a mulher71 e 0 sistema de reia«oes que representava foram por ele agredidos.

A Inquisi«lio teve urn papel fundamental no processo de consolida«lio do modele punitivo. A ordem inquisitorial pretendeu eliminar 0 espa«o social publico da mulher na Idade Media gerado pela ausencia de homens que abandonaramas cidades para par­ticipar das guerras medievais. Com essa rmalidade, buscou-se erradicar a religiosidade popular medieval e a cultura fortemente comunitiiria, motivada pelas mulheres. Obstaculos it verticalidade social, transmissoras de uma cultura que devia se interromper,72 era preciso controla-las e subordimi-Ias. Estabeleceu-se, assim, "a civiliza«lio dos senhores, verticalista, coorporativa ou de dominic [ ... J e de vigiliincia", condi<;oes necessiirias em uma sociedade mercantilista e colonizadora. Com 0 inicio das atividades de Conquista, 0 modelo verticalista europeu foi exportado e conver­teu-se em planetario.73

A imagem da mulher foi construfda como sujeito fraco em corpo e em inteligencia, produto de falhas geneticas - postura na qual se baseia a criminologia positivista quando se ocupa da mulher criminosa.74 Outra caracteristica que the atribufram foi a inclina«lio

70 Denominaremos genera a optica particular para a amilise das relaC;oes sociais. por meia da qual podemos vislumbrar e interpretar: 1. as atribuic;oes sociais historicamente construfdas (feminilidade e mas­culinidade); 2. a valora~ao dada pelas pessoas a cada papel; 3. a correspondencia de cada urn desses papeis com 0 sexo biologico. "0 canceito de genera evidencia a rejeic;ao' ao determinismo biologico proprio do usa de termos como diferenc;a sexual ou sexo [para identificar os papeis sociais dos homens e das mulheres]" (A. I. Meo, EI delito de las feminas, Delito y sociedad, Buenos Aires, 1992, n. 2).

71 E com ela todos aqueles que estavam submetidos a domina~ao. 72 E. R. Zaffaroni, ob. cit. p. 22. 73 Idem. 74 Urn dos primeiros estudos sobre a criminalidade feminina (1982) foi

elaborado por Cesare Lombroso e' Giovanni Ferrero na obra La donna delinquente. uNesse livro defendem que a mulher tern imobilidade e passividade particulares. determinadas fisiologica-

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56 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

ao mal ern face da menor resistencia a tentac;:ao, atem do predo­minio da camalidade ern detrimento da espiritualidade.75 Justifi­cava-se portanto urn patrulhamento mais efetivo pela Igreja e pelo Estad076 A ideologia da "tutela", introduzida pelo discurso inqui­sitorial, estendeu-se aos cristaos-novos, aos indfgenas, aos negros, as prostitutas, aos doentes mentais, as crianc;:as e adolescentes, aos velhos,entre outros, tanto para protege-los quanta para reprimi­los. E deve ser compreendida como 0 paradigma da colonizac;:ao, pois a tutela das rac;:as inferiores tern a mesma impod:ancia que ados inferiores da propria rac;:a77

A transforrnac;:ao industrial incentivou a luta pela hegemonia social entre a classe industrial burguesa e a nobreza, conflito de interesses que adquiriu visibilidade corn a Revoluc;:ao Francesa, inspirada nos princfpios iluministas de liberdade, igualdade e fraternidade. Nessa luta, a mulher recuperou certo espac;:o publico e reconhecimento, mas por pouco tempo.78 Corn a obtenc;:ao do

mente. Por isso, ela apresenta maior adaptabilidade e obedece mais a lei que os homens. No entanto, ela e potencialmente amoral, quer dizer, enganosa, fria, caIculadora sedutora e malevola" (R. Van Swaaningen, Feminismo, criminologfa y derecho penal: una relaci6n controvertida, Papers d'estudis i formaci6, Catalunha, Generalitat de Catalunya. Departament de Justlcia, '1990, p. 86).

75 E. R. Zaffaroni, ob. cit. p. 23. 76 A ciencia penal, no final do seculo XVI. insistiu em atenuar em

alguns casos a imputabilidade das mulheres, por considera-las "incapazes de ser plenamente imputaveis devido a sua fraqueza global de corpo e de mente. 0 conceito que mais freqiientemente se utiliza como referencia p~a, designar uma menoridade feminina generica, que justifica tambem a possibilidade de uma pena mais atenuada, e 0 de infirmitas sexus. fragilitas au imbecillitas sexus: figuras ao mesma tempo vagas e onicompreensivas, retomadas da tradi<;ao jurfdica romanista e utilizadas indiscriminadamente nas

77

78

mais variadas situa<;oes" (Marina Graziosi. En los orfgenes del machismo jurfdico. La idea· de inferioridad de la mujer en la obra de Farinacio, Jueces para La democracia. Informacion y debate, Madri, Edisa, 1997, vol. 30, p. 49).

E. R. Zaffaroni, ob. cit. p. 23. "[ ... ] 0 movimento iluminista marca urn ponto de partida nos processos emancipatorios individuais e coletivos, porque e nesse

CONSTRUC;;AO TE6RICA DO OBJETO DE PESQUISA 57

poder pela nova c1asse burguesa, deixou de ter importancia res­tringir ou limitar 0 poder punitivo (ao qual tinha se oposto no confronto corn a nobreza), que pas sou a ser empregado como instrumento potencial de controle dos grupos marginais e margi­nalizados.79 Esse contexte possibilitou 0 surgimento de posturas positivistas que instauraram urn modele de Estado policial. Legi­timou-se, entao, 0 vigilantismo social sobre a base da desigualdade dos indivfduos. A categoria de "humano" contemplava os homens superiores, brancos, casados corn mulheres doceis, corn filhos, heterossexuais e burgueses. A verticalizac;:ao hierarquizante decor­rente'O marginaliza e exc1ui todos os incapazes de se ajustar aos modelos de "norrnalidade".

o mundo continuou transitando por diversas transforrnac;:5es que colocaram a modernidade no "banco" dos acusados, e corn ela entraram ern crise postulados tidos como absolutos, como 0 poder punitivo. Contudo, a partir da decada de 60 a crise desse discurso se intensifica ao se confrontar corn movimentos de ativistas e de academicos que questionarn 0 sistema criminal e

contexto que 0 ser humano passa a ser percebido como sujeito de direitos, liberando-se de conc"ep<;5es momirquicas que justificavam (sob 0 argumento da autoridade divina) a submissao de uns homens a outros. Contudo, esse novo conceito nao inclufa todos as seres humanos. A categoria de sujeito de direitos s6 atingia aos Homens, Livres e Iguais entre seus pares. Evidentemente, como conseqiiencia dessa situa~ao, a mulher foi afastada do pacto social, sendo integrada simplesmente como sujeito dependente do homem, mas nao como cidada" (0. Espinoza, Conven~ao sobre a elimina~ao de todas as fOfmas de discriminac;ao contra a mulher, Direito inter­nacional dos direitos humanos - instrumentos bdsicos, Orgs. Guilherme de Almeida e Claudia Perrone-Moises, Sao Paulo, Atlas, 2002, p. 53).

79 No caso das mulheres, a sistema de controle por excelencia tern sido a informal. Par intermedio de instancias informais, como a famnia, a escola, a Igreja, a vizinhan~a, todas as esferas da vida das mulheres sao constantemente observadas e limitadas, dando pouca margem ao controle formal, expressao limite do sistema punitivo (cuja expressao mais comum e 0 carcere). Essa situa<;ao' gera menor visibilidade da mulher nos indices de criminalidade.

80 E. R. Zaffaroni, ob. cit. p. 24.

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58 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

exigem com relac;:ao ao tema uma coerencia inexistente, evidencia­da pelo conflito entre suas func;:oes latentes e manifestas. Destaca­se nessa epoca 0 movimento feminista, que questionou nao so 0

sistema de punic;:oes, isoladamente, mas a propria estrutura do direito como disciplina que confere legitimidade ao discurso punitivo e 0 apn;senta como consensual e neutro.

Para subsidiar 0 entendimento da analise do sistema punitivo, segundo 0 movimento feminista, recorramos as teorias feministas que tentaram explicar e explicitar a estrutura androcentrista81 do direito.

1.2.2 As teorias feministas no direito

o movimento feminista ocidental surgiu como tentativa de desconstruir os padroes "unicos" e de "normalidade" que estimu­laram a submissao da mulher. Tais padroes institufram caracterfs­ticas hierarquizadas, baseadas na oposic;:ao entre sujeito e objeto, razao e emoc;:ao, espfrito e corpo, correspondendo 0 primeiro termo as qualidades masculinas e 0 segundo, as femininas.

81 Entende-se por androcentrista "a perspectiva que toma como paradigma do humana 0 masculino, ignorando em suas amllises a referencia it situa9ao da mulher" (V. P. de Andrade,Violencia sexual e sistema penal. Prote9ao ou duplica9ao da vitima9ao feminina?, Feminino masculino. 19ualdade e diferenr;a na Justir;a, argo Denise Dourado Dora, Porto Alegre, Editora Sulina, 1997, p. 128). a estudo da condi9ao da mulher, mediante uma·6ptica de genera, representa a ruptura epistemo16gica mais importante dos ultimos vinte aDOS nas ciencias sociais. Sua importancia -reside justamente em romper com a invisibilidade da mulher nos estudos que enfocam a perspectiva masculina como universal e como prot6tipo do humana (visao androcentrica). Essa linha de pensamento justificou-se sob os argumentos da inc1usao tacita da mulher nas referencias masculinas, e do· excesso de especificidade na elaborac;ao de estudos au pesquisas a partir de urn padimetro exclusivamente feminino CA. Facio e R. Camacho. En busca de las mujeres perdidas 0 una aproximacion crftica a la criminologfa. Vigiladas y castigadas. Lima, Cladem, 1993, p. 30).

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CONSTRUc;:iio TEO RICA DO OBJETO DE PESQUISA 59

Esse movimento caracterizou-se tambem por promover uma reforma polftico-social da situac;:ao feminina e por incentivar urn desenvolvimento teorico capaz de questionar 0 modelo androcen­trico de ciencia e de direito, assim como a uniformidade de ambos os conceitos. No entanto, nao podemos asseverar que 0 feminismo possufsse estrutura uniforme e nao conflitiva, pois diversas cor­rentes feministas transitaram - algumas ainda hoje 0 fazem - por postulados conservadores e progressistas. Apesar do exposto, A. Baratta, citando Sandra Harding, aftrma que "0 denominador comum para todas as direc;:oes que, ate 0 presente, seguiu a epistemologia crftica feminista, [oo.J e, entao, por urn lado, a descoberta do simbolismo do genero que, naquele modele [0 patriarcal], vern ocultado, e, por outro, a introduc;:ao da perspectiva da luta emancipatoria das mulheres [no marco polftico-teorico]. Esse denominador pressupoe, pela teoria de Harding, que jamais se desconhec;:a a distinc;:ao entre sexo (biologico) e genero (so­cia!)".82 Assim, a despeito de nao terem alcanc;:ado urn consenso sobre os caminhos a percorrer a ftm de extirpar a estrutura de dominac;:ao patriarcal que afeta as mulheres e outros grupos marginalizados, nem acerca da deftnic;:ao do modele social alter­nativo a ser construfdo, as correntes feministas questionaram 0

pretenso uso neutro do genero e incorporaram ao espac;:o publico suas reivindicac;:oes.

Ia nos anos 70 observava-se 0 desenvolvimento de feminismos baseados em modelos teoricos e estrategicos diferentes. Para proporcionar 0 entendimento da influencia que exerceram sobre a criminologia feminista, faremos uma breve descri«ao de cada urn deles; contudo, advertimos 0 leit~r de que, por razoes metodolo­gicas, nossa abordagem sera superftcial e sintetica.

Urn dos primeiros feminismos a se manifestar no cenario publico foi 0 liberal ou burgues, 83 fundamentado no modele

82 A. Baratta. EI paradigma del genera. De la cuesti6n criminal a la cuesti6n humana. Las trampas. del poder punitivo. El genera del derecho penal, argo Haydee Birgin, Buenos Aires, Editorial Biblos, 2000, p. 41.

83 R. Van Swaaningen, ab. cit. p. 89.

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teorico do emplnsmo Jeminista.'4 Nele, 0 direito apresenta-se dominado por urn so grupo - os homens -, razao pela qual se reivindica a inclusao das mulheres, porem ao mesmo tempo aceita a superioridade masculina.85 Uma vez que tende a se concentrar na ideologia dos direitos iguais, sugere-se a aplica<;;ao igualitaria de todas as leis'· a homens e mulheres. Essa configura<;;ao de feminismo nao poe emduvida 0 sistema de valores, e mais: visa sua apJica<;;ao extensiva em beneficio das mulheres. Para isso, "parte da premissa de que 0 tendencionaJismo sexual eo, andro­centrismo constituemdistor<;;oes socialmente condicionantes, que podem ser corrigidasatraves de minuciosa aplica<;;ao das regras do [direito] ja existentes",87 cuja utiliza<;;ao, entretanto, estava se mostrando equivocada. Urn dos argumentos defendidos pelo grupo em analise sublinha que nao e realista esperar que as mulheres, ocupantes de uma debilitada posi<;;ao social, deixem de fazer uso dos criterios e das caracterfsticas do direito - que por sua vez sao masculinos -, como racionalidade, atividade, reflexao, competen­cia, objetividade, abstra<;;ao, orienta<;;ao aos princfpios, para incre­mentar sua influencia na sociedade e lutar contra a discrimina<;;ao feminina.

Os crfticos dessa corrente salientam, por urn lado, que, na luta contra a discrimina<;;ao feminina,. 0 grupo em questao

84 A. Baratta, citando Sandra Harding, ob. cit. p. 40. 85 Carol Smart chama essa etapa de "0 direito e sexista". e acrescenta

que "esse enfoque [reconhecia que] 0 direito, na pnitica,colocava as mulheres em desvantagem, atribuindo-lhes menos recursos rnateriais (por exemplo, no matrimonio e no divorcio), ou julgando­as sob padroes distintos e inapropriados (por exemplo, como sexualmente promfscuas). ou Ihes negando igualdade de oportuni­dades (por exemplo, no CaBO da categoria de 'pessoas'), ou nao reconhecendo os danos causa~os as mulheres ao conferir vantagens aos hornens (por exernplo, as leis de prostituic;ao e estupro)" (Carol Smart, La mujerdel discurso juridico, Mujeres derecha penal y criminalagla, Org. Elena Larrauri, Madri, Siglo Veintiuno, 1994, p. 170).

86 H[ ... ] igualdade significa ser iguais aos homens." R. Van Swaaningen. ob. cit. p. 90.

87 A. Baratta, citando S. Harding, ob. cit. p. 44. ~>

CONSTRUc;:Ao TEO RICA DO OBJETO DE PESQUISA 61

identifica a distin<;;ao entre os dois generos no direito como circunstancial e nao como estrutural, 0 que, afinal, despolitiza a atua<;;ao do movimento feminista. Por outro, essa postura refor­mista liberal tende a diluir a discrimina<;;ao inerente ao direito, apresentando-a como mero tratamento diferenciado" de homens e mulheres.

o segundo modelo corresponde ao feminismo radical ou separatista!· que admite 0 carater estruturalmente masculino do djreito. Contudo, exige 0 reconhecimento de conceitos e qualidades especificamente femininos, do ponto de vista feminino"o Esse grupo consegue identificar os conceitos masculinos que dominam o direito - a racionalidade, a objetividade e uma suposta neutra­lidade -, mas pretende reivindicar os valores e conceitos femini­nos·1 com vistas a legitima-Ios no ambito publico. A aten<;;ao estaIia focalizada nao mais no atingimento da igualdade, mas sim na. diferen<;;a, ou no reconhecimento de direitos especiais as mulheres. A crftica desse modelo baseia-se na manuten<;;ao da dicotomia homem-mulher, que refor<;;a as diferen<;;as naturais e biologicas

88 "[ ... ] a base do argumento reside na ideia de que, no direito, as rnulheres sao maltratadas porque sao tratadas de forma diferente que os hornens" (Carol Smart, ob. cit. p. 172).

89 R. Van Swaaningen, ob. cit. p. 90. 90 Carol Smart denomina "0 direito e masculino". Carol Smart, ob. cit.

p. 173. 91 Carol Gilligan elaborou urn conceito de etica feminista. Ela constatou

que as mulheres nao dao aten~ao aos mesmos assuntos que os homens nas escolhas morais. "Diante de dilemas morais, as mulheres nao desenvolvem urn raciocfnio sob forma abstrata, nem em func;ao de direitos nem de uma justic;a baseada na igualdade; elas levam ·em consideraC;ao aspectos concretos e contextuais das situa~5es que lhes sao submetidas e tendem a avaliar urn fato em face de suas conseqUencias sabre os outros e sabre elas mesmas." Podemos identificar uma "preocupaC;ao com a outro, nao como ser abstrato desprovido de direitos. mas como indivfduo concreto, inserido em urn sistema de rela~6es". A justi~a e concebida como a "busca pela eqUidade e pela reciprocidade complementar, e nao como atribui~ao de direitos nem como procura pela igualdade" (C. Parent e F. Digneffe. Pour une ethique feministe de I--intervention penaie, Carre/aur, Ottawa, Legas, vol. XVI, n. 2, p. 100, 1994).

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62 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

entre os generas;92 ainda mais: defende a existencia de uma unica perspectiva feminista a reivindicar'" universalizando a categoria "mulher" e ocultando as "diferen<;as de experiencia e interesses entre os diferentes grupos de mulheres".94 Por esses motivos, 0

enfoq ue do questionamento esta, segundo defendem as radicais, no reconhecimento do outra, se e possivel superar ou nao a imagem de urn outra abstrato, universal, nao contextualizado.

Finalmente, podemos identificar 0 feminismo socialista'" que c1ama por mudan<;as sociais mais amplas e estruturais e se inspira nos postulados do feminismo separatista ou radical, no que tange ao reconhecimento do outra. No entanto, 0 "outro" e concebido como urn elemento que faz parte de urn pracesso comunicacional, em que as diferen<;as nao impedem 0 estabelecimento de uma rela<;ao fundada em uma etica da responsabilidade.9· Essa tenden­cia prap5e a elabora<;ao de urn sistema de valores altemativo, alicer<;ado na relatividade historic a e na negociabilidade dos ambitos de valor atribuidos aos generas. Outro fundamento desse movi­mento e a transversalidade do mundo real de cada mulher, espe­cialmente quando se pensa nas diversas varhiveis que definem os relacionamentos entre as pessoas (genera, cor, idade, diversidade de c1asse social, cultural, etnica, religiosa). Por ultimo, 0 feminismo socialista defende a "flexibilidade e a redefini<;ao dos limites

92 Esta Vlsao incentiva a opOSl~ao entre homens e mulheres e oculta os interesses comuns que compartilham algumas mulheres e alguns homens, que sofrem igualmente outras fafmas de opressao (por e,:,-emplo, pessoas presas, portadores de deficiencia. homossexuais etc.). C. Parent e F. Digneffe, ob.-cit. p. 91.

93 "Sera que pod~ existir urn ponto fie vista feminista (unitario e absorvente), se a experiencia das mulheres ou das feministas e diferente segundo as ra9as, as classes sociais e suas culturas?" (A Baratta, ob. cit. p. 49).

94 C. Parent e F. Digneffe, ob. cit .. r: 90. 9' R. Van Swaaningen,' ob, cit. p. 91. 96 A etica da responsabilidade constitui a base do conceito de justi<;a

feminina, elaborado por Heidensohn. Ela nos aproxima da coopera­~ao, da responsabilidade pelo outro, da justi~a informal, contextual, assentada nas rela~6es entre os indivfduos (c. Parent e F. Digneffe, ob. cit. p. 94).

CONSTRUc;:Ao TEO RICA DO OBJEIO DE PESQUISA 63

culturais e institucionais, nas esferas da experiencia e da vida social da mulher e do homem (publico/privado, obriga<;5es/direitos, em oposi<;ao ao cuidado/aten<;ao, mercado/solidariedade, paixao/razao, corpo/espfrito)".97

A. Baratta, sintetizando os estudos desenvolvidos por algumas pesquisadoras feministas, salienta que "[Sandra] Harding ratula esta terceira abordagem da questao feminina como p6s-modemis­mo feminista. [Frances] Olsen, por seu tumo, a caracteriza com a expressao androginia, ou seja, a nega<;ao, a urn so tempo, da especificidade do genero e da hierarquia das qualidades e valores juridicos [ ... ]. Por fim, [Caral] Smart a denomina 0 direito tem genero, vale dizer, como a concep<;ao do direito como estrategia criadora do genera".98 Assim, podemos asseverar que essa tenden­cia, que constitui urn avan<;o com respeito ao feminismo radical, nao se apresenta incompativel com a justi<;a tradicional, associada ao homem; ela reconduz a divisao entre mulheres e homens praporcionando elementos que aproximem os diversos grupos marginalizados.99

Apesar de 0 pos-modemismo feminista ser uma postura en­quadrada em uma crftica a modemidade, e1e se distancia de posicionamentos pos-modemistas tradicionais na'medida em que, embora tambem relativize os universalismos e as verdades abso­lutas, nega 0 relativismo "defensivo" caracterfstico da filosofia pos­modema. 1oo a pos-modemismo defensivo "constitui, na realidade, a defesa do status quo das rela<;5es de domina<;ao por parte daqueles que detem 0 poder nas suas maos, ou seja, que se tomaram pratagonistas e vencedores do pacto social da modemidade. Para os sujeitos vulneniveis, para as mulheres, os pobres, as pessoas

97 A Baratta, ob. cit. p. 51. 98 Idem, p. 50. 99 H[ ... ] os conceitos masculinos como os direitos formais e 0 enfoque

exc1usivo nos interesses em conflito [conceito feminino] abrem espago para uma busca consciente de soluc;6es negociiiveis, que requerem cuidado, responsabilidade, coopera98.o e criatividade das pessoas diretamente implicadas em urn problema" (R. Van Swaaningen, ob. cit. p. 93).

100 A Baratta, ob. cit. p. 71.

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de 'cor' do 'terceiro' e do 'quarto' mundos, para as crian<;as, as pequenas narrac;oes, as verdades fracas constituemja urn IUXO".101

eada uma das correntes aqui explicitadas trouxe a discussao elementos teoricos nao apreciados nas produc;oes cientfficas tra­dicionais de diversas disciplinas, em geral desenvolvidas sob contextos androcentricos, quer mediante a defesa da igualdade entre homem 'e mulher, a relativizac;ao dessa igualdade para promover 0 reconhecimento da particularidade ou a problemati­zac;ao do principio da isonomia e da diferenc;a para incorporar todas as vozes marginalizadas, questionando 0 universalismo totalizante e estimulando 0 relativismo comunicacional, em que homem e mulher participam do espac;o publico comosujeitos de direitos.

Em sfntese, nao e possfvel construir urn conhecimento que se mantenha em oposic;ao absoluta aos projetos dos detentores do poder, negando-se a dialogar e a estabelecer alianc;as estrategicas com todos os grupos dispostos a gerar transformac;oes, por meio de projetos de emancipac;ao, de afirmac;ao de direitos e de respeito da dignidade de todos os seres humanos.102

Tomando como base as diversas teorias expostas, analisaremos a criminologia feminista, porem, antes, apresentaremos as princi­pais correntes criminologic as, para em seguida refietir sobre a vinculac;ao entre a criminologia crftica e aquela de influencia feminista.

1.2.3 Criminologia crftica

Antes de explorar as bases 'Cia criminologia feminista, promo­veremos uma aproximac;ao da criminologia, em sentido amplo, a fim de trac;ar brevemente algumas caracterfsticas das principais tendencias inerentes ao tema:, a criminologia positivista ou tradi­cional e a crimipologia crftic'a ou de reac;ao social.

101 Idem. 102 "A estrada rumo ao desenvol vimento humano e a democracia e a

da sinergia, nao a da fragmenta~ao das lutas" (Idem, ibidem, p, 74).

CONSTAUQAO TEORICA DO OBJETQ DE PESQU[SA 65

o surgimento da criminologia data do final do seculo XIX. Embora nem todos os autores concordem com a data estabeleci­da,103 existe relativo consenso em afirmar que essa disciplina, desde sua origem, se consolidou sob 0 eixo da escola chissica e da Escola Positiva italiana. Ambas compoem a denominada cri­minologia tradicional, amplamente reconhecida na maioria das sociedades ocidentais, pois a incorporac;ao de suas teses na legis­lac;:ao criminal de parcela significativa de pafses pode ser constatada com facilidade.

No infcio, a criminologia enfrentou dificuldades para conciliar o ideiirio dos c1assicos 104 com os postulados naturalistas da Escoia positiva italiana, situac;:ao reforc;:ada pelo surgimento de novos saberes, como a psicologia e a psiquiatria, que ofereceram a pena de privac;ao de liberdade uma justificativa renovada de intervenc;:ao sobre 0 indivfduo, negando a autodeterminac;:ao (0 livre-arbftrio) na comissao de condutas "criminosas". No percurso do seculo XIX, o positivismo criminologico, apesar de ensombrar a escoia classica, assimilou parte de seus lineamentos.105

103 A. Pires menciona algumas datas possfveis para 0 nascimento dessa disciplina: 0 seculo XVIII com 0 pensainento classico (Beccaria, Bentham etc,); 0 come~o do seculo XIX, com os primeiros saberes de pretensao cientffica (Pinel, Quetelet etc.); ou quando surge a Escola Positiva italiana, no ultimo quartel do seculo XIX (Lombroso, Ferri, Garofalo etc.) (La criminologie d'hier et d'aujourd'hui, Histoire des savoirs sur le crime et les peines, Paris/Ottawa, De BoecklLes Presses de l'Universite d'Ottawa, 1995, vol. 1, p, 35).

104 0 tratamento penal, como nova cria<;ao conceitual, precisou de fundamentos te6ricos que as ideias iluministas, embora uteis, nao satisfizeram em sua totalidade. Por tal razao, distanciou-se da criminologia classica na procura de fundamentos mais cientificos e racionais que 0 positivismo criminol6gico se encarregou de dotar. Assim. apareceram teorias medicas, psicologicas e psiquh'itricas que tentaram modelar a corpo e a alma do indivfduo submetido ao encarceramento. Ver J. Laplante, J. Fran~ois, A. Baratta, M, Pavarini, entre outros.

105 Daf, por exemplo, seu posicionarnento defensivo com respeito a sociedade ou a urn grupo dentre os membros da sociedade. Essa postura e conhecida como ideologia de defesa social, cujo signi­ficado corresponde a ideologia em sentido negativo. entendida como

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66 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

Na atualidade, 0 que denominamos criminologia tradicional se aproxima muito mais do positivismo criminologico, pois se funda no paradigma etiologico proprio das ciencias naturais, que reco­nhece em determinados indivfduos qualidades intrinsecas que os tornam propensos it pratica de "delitos". Nesse contexto, a crimi­nologia seria uma ciencia explicativa que teria por objeto desvendar as causas e as condi<;:oes dos comportamentos "criminais", bern como as motiva<;:oes dos indivfduos "criminais", entendidos como diferentes. Compreende-se a criminalidade como uma realidade onto logic a, nao questionada, conseqllencia de uma patologia pes­soaL

Nas primeiras decadas do seculo XX, as entao recentes cor­rentes criminologicas questionaram 0 positivismo naturalista. Na Europa, a Escola de Defesa Social106 despontou como resultado da fusao progress iva da escola classica do direito e da Escola Positiva italiana.107 Nos Estados Unidos, especificamente a partir da decada de 30, desenvolveu-se uma criminologia mais contem­poranea que, valendo-se de teorias proprias da sociologia criminal, tentou superar as no<;:oes patologicas de criminalidade expostas

"falsa consciencia" e nao a ideologia como "programa de a<;ao". cuja difusao corresponde a Filippo Gramatica e posteriormente a Marc Ancel sob a nome de nouvelle defense sociale (A. Baratta, Crimin%gia cdtica e cdtica do direito penal, Rio de Janeiro. Freitas Bastos, 1999).

106 Essa escola "propoe estudar os problemas da criminalidade dentro da perspectiva de urn sistema de rea<;ao anticriminal; este, levando em considerac;ao fatores atinentes 410 atD anti-social e as possibi­lidades de ressocializac;ao de seu autor. tende ao mesma tempo a proteger a sociedade contra as 'delinqUentes e a premunir as indivfduos contra 0 risco de cair ou de reincidir na delinquencia" (Marc Ancel, Une definition de la defense sociale?, Revue de Sciences Criminelles et Droit PenaJe Compare, Paris, 1956, p. 447).

107 "A verdadeira no~ao de Defesa' Social surgiu com 0 Positivismo, ou, mais precisamente~ nao se tornou possivel conceber e ordenar uma teoria da defesa social senao ap6s a revoIta positivista [".]. Originariamente, ao Positivismo a Defesa Social deve muito; mas ela Ihe e a urn tempo posterior e exterior" (Marc Ancel, A nova defesa social, Rio de Janeiro, Forense, 1979, p. 83).

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CONSTRUQAO TEORICA DO OBJETO DE PESQUISA 67

pela antropologia criminaL 108 Tais teorias nao conseguiram aban­donar 0 positivismo criminologico, pois insistiram na identifica<;:ao das causas da criminaIidade sob outra perspectiva - a sociologi­ca.109 Dessa forma, as referidas teses persistiam em defender a indi viduaIizac;;ao das medidas mais adequadas para remover os fatores produtores da criminalidade e intervir no sujeito criminoso de modo a corrigi-Io, ate convence-lo do erro que cometeu e adequa-Io aos interesses da comunidade sociaL

No conturbadoperiodo que cobre da Segunda Guerra Mundial ate fins dos anos 60, produziram-se mudan<;:as no mundo que geraram conseqiiencias politicas, economicas e sociais. Por urn lado, emergiu uma serie de movimentos contraculturais que de­sestruturaram os equilIbrios politicos e ideologic os do "american way of life". Por outro, os conflitos internos tornaram-se priori­tiirios em rela<;:ao aos externos (nos Estados Unidos, por exemplo, viviam-se 0 final da guerra com a Coreia e a interven<;:ao militar no Vietna). A<;:oes de protesto foram promovidas pelos movimentos estudantis e hippie, bern como por grupos favoraveis aos direitos civis dos negros, por feministas, pacificistas etc. As bases do modelo consensual da sociedade norte-americana foram sacudidas com a identifica<;:ao de interesses conflitivos, e em alguns casos antinomicos, que ganhavam destaque na medida em que se apro­priavam do espa<;:o publico.

Ao descrever esse peculiar panorama, Fernando Acosta COmen­ta que a crise dos anos 60 constituiu 0 fim de urn paradigma e a emergencia de urn novo. No plano social e politico, caracterizou­se em razao das lutas pelos direitos civis, a denuncia de sexismo, racismo e homofobismo, 0 usa da pHula, entre autras questoes que tin ham por foco elaborar uma critic a profunda da forma de vida das sociedades ocidentais (e do modo de vida estandarizante da sociedade norte-americana). No plano da constru<;:ao do saber cientffico - mais exatamente no ambito da sociologia -, questi-

lOB A titulo de exemplo, podemos citar as trabalhos da Escola de Chicago. a teoria da anomia de Merton, a teo ria das oportunidades diferenciais de Cloward e Ohlin, entre outros.

109 A. Baratta, ob. cit. p. 30.

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onou-se 0 papel do soci61ogo como engenheiro social e solucio­nador de problemas sociais. Discussilo importante foi a relacionada com 0 significado dessa expressilo: quem 0 define? (Para quem e problema social? Por que? Que interesses estilo em jogo quando se diz que algo e urn problema? Quem e responsavel por definir a forma como tal problema sera resolvido?). Ja no plano da criminologia, utilizando-se daautocrftica, 0 questionamento diz respeito ao objeto tradicional da disciplina, com a den uncia da alian<;:a entre a criminologia e as instituigoes repressivas.

Dessa crise ergu<:;-se 0 labeling approach ou ··paradigma da rea<;:ilo social, corrente criminol6gica inspirada no interacionismo simb6lico e na etnometodologia, llD que propugna 0 repudio ao deterrninismo positivista na compreensilo da criminalidade e de­fende a normalidade dos chamados "criminosos". Para essa teoria, "nilo se pode compreender a criminalidade se nilo se estuda a agilo do sistema penal, que a define e contra ela reage [ ... J, por is so, o status social do delinqiiente pressupoe, necessariamente, 0 efeito da atividade das instilncias oficiais de controle social, enquanto nilo adquire tal status aquele que, nilo obstante tenha praticado 0 mesmo comportamento punfvel, nilo e alcangado pela agilo daquelas instancias".'" Analisam-se, entilo, 0 carater seletivo do sistema criminal e a defini<;:ilo das condutas desviantes, fatores que motivam urn grupo a hostilizar urn indivfduo, ou seja, a etiqueta-Io e rotula-10 de "anormal", como conseqiiencia da rea<;:ilo social contra ele instigada.

Nesse contexto, assistimos a passagem da criminologia liberal a criminologia crftica,l12 a qual sofrera variagoes segundo a

110 "Segundo 0 interacionismo simb6lico, a sociedade e constitufda por uma infinidade de interac;oes cencretas entre indivfduos. aos quais urn processo de tipifica93.0 confere urn significado que se afasta das situac;5es concretas e continua a estender-se atraves da linguagem. Segundo a etnometodologia; a sociedade naG e uma realidade que se possa conhecer sabre 0 plano objetivD, mas 0 produto de uma 'cons­tru,1io social' , obtida gra,as a um processo de defini,1io e de tipifica,1io de indivfduos e de grupos diversos" (Baratta, ob. cit. p. 87).

III Idem, p. 86. m Idem, p. 159.

CONSTRUQ,ilO TE6RICA DO OBJETO DE PESQUISA 69

intensidade de seus questionamentos ao modele tradicional e gerara novas vertentes que terao como ponto ordinario a constrU(;iio de uma teoria econ6mico-social do desvio, dos comportamentos socialmente negativos e da criminalizagiio. Assim, tanto 0 desen­volvimento te6rico como diversas pesquisas empfricas conduziram a critica do direito penal por meio do debate acerca do mito da igualdade sobre 0 qual ele se funda. 1!3 -

Para sintetizar, dirfamos que a crise dos anos 60, regida por questionamentos, denuncias e rupturas, provocou na criminologia mudan<;:as -lentas e contradit6rias - que motivaram 0 apareciriiento do paradigma da definigilo, enquadrado no que posteriormente se chamou de criminologia crftica. Esse modele questiona 0 carater natural do desvio e afrrma que a definigiio depende de regras e valores deterrninados historicamente, a partir dos quais se consi­deram "desviantes" certos comportamentos e certas pessoas. 0 objeto da criminologia niio e mais dar a conhecer as causas da criminalidade, mas as condi<;:oes dos processos de criminalizagilo, as normas sociais e juridicas, a agilo das instancias oficiais e os mecanismos sociais por meio dos quais se definem comportamen­tos especificos. 114

Com base nessas ideias, analisaremos a influencia das mudan­gas expostas nos trabalhos das academicas feministas que se ocuparam do estudo do sistema criminal e dos efeitos que provoca nas mulheres presas.

113 Afirma-se que "0 direito penal niio defende todos, mas somente os bens essenciais, nos quais esHio igualmente interessados todos as cidadaos. e quando pune as of ens as aos bens essenciais 0 faz com intensidade desigual e de modo fragmentario; a lei penal naG e igual para todos, 0 status de criminoso e distribufdo de modo desigual entre as indivfduos; 0 grau efetivo de tutela e a distribui,:(ao do status de criminoso sao independentes da 'danosidade' social das ayoes e da gravidade das infra<;6es a lei, no sentido de que estas nao constituem a variavel principal da rea<;ao criminalizante e de sua intensidade" (A. Baratta, ob. cit. p. 162).

114 C. Campos, Criminologfa feminista: un discurso (im)posib\e?, Genero y derecho, Org. Aida Facio e Lorena Fries, Santiago de Chile, Low Ediciones, 1999, p. 746.

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70 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

1.2.4 Criminologia feminista

A decada de 60 constituiu urn tempo propicio e privilegiado para a ebulic;:ao dos postulados feministas, pelas razoes explicadas no item anterior. No plano criminologico, as teorias feministas se inspiraram nas discussoes do interacionismo simbolico para des­tacar a necessidade de observar 0 oprimido e dom-Io de voz, ou seja, outorgar direito de palavra aquele que e estigmatizado, selecionado e punido pelo sistema criminal. No entanto, 0 enten­dimento da criminologia feminista demanda a explorac;:ao do trajeto percorrido por estudiosos de ambos os sexos que identificaram a mulher agressora como objeto de estudo.

as estudos feministas que se aproximaram do sistema criminal tiveram dificuldades para se ajustar a divisao entre 0 paradigma etiologico (proprio da criminologia positivista) e 0 paradigma da definic;:ao social (proprio da criminologia crftica).

A distinc;:ao mais evidente no campo penal separa os estudos sobre os "comportamentos problematicos"ll5 das mulheres como agentes da agressao daqueles sobre as mulheres como vitimas de agressao.lI6 Enquanto a ultima perspectiva tern sido arnplamente abordada nos trabalhos feministas,1l7 a analise da primeira tern se mostrado menos freqliente.

as poucos trabalhos existentes sobre a deiinqliencia feminina tern side encarados sob distintas concepc;:oes teoricas, do final do

115 Ou "desviados", segundo a criminologia tradicional. 116 A. Pires e F. Digneffe, Vers un paradigme des inter-relations

sociales? POUT une reconstruction du champ criminologique, Crimil1%gie, Montreal, Les Presse de rUniversite de Montreal, vol. XXV, n. 2, p. 36, 1992. .

117 Nao pretendemos analisar essa -tematica no presente trabalho. No entanto, devemos salientar que as estudos da mulher como vftima tern side utilizados por movimentds feministas para reclamar maior repressao dos agresSores masculinos, reivindicando usa mais efetivo do direito penal, fata que entra em contradigao com a demanda de descriminaliza<;ao de condutas que consideram a mulher autora de crimes (como, por exemplo, no caso do aborto). Ver R. Van Swaaningen, E. R. Zaffaroni, C. Parent e F. Digneffe, V. P. de Andrade, entre outros.

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CONSTRUQAO TEORICA DO OBJETO DE PESQUISA 71

seculo XIX ate a atualidade. Para A. L Meo, e passivel distinguir duas grandes linhas de interpretac;:ao mais importantes: a que compreende as concepc;:oes classicas e a que abarcaria os esforc;:os contemporaneos criticos que visam encontrar as motivac;:oes para tal pratica.1l8

No primeiro grupo se encaixariam criminologos e criminologas que trabalharam (e trabalham) sob a orientac;:ao do marco conceitual tradicional e cujos estudos sobre a mulher criminosa foram guiados pela visao androcentrica da criminalidade, isto e, que toma como referencia sua func;:ao reprodutiva na pratica de condutas como 0

aborto, 0 infanticldio e a prostituic;:ao, com 0 desvio acentuado pela nao-adequac;:ao a esses papeis. Fundamentam essa visao as teorias biologicas e constitucionaisY' No entanto, e apesar da presen<;:a feminina nos estudos positivistas, a tendencia a tomar a mulher criminosa como objeto de estudo tern side escassa,l20 evitada em alguns casos e nao raro ignorada. 121

No ambito das concepc;:oes contemporaneas, a enfase esta na criminologia feminista,l22 que conheceu desenvolvimento mais

118 A. L Meo, EI delito de las feminas, Delito y sociedad, Buenos Aires, 1992, n. 2, p. llS.

119 Urn dos primeiros trabalhos nesse sentido foi elaborado por C. Lombroso e G. Ferrero.

120 Algumas das razoes que justificaram a desaten~iio te6rica a mulher e sua criminalidade sao 0 reduzido m.imero de delinqtientes femininas. 0 carater prudente de sua criminalidade, a aceita<;ao acritica das explica~oes "biologisistas" e psicologicas da criminalidade feminina, entre outros (A. L Meo, ob. cit. p. 113).

121 R. del Olmo, Teorias sobre la criminalidad fernenina, Criminalidad y criminalizacion de La mujer en La region andina, Org. Rosa del Olmo, Caracas, Editorial Nueva Sociedad, 1998, p. 19.

122 Devemos esclarecer que nao existe uma unica perspectiva feminista em criminologia; convivem diversas correntes que tentam interpretar a criminalidade feminina sob varios enfoques. Por essa razao, seria descabido falar de "uma" criminologia feminista. assim como de uma unica criminologia crftica, pois subsistem multiplas visoes criminologicas que se autodenominam crfticas. Entretanto, seguindo R. Van Swaaningen. preferimos essa expressao "quando pretende­mos explicar urn paradigma especffico: 0 paradigma do feminismo como perspectiva" (ob. cit. p. 89).

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acentuado a partir dos anos 60, decada em que se produziu a ruptura teorica que fomentou 0 surgimento das teorias feministas. Seu desenvolvimento nao foi uniforme e algumas de suas propostas nao conseguiram se desprender da tradi\iao positivista, como foram os casos de Freda Adler e Rita Simon. 123 Isso e facil de compreender porque muitas dessas posturas foram inspiradas nas teorias femi­nistas que, como· ja vimos, partiram de enfoques e propostas conflitivos. Todavia, apesar das criticas que possam receber, os trabalhos motivados pelas teorias feministas cie tendencia liberal e radical conseguiram tomar visfvel a criminalidade feminina e abriram caminhos para a elabora\iao de novas teorias que, valendo­se da perspectiva de genero, consolidaram a criminologia femi­nista. 124

Foi principalmente nas decadas de 70 e 80 que a criminologia feminista de perfil mais crftico ofereceu nOvas aproxima\ioes e analises sobre 0 tema em fOCO. I25 Teceram-se criticas as teses tradicionais, com 0 intuito de promover 0 debate acerca "dos estereotipos sexistas que alimentam essas teorias, [e de explicitar] os limites de uma criminologia positivista cujas premissas sao inadequadas e que se apresenta como instrumento de controle e de preserva\iaO do status quO".12. Os defensores da criminologia feminista baseada em postulados critic os compreendem a interven­\iao penal como mais uma faceta do controle exercido sobre as mulheres, uma instiincia em que se reproduzem e intensificam as

123 Para essas crimin61ogas. a delinqijencia feminina se constituiria em conseqUencia da mudanc;a subjetiva da mulher, que teria abando­nado sua passividade para se tdrnar mais atenta e agressiva (tese da masculinidade, defendida por Freda Adler), ou em resultado de seu maior acesso ao mercado de trabalho e ao espac;o publico, ambito em que transcorre a criminalidade (tese da oportunidade, de Rita Simon) ,(Rosa del Olmo, ob. cit. p. 23-24).

124 Rosa del Olmo, ab. cit. p. 25. 125 A. 1. Meo, ob. cit. p. 118. 126 C. Parent, La contribution feministe a t"etude de la deviance en

criminologie, Criminoiogie, Montreal, Les Presse de rUniversite de Montreal, vol. XXV, n. 2, p. 75, 1992.

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CONSTRUc;:iio TE6RICA DO OBJETO DE PESQUISA 73

condi\ioes de opressao mediante a imposi\iao de urn· padrao de normalidade. 127

Para essa corrente crimino16gica, a mulher "desviante"128 llao e mais 0 ponto de partida, constitufdo, sim, pelas circunstancias que afetam nao somente ·as mulheres agressoras, como tambem as demais, assim como os grupos marginalizados, de pessoas despro­vidas de poder, socioeconomicamente desfavorecidas, gruposeth­nicises et racialises.129 A. Baratta acertadamente afirma que "uma criminologia ferninista pode se desenvolver de forma cientifica­mente oportuna so a partir da perspectiva epistemologica da criminologia crftica". 130

A pergunta que se levanta apos refletirmos sobre 0 sucinto panorama que aqui delineamos e: por que insistir em observar a prisao feminina sob a optica da criminologia feminista? Quais vantagens podem gerar essa abordagem? Ela propiciara a obser­va\iao de outros grupos atingidos pelo sistema criminal? Tentare­mos responder a essas perguntas a seguir.

as estudos da criminologia feminista, na medida em que buscaram atender as necessidades e aos interesses das mulheres

127 Nesse sentido. e levando em considerac;ao 0 redllzido numero de mlliheres atingidas pelo sistema penal, devernos analisar outras formas de centrole que as afetam (controles informais da famma, escola" religHio, vizinham;a etc.) e quais as conseqtiencias dessa constatac;ao para aquela$ que nao se ajustam a esseS controles e transgridem .. Ver os estudes de Claude Faugeron.

128 0 desvio, na criminologia feminista, tern sido especialmente estudado, porque durante muite tempo ser mulher ja representava uma forma de desvio. Para Simone de Beauvoir, "ser mulher [era] herdar urn status de desviada, aquele 'do outro' [nao masculino]". C. Parent, analisando 0 des via com base no paradigma da definic;ao. salienta que, "se 0 ponto de partida do desvio e uma questao de defini~ao, urn ato especffico nem sempre e necessario para a irnposi<;ao de uma etiqueta. Cornumente, e a forma como uma pessoa e percebida. e nao os gestos concretos que the imputamos. que gera a estigmatizafQO"

(Feminisme et crimin%gie, Paris/Ottawa, De BoecklLes Presses de l'Universite d'Ottawa, 1998, p. 98).

129 C. Parent e F. Digneffe, ob. cit. p. 93. 130 A. Baratta, ob. cit. p. 55.

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74 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

como grupo, possibilitaram a superaliao de alguns limites da crirninologia, desenvolvida de acordo com uma perspectiva mas­culina. Assim, "suas pesquisas abriram novos carninhos que podeg> servir de inspiraliao ao questionamento atual na criminologia".131

Contudo, embora reconheliamos as iniimeras e importantes contribuilioes do ferninismo aos estudos criminologicos, selecio­namos as mais representativas 132 por sintetizarem mais eficiente­

. mente 0 espfrito da crirninologia ferninista.

A primeira grande contribuiliao e dada pela introduliao da perspectiva de genero como instrumento para observar as mulheres no sistema punitivo, ou seja, para entender 0 sistema (e 0 carcere) como construliao social que pretende reproduzir as concePlioes tradicionais sobre a natureza e os papeis fernininos e masculinos,

. segundo institufdos na modemidade.133 Assim, para tomar conhe­cimento de como se constroi a feminilidade no sistema penal, devemos extrapolar esse ambito e estudar as mulheres justiciaveis no mundo das proprias mulheres. Desse modo, seremos levados a compreender a "crirninalidade ferninina" a partir do questiona­mento da sociedade, e a propor poifticas baseadas nao na reabi­litaliao das presas, mas na "reforma das relalioes sociais de sexo e das instituilioes que as sus tern" . 134 Essa proposta, que exprime

131 "Certamente, a herao<;a feminista parece hoje ser tao importante e diversificada que podemos afirmar que a disciplina criminol6gica precisa do feminismo. Seria importante. entao, que essa contribui~ao fosse finalmente reconhecida" (c. Parent, La contribution feministe a l'etude de la deviance en criminologie, Criminologie, Montreal, Les Presses de IlJniversite de Mot)treal, vol. XXV, n. 2, p. 88, 1992.

132 Outras importantes contribui<;5es identificadas pelos estudos femi­nistas em criminologia podem s~r encontradas nos trabalhos de C. Parent (1992), C. Parent e F. Dfgneffe (1994), V. P. de Andrade (1997), R. Van Swaaningen (199Q).

133 L. Biron salienta qu.e "as feministas tern incorporado a 0093.0 de sexo em seu quadro conceitual, 0 que tern provocado 0 refinamento eo em"iquecimento de seu paradigma" (Les femmes et l'incarceration. Le temps n'arrange rien, Criminoiogie. Montreal, Les Presses de l'Universite de Montreal, vol. XXV, n. 1, p. 126, 1992).

134 C. Parent, Feminisme et criminoiogie, ob. cit. p. 147.

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CONSTRUCAO TE6RICA DO OBJETO DE PESQUISA 75

uma postura favoravel as mulheres e apresenta 0 desvio delas em relaliao ao status de sujeitos oprimidos na sociedade, nao pretende "combater" 0 "crime" desse grupo, mas as condilioes de exclusao que as afeta como grupo.

A segunda contribuiliao baseia-se na possibilidade de estudar o sistema por meio da observaliao de seus atores como sujeitos. Nesse sentido, as analises feministas sobre a crirninalidade ferni­nina tentaram identificar as mulheres concedendo-Ihes a palavra, para, mediante suas vozes e experiencias de vida, entender 0 objeto de pesquisa. Essa atitude abre 0 carninho para 0 "outro", e acentua a dimensao relacional da situaliao-problema; a preocupa9ao centra­se no outro como ser individual e particular, e nao somente como sujeito de direitos ou como entidade abstrata a analisar. l35 A chave esta em criar uma relaliao empatica entre pesquisador/a e pesqui­sada. De modo geral acreditamos que toda pesquisa ou discurso racional e objetivo deve ser construfdo com distanciamento entre observador e observado, de modo a proteger 0 pesquisador da subjetividade propria de todo ser humano,136 porem esse discurso nao pode desconhecer os graus de empatia que podem surgir nas interalioes humanas.

A interdisciplinaridade e igualmente valorizada pelos estudos ferninistas. No caso da crirninologia, 0 emprego desse conceito permite a incorporaliao de disciplinas distintas na analise da

135 Ana Mesutti, esclarecendo a incoerencia da abstra\=ao no sistema criminal, e de como essa abstra~ao representa urn mecanismo de fuga da dar, nos diz que "a ccmdena\=ao pronunciada no cemirio penal contra o sujeito de direitos abstrato se encarnani oa pessaa ffsica e mortal que aquele sujeito representa. 0 tempo 'destemporalizado' se retemporalizani no percurso da pena. A morte, que tern sido desvinculada do indivfduo, sobrevini durante a pena, mas 0 indivfduo morreni a sua morte. E sofreni a propria pena, porque a pena abstrata se materializani numa dor concreta" (Reflexiones sabre el pensamiento penal, Revista Brasileira de Cii!ncias Criminais, Sao Paulo, RT, n. 31, p. 21, 2000).

L36 "OS que fazem da objetividade uma religiao. mentem. Eles nao querern ser objetivos, mentira: querem ser objetos para salvar-se da dor humana" (Eduardo Galeano, El libra de los abrazos, Buenos Aires, Catalogos Editora, 1998, p. 106).

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problematica que envolve a "criminaJidade", gerando olhares alternativos para melhor entende-la.137

Ademais, os estudos feministas na criminologia tern denunci­ado 0 carater androcentrico e parcial da criminologia, pennitindo o distanciamento do "modelo de analise concebido para 0 homem branco medio e mostrando que nao e apIicavel para todoS"13' _ caractenstica nao percebida, e ate negada, por alguns representan­tes da criminologia critica.139

Fator de igual valor consistiu na relativiza\,ao das diferen\,as entre homens e mulheres. Os trabalhos criminologicos devem superar a oposi\,ao de sexo, de modo a evitar 0 dispeudio de energias na busca de diferen\,as que justifiquem abordagens dis­tintas. Para tal, devem-se identificar as mulheres presas no conjunto de grupos excIuidos. Dessa forma, 0 problema pode ser avaIiado por meio de uma dimensao macroestrutural, que "leva em consi­dera\,ao a criminaIiza\,ao das mulheres a partir de sua opressao como grupo, no marco de urn quadro global de sociedade capitalista e/ou patriarcal".I40

A fim de procedermos ao exame do desenvolvimento das teorias feministas no interior da criminologia, recorremos as palavras de Kathleen Daly, para quem, "nos anos 80, a teoria feminista foi especialmente influenciada pela fiIosofia e a literatura. Essa situa\,ao marcou uma mudan\,a de enfase sociocultural e historic a com respeito aos anos 70, quando as academicas revelaram historias de mulheres desvendando a diversidade etnografica e a generalidade presentes em suas vidas. Na decada de 70, as academicas feministas se referiam as mulheres ou as experiencias das mulheres sem se problematizar, destacaram a impdrtiincia de diferenciar 0 sexo biologico do genero sociocultural e d~senvoiveram uma teoria

137 "as estudos feministas tern 'permitido a confiuencia de muitas correntes te6ricas diferentes porque eles transgridem os limites estabelecidos arbitrariamente" '(L. Biron, ob. cit.).

138 Idem.

139 C. Parent, Feminisme et criminoiogie, ab. cit. p. 150. 140 C. Parent, Au dela du silence: Les productions feministes sur la

"criminalite" et la criminalisation de femmes, Deviance et societe, Genebra, Edition Medicine et Hygiene, vol. 16, n. 3, p. 319, 1992.

CONSTRUCAO TEO RICA DO OBJETO DE PESQUISA 77

feminista compreensivel capaz de substituir as teorias Iiberais, marxistas ou psicanaifticas. Urn desafio cntico surgiu das mulheres marginalizadas pela teoria feminista e de uma variedade de teoricos e textos pos-modernos/pos-estruturalistas. Esses desenvolvimentos propuseram questionamentos sobre 0 conhecimento feminista e como devia ser produzido e avaliado". 141 Fez-se necessario descons­truir 0 modelo androcentrico de sociedade, no qual se baseiam as reIa\ioes de discrimina\,ao contra a mulher e outros grupos margina­Iizados, com vistas a promover a reconstru\,ao de modelos que tenham como base a preocupa\,ao com 0 outro, como indivfduo concreto e inscrito em urn sistema de reIa\,oes.

Destarte, por meio das muitas contribui\,oes apresentadas peIa criminologia feminista, foram explicitados os sistemas de opressao dos grupos marginalizados. Mais do que nunca devemos proceder a anaIises que adotem a perspectiva de genero para olhar a mulher e todos os individuos inseridos no sistema punitivo. Assim, a optica do genero deve nos levar a questionamentos a respeito da propria estrutura do sistema, "desconstruindo 0 universo das forrnas tra­dicionais de legitima\'ao punitiva e procurando solu\ioes mais eqiiitativas, que valorizem as situa\'oes concretas nas quais evo­luem os diferentes protagonistas da interven\,ao penal".142 Acre­ditamos que a criminologia feminista e, com efeito, 0 marco teorico adequado para 0 estudo das percep\,oes e expectativas das mulheres sobre 0 trabalho na Penitenciaria Feminina da Capital.

Seguindo esse raciocfnio, devemos nos perguntar: 0 que e exatamente urn carcere de mulheres? Como as normas de execu\,ao penal fazem referencia a elas? Como sao pautadas a sexualidade e a procria\,ao no sistema criminal? Como e executado 0 trabalho nas prisoes femininas? Quais sao os val ores que regulam a vida das presas? Quais as expectativas dessas mulheres com rela\,ao a pri­sao?143

\4\ Citado par R. del Olma, ob. cit. p. 30. \42 C. Parent e F. Digneffe, ob. cit. p. 102. 143 Sera que cabe afirmar que esse seria urn espa~o em que a sexualidade

e reprimida, a homossexualidade e sancionada, a maternidade e controlada e restrita. 0 acesso a informa~ao e limitado e os direitos

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78 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

Tentaremos responder a essas indagac;6es no decorrer dos itens desenvolvidos a seguir.

1.3 PESQUISAS SOBRE A PRISAO FEMININA

"E4, 0 .que I a detenriio: uma_ chama ojuscallte e um golpe, a partir dos quais 0 presel1te desliza IIUlll segundo para 0 passado,

e 0 imposs(vel toma, a cada passa, 0 [ugar do presente. "1«

A prisao e urn espac;o que gera tristeza, paix6es e revolta, tanto dentro como fora de seUS muros. Quem decide por ela

excursionar, como pesquisador, ativista ou representante do Esta­do, deve estar ciente das relac;6es particulares 145 que Se desenvol­vern no seu interior e atento a elas.

o carcere e uma instituic;ao totalizante e despersonalizadora, na qual predomina a desconfianc;a e onde a violencia se ccinverte em instrumento de troca. 0 unico objetivo de quem esta ali e sair, fugir, atingir a liberdade. Essas caracterfsticas correspondem as pris6es em geral, mas a nossa analise sera centralizada no estudo da prisao feminina.

Uma vez criada a prisao como instituic;ao, entendeu-se neces­saria a separac;ao de homens e mulheres para· aplicar-lhes trata-

trabalhistas sao inexistentes? Embora constituam algumas das caracterfsticas mais comuns nos presIdios femininos, devemos analisar se elas tambem correspondem ao cotidiano da Penitenchiria Feminina da Capital, institui~ao em que realizamos nossa pesquisa.

144 Alexandre Soljenitsin, Arquipelago de Gulag, Sao Paulo, Circulo do Livro, 1976, p. 16. '

145 "Uma atitude muito favonlvel as pr.esas Oll de desrespeito ao trabalho dos guardas poderia p6r em risco 0 desenvol vimento de uma pesquisa lou trabalho no interior 00 presidio]" (C. Rostaing, La relation carcerale. ldentite et rapports sociaux dans les prisons de femmes, Paris: PressUniversitaire de France, 1997, p. 23). Uma explica~ao mais detalhada sabre a natureza dessas relac;5es, dife­rentes das do munda externo, extramuros, pade ser encontrada nos trabalhos de Donald Clemmer, Irving Goffman e Michel Foucault, como veremos a seguir.

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CONSTRUCAO TEORICA DO OBJETO DE PESQUISA 79

mentos diferenciados. Com essa medida buscava-se que a educac;ao penitenciaria restaurasse 0 sentido de legalidade e de trabalho nos homims presos, enquanto, no tocante as mulheres, era prioritiirio reinstalar 0 sentimento de "pudor". 146

No decorrer de sua existencia, a prisao se caracterizou por ser majoritariamente masculina - em face de 0 numero de reclusos ser composto em sua maioria por homens. Tal condic;ao acentuou­se durante a segunda metade do seculo XIX'47 e estendeu-se pelo

seculo XX. De acordo com C. Rostaing, a prisao como instituic;ao passou

a ser cientificamente estudada a partir dos anos 40. Parcela significativa das pesquisas antes elaboradas privilegiou 0 carater etiol6gico da conduta criminal; assim, por exemplo, os estudos preparados pelos seguidores da Escola Positiva italiana observaram "0 crirninoso" e as motivac;6es de sua conduta, em busca da natureza crirnin6gena dos indivlduos, sem fazer referencia espe­dfica ao carcere como espac;o de controle.

Rostaing divide em tres etapas os estudos cientlficos desen­volvidos sobre 0 tema, os quais perrnitiram conhecer melhor 0

universo prisional. A primeira etapa, denorninada subcultura car­ceraria,l48 se inicia em 1940, com 0 trabalho pioneiro de Donald Clemmer, que tinha por objetivo deterrninar em que medida 0

tempo vivido na prisao podia modificar a atitude e 0 comporta­mento dos homens presos. Valendo-se do conceito de "prisioni­zac;ao", entendido como "a interiorizac;ao de valores especifica­mente carcerarios pelo detido e a assimilac;ao de slmbolos e forrnas de ser pr6prios da prisao", 149 ele demonstrou 0 carater envolvente desse espa<;o de afastamento. Essa tese foi logo retomada por

146 c. Rostaing, ob. cit. p. 42. 147 Idem. 148 A expressao "subcultura carcen'iria" e questionada por sugerir a

existencia de urn modelo cultural diferenciado. visto que, no caso da prisao. as relac;5es que a integram nao remeteriam a outra cultura, mas a valores distintos dos hegemonicos.

149 Extrafdo do livro The prison community. cuja primeira ediC;ao data de 1940 (Ibidem, p. 56).

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Gresham Sykes, autor de estudos sobre a pnsao como "uma sociedade dentro da sociedade",150 possuidora de caracteristicas e linguagem particulares e atitudes estabelecidas para diminuir a dor provocada pelas priva«oes acarretadas pela deten«ao: priva«ao da liberdade e de bens, priva"ao de rela"oes heterossexuais, bern como de autonomia e de seguran"a. Segundo Rostaing, esses trabalhos, elaborados em termos de "subcultura carceraria, [destacaml que os presos tern cultura propria, simbolizada pelas tatuagens, a gfria prisional, 0 c6digo social (ser leal entre eles, resistir, respeitar a palavra,rejeitar tudo o que represente a polfcia etc.)".l5l No entanto, tais estudos descuidaram de analisar os la"os que unem a prisao com a sociedade, ou seja, a prisao inserida em um contexto social mais amplo e complexo.

Nessa primeira etapa, tambem foram realizados alguns tra­balhos sobre prisoes femininas, porem, ate 1960, "os estudos sociologicos [sobre esse tipo de prisao 1 sao quase inexistentes". Entre os pioneiros, estariam os de David Ward e Gene Kasse­baum,I52 assim como' 0 de Rose Giallombardo,I53 os quais priorizaram a amHise dos efeitos da subcultura carceriiria em mulheres na prisao.· Salienta Rostaing que esses estudos tinham

150 O. Sykes, The society of captives, Princeton, Princeton University Press, 1958.

151 C. Rostaing, ob. cit. p. 57. Durante as entrevistas na PFC, algumas mulheres salientaram as normas que integram 0 c6digo de conduta na prisao. Uma das entrevistadas nos disse: "E assim que funciona, e lei ... Agora pra nos e lei: eu tenho uma treta com voce, eu arrumo pra tua cabe"a, eu minto, eu minto ... , eu ja fali pra voce [mesmo assim, voce] nao pode ser cagUeta; nao podeser rato de moco [que e quando] eu entrar na tua cela e roubar alguma caisa sua ... cigarro. brinco. urn anelzinho, uma .G.alcinha, naG interessa 0 que, linha ... , isso se chama rata de moco. ta? NaG pode ser rata de moco, naG pode ser cagOeta e naG pode ser xibadeira. Xibadeira, xibadeira de polfcia. que tra'nsa com polfda, que beija a boca de polfcia, que

- namora polfcia. ta '"entendendo?". 152 Women's prison. Sex and social structure. Pesquisa de campo

realizada na prisao de Frontera, na California (1965). 153 Society of women: a study of a women's prison. Pesquisa de campo

realizada na prisao de Alderson, na Virginia (1966).

CONSTRUCAO TEO RICA DO OBJETO DE PESQUISA 81

como finalidade estabelecer compara,,6es com a organiza"ao social das prisoes masculinas, utilizando como referencia os metodos desenvolvidos para tais espa"os. A principal conc1usao a que as pesquisas chegaram e que, na prisao, homens e mulheres formam sistemas sociais distintos porque sao socializados de maneira diferente. 154

A segunda etapa - chamada instituifiio total - teve infcio em 1970. Autores como Irving Goffman e Michel Foucault analisaram o papel do ca.rcere na sociedade, ou seja, seu lugar no modelo de sociedade atual. Na c1assica obra de Foucault, Vigiar e punir, ele "trata nao so do nascimento de uma institui"ao repressiva, mas principalmente do poder de normaliza"ao e da forma"ao do saber na sociedade modema". 155 As pesquisas sobre as prisoes femininas levadas a cabo durante essa etapa foram fortemente influenciadas pel0 ideiirio dos movimentos feministas, por introduzirem a lente do genero para observar a intera"ao entre os diversos atores sociais relacionados no universo carceriirio e por denunciarem a maior incidencia de objetivos moralizadores nas mulheres presas, em razao de sua condi"ao de exc1usao e de sexo. Salientam-se com insistencia a pouca aten"ao dispensada ao universo prisional feminino pelos profissionais envolvidos com a questao criminal e a realiza"ao de estudos acerca da realidade das presas sem des­vincula-Ia do mundo das mulheres como um todo.

Finalmente, a ultima etapa que agrupa os trabalhos sobre prisao/institui"ao reflete 0 momento atual, que tern se caracterizado por estudos especializados. Nao mais se trata de "adotar uma visao geral da institui"ao, mas de se interessar por urn tema particular" .156 Essa etapa se insere no que temos definido como criminologia feminista, isto e, a disciplina que, sob uma perspectiva critica, examina a fun"ao da estrutura prisional na vida dos sujeitos, tomando como referencia as rela,,6es de genero que a compoem.

No Brasil, embora nem sempre 0 percurso das pesquisas sobre prisGes femininas coincida temporalmente com os limites estabe-

154 C. Rostaing, ob. cit. p. 62. 155 Idem, p. 69. 156 Idem, p. 73.

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82 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

lecidos por Rostaing, muitos dos trabalhos sobre a vida de mulheres presas buscaram estuda-las como urn todo, ou seja, analisando diferentes aspectos do cotidiano prisional. 157

Podemos mencionar a pesquisa de Julita Lemgruber, Cemi­terio dos vivos, elaborada na decada de 70 (atualizada e reeditada em 1999), em que, por meio de urna analise etnografica, identifica-se 0 perfil'dag mulheres presas no presidio fluminense Talavera Bruce e delineia-se uma reflexao crftica sobre distintos aspectos vinculados a esse grupo. No ambito trabalhista, descre­vem-se as caracterfsticas do trabalho prisional, marcadas pe\a monotonia e a aliena<;:ao, e as rela<;:5es de poder que permeiam essa atividade.

No direito, urn estudo que merece destaque e Mulheres encar­ceradas, de Maud Fragoso de Albuquerque Perruce, de 1983, pela originalidade ao abordar essa tematica no contexto juridico, em geral, pouco interessado em explorar a dinamica prisional feminina. A despeito de sua analise estar vinculada a legisla<;:ao penitenciaria anterior a Lei de Execu<;:ao Penal (LEP), promulgada em 1984, suas contribui<;:5es sao ainda efeti vas, porquanto a pesquisa empfrica foi realizada mediante urn confrontamento com a doutrina crimino­logica e penitenciaria, sem se esgotar na legisla<;:ao vigente.

No plano interdisciplinar, devemos mencionar 0 livro De gente a gente s6 tem 0 nome. A mulher no sistenta penitenciario de Sergipe, resuitado de urn conjunto de artigos sobre pesquisas em pris5es femininas organizados por Amy Coutinho de Faria Alves (2001), e a recente pesquisa de lara Ilgenfritz e Barbara Soares (2002), intitulada Prisioneiras. Vida e violencia atras das grades. Ambos os trabalhDs sublinham a importancia de interpretar a prisao por meio do olhar das proprias mulh~res rec1usas e dialogam com diversos aspectDs da rotina do carcere, entre eles 0 trabalho.

157 Cabe salientar as trabalhas de Candido Mendes de Almeida (1928): As'mulheres criminosas no centro mais populoso do Brasil (Distrito Federal e estados de- Rio de Janeiro, Slio Paulo, Malo Grosso e Espfrito Santo) e de Lemos Brita (1943): As mulheres criminosas e seu tratamento penitenciario. Ambos citados par Barbara Soares e lara Ilgenfritz em Prisioneiras. Vida e violencia atrds das grades, Rio de Janeiro, Garamand, 2002.

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CONSTRU.;:iio TEORICA DO OBJETO DE PESQUISA 83

A preocupa<;:ao em apresentar integralmente 0 mundo da prisao feminina pode ser entendida como 0 proposito de dar a conhecer urn contexto que, ate pouco tempo, so tinha sido pensado em referencia ao universo masculino - como urn anexo, all, pior ainda, como urn erro. Em virtude dessa constata<;:ao, evidenciar as dife­ren<;:as entre ambos os espa<;:os, descrevendo-os globalmente, adquiriu novo valor e importancia. '58 Contudo, tambem e possivel identi­ficar no ambito feminino prisional pesquisas desenvolvidas sobre tematicas mais pontuais,159 nao obstante nenhuma analise 0 papel do trabalho como eixo propiciador do entendirnento do carcere.

Duas pesquisas elaboradas a partir do universo prisional masculino proporcionaram-nos subsidios para a analise dessa atividade nos carceres de mulheres. Uma delas, ja comentada no item 1.1.2 deste capitulo, e a disserta<;:ao de mestrado de Fernando

'" Outros trabalhos que padem ser citadas sao os de Cleide Souza Barbasa (1977), Algumas reflexoes sobre 0 sistema penitenciario feminino de Slio Paulo; a disserta~ao de mestrado de Estanil Ouro Weber Pieper (1992), A execuqlio penal em Santa Catarina e 0

tratamento penalfeminino; a pesquisa de Samantha Buglioni e Livia Pithan (1997), A face feminina da execuqlio penal: a mulher e 0

poder punitivo; e as reflex5es de Maria Ignes Bierrenbach (1998), em A mulher presa.

15' Assim, podemos destacar os trabalhas de Elza Mendon~a Lima (1983), Origens da prislio feminina no Rio de Janeiro. 0 perfodo dasfreiras (1942-1955), sobre os antecedentes dos estabelecimentos prisionais para mulheres; de Maria Wemeck (1988), Sala 4. Primeira prisiio po[(tica jeminina, que descreve 0 cotidiano de uma prisao politica para mulheres que combateram 0 regime militar; a relat6ria de pesquisa do Coletiva de Feministas Lesbicas (1997), Prevenqlio de HIV. AIDS na Casa de Detenqlio F eminina de Tatuape - Slio Paulo, sabre a desenvalvimento da sexualidade e de suas limita~6es; as disserta~6es de mestrado de Miriam Ida Rodrigues Breitman (1989), Mulheres, crimes e prislio. 0 signi­ficado da Q(;iio pedagogica em uma institui<;iio carceraria feminina, de Marina Albuquerque Mendes da Silva (1992), Nos territ6rios da desordem. As desordens jemininas na ordem da delinqiiencia, de Eliana de Paula Leite (1999), A dupla condenaqiio de prisio­neiras na cadeia: urn invislvel objeto de saude coletiva, e de Claudia Stella (2000), Filhos (as) de mulheres presas. Soluqoes e impasses para seu desenvolvimento.

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84 A MULHER ENCARCEAADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

Salla, 0 trabalho penal: uma revisiio historica e as perspectivas Jrente a privat;iio das prisoes; e a outra e 0 trabalho e os dias. Ensaio antropologico sobre trabalho, crime e prisiio, livro de Maria de Nazareth Agra Hassem, que reflete sobre os c6digos e identidades morais na vida prisional e os associa as noc;:oes de crime e trabalho.

Se compararmos as pesquisas que tem como tema as prisoes femininas com aquelas existentes sobre as prisoes masculinas no Brasil,'60 sen! possivel deduzir que inumeros aspectos ainda nao foram estudados, dai a importancia de promover a expansao dos estudos sobre 0 universo dos carceres de mulheres.

A maioria dos trabalhos que mencionamos se aproxima dos postulados feministas e com eles dialoga, observando de mane ira critica 0 papel da mulher no sistema penitenciario e nos sistemas econ6micos e sociais da vida em liberdade. Lamentavelmente, essas amUises nao se expandiram 0 suficiente, de modo a integrar os programas universitarios e as poifticas public as que decidem sobre 0 gerenciamento da problematica.

Tradicionalmente, a mulher presa tem sido estudada sob 0

estereotipo de "louca", de mentalmente perturbada,'6' julgamento incorporado no imaginario de operadores do sistema criminal,

160 Algumas amHises, com abordagem sistematica da bibliografia sabre essas quest5es, podem ser consultadas em: Sergio Adorno, A criminalidade urbana violenta no Brasil: urn recorte tematico, boletim informativo e bibliografico de Ciencias Sociais, Rio de Janeiro, Relume DumaraJAnpocs, 1993, n. 35; Alba Zaluar, Vio­lencia e crime, 0 que Ler nas (;iencias Socia is Brasileiras, Sao Paulo, Editora Sumare/Anpocs, 1999, vol. II; Roberto Kant de Lima et alii, Viol<,ncia, criminalidade, seguran~a publica e justi~a criminal no Brasil: uma bibliografia, -Revista Brasileira de lnformar;iio bibliografica em Ciencias Socials, Rio de Janeiro, Relume DumaraJ Anpocs, 2000, n. 50, \

161 "Se alguma mulher infringe a rei e porque alga nao funciona na sua cabe~a." Rene Van Swaaningen, ob. cit-, p. 86, citando os efeitos dos mitos sabre a natureza fisioiogicamente determinada da delin­qUencia feminina. e como esses mitos (segundo difundidos pelos criminologos e criminologas tradicionais) tern interferido na imagem que a mfdia e as instancias oficiais possuem da rnulher que delinqUe.

CONSTRUQ)\O T§6RICA DO OBJETO DE PESQUISA 85

responsaveis por atender ao universo prisional feminino. 162 As expIicac;:5es psicogeneticas da criminalidade feminina - perturba­c;:oes psicologicas, transtomos hormonais etc. - justificam a im­plementac;;ao de polfticas penitenciarias especfficas para as mulhe­res, com 0 objetivo de corrigir e regenerar aquelas "descarriladas o en peligro de caer" .'63 Essa postura reforc;;a a infantiIizac;:ao, utilizada como criterio de controle por autoridades e funcionarias penitenciarias, para justificar a maior tutela moral a que sao submetidas as mulheres no carcere.

A maioria das prisoes femininas foi instalada em conventos,'64 com a finalidade de induzir as mulheres "desviadas" a aderir aos valores de submissao e passividadel65 Na atualidade, apesar de quase nao existirem presidios controlados e geridos por organi­zac;;oes religiosas, a necessidade de controlar as mulheres nao mudou: subsiste 0 intuito de transforma-las e encaixa-las em modelos tradicionais, entendidos de acordo com padroes sexistas. Essa situac;:ao acentua a carilter reabilitador do tratamento, que busca "restabelecer a mulher em seu papel social de mae, esposa

162 Presente em uma festividade realizada em outubro de 2001 na Penitenciaria Feminina da Capital, assistimos a apresenta<,;:ao de uma pe~a teatral, na qual 0 publico interagia com as atrizes (todas detentas), No meio da pe~a, "rna das atrizes denunciou a falla de celeridade na tramita~ao dos beneficios penitenciarios por parte das funcionarias do presfdio. Esse fata nao teria chamado nossa aten<,;:ao (uma vez que assumimos que 0 desinteresse dos funcionarios nessas tarefas com efeito faz parte do cotidiano da prisao), no entanto, quando safamos, uma funcionaria se aproximou do grupo de convidados externos e tentou nos explicar que a mulher que fizera a dem.1ncia tinha problemas psicol6gicos e nao devfamos levar em conta a que ela havia falado. A margem de ser verdade au nao o depoimento daquela presa, ressallamos a preocupa~ao da funci­omiria em deslegitimar a demlncia e. ainda mais, em utilizar para tal fim 0 argumento da insanidade mental feminina.

163 A. 1. Meo, ob, cit. p. 117. 164 No Brasil, ver a pesquisa de Elza Mendon~a Lima, ob. cit. 165 "Segundo Mendon~a, coube as religiosas cui dar da moral e dos bans

costumes. alem de exercer urn trabalho de domestica~ao das presas e uma vigiHincia constante de sua sexualidade" (Barbara Soares e lara Ilgenfritz, ob. cit. p. 58).

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86 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

e guarda do lar e de faze-Ia aderir aos valores da classe media" ,'66

naturalizando as atribuic;oes de genero e reproduzindo a desigual­dade no tratamento das pres as.

o capitulo seguinte trata da legislac;ao brasileira e de como ela constr6i a imagem de mulher presa e a insere na poiftica peniten­ci<iria geral; aborda ainda a forma como se determina a realizac;ao de atividades quepermitirao a obten<;:ao de beneficios e a sobre­vivencia no interior do carcere.

" 166 L. Biron. Les femmes et l'incarceration, Ie temps n'arrange rien.

Criminologie, Montreal, Les Presses de l'Universite de Montreal, vol. XXV, n, 1, p, 124, 1992. Esses valores podem ser entendidos como a maternidade. a heterossexualidade, 0 matrimonio, entre Qutros.

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REPRESENTA<;OES roRiDICAS NO SISTEMA PRISIONAL I

SUMAAIO: 2,1 0 contexto politico-social - 2,2 Norma­tividade nacional e intemacional - 2.3 Interpretando a mulher por meio da lei.

2.1 0 CONTEXTO POLITICO-SOCIAL

""1""odos os fenomenos sociais precisam ser estudados a partir dos Jl contextos hist6ricos, culturais, poifticos e sociais, 0 que pos­

sibilita questionar trac;os universais e historicamente descontextu­alizados de perigosa repercussao. I Por essa razao, acreditamos ser necessario dedicar algumas reflexoes ao marco poiftico criminal que fundamenta 0 modelo de execuc;ao criminal brasileiro a fim de entender as motivac;oes poifticas que acompanham as medidas impostas pel os governos estadual e federal no tocante ao sistema penitenciario e, especificamente, ao universo prisional feminino.

Ap6s mais de vinte anos de governo militar, 0 Brasil iniciou uma transic;ao democratica marcada por conflitos entre grupos interessa­dos em manter 0 status quo e grupos que buscavam irnplantar urn

. I Jose Contreras e Hernan L6pez Garay, EI sentido hist6rico de la prisi6n rehabilitadora en Venezuela (I): un marco foucaultiano, Capftulo criminol6gico, Instituto de Criminologia Lolita Aniyar de Castro, vol. 28, p, 5,

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88 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

modelo democratico no pais. No entanto, a transi<;:ao para 0 regime democratico, associada ao programa de reforma do Estado - enceta­do no govemo de Jose Samey e ainda nao concluido -, provocou continuismo nas hierarquias e nas praticas do regime autoritario, ao mesmo tempo em. que se ampliaram os atos violentos e a percep<;;ao de risco na sociedade, sobretudo emgrandes centros como Sao Paulo.

Concretamente, no plano da seguran<;;a publica, com vistas a adequar a estrutura politic a aos parametros do Estado de direito, restringiram-se as atribui<;:oes formais das for<;;as militares e po­liciais. Entretanto, no plano socioeconomico, foram aplicadas medidas de ajuste estrutural e reduzidos os investimentos em programas sociais, situa<;:ao que provocou 0 aumento dos indices de pobreza e exclusao e facilitou a expansao da criminalidade.

Esse contexte permitiu a propaga<;:ao de dois movimentos de resposta juridica, a partir de meados dos anos 80 e principalmente durante os anos 90. Por urn lado, foram difundidas tendencias que, nao obstante apresentem particularidades, podem ser denominadas garantistas, visto que tern em comum a defesa da universaliza<;;ao das garantias constitucionais. Essa perspectiva percebe 0 direito penal como instrumento secundario e com efeitos limitados na redu<;:ao da criminalidade. A politica criminal consiste somente em urn aspecto da politica social, a qual predominantemente deveria se revestir de urn carater promocional e integrador, pr6prio de urn Estado social e democratico de direito.

o modelo garantista se ap6ia em conven<;:oes e em tratados intemacionais e, no Brasil, algumas de suas propostas foram incorporadas na Constitui<;:ao de 19882 e em outros instrumentos legais, com destaque para a Lei 'de Execu<;:oes Penais, a Lei de Tortura, a Lei de Indeniza<;:oes as Vitimas de Crimes de Estado, entre outras. Tal corrente, para a qual e fundamental 0 controle da violencia praticada por agentes do sistema de justi<;:a criminal, requer, para tanto, que se lute pela efetividade das garantias constitucionais de acusados e sentenciados. Consenso entre alguns juristas, lideres poliiicos e organiza<;:oes da sociedade civil, suas propostas sao aplicadas por profissionais do sistema judicial.

2 Ver, principaimente, 0 art. 5,° da CF.

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REPRESENTA<;:OES JURIDICAS NO SISTEMA PRISIONAL 89

De outra parte, a segunda res posta juridica, representada pelo movimento da lei e da ordem, atribui fun<;:oes preventivas ao direito penal e propoe, como meio de combate eficaz a criminalidade, maior rigidez e extensao do sistema criminal. Desde 0 inicio da decada de 90, essa tendencia, cujo exemplo paradigmatico e a Lei de Crimes Hediondos,3 encontrou acolhida na legisla<;:ao nacional. Tais normas se caracterizam pelo carater intervencionista e sim­b6lico, e seus seguidores acreditam ser necessario aplica-Ias nas mais variadas rela<;;oes sociais. Elas ampliam as condutas crimi­nalizadas, penalizam a<;;oes sem que tenham acontecido os resul­tados, determinam obriga<;;oes positivas de conduta, promovem 0

endurecimento das penas, em especial da pena de prisao, suprimem as garantias de acusados e sentenciados e defendem a amplia<;:ao quantitativa e qualitativa das organiza<;;oes do sistema de justi<;:a criminal. Em conseqUencia, ao mesmo tempo em que 0 Estado brasileiro e reforrnado ou limitado em suas modalidades de atua<;:ao economica e social, passa a recorrer de forma crescente ao direito penal e a pena de prisao para resolver os problemas do pais. Com forte inser<;:ao nos meios de comunica<;;ao, entre politicos e juristas, assim como entre membros da administra<;:ao de justi<;:a criminal, essa corrente da continuidade, sob nova roupagem, as praticas repressivas vigentes durante 0 regime militar.4

3 Lei 8.072, de 25 de julho de 1990, modificada pela Lei 8.930, de 6 de setembro de 1994. Agrava as figuras de homicfdio praticado por grupos de eXlermfnio e homicfdio qualificado; lalrocfnio; extorsao qualificada pela morte; extorsao mediante seqUestra e na forma qualificada; eslupro; alenlado violento ao pud~r; epidemia com resullado de morle; falsifica<;:ao, cOITup<;:ao, adultera<;:ao ou allera<;:ao de produlo deslinado a fins terapeulicos ou medicinais; genocidio; tortura; tnifico ilfcito de entorpecentes e drogas afins e lerrorismo (arls. 1.0 e 2.° da Lei).

4 T. A. Dix da Silva, Globaliza<;:ao e direilo penal brasileiro: Acomo­dar;ao ou indiferenc;a?, Revista Brasileira de Ciencias Criminais, Sao Paulo, IBCCRIM, vol. 23, p. 81-96, 1998; J, Tavares, A crescente legislaf:rao penal e os discursos de emergencia, Discursos sediciosos:Rio de Janeiro, Instituto Carioca de Criminologia, 1997, vol. 4, p, 43-57, ambos cilados por A, Koerner, Judiciario, jUlzes e prisiies em Siio Paulo nos anos noventa, Sao Paulo. mimeo, 2001.

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90 A MULHER ENCARCERADA EM FACE' DO PODER PUNITIVQ

Ambas as tendencias coexistem no universo legislativo brasi­leiro, 0 que explica a nao-existencia de urn modelo de poHtica criminal coerente a apJicar. 5 Como resultado dessa incoerencia, 0

cidadao comum nao consegue se sentir protegido pelo Estado, visto que a aplica~ao das leis corresponde a parametros jurisprudenciais desrespeitados pelas proprias autoridades.6

Em virtude dos 'visfveis avan~os da criminalidade, os movi­mentos da lei e da ordem ganham cada vez mais adeptos, e os representantes dos poderes publicos se aproveitam dessa circuns­tancia para propor poHticas mais severas contra a criminalidade, sem alicer~ar-se em argumentos cientfficos que demonstram a inefetividade da maior criminaliza~ao na redu~ao de criminalida­de.?

5 Como ja sustentamos em trabalho anterior. Ver 0, Espinoza, La construcci6n del Estado de derecho en Brasil: una historia particular, palestra ministrada no Col6quio Internacional "Estado de derecho y delincuencia de Estado en America Latina", organi­zado pelo Instituto Max Planck, em Sao Paulo, de 22 a 24 de fevereiro de 2002.

6 Essa incoerencia se reflete tambe-m no cotidiano jurisdicional, e encontra respaldo na opiniao pUblica. Inclusive, orienta~5es jurisprudenciais reconhecidas anteriormente como garantistas pas­saram a ser revisadas, com a assunc;ao de posturas mais repressivas. E 0 caso do abandono da concessao de liberdade aos reus presos cujos processos tivessem excedido 0 prazo de 81 dias ou 76 dias (segundo se tratasse de crimes comuns ou de trlifico de drogas).

7 Esse processo que conjuga tendencias garantistas e repressivas nao e exclusi vo do Brasil. Em paises como Alemanha e Italia produ­ziram-se reformas penitenciarias. earn vistas a reduzir as efeitos deteriorantes <;la prisao mediante UJ;na serie de medidas de insen;ao baseadas no respeito a dignidade das pessoas presas. Contudo, pouco tempo depois, tais parses experimentaram processos de contra-reforma que bloquearam os aspectos positivos ja conquis­tados. Assim, as reformas legistativas alcan9adas sofreram uma involu9ao (uma da'S .. r?-z6es que· justificaram esse retrocesso foi a escalada de moviment6s terroristas). A ressocializa~ao, como fina­lidade do tratamento penitenciario, foi abandonada e substituida pelo mere custodialismo. N a Italia, retornaram velhas leis fascistas de censura da correspondencia, de limita9ao de permissoes e da militariza9ao das prisoes. A contra-reforma penitenciaria tentou

REPRESENTACOES JURi01CAS NO SISTEMA PRISIONAL 91

Essa conjuntura comporta reflexos imediatos no panorama carcenirio. Dentre as conseqiiencias mais graves, destacariamos as lirnitac;:5es legais impostas para a concessao de livramento condi­cional, indultos ou progressao de regime. Assim, normas COmo a Lei de Crimes Hediondos estabelecern que as condutas previstas como hediondas sao insuscetfveis de indulto; ademais, 0 art. 2.°, § 1.0, dessa Lei sanciona que "a pena par crime previsto [nesse dispositivo] sera cumprida integralmente em regime fechado". 0 proprio C6digo Penal, que refor~a 0 endurecimento, destaca em seu alt. 83 que "0 juiz podera conceder Iivramento condicional ao condenado a pena privativa de liberdade igual ou superior a 2 (dois) anos, desde que: [ ... ] V - cumprido mais de dois ter~os da pena, nos casos de condena~ao par crime hediondo, pratica de tortura, trafico iHcito de entorpecentes e drogas afins, e terrorismo, se 0

apenado nao for reincidente especffico em crimes dessa natureza". 8

preencher "as eXlgencias do sistema capitalista par uma maior disciplina e repressao para canter a tensao proveniente da massa marginalizada pelas grandes deficiencias do sistema [ ... J. 0 novo carcere assume ° aspecto de fortaleza, e pretende deixar de ser urn instrumento de reeduca9ao e de reinser9ao para se converter num instrumento de simples modulac;:ao do terror, da aniquilac;:ao do rebelde e, dessa forma, na resposta polftico-militar a todo aquele que busque por em duvida, com a viotencia dos fatos (amanha pode ser s6 com a' violencia das ideias), a disciplina e a base de legitima~ao do novo pacto social" (Lolita Aniyar de Castro, El tratamiento del delincuente en el mundo visto a traves del VIII Congreso Intemacional de Criminologia, Anuario de Derecho Penal y Ciencias Penates, Madrid, Ministerio de Justicia y Consejo Superior de Investigaciones Cientfficas, 1979, vols, 32-2, p, 483), Do expos to, podemos concluir que existe uma intensa polemica sobre a sentido, a forma de aplicagao e legitimagao do tratamento que deve ser dado as pessoas presas, com poucos pontos de coincidencia. na medida em que persistem correntes crfticas, liberais e reaciomirias no panorama criminol6gico atual.

8 Para as demais ·crimes, a livramenta condicional e concedido: "I _ cumprido mais de urn terc;o da pena se 0 condenado nao for reincidente em crime dolaso e tiver bans antecedentes; II - cumprida mais da metade se a condenado for reincidente em crime dolaso ... " (art. 83 do C6digo Penal),

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92 A MULHEA ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

Jurisprudencialmente deu-se, de forma geral, 0 endurecimento na execu«ao penal, com maior rigor no que diz respeito aos criterios para outorgar livramento condicional, progressao de regime, in­dulto, comuta«ao de pena etc. (aqui estamos nos referindo a casos que preencheriam todos os requisitos requeridos para a concessao dos beneficios mencionados). A situa«ao em analise desvirtua 0

objetivo da progressividade na aplic!l«ao das penas e tende a perenizar a estada dos rec1usos no carcere.

o crime de maior incidencia entre as mulheres presas e 0 trafico de ehtorpecentes,9 e 0 rigor de que falamos prejudica as rec1usas de maneira muito mais incisiva.1O A despeito de 0 movimento da lei e da ordem nao ter se pronunciado especificamente sobre os carceres femininos, ele parte de postulados conservadores para perfilar a politica criminal que deve imperar no pais e, assim

9 De acordo com informac;6es da PFC, a maior parte das mulheres reclusas (39,97%) cumpre condena«ao por tn,fico de entorpecentes, 31,02% por roubo, 13,05% por homicfdio, 9,98% por latrocfnio, entre outros. 0 Relatorio do Coletivo de Feministas Lesbicas confinna essa porcentagem ao indicar que 40% das mulheres presas foram sentenciadas por tnifleD de entorpecentes. e 37% condenadas por roubo.

10 A sobrecriminalizac;ao descrita oa lei torna-se mais aguda ao revelar a tendencia da jurisprudencia de punir com maior severidade as mulheres que delinqliem. No relatorio preparado pelo Coletivo de Feministas Lesbicas, as presas denunciaram 0 cumprimento de sua condena«ao de forma integral. Expressamente indica 0 relatorio que uma das Hqueixas refere-se ao cumprimento da pena. Detentas geralmente cumprem sua cadeia de 'ponta', isto e, do come90 ao fim sem receber os beneffciQs -de progressao de pena a que tern direito. As. presidiarias denunci~m que os homens que foram presos junto com elas oa mesma a93.o e condenados pelo mesmo delito pegaram uma pena menor, ou ja estao livres. ou estao no regime semi-aberto; As presas querem a mesma igualdade de oportunidades concedida aos detentos" (ob. 'cit. p. 14). Essa denuncia nao deve ser entendida como fato isohido, produto de circunstancias polftico­sociais particulares; visto que outros 'autores confinnam a discrimi­na9ao descrita em pesquisas desenvolvidas sobre contextos geogra­ficas diferentes. Ver Robert Cario em Particularidades de la situaci6n carcelaria de las mujeres e Claude Faugeron e Nancy

. Rivero em Femmes liberees sous condition.

REPRESENTACOES JURiOICAS NO SISTEMA PAISIONAL 93

procedendo, prejudica as mulheres inseridas no conjunto da po­pula«ao prisional.

Outra conseqUencia do incremento da repressao na polftica criminal e a rejei«ao social e 0 estigma imposto contra aquele que comete urn crime; como produto dessa situa«ao tem-se a falta de respaldo da sociedade para 0 ex -detento. Essa "virada de costas" para quem um dia foi considerado "perigoso" -( e que no imaginano popular carregara eternamente essa marca), aliada a ausencia de polfticas public as de atendimento e acolhida a popula«ao egressa, contradiz 0 principio ressocializador-da exe~­cu«ao penal, visto que nao permite a integra«ao daqueles e daquelas que estiveram afastados do convivio social, cuja pena, uma vez cumprida, nao deveria se estender por tempo ilimitado, fora dos muros da prisao.

Descrito 0 panorama poHtico-social do pais, dispomos agora de mais elementos para elaborar uma analise acerca das represen­ta«6es jurfdicas da lei sobre 0 sistema penitenciario e, especifica­mente, sobre a mulher presa.

2.2 NORMATIVIDADE NACIONAL E INTER­NACIONAL

As normas legislativas regulam diferentes aspectos de nossas vidas enos transmitem valores, presumidamente compartilha­

dos peIas grandes maiorias, mas muito mais proximos dos circuitos do podeLl I A partir desses paddles sociais definem-se as condutas dos membros de uma comunidade e interpreta-se ou nao sua legitimidade. Para reconhecer quais seriam esses valores, devemos recorrer as leis e, por meio delas, descobrir "a conexao juridico-

11 "T. Sellim tern demonstrado que as normas 'institufdas' sao as de urn grupo daminante, elas tendem a manter a estrutura existente da organiza93.0 social" (Claude Faugeron, Investigaciones sociales sabre las representaciones sociales en materia criminologica" Capitulo Criminol6gico, Maracaibo, Universidade de Zulia, 1976, vol. 4, p. 185) .

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94 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

discursiva de poder, visto que 0 poder esta sempre formulado no discurso da lei"."

Neste t6pico pretendemos nos aproximar desse discurso do poder mediante a analise das nOrmas que regulamentam 0 sistema prisional e que constroem a imagem arquetipica de mulher encar­cerada.

o ordenamento normativo brasileiro em materia penitenciaria organizou-se sob a influencia da doutrina do direito intemacional de direitos humanos, cuja presen<;;a se estendeu e fortaleceu como forma de rejeitar as viola<;;oes infligidas contra 0 povo judeu na Segunda Guerra Mundial.

Com a Declara<;;ao Universal dos Direitos Humanos de 1948, surgiu a necessidade de reavaliar os sistemas penitenciarios nas sociedades democratic as, demanda posteriormente institucionaliza­da pelo Pacto Intemacional de Direitos Civis e Polfticos 13 e especificada nas Regras Minimas de tratamento aos reclusos!' das Na<;;oes Unidas. Tambem devemos citar a Declarac;ao Americana de Direitos e Deveres do Homem (1948), a Convengao Americana de Direitos Humanos ou Pacto de San Jose de Costa Rica (1969), o C6digo de Conduta para Autoridades Encarregadas de Fazer Cumprir a Lei (Resolugao 3.41169 da ONU, de 17 de dezembro de 1979), 0 Projeto de Conjunto de Princfpios para a Protegao de Todas as Pessoas Submetidas a Quaisquer Formas de Detengao ou Prisao (Resolugao 43/173 da ONU, de 9 de dezembro de 1988) e as Convengoes contra a Tortura e Outros Tratamentos Crueis, Desumanos e Degradantes da ONU, adotada em 10 de dezembro

12 Rolf S. De Folter, "Sobre la fundamentaci6nmetodol6gica del enfoque abolicionista del sistema de Justicia penal. Una comparacion de las ideas de Hulsman, Mathiesen e Foucault", Abolicionismo penal (AAVV), Buenos Aires, Ediar, 1989, p. 82.

J3 No art. 10, esse corpo legal estabelece que "toda pessoa privada de liberdade deve ser" tratada com" humanidade e com respeito a dignidade inerente a pessoa humana".

14 Adotadas no Primeiro Congresso para a Prevens;ao do Crime e Tratamento do DelinqUente, em 1955, e aprovadas pel a Assembleia­Geral das N a~6es Unidas por meio da Resolu~ao 633 CI (XXIV), em 31 de julho de 1957.

REPRESENTACOES JURiOICAS NO SISTEMA PRISIONAL 95

de 1984, e da Organizagao dos Estados Americanos (OEA), adotada em 9 de dezembro de 1985.t> Tais declaragoes e tratados estabelecem princfpios interpretativos dos direitos aplicaveis a todas as pessoas, e, apesar de os presos e presas serem igualmente titulares desses direitos, devem desfrutar por outro lade de direitos especfficos como conseqUencia da situagao particular de privagao de liberdade.

As Regras Minimas de Tratamento dos Reclusos integram 0

conjunto normativo que garante prote<;;oes especiais a reclus os e reclusas e, devido a influencia que exerceram sobre a produ<;;ao legislativa no tangente a questao penitenciaria, consagraram-se como "a declara<;;ao universal dos direitos do preso comum".!6 Na Exposi<;;ao de Motivos da Lei de Execu<;;oes Penais, os legisladores destacaram 0 papel desse dispositivo ao declarar que "as regras mfnimas da ONU constituem a expressao de valores universais tidos como imutaveis no patrimonio jurfdico do homem" (paragrafo 73). Os especialistas que 0 redigiram preocuparam-se em, no lugar de descrever detalhadamente urn modele basico de sistema peni­tenciario, definir princfpios fundamentais para 0 tratamento do

15 No ambito dos sistemas regionais de:: protec;ao dos direitos humanos, a Europa aprovou uma resolugao especffica sobre os direitos dos reclusos e as condi~6es de prisao e deten~ao, as chamadas Regras Penitenciarias Europeias (Recomenda~ao R 87/3). Esse documento foi adotado pelo Comite de Ministros do Conselho de Europa, em 12 de fevereiro de 1987. Na .Africa, existe nao s6 a Declara~iio de Kampala sobre as Condi~6es Penitenciiirias (1996), como tambem urn Relat6rio Especial sobre as Condi,,6es Penitenciarias no continente. J3. no caso americano hauve uma iniciativa para aprovar uma proposta - elaborada pelo Instituto Interamericano de Direitos Humanos (IlDH), 0 Instituto Latino-Americano de Na~6es Unidas para a Preven~ao do Delito e Tratamento do DelinqUente (Ilanud)/Costa Rica e pela Penal Reform International - de Decla­rac;ao Interamericana sabre os Direitos e a Atem;ao das Pessoas Privadas de Liberdade. No entanto, ela ainda se encontra em estudo perante os orgaos competentes da Comissao Interamericana de Direitos Humanos.

16 Heleno Fragoso, Yolanda Catao e Elizabeth Sussekind, Direitos dos presos, Rio de Janeiro, Forense, 1980, p. 71.

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96 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

homem e da mulher presos, tendo em vista a prote<;:ao dos direitos elementares como pessoa humana. Esse cuidado demonstra 0

interesse da comunidade internacional de que cada pais, de acordo com as necessidades e costumes particulares, prepare e regulamen­te 0 cotidiano no interior dos carceres locais e estabele<;:a a politica penitenciana que melhor responder a problematic a da criminali­dade.

No Brasil, a base juridica de toda elabora<;:ao penitenciaria e a Constitui<;:ao Federal de 1988, que contem garantias explicitas para a prote<;:ao da popula<;:ao encarcerada. Assim, no art. 5.°, inc.' XLIX, garante-se "aos presos 0 respeito a integridade fisica e moral". Tais preocupa<;:oes sao ecoadas pelo C6digo Penal brasi­leiro, que estipula que aos presos "serao assegurados todos os direitos nao atingidos pela senten<;:a ou pela lei" e impoe as autoridades a obriga<;:ao de respeitar a integridade fisica e moral dos encarcerados (art. 38). No ambito federal, 0 C6digo de Processo PenaJl7 e algumas leis penais especiais apresentam normas materiais e adjetivas de conteudo semelhante. 18

Em segundo grau de importancia em materia penitenciaria, encontra-se a Lei de Execu<;:ao Penal, de 1984, valida em todos os Estados do Brasil. Na Exposi<;:ao de Motivos desse dispositivo, revelam-se os princfpios que regulam a organiza<;:ao do sistema penitenciario, assim como parte da politica 'criminal federal. A LEP e considerada legisla<;:ao de vanguarda por' integrar os princfpios e as garantias estipulados nos instrumentos internacionais de prote<;:ao dos direitos humanos. Para autores como Mirabete, trata­se de obra extremamente moderna de legisla<;:ao, uma vez que reconhece 0 respeito aos direit'os humanos dos pres os, e seu conteudo abarca varias previsoes que ordenam 0 tratamento indi­vidualizado, protegem os dir~itos substantivos e processuais de presos e presas e garantem assistencia medica, jurfdica, educaci­onal, social, religiosa e material. Como um todo, 0 foco dessa norma nao e punir, mas ressocializar os condenados. Alem da

17 Aplicado subsidiariamente na execw;ao penal. 18 A Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990) e a Lei de Pen as

Altemativas (Lei 9.714/1998).

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REPRESENTAQOES JURiOICAS NO SISTEMA PRISIONAL 97

preocupa<;:ao com a humaniza<;:ao do sistema prisional, inc ita os juizes a sentenciar penas alternativas como fian<;:as, servi<;:os co­munitarios e suspensao condicional de pena. 19

No ambito estadual, nao podemos deixar de mencionar a . Constitui<;:ao do Estado de Sao Paulo, que fornece referencias a politica criminal a adotar. Determina, por exemplo, que "a legis­la<;:ao penitenciaria estadual assegurara 0 respeito as Regras Mi­nimas da Organiza~ao das Na~oes Unidas para 0 tratamento dos reclusos, assim como a defesa tecnica das infrac;oes disciplina­res";20 dessa forma, identifica no instrumento intemacional um referencial interpretativo da legisla~ao estadual e afian~a 0 respeito dos princfpios do devido processo na apura~ao dos incidentes prisionais.

Ao lade desses corpos substantivos, existem diversas normas infralegais, nao menos importantes, que regulamentam a politic a penitenciaria a ser implementada no Estado. Em Sao Paulo, cabe destacar 0 Regimento Interno Padrao dos Estabelecimentos Prisi­onais da Secretaria de Administra~ao Penitenciana - que funciona como urn manual de procedimentos para orientar a aplica~ao da LEP - e as Resolu~oes do Conselho Nacional de Politic a Criminal e Penitenciaria, que versa sobre assuntos mais especfficos, sem prejuizo dos atos (portarias, resolu~oes, entre outros) expedidos pela Secretaria de Administra~ao Penitenciaria e pelas unidades prisionais.21

A observa~ao da legisla~ao como um todo e a indaga~ao das bases que sustentam a estrutura do sistema prisional nos permitem deduzir que 0 que 0 fundamenta e 0 sistema progressiv~ de

19 Julio Fabbrini Mirabete, Execuc;Jo penal, Sao Paulo, Atlas, 2000, p. 34.

20 Art. 143, se9ao 4 (sobre polftica prisional). 21 Muitos presIdios contam com urn regimento interno que determina

as regras desse estabelecimento e adequa as disposi~6es das normas de maior hierarquia it. realidade local. Contudo, nos informaram as autoridades da Penitenciaria Feminina da Capital que esse presIdio nao dispunha de regimento especial. Para efeitos desta pesquisa, restringiremos a amHise legal a LEP e ao Regimento Interno Padrao.

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98 A MULHER ENCARCERADA EM FACE 00 PODER PUNITIVO

cumprimento de pena,22 que reconhece como finalidade do caIcere a ressocializac;:ao de infratores e infratoras. Portanto, a "correc;:ao dos condenados por meio do sistema progressiv~ constituiu-se no pilar do novo 'paradigma premia!' que nunca mais abandonou 0 espa<;o penitenchirio".23

A Lei 7.210/1984 (LEP), no art. 1.°, estipula que "a execuc;:ao penal tern por objetivo efetivar as disposic;:oes da sentenc,;a ou decisao criminal e proporcionar condic;:oes para a harmonica in­tegrac;:ao social do condenado e intemado". Esse instrumento visa garantir que a pena privativa de liberdade tern por meta reintegrar aque1e e aquela que foram afastados do convivio social.

Para atingir tal fim, a nonna de execuc;:1io penal organiza 0 sistema no eixo da progressi vidade,24 segundo 0 estabelecido no art. 6.°, ao prescrever que cabeni it Comissao Tecnica de Classi­ficac;:ao "prop~r, it autoridade competente, as progressoes e regres­soes de regimes, bern como as conversoes". No art. 112, a mesma nonna reitera que "a pena privativa de liberdade sera executada em fonna progress iva, com a transferencia para regime menos rigoroso, a ser detenninado pelo juiz, quando 0 preso tiver cumprido ao menos nm sexto da pena no regime anterior e seu merito indicar a progressao".

Existem tres tipos de regimes de cumprimento de pena no ordenamento brasileiro: 0 regime fechado (executavel em estabe­lecimentos prisionais de seguranc;:a maxima ou· media, denomina­dos penitenciarias), 0 regime semi-aberto (cuja efetivac;:ao se da

22 0 sistema de Auburn, que insp~ra 0 sistema progressivQ, foi reutilizado e reaproveitado no presente seculo pelos ide610gos da ressocializagao. Hoje, esse sistema se encontra vigente na politica penitenciaria da maiaria dos p~fses.

23 Inaki Rivera Beiras, Secuestros institucionales y sistemas punitivos premiales, Secuestros instituciontlles y derechos humanos, Barce­lona, Bosch, 1996, p. 25.

24 Progressividade que jli' estava declarada no Anteprojeto de Lei de Execu9ao Penal (1961) de Nelson Rungria. 0 art. 35 desse texto proclamava nitidamente sua preocupagao em alcangar a gradativa recupera9ao social do condenado (Rene Ariel Dotti, Bases e alternativas para 0 sistema de penas, Sao Paulo, RT, 1998, p. 72).

REPRESENTAQOES JURiOICAS NO SISTEMA PRISIONAL 99

em colOnia agricola, industrial ou estabelecimento similar) e 0 regime aberto (cumprido em cas a de albergado ou em outro estabelecimento adequado). Os artigos supramencionados sao complementados pelo Codigo Penal, que deterrnina que "as penas privati vas de liberdade deverao ser executadas em fonna progres­siva, segundo 0 merito do condenado, observados os seguintes criterios e ressalvadas as hipoteses de transferencia a regime mais rigoroso: a) 0 condenado a pena superior a 8 (oito) anos devera come~ar a cumpri-\a em regime fechado; b) 0 condenado nao reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e nao exceda a 8 (oito) anos, podera, desde 0 principio, cumpri-la em regime semi-aberto; c) 0 condenado nao reincidente, cuja pena seja ignal ou inferior a 4 (quatro) anos, podera, desde 0 inicio, cumpri-la em regime aberto".

Na pratica, a progressao se materializa com base no merito, ou seja, por meio da avalia<;ao do comportamento do individuo, de seu envolvimento em atividades do proprio presidio e de sua participac;:ao no trabalho.25 Por conseguinte, a progressao pode ser entendida como ferramenta fundamental para a transfonnac;:ao e a ressocializac;:a026 dos individuos, e sua aplicac;:ao esta condicio-

25 0 art. 33, § 3.°, declara, ao delimitar os criterios do juiz de execu9ao criminal na aplica<;ao da progressao de regime, que "a deterrnina<;ao do regime inicial de cumprimento de pena far-se-a com observancia dos criterios previstos no art. 59 deste Cadiga", que por sua vez indica que "0 juiz, atendendo a culpabilidade, aos antecedentes, a conduta social, it personalidade do agente, aos motiVQS, as circuns­tancias e conseqiiencias do crime, bern como ao comportamento da vftima, estabelecenl, conforme seja necessaria e suficiente para reprova9ao e preven9ao do crime: [ ... ] III - 0 regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; IV - a substitui9ao da pena privativa de liberdade aplicada, por outra especie de pena, Se cabfvel". -

26 Entende-se a ressocializa<;ao como 0 "conjunto de tecnicas. dispo­sitivos sociais, ajudas etc., colocadas a disposi9ao do delinqiiente para que assuma as valores fundamentais da sociedade, de modo que se incorpore nela e abandone a vida delitiva" (Borja Mapelli, Sistema progresivo y tratamiento, Lecciones de Derecho Penitenciario, Alcala de Renares, Universidad de Alcala de Renares, 1989, p. 143).

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100 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

nada a avalia~ao da vida passada e presente daquele ou daquela que requer seu beneficio.

Os que acreditam na efetividade da ressocializa~ao assumem o trabalho como urn dos instrumentos principais para atingir 0

sucesso esperadoY Fala-se, entao, dessa atividade como uma especie de "laborterapia", como "a melhor solu~ao para o. prisi­oneiro se reintegrar na'sociedade"28 ou como "uma das formas mais eficazes de reinser~ao social".2'

No contexto da ideologia ressocializadora compreende-se 0

trabalho como 0 meio para conquistar a reintegrac;:ao do reciuso e da reciusa na sociedade. Toda via, esse posicionarnento nao e pacifico, e tern sido alvo de uma serie de crfticas, como aquelas que questionam a imposic;:ao de urn tratamento especifico aos encarcerados, com 0 que se estaria atentando contra a liberdade individual de autodeterminac;:ao.

Apesar do pretendido humanismo na execuc;ao das sanc;5es penais, ao menos no. que tange a ret6rica legislativa, observamos a tendencia a urn maior endurecimento no cumprimento da pena. Esse novo processo aspira a. redirecionar 0 modelo ressocializador a posturas mais repressivas, que apontam para a neutralizac;:ao do individuo sem preocupar-se com sua inchlsao posterior. Abandona-

27 Nem sempre se entendeu que 0 trabalho deveria cumprir esse fim. No seculo XIX, 0 trabalho era visto como meio de puni~ao, de incremento da dor do encerramento; assim, "0 c6digo criminal frances de 1810 impunha 0 trabalho for9ado- les travaux les plus penibles (art. 15) - [ ... J acompanhayam-Ihe a crueza do c6digo espanhol da epoca - trabajos duros y penosos (art. 96) - e 0 c6digo portugues de 1852 - 0 condenado na pena de trabalhos publicos sera empregado nos trabalhos maispesados (art. 33), dentre outros" (Rui Carlos Machado Alvim, 0 trabalho penitenciario e os direitos sociais, Sao Paulo, Atlas, 1991, p.\26-27).

28 Jose Orsomarzo Neto. Rroteqiio a vida na execUfiio penal brasileira; disserta<;ao de mestrado,Faculdade de Direito da Universidade de Sao Paulo, 1994, p. 27. No Brasil, existem pesquisas, como a de Alfredo Issa Assaly, que ja em 1944 afirmavam posi9ao semelhante.

29 Romeu Falconi. Sistema presidiai: reinserqiio social?, Sao Paulo, leone Editorial, 1998, p. 71.

. REPRESENTAyOES JURiolCAS NO.SISTEMA PRISIONAL 101

se 0 discurso da prevenc;ao especial posltlva, cujos objetivos consistem em corrigir e ressocializar os reclusos nos carceres,'o em prol da prevenc;ao especial negativa, que privilegia 0 afasta­mento e a neutraliza«ao dos individuos. Destarte, tudo parece indicar que a finalidade da prisao assume urn carater neutralizador e "custodialista" em vez de ressocializador.

Como citamos anteriormente, exemplo paradigmatico desse modelo no Brasil e a Lei de Crimes Hediondos, porquanto ela lirnita a concessao de direitos processuais e beneffcios penitenciiirios, tais como: "I - anistia, gra«a e indulto; II - fianc;:a e liberdade provi­s6ria", e acrescenta que "a pena por crime previsto como hediondo sera cumprida integralmente em regiroe fechado" (art. 2.0 da Lei 8.072/90, de 25 de julho de 1990). Nao hii. sentido, portanto, em afrrmar que 0 sistema prisional brasileiro se baseia no principio da progressividade, uma vez que nao visa mais proporcionar a rein­tegrac;ao de homens e mulheres presos, sobretudo nos cas os daque­les cujas condutas se encaixam na "hediondez".

A antiga ideia de que a aplicac;:ao de uma pena representa a perda de todos os direitos e incompativel com 0 modemo Estado de Direito; 0 que se espera e que, hoje, as pessoas privadas de liberdade mantenham os direitos que nao foram expressamente restringidos na sentenc;:a de condena«ao, descartando a tese da relac;:ao especial de sujeic;:ao, desenvolvida no capitulo 1, item 1.2.2. o trabalho, nao sendo lirnitado na sentenc;:a de condenaC;ao, se mantem como direito de reclusos e reciusas, e por esse motivo deve ser respeitado por autoridades, funcioniirios e todos os indivfduos, em qualquer contexto.

30 As agencias oficiais, como 0 Poder Judicial, "reutilizam de rna vontade a argumenta<;ao do fim reeducativo e soc;;ializador~ prefe­riodo, para 0 casc, fundamentar as sentenc;as em termos de 'defesa social'. Tambem a administrac;ao penitenchiria revel a evidente descontentamento ante as pniticas de tratamento, antepondo. sempre, imprescindfveis . e privilegiadas exigencias de seguram;:a au de disciplina institucional (no. sentido de imposigao de ordem)" (M. Pavarini. citado por Victoria Rangugni e Alcira Daroqui, La cclreel, la busqueda del buen gobierno y La vulneraci6n de los derechos fundamentales, mimeo).

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102 A MULHER ENCARCERAOA EM FACE DO POOER PUNITIVO

No Brasil, segundo a Lei de Execu~ao Penal, 0 trabalho e ao mesmo tempo direito e dever.31 Existiria uma contradi~ao32 ou as legisla~5es estariam retrocedendo e desconsiderando as conquistas humanistas no campo da evolu<;ao dos sistemas penitenciilrios? E possivel interpretar a LEP sob 0 ponto de vista garantista e afumar que 0 exposto na norma infraconstitucional nao pode se opor it

31 Nos mesmos termos, a Ley Organica General Penitenciaria espanhola salienta que 0 trabalho desernpenhado pelos intemos e internas constitui urn direito e urn dever. No entanto, 0 Tribunal Consti­tucionaI daquele pais decIarou que "n~o e possiveI [ ... ] transformar em direito fundamental da pessoa 0 que nlio e rnais do que urn mandado do constituinte ao Iegislador para orientar a politica penal e penitenciaria, mandado do qual nao se derivam direitos subjelivos" (Garcia Valdez, Diccionario de Ciencias Penales, Madri, Edisofer, 2000, p. 446). Apesar da aparente desumaniza9ao, a doutrina espanhola defende que 0 trabalho penitenciario nao podera ter car~iter aflitivo nem sera aplicado como medida de correc;ao. Ademais, se constituir uma ohrigac;ao, deriva-se dele urn animo inequivocamente punit.ivo, que confirma sua natureza expiat6ria. Assim, sen condenado "6 obrigado ao trabalho e se por ele recebe remunera9ao infima [ ... J 6 6bvio que 0 trabalho 6 casligo e se integra no esquema punitivo" (Helena Fragoso, Direito dos presos. Os problemas de urn mundo sem lei, Direitos dos presos, Rio de Janeiro, Forense, 1980, p. 31). Segundo outros autores, a obriga­toriedade do trabalho deriva da especial importi\ncia que assume no quadro das finalidades de reeduca9iio atribuidas it pena (Maria Riccarda Marchetti, 0 trabalho penitenciario: 0 trabalho em fun9iio reeducativa, Revista da Faculdade de Direito dl' Valen,a, Valen9a, 1998, vol. 1, p. 65).

32 Para Alfredo Issa Assaly, a contradi9iio e explicita, porque "a concep9ao juridica da obrigatoriedade·.do trabalho penal enfeixa nas maos do Estado urn direito [do pr6prio 'Estadol e uma fun9ao eminentemente 'social. 0 direito cOI'tsiste em exigir trabalho dos condenados, de conformidade com .. o que prescrevem as leis penais, onde 0 trabalho riao e prestado como mero 'dever social', mas como uma obriga9ao do sentenciado, celmo uma presta9ao de direito publico, nao existindt9, pois, como' na reIaC;ao contratual de caniter privado, 0 elemento sinalagmatico" (0 trabalho penitenciario, Sao Paulo, Livraria Martins Editora, 1943, p. 159). Podemos deduzir que para esse autor a condic;ao de direito e inexistente para 0 preso, pois sua titularidade corresponde ao Estado. 0 preso seria detentor tao-somente de urn dever de trabalho.

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REPRESENTACOES JURiOICAS NO SISTEMA PRISIONAL 103

Constituiliao Federal nem aos tratados de direitos humanos, que reconhecem 0 trabalho como urn direito de todo cidadao, mas tambem como dever social. Acreditamos que 0 descumprimento do dever do trabalho ocasiona nao a imposiliao de uma sanliao legal, mas simplesmente uma san~ao moral. Quando os legisladores da LEP incorporaram a referencia ao dever de trabalho, poderiamos deduzir que a fizeram pensando que ele nao poderia ser utilizado como argumento adicional para infligir sofrimento ao condenado. Todavia, a interpretaliao garantista nao corresponde it intenliao real do legislador, vistoque a norma penitenciaria indica que a recusa injustificada ao trabalho consiitui falta disciplinar de natureza grave, sujeitando os presos a sanc;;5es,33 tais como a isolamento (na propria cela ou em local adequado) ou a suspensao ou a restric;;ao de direitos (como a perda dos dias remidos pelo trabalho), alem de provocar a elaboraliao de laudos com conclus5es negativas a respeito da ressocializac;;ao.

o reconhecimento do trabaIbo como urn direito e ainda mais prejudicado pelo art. 28 da Lei 7.210/1984 (LEP), no qual, apos reconhecer 0 trabaIbo como"condiliao de dignidade humana", faz a ressalva de que 0 trabaIbo de reclusos e reclus as nao.estara sujeito ao regime da Consolidac;;ao das Leis do Trabalho ..

No ambito previdenciilrio, a art. 39 do CP determina que "0

trabalho do preso sera sempre remunerado, sendo-Ihe garantidos as beneffcios da previdencia social". No mesmo sentido, a Lei Organica Geral Penitenciilria espanhola sustenta que 0 trabalhador au a trabalhadora encarcerados desfrutarao da protec;;ao dispensada na legislac;;ao vigente em materia de seguranc;;a social, direito nao dependente dos interesses economicos da administrac;;ao.34 Apesar da garantia previdenciaria destacada tanto na legislac;;ao nacional como na estrangeira, nada justifica a restric;;ao do exerdcio dos demais direitos trabalhistas adotados pela Constituic;;ao Federal, porquanto se trata de atividade que deveria ser desenvolvida sob condic;;6es semelhantes as da vida em liberdade,35 e que nao e

33 Art. 53, incs. III e IV, da LEP. 34 C. Garda Valdez, ob. cit. p. 487. 35· Para dessa forma coincidir' com a finalidade declarada na lei:

ressocializac;ao por intermedio da prisao.

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104 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO POOER PUNITIVO

limitada na senten~a de condena~ao, razao pela qnal nao deveria ser Iimitada em seu reconhecimento de direito passlvel de ser integrado e protegido pelo corpo normativo das leis trabalhistas.

Nao obstante 0 retrocesso na legisla~ao especial e a contradi~ao no que conceme as garantias constitucionais, a Constitui~ao Fe­deral se mantem como referencia interpretativa; noscasos de incerteza, deve-se recorrer as declara~oes e aoS tratados do direito intemacional dos direitos humanos, dos quais 0 Brasil e parte, e cujo cumpriniento e obrigat6rio no territ6rio nacional. Esses dis­positivos impoem Iimites na restri~ao de direitos e condenam 0

deslocamento do discurso ressocializador para urn discurso de neutraliza~ao ou incapacita~iio dos. condenados36 sob qualquer justificativa, inclusive de seguran~a nacional.

o trabalho deve ser interpretado como dever/direito, mas nos termos validos extensivamente para toda a popula~ao, 0 que significa dizer que nao pode implicar obriga~oes mais onerosas que no mundo livre. As restri~oes explicitadas na legisla~ao peniten­ciaria devem constituir urn limite ante potenciais abusos e nao uma justificativa para incrementar as condi~5es de exclusao e de afli~ao durante 0 perfodo que se passa na prisao.

2.3 INTERPRETANDO A MULHER POR MEIO DA LEI

«Justifa igual no plano formal 000 equiva[e a justira igual no plano efetivo, sobretudo quando ela se aplica em

grupos marcados por ·</.esigualdades sociais profundas. "37

D e acordo com as normas e;xpostas, devemos observar como a legisla~ao interpreta a mUlher presa. Quais as alus5es

expressas que faz a ela? Como org'lmiza a vida da presa no interior , ..

36 J. Adelantado Gimeno, De la resocializaci6n a la nueva custodia, Anuario de derecho penal y ciencias penates. Madri. Centro de publicaciones del Ministerio de Justicia, 1993, vol. 46-1, p. 200.

31 C. Parent, Feminisme et criminologie. ab. cit. p. 116.

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REPRESENTAC;:OES JURiOICAS NO SISTEMA PRISIONAL 105

dos estabelecimentos prisionais? Quais suas vincula~5es com 0

mundo extemo no tocante it familia, as amizades, ao trabalho?

Uma leitura detalhada e focalizada na busca de referencias sobre a mulher rec1usa nos levou a constatar que sao escassas as disposi~5es que dela se ocupam. A Constitui~iio Federal, no art. 5.°, inc. XL Vll, destaca que "a pena sera cumprida em estabe­lecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e 0 sexo do apenado". Esse dispositivo e entendido como uma das primeiras medidas para materializar 0 princfpio de individualiza~ao da pena, que proc1ama que as penas privativas de liberdade devem proporcionar a cada homem e mulher presos "as oportunidades e elementos indispensaveis para lograr sua reinser~iiosocial",38 de acordo com as necessidades· individuais.

No inc. L do mesmo artigo, a Carta Fundamental indica que "as presidiarias serao asseguradas condi<;oes para que possam permanecer com seus filhos durante 0 perfodo de amamenta~ao". Ao regulamentar essa norma, a LEP acrescentou urn segundo paragrafo (modificado pela Lei 9.046, de 8 de maio de 1995) ao art. 83, par meio do qual passa a exigir que os estabelecimentos penais para mulheres. sejam dotados de ber~arios, em que as condenadas possam amamentar seus filhos. 0 art. 89 da mesma lei, na descri<;ao da estrutura das penitenciarias, enfatiza que, "alem dos requisitos referidos no artigo anterior,39 a penitenciaria de mulheres 'podera'40 ser dotada de se~ao para gestante e parturiente e de creche com a fmalidade de assistir ao menor desamparado

38 Sergio de Moraes Pitombo, as regimes de· cumprimento da pena e o exame criminol6gico, Sao Paulo. RT.

39 Art. 88: "0 condenado seni alojado em cela individual que contera donnit6rio, aparelho sanitario e lavat6rio". Panigrafo unico: "Sao requisitos Msicos da unidade celular: a) salubridade do ambiente pela concorrencia de fatores de aera~ao, insola~ao e" condiciona­mento termico adequado a existencia humana; b) area minima de seis metros quadrados".

.., Preocupa que 0 legislador tenha redigido 0 art. 89 estabelecendo uma obriga,llo facultativa para as autoridades penitenciarias, na medida em que abre a possibilidade de elas descurnprirem a nonna sem precisar de nenhuma justificativa.

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106 A MULHER ENCARCERAOA EM FACE 00 POOER PUNITIVO

cuja responsavel esteja presa". Todos esses dispositivos buscam regular a estrutura fisica dos estabelecimentos prisionais destinados ' a mulheres, com 0 prop6sito de atender tanto as necessidades das maes como as dos filhos.

o Regimento Interno Padrao, que especifica as disposicroes da ' LEP para 0 contexte paulista, no art. 7.° destaca que, "nas unidades prisionais destinadas ao'sexo feminino:! em quaisquer dos regimes de execucrao administrativa da pena, aplica-se 0 disposto nos artigos anteriores acrescentando-se as seguintes condicroes: I -local interno e externo para os cuidados pre-natais e matemidade; II -local interno e externo para a guarda de nascituro e lactante". 0 art. 23, inc. XV, por seu turno, enumera uma serie de direitos basicos, e destaca que, em caso de gravidez, sera assegurada a pres a a assistencia pre-natal, bern como 0 parto em hospitais da rede da Secretaria da Administracrao Penitenciana (SAP) ou do servicro de saude publica, e a guarda do recem-nascido durante 0 perfodo de' lactancia, no minirno por quatro rneses, em local adequado, mesmo quando houver restri~oes de amamentacrao.

E possivel reconhecer que os referidos diplomas legais regu­laram acertadamente a situacrao especial da mulher, mas 0 fizeram de forma demasiado timida e sern abranger a totalidade, das necessidades.

Ademais, nao s6 timidez e descaso poderiam, constituir acu­sacroes contra os legisladores, mas igualmente a imposicrao de parametros passiveis de interpretacrao conservadora, em especial no que tange a formacrao profissional feminina na prisao. No art. 19 da LEP, que trata da assistencia educacional, menciona-se que "a mulher condenada tera ensino pr~fissional adequado a sua condicrao", sem evidenciar 0 significado da expressao "condicrao feminina". A diferencra de genero representa criterio legitimo no que concerne a organizacrao de cursos de formacrao profissiona-

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41 Merece comentario a parte- a forma como 0 art. 7.° do Regimento Interno Padriio alude a mulher, quando se refere as unidades prisionais destinadas ao "sexo feminino". Parece que, para 0

legislador, a imagem dela se restringe a uma categoria biol6gica (a sexual), que, entretanto, e insuficiente para caracteriza-las.

REPRESENTAyOES JURfOICAS NO SISTEMA PRISIONAL 107

lizante diferenciados? Acreditamos que nao, Atualmente, a mulher tern ingress ado em espacros de trabalho antes tipicamente mascu­linos, e vern sendo bem-sucedida ao lidar com situacroes complexas. Dispositivos que imponham limitacroes baseadas em argumentos ambiguos e de multipla interpretacrao devem ser objeto de concen­trada atencrao, porquanto se trata de situacrao que pode provocar abuso de poder e facilitar a transgressao do direito a igualdade.

Entendemos que a redacrao de uma norma nao tera carater neutro na medida em que fizer referencia exclusiva ao homem, perfil que corresponde a maioria dos textos legislativos em materia penitenciaria. Como ja comentamos, existem de fato citacroes sobre a mulher presa, porem limitam-se a regular aspectos ligados a maternidade. Nossa intencrao nao e, tampouco, negar a importancia de uma norma a esse respeito; 0 que pretendemos e charnar a aten"ao para a identificacrao da mulher com urn unico papel, como se 0 universe feminino, composto por necessidades e recursos proprios e diversos, pudesse ser representado apenas pela fun"ao de mae. Isso significa que a mulher merece destaque so como mae? Se a esse topico somarmos a pretendida "neutralidade" na reda"ao dos artigos da LEP e do Regimento Interno Padrao nos indicativos da visita intima, concluiremos que a norma (e a pratica) nega a sexualidade damulher quando esta se vincula ao exerdCio da liberdade sexual e, contrariamente, a refor"a quando a rnulher e identificada com 0 papel materno.

o leitor, quer da LEP, quer do Regimento Interne Padrao, percebe imediatarnente que as disposicroes desses corpos norma­tivos foram redigidas sob 0 prisma masculino, .au seja, com vistas a regulamentar as condicroes de encarceramento de Urn grupo pertencente tao-so a esse genero. Embora se presuma que os textos das leis se baseiam no principio da isonomia, muitas normas que compoem nosso marco normativo foram lavradas em clave rnas­culina e para responder aos interesses dos homens. No que tange ao sistema penitenciario, a situa"ao nao e diferente. E isso nao se da apenas porque, na descricrao de circunstancias que envolveriam ambos os generas, a lei faz mencrao explicita e' quase permanen­temente ao homem preso, mas tambem porque invisibiliza as necessidades femininas. Assim, por exemplo, nos textos da LEP

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108 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO paDER PUNITIVO

(no art. 14) e do Regimento (no art. 77) que tratam do direito de assistencia a sa(ide, le-se que esse direito se efetivani com a contrata"ao de medico, farmaceutico e odontologista - nao existe nenhuma indica"ao porem it necessidade de contrata"ao de gine­cologista, especialidade de importancia vital no controle de doen­"as que vitimizam as mulheres (cancer de mama, cancer de colo uterino, mediante a realiza"ao de exames de papauicolau, entre outios) e no acompanhamento pre-natal.

Outro exemplo dramatico - e ao mesmo tempo esclarecedor - e a limita"ao de garantias em compara"ao com aque1as conce­didas as mulheres trabalhadoras livres que engravidam. Segundo a Consolida9ao das Leis Trabalhistas (CLT), a mulher trabalhadora tern direito a licen"a-maternidade por 120 dias correspondentes aos perfodos pre e p6s-parto·2 e nao pode ser demitida nesse perfodo, salvo justa causa expressamente comprovada. Como inexiste a possibilidade de apelar a CLT (segundo 0 art. 28 da LEP) quando se trata de trabalho carcerario, a presa que presta servi"os corre o risco de ser demitida e prejudicada como conseqiiencia de sua gravidez.

Em relat6rio apresentado no Primeiro Encontro sobre A Mulher no Sistema Penitenciario,43 as institui"oes organizadoras salienta­ram que, embora os direitos sejam iguais para toda a popula"ao carcerana, ha desigualdadede genero, sim, no seu, ,cumprirnento. E com freqiiencia aqueles que sao especfficos das mulheres nao sao efetivados; alem disso, os direitos assegurados a popula"iio carcerana em geral sao mais usualmente violados em rela"iio as presas.

.2 Consolida~ao das Leis do Trabalho,.art. 392. 43 Evento organizado pela Associac;ao :de Jufzes para a Democracia

(AJD), 0 Coletivo para a Liberdade e \Reinser~ao Social (Colibri), a Comissao da Mulher Advogada da Otdem de Advogados do Brasil (OAB) e 0 Instituto Terra;· Trabalho e Cidadania (ITIC) , em 17 de setembro de 2001, na cidade de Sao Paulo. Ver 0 artigo de Alessandra Teixeira, A mulher no sistema carcenirio, imblicado no

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Boletim da Associaqao de Ju(zes para a Democracia, ano 5, ll. 25, ,.[ p. 1, 2001.

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REPRESENTA90ES JURfOICAS NO SISTEMA PRISIONAL 109

A reforma das leis nao produz necessariamente mudan"as no dia-a-dia das pessoas; no entanto, acreditamos na fun"ao transfor­madora do direito e na sua capacidade educativa e incentivadora de cidadania." a "direito" e reconhecidameute instrumento de reprodu"ao da ordem social dominante, mas tambem pode se constituir em mecanisme estrategico e meio de libera<;ao da mulher capaz de transformar-se em melhorias praticas nas condi"oes de vida das reclusas.

Por essa razao, defendemos e apoiamos propostas de mudan"a na legisla"ao, a fim de que os direitos da mulher presa sejam integralmente incorporados, ou seja, nao obstante 0 reconhecimen­to das diferen"as entre homens e mulheres, a igualdade de opor­tunidades deve ser promo vida para atingir 0 respeito e a dignidade humana como denonrinador etico universal.

44 Nao devemos "subestimar 0 potencial carater pedagogico da lei, quanta a sua condic,;ao de instrumento decisivo' na construc;ao de cidadania, sobretudo quando e utilizado como ferramenta tecnico­poiftica de transforma<;ao social [ ... ]. A subestima do papel estra­tegico do direito num proce~so de mudanc;a social naG e princi­palmente conseqllencia da fragilidade da democracia e de suas instituic;5es. E a fragilidade da democracia e de suas instituic;5es que sao 0 resultado da subestima das capacidades do direito como forma democraticamente privilegiada de assegurar a justic;a e a paz social" (Emilio Garcia Mendez, Inf1incia, lei e democracia: uma questao de justic;a, Revista da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, Santa Catarina, Esmesc, 1998, vol. 5, p.' 36).

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CONCEP<';OES E EXPECTATIV AS DAS MULHERES COM RELA<';AO

AO PODER PUNITIVO

sUMARro: 3.1 Metodologia: 3.1.1 0 perfil das mulheres entrevistadas - 3.2 Mulheres na prisao - 3.3 A penitenciaria feminina da capital - 3.4 Trabalho na prisao: 3.4.1 Tra­balhar na penitenciaria feminina da capital: Obten~ao de liberdade; 3.4.2 0 poder da caneta; 3.4.3 Vincula~ao das mulheres com a familia; 3.4.4 Suporte economico dentro e fora; 3.4.5 Desilusao versus esperan~a.

3.1 METODOLOGIA

De infcio escIareceremos os caminhos percorridos no trabalho de campo executado na Penitenciaria Feminina da Capital,

durante os meses de junho a setembro de 2002. Em primeiro lugar, devemos mencionar que a cidade de Sao Paulo foi delimitada como universo espacial de pesquisa por varios motivos. Urn deles se deve ao fato de estarmos desenvolvendo 0 mestrado na Universidade de Sao PauIo, e a interven9ao seria facilitada pela sele9ao de urn centro de analise proximo 'ao ambito de referencia. Mais do que isso, reconhecemos que a problematica prisional dessa cidade e

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112 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

das mais complexas do pais, I por fatores tais como a quantidade de habitantes, os altos indices de migrac;ao regional, a concentrac;ao de riqueza e desenvolvimento, a violencia nas ruas, a superpopu­lac;ao prisional, dentre outros. Alem do mais, a fim de evitar generalizac;5es que colocassem em risco a validade deste trabalho, partirmos da premissa de existirem diferenc;as entre a situac;ao dos presidios femininos da capital e a daqueles do interior.

A restric;ao do universo deste trabalho a Penitenciaria Feminina da Capital deveu-se igualmente a obtenc;ao de permissao das autoridades do presidio para a realiza«ao da pesquisa, a maior aeessibilidade para a feitura das entrevistas com as presas, alem da disponibilidade e da eolaborac;ao das proprias funeionmas no desenvolvimento do trabalho.2 No entanto, a razao principal consistiu no fato de se tratar de um presidio que apresenta uma realidade particular, que difere dos demais carceres femininos .da cidade de Sao Paulo - por ser uma prisao de seguranc;a maxima que congrega 0 maior contingente populacional feminino do pais3

-, 0 que tornaria arriscado desenvolver 0 estudo de campo des­crevendo, mediante 0 emprego das mesmas ferramentas investi­gativas, realidades diversas (hipotese posteriorrnente desmentida).

Para a aproximac;ao empirica utilizamos metodos qualitativos e quantitativos, escolha baseada em recomendac;5es propostas por

I De modo ilustrativo, podemos afinnar que 0 Estado de Sao Paulo contem 0 maior contingente populaeional carcerano do pals: 40% da totalidade das pessoas pres as no Brasil.

2 Apesar de esta questao ser aparentemente sem "irnportancia. a pnitica demonstra que a situac;ao e Dutra .. porquanto uma das maiores difieuldades entre os pesquisadores e tei" aeesso liberado nos carceres (Luiz Antonio Eogo Chies, \,4 prisionalizaqao do agente penitenciario; Pelotas, Universidade Catalica de Pelotas, 2002, p. 17; Barbara M .. Soares e lara Ilgenfritz, Prisioneiras. Vida e violencia atras das grades, Rio de 'Janeiro, Garamond, 2002, p. 15).

3 Entende-se por estabelecimento prisional de maxima seguran<;a aquele que recolhe homens e·· Ihulheres de alta· periculosidade. A "alta periculosidade" e uma categoria nao definida na lei. cuja interpre­tac;ao e subjetiva. Portanto, em face dessa significac;ao difusa, as pessoas encaminhadas aquele presIdio possuem diversos perfis, sem conter caracterfsticas especiais.

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CONCEPCOES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES 113

diversas pesquisadoras4 para 0 estudo da mulher no sistema penal. Assim, para a crimino\oga canadense Louise Biron e prioritario desenvolver pesquisas que analisem os efeitos do sistema penal vivenciado quer pela mulher, quer pelo homem, em vezde pesquisas que tenham por objetivo comparac;5es quantitativas e a mensurac;ao dos graus de diferen«a entre ambos os generos.' Ressalta ainda que "os metodos que perrnitem avaliar qualitativa­mente essas considerac;5es seriam mais apropriados que as com­para«5es numeric as: sobretudo em se tratando de grupos popu­Iacionais numericamente desproporciQnais, como e 0 caso [de homens e muIheresJ no sistema penal".7 Contudo, a valora«ao do metodo qualitativo deriva nao so da mencionada desproporciona-

4 Colette Parent, La contribution feministe a l'etude de la deviance en criminologie, Criminoiogie, Montreal, Les Presses de I 'Universite de Montreal, 1992, vols. 25-2; Alvaro P. Pires et alii, Les methodes qualitatives et la sociologie americaine, Deviance et societe, Geneve, Editions Medicine et Hygiene, 1983, vols. 7-1; Elisabet Almeda, Avance del estudio de caso realizado en la carcel de mujeres de Brians, en Cataluna, Transformaciones del Estado y derecho contemporaneos. Nuevas perspectivas de la investigaci6n socio juridica, Madrid: Instituto Internacional de Sociologfa J urfdica de Ofiati - Dykinson, 1998; Louise Biron, Les femmes et l'incarceration.

·Le temp n'arrange rien, Criminoiogie, Montreal, Les Presses de l'Universite de Montreal, 1992, vols. 25-1.

5 Sugere-se nao estudar a muIher em comparac,:ao com 0 homem porque tal estudo se realizara sob padrees masculinos (bipolares, sempre na proeura de um oposto/inimigo/concorrente). "A mulher nem sempre e diferente, nem sempre e igual; 0 importante nao cO ver as diferen~as au semelhan~as com a hornern, -mas a mulher com suas particularidades e por meio de uma aptica diferente" (c. Parent, Feminisme et criminologie, Paris/Ottawa, De BoecklLes Presses de l'Universite de Montreal, 1992, p. 58).

6 "As pesquisadoras feministas tern preferencia por metodos qualitativos, inclusive como rea~ao a hegemonia do quantitativa e particular­mente do positivismo. Assim, elas parecem pOlleo interessadas em se alinhar com urn novo mestre, podendo afirmar que nao existe urn dnica metoda de pesquisa, situa~ao que 0 movimenta feminista se encarrega de salientar" (C. Parent (1992), p. 37 [traduc,:ao livre do original em frances]).

1 C. Parent (1992),p. 126.

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114 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

lidade, mas principaimente em face de ele permitir a analise de categorias de pensamento, a que em geral nao se obtem com a pesquisa quantitativa.

Seguindo tais recomendacroes, fizemos urn levantamento quan­titativo par meio de informacroes que nOs permitiram construir 0

universo populacional constituido por mulheres presas na Peniten­ciaria Peminina di( Capital (pPC). Esses dados foram obtidos nos arquivos da propria penitenciaria, ila P'mdacrao Seade e da Coor­denadoria de Salide da Secretaria de Administracrao Penitenciaria do Estado de Sao Paulo.

lnicialmente, com 0 intuito de conhecer a realidade do presidio, bern como as concepcroes sobre 0 trabalho e sua capacidade ressocializadora, aplicamos instrumentos quantitativos (questiona­rios) as mulheres Iii presas. Porem, quando da aplicacrao do questionario-teste,8 logo percebemos que daquele modo seria possivel verificar apenas a descricrao do trabalho prisional, que ja conheciamos (ao extrairmos tais dados dos arquivos da propria penitenciaria). Esse metodo, ademais, nao nos permitiria identificar a significacrao subjetiva do trabalho para 0 grupo. Diante dessas constatacroes, prefenmos recorrer ao metodo qualitativo, com a aplicacrao de entrevistas em profundidade! para em seguida en-

8 0 questioniirio foi aplicado a seis mulheres, todas trabalhadoras (quer empregadas em empresas privadas, quer empregadas pelo pr6prio presidio). No que tange a escolaridade, cinco entrevistadas atingiram a ensino fundamental incompleto (uma .completou 0 ensino medio no carcere). S6 urna, a mais jovem, nlio·havia trabalhado antes de ser presa. A valoriza~ao da atividade desenvolvida foi positiva para quatio mulheres (porque estariam "se adaptando ao servi~o", "hoje estaria mais' conformada para s'obreviver com sahirio mfnima", "agora da mais valor ao dinheiro do trabalho", "0 trabalho que faz ai [informatiCa] tem campo Ii fora"). No entanto, duas delas avaliaram negativamente 0 trabalho na PFC por acreditarem que nao proporcionar~ a integrac;ao' no mercado de trabalho ao safrern em Iiberdade.

9 "[ ... ] quando se faz investigac;ao quantitativa Oll empfrica, registram­se as dados dos eventQS observaveis para as registros e as amHises estatisticas. No estudo da cultura [e a percep~ao do trabalho como instrumento de ressocializac;ao social se encaixaria nessa denomi-

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CONCEPQOES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES 115

trarmos nos nlveis menos visiveis das expectativas das mulheres sobre a atividade laboral desenvolvida no presidio.

Para as entrevistas,1O tentamos selecionar urn grupo que repre­sentasse 0 universo feminino da PPC, com a consideracrao de variaveis como emprego, cor, grau de escolaridade,1I faixa ewia e carga familiar. 12 Deve ser salientado que 0 fato de termos participado do projeto "Prevencrao: da inc1usao a liberdade" coor­denando as oficinas de Direitos Humanos e Execucrao Penal" possibilitou maior aproximacrao da estrutura prisional dapeniten­ciaria, da diretora, das funcionarias e, principaimente, das presas, o que facilitou nossairnersao naquele cotidiano: Pomos autorizados a conversar em particular com as mulheres nas salas de aula ou na administracrao da escola e a utilizar gravador; pudemos enfim criar a empatia necessaria para estabelecer uma relacrao de con­fiancra 14 com as entrevistadas.

na~lio], isso nao e possivel porque as conteudos simb6licos das pniticas -culturais nao sao observaveis diretamente, 0 que exige desenhar instrumentos de pesquisa que pennitam tamar acessiveis os conteudos subjetivos de significa~ao" (Bernardo Romero Vasquez, Etnografia de la cultura de la Seguridad. Metodos cualitativos para el analisis de la seguridad subjetiva, Revista Brasileira de Ciencias

.Criminais, Sao Paulo, RT, 2000, vol. 31, p. 247). 10 "Este metoda implica urn contato pessoal do pesquisador com 0 grupo

de amostra. As perguntas sao preparadas com antecedencia e devem possibilitar a intera~ao entre entrevistador e entrevistado [ ... ], permitindo coletar um numero maior de informa~5es" (Ana Lucia Sabadell, Manual de sociologia jurfdica, Slio Paulo, RT, 2000, p. 151).· .

" Nivel de forma~ao escolar ou profissional atingido. 12 Numero de flthos, pais ou outros parentes dependentes economica­

mente. i3 Projeto desenvolvido pelo Coletivo para a Liberdade e Reinsen;ao

Social - Colibri - em parceria com 0 Ministerio de Saude e a Unesco, de novembro de 2001 a julho de 2002, na Penitenciaria Feminina da Capital.

14 Com a maioria das entrevistadas foi possivel transluzir essa rela~ao de confian~a por meio da. cumplicidade sugerida em seus testemu­nhos. porem algumas. apesar de nao se sentirem ameac;adas, insistiram em manter uma imagem angelizada de si mesmas.

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116 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO POOER PUN1TIVO

Explicamos ate aqui quest5es concementes a escolha do tema e a nos sa aproxima~ao ao objeto de estudo, todas aparentemente objetivas. Todavia, e preciso tecer alguns comentarios sobre 0

sujeito que interpretou e elaborou esta disserta~ao, porquanto facilitani 0 entendimento das altemativas escolhidas e dos cami­nhos percorridos na nossa analise.

Nossa situa~ao de mulher, estrangeira e ativista em direitos humanos, ademais proveniente de urn pals periferico, I5 nos leva a observar 0 mundo de forma parcial,16 ou seja, assumimos nossa tarefa academica como "uma questao de responsabilidade civica", circunstancia que influenciara as rela~5es com os "concidadaos e com as 'pessoas queestudamos".17 Assim, escrevemos como intelectual e como cidada, pois pretendemos intervir, construir, reformar, criticar e transformar 0 contexto em que vivemos, conservando, contudo, 0 animo critico para que as conclus5es sejam aceitas no debate academico.

3.1.1 0 perfil das mulheres entrevistadas

Entrevistamos sete mulheres, com as quais conversamos em mais de uma ocasiiio, todas participantes das oficinas de Direitos Humanos e Execu~ao Penal (Projeto "Colibri" na PFC) por nos coordenadas durante os meses de janeiro e agost6 de 2002. Como pesquisadora, identificaram-me como integrante de urn grupo distinto do das autoridades do presidio, da pollcia ou do sistema

IS Peru. , 16 "A escolha de urn tema de pesquisa e-' sua operacionaliza\=ao, assim

como dos metodos a lltilizar. esta intimarnente vinculada a pers­pectiva te6rica do pesquisador" (Amelia 1. Meo, EI delito de las feminas, Delita y saciedad, Buenos Aires, 1992, vol. 2, p. 119). "A subjetividade consciente dos pesquisadores em face dos sujeitos e do objeto deve ser cief~ndida em oposi~ao a pesquisa neutra, que corre 0 risco de distanciar 0 pesquisador dos sujeitos" (Colette Parent, 1992, p. 32).

17 Teresa Caldeira, Cidade de muros, Sao Paulo, Cia. das Letras, 2000, p.20.

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CONCEPCOES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES 117

como urn todo, sem a associa~iio, por outro lado, com 0 grupo marginalizado. De alguma forma, conseguimos nos incorporar ao que as presidiarias entendem como grupo "dos direitos humanos", o que Ihes proporcionoll a garantia de nao constituirmos amea~a. AIem do mais, durante as aulas dadas como parte do mencionado projeto, procuramos eliminar a rotina totalizante das rela~5es na prisao l8 sugerindo urn modelo semelhante ao de uma aula do mundo de fora, com vistas a revalorizar 0 que elas tinham a dizer e estabelecer urn dialogo aberto para promover a autoconfian~a19

Todas as entrevistadas eramtrabalhadoras (algumas sairam do Estagi020 havia pouco tempo, mas ja curnpriam tarefas para as colegas de cela ou de pavilhiio, pelas quais eram pagas) e tinham

18 Que exige subordinac;ao incontestavel as funcionarias e guardas e rigida disciplina.

19 Numa das entrevistas. foi salientada a diferenc;a percebida pelas mulheres quando chegavam a aula e podiam ser tratadas nao como presas. mas como alunas: "Voce trata a gente de uma forma diferente, porque voce nao e, digo assiro, preparada da forma que essas mulheres [as funciomlriasl sao. As mulheres que trabalham no sistema [ ... ]~ la fora elas nao significam nada pra ninguem e aqui dentro elas querem da uma de forte ... Elas, entao, nos somos o ponto fraco".

20 E 0 perfodo que corresponde a "triagem" e que segue a chegada das mulheres presas na PFC. Durante esse tempo, cuja duraC;ao e de trinta dias na maioria dos casos. elas sao afastadas do convfvio com 0 restante da populaC;ao carceniria e recebem palestras das funcionarias sobre 0 funcionamento do presidio. Na.o tern acesso a advogado, nao podem receber visita de familiares e tomam banho de sol em horarios limitados, a que gera urn sentimento de revolta. Para 0 grnpo do Estagio, demos as aulas que integraram 0 projeto que nos aproximou da PFC. A escolha desse grupo baseou-se na preocupac;ao par identificar mulheres representativas dos diversos perfis do universo prisional feminino. Nossa intenc;ao foi fugir do risco de estigmatizar a mulher encarcerada sob urn unico modelo, assim como redesenhar 0 imagimirio de mulher presa (nao fundado no estereotipo de "bandida" nem de "ingenua") e construir uma categoria coletiva. nao absoluta. que partisse da diversidade. Par tal razao selecionamos mulheres novas e velhas, ricas e pobres, com alto e reduzido grau de escolaridade e com muita e pOlica experiencia de intemac;ao.

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118 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

trabalhado antes de entrar na PPC21 Nenhuma das mulheres a que solicitamos entrevista22 negou-se a colaborar conosco, apesar de algumas se sentirem frustradas ao saberem 0 carater das entrevistas e serem informadas de que nao seria possivel ajuda-las nas consultas juridicas."

As entrevistadas fizeram reiterados pedidos para que guardas­semos sigilo sobre sua imagem e principal mente sobre suas revela"oes, inclusive porque as entrevistas eram iniciadas com a indica"ao de que as conversas compartilhadas nao seriam divul­gadas nem expostas para nenhuma autoridade. Acreditamos nao estar descumprindo a promessa de sigilo ao incorporar urn item destinado a descrever brevemente a historia de vida das mulheres que aceitaram colaborar com esta pesquisa. B uscando transrnitir com maior fidelidade 0 pensamento das entrevistadas, respeitamos a forma como elas se expressaram: mantivemos inclusive os erros gramaticais, de concordancia e girias.

Com a finalidade de resguardar as entrevistadas, mudamos 0

nome e algumas passagens de suas historias, atentando para que oS perfis resultantes nao fossem alterados, 0 que nos ajudara a compreender 0 contexto de cada afirrna"ao exposta.

21 Podemos identificar tres momentos do trabalho. no mundo do car-cere: o primeiro, ligado a condic;ao de trabalhadora antes de entrar no presidio; 0 segundo, vinculado ao trabalho prisional, ou seja, aquela atividade reconhecida na prisao como trabalho e que gera beneffcios penitenciarios (principalmente remi<;ao, podendo influenciar a COll­

cessao de livramento condicional, progressao de regime Oll indulto). Finalmente, 0 terceiro tipo como prestadora de servi<;os diversos para as colegas de cela ou pavi)hao (limpeza de quarto, lavagem de faupa etc.), que, embora nao pennita alcan<;ar vantagens processuais, proporciona lucro imediato como fonte de recursos.

22 Quando descobriram que pretendfamos realizar entrevistas, muitas das presas queriam falar con'bsco, mas quando explicamos a natureza das entrevistas (de c'aniter academico), e que nao pode­damos responder a consultas jurfdicas, varias perderam 0 interesse e se afastaram sutilmente.

23 Urn dos argumentos utilizados foi que nos sa condi<;ao de estrangeira nao permitia que advogassemos, 0 que as tranqiiilizou, pois entenderam que 0 impedimento estava alem da nossa vonta~e.

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CONCEPvOES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES 119

Alessandra foi a pessoa com quem mais conVersamos, nao s6 pela disponibilidade, mas, sobretudo, por ser uma das pessoas de maior experiencia dentro do presidio. Nascida numa familia muito hurnilde, come"ou a trabalhar desde crian"a "catando lixo". Na adolescencia, empregou-se como domestica e, incitada por uma coiega, realizou os primeiros roubos. Apos a primeira passagem por uma delegacia, deu-se conta de que aquela conduta poderia ser urn meio de ascensao social: seria possivel cobrir nao so as proprias necessidades imediatas, como tambem aquelas de sua familia (casa, remedios, locomo"ao, viagens, roupa etc.). No decorrer dos anos, Alessandra trabalhou em parceria, principalmente com homens, sempre na incidencia de crimes contra a propriedade. Depois de cometer um·de seus delitos mais graves, ingressou no presidio, e teve que deixar a filha recem-nascida com uma tia. Nao foi simples a vida na prisao, marcada por diversos fatos violentos (rebelioes, tortura, persegui"ao de funcionarios e brigas com outras presas); apesar disso, ela obteve progressao de regime e foi enviada para a prisao de Butanta, em regime semi-aberto, de onde fugiu por nao suportar os maus-tratos psicologicos a que foi submetida. Como foragida, tentou se afastar do cometimento de crimes, mas retomou a prisao pela venda de entorpecentes, embora sua condena"ao nao seja produto des sa pratica. Como resultado da gravidez do segundo filho, Alessandra decidiu mudar sua vida optando por manter -se afastada de conflitos no presidio. Porem, quando Ihe concederam progressao de regime pela segunda vez, voltou a fugir pelas mesmas razoes da fuga anterior, isto e, a impossibilidade de suportar a opressao das funcionarias e funcionarios do presidio. Apos a fuga, conseguiu emprego e se manteve trabalhando por urn longo periodo, ate ser recapturada (ela suspeita ter sido delatada por algum conhecido) e ingressar pela ultima vez - esse e seu desejo - na ppc. Entrevistamos Alessandra em duas oportunidades: quando ela acabava de sair do Estagio (e ainda nao estava empregada) e mais tarde, quando ja conseguira urn servi"o. EIa parece24 ser deterrninada e confiante, e,

24 Ernbora se trate de urn JUlZO de valor, queremos destaca-Io porque acreditarnos que tern a fun<;ao de tornar explfcita a impressao que, como pesquisadora, construfmos das mulheres entrevistadas. Essas impres­soes serao a base da nossa interpreta<;ao das falas daquelas mulheres.

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120 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO CONCEPC;:OES E EXPECT ATIVAS DAS MULHERES 121

segun~o suas palavras, "sem frescuras para dizer 0 que pens a". Ana Paula e muito jovem. Ja foi viciada em drogas, mas Especle de "fJ.1osofa" de sua condi9ao, conseguia enxergar os conseguiu "dar a volta por cima" e se afastar daquela vida (ate mecanismosdesujei9aoinerentesaprisaoeavaliarseupapelnarede porque estava jurada de morte). Fugiu de cas a quando era ado-de rela90es de poder que envolve 0 carcere. lescente e se envolveu com pessoas ligadas ao trafico, com as quais

Isabel foi uma das primeiras entrevistadas e, por essa razao, conviveu ate quase todas serem mortas em ajuste de contas, suas palavras serviram-nos de orienta9ao naquele espa90 conhe- inclusive Seu marido. Essa situa9ao estimulou a decisao de, com cido por nos so par intermedio da escola. Mulher jovem, com a filha, deixar para tras tudo 0 que fosse ligado aquela vida. Sua terceiro grau incompleto, esta curnprindo pena porhomicidio. farm1ia vive no interior e e muito pobre, razao por que nao recebe Pertence a c1asse media, porem trabalhou desde a adolescencia para visitas. Nao terminou 0 ensino fundamental, mas ja trabalhou antes, cobrir suas necessidades superf!uas. Sua vida nao secompoe de em servi90s temporarios. Cumpriu pena por roubo e obteve historias de carencia. Embora nossas conversas tenham sido muito progressao para regime semi-aberto, do qual fugiu. Ana Paula abertas, foi possivel perceber que se tratava de pessoa tfmida e aceitou conversar conosco porque achou que poderfamos ajuda-reservada. A sensa9ao que tivemos foi de que ela procurou se . la com seu processo. Nao obstante soubesse que nossa colabora9ao fiscalizar para nao fazer comentarios em excesso, nao se pronun- nesse sentido nao seria possivel, decidiu continuar a participar das ciando sobre aspectos delicados da prisao. entrevistas. Embora nao seja comunicativa, respondeu as perguntas

Maria e estrangeira, de boa forma9ao profissional, e encontra- com diligencia. se no Brasil pela primeira vez. Revelou nao ter antecedentes e que Mariana e a mulher rnais jovem que entrevistamos. Bonita e esta presa porque participou no que, ela pensou, seria uma unica de born porte, ansiava ser modele antes de ter sido envolvida num e rapida a9ao sem repercussoes. 0 contato com a famflia e restrito crime, que afirma nao ter cometido, por urn agente de polfcia que (por exemplo, nao recebe visitas), todavia defende com intensidade queria namora-la. E muito vivaz, alegre, comunicativa e aparenta -a honestidade e os bons costumes de seus familiares. A principio, ingenuidade. Co~c1uiu 0 ensino medio e trabalhou como atendente Maria sentiu-se urn pouco desconfiada _ a entrevista foi 0 primeiro em pequenas 10Jas. Sua famflia e 0 namorado a visitam constan-contato, pois ela nao foi nossa aluna nas oficinas _; no entanto, temente. Mariana nao tern filhos, mas gasta parte do que ganha a situa9ao foi melhorando e foi possivel estreitar a distante rela9ao com as sobrinhas. inicial. Maria nao tern filhos, e esta separada do antigo compa- De aparencia envelhecida, Joana nao tern dentes, mas insiste nheiro (pudemos perceber que isso aconteceu devido a sua prisao). em cuidar-se. Foi viciada em drogas e tomou parte de muitos furtos,

Julia, a mais idosa das mulheres que eritrevistamos, esta doente. roubos e triifico. ComO conseqiiencia do eiwolvimento com a Pertencente a c1asse media, tern tres fJ.1hos que quase nao a visitam droga, abandonou os filhos e hoje luta por se reaproxirnar. Sua porque ela se deprime ao ve-Ios em'lI1eio as visitas das outras presas mae era a1coolatra e teria facilitado urn estupro do qual a filha foi e tendo de passar pela revista .. para poder ingressar na prisao. vitirna: quando jovem. Esse fato influenciou as escolhas que Apesar dessa justificativa, a irnpressao que se tern e de certo postenormente fez. 0 marido, tambem viciado em entorpecentes, abandono e de veq~onha de ac~itar a condi9ao de rec1usa. Antes I teria sido morto em urn ajuste de contas. Joana comenta que so de ingressar na PFC,. Julia pemianeceu varios anos num distrito ! voltaria a roubar ou traficar para ajudar os filhos, mas nao por do interior, e, como la ficava mais perto dos filhos, sentia-se mais .: vontade propria, pois pretende refazer a vida longe das grades com confortavel naquele espa90. Ela nao se conforma de estar sendo i seu novo companheiro, que conheceu na prisao. punida pelo Estado, pois acredita que muitas pessoas apresentam I Essas descri90es compoem as irnagens das mulheres que

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122 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

tender 0 que significa viver na prisao e, em especial, trabalhar dentro dela.

3.2 MULHERES NA PRISAO

Do conjunto de pessoas que compoem, a massa carcenlria, a " mulher nao se destaca. Na America Latina, a porcentagem de pres as oscila entre 3% e 9%, aproximadamente.25 No Brasil, , representa 4,33% da populac;:ao carcerana total (ver grafico 1),26 e, no Estado de Sao Paulo, compoe 5,43%27 do universo prisional (ver griifico 2). A reduzida presenc;:a numerica da mulher no sistema prisional tern provocado 0 des interesse, tanto de pesquisadores28

como das autoridades, e a decorrente "invisibilizac;:ao" das neces­sidades fernininas nas pollticas penitenciarias, que em geral se' ajustam aos modelos tipicamente masculinos.29 Portanto, "0 proble-

25 C. Antony, Mujer y carcel: el rol genenco en la ejecucion de la pena, Criminalidad y criminalizaci6n de la mujer en la regi6n andina, Org. Rosa del Olmo, Caracas, Editorial Nueva Sociedad, 1998, p. 63.

26 0 ultimo Censo Peniteuchirio, publicado em 1995, indicou que a popular;ao prisional nacional era de 148.760 'pessoas, presas em delegacias, cadeias publicas e presidios. No ano de 2002, esse numero teria aumentado para 248.685 (segundo consta na pagina oficial do Ministerio de Justir;a). Disponivel na internet: http:// www.mj.gov.br/depenlsistema_brasil.htm [16.04.2003].

27 Sao Paulo, urn dos maiores Estados da Uniao;detem·o maior mlmero de presos do pais: 106.520, segundofonte do Ministerio de Justir;a. Disponivel na. internet: http://ww{...mj.gov.br/depenlsisCsp.htm [16.04.2003].'

28 Ver V. C. Brant,O trabalho encarcerado, Rio de Janeiro, Forense, 1994. Como ja 'foi indicado, diversos estudos sobre as prisoes femininas, desenvolvidos recentemente, salientam esse descaso. Assim, ver, por exemplo, Claudia' Stella, em As implicar;oes do aprisionamento materna "na vida dos(as) filhos(as), Revista Brasi­leira de Ciencias Criminais, Sao Paulo, RT, 2001, vol. 34, p. 239.

29 Essa adequac;ao se propaga em quest5es menos visfveis, que passam desapercebidas. como 0 uso do mesma unifonne dos presfdios masculinos (cal9a caqui e camiseta branca), ate Qutras mais visfveis ..

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CONCEP<;:OES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES 123

rna carceriirio tern sido enfocado pelos homens e para os homens privados de liberdade".'o

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como a falta de infra-estrutura fisica para atender a necessidades especfficas (a instalar;ao de berr;arios e creches para as mulheres presas que trabalham) (Alessandra Teixeira e Marisa Fernandes, Presidiarias: eqilidade e liberdade, diflceis caminhos, mfmeo).

30 C. Antony, ob. cit. p. 64.

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124 A MULHER ENCARCERADA EM FACE 00 POoER PUNITIVO

Um dos aspectos cruciais nas afli<;oes provocadas pela deten<;ao entre as mulheres presas e 0 distanciamento da familia. J ulita Lemgruber salienta que "0 rompimento do contato continuo com seus familiares e, sobretudo, seus filhos e extremamente dificil de suportar"31 Essa afirma<;ao deve ser confrontada com os dados estatisticos que dao conta de que 63%,32 74%33 e 89%34 dessas mulheres sao maes, sendo que aproximadamente 60% sao chefes de familia,35 ou seja, representam a principal fonte de renda do lar.

Qutros fatores intensificam 0 distanciamento da mulher presa de sua familia. Como decorrencia da falta de infra-estrutura, a popula<;ao prisional feminina e instalada, por estado, nos poucos presidios para mulheres. Por exemplo, no Rio Grande do SuI, hil uma liniea prisao de mulheres, a Penitenciaria Feminina Madre Pelletier. Q resultado: as mulheres sao concentradas em localidades afastadas da residencia dos familiares, intensificando-se 0 aban­dono por parte destes e dos filhos.36

3t Cemiterio dos vivos. Analise sociol6giea de uma prisCio de mulheres, Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 96.

32 Segundo pesquisa elaborada par Julita Lemgruber no presidio Talavera Bruce (Idem, p. 57).

33 Segundo pesquisa elaborada pelo Coletivo de Feministas Lesbicas, publicada no Relat6rio sabre preven<;ao de HIV. AIDS na Casa de Detell<;ao Feminina de Tatuape - sao Paulo, 1997, p. 15.

34 Segundo pesquisa elaborada por Samantha Buglione e Livia Pithan na Penitenciaria Feminina Madre Pelletier, A face feminina da execuc;ao penal. A mulher e 0 poder punitivo, Relat6rio Azul. Garantias e violar;oes dos direitos humanos no Rio Grande do Sui, Porto Alegre, Assembleia Legislativa, 1997, p. 364.

35 Coletivo de Feministas Lesbicas, ob.cit. p. 9. 36 Em pesquisa' desenvolvida no Centro Penitenciario Feminino de

Rennes (Franc;a), Robert Cario salienta que a distante localizac;ao geognifica restringe consideravelmente as possibilidades de manter rela<;6es familiares, "0 elevado <;usto de locomoC;ao impede que a famma (marido, ,JUhos e outros familiares) vi site a detenta que permaneceni na prisao por longos .anos'" 0 que gera efeitos traumatizantes nos diretamente envoI vidos (Particularidades de la situaci6n carcelaria de las mujeres, Careel de mujeres. Ayer y hoy de la mujer delincuente y vietima, Bilbao, Ediciones Mensajero, 1989, p. 119-120).

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CONCEP<;OES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES 125

Tambem contribui para a separa<;ao familiar a quantidade de restri<;oes no exercfcio do direito a visita intima.37 0 Regimento Interno Padrao dos Estabelecimentos Prisionais de alguns Estados - como Sao Paulo - preve esse direito38 sem aparente discrimi-

, na<;ao, porem ele e principalmente exercido nos presidios mascu­linos. Samantha Buglione e Livia Pithan ressaltam que "existe um protecionismo discriminatorio quando se trata de questocs que envolvem a sexualidade feminina, sendo a mulher presa desesti­mulada em sua vida sexual devido a burocratiza<;ao para 0 acesso a visita conjugal"."

Diversas pesquisas constroem 0 perfil das mulheres que con­formam 0 universo prisional feminino. Q relatorio preparado pelo Coletivo de Feministas Lesbicas (organiza<;ao nao governamental

37 Varios estados permitem a exercfcio da visita intima feminina (Rio de Janeiro, Santa Catarina, Rio Grande do Sui etc.). No entanto, o Estado de Sao Paulo s6 a implantou em dezembro de 2001 por meio da Resoluc;ao SAP 96, de 27.12.2001, que regulamenta 0

exercfcio da visita intima as mulheres presas, reconhecendo-no como direito, e DaO como regalia. Urn dos primeiros presfdios a cumprir 0 referido dispositivo legal foi a Penitenciaria Feminina de Tatuape (porem, recentemente soubemos, por agentes da pastoral penitenciaria, que a visita fntima foi restringida e ainda nao foi reintroduzida). A Penitenciaria Feminina da Capital demorou em efetivar esse direito, em virtude de ter construfdo urn pavilhao especial para essa finalidade, inaugurado em outubro de 2002. Lamentavelmente, a Penitenciaria Feminina de Hutanta ainda silen­cia quanta ao cumprimento da resoluc;ao da SAP (Alessandra Teixeira e Jacqueline Sinhoretto, A visita intima as presas: uma primeira vitoria?, Boletim do IBCCRIM, Ii. 112. Disponivel na internet: http://www.ibccrim.arg.brfboletimJ0005f [16.04.2003]).

3& 0 mencionado regimento sanciona, no seu art. 99, que "a visita intima constitui uma regalia [nao urn direito] que tern par finalidade fortalecer as relaC;5es familiares, devendo ser concedida com periodicidade compatfvel com a progressao do regime". Podemos deduzir, entao, que 0 foco desse "beneficio" e garantir a preservaC;ao da intimidade e dos Jac;os afetivos; por esse motivo, nao cabe interpreta-Io Como regalia, e sim como direito, exigfvel de forma igualitaria tanto para homens como para mulheres.

39 A pes qui sa por elas elaborada destaca que apenas 13% das mulheres presas recebem visita fntima.

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126 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

paulista) apresenta as caracterfsticas desse grupo. As mulheres nao brancas (negra, mulata, amarela, vermelha) representam 0 contin­gente majoritiirio,40 de 61,4%. No tangente it idade, 78% tern entre 19 e 34 anos. A grande maioria nasceu no Estado de Sao Paulo (62%) e cresceu em areas urbanas (67%), incluindo cidades do interior. No tocante it escolaridade, 84% delas nao concluirarn 0

ensino fundamental (correspondente ao antigo primeiro grau, ate a·oitava serie), e 44% tern urn grau de escolaridade muito baixo, tendo freqiientado ate a quarta serie. A chefia da. familia e comandada por 59% das mulheres presas.41

Houve mudan~as na conduta delitiva das mulheres. Os crimes cometidos por elas nao mais se encaixam nos denominados "delitos femininos" - infanticidio, aborto, homicfdio passional -, pois se deu urn incremento nos fndices de condena~ao por crimes de trafico de entorpecentes, roubos, seqiiestros, homicidios, entre outros. A pesquisa do Coletivo de Feministas Usbicas destaca que 40% das mulheres estariam pres as por trafico de drogas, 37% por roubo, 12% por furto e s6 10% por homicfdio. Portanto, a conduta delitiva que tern muIheres como sujeito ativo adquiriu urna conota~ao

40 Recerite pesquisa da Funda~ao Seade, publicada no Boletim do IBCCRIM condui ao analisar a discrimina~ao das mulheres negras que "e com [elas] que a dupla discrimina~ao s¢ torna alarmante. Gradativamente elas vao sendo mais representadas ao longo das etapas do inquerito e do processo, ao passo que as brancas vao, em sentido inverso, saindo do sistema [ ... ]. Esse fato, observado tambem em rela~ao -aos homens, e ainda mais acentuado -no caso das mulheres, revelando mais urn dos., mecanismos reprodutores de segrega~ao e excIusao a que as niulheres· negras. sao submetidas em nossa sociedade" (Alessandra Tei'o;eira, Jacqueline Sinhoretto e Renato de Lima, Ra~a e genero !,O funcionamento do sistema de justi~a criminal, Eoletim IBCCRIM, n. 125, abr. 2003).

41 No referido relat6rio destaca-se urn", pesquisa da Funda~ao Seade de 1994, realizada na regiao metrbpolitana da Grande Sao Paulo, que revela que lares chefiados por mulheres desfrutam de uma situa~ao abaixo da cIassifica~ao econ6mica (cIasse D), enfrentando as piores condi~oes sociais e economic as. Esse fen6meno global denornina-se "feminiza~ao da pobreza". nova caracterfstica da marginalidade socioecon6mica do mundo globalizado.

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CONCEPCOES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES 127

desvinculada da categoria de genero para se alinhar no que pode se chamar "criminalidade de pobreza".

A situa~ao e ainda mais discrirninat6ria quando veriflcamos a porcentagem de detidas em distritos policiais e cadeias publicas. o numero de detentas nesses centros de detenc;:ao, com condena~ao ou sem, supera proporcionalmente 0 dos hornens recolhidos em distritos e cadeias. Segundo 0 ultimo censo realizado no Estado de Sao Paulo,42 a porcentagem de muIheres que integram 0 sistema penitenciiirio paulista atinge 2,5%, enquanto 0 numero de reclus as em cadeias publicas, sob 0 comando da Secretaria de Seguranc;a Publica, a1can~a 13,5%, ou seja; apesar de constitufrern uma parcela menor da esfera prisional, as muIheres estao sobre-repre­sentadas nos centro de deten~ao provis6ria, espa~os que, na pratica, sao inadequados para 0 curnprimento de pena.43 Depreende-se a falta de interesse na constru~ao de estabelecimentos penitenciiirios femininos e, conseqUentemente, na elabora~ao de politic as publicas capazes de atender as necessidades das presas.

Os dados descritos refor~am a certeza de que a muIher reclusa integra as estatisticas da marginalidade e exclusao: a maioria e nao branca, tern fiIhos, apresenta escolaridade incipiente e conduta delitiva que se caracteriza pela menor gravidade, vincula~ao com o patrim6nio e reduzida participa~ao na distribui~ao de poder, salvo contadas exce~6es. Esse quadro sustenta a associa~ao da prisao a desigualdade social, a discrimina~ao e a seletividade do sistema de justi9a penal, que acaba punindo os mais vulneraveis, sob categorias de rac;a, renda e genero.

3.3 A PENITENCIA.RIA FEMININADA CAPITAL

A Penitenciaria Feminina da Capital foi criada por Dec.-lei 12.116, de 11 de agosto de 1941, sob 0 nome "Presidio de

42 Pela Funda~ao "Professor Manoel Pedro Pimentel" de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap), em parceria com 0 Instituto Universi­dade Empresa (Uniemp), em 2002.

43 Algumas caracteristicas desses centros de deten9ao (conhecidos como Dacar) sao a superpopula~ao, a inexistencia de programas de empre­go, instala90es insalubres. a falta de servi90s de saude. entre outras.

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128 A MULHEA ENCARCERADA EM FACE 00 PODER PUNITIVO

Mulheres". Funcionava no interior da Penitenciaria do Estado, no Complexo do Carandiru, como uma se~ao a parte, subordinada a administra~ao daquele estabelecimento. Ate 0 ano de 1942, as condenadas no Estado de Sao Paulo cnmpriam suas penas no "Recolhimento de Presos Tiradentes", sob os auspfcios da Secre­taria de Seguran~a Publica.

o primeiro nni-verso carcerario se compos de sete mulheres sentenciadas, que na totalidade declararam a profissao de empregada domestica: cinco acusadas por homicidio, uma por aborto provocado por terceiro e uma por estelionato. De julho de 1942 ajulho de 1952, passaram pelo Presidio de Mulheres 212 sentenciadas.44

Ate 1973, a institui<;:ao foi dirigida por freiras da Congrega<;:ao do Born Pastor d' Angers. Pelo Decreto 2.359, de 4 de setembro de 1973,0 presidio passou a denominar-se "Penitenciaria Femininada Capital" e a ser administrado por pessoal tecnico especializado.45

No percurso da decada de 70 ampliaram-se as instala~6es da penitenciaria e, pelo Decreto 7.993, de 4 de junho de 1976, foi criada a nnidade de despesa, 0 que the proporcionou autonomia funcional. No entanto, essa autonomia so se materializou em 1977, por meio do Decreto 10.065, de 2 de agosto, que reorganizon a estrutura formal e legal da prisao.

Atualmente, 0 presidio esta snbordinado a Secretaria de Ad­ministra~ao Penitenciaria do Estado de Sao Paulo (SAP)46 e congrega tanto mulheres com senten~a condenatoria como presas provisorias.47

44 Marina Albuquerque M. da Silva, Nos territ6rios da desordem: as desordens jemininas na ordem qa delinquencia, dissertac;ao de mestrado, Sao Paulo, FFLCH-USP, 1992.

45 Idem. 46 Outros estabelecimentos prisiotIais para mulheres, subordinados a

SAP/SP, sao a Penitenciaria Feminina "Dra. Marina Cardoso de Oliveira" do Butantii, a Penitepchiria Feminina de Tatuape, a Penitenciaria Feminina de Tremembe, a Penitenciaria Feminina de Riberao Preta, 0 Centro de Ressocializa<;ao Feminino de Rio Claro e 0 Centro de Ressocializa~ao Feminino de Sao Jose (informa~ao fornecida pet a Assessoria de Imprensa da SAP).

47 Sao aquelas mulheres cujos processos judiciais ainda nao receberam senten~a (quer condenat6ria, guer absolut6ria).

9[ ...... " "'I CONCEPCOES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES 129

o perfil das mulheres presas na PFC nao se diferencia subs­tancialmente do ja descrito neste trabalho em capitulos anteriores. Cabe, contudo, uma ressalva, tendo em vista que, quando seleci­·onamos esse estabelecimento prisional como marco fisico de nossa pesquisa, acreditavamos que identificariamos caracteristicas espe­ciais entre as mulheres que comp6em 0 contexto - especialmente tratando-se de presidio de seguran~a maxima -; porem, no decorrer do trabalho e durante a analise dos dados, verificamos que sao maiores as semelhan~as que as diferen~as, fato que pode ser con'oborado na confronta~ao de informa<;:5es.

Para a obten~ao de dados referentes as caracteristicas das mulheres que conformam a popula~ao da PFC, recorremos aos arquivos do proprio presidio'" a Funda~ao Seade (Sistema Esta­dual de Analise de Dados)49 e a Coordenadoria de Saude da Secretaria de Administra~ao Penitenciaria (SAP).'o

A PFC so recebe mulheres condenadas ou provisorias, isto e, que aguardam senten~a, em regime fechado. As condenadas atingem a porcentagem de 80%,51 e as restantes sao presas provisorias. Desse total, 22% seriam reincidentes52 e 78%, primiirias (ver grafico 3)."

o quadro de porcentagem de incidencia por artigo mostra que 39,97% das mulheres reclus as foram sentenciadas por trafico de

48 Os dados extrafdos da PFC sao menos completos, porquanto 0

presfdio conta com urn incipiente sistema de arrnazenamento e produ~ao de informa~ao. Cabe destacar que as autoridades e os funcionarios facilitaram 0 aceS50 a informa~ao identificada.

49 A informa<;ao por eles fornecida corresponde a media de 2001. Teve como fonte 0 Tribunal de Iusti<;a do Estado de Sao Paulo (TI), a Secretaria da Administra<;ao Penitenciaria (SAP), a Secretaria de Seguran<;a Publica (SSP) e gerenciada pela Empresa de Processamento de Dados do Estado de Sao Paulo (Prodesp).

50 Os dados, fomecidos pela Prodesp, foram obtidos por meio do GSA. A infonna<;ao corresponde a media dos meses de agosto de 2001 a setembro de 2002.

51 Media do mes de abril de 2002. Arquivo da PFC. 52 Fazemos referencia a reincidencia penitenciaria e nao criminal, ou

seja, para efeitos desta pesquisa e reincidente aqueJa pessoa com mais de uma entrada numa prisao.

53 Esse dado e a media dos meses de novembro de 2001 e fevereiro de 2002. Arquivo da PFC.

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130 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

entorpecentes; 31,02% por roubo; 13,05% por hbmicidio; 9,98% por latrocinio; 2,19% po, extorsao mediante seqUestro; e 3,23% por outros crimes (ver griifico 4).54

As presas com 19 a 30 anos representam 0 maior contingente do total da populac;:ao rec1uida: 42,92% (ver grafico 5). A maioria das mulheres provem do Estado de Sao Paulo (65,91 %),5,54% sao naturais do Parana, 4,52% de Minas Gerais, 3,70% 'de Pernambuco, 3;<')8% da Bahia e 17,25% de outros Estados (ver grafico 6).55

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MULHERES PRESAS NA PFC QUAORO DE REINCIDENCIA

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QUADRO DE INCID~NCIA POR ART/GO

o Trafico de Entorpecen!es

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54 Dados' extrafdos do arquivo da PFC. correspondente aos meses de novembro de 2001 e fevereiro de 2002.

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CONCEP<;OES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES

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60 Anos e Mais

Nao Informado

PERFIL SOCIOBIOGRAFICO SEGUNDO NATURAL/DADE

0 Sao Paulo

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EI Minas Gerais

III Pernambuco

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6519% l1li Qutros Estados

131

A forma<;;ao educativa entre as rec1usas e elementar, porquanto 76,59% tern ensino fundamental (completo ou incompleto), 5,75% seriam analfabetas e apenas 7,19% chegaram' ao ensino medio. (completo ou incompleto) (ver grafico7).56

Embora a cor seja uma variaveI de determinac;:lio complexa, decidimos inc! ui -la na pesquisa em virtude de a informac;:ao nos ter sido fornecida tanto pela Fundac;:lio Seade como pela SAP. De acordo com essas fontes, 54% das mulheres slio consideradas brancas pe1a polfcia, e 39,84%, nao brancas (ver grafico 8).

Em pesquisa sobre a visita intima, a Coordenadoria de Saude recolhe informac;:ao dos presidios femininos de Sao Paulo de modo

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132 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

a identificar 0 contexto familiar das mnlheres. Na PFC, 82,87% declararam ter filhos; desse total, 39,22% afirmaram ter um ou dois filhos, enquanto 30,93% assinalaram ser maes de tres ou quatro filhos, dos quais 59,12% vivem com a familia da reclusa; 0 marido (ou ex-marido) conservou a guarda s6 em 6,07% dos casos. A residencia dos filhos esta localizada em 42,55% dos casos na capital, em 32,45%, no interior ou no litoral e na porcentagem restante, em outros estados ou paises. Tais inforrna~6es confrrrnam o abandono de que sao vitimas as mulheres na prisao, conforme ja salientamos. Ademais, podemos deduzir que a condena~ao das mulheres recai nao s6 sobre elas, mas tarnbem sobre os filhos, vitimas indiretas da san~ao estata!.

Os indicadores socioecon6micos da popula~ao prisional na PFC nao diferem consideravelmente dos fomecidos por outros presidios femininos do pais. AMm do mais, confirmam-se as semelhan~as entre essas mulheres e aquelas pertencentes ao grupo social mais acerituadamente desprovido. Destarte, repete-se a "situa~ao de menor poder", peculiar entre as mulheres, a qual se manifesta inclusive na sua participa~ao no crime. No trafico de entorpecentes, por exemplo, delito em qne a representatividade feminina e maior, 0 grau de responsabilidade assumido por elas na estrutura de poder IS insignificante.57

GRAFICO 7

MULHERES PRESAS NA PFC

PERFIL SOC/OBIOGRAFICO SEGUNDO ESCOLARIOADE

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III Analfabela

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57 J. Lerngruber confirma que "diversos criminologos norte-americanos sustentam que, embora a trafico de drogas seja uma atividade que

CONCEPQOES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES

GRAFICO 8

MUlHERES PRESAS NA PFC

PERFIL 50CIOBIOGRAFICO SEGUNDO RAy.4

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3.4 TRABALHO NA PRISAO

133

Historicamente, a mulher teve acesso restrito ao espa~o publico, ambito em que as pessoas adquirem reconhecimento

social e podem transcender." Foram relegadas aos ambientes

ocupa urn mlmero de homens muito maior do que 0 de mulheres, as mulheres acabam condenadas em proporgao maior do que as homens. A interpret~ao para essa discrepancia deve-se a posh;:ao que as mulheres ocupam na estrutura do tnifico de drogas, uma posi~ao sempre subalterna, que lhes da menDs possibilidade de negociar com a policia, comprando sua liberdade", Db. cit., p. XV. B. Soares e 1. Ilgenfritz, confirmando 0 salientado por Lemgruber, comentam que, nas entrevistas realizadas nos carceres femininos no Rio de Janeiro, quando foram perguntadas sobre 0 lugar que ocupavam no trafico, 78,4% das mulheres referiram-se "a fum;6es subsidiarias ou situac;6es equivocadas que, por infortunio, as teriam levado a prisao. Boa parte se definiu como 'bucha' Ca pessoa que e presa por estar presente na cena da detenc;ao), como 'consumi­dora', como 'mula, Oll 'aviao' (transportadora de droga), como 'vapor' (que negocia pequenas quantidades no varejo), e como 'cumplice' au 'assistente de fogueira''', ob. cit. p. 86.

58 Segundo H. Arendt, e no espac;o publico que os individuos transcendern, pois "tudo a que vern a publico pade ser vista e ouvido por tadas e tern a maior divulgac;ao passivel", A condir;do humana, Db. cit., p. 59.

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134 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVQ

domesticos," OS quais nao eram - e ainda hoje nao sao valorizados.60

Contudo, no seculo XIX, e apesar dos discursos e das tradi90es que vinculavam 0 feminino ao lar, as mulheres conseguirarn introduzir sua mao-de-obra no mercado de trabalho brasileiro. Esses slntomas de mudan9a nao impediram que as modalidades. toleradas para esse grilpo se limitassem a atividades consideradas tradicionalmente "femininas", perpetuando as virtudes de piedade, pureza, submissao e dornesticidade.61 E a situac;:ao nao mudou: 0 trabalho assumiu urn papel domesticador que refon;:a as atribui90es de genero difundidas no universo extramuros, segundo verifica­remos a seguir.

o trabalho nos presidios femininos e masculinos desenvolve- . se como atividade precana que dificulta a inserc;:ao do encarcerado no mercado trabalhista, por se tratar de ocupa9ao que "impossibilita qualquer tipo de ascensao social"."

59 "Para as feministas mais radicais, 0 espa<;o' domestico e 0 Ingar por excelencia onde se instala a 'cultura de opressao feminina'" (Eni de Mesquita Samara, Mao-de-obra feminina, oportunidades e mercado de trabalho, no Brasil do seculo XIX, As idliias e os numeros do genera, Sao Paulo, Hucitec, 1997, p. 33).

60 "A comunidade natural do lar decdrria da necessidade; era a necessidade que reinava sabre todas as atividades exercidas no lar". por essa razao considerava-se conformadora da esfera da escravidao, em oposi9aO a polis ou espa90 publico,· que fazia parte da esfera da liberdade (Hannah Arendt, A condir;fio humana, ob. cit. p. 40). Michelle Perrot, descrevendo a hist6ria das mulheres na sociedade francesa, salienta que "a mulher foi criada para a familia e para as coisas domesticas. Mae e dona de casa, esta e a sua yocasrao, e nesse caso ela -6 ben6fica para a so~iedade inteira". Mesmo assim, nao pode se dizer que ela tenha 0 ccintrole sobre 0 espa90 privado, pois "os homens sao [ ... J os senhores do privado e, em especial, da famflia, instaricia fundamental\ cristal da sociedade civil, que eles govemam e representam, dispostqs\a delegar as mulheres a gestao do quotidiano" (Muther!,s publica!;, Sao Paulo, Unesp, 1998, p. 9-10). .

61 "Tudo indica tambem que, no mundo do trabalho, as mulheres geralmente ocupavam os espa<;os que eram descartados pelos homens". (E. de M. Samara, ob. cit. p. 36).

62 Maud Fragoso de Albuquerque Perruci, ob. cit., p. 18.

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CONCEPQ9ES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES 135

. Todavia, e possivel encontrar algumas diferenl;as que refor9am as desigualdades entre homens e mulheres. Apesar. de ambos desenvolverem atividades precarias em fun9ao de sua condil;ao de pobreza, a situa9ao das ultimas e mais grave porque sua exclusao precede 0 ingresso na prisao, perrnanece durante sua estada e se . pereniza depois da obtenc;:ao de liberdade. lsso significa que 0 estigma de serem "mulheres e pobres" as acompanha permanen­temente no exercicio das atividades laborativas. De catadoras de lixo, empregadas domestic as, vendedoras ambulantes, atendentes, engraxates de sapato, costureiras, passarao a trabalhar na prisao como passadeiras, arrumadeiras, costureiras, entre outras oc.npa­"oes de minima relevancia no mercado de trabalho.

Diversas pesquisas desenvolvidas no Brasil e no exterior of ere cern urn panorama da realidade penitenciana feminina. En­tretanto, a maioria delas se ocupa dos carceres femininos, sem abordar a tematica do trabalho prisional com profundidade e exciusividade,63 dedicando-se, principalmente, a evidenciar a particularidade da mulher presa no contexto gera!. No contexte brasileiro, porem, devemos destacar as pesquisas elaboradas por Maud Fragoso de Albuquerque Perruci (l983), Julita Lemgruber (l999) e Barbara Soares e lara llgenfritz (2002), que, embora nao tivessem no trabalho seu eixo de analise, refletiram sobre 0 tema de forma critica, proporcionando-nos elementos para a construl;ao das nossas proprias ponderac;:oes.

Em rela9ao ao dire ito ao trabalho, as pris6es femininas da cidade' de Sao Paulo tern programas de emprego (como a Peni­tenciaria Feminina de Sao Paulo, a Casa de Detenc;:ao Feminina do Tatuape ou a Penitenciana Feminina de Butanta),64 0 que nao garante contudo que as condic;:oes de desenvolvimento sejam semelhantes as das trabalhadoras livres.65 Aqueles que denunciam

63 Ver capitulo 1, item 1.3; No contexto da presente pesquisa, nao foi nossa intenc;ao elaborar uma analise desses trabalhos; procuramos simplesmente identifica-Ios como referencial para 0 leitor.

64 Pesquisa feita pelo Human Right Watch, 0 Brasil atnis das grades. Estados Unidos, 1998, p. 149.

65 Esse t6pico sera abordado com profundidade quando tratarmos das condi95es em que se desenvolve 0 trabalho na PFC (item 3.4.1 do Capitulo 3).

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136 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

o maior controle infonnal nos presidios femininos66 asseguram que significativamente os programas de trabalho fomentam e privile­giam atividades domesticas e industriais "pr6prias do sexo" (tecer, bordar, cozinhar, cuidar da aparencia e fazer confeitaria),67 0 que, de fato, "nao lhes permite disputar melhores coloca~oes no mer-cado de trabalho ao reencontrar a liberdade".68 .

Em estudo qu'e analisa a situa~ao do trabalhador preso no Estado de Sao Paulo, Caldeira Brant destacouas motiva~oes declaradas do recluso para desenvolver essa atividade: "a ocupa~ao do tempo ocioso, a obten~ao de recurs os indispensaveis a sobre­vivencia e os beneficios de redu~ao da pena, assegurados em lei,69 ou [a obten~ao) de vantagens [no interior do carcere, proporcio­nadas quer por regularnentos quer) pela vista grossa dos guardas e da administra~ao".70 0 trabalho, na maioria dos casos, e valo­rizado, na medida em que e identificado com 0 acesso a diversas

66 la. em 1977, Carol Smart denunciava: "A maioria de regimes empregados nas pris6es femininas reforc;am estereotipo tfpico dos papeis sexuais tradicionais correspondentes as mulheres em nossa cultura", citado par Louise L. Biron, ob. cit. p. 125 [tradu,1lo livre do original em ingles]; Julita Lemgruber em Cemiterio dos vivos, Rio de Janeiro, Forense, 1999; Carmen Antony, ob. cit.; Rosa Mavila em Situaci6n actual de la ejecucion penal en el Peru, Lima, Consejo de Coordinaci6n Judicial, 1998 ..

67 Louise Biron salienta que "num contexto em que a maioria das mulheres encarceradas jamais conheceu uma trajet6ria de trabalho relativamente estavel, em que seus empregadores nao as reconhecem como categoria de trabalhadoras nem tampouco como categoria nao especializada, acarretando com is so rna remunerac;ao, acirna de tudo a sociedade exige uma mao-de-9bra com rnelhor capacitac;ao. Diante desse panorama, nao podemos nos surpreender com 0 fato de que programas de emprego nos pres'rdios estejam destinados a desen­volver tarefas tradicionalmente reservadas as mulheres (cuisine, buanderie, couture, coiffure etc.)" (Les femmes et I'incarceration. Le temp n'arrange rien, Criminoiogie, Montreal, Les Presses de I'Universite de Montreal, 1992, vols. 25-1, p. 124 [traduqao livre do original em frances]).

6& Julita Lemgruber, ob. cit. p. 146. 69 A Lei de Execuc;,:ao Penal de Brasil cohtempia a remic;,:ao de urn dia

de pena de prisao par cada tres dias de trabalho (arts. 126 e 130). 70 Vinic ius Caldeira Brant, ob. cit. p. 113.

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vantagens objetivas (regulamentadas em lei) e subjetivas (variaveis segundo a percep~ao de funcionarios e autoridades penitenciarias). Apesar da avalia~ao positiva pelos beneficios que pode acarretar, a ati vidade (em termos fonnais) atinge porcentagem minoritaria de reclusos e reclusas.

Nao obstante 0 trabalho em geral seja valorizado pe1as pessoas presas e considerado atividade benefica, a realidade e muito mais complexa para aqueles que desejam trabalhar, pois a administra~aci penitenciana nao proporciona postos suficientes para cobrir a demanda nas prisoes: "S6 cerca de 10% de pessoas presas [ou seja, do total da popula<,:ao prisional) tern acesso as oficinas profissio­nalizantes, os demais [ ... ) sujeitam-se ao trabalho contratado de pequenas e medias empresas, que nao lhes remunerarn segundo os pre<,:os de mercado e sequer lhes oferecem seguro previdenci­ano".71 Se a isso somannos a legitima~ao da discrimina<,:ao que se concretiza por meio da Lei de Execu~ao Penal quando restringe ao preso a possibilidade de fazer uso das leis que protegem os trabalhadores, 0 panorama que se descortina e 0 que julga mulheres e homens presos desprovidos da capacidade de exercer seus direitos sociais e de se sentir em iguais condi~oes ao cidadao livre. Paradoxalmente, a mesma legisla~ao que pretende destacar as diferen~as entre 0 carcere e 0 mundo exterior proclama a reinte­gra~ao social p6s-prisao. Tais antinomias refor~am os postulados foucaultianos de que a prisao nao responde as fun<,:oes dec1aradas nos preceitos legais, uma vez que tern como finalidade delimitar as fronteiras entre as ilegalidades e a delinqtiencia, estigmatizando aqueles que se encaixam no segundo grupo.

Na esteira de Caldeira Brant,n afinnamos que 0 carcere jamais reproduz a sociedade normal, e por isso a ressocializa~ao nao pode dar-se, nem se da, nos estabelecimentos prisionais, mas apenas fora deles e com 0 apoio do meio social do egresso.

71 Sergio Adorno, Sistema Penitenciario no Brasil, Revista USP, Sao Paulo, 1991, vol. 9, p. 74. Como vimos no capitulo anterior, a legisiac;ao nacional garante as direitas previdenciarios para 0

trabalhador preso. 72 Vinicius Caldeira Brant, ab. cit. p. 142.

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138 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

A compreensao do trabalho como direito a ser exigido ao Estado, e nao como beneficio, e uma das propostas da criminologia cntica,73 que busca questionar as fungoes preventivas e retributivas da prisao e propoe repensar novas formas de reinsergao do condenado, nao por meio da pena carcerfuia, mas apesar dela, ou seja, empreendendo tentativas de tomar menos negativas as con­digoes de vida prisional. 0 que se pretende nao e a melhora da p'risao, e sim sua redugao paulatina ate a extin<;:ao,14 mediante a limita<;:ao da aplica<;:ao da pena privativa de liberdade, a abertura de canais de saida, a problematiza<;:ao social da forma de admi­nistrar 0 sofrimento legal e ainda a garantia a mulheres e· homens presos do exercfcio de seus direitos.

3.4.1 Trabalhar na penitenciliria feminina da capital: Obten.,;iio de liberdade

;'0 trohallto do condenado, como dever social e condiriio de dlgni· . dade humlJ-JJa, tera finalidade educativa e produtivq."

(art. 28 da LEP)

"0 condenado que cumpre a pelJa em regime fechado ou semi-aherto podera remir, pe/o trabalho.

parte -do tempo de execufiio da pena." (art. 127 da LEP)

A Penitencifuia Feminina da Capital· foi selecionada para 0

desenvolvimento da pesquisa de campo. Esse presidio - para detentas sob regime fechado - e considerado de seguran<;:a maxima, ou seja, destinado a pessoas que ap~esentam caractensticas de "periculosidade" e precisam de um regime de cust6dia mais severo. , Embora esse fator devesse acrescentar um perfil notadamente diferente no universe prisional feminino, a aproxima<;:ao empirica refutou essa premissa, visto que as \caractensticas das mulheres

, 73 Alessandro Baratta, Roberto BergaIli, rnaki Rivera, entre os europeus,

e Juan Pegoraro, Carlos Elbert, Juan Bustos, Juarez Cirino, Lolita Aniyar, entre os latino-americanos.

74 Victoria Rangugni, Ciirceles y derechos humanos: espacios, estrategias y nuevas formas de resistencia. mimeo.

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CONCEPQ,OES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES 139

presas na PFC nao diferem consideraveImente das identificadas na popula<;:ao prisional feminina paulista.

Na PFC, a maioria das detentas trabalhava (ver griifico 9): 417 mulheres (80,04%) estavam empregadas, enquanto 36 (6,91 %) nao tinham emprego. Os 13,05% rest antes seriam compostos por mulheres que, por motivo de doenga, estavam impossibilitadas de trabalhar, aquelas que cumpriam sanc;:oes disciplinares, que se negavam a trabalhar ou que faziam parte do Estagio.75

Essa informa<;:ao vai de encontro com a realidade prisional masculina,76 em que a porcentagem de homens empregados e muito menor.77 A diferen<;:a no aces so ao emprego nesse tipo de carcere e explicada pela imagem que 0 coletivo constr6i da mulher presa. No imaginfuio popUlar, a muIher que delinqiie na~ representa periculosidade na medida em que 0 crime cometido se encaixaria nos delitos de menor vioIencia. Assim, ela foge do estigma de

75 0 art. 9.· do Regimento Interno Padriio indica as fases de execu9iio administrativa da pena e destaca como primeira fase 0 procedimento de inclusao e observa\=ao, que transcorre no prazo de trinta dias. Assim, e conforme foi explicado no come90 deste capitulo, quando uma mulher ingressa na PFC, nao se integra ao universo peniten­ciano geral, visto que precisa participar do esrngio de inclusao para conhecer e se adequar as nonnas do car-cere. Durante esse tempo, eIa recebe aulas das distintas diretoras. assim como infonna\=oes gerais sobre 0 funcionamento do presIdio. A caractedstica mais drrumitica desse espac;o e 0 afastamento do convlvio com as outras mulheres presas e a proibigiio de receber visita externa,

76 Ver Sergio Adorno, ob. cit., e V. Caldeira Brant, ob. cit. 77 Na maior parte das normas penais e de execu9iio penal, 0 trabalho

oS atividade de cumprimento obrigatorio para as pessoas com sentenc;a condenat6ria; no entanto, a constata\=ao empfrica evidencia uma situa9iio diferente da estipulada. Segundo a pesquisadora venezuelana Ana Victoria Parra (em referencia a realidade da Venezuela, que nao oS diferente da do Brasil e de outros paises latino­americanos), a adequa9ao das oportunidades de trabalho nos carceres tern sido escassa; de acordo com estatfsticas recentes. 0

mlmero de internos que trabalha nao atinge nem 30% do total de presos (Vigencia de los derechos sociales en eI regimen penitenciario. Diagn6stico e perspectival Cap{tulo criminol6gico, Maracaibo, Instituto de Criminologia Dra.Lolita Aniyar de Castro, 1998, vols. 26-1, p. 112).

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140 A MULHER ENCARCERADA EM' FACE DO PODER PUNITIVO

agressiva. violenta au monstruosa, senda muito mais confiivel encarrega-la da responsabilidade de exercer um trabalho."

GRAFICO 9

MUlHERES PRESAS NA PFC

QUADRO DE EMPREGO

B Empregadas

mil Oesempregadas

III Quiros

Os antecedentes do trabalho, na PFC, remontam a 30 de outubro de 1978, data em que se criou 0 Pavilhao do Trabalho. Resultado da proposta de um projeto que tinha 0 prop6sito de "experimentar forrnas de produr,;ao com cinqiienta sentenciadas, [visaval a profissionalizar,;ao dessas, como parte integrante do processo de reeducar,;ao dentro de uma proposta de trabalho industrializado".79 Os objetivos especificos desse projeto busca-

78 Nas primeiras aproxima90es com a ~FC (e mesma quando ja estavamos realizando 0 projeto na escola), a impressao que tfnhamos da mulher presa se assemelhava a do imagimirio popular, ou seja, encaixava-se nos moldes do "feminino", A- propria estrutura oficial do presIdio se encarrega de difundir essa id6ia em conversas infonnais. Assim, a presa "nao da porrada, nem facada, s6 e hipocrita, sopiona _[delatora]". Es'sa ideia construida no senso comum foi logo desestruturada nas entrevistas, nao porque a partir dai elaborassemos urn estereotipo de «violencia" masculino para as mulheres (conforme os moldes· dos filmes norte-americanos, que difundem a imagetn de mulheres violentas, cinicas, alienadas e assustadoras), mas simplesmente porque enxergamos seres humanos comuns e correntes, em nada diferentes da popula<;ao de fora.

79 Helena de Carvalho, Servir;:o social e proJissionalizar;:iio na peniten­ciaria. Urn desaJio politico, Sao Paulo, Faculdade Paulista de Servi<;o Social, 1982. Trabalho de conclusao de curso de gradua<;ao.

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CONCEP\x5ES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES 141

Yam estimular a formar,;iio de h:ibitos de trabalho e de disciplina, promover maior participar,;ao na automanutenr,;iio da reeducanda, assim como sugerir formas de atuar,;iio no servir,;o social.'o

Inicialmente, 0 trabalho por excelencia era de natureza arte­sanal (oficinas de pauo de prato, ponto cruz, croche etc.). S6 em 1986 introduziu-se 0 trabalho industrial. Hoje em dia, a finalidade do trabalho na PFC nao mudou, sendo realizado por 80,04% do total de mulheres presas, e proporcionado nao s6 pelo pr6prio presidio, mas por outras entidades publicas e privadas. Uma das instituir,;oes que oferece emprego - 37 mulheres estao empregadas no setor de confec~ao de uniforrnes - e a Fundar,;ao "Professor Manoe! Pedro Pimentel" de Amparo ao Trabalhador Preso (Funap), criada pelo govemo do Estado de Sao Paulo para dar auxilio ao trabalhador recluso.

Dentre as empresas privadas que contratam as mulheres do presidio,81 identificamos a Embramed Industria e Comercio Ltda., do ramo de equipamentos hospitalares (onde trabalham 240 mulheres); a Prafesta, do ramo de artigos para festas (proporciona emprego a 47 mulheres); a Century, do ramo de embalagem para roup as (onde trabalham 20 mulheres); e a Imel, do ramo de montagem de per,;as de abajur (que emprega 10 mulheres). A pr6pria PFC demanda 0 servir,;o das trabalhadoras em tarefas que inc idem na manutenr,;ao do presidio (trabalham ai 63 mulheres)," como limpeza, lavanderia, cozinha, rouparia, jardinagem, manu­tenr,;ao e servir,;os administrativos (biblioteca e escrit6rios adminis­trativos variOS).'3

80 Idem. 81 Em 17 de janeiro de 2003, visitamos novamente a PFC e a diretora

nos proporcionou nova infonna<;ao sobre as empresas que empre­gavam as mulheres presas. A maioria delas continua na PFC, embora duas nao funcionem mais (Imel e Prafesta), tendo side substitufdas par Agatta e Squadroni (dos -setores de produtos descartaveis para estetica e de montagem de rodinhas para cadeiras, respectivamente).

82 Dados extrafdos dos arquivos da PFC, correspondentes ao mes de abril de 2002.

81 Para efetuar 0 pagamento dos servic;os de apoio, a PenitencLaria cobra uma taxa de 20% as empresas. Dessa taxa, 5% se destina ao Fundo

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142 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

Informa~ao recebida pela diretoria do presidio, mas nao con­firmada oficialmente, nos alerta sobre a nao-contrata~ao das mulheres que trabalharam nas diversas empresas na prisao em sua passagem para a liberdade. Esse fato pode demonstrar a nao-supera~ao do preconceito para com a popula~ao prisional e confirmar que as firmas que incursionam na contrata~ao de mao-de-obra rec1usa seriam motivadas tao-somente pelas exonera~6es impositivas e outras vantagens fiscais que incrementam seus lueros. Se a empresa que conhece a trabalhadora presa nao a contrata quando esta em Iiberdade, podemos inferir que 0 preconceito e maior entre os empregadores que interiorizam 0 senso comum para julga-Ia.

A dinamica para a obten~ao de emprego na prisao funciona como segue. Quando uma mulher ingressa no presidio, apos ter passado pelo Estagio, e encaminhada ao pavilhao de trabalho e a escola. Em ambos os ambientes ela devera ser avaliada, alem de identificadas suas habilidades e qualifica~6es, assim como seus interesses de trabalho e estudo. Posteriormente ao preenchimento de ficha em que se dec1aram todas essas informa~6es, a presa e incorporada em uma lista de espera, e sera chamada conforme 0

criteriode ordem de chegada. Como nem sempre surgem opor­tunidades que sejam do interesse da rec1usa, nem de acordo com sua forma~ao profissional, elas devem se adequar ao que e oferecido, para nao perderem tempo de rerrii~ao.

Isabel comenta:

"Quando cheguei, eu passei pel a inclusao, 31 dias de estagio. Quando eu desci, fui fazer a minha ficha qualifi­cativa la no pavilhao de trabalho e foi me perguntado quais eram as minhas habilidades, 0 que eu gostaria de aprencler. .. E no case eli falei que era croche,. costura, ne, esse tipo de coisa assim que a Cas a [a PFC] oferece, ... of ere cia na

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Especial de Despesa (quantia utilizada em compras diversas em beneficia de toda a popula<;ao, como, por exemplo, remedios, colch6es, uniformes, entre outros). 0 restante e encaminhado para o pagamento do MOl (Mao-de-Obra Indireta), mais conhecido como o pessoal do apoio.

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CONCEP~6ES E EXPECTATJVAS DAS MULHERES 143

epoca. Quando eu entrei aqui, eu nao tiye a oportunidade de trabalhar na Funap com a costura, mas ai, enquanto aguardava um emprego em qualquer oficina, comecei a usar uma 'sala que e vazia e eu comecei a fazer canudinho, e fazendo os trabalhos artesanais, fui aprendendo, desenvol­venda [ ... ] e fui aprendendo a fazer 0 servi~o".

Uma das preocupa~6es principais das mulheres e nao ganhar a remi<;:ao, por is so tem a necessidade de desenvolver qualquer tipo de atividade (trabalho infOImal), mesmo que precariamente e com certa criatividade (como foi 0 caso da entrevistada), porque dessa forma podem diminuir 0 tempo de pena.84

Nao surpreende que a reclusa almeje obter sua liberdade. Nao deve chamar nossa aten~ao 0 fato de as pessoas recolhidas em uma prisao procurarem ser Iivres por todos os meios possiveis. 0 trabalho constitui urn caminho para modificar 0 tempo de pena e instrumento legitimo para a obten~ao de Iiberdade.85

o salario recebido e compreendido como urn reconhecimento pelo trabalho exercido. Todavia, ele nao representa urn criterio primordial de valoriza~ao, porquanto por si so 0 trabalho produz urn efeito benefico ao aproximar as mulheres da Iiberdade por intermedio da remi~ao.86 Todavia, nao podemos afirmar que a valora~ao econ6mica seja totalmente desconsiderada, visto que

84 Nao e pacffico nas decis5es dos jufzes das Varas de Execuc;ao Criminal (VEC) reconhecer 0 artesanato como atividade suscetivel de remic;ao, parem, quando 0 presfdio nao oferece alternativas, eliminam-se as raz6es para negar 0 acesSo a esse beneficio. Ver J. F. Mirabete, ob. cit.

85 Essa modifica<;ao acontece porque 0 trabalho faz parecer que 0 tempo transcorre mais depressa, alem de diminuir concretamente as anos de condena<;ao por causa da remi<;ao (Maria de Nazareth Agra Hassen, 0 trabalho e os dias. Ensaio antropal6gico sabre trabalho, crime e prisiio, Porto Alegre, Torno Editorial, 1999, p. \55). 0 tempo passa a ser considerado urn referencial de medi<;ao da pena.

86 0 art. 126 da LEP expressamente sublinha que "0 condenado que cumpre a pen a em regime fechado ou semi-aberto poded. remir, pelo trabalho, parte do tempo de execu<;ao da pena". A contagem se da a razao de urn dia de pena por cada tees dias de trabalho.

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144 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

muitas delas contam com esse recurso para manter a familia (lembremos que as pesquisas apresentadas revelam que 60% dessas mulberes constituem a principal fonte econ6mica no lar).'"

'Uma de nossas entrevistadas salienta a necessidade de salmo para as mulheres que tern filhos - diferentemente dela, que precisava do dinheiro para pequenos gastos, como comprar presen­tespara as sobrinhas e ajudar a irmii na manutenc;:ao das filhas:

"Tipo as~im" nao ,tanto comigo, porque eu nao me irnporto ... assirn comigo, porque eu nao tenho filho, eu sou nova ainda, ne, eu naopreciso de manda 0 dinheiro pra rua, mas tantas maes, ne, as maes que tern sofrido, tern cinco filbos, trabalham, ja ganha pouquinho pra manda pros filhos hi fora, acho que nao tern condic;:6es de d3. 130, 120 por mes, neT'.

A epoca das entrevistas, 0 valor Hquido do salmo, apes os descontos, variava de 75 a 150 reais, respectivamente incrementado mais tarde para 160 e 200 reais."

No comec;:o desta pesquisa mencionamos que todas as entre­vistadas trabalharam antes de serem presas. Essa caracteristica nao corresponde exc1usivamente ao grupo selecionado, constituindo 0

perfil da populac;:ao prisional." Apes 0 ingresso naprisao, nenhu-

87 Rouve urn pequeno incidente, bastante semelhante a uma greve, durante a epoca da pesquisa. Teria sido motivado pela insatisfac;:ao das mulheres trabalhadoras em func;:ao dos descontos aplicados para o pagamento do pessoal de apoio (que, suspeitavam, seria maior que 20%), As rec,lusas trabalhadoras I'egaram-se a' ingressar nas oficinas de trabalho ate que a diretora conversasse com elas. Ap6s ela esclarecer 0 limite dos descontos, 0 incidente foi acalmado e nao assumiu maiores proporgoes.

88 De acordo com informac;:ao recebida ~m janeiro de 2003. 89 Diversas pesquisas desta'caf\' a condi';ao de trabalhadores daqueles

e daquelas que estao na prisao. V. Caldeira Brant que, em estudo que tern por referencial 0 universo masculino, conclui que apenas 1 % dos detentos nunca ti-abalhou, tomando claro que os presos nao sao "originariamente vagabundos". No caso das mulheres. 0 Re­lat6rio de Pesquisa do Coletivo de Feministas Lesbicas (ob. cit. p.

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CONCEPc::;6ES E EXPEC-TAT1VAS DAS MULHERES 145

rna delas deixou de trabalhar, embora nem sempre participassem de atividades reconhecidas oficialmente, pois a rotina de obtenc;:ao de emprego tern uma dinamica propria, as vezes demorada,90 mesmo com priiticas que nao lhes concedia a remic;:ao da pena, como a prestac;:ao de servic;:os informais para colegas de cela, para as quais lavavam, passavam, faziam doces etc. Apesar do empe­cilho relativo a remic;:ao, 0 exercicio do trabalho se manteve porque garantia urn retorno econ6mico concreto.'l

A valorac;:ao do trabalho como meio de obtenc;:ao de liberdade conjuga-se com a importancia que tern essa atividade para 0

trabalhador por garantir sua subsistencia, e nessa intersec;:ao se confundem os interesses do trabalhador na prisao com os daquele que se encontra no meio livre. Porem, a aproximac;:ao de interesses e relativizada quando percebemos que a condic;:ao de subsistencia

13), sobre a prisao do Tatuape, revela que 80% das mulheres presas , entrevistadas declararam trabalhar antes da prisao; "0 unieo dife­rencial percebido e que a- maioria exercia trabalhos desqualificados e mal remunerados (dome-stitas. auxiliares, ajudantes gerais, bal­conistas), apenas 6% eram donas de casa e 3% afinnaram que tinham como ati vidade 0 roubo", Ana Maria Vasconcelos Melo e Miriam Coutinho -de Faria Alves confrrmam esse panorama ao destacar que, "contrariando 0 senso comum [ ... J 80% das intemas tinham emprego regular por ocasiao da prisao (feirante, openlria [abril, lavadeira, cozinheira). Duas tiveram trabalho anterior de escrit6rio e atividades empresariais. As que apresentavam hist6ria de vida como donas de casa sempre descrevem 0 trabalho como lavagem de roup as, venda de [rutas, paralelo as 'prendas do lar" (Revisitando a Lei de ExecU1;5es Penais em Sergipe: A cidadania feminina em questao, De gente a gente so tem b nome. A mulher no sistema penitencidrio em Sergipe, Sao Crist6vao/Aracaju, Editora UFSlFunda~ao Oviedo Teixeira, 2001, p. 72).

90 0 tempo de espera pode variar de quinze dias a dois meses, tudo depende do mlmero de intemas que precedam a candidata e das vagas oferecidas nas firmas.

9( Essa era a situa<;ao de Ana Paula quando a entrevistamos. Ela nos disse: "Qualquer trabalho, qualquer servi~o ... varro, passo pano .. " pinto, qualquer coisa eu fac;:o [ ... J, lavo roupa das meninas [as outras colegas de cela ou de outras celasl. porque eu furno, ne. e precisa arruma urn cigarro, urn creme de cabelo". Tais ocupa<;oes sao pagas, potem nao contam para efeito de remigao.

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146 A MULH.R ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

difere da do senso comum, porquanto seu carater utilitario nao se vincula ao lucro nem ao consumo '(a~ menos nao exclusivamente), mas It possibilidade de afasta-los da realidade e de lhes ocupar 0

tempo livre. 0 tempo ocioso pode se converter no pior inimigo do recluso, nao s6 porque no entender das autoridades sugere vadiagem e fracas so do tratamento ressocializador, mas tambem porque favorece 0 envolvimento em ilegalidades.92

'0 trabalho penal faz parte da vida da maioria das mulheres presas. No primeiro momento, antes do encarceramento; no segun­do momento, quando ingressam no presidio e, como ainda nao foram empregadas, exercem atividades nao reconhecidas oficial­mente; e, por fnn, no terceiro momento, quando, jii empregadas, seu trabalho come~a a ser contabilizado para a remi~ao e valorizado pelas funcionarias da PFC, responsiiveis pela recomenda~ao da concessao de beneficios penitenciarios, como a progressao de regime, 0 livramento condicional, indultos etc.

A fim de ampliar nosso entendimento sobre as imagens que as mulheres pres as constroem sobre 0 trabalho, devemos nos perguntar: qual e 0 significado de ser preso ou presa? E sera possivel ser trabalhador no ambiente da prisao?

3.4.2 0 poder da eaneta

"Ao condenado e aD internado seriio assel;urados todos as djreitos niio atingidos pela- senttm~a ou peia Lei."

" (art. 3,· cia LEP)

"A disciplina consiste na colaborar;iio com a ordem, , ,

lIa obediencia as detemljr:Qt;Oes' das autoridades e seus agentes e 110 desempelllLO do trabaillo."

(art. 44 da LEP) \ ,

92 Mariana comenta. criticando a falta de emprego no centro de deten~ao provisoria: "La voce flaD faz nada. voce passa 0 dia inteiro sem fazer nada, voce s6 pensa em besteira. 56 maldade, s6 con versa na rodinha... s6 conversa maldade".

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CONCEPQOES E EXPECT ATIVAS DAS MULHERES 147

Vma caneta. "Instrumento com que se escreve It tinta"," que, no uni verso prisional, adquire urn significado paradoxa!. Quem desconhece 0 cotidiano dos presidios, dificilmente entendera como uma caneta pode ter tanto poder e, menos ainda, como ela pode provocar pavor.

o "poder da caneta"94 faz referencia Ii faculdade que a legisla~ao de execu~ao penal outorga aos funcionarios penitenci­

. arios, que, por intermedio da elabora~ao de laudos," tern 0 poder dedeterminar as condi~6es de inserc;:ao das pessoas presas, reper­cutindo no tempo que permanecerao na prisao. Esse poder, que em muitos casos foge da racionalidade do senso comum, insere­se no dia-a-dia da prisao e deixa marcas impactantes no compor­tamento dos reciusos, as quais definirao 0 grau de adequa~ao It estrutura prisional, suas regras e condicionantes, fenomeno que na doutrina se denomina "prisioniza~ao".

Com esse poder instala-se uma "disciplina fora de hora"'· baseada na categoria de ordem (cujo significado e interpretado

93 Defini9'o extrafda do Diciomirio Aurelio. Seculo XXI [vers.o CD­ROM].

94 Essa frase foi emitida por uma de nossas entrevistadas, quando nos explicou que, "se it diretoria geral, a disciplina, 0 curso de reabilita9'0, a psic6loga, a assistente social, a dire9'0 geral do sistema, se eles quiserem me ajuda, eu sou ajudada.- Mas se por urn acaso uma dessas pessoas, que faz parte do grupo para me dar o laudo, nao estiver de comum acordo, nao estiver ... assirn, contente comigo ... decisao desfavonive!. Ai assina a diretora gera!. Ai fica aquilo, ne". Em outro momento, ela acrescenta: "Tudo delas [das funcionorias] e na caneta. Ent.o elas [ ... ] dependendo do que voce e, falam a meu respeito no final de seu dia de trabalho... [af] vai pra urn caderno [e] no final do mes elas faz uma analise entre voces [elas] e manda pro juiz [ ... ]. Entao voce ferra com a minha vida. Ent.o n6s temos medo desse detalhe". Finalmente afmna que, se a presa do "uma de gostosa, fica nervosa com ela [a funcionaria]. ela me ferra. Ela naD vai me agredir fisicamente, mas ela tern 0

Poder da Caneta". 95 Arts. 66 e 67' do Regimento Interno Padr'o. 96 As regras no trabalho e, no geral. as regras que regem todo 0 carcere

impoem rfgida disciplina e constante prOYOCac;aO, porquanto deri­yam de uma intolerancia inconsistente que reflete em absurdos como

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148 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVQ

sUbjetivamente. visto que nao existe defini<;:ao formal do termo). que se manifesta como constante "provocac.;ao" e se imp5e, nao pelo respeito. mas pela for<;:a da caneta.

Alessandra descreve com lucidez a mediocridade que sustenta esse "poder de autaridade":

"Ul fora elas [as funcionarias] nao sao nada. elas nao sao ninguem. N a minha mente e assim: elas nao significam nada pra ninguem e aqui dentro elas quer da uma de forte ... etas .... entao nos somos 0 ponto' fraco. entao elas quer pisa. elas quer humilhii. Elas nao trata a gente de igual pra igual. com respeito. com educa<;:ao. ta entendendo? elas so exigem isso da gente. Entao as vezes a gente respeita elas. [mas] nao e que a gente respeita elas. a gente tem medo 'da caneta delas·. Nao e que a gente respeita. E diferente de meu caso com voce. eu te respeito porque voce me respeita. ta entendendo? [ ... ] Mas a maioria aqui dentro nao funciona dessa fonna".

As intera<;:oes no carcere. mesmo feminino. se reproduzem pela regra do medo. ou seja. a doutrina de premios e castigos e reconstrufda na sua versao mais pervetsa. visto que nao se apela ao estimulo, mas a coer<;:ao, para produzir alteragoes na conduta das pessoas. A disciplina converte-se ent[[o emmecanismo justi­ficado para 0 incremento do sofrimento.

As prisoes se inserem no conceito de "instituigao total" e se caracterizam por manter uma dinamica de intera<;:ao distinta da sociedade livre. Segundo Erving Goftman,. "0 aspecto central das instituigoes totais 'pode ser descrito Como a ruptura das barreiras que comumente separam as [princ,ipais] esferas da vida [materi­alizadas no dormir.brincar e trabalhar]. Em primeiro lugar, [nessas

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a proibi'Sao de if ao banheiro em horario de trabalho, sob a ameac;a de san~ao disciplinar. A sanr;ao disciplinar (cuja conseqUencia pade ser nefasta, pais pade impedir a obten<;ao de beneffcios peniten­chiries) e 0 argumento que modula as relac;oes de pader entre as mulheres presas e as funciomlrias do presidio..

1 CONCEPC;:OES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES 149

institui<;:oes] todos os aspectos da vida sao realizados no mesmo local e sob uma tinica autoridade. Em segundo lugar. cada fase da atividade diaria do participante e realizada na companhia imediata de um grupo relativamente grande de outras pessoas, todas elas tratadas da mesma forma e obrigadas a fazer as mesmas coisas em conjunto. Em terceiro lugar. todas as atividades diarias sao rigorosamente estabelecidas em horarios [ ... ] e toda a sequencia de atividades e imposta de cima, por urn sistema de regras formais expHcitas e [par] urn grupo de funcionarios. Finalmente. as varias atividades obrigatorias sao reunidas num plano racional tinieo. supostamente planejado para atender aos objetivos oficiais da institui<j,:3.o".97

Assim, as prisoes se caracterizam pela perda de controle sobre o proprio espa<;:o, situa<;:ao que gera instabilidade emocional. mesmo tratando-se de adultos; bem como pela despersonaliza<;:ao dos individuos, que perdem sua identidade para se reconhecerem entre si, e entre 0 grupo de funcionarios e autoridades, a partir de ntimeros, vinculados a urn tipo penal (ou seja, a~numera<;:ao de urn artigo no Codigo Penal). Como ja indicamos, tais espa~os tambem se distinguem pela disciplina rigorosa e por regras incom­preensiveis. A descri<;:ao que faz Goffman e especialmente latente nas relagoes de trabalho.

De acordo com 0 testemunho de Irene, 0 controle institucional, insignificante na aparencia, e muito complexo porque "envolve a psicologia das pessoas". Por meio de ameagas de potencial demis­sao (ou bonde ),9' as funcionarias controlam a atuagao das presas, evitam que apresentem qualquer redama<;:ao ou se desalinhem das regras. par mais absurdas que sejam.

As normas de execugao penal que guiam a vida no carcere nao devem restringir mais direitos que aqueles expressamente limitados pela sentenga de condenagao. Por essa razao. a rotina de trabalho

97 Manicomios, pnsoes e conventos, Sao Paulo, Editora Perspectiva, 1996, p. 17.

9B E 0 traslado de urn carcere a outro, quer por solicita'l=ao de segura (pedido de protec;ao e isolamento celular por risco de vida). quer por implantac;ao de castigo.

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150 A MULHER ENCARCERAoA EM PACE 00 POoER PUNITIVO

deveria ser semelhante it do mundo em liberdade, porem multiplas e fastidiosas regras convertem-no em atividade mon6tona, pouco estimulante e opressora. Uma das normas no interior das oficinas e 0 silencio. As mulheres sao proibidas de falar com as colegas, e sao punidas caso 0 fa~am. Mais de urn seculo depois, continua vigente 0 moi:!elo disciplinar de Auburn, baseado no isolamento celular notnmo e no silencio absoluto durante odia. Espera-se que essa forma de trabalho proporcione uma transforma~ao nas atitudes na rec!usa, por constituir uma especie de "terapia ocupacional" ou "Iaborterapia" .

Ha ainda urn outro fator que condiciona 0 trabalho - e 0

cotidiano - na prisao, alem do silencio, das multiplas e pequenas regras, da monotonia, da rigorosidade da discipIina, da desperso­naIiza~ao e da perda de autocontrole: referimo-nos it limita~ao do acesso it informa~ao. Goffman af"mna que, "assirn como ba res­tri~oes para conversa entre as fronteiras, ba tambem restri~oes it transmissao de informa~oes, sobretudo informa~oes quanta aos pIanos dos dirigentes para os internados. Geralmente, estes nao tern conhecimento das decisoes quanta a seu destino".99 Confirmando essa afirma~ao, Alessandra nos disse:

"0 ser humano e falho ... , de repente urn monte de gente ... , e ai fala assim: 'A Alessandra fez tanto isso e fez tanta coisa no passado, sera que ela merece esta chance?'. Entao quer dizer, quando voce entra aqui dentro, voce esta na mao do outro, voce nao tern esse tipo [de controle], voce nao sabe 0 que pode acontecer".

As pres as nao podern preyer 0 que acontecera quando se trata das funciolllirias, porquanto as regras que definem seu comporta­mento sao desconhecidas da mas-sa carceriiria, a despeito de interferirem diretamente na vida das \recIusas. 100 Essa ignorancia

, 99 E. Goffman, ob. cit. p."20. 100 Em alguns presidios e praxe aplicar pum~oes sem informar oem

justificar as raz5es da medida, sob a premissa de que "0 preso sabe o que ele fez" (declara~ao da diretora de um estabelecimento penitencic1rio masculino, quando perguntada sob~e demlncia de urn

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CONCEPQ,OES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES 151

persistente gera desorienta~ao e estirnula, ainda rnais, a docilidade como valor absoluto. 0 trabalho se converte em gerador de presos d6ceis, "conseqiiencia da mecaniza~ao da atividade e das desiguais rela~oes de poder".IOl Nas prisoes femininas, 0 valor"docilidade" adquire significa~ao especial na medida em que tenta reproduzir os padroes "femininos" como regra de conduta. A nao-adequa~ao a esses padroes provoca maior repressao por gerar 0 entendimento de que se pretende fugir do rnodelo de "muiher normal", e pode redundar em avalia~ao negativa no tocante aos laudos de tecnicos e funcioniirias penitenciiirias.

Colette Parent, mencionando Krusttschnitt, destaca que "0

controle penal nao opera de forma isolada, mas em conjun~ao com diferentes controles, tanto formais como informais, que contribuern para manter a 'conforrnidade' das pessoas".I02 A maioria das entrevistadas nao teve problemas de, adequa~ao, porem duas delas sofreram alguma repressao por apresentar cornportamento que fugia do prot6tipo de docilidade e por se atreverern a recIamar por seus direitos.

Trabalhar em urn presidio, em principio, significa perder 0

autocontrole da pr6pria vida, adequar-se a regras e a princfpios desconhecidos ou incoerentes; significa tamMm interagir com 0

mundo por meio do medo, do isolamento, for~ar-se a perder 0

espfrito de colabora~ao e nao demonstrar solidariedade - apenas sobreviver. Todavia, nessas circunstancias adversas, 0 trabalho tamMm pode ser valorizado, primeiro, porque perrnite esquecer os problemas e a realidade da prisao e, segundo, porque se aproxima da liberdade, segundo as perspectivas das recIusas.

recluso). Relat6rio de Visita de Organiza~6es da Sociedade Civil nos Presidios do Vale do Parafba, em 4 de abril de 2003, mimeo. Essa postura descumpre a art. 59 da LEP, que sanciona a seguinte: "Praticada a falta disciplinar. devera ser instaurado 0 procedirnento para sua apura~ao, conforme regulamento, assegurado 0 direito de defesa". Ver tambem Alberto Silva Franco, C6digo de Processo Penal e sua interpreta~iio jurisprudencial, Sao Paulo, RT, 2000, vol. 2, p. 3.272 e 3.273.

lOl Maria de Nazareth Maud Hassem, ob. cit. p. 66. 102 C .. · Parent, Feminisme et criminoiogie, ob. cit. p. 129.

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152 A MULHER ENCARCERADA EM FACE 00 PODER PUNITIVO

Ocupa igual destaque na valorac;:ao das funcionarias e autoridades, tendo em vista que estimula a doc iii dade e possibilita 0 exercicio de maior controle sobre as presas.103 Se a demanda por emprego for maior, as trabalhadoras consideradas privilegiadas tentarao conservar seus postos de trabalho, mesmo se isso implicar desa­tender ou desprezar os proprios direitos.

o que se pode conc1uir em face do exposto e que 0 trabalho prisional se realiza sob padroes muito distintos daqueles que regem a sociedade dos homens livres, visto que a dinamica do funcio­namento da prisao impoe condic;:oes peculiares e de difkil equi­parac;:ao as do mercado.

3.4.3 Vincula<,;1io das mulheres com a familia

"Constituem direitos do preso: I .. J visita do c6lljuge, da companheira, de parentes e amigo!> em dias determinados."

(art. 41, inc. X, da LEP)

Como indicamos uo comec,;o do Capitulo 3, uma das principais preocupac;:oes da presa e sua familia. Contudo, paradoxalmente, ela sofre maior abandono familiar apos ingressar no carcere. Gladys Tinedo salienta que a mulher na prisao e menos visitada que 0

homem pelos familiares, que em geral se sentem envergonhados de terem uma filha, uma irma ou a mae presa. 104

A maioria das mulheres que entrevistamos manteve vinculos estreitos com os familiares, porem tres delas nao recebem visitas ou porque os parentes vivem em localidades distantes do presidio (em dois casos, afamnia e provenien\e do interiore sao todos muito

t03 Em con versa informal, uma func'ionaria sublinhou que a polftica de emprego na PFC buscava atender a maioria das reciusas, porem nao a totalidade, vi{;to que certa -·m'argem de desemprego provocava maior valorac;;:ao do proprio trabalho e permitia sua realizac;;:ao com empenho incrementado.

104 Mujer, careel y derechos humanos, Capitulo criminol6gico (edic;;:ao especial), Maracaibo, Instituto de Criminologfa Lolita Aniyar de Castro, 1995, p. 349.

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CONCEPQOES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES 153

pobres para pagar a locomoc;:ao; no outro, a familia vive no estrangeiro) ou porque tem vergonha de recebe-Ios dentro do carcere. 105 Interessa-nos destacar que 0 estigma que normalmente cerca a mulher se origina nao so do exterior, mas igualmente do proprio interior da reclusa, que nao aceita a prisao e pretende proteger os que ama afastando-os, possivelmente para justificar a rejei~ao que 0 carcere provoca.

Nenhuma das entrevistadas trabalhava para mandar dinheiro para os filhos ou para os pais. Talvez essa atitude se deva ao fato de 0 valor recebido ser muito reduzido, insignificante para a manuten~ao de uma familia. 0 salario que as presas percebem e empregado principalmente na auto-sustentac;:ao dentro do presidio. Apesar de essas mulheres nao desempenharem 0 papel de prove­doras,106 elas continuam a valorizar os vinculos familiares e a narrar as expectativas futuras ligadas a eles, mesmo quando 0

distanciamento e outros fatores provocaram 0 abandono. Entretan­to, a realidade descrita nao e representativa do contingente popu­lacional prisional feminino, pois, apesar da remunerac;:ao insufi­ciente pelo trabalho que exercem, muitas mulheres mantem a func;:ao de provedoras no contexto familiar. Maria destaca que:

"a maioria das pessoas [ ... ] nao tem condic;:oes, vivem desse trabalho, e [as firmas] nao consideram, e demitem ... e demitem sem considerac;:ao nenhuma, sem considerac;:ao nenhuma de que essa pessoa tenha otima conduta, um minima erra e terrlvel".

No que tange as mulheres, a famnia, como categoria, constitui um elemento de avaliac;:ao do potencial de reabilitac;:ao, visto que

105 «A minha familia e toda muito certinha, eles morrem de saudade, meu pai tava chorando outro dia ... e tern vergonha de vir par causa da revista. Ele chorava, ele ta ve1hinho. A minha tia ... e como se fosse a minha mae ... , tam bern chora, eia tern 83 anos. Ela chora, ne! e nao tern coragern."

106 Maria de Nazareth Maud Hassam comenta que nos presidios masculinos a dignidade e a valora<;::ao pessoal dependern da qualidade de provedares da famllia (ab. cit. p. 49).

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154 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

"as responsabilidades familiares representam certa garantia de 'conformidade', de 'integraC;;ao social"'107 Nao obstante as cargas familiares nao terem sido sublinbadas pelas entrevistadas, chamou

. nossa atenc;;ao 0 fato de algumas buscarem reaproximar-se de filhos 108 e parentes que se distanciaram quando da inserC;;ao das reclusas na ilegalidade como forma de se redirnir do proprio crime. Em todos os casos, as familias nao estavam vinculadas ao crime, e na prisao aquelas mulheres sentiam que precisavarn estabelecer lac;;os mais estreitos.

Joana comenta:

"As unicas coisas que eu quero reparar e 0 arnor de meus filhos. Eu nao consigo ... eu na~ consigo porque eles deve ter tido muitas horas querendo que eu ta hi e eu nunca estava, enta~ eles estao [chateados], eu ... , vai demorar pra mim conseguir".

Ana Paula por sua vez destaca:

"A minba vida e pensa. A minba vida e pensa porque eu penso... dependendo do tempo que eu for fica aqui dentro, muitas coisas la fora va~ muda, entendeu? Entao eu quero ... 0 tempo que eu fique' longe de minha familia ... , que eu [pague 1 0 que eu devo mais nipido 'pra rnim recuperar aquele tempo".

A familia constitui urn referencial incontornavel que permite suportar as condic;;oes de vida e 0 transcorrer, do tempo no carcere.

101 C. Parent, ob. cit. p. 132. 108 Embora n1\o terrhamos abordado a separa~ao de maes e filhos, nao

podemos deixar de mencionar que esse e urn dos problemas de maior complexidade no carcere de mulheres e que ocasiona maior sofrimento. A Constitui~ao Federa~ e a LEP (ver capitulo 2, item 2.3) garantem It mulher pres a a permanencia com seus filhos durante o perfodo de amamen'ta"9ao, que se estende ate seis meses. Cumprido esse prazo, as filhos serae entregues a familiares Oll, na falta destes, a institui~6es de abrigo It crian~a. Ver Claudia Stella, As implica~6es do aprisionamento materno na vida dos(as) filhos(as), Revista Brasileira de Ciencias Criminais, Sao Paulo, RT, n, 34, 2001.

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cONCEP<;:6ES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES 155

3.4.4 Suporte economico dentro e fora

"0 trabalho do preSQ sera sempre remullerado,

sendo-lhe garantidos as benejfcios da Previdencia Social." (art 39 do CP)

"0 trabalho do preso sera remunerado, mediante previa fabela, nao podelldo ser inferior a tres quartos do sa16rio minimo."

(art. 29 da LEP)

Todas as mulheres entrevistadas trabalhararn antes da prisao e algumas estavam trabalhando no momenta da detenC;;ao. Como ja mencionamos, tanto homens como mulheres possufam a con­diC;;ao de trabalhadores antes de serem presos. Esse dado contraria o preconceito no imaginario popular de que todo preso e vadio e desconbecedor da disciplina do trabalho.

Entretanto, cabe destacar que as profissoes ou os offcios exercidos anteriormente se encaixam em trabalhos proprios das camadas mais pobres da sociedade. Segundo dados fomecidos pela FundaC;;ao Seade, 16,63% das mulheres na PFC trabalhavam como domesticas antes, 18,89% trabalhavam com prendas domesticas, 4,11 % eram estudantes, 3,49% estavam empregadas como faxinei­ras, 3,29% como baiconistas, e a porcentagem restante ocupava outras func;;oes de baixo rendimento (caixa, feirante, manicure, vendedora arnbulante, recepcionista, enfermeira, copeira etc.).

A rnaioria das entrevistadas cometeu a conduta delitiva por motivac;;oes economicas, embora nem todos os casos tenham sido justificados por carencia economic a ou por falta de recursos para sobreviver ou manter a familia. A etica de provedor - consoante a qual os indivfduos visam como meta pessoal 0 provimento pessoal ou familiar - nao foi destacada como argumento para justificar 0 cometimento de crimes. Contudo, todas identificaram a atividade laboral como instrumento legftimo de provimento, apesar de sublinharem que 0 produto daquele trabalho era insu­ficieute para atender a tal necessidade.

. Sera que 0 pagamento reduzido se justifica de maneira a estimular que a fun~ao educadora do trabalho nao tenha mais valor

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156 A MULHER ENCARCERAOA EM FACE DO POOER PUNITIVO

que a fun<;ao economica?Essa interpreta<;ao estaria de acordo com os dispositivos das normas de execu<;ao penal que sugerem a preeminencia do trabalho educador. Entretanto, a realidade se distancia dos desejos da lei, visto que autoridades e funcionanas privilegiam os criterios economicos em vez dos educativos. Para conservar 0 trabalho, a rec1usa deve se ajustar a um nivel deter­minado de produ<;ao (diaria ou mensal, variavel segundo a firma), mesmo que a necessidade de atingir esse limite impe<;a a presa de realizar ati vidades ed ucati vas rnais pertinentes it pretendida reintegra<;ao.

Maria comenta a respeito:

"A maior represalia que eu tenho recebido tem side simplesmente por estudar na escola ou por tentar fazer terapia com uma psicologa aqui no grupo e por fazer um curso [ ... ]. Disseram que eu estava saindo muito, que nao estava conseguindo produ<;ao, enta~ a represalia era psico­l6gica, ne? '[Voce] vai ser demitida' ... '[Voce] nao esta trabalhando'... 'Todas suas colegas estao rec1arnando'. Mentira, nenhuma de minhas colegas reclarnava ... [ ... ] E me derarn a escolher entre a terapia e 0 curso, as duas coisas nao poderia fazer".

Portanto, a l6gica empresarial e deobten<;ao de lucro e priviJegiada em face do interesse do Estado no desenvolvimento de atividades que pretendam proporcionar a reintegra<;ao social da condenada. '.

, Parece-nos, contudo, que 0 trabalho desenvolvido nos presidios

nao aponta exc1usivamente 0 mercado como principio capitalista, ja que sua importancia nao reside '{los reflexos na economia geral, mas nos efeitos sobre 0 indivfdtio. No modelo capitalista, busca­se transformar os inclivfduos "desajustados" em pe<;as da engre­nagem do sistema, para de~sa forma fabricar indivfduos maquinas e tambem proletanos. Foucault insiste em que "0 trabalho penal e util pela constitui<;ao de uma relac;:ao de poder, de uma forma

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CONCEPCOES E EXPECTATIVAS OAS MULHERES 157

economica vazia, de um esquema de submissao individual e de seu ajustamento a urn aparelho de produc;:ao" .10'

Voltamos a afirmar que 0 direito penal, por meio de suas tecnicas disciplinares, atua como mecanisme reprodutivo do que e considerado "normal" - a normalidade entendida como argumen­to para reforc;:ar a situac;:ao de exclusao e discriminac;:ao previa it detenc;:ao, e que se prolongara no retorno ao convivio socia!.

Resta examinar como a "condic;:ao economica" interfere nas relac;:5es das mulheres no ambiente do presidio. A recomendac;:ao dos estudos feministas que abordam a problematic a da mulher criminalizada defende a necessidade de localiza-las na prisao nao como "criminosas", mas como gropo social, polftica e economica­mente subordiuado a urn modelo patriarca!. Porem, algumas entre­vistadas demonstrararn certo grau de dificuldade para se identifi­carem como grupo (0 de mulheres presas), e em diversos momentos da entrevista ressaltararn que nao se viarn como parte do universe das detentas. I10 Acreditamos que is so se deve ao fato de as entrevistadas que menciouamos pertencerem it c1asse media, e nao estarem inseridas na iJegalidade ou na marginalidade. III Nesses

109 M. Foucault, Vigilar y castigar, ob. cit. p. 204. lIO Maria nos disse que, na prisao. uaqui existem regras, e as presos

tern suas regras, mas regras a partir de palavras ... que se tern que cumprir. E se eu digo que vou lhe pagar numa data eu tenho que cumprir ... Existe uma regra interna, e eu acho que isso tarnbem e parte da moral de 'eles', nlio?". Julia, por sua parte, ao comentar conosco urn fatD ocorrido entre as mulheres ptesas e a diretoria, tamMm salientou: "Acontece que as meninas [colegas de !rabalho] acharam ruim. Que que elas fizerarn?' Fizerarn uma pequena paralisa<;iio! Foi burrice!, porque nos que estudarnos nos sabemos que a ... nao existe isso. Cada urn tinha que ir com sua firma, formar uma comissao e if na frente da doutora pra conversar, naD e?". Adiante, ela mesma diz: "A gente aqui tei convivendo com pessoas das piores especies aqui dentro", e afirma: "De repente tantas reunidas. ha ... COnversa de uma forma diferente, que a gente esta acostumada em casa, e urn palavreado aqui totalrnente diferente, voce con versa com urna pessoa assirn, como tern umas que voce encontra ai. que elas conversam que as vezes voce nao entende".

ill Pretendemos dizer que. embora as mulheres tenham praticado as condutas "criminosas", elas nao teriam feito do crime uma profissao.

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158 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO pnnER PUNITIVQ

casos, as condutas que as levaram a prisao teriam sido ocasionaisll2 ou medianamente aceitas pelo entomo social. 113 No entanto, enten­demos que essa atitude pode representar urn mecanismo de defesa para impedir que a prisao as mimetize, isto e, absorva sua identidade ("diferenciada", segundo elas) e as equipare aquelas que com efeito se encaixariam no estereotipo de "criminosas" ..

3.4.5 Desilusao versus esperan\;:i

"A execu~iio penal tem por objetivo eletivar as disposi{:oes da senten~a ou decisiio criminal e proporcionar condi~{jes para a Izamlonica· integrari'io social

. do condenado e do internado." (art. 1.° da LEP)

Pavarini revela que, desde 0 surgimento do ciircere, pensOli­se na melhor forma de tratar os detentos, a fim de que 0

comportamento destes concordasse com as exigencias de controle e de disciplina intemalinstitucional. Mosconi 114 acrescenta que esse foi 0 principal ponto que motivou a discussao sobre 0 modeio carceriirio mais efetivo a ado tar;

Para autores mais ceticos, 0 conceito de tratamento (se e que alguma vez existiu) nao tern existencia real. Consiste em urn vazio que permite 0 usa de modelos de base religiosa, militar ou pedagogica, ou ainda medica e psiquiiitricaY' Trata-se de urn mito que, sob a aparencia de amabilidade, preocupada com 0 futuro do sujeito, com sua reabilita«ao e ressocializa«ao, serve para dissi-

112 Como nos casos de Maria e Isabel, presaS"por terem cometido tnifico de entorpecentes ~ homicfdio. respecti¥amente.

Il3 Como 0 caso. de Julia, praticante "de diversos estelionatos. Em urn momenta da entreyista, ela comentou: "[La fora] eu abri uma empresa minha, minha. Uma empfesa linda, rnaravilhosa, num bairro nobre de Sao Paulo [ ... J. r.:6gico que sempre fazia uma coisinha ou outra errada;isso e eviderite. porque na compra e venda sernpre se tern uma cois"a: ''ou outra errada";

U4 Giusseppe Mosconi. Paradojas y antinomias del concepto de tratamiento. Tratamiento penitenciario y derechos humanos, Bar­celona, Bosch, 1994, p. 158.

liS Georges Ostapzeff e Jean,Rene Lavoine, ob. cit.p. 133.

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CONCEPC;;OES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES 159

mular a real inten«ao de eliminar 0 condenado, quer uniformizando sua personalidade a do modelo social, quer neutralizando-o ou destruindo-o aos poucos.

Com 0 desenvolvimento da criminologia clfnica, 0 tratamento penitenciiirio passou a ser compreendido como urn trabalho cientffico de equipes profissionais dedicadas a medir e valorizar o grau de readapta9ao dos infratores. De acordo com essa perspectiva, a atividade crirninosa baseava-se na condi«ao de periculosidade do delinqiiente e, por isso, 0 tratamento deveria apoiar-se na terapia psicologica, no tratamento medico,:('inmlco­logico e social-terapeutico, sem que fosse necessiirio 0 consenti­mento do presoY6 Essa teoria considera a ressocializa«ao urn processo de identifica«ao do individuo com 0 esquema de valores e normas do grupo (fun«ao pedagogica). 0 modelo em quesillo nega a possibilidade de autodetermina9ao ao tentar uniformizar as pessoas sob urn unico padrao de conduta, configurando a aceita«ao plena do status quo atitude totalizante que desconhece a individu­alidade do ser humano e 0 objetiviza.

Jii no come«o da decada de 80, muitos criminologos foram uniformes ao afmnar 0 fracas so dos modelos de tratamento medico, sociologico, terapeutico, juridico, entre outros, como conseqiiencia da decep«ao diante do restrito progresso na redu«ao dos indices de reincidep.cia. Alguns chegaram a sustentar que "quanto menos se trate, melhores resultados serao obtidos";111 propuseram-se entao a redu«ao imediata dos efeitos demolidores da prisao e a hegemonia das garantias e princfpios dos direitos humanos."8

116 Hans-Heinrich Jescheck, Nueva dogmatica penal y politica criminal en perspectiva comparada, Anuario de Derecho Pen(ll y Ciencias Penales, Madrid, Instituto Nacional de Estudios Jurfdicos, 1986, vols. 39-2, p. 25-26.

117 Lolita Aniyar, ob. cit. p. 486. 1(8 A realidade confirma a necessidade de repensar 0 argumento da

finalidade ressocializadora do tratamento nas pris5es. Essa situa,ao e percebida por uma de nossas entrevistadas, quando destaca que "0 sistema em si ele nao te ajuda em nada, nada! 0 pessoal fala rnuito: 'Ah! Por que voce vai para cadeia voce vai se recuperar .. :'. Nao tern recupera9Qo aqui dentro! Aqui dentro voce e pior cada vez mais. cada vez mais".

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160 A MULHER ENCARCERADA EM FACE 00 PODER PUNITIVO

Assim, para alguns especialistas a ressocializac;:ao e urn con­ceito que ja foi superado, sobretudo no ambito europeu e norte­americano, em face da "quase nula efetividade dos esforc;:os terapeuticos na situac;:ao de privac;:ao de liberdade do preso, do atentado contra a dignidade humana por meio do tratamento obrigat6rio, do reconhecimento do direito a ser diferente de quem nao quer se integrar,da possibilidade deabusos da autoridade pela carencia de garantias jurfdicas [ ... ] e finalmente [dos] custos".lI9 No entanto, outros especialistas acreditam que ele continua a ser urn conceilo valido, pois consideram que a finalidade essencial da pena privativa de liberdade consiste "[n]a prevenc;:ao especial positiva, quer dizer, [n]a ressocializac;:ao do delinqiiente, entenden­do-a como oferta de ajuda para apr,onder a se autodeterminar respeitando a legalidade vigente". 120

No ambito latino-americano, essas antinomias sao igualmente detectaveis. Assim, muitas legislac;:oes em materia penitenciRria adotam 0 tratamento com prop6sito ressocializador, como objetivo da execuc;:ao penal. 121 Mas, apesar de prevista nas normas vigentes, urn grupo de peritos na materia nao hesita em manifestar sua rejeic;:ao, por compreende-Ia como urn absurdo, tendo em vista que "ha duzentos anos as instituic;:oes totais tern efeito deteriorante [na dignidade das pessoas] e reprodutor [de criminalidade] e nunca poderao exercer uma verdadeira func;:ao preventiva".122

119 Hans-Heimich Jescheck, ob. cit. p. 26. 120 Francisco Bueno Arus, La resocializaci6n del delincuente adulto

normal desde la perspectiva del derecho penitenciario, Actualidad penal, Madrid, Editora General del perecho, 1987, vol. 4, p. 245.

l2l A Lei de ExecUl;ao Penal do Brasil (Lei 7.210), .art. 1.0; a Ley de Ejecuci6n de la Pemi Privativa de L,ibertad, da Argentina, art. 1.0; o C6digo de Ejecuci6n Penal, nl? Peru, em seu art. 2.°, todos e!es seguem as Regras Minimas para o'Tratamento dos Reclusos (1957), das Na90es Unidas, § 61. \

122 Eugenio Raul ZaffaroQi, ob. cit. p. 79 .. Para confirmar essa posi9aO, ver Sergio Adorno, Sistema,. penitenciario no. Brasil, Revista USP, Sao Paulo, 1991, vol. 9, p. 70;Marcos Salt, Situaci6n del sistema penitenciario en America Latina, Materiales de reflexi6n de pastoral carcelaria. Lima, Ceas, 1999, p. 101; Vinicius Caldeira Brant, 0 trabalho encar-cerado, Rio de Janeiro, Forense, 1994, p. 142, entre outros. .

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CONCEPC;:OES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES 161

Sob 0 eixo desse questionamento, e retomando 0 conceito de prevenc;:ao especial no sentido formal, como modificador de "con­dutas desviadas", podemos considerar que a ressocializa~ao busca produzir mudanc;:as nas atitudes dos indivfduos, e 0 trabalho constitui-se em uma das ferramentas facilitadoras desse processo. o trabalho disciplinador estimula a obediencia a hierarquia das relac;:oes de poder, as quais definem e intensificam as diferenc;:as entre possuidores e nao possuidores. Logo, a reinserc;:ao no sistema produtivo apresenta-se como 0 premio alcanc;:ado pela submissao.

A legislac;:ao brasileira, nesse panorama antinomicQ,insiste em defender 0 tratamento ressocializador como finalidade da pena privativa de liberdade, porem nos perguntamos sob qual base empfrica se assenta essa pretensao. Para ilustrar os hiatos entre 0

preconizado no texto legal e 0 que efetivamente vivenciam as presas, devemos encarar as expectativas dessas mulheres quando sua condenac;:ao culminar.

o futuro assume diversas imagens para as mulheres na prisao, que variam de acordo com fatores como a proximidade dos fami­liares (e seu apoio emocional e financeiro), 0 suporte profissional que possufam antes da detenc;:ao ou a maior ou menor vinculac;:ao com 0 oficio ou trabalho exercido antes de serem presas. No nfvel pessoal, algumas pretendem retomar 0 trabalho, a escola, os pro­jetos profissionais e, na maioria dos casos, distanciar-se do crime. 123

Nenhuma das entrevistadas desconsiderou 0 estigrna que en­volve 0 carcere (e quem ja esteve nele) e 0 assumem como urn dos onus que enfrentarao quando obtiverem a Iiberdade. Cientes dessas dificuldades, e refletindo sobre esse assunto, questionam a real intenc;:ao do sistema em reincorpora-Ias na sociedade. Uma das entrevistadas se expressou da seguinte forma:

"0 Poder J udiciRrio, 0 sistema em si, ele nao faz nada, absolutamente nada para recuperar 0 preso, tii! Eu falo isso

123 Salvo se acontecer alguma situac;ao excepcional, como declara uma das entrevistadas: USe eu voltar, tipo, s6 volto a roubar se, urn dia. for par causa de meus filhos 'ou meus netos, [s6] se for [par] uma coisa que eu ver que nao· da. Mas eu vou tentar de tudo para mim nao voltar mais".

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162 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODER PUNITIVO

pDf experiencia propria. Quando eu sai do semi-aberto pela primeira vez da minha vida, eu ainda era urn bichinho do mato, mas era muito facil [ ... ] e, se eu tivesse tido urna seguran~a, urn trabalho, e ... toda essa promessa que a gente tern. Quando a gente entra aqui eles [os funcionarios] falam assim: 'ah!, voce tern direito a isso, voce tern direito aquilo .. .', tern ne:' .. , so nas palavras eles falam. Quando chega na hora do vamo ve mesmo, que nada e assim".

As entrevistadas acreditam que qualquer possibilidade de in­serc;:ao dependera unicamente dos esforc;:os pessoais para combater os efeitos nefastos que 0 carcere deixara na vida de cada uma. No entanto, 0 estigrna nao se limita a uma marca futura, que surgira no retorno ao meio livre; ele se forma no plano interno, mediante a recomposic;:ao de codigos de referencia inerentes ao carcere, 'urn dos quais se vincula a cominac;:ao de urn agir individualista e nao comprometido, ou seja: irnpoem-se praticas nao solidarias entre as reclus as. Julita Lemgruber comenta que "ern qualquer populac;:ao de presos a prirneira caracteristica que ressalta e a ausencia de solidariedade completa, resultado das condic;:6es proprias da vida cativa, tambem estimulada pela adrninistrac;:ao, para quem nao interessa uma populac;:ao coesa, pelas diticuldades que apresentaria ern relac;:ilo ao controle que se deseja exercer: .Esta falta de solidariedade e ainda mais sentida ern pris6es femininas, como mostram a literatura e os dados".I24 Nilo nos aprofundaremos nos motivos que regem a pratica reduzida de solidariedade, mas corn efeito isso foi salientado na entrevista' com varias mulheres. Entendemos que a necessidade de obter a liberdade no menor tempo possivel as leva a nao intervir nos problemas de seu entorno,

124 Uma das raz6es do baixo grau de solidariedade entre as mulheres e destacada por Ward e Kasseb~uln, em fun~ao do "menor envolvimento da mulh~r .. Aos chamaclos 'crimes graves au serios' [ ... J e uma hist6ria mais b~eve de confinarriento penal. Ambas as caracterfsticas sao -relevantes para 0 desenvolvimento de 'certa maturidade criminal'. 0 que e decisivo para sustentar normas. como nao delatar, nao demonstrar fraqueza etc." (Julita Lemgruber, ob. cit. p. 93-95).

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CONCEPyOES E EXPECTATIVAS DAS MULHERES 163

mesmo que envolvam abuso e injusti~a. Para a maioria das entrevistadas, 0 principal objetivo e sobreviver a prisao e, para tanto, devem tomar cuidado e evitar intera~oes que possam pre­judicar a consecu~ao dessa meta.

No plano institucional, a incoerencia entre 0 discurso e a pratica provoca confusao e desorienta~ao entre as presas. A norma e as funcionarias declaram a fmalidade ressocializadora da pena de prisao, porem 0 jogo de praticas e papeis no cotidiano intramw:os responde de forma contraria a esse discurso. Privilegia-se a con­serva~ao da ordem e da disciplina, mediante a aplica~ao de regras que despersonalizam e uniforrnizam. Na tentativa de resistir a despersonaliza~ao e resguardar 0 gerenciamento da propria irna­gem, as mulheres buscam investir no cuidado corn a aparencia, o que denota muito rnais do que vaidade ou higiene: trata-se na verdade de urn mecanismo de prote~ao para manter 0 controle de suas vidas e, ao mesmo tempo, para promover a reconstru~ao de sua irnagem ultrajada.

A estrutura prisional exige, por urn lado, que as normas de convivencia tradicionais sejam respeitadas, mas, por outro, 0 sis­tema obriga as detentas a agir corn violencia para sobreviver as intera~oes corn as outras presas. Entre as reclusas, nao e comum uma perspectiva critica, por meio da qual seria possivel enxergar a perversidade e a contradic;:ao das pautas de conduta exigidas. Como resultado, muitas sao punidas por exprimir urn comportamen­to violento (valido entre elas) nas intera~oes corn os distintos grupos que comp6em 0 ambiente do carcere (inclusive os funcionarios).

Finalmente, a imposic;:ao de valores anomalos - como a sub­missao irrefletida, 0 descomprometimento corn o'que se da ao redor eo individualismo - e a pretensao de conseguir readaptar-se a vida livre por intermedio da adaptac;:ao aos valores do carcere conti­guram uma dinamica incompatfvel com qualquer forma de rein­serc;:ao social. Nesse sentido, acreditamos que 0 trabalho penal, entendido no discurso legal como mecanismo transformador de individuos por intermedin do qual se pretende atingir a ressocia­lizac;:ao, e desenvolvido pelas mulheres presas ern func;:ao de diferentes motivac;:6es, ja abordadas, pDfem nenhuma delas se identitica corn esse proposito ressocializador.

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CONCLUSOES I

A prisao e um espa~o onde se confundem cores, classes, personalidades e, em geral, particularidades que identificam

uma pessoa com um grupo determinado. No entanto, a (jnica categoria legitimada para diferenciar 0 conjunto de pessoas presas e a sexual, visto que, na prisao, tudo se mistura, menos os sexos. Assim sendo, e indiscutivel interpretar 0 carcere feminino sob 0

enfoque de genero e, a partir dele, verificar as percep~oes das mulheres sobre a prisao, desconstruindo 0 carater neutral das imagens e' discursos elaborados sobre elas.

Como vimos, desde seu surgimento, 0 carcere separou homens de mulheres, pelo risco que estas poderiam representar, ao exa­cerbar 0 "martirio da abstinencia for~ada" nos homens presos, e nao em face de uma preocupa~ao com a integridade daquelas, ja cedo evidenciando 0 descaso no que dizia respeito aos interesses das reclus as.

Atualmente, 0 reduzido n(jmero de estudos que apresentam 0

perfil do grupo em questao confirma 0 anonimato que envolve as presas, recriando no imaginario popular mitos que cada vez mais se distanciam de estereotipos de fragilidade para assumir carac­teristicas de periculosidade - essa seria uma das razoes do incre­mento da maior sele~ao das mulheres pelo sistema punitivo. Justifica-se, por tal motivo, a persistencia em desvendaras pecu­liaridades dessa popula~ao de modo a facilitar a implementa~ao de politicas penitenciarias' acordes com seus interesses.

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166 A MULHER ENCARCERADA EM FACE DO PODEA PUNITIVQ

o presente estudo ocupou-se da mulher presa em face do sistema punitivo. Para tanto, construiu urn referencial te6rieo baseado na eriminologia feminista e na analise do discurso legis­lativo que idealiza urn modelo de mulher agressora inserida no contexto prisiona!.

Insistimos em observar enos aproximar de nosso objetivo terdo como premissa a perspeetiva de genero, que nos permitiu entender a "ferriinilidade" como construc;:ao paradigmatica que sustenta pn'iticas culturais muitas vezes discriminat6rias; a pers­pectiva dos direitos humanos, por meio da qual reeonhecemos a presa como detentora de direitos; e 0 trabalho, como eategoria que nos permitiu estabeleeer pontes com distintas esferas da vida das mulheres no presidio.

A prisao representa uma caricatura da sociedade em gera!. Por urn lado, trata -se de urn espac;o que reproduz as condic;oes de exclusao das mulheres, segundo vivenciadas no mundo exterior. No entanto, por outro lado, intensifica os defeitos da sociedade de forma perversa, porque, ao controlar todos os aspectos da vida dos individuos e faze-los dependentes de uma autoridade extema, acaba por infantiliza-Ios ao mesmo tempo em que deles exige maturidade para declara-Ios "ressocializados". Nesse ambiente paradoxal, desenvolvem-se atividades laborativas, caracterizadas pela alienac;:ao, a improdutividade, a irracionalidade, a falta de utilidade p6s-prisao, a imposic;ao de relac;:6es de poder desigual e de maior controle da populac;ao prisional, entre outras. Essa situac;:ao faz com que 0 trabalho seja identificado como mais uma das formas de punic;6es do earcere. ,

A ineongruencia entre os dispositivos leg'ais e a percepc;ao das mulheres entrevistadas sobre as intenc;6es do sistema punitivo em ajuda-Ias no trajeto' a sua reinteg~ac;ao e destacada nas suas reflexoes sobre os c6digos de conduta no cotidiano do trabalho e, em geral, nas interac;o~s, com autciridades e funcionarias. Poi conseguinte, nenhuma delas acredita que 0 'trabalho que realizam

, visa "recupera-Ias". No entanto, a maioria delas trabalha em atividades formais e informais, porquanto precis am de recurs os economicos para se auto-sustentarem.

CONCLUSOES 167

A pnsao, como descrita pelas nossas entrevistadas, nao promove transformaC;6es positivas, porquanto atende uma func;ao latente, distinta da declarada na norma, qual seja a de garantir uma gestao diferenciada das ilegalidades, tendo como alvo a contenc;:ao daquelas consideradas populares (propria dos grupos sociais de estratos marginalizados em razao da classe economica, da nacionalidade, da rac;a etc.), motivo por que se deve desmis­tificar a tarefa de reforma-Ia e procurar alternativas a sua existencia.

Se assumirmos que 0 carcere foi criado com 0 intuito de isolar os elementos que a sociedade acredita serem prejudiciais para sua subsistencia, devemos reconhecer que ele reflete 0 modelo de sociedade que 0 sustenta, sendo impossivel promover mudanc;as uma vez que elas nao atendem a necessidade de transformac;oes de dupla via. Nesse sentido, 0 reconhecimento, pela sociedade - compreendendo cidadaos comuns e autoridades -, da condic;ao de dignidade de presos e presas, deve ser priorizado em relac;:ao a qualquer outro argumento, quer relative a seguranc;a, quer a disciplina. Para tanto, devem se pensar caminhos que permitam o exercicio amplo do direito a cidadania, inclusive no contomo da estrutura prisional, de tal forma que mulheres e homens presos consigam, apesar da prisao, sentir-se inseridos em uma estrutura de garantia de direitos, em que a pessoa humana assume um papel primordial e sua realizac;:ao se converte em objetivo do Estado.

Nesse contexto, 0 trabalho exercido na prisao - enquanto ela existir - deve se distanciar das praticas de manipulac;:ao, submissao e imposic;ao de modelos conservadores de feminilidade ou de mulher "normal"; deve passar a ser entendido como urn direito de base constitucional e, ao mesmo tempo, como altemativa de resistencia a degradac;ao do carcere.

o panorama sombrio provoca desestimulo e ceticismo no que concerne as possibilidades de alguem sobreviver a prisao, porem concluimos este trabalho com um olhar otimista, motivado pelo contato com as rimlheres que entrevistamos. Assim, acreditamos na firmeza das palavras de Alessandra quando nos disse:

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"A partir do momenta que eu enfrentei a vida, eu nao vou abaixar a eabe~a. Eu sou uma mulher, eu nao sou urn rato! Entendeu? E isso ai, que eu vou eontinuar lutando. Meu unieo objetivo hoje aqui dentro e esse, e veneer esta parada pra melhorar a minha condicional e obter a liberdade. E s6 0 que eu quero... a minha liberdade!". .

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