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A “NÃO REFORMA AGRÁRIA” DO MDA/INCRA NO GOVERNO LULA 1 Ariovaldo Umbelino de Oliveira 2 “O que que há meu país O que que há ... Tá faltando consciência Tá sobrando paciência Tá faltando alguém gritar ...” 3 1. Um pouco da História ... A experiência da participação na equipe de Plínio de Arruda Sampaio no segundo semestre de 2003, para elaborar o primeiro documento que deveria ser o II PNRA, foi muito importante para que se pudesse reforçar a consciência de que em política vale tudo, menos ética e moral. No governo de FHC do PSDB não foi diferente, no governo Sarney do I PNRA também não foi diferente. Aliás, na ditadura militar, também não foi diferente. Mas, os intelectuais sempre acham que chegará um dia do primado da ética e da moral também na política. O intelectual José Juliano de Carvalho Filho da FEA – USP e da ABRA 4 em um feliz artigo publicado em “O Globo” de 20/01/2006, foi brilhante na crítica aos dados de 2005 divulgados pelo MDA/INCRA sobre a reforma agrária no governo LULA: Controvérsia sobre números não é novidade quando se trata de reforma agrária. Quem acompanha a política agrária no Brasil deve se lembrar de várias situações em que este fato ocorreu. Chegou a vez do governo Lula. No governo Figueiredo final do período ditatorial houve controvérsia sobre os números da reforma. Naquela época, final de 1984, foi oficialmente anunciada a emissão do milionésimo documento de titulação de terra. O governo de então apontava este fato como evidência de que estava em curso no país o maior programa de reforma agrária do mundo. Os jornais publicaram várias análises. Manifestei-me a respeito em artigo publicado pela Folha de S. Paulo à época: O milhão de títulos anunciados refere-se a uma série de documentos, entre os quais se incluem títulos de propriedade definitivos para agricultores sem terra, para posseiros que já ocupavam a terra e títulos com direito a ocupação provisória. Evidentemente, a dita maior reforma agrária do mundo, e dos militares, não ocorreu. Cabe também relembrar o óbvio, ou seja, os movimentos sociais foram perseguidos e reprimidos nesse período negro da nossa história.” Assim, como a música de Raul Seixas, “E anos 80” e seu verso certeiro: “E anos 80, a charrete que perdeu o condutor” 5 mostrou simbolicamente, ocorreram muitas derrotas/vitórias na luta pela reforma agrária no país. O Brasil dos militares não fez a reforma agrária do Estatuto da terra, mas a sociedade civil ganhou o MST que reforçou a luta que a CPT já fazia desde a década de 70. 1 Trabalho apresentado na reunião paralela realizada pela Via Campesina durante a Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural - CIRADR-FAO, Porto Alegre-RS entre 7 e 10/03/2006. 2 Professor Titular do Departamento de Geografia – FFLCH – USP, membro da ABRA e do Instituto IANDÉ. 3 “Meu país” - Zezé Di Camargo & Luciano, CD Pra não pensar em você- 1998, música utilizada na campanha de Lula em 2002. 4 Também membro da equipe de Plínio de Arruda Sampaio do II PNRA. 5 Raul SEIXAS, “E anos 80” – BRILHANTES, Columbia, (Ed. Especial).

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A “NÃO REFORMA AGRÁRIA” DO MDA/INCRA NO GOVERNO LULA 1

Ariovaldo Umbelino de Oliveira 2

“O que que há meu país O que que há ...

Tá faltando consciência Tá sobrando paciência

Tá faltando alguém gritar ...” 3

1. Um pouco da História ... A experiência da participação na equipe de Plínio de Arruda Sampaio no segundo semestre de 2003, para elaborar o primeiro documento que deveria ser o II PNRA, foi muito importante para que se pudesse reforçar a consciência de que em política vale tudo, menos ética e moral. No governo de FHC do PSDB não foi diferente, no governo Sarney do I PNRA também não foi diferente. Aliás, na ditadura militar, também não foi diferente. Mas, os intelectuais sempre acham que chegará um dia do primado da ética e da moral também na política. O intelectual José Juliano de Carvalho Filho da FEA – USP e da ABRA 4 em um feliz artigo publicado em “O Globo” de 20/01/2006, foi brilhante na crítica aos dados de 2005 divulgados pelo MDA/INCRA sobre a reforma agrária no governo LULA: “Controvérsia sobre números não é novidade quando se trata de reforma agrária. Quem acompanha a política agrária no Brasil deve se lembrar de várias situações em que este fato ocorreu. Chegou a vez do governo Lula. No governo Figueiredo final do período ditatorial houve controvérsia sobre os números da reforma. Naquela época, final de 1984, foi oficialmente anunciada a emissão do milionésimo documento de titulação de terra. O governo de então apontava este fato como evidência de que estava em curso no país o maior programa de reforma agrária do mundo. Os jornais publicaram várias análises. Manifestei-me a respeito em artigo publicado pela Folha de S. Paulo à época: O milhão de títulos anunciados refere-se a uma série de documentos, entre os quais se incluem títulos de propriedade definitivos para agricultores sem terra, para posseiros que já ocupavam a terra e títulos com direito a ocupação provisória. Evidentemente, a dita maior reforma agrária do mundo, e dos militares, não ocorreu. Cabe também relembrar o óbvio, ou seja, os movimentos sociais foram perseguidos e reprimidos nesse período negro da nossa história.” Assim, como a música de Raul Seixas, “E anos 80” e seu verso certeiro: “E anos 80, a charrete que perdeu o condutor”5 mostrou simbolicamente, ocorreram muitas derrotas/vitórias na luta pela reforma agrária no país. O Brasil dos militares não fez a reforma agrária do Estatuto da terra, mas a sociedade civil ganhou o MST que reforçou a luta que a CPT já fazia desde a década de 70.

1 Trabalho apresentado na reunião paralela realizada pela Via Campesina durante a Conferência Internacional sobre Reforma Agrária e Desenvolvimento Rural - CIRADR-FAO, Porto Alegre-RS entre 7 e 10/03/2006. 2 Professor Titular do Departamento de Geografia – FFLCH – USP, membro da ABRA e do Instituto IANDÉ. 3 “Meu país” - Zezé Di Camargo & Luciano, CD Pra não pensar em você- 1998, música utilizada na campanha de Lula em 2002. 4 Também membro da equipe de Plínio de Arruda Sampaio do II PNRA. 5 Raul SEIXAS, “E anos 80” – BRILHANTES, Columbia, (Ed. Especial).

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Ganhou-se o I PNRA, no governo Sarney, mas o Brasil perdeu Marcos Freire, ministro da Reforma Agrária. Veio a Constituição “cidadã” de 1988, mas, a reforma agrária perdeu a possibilidade histórica de desapropriar terras produtivas concedida pelo Estatuto da Terra de 1964. Certamente, é possível pensar que o PT tenha começado a perder seu norte na eleição de 1989, e todos que o ajudaram em sua construção, perderam o partido que poderia começar a revolucionar a sociedade brasileira. Quem sabe aí, pode ter desaparecido na história política do Brasil, a possibilidade de um partido transformar este país. É possível também, pensar que sucumbiu aí, mais uma das teses ortodoxas de um determinado tipo de marxismo. Mas, também é possível pensar que neste momento, uma nova alternativa estava nascendo no campo brasileiro, o cada vez mais forte movimento camponês moderno. Aliás, contrariando intelectuais, políticos de esquerda e quem sabe, parte de seus próprios dirigentes. Feita a digressão, é preciso voltar ao texto de CARVALHO FILHO: “Em dezembro de 1995, primeiro ano do governo FHC, o presidente da República afirmava na imprensa ter conseguido cumprir a meta de campanha, assentando mais de 40 mil famílias. O MST questionava os números oficiais, apresentando o número de famílias assentadas em 1995, como inferior a 15 mil. De acordo com o MST, a diferença se devia ao fato de que FHC, para chegar à meta de 40 mil famílias assentadas naquele ano, somara títulos de regularização fundiária de processos que vinham de governos anteriores e, ainda, de títulos de posseiros. Para o MST, a meta anunciada pelo governo se referia a 40 mil novas famílias que seriam assentadas. Durante a campanha pela reeleição, sempre a inflar seus supostos feitos, o então candidato FHC afirmava pelo site do Incra: O Brasil está realizando a maior reforma agrária em curso no mundo. Na televisão, na propaganda oficial, ator famoso anunciava: Uma família assentada a cada cinco minutos. O segundo mandato, marcado pela chamada reforma agrária de mercado de FHC, desmontou conceitos e condições para uma distribuição fundiária efetiva. Duas linhas de atuação norteavam o governo. De um lado, agressividade na implementação da política fundiária, anúncio de medidas e números, sempre, com razão, contestados. De outro, com a conivência da mídia, crítica contínua aos movimentos sociais, sobretudo o MST com os objetivos de desqualificá-los, enfraquecê-los e criminalizá-los. Essa outra maior reforma agrária em curso no mundo também não ocorreu.” CARVALHO FILHO certamente há de concordar que é preciso continuar registrando para a história, que no interior do segundo mandato de FHC, existiu também, pela primeira vez na história da humanidade, a “Reforma Agrária Virtual dos Correios”. Ou seja, aquela que só ocorreu na televisão para iludir os camponeses sem terra. Quem sabe, FHC ou o PSDB, ou o próprio ministro Raul Jungmann, um dia poderão dar notícia da mesma, para o registro da história. A midia brasileira foi tão conivente com este falso programa de reforma agrária, que nunca mais, ele foi objeto de uma reportagem sequer. O que permite entender que a grande midia só defende a propriedade privada da terra, e mais, que uma parte dos repórteres, não tem a mínima consciência sobre o que escrevem e/ou falam sobre a propriedade privada da terra na sociedade capitalista. Quando foram realizadas as reuniões para formular o II PNRA, encontrou-se no INCRA, um cadastro de mais de 1,2 milhões de brasileiros que tinham sido iludidos pelo PSDB do então presidente FHC. Este partido tem muita conta para prestar à sociedade brasileira. Aliás, ele tem sido um partido do “faz de conta”, “faz de conta que sabe fazer”, “faz de conta que fez”, “faz de conta que irá fazer”, etc, etc, etc. Mas, agora são os camponeses que novamente estão sendo iludidos. Iludidos pelo MDA/INCRA. A pergunta a ser feita é: o Presidente LULA sabia/sabe que o MDA/INCRA está fazendo um “quarto da reforma agrária” prevista na Meta 1 do II PNRA? Ou seja, aquela que interessa diretamente aos movimentos socioterritoriais que formam a Via Campesina e o Fórum da Reforma Agrária?

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CARVALHO FILHO já deixou registrado para a história: “Chegamos ao governo Lula... Entre outras afirmativas, (o MDA/INCRA) diz que o Brasil superou a meta de assentamentos prevista no II PNRA... o melhor desempenho da reforma agrária em toda a nossa história.” Certamente, CARVALHO FILHO gostaria de ter escrito que: Essa outra maior reforma agrária do mundo do MDA/INCRA do governo LULA também não ocorreu. Parece até, uma doença congênita. Certos “técnicos do Cadastro do INCRA” parecem ser mágicos, pois enfeitiçam todos os dirigentes que por lá passam. Com o atual governo não está sendo diferente, ou seja, também foi iludido ou pediu ajuda para, tentar iludir a todos que lutam pela reforma agrária. Aliás, o que é estranho é que o atual presidente do INCRA, ajudou durante o governo FHC, a desmistificar “os dados falsos da maior reforma agrária do mundo do PSDB”. Aqui cabe também, uma digressão sobre o INCRA e seus “técnicos do Cadastro”. Se há uma caixa preta das terras do Brasil e da reforma agrária, ela está no Cadastro daquela instituição. Por lá passaram alguns dos maiores “agentes da grilagem de terra do país”, se é que eles ainda não estão por lá. Basta uma pergunta para incriminar uma parte dos que já passaram por este setor do INCRA: nas mãos de quem estão a maior parte das terras públicas discriminadas e/ou arrecadadas da Amazônia Legal? Como os que se dizem proprietários conseguiram estas terras? Será que o cadastro resiste a uma auditoria séria de quem sabe das “grilagens legalizadas” que são feitas através de certos “técnicos do Cadastro” desde, pelo menos, os governos militares? Tenho dito, ao governo atual, aos movimentos sociais e a mídia quando procurado, que o estado do Pará é a “bola da vez da grilagem”. Nada tem adiantado. Nos INCRAs do Pará, pasmem, lá tinha dois e o atual governo criou o terceiro (um que deveria ser do Pará todo com sede em Belém, outro em Marabá como “herança” do combate à guerrilha do Araguaia, onde estava a sede do GETAT – Grupo Executivo de Terras do Araguaia Tocantins da ditadura militar, e agora, o MDA/INCRA criou a SR-30 - Superintendência de Santarém. Esta unidade está no centro de uma das possíveis maiores grilagem de terra pública do Século XXI. Esta ação veio articulada com a “benção” da ministra Marina Silva do Meio Ambiente. A Ministra acreditou/acredita que os madeireiros da Amazônia e os “agentes” do novo Sistema Florestal Brasileiro, vão cumprir os planos de manejo dos PDSs e dos PAFs6. Trata-se da predominância do que o excelente jornalista Washington Novaes escreveu em sua coluna quinzenal no jornal O Estado de São Paulo sob o também certeiro título “O fato consumado como regra do jogo”: Há duas semanas, quando da aprovação no Congresso do projeto de lei sobre concessão de florestas públicas na Amazônia, comentou-se aqui a prevalência, na mal chamada área ambiental, da 'teoria do já que' - querendo dizer que já que não se consegue fazer o melhor, já que não se consegue fazer prevalecer o mais racional, já que não se consegue vencer resistências político-econômicas, já que não se consegue estabelecer as regras mais adequadas, capazes de realmente levar ao uso sustentável dos serviços e recursos naturais, aceita-se, como mal menor, uma legislação questionável pela ciência e/ou pelo bom senso, que se dobra diante de fatos ou situações que considera consumados, irreversíveis.As últimas semanas foram fartas em episódios dessa natureza. Pode-se começar pela resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que alterou as regras para ocupação e utilização de Áreas de Preservação Permanente (APPs), como beiras de rios, nascentes, veredas, reservatórios, áreas indígenas, manguezais, dunas e topos de morros. Embora as novas regras só prevaleçam para ocupações consumadas

6 PDS – Projeto de desenvolvimento sustentável e PAF – Projeto Agro-florestal.

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até julho de 2001, 'são um retrocesso', como definiu o procurador Antônio Herman Benjamin, com longa e competente experiência na área ... Mas os riscos não terminam aí.” 7

No Pará ( e na Amazônia toda), em qualquer dos três INCRAs a corrupção e a grilagem começa em certos “funcionários dos Protocolos”, passa, óbvio pelo Cadastro, tudo via madeireiros e grileiros e seus agentes internos (do INCRA), e termina na mesa dos superintendentes e/ou Brasilia. A SR-Santarém, desde o início de 2006, vem fazendo reuniões com as madeireiras para viabilizar os PDS que vai implantar em sua jurisdição. Ou, como um alto funcionário deste órgão diz nas reuniões com os madeireiros: “Vocês dão a terra”, uma ironia, pois a terra é pública, portanto do INCRA, e os assentados “permitirão que a madeira seja explorada através de planos de manejo”. Quase cem por cento das terras desta jurisdição são terras do INCRA ou devolutas, o que pela Constituição de 1988, deveriam ser destinadas para a reforma agrária. Entretanto, estão sendo “griladas” por alguns “funcionários do INCRA” para aos proprietários de terra (do Mato Grosso, do Paraná, etc.) que queiram “comprá-las”. A mídia tem denunciado esta nova forma de grilagem nos municípios da margem esquerda do Rio Amazonas.8 (FIGURA 01)

FIGURA 01

Fonte: Folha de São Paulo, 07/03/2005.

7 NOVAES, W “O fato consumado como regra do jogo” in O Estado de São Paulo, 03/03/2006, p. A2. 8 Folha de São Paulo, 07/03/2005.

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Foi em decorrência em parte de tudo isso que os dados relativos aos assentamentos de reforma agrária do INCRA continuaram no atual governo, “contaminados” por informações que não se referem a assentamentos de reforma agrária propriamente dita. Esta “contaminação” dos dados interessa a “certos funcionários” do INCRA que são corruptos, pois, encobrem suas ações frente a seus dirigentes. Mas, parece que está interessando também à concepção de reforma agrária do MDA/INCRA. Parece que todos que têm que fazer a reforma agrária no governo LULA, esqueceram-se do que é reforma agrária. Por isso, não é demais lembrar o texto original do Estatuto da Terra de 1964, afinal, o primeiro dever de qualquer funcionário público é o cumprimento do ordenamento legal: “Artigo 1º ... § 1° Considera-se Reforma Agrária o conjunto de medidas que visem a promover melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.” 9 (negrito meu) Em publicação recente escrevi sobre esta questão, trazendo à luz posições de eminentes estudiosos da reforma agrária:

“A reforma agrária constitui-se, portanto, em um conjunto de ações governamentais realizadas pelos países capitalistas visando modificar a estrutura fundiária de uma região ou de um país todo. Ela é feita através de mudanças na distribuição da propriedade e ou posse da terra e da renda com vista a assegurar melhorias nos ganhos sociais, políticos, culturais, técnicos, econômicos (crescimento da produção agrícola) e de reordenação do território. Este conjunto de atos de governo deriva de ações coordenadas, resultantes de um programa mais ou menos elaborado e que geralmente, exprime um conjunto de decisões governamentais ou a doutrina de um texto legal...

Do ponto de vista etimológico, a palavra reforma deriva do prefixo re e da palavra formare. A palavra formare é a forma de existência de uma coisa ou de um sentido. Por sua vez, o prefixo re contém o significado de mudança, de renovação. Logo, a palavra reforma contém o significado de mudança de uma estrutura pré-existente, em um outro sentido determinado. A reforma agrária implica, portanto, na idéia de renovação da estrutura fundiária vigente. Por conseguinte, as leis de reforma agrária constituem-se em instrumentos opostos à estrutura agrária existente, a qual ela objetiva modificar.

Nas sociedades capitalistas a reforma agrária tem sido feita com o objetivo de mudar a propriedade privada da terra concentrada nas mãos dos latifundiários, dividindo-a e a distribuindo para os camponeses e demais trabalhadores.

Segundo a literatura jurídica citada pelo professor Pinto FEREIRA10, reforma agrária é “a revisão, por diversos processos de execução, das relações jurídicas e econômicas dos que detêm e trabalham a propriedade rural, com o objetivo de modificar determinada situação atual do domínio e posse da terra e a distribuição da renda agrícola” como afirma Nestor DUARTE. Ou então, reforma agrária “...segundo o moderno conceito, é uma reestruturação da sociedade agrária tendo como finalidade avolumar a quota-parte da renda social agrícola que vai ficar em poder dos setores até então menos favorecidos dessa sociedade; pequenos proprietários, rendeiros, parceiros, trabalhadores, assalariados, etc.” como escreveu Henrique de BARROS. Já segundo Coutinho CAVALCANTI, “reforma agrária é a revisão e o reajustamento das normas jurídico-sociais e econômico-financeiras que regem a estrutura agrária do País, visando à valorização do trabalhador do campo e ao incremento da produção, mediante a distribuição, utilização e exploração sociais e racionais da propriedade agrícola, à melhor organização e extensão do crédito agrícola e ao melhoramento das condições de vida da população rural.”

9 Artigo 1º da Lei nº 4.504 de 30/11/1964. 10 FEREIRA, Pinto “A reforma agrária”, Ed. Livraria Freitas Bastos, São Paulo, 1970.

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Rafael Augusto de MENDONÇA LIMA11 defende a idéia de que foi o professor Antonino C. VIVANCO quem melhor conceituou a reforma agrária, afirmando que ela “consiste na modificação da estrutura agrária de uma região ou de um país determinado, mediante a execução de mudanças fundamentais nas instituições jurídicas agrárias, no regime de propriedade da terra e na divisão da mesma. Além de tudo isso, pressupõe a construção de obras e prestação de serviços de diferentes naturezas tendentes a incrementar a produção e melhorar a forma de distribuição dos benefícios obtidos dela, a fim de conseguir melhores condições de vida e de trabalho, em benefício da comunidade rural” e acrescenta que “no conceito enunciado é necessário distinguir vários aspectos importantes: (1)- político: que consiste na participação do governo na ação que visa planejar e realizar a reforma agrária; (2)- jurídico: que está arraigado única e exclusivamente na reforma institucional e nos conteúdos dos atos de governo de origem legislativa ou de regulamentação necessárias para instrumentá-la; (3)- econômico: que compreende o conjunto de medidas que são adotadas para melhorar os índices de produtividade, para obter uma melhor distribuição da riqueza, para promover a conservação das fontes naturais da produção, para dividir os latifúndios, para concentrar e reagrupar os minifúndios, etc.; (4)- técnico: que se refere especialmente às modificações nas formas de trabalho e a seus aperfeiçoamentos, à mecanização agrícola, ao uso de fertilizantes, ao sistema de transporte, etc.; (5)- social: que abarca um cem números de mudanças afim de lograr um estado sanitário melhor da população, melhorar o nível alimentar, evitar as enfermidades, repartir ensinamentos adequados, capacitar os trabalhadores, induzi-los a adaptar-se às mudanças necessárias para viver e trabalhar em condições mais favoráveis.”

Assim, a reforma agrária é compreendida como um amplo conjunto de mudanças profundas em todos os aspectos da estrutura agrária de uma região ou de um país, visando alcançar melhorias nas condições sociais, econômicas e políticas das comunidades rurais. Por isso, Antonio GARCIA discutindo o conceito de reforma agrária, concluiu que ele deve ser “um processo massivo, rápido e drástico de redistribuição dos direitos sobre as terras e sobre as águas”, “dialeticamente, é uma operação conflitiva de mudanças na qual se modificam, com freqüência, os núcleos dinâmicos do processo (passando o centro político de gravidade de uma força à outra) e na qual, por suposto, removem-se e se substituem as ideologias”. Sinteticamente e de forma objetiva, também Raymundo LARANJEIRA12 escreveu que a “reforma agrária é o processo pelo qual o Estado modifica os direitos sobre a propriedade e posse dos bens agrícolas, a partir da transformação fundiária e da reformulação das medidas de assistência em todo o país, com vista a obter maior oferta de gêneros e a eliminar as desigualdades sociais no campo.”

As condições fundamentais para a realização da reforma agrária, baseando-se em parte na concepção de Pompeu ACCIOLY BORGES13, são: (1)- a reforma agrária deve ser um processo amplo, geral e macivo de redistribuição dos direitos sobre as terras e as águas; deve ser amplo para poder atingir com suas metas em um curto prazo (no máximo dez anos) toda uma região ou todo o país; precisa também ser geral para poder eliminar a estrutura latifundiária e desenvolver em seu lugar um plano de democratização de acesso a terra e a água, tendo por base a produção camponesa; e ser macivo para poder beneficiar a totalidade dos camponeses sem terra, dos que possuem pouca terra e dos demais trabalhadores que desejarem ter acesso a terra; (2) a reforma agrária deve ser parte de um programa de desenvolvimento agrário e de um plano geral de desenvolvimento econômico e social nos quais, tenha previamente assegurada sua cota-parte no total dos. investimentos programados; (3) a reforma agrária deve ser planejada, coordenada e executada em todos os seus aspectos por um órgão ou entidade pública com poderes, prestígio político e dotada recursos financeiros e humanos suficientes, com uma estratégia de execução participativa e descentralizada; (4) a reforma agrária deve mobilizar todas as forças políticas existentes – movimentos sociais, centrais sindicais, sindicatos de trabalhadores, instituições, entidades e organizações populares - que representam a

11 MENDONÇA LIMA, Rafael Augusto de “Direito agrário, reforma agrária e colonização”, Livraria Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1975 12 LARANJEIRA, Raymundo “Colonização e reforma agrária no Brasil”, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1983. 13 ACCIOLY BORGES, Pompeu “Os donos da terra e a luta pela Reforma Agrária” – CODECRI – IBASE, Rio de Janeiro, 1984

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massa dos camponeses e demais trabalhadores interessados, para participarem direta e intensamente da elaboração, implantação e gestão dos seus planos, programas e projetos; (5) a reforma agrária deve ser executada em cada área prioritária (território reformado) tendo como princípio fundamental os fatores sociais, políticos, econômicos, técnicos e institucionais específicos; garantindo-se a ação integrada de todos os órgãos e entidades públicas na área reformada; (6) a reforma agrária deve incidir preferencialmente sobre as grandes propriedades que não cumprem a função social da terra e nas quais existam condições favoráveis de exploração; (7) a reforma agrária deve limitar ao mínimo o pagamento das indenizações pela desapropriação da terra, através de uma nova conceituação do que seja o ‘justo valor’; deve fixar de forma progressiva, prazos mais longos para o resgate dos títulos da dívida agrária, quanto mais baixos os índices de produtividade; e suprimir a cláusula de garantia contra eventual desvalorização da moeda; (8) a reforma agrária deve criar uma nova estrutura da propriedade fundiária, apoiada exclusivamente (I) na pequena propriedade familiar camponesa integrada ou não em cooperativa ou outra forma associativa de produção agrícola; e (II) em unidades de produção de camponeses baseadas no direito real de uso da terra de propriedade da União; face à existência da empresa agrícola capitalista (pequena, média ou grande) assim qualificada segundo o grau de utilização dos recursos da terra, o uso da tecnologia moderna, o capital investido por unidade de área, e do emprego de mão-de-obra assalariada; (9) a reforma agrária deve modificar as relações de trabalho existentes no campo, de sorte à assegurar (I) mais justa distribuição de renda agrícola; (II) cumprimento integral da legislação pertinente; e (III) defesa dos direitos e garantias do trabalhador assalariado; (10) a reforma agrária deve adotar um sistema econômico de investimento que priorize a utilização dos camponeses e demais trabalhadores beneficiários da mesma; (11) a reforma agrária deve conservar e ampliar as áreas de proteção ambiental, bem como desenvolver um agricultura saudável que não comprometa o uso sustentável dos recursos naturais.

Para a implantação da reforma agrária há a necessidade de duas políticas fundamentais: a política fundiária e a política agrícola.

A política fundiária refere-se ao conjunto de princípios que as diferentes sociedades definiram com aceitável e ou justo para o processo de apropriação privada da terra ... Na política fundiária, está incluído também, o conjunto de legislações que estipulam os tributos incidentes sobre a propriedade privada da terra; as legislações especiais que regulam seus usos e jurisdições de exercício de poder; e programas de financiamentos para a aquisição da terra.

A política agrícola por sua vez, refere-se ao conjunto de ações de governo que visam implantar nos assentamentos de reforma agrária a assistência social, técnica, de fomento e de estímulo à produção, comercialização, beneficiamento e industrialização dos produtos agropecuários. Estão incluidos nestas ações: educação e saúde públicas, assistência técnica, financeira, creditícia e de seguros, programas de garantia de preços mínimos e demais subsídios, eletrificação rural e outras obras de infra-estrutura, contrução de moradias e demais instalações necessárias, etc.” 14

Dessa forma, é preciso discernir os atos governamentais interessando o conjunto das ações relativas à reforma agrária. Para contribuir ao debate sugiro a seguinte divisão dos atos praticados pelo INCRA e que redundam em estatísticas da reforma agrária, em quatro classificações: 1. Reordenação Fundiária: refere-se aos casos de substituição e/ou reconhecimento de famílias presentes nos assentamentos já existentes, e/ou para garantir seus acessos às políticas públicas; 2. Regularização Fundiária: refere-se ao reconhecimento do direito das famílias (populações tradicionais, extrativistas, ribeirinhos, pescadores, posseiros, etc.) já existentes nas áreas objeto da ação (flonas, resex, agroextrativistas, desenvolvimento social, fundo de pastos, etc.);

14 OLIVEIRA, A.U. “Reforma Agrária” in Dicionário da Terra, org. Márcia Mota, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, p. 385/391.

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3. Reassentamentos Fundiários de famílias Atingidas por Barragens: referente aos proprietários ou com direitos adquiridos em decorrência de grandes obras de barragens e linhas de transmissão de energia realizadas pelo Estado e/ou empresas concessionárias e/ou privadas; 4. Reforma Agrária: refere-se somente aos assentamentos decorrentes de ações desapropriatórias de grandes propriedades improdutivas, compra de terra e retomada de terras públicas griladas. É óbvio que o ideal seria depurar ainda mais a última categoria, retirando os assentamentos em terras públicas griladas ou não na Amazônia Legal, e que fossem ocupadas por famílias que nunca as ocuparam anteriormente, passando-os para a classe da colonização. O INCRA possui todas as condições para distinguir como assentamentos de reforma agrária somente aqueles que foram objeto de atos desapropriatórios ou compra em região onde estes atos desapropriatórios não podem ser realizados. Outro ponto que precisa ser reforçado é aquele referente aos termos do II PNRA. No documento oficial presente no site15 do Ministério do Desenvolvimento Agrário à página 38 está a relação das onze METAS do II PNRA - 2003/2006: “META 1 - 400.000 novas famílias assentadas; META 2 - 500.000 famílias com posses regularizadas; META 3 - 150.000 famílias beneficiadas pelo Crédito Fundiário; META 4 - Recuperar a capacidade produtiva e a viabilidade econômica dos atuais assentamentos; META 5 - Criar 2.075.000 novos postos permanentes de trabalho no setor reformado; META 6 - Implementar cadastramento georreferenciado do território nacional e regularização de 2,2 milhões de imóveis rurais; META 7 - Reconhecer, demarcar e titular áreas de comunidades quilombolas; META 8 - Garantir o reassentamento dos ocupantes não índios de áreas indígenas; META 9 - Promover a igualdade de gênero na Reforma Agrária; META 10 - Garantir assistência técnica e extensão rural, capacitação, crédito e políticas de comercialização a todas as famílias das áreas reformadas; META 11 - Universalizar o direito à educação, à cultura e à seguridade social nas áreas reformadas.” Portanto, a divulgação dos dados relativos à quase todas as metas como sendo de famílias assentadas genericamente, é descumprir o preceito constitucional do dever para quem ocupa cargo público, qual seja, o do cumprimento da norma legal. O MDA/INCRA não cumpriu os termos do II PNRA, quando divulgou os dados, particularmente de 2005. Ou seja, agregou os números das diferentes metas informando como se todas fossem relativas à Meta 1 – Novas famílias assentadas. Dessa forma, o MDA/INCRA disse que cumpriu as metas no plural. Para ilustrar os equívocos cometidos nesta ação de inflar os números da reforma agrária, destaco entre os dados divulgados referentes a 2005, a inclusão das seguintes “pérolas” na listagem publicada na página do INCRA na Internet: - No município de Barra do Corda estado do Maranhão, foram consideradas na estatística de 2005, um total de 947 famílias do projeto integrado de colonização PIC Barra do Corda, pasmem, do ano de 1942, do governo Getúlio Vargas. Entretanto, tudo indica tratar-se de reconhecimento das famílias já assentadas para fins de sua inserção nas políticas do governo, mas nunca, novos assentamentos do governo LULA. São, portanto, casos típicos de reordenação de assentamentos antigos. - No município de Santarém no estado do Pará, foram considerados também nos dados de 2005, um total de 4.362 famílias do projeto de assentamento agroextrativista PAE Lago Grande. Ora,

15 www.mda.gov.br/aquivos/PNRA_2004.pdf, consultado em 02/03/2006 às 16:24hs.

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todos que conhecem Santarém sabem que se trata de um caso típico de regularização fundiária, e nunca reforma agrária, pois as famílias estão lá há muito tempo. - Também, no Pará, foram contadas na estatística dos assentamentos de 2005, as 2.664 famílias da Reserva Extrativista Marinha Carté-Taperaçu. Trata-se evidentemente de uma ação de regularização fundiária e de outros direitos, pois qualquer pessoa que já esteve nesta área, sabe que aquelas famílias estão lá há muitos anos. - Entre os dados dos estados do Tocantins, Minas Gerais e Paraná estão incluídos como assentamentos da reforma agrária, os dados relativos a reassentamentos de famílias atingidas por barragens de obras de usinas hidroelétricas. Os exemplos do Tocantins são os reassentamentos Morro das Neves, São Francisco de Assis em Monte Carmo, Flor da Serra em Porto Nacional, etc. Em Minas Gerais estão os seguintes reassentamentos no vale do Jequitinhonha: Coração de Maria em José Gonçalves de Minas; Coração de Jesus, Massandaia e Ventania, Fazenda Boa Esperança em Leme do Prado; e, no estado do Paraná, os reassentamentos Fazenda Centenário e Fazenda Agroibema em Campo Bonito; Fazenda Baratter, Fazenda Refopás e Flamapec em Cascavel. É evidente que são casos de reassentamentos e não de reforma agrária. - Há também, em vários estados brasileiros, o ato de reconhecimento de assentamentos estaduais antigos, como por exemplo, no estado de Pernambuco foram incluídos os assentamentos do tempo do governo Arraes, tais como: PE Engenho Florescente e Flor de Maria em Água Preta de 1995, Engenho Palmeira de 1995 e fazenda Santo Antonio de 1996 em Gravatá, entre tantos outros. Trata-se, portanto de reordenação fundiária para permitir às famílias acesso aos programas governamentais. Pode-se afirmar então, que ocorreu uma clara e intencional confusão na divulgação dos dados. Se o II PNRA que é o documento oficial da reforma agrária brasileira separou as metas, por que o MDA/INCRA as juntou na divulgação das cifras? Porque a atitude de somar tudo como se fossem dados dos novos assentamentos da reforma agrária da Meta 1? É possível pensar neste momento, apenas uma explicação: mais um ano de fracasso no cumprimento da Meta 1 do II PNRA, de assentar em 2005, um total de 115 mil famílias. Como o MDA/INCRA não cumpriu novamente a meta do ano passado, como já não havia cumprido as metas de 2003 e 2004, o caminho foi instaurar a confusão “liqüefazendo” também, os dados de 2005. E mais, o que é preocupante do ponto de vista político, reagindo energicamente ao MST quando este movimento sócioterritorial acertadamente criticara os dados de 2005 divulgados, através da seguinte nota:

MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA – MST

SCS Qd. 06 Ed. Carioca, salas 708/709 - 70.032-000 – Brasília/DF FONE: (61) 3322 - 5035 FAX: (61) 225 – 1026

Escritório Nacional em Brasília - DF

Reforma Agrária: Por um Brasil sem Latifúndio !

Brasília, 22 de dezembro de 2005 NOTA À IMPRENSA E À SOCIEDADE Em relação aos dados anunciados nesta quinta-feira (22) pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra sente-se na obrigação de esclarecer a sociedade que: 1. Assim como a política econômica do Governo Lula, a política de Reforma Agrária nada tem de original e repete os mesmos passos do Governo FHC: inflaciona os verdadeiros números de assentamentos utilizando a prática de contabilizar a reposição de lotes em assentamentos antigos como novos assentamentos; em deixar famílias vivendo em assentamentos precários no norte do país em terras públicas, que beneficiam principalmente grileiros. No intuito

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de provar que estaria fazendo a reforma agrária. Reforma agrária é desconcentrar a propriedade da terra e resolver os problemas dos pobres do campo. 2. A falta de originalidade repete-se na submissão às políticas do Banco Mundial para área agrícola, mantendo a fracassada política do Banco da Terra, rebatizado de Crédito Fundiário, uma premiação aos latifundiários improdutivos que têm suas terras compradas à vista, enquanto milhares de agricultores iludidos endividam-se para pagá-las. Hoje, mais de 40 mil famílias encontram-se em situação de inadimplência em Estados como Ceará, Pernambuco e Bahia, em projetos antigos com o mesmo receituário. 3. Lamentavelmente, o que o Ministro comemora hoje é uma política que não desconcentra a propriedade da terra e não distribui renda, premiando o latifúndio e que assemelha-se mais aos projetos de colonização da Amazônia do Regime Militar, do que qualquer coisa que pudesse ser chamada de Reforma Agrária. 4. Por outro lado, esperávamos que o Governo explicasse porque quase 200 mil famílias, de pobres do campo, ainda vivem nos acampamentos em beiras de estrada e em latifúndios improdutivos. E que esperam as meras estatísticas organizadas por eles. Enquanto isso, vivem sob condições precárias debaixo de barracos de lona e sem qualquer assistência para produção. 5. Finalmente, achamos que o Ministro Miguel Rossetto deva acatar a sugestão que o Presidente do INCRA, Rolf Hackbart, defendia quando era assessor da Câmara dos Deputados: que seja formada uma comissão de auditoria dos assentamentos, formada pela CNBB, OAB, jornalistas e servidores do Incra (CNASI) para ir visitar in loco esses assentamentos, e atestar as condições em que estas famílias se encontram. COORDENAÇÃO NACIONAL DO MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA16

Além da nota oficial do MST, seu site divulgou também comentários sobre o fato e a nota: “MST contesta números da Reforma Agrária do governo 22/12/2005 A Coordenação Nacional do MST contesta os dados da Reforma Agrária apresentados pelo governo Lula e afirma que o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) repete métodos do governo Fernando Henrique Cardoso [1995-2002]. O MDA anuncia nesta quinta-feira que foram assentadas mais de 115 mil famílias em 2005, número que ultrapassa a meta anual. O Plano Nacional de Reforma Agrária do governo Lula prevê o assentamento de 400 mil famílias até o final de 2006. De acordo com nota do MST ... o governo Lula inclui nos números da Reforma Agrária famílias que receberam terras de assentamentos antigos. Na maioria dos casos, as terras foram reutilizadas depois da desistência de outros trabalhadores por causa da falta de condições de vida, produção e terras agricultáveis. Foram aumentados também os dados de assentamentos na região amazônica, que têm estrutura precária e estão em terras públicas, preservando os grileiros da região. O MST pede formação de uma comissão, com a participação de movimentos sociais, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), dos servidores do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e jornalistas para visitar os assentamentos anunciados e fazer uma auditoria nos dados apresentados. O governo sustenta que foram assentadas 36 mil famílias, em 2003, e 81 mil, em 2004. Estudo do pesquisador e professor titular da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino de Oliveira, calcula que foram assentadas 9 mil famílias, em 2003, e 35 mil, em 2004.” 17

As críticas acertadas desencadearam uma nota áspera do MDA/INCRA à crítica, revelando, mesmo sem uma análise criteriosa e profunda dos dados, o fracasso governamental no cumprimento das metas do II PNRA. Parece que prevaleceu o ditado popular de que a “melhor defesa é o ataque”. Foram os seguintes os termos da crítica do MDA/INCRA como resposta à critica do MST: “NOTA OFICIAL MDA/INCRA (22/12/2005 - 18:12) 1. O Ministro do Desenvolvimento Agrário, Miguel Rossetto, e o Presidente do INCRA, Rolf Hackbart, anunciaram hoje que o Brasil superou a meta de assentamentos prevista no Segundo Plano Nacional de Reforma Agrária. Trata-se do melhor desempenho da Reforma Agrária em toda a nossa história. É, acima de tudo, uma vitória do país, que começa a superar uma longa história de concentração fundiária e pobreza no campo.

16 http://www.mst.org.br/informativos/minforma/ultimas1441, acessado no dia 02/03/2006 às 17:50hs. 17 idem

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2. Em Nota à Imprensa e à Sociedade, a Coordenação Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra tenta confundir a opinião pública negando as informações prestadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA. Alheio ao que realmente está acontecendo no campo brasileiro, o MST discorda dos números sem fundamentar sua discordância, faz uma crítica leviana sobre os critérios de contabilização de assentados e procura estabelecer com o Governo um debate sem nenhuma seriedade, baseado em slogans vazios de conteúdo, informações e argumentos falsificados. 3. Como bem sabe o MST, a crítica que era feita ao processo de contabilização do governo anterior era a de que os números anunciados não se referiam as famílias efetivamente assentadas e sim a uma pretensa “capacidade” das áreas destinadas à reforma agrária. Este procedimento foi afastado com a revogação da portaria 80 do Incra, no primeiro ano deste governo. Desde então, os números contabilizados referem-se a famílias na terra, em projeto de assentamento promulgado, em área de propriedade definitiva do Incra, com todos os direitos de assentado garantidos. O que na linguagem técnica do órgão chama-se “RB” homologada (relação de beneficiários). 4. Este é um tipo de debate que não ajuda a Reforma Agrária. De fato, em 2005, a meta de 115 mil famílias assentadas prevista no PNRA foi superada. São mais de 115 mil mulheres e homens, com nome, sobrenome e CPF, que passaram a ter seu lote de terra para viver e produzir com dignidade. Gente real que não possuía terra e agora possui; que não produzia e agora produz. Se o MST não vê, ou não sabe, é porque está longe destas terras e desta gente. 5. O MST critica genericamente o assentamento em terras públicas na Região Norte do país. Estamos assentando sim, em terras públicas no norte do país. E podemos fazer isto porque estamos combatendo a grilagem nestas terras. Recuperando terras que estavam ilegalmente nas mãos de grileiros e destinando-as para a Reforma Agrária. Sim, fizemos projetos de assentamento, no norte do país, no Pará, na terra pública que estava grilada e pela qual deu a vida a Irmã Dorothy. É uma pena que o MST não compreenda a importância desta luta e deste trabalho. 6. O MST afirma que a Reforma Agrária que estamos fazendo não desconcentra a propriedade da terra. Não fundamenta esta afirmação. Não pode fazê-lo. Vamos aos fatos, eles falam por si: em três anos de governo, 16,3 milhões de hectares de terras foram destinadas para a Reforma Agrária e 240 mil agricultoras e agricultores sem terra foram assentados. 7. O MST acusa o Governo de submissão às políticas do Banco Mundial por manter um programa de crédito fundiário. Neste caso, trata-se de desinformação ou má fé. O Programa de Crédito Fundiário é um programa distinto do programa de Reforma Agrária, destinado a um outro público, que tem condições de financiar a compra de terra. São agricultores familiares, minifundiários, que querem ter um pedaço a mais de terra e pagar por ela, ou jovens que não pretendem abandonar o campo e necessitam de terra para plantar. Este programa é uma reivindicação de movimentos como a Contag, a Fetraf, e diversos outros. Suas terras, por Lei, não podem ser objeto da reforma agrária uma vez que são inferiores a 15 módulos fiscais e, por isto mesmo, não passíveis de desapropriação. 7. O Brasil persiste como um dos países com maior concentração fundiária do mundo. A Reforma Agrária é uma tarefa histórica, de caráter civilizatório, que este país não foi capaz de resolver a contento. Esta situação, no entanto, está mudando. A Reforma Agrária começou a caminhar a passos largos. Ainda há muito a ser feito. Muito trabalho pela frente. Um trabalho a ser realizado em conjunto pelo Governo e pela sociedade. Um trabalho que não pode ser interrompido nem dificultado pelo debate maniqueísta, pobre e marcado por interesses particulares ou de grupos.” 18

Em ato continuo, o INCRA divulgou em seu site a listagem por superintendência, com nome dos municípios, nomes dos projetos e ano de implantação, nomes dos beneficiários das RBs (Relação de Beneficiários) homologadas. Esta relação estava no site do INCRA no dia 23/01/2006 às 23:25hs, quando a baixei em meu computador. Desta primeira listagem partem agora minhas críticas aos dados do MDA/INCRA. Entretanto, para meu espanto e certamente de muitas outras pessoas que acessam as páginas do governo na Internet, quando, no Instituto Iandé, baixei novamente o citado arquivo que estava disponível no site do INCRA, no dia 13/02/2006 às 13:27hs, fui alertado por Camila Salles de Faria e Maira Bueno Pinheiros, que a nova listagem baixada não continha mais os anos dos assentamentos. Portanto, MDA/INCRA agiu efetivamente, de forma intencional em tentar esconder qualquer possibilidade de descoberta das irregularidades com os dados. Por sorte, tenho gravado como prova com o registro da Internet as duas tabelas. Atualmente, já foi retirada do site do INCRA, também a segunda versão da listagem. A pergunta que pode ser feita neste momento é aquela simples: porque este ato? É óbvio, foi porque que é, através dos anos dos assentamentos, que se pode descobrir que os assentamentos não eram de 2005. Parece que neste caso também, prevaleceu outro ditado popular: “a mentira tem perna curta”.

18 http://www.mda.gov.br/index.php?ctuid=8071&sccid=134, acessado dia 02/03/2006 às 17:33hs.

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Assim, a alegação do MDA/INCRA no item 3 da crítica ao MST, de que o número de assentados deriva das RBs homologadas, igualmente continuam escondendo outra verdade. Quando o INCRA faz o reconhecimento de assentamento antigo, ou de posses, ou de reassentamento de atingidos por barragens, ou de famílias que “compram” ou não vagas de famílias já assentadas, “tecnicamente para o Cadastro do INCRA” elas entram através das RBs homologadas. Dessa forma, a rotina técnica contém um equívoco conceitual propositado que visa reunir em uma mesma classificação, assentamentos que que são conceitualmente diferenciados. Não há nada de errado em o MDA/INCRA afirmar que realizou a regularização fundiária, ou o reassentamento, ou mesmo, a reordenação fundiária de um determinado número de famílias, pois estas ações fazem parte das rubricas das diversas metas do II PNRA. O problema é tentar dizer que o MDA/INCRA cumpriu a meta de 2005, de assentar 115.000 famílias em assentamentos da reforma agrária, ou seja, teria cumprido a Meta 1 do II PNRA. Isto efetivamente não ocorreu em 2005 e muito menos em 2003 e 2004. O que ocorreu provavelmente, foi que “compraram”, conscientes ou não, a “idéia” que um “certo ex-funcionário” do INCRA (que trabalhou durante o governo FHC) vendia por ocasião da preparação do II PNRA: considerar regularização fundiária como reforma agrária. Outro ponto equivocado da crítica do MDA/INCRA refere-se ao fato de que “não há fundamento” nas mesmas. A crítica do MST acertou em cheio no alvo da “manobra” dos dados feito pelo governo, pois, referia-se à Meta 1 do II PNRA. O governo não fez os 115.000 assentamentos porque no mínimo, se tivesse feito o número de acampados no país, tinha em tese, diminuído bruscamente, fato que não ocorreu, mesmo porque, não há notícias nos relatórios da Ouvidoria Agrária do MDA, ou mesmo nos levantamentos da CPT, de existência de um número massivo de famílias em novos acampamentos. Feitos os “expurgos” e a reclassificação possível com as informações divulgadas, como se verá mais adiante neste trabalho, o MDA/INCRA assentou em projetos de reforma Agrária da Meta 1 do II PNRA no ano de 2005, pouco mais de 45 mil famílias incluídos neste total os assentamentos em terras desapropriadas, compradas e em terras públicas. No caso dos dados disponíveis, não foi possível separar os assentamentos nas terras públicas particularmente na Amazônia Legal, pois permitiria discutir a possibilidade de classificá-los como colonização. Entretanto, dados divulgados extra oficialmente na Internet, permitem dizer que 54,3% (69.182 famílias) das RBs homologadas (127.506 no total), foram em terras públicas. Destas RBs em terras públicas, conforme se verá pelas tabelas mais adiante no trabalho, um total de 58.886 famílias estão na Amazônia Legal19, ou se preferirem 45.504 famílias estão na Região Norte do país. Intencionalmente do ponto de vista político a crítica do MDA/INCRA tentou indispor o MST (denominado de “grupo”) contra os movimentos pela terra do pólo sindical e dos posseiros em geral. A acusação principal é aquela de que o MST está “alheio ao que realmente está acontecendo no campo brasileiro, o MST discorda dos números sem fundamentar...”. O MDA/INCRA sabe muito bem que se há movimento sócioterritorial que tem consciência plena do que está acontecendo no campo brasileiro é o MST. Portanto, fomentar a divisão dos camponeses e trabalhadores interessados na reforma agrária, é no mínimo tergiversação do mundo da política onde todos apreenderam que “a melhor forma de combater o opositor é tentar dividi-lo, atacando-o e desqualificando-o”, pois assim, ele tem que ficar se defendendo. Como se vê, o governo FHC fez escola até para muitos daqueles que se dizem petistas no governo LULA. Quanto à alusão às ações do governo na Amazônia, parece que o MDA/INCRA continua se portando como “ouvido de mercador”. Participei durante o ano de 2004/5 de uma equipe de pesquisadores que fizeram um estudo a pedido do CNPQ, sobre o eixo da BR-163 – rodovia Cuiabá-Santarém. O resultado sobre a “grilagem legalizada” de terras está publicado no livro

19 Nos dados da Amazônia Legal estão incluídos os dados da Região Norte mais os estados de Mato Grosso e Maranhão, embora uma pequena parte deste último estado não faça parte da Amazônia Legal. Este procedimento foi adotado porque a divulgação dos dados não foi feita por município o que permitiria a agregação rigorosa da informação.

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“Amazônia revelada – Os descaminhos ao longo da BR-163”20. Neste livro há muitas provas de que as ações que MDA/INCRA e MMA fazem na Amazônia, e particularmente no Pará. Está muito longe do que os dirigentes de Brasília pensam, o que uma parte dos funcionários públicos destes órgãos estão fazendo de fato na região. Por isso, insisto na tecla de que o estado do Pará é a “bola da vez” da grilagem de terras na Amazônia. Aliás, pude presenciar e fotografar a entrada de uma vasta área cercada na BR-163, que diziam pertencer a um grupo do qual participaria também, um apresentador de programa de TV que tem negócios na área rural. E mais, na placa na entrada da área grilada havia a indicação de que lá, no interior da floresta Amazônica, felizmente do ponto de vista ambiental bastante despovoada, iria, pasmem, ser construído um frigorífico avícola.(FOTO 01)

FOTO 01

Foto OLIVEIRA, A.U. Rodovia Cuiabá-Santarém – BR-163

Sobre as ações do MDA/INCRA e do MMA no eixo da Cuibá-Santarém, novos estudos que estão sendo realizados revelarão ainda mais os casos de grilagem de terras e apropriação indébita de madeira nas terras públicas da União na região. O mapa do INCRA a seguir (MAPA 01) é testemunha de que toda a terra na faixa da BR-163 pertence à União, e não pode ser destinado a outro fim que não seja a reforma agrária.

20 TORRES, M. (Org.) “Amazônia revelada – Os descaminhos ao longo da BR-163”, Brasília, CNPQ, 2005, (496p.).

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MAPA O1

Aliás, ninguém ainda se esqueceu o episódio da Operação Faroeste da Policia Federal que em fins de 2004, prendeu nove funcionários do INCRA (entre eles um superintendente) e cujo final ainda continua desconhecido. Portanto, está longe o momento a partir do qual o governo tenha controle sobre seus próprios funcionários corruptos envolvidos com a grilagem legalizada21. Basta uma vistoria no protocolo do Incra do Pará para ver que já há interessados particulares distribuídos devidamente pelo próprio INCRA em glebas, com pedido protocolado para se apropriarem de todas estas terras. O mapa a seguir (MAPA 02) é testemunha destes fatos:

MAPA 02 Dessa forma, pode-se verificar que as questões que envolvem o Pará, podem estar encobrindo uma das maiores grilagens legalizadas de terras públicas da história do Brasil, por isso, as notas oficiais precisam ser mais realistas. Voltando à questão sobre os dados relativos ao número de assentamentos em 2005, é necessário também, que o MDA/INCRA divulguem os dados das RBs Homologadas segundo a 21 http://www.dpf.gov.br/DCS/noticias/2004/dezembro/07122004_faroeste.htm

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forma de obtenção das terras separando regularização, reconhecimento, aquisição, desapropriação etc. e aí todos poderão ver se é possível chegar ao número divulgado como se fosse tudo da Meta 1 do II PNRA? Para qualquer pessoa de bom senso, é inconcebível admitir que alguém que ocupa cargo público possa não estar dizendo a verdade. Por isso, as discussões a seguir, sobre os dados dos três anos do governo LULA pretendem revelar os abusos cometidos pelo MDA/INCRA na divulgação dos números da reforma agrária e o é que lastimável para todos petistas, concluir que o MDA/INCRA não está cumprindo as metas do II PNRA, portanto não está fazendo nem a reforma agrária anunciada pelo Presidente LULA em novembro de 2003. Trata-se, pois da vitória da não reforma agrária defendida inclusive, por muitos membros do próprio governo LULA. Aliás, vários deles, até escreveram sobre a não necessidade atual da reforma agrária. Penso que chegou a hora de abrir a crítica profunda a aqueles que em nome do governo LULA, não estão fazendo a reforma agrária. Por isso, é preciso “auditar os dados do Cadastro do INCRA”, pois lá está a fonte das manobras com as cifras estatísticas. Torna-se assim, urgente que o MDA/INCRA reveja os termos da nota oficial e reconheça publicamente, a realidade dos números. Talvez, a melhor resposta a ser dada ao MDA/INCRA neste episódio, é a sempre necessária crítica profunda aos dados disponíveis referentes a 2003, 2004 e 2005 sobre a não reforma agrária do MDA/INCRA. 2. Os dados de 2003, a não reforma agrária do primeiro ano do II PNRA O debate em torno do número de famílias assentadas nos três anos do governo foi de certo modo dificultado pelo próprio MDA/INCRA, que deixou de divulgar os dados precisos sobre o que é efetivamente Reforma Agrária, ou seja, ações desapropriatórias baseadas na legislação em vigor, de terras improdutivas, portanto, aquelas que não cumprem a função social. Ou mesmo, a aquisição de terra em regiões onde não havia disponibilidade de terras improdutivas, devolutas ou públicas. Somente os dados referentes a 2003 foram disponibilizados publicamente, com alguns detalhes efetivos das ações segundos suas rubricas originais em tabelas e gráficos em 20/01/2004. (TABELAS 01, 02, 03 E 04 E GRÁFICOS 01 E 02)

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TABELA 01 E GRÁFICO 01

ASSENTAMENTOS / RECONHECIMENTO - 2003

SITUAÇÃO Realizado (%)

T O T A L 36.301 100,00%

Assentamentos em PAs Criados até 2002 22.240 61,3% Assentamentos em PAs Criados em 2003 9.233 25,4%

Reconhecimento (*) 4.828 13,30%

(*) Do total de 36.301 famílias são em Projetos originários dos Estados eMunicípios, as quais passaram a ser beneficiários do Programa de RA, através doreconhecimento feito pelo INCRA.

22.240

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

9.233

4.828

Assentamentos em PAsCriados até 2002

Assentamentos em PAsCriados em 2003

Reconhecimento (*)

TABELA 02 E GRÁFICO 02

ASSENTAMENTO / RECONHECIMENTO - 2003 P R iã

REGIÃO Famílias Assentadas (%)

BRASIL 36.301 100%

NORTE 16.004 44%

NORDESTE 13.256 37%

SUDESTE 1.566 4%

SUL 1.038 3%

CENTRO-OESTE 4.437 12%

16.004

13.256

1.5661.038

4.437

-

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

14.000

16.000

18.000

NORTE NORDESTE SUDESTE SUL CENTRO-OESTE

FAMÍLIAS

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TABELA 03

SR 01/PA 3.786 60 3.846 SR 14/AC 1.203 111 1.314 SR 15/AM 1.237 167 1.404 SR 17/RO 2.130 20 2.150 SR 21/AP 466 27 493 SR 25/RR 1.356 - 1.356 SR 26/TO 1.573 - 1.573 SR 27/MB 3.867 1 3.868 NORTE 15.618 386 16.004

SR 02/CE 994 19 1.013 SR 03/PE 955 - 955 SR 05/BA 2.584 - 2.584 SR 12/MA 1.785 3.081 4.866 SR 18/PB 435 - 435 SR 19/RN 1.026 - 1.026 SR 22/AL 246 - 246 SR 23/SE 62 1 63 SR 24/PI 848 551 1.399 SR 29/MF 669 - 669

NORDESTE 9.604 3.652 13.256

Assentamentos Reconhecimento TOTALREGIÃO/

SR/UF Assentamentos Reconhecimento / Regularização TOTAL

REGIÃO/ SR/UF

SR 28/DF 505 1 506 SR 04/GO 419 2 421 SR 13/MT 2.980 150 3.130 SR 16/MS 365 15 380

CENTRO-OESTE 4.269 168 4.437 SR 06/MG 427 31 458 SR 07/RJ 122 108 230 SR 08/SP 226 380 606 SR 20/ES 272 - 272 SUDESTE 1.047 519 1.566 SR 09/PR 317 - 317 SR 10/SC 322 - 322 SR 11/RS 296 103 399

SUL 935 103 1.038 TOTAL 31.473 4.828 36.301

ASSENTAMENTO / RECONHECIMENTO por SR/UF – 2003

TABELA 04

DESAPROPRIAÇÃO / COMPRA E VENDA – 2003

Unidade Qtde (A)

em Andamento

Concretizada (C)

IMÓVEIS 192 87 18 210

ÁREA / Ha 409.008 161.268 16.519 425.527

FAMÍLIAS (Capacidade) 12.176 9.197 679 12.855

DESAPROPRIAÇÃO - 2003TOTAL

(A+C)

COMPRA

Fonte: MDA/INCRA/SD “Ações finTABELA 03alísticas 2003”, data: 20/01/2004, referência 31/12/2003, www.incra.gov.br acessado em 25/03/2004 às 13:27hs.

No ano de 2003, foram efetivamente assentadas em projetos implantados pelo novo governo 9.233 famílias, sendo que a área efetivamente desapropriada (409.008ha) tinha capacidade para assentar apenas 12.176 famílias. Aliás, a área comprada ou em processo de compra, ou seja, o recurso ao mercado imobiliário foi de pouco mais de 170 mil hectares, 30% do total do esforço de obtenção de terras. Entre as 36.301 famílias assentadas, há também a soma dos assentamentos de reforma agrária, de regularização fundiária e de reordenamento dos assentamentos já existentes, onde na maioria dos casos reconhecia-se a situação já existente de substituição de antigos assentados. Também, entre os assentados daquele ano, estão 22.240 famílias que foram contabilizadas em assentamentos antigos. Mas, para se ter a idéia de certo descontrole das estatísticas do INCRA, há uma listagem do SIPRA, de 01/01/2003 a 31/12/2003 disponível, indicando o assentamento de apenas 35.643 famílias. A análise dos dados pode gerar a impressão de que já na divulgação dos dados de 2003, o MDA/INCRA estava discernindo entre assentamento efetivo de reforma agrária e reconhecimento e regularização fundiária. Mas um olhar mais atento às listagens obtidas pode-se verificar que

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entre os dados sobre assentamentos antigos, estão também dados referentes à substituição de famílias nestes assentamentos. Esta conclusão é possível, pois na nota explicativa sobre o que foi computado como reconhecimento, refere-se apenas aos assentamentos estaduais e/ou municipais reconhecidos. O Relatório Preliminar de 2004 do DATALUTA – Banco de dados da Luta pela Terra do NERA – Núcleo de Estudos, Pesquisas e Projetos de Reforma Agrária do Departamento de Geografia da UNESP de Presidente Prudente22, coordenado por FERNANDES, B.M., e que faz ano a ano o expurgo dos dados divulgados pelo INCRA desde o governo FHC, indica que o número exato de assentamentos realizados em 2003 foi de 24.020 famílias, ou seja, 9.233 famílias de assentamentos efetivos de 2003, e outras 14.787 famílias assentadas em assentamentos anteriores a este ano. Portanto, pode-se concluir que no ano de 2003, o MDA/INCRA de fato assentou como ação já efetiva do novo governo, um total de 9.233 famílias. Com muito boa vontade, pode-se dizer que completou em assentamentos de governos anteriores um total de 14.787 famílias, chegando assim a um total de 24.020 famílias. As 12.281 famílias restantes são números da reordenação, reconhecimento e regularização fundiária em 2003. Partindo-se dos dados obtidos pelo NERA, a diferença entre o número de famílias assentadas e a meta de 2003 (30 mil famílias), seria negativa em 5.980 famílias. Porém, tomando-se os assentamentos efetivamente implantados no novo governo, a diferença negativa seria de 20.767 famílias. Assim, em uma primeira conclusão pode-se afirmar que o MDA/INCRA fez de fato no primeiro ano de governo, menos de um terço (30,8%) da reforma agrária prevista no II PNRA. 3. 2004, consciência e frustração no segundo ano da não reforma agrária do II PNRA Em 2004, as cifras do INCRA/MDA indicaram 81.184 famílias em uma tabela divulgada (TABELA 05) e 81.160 na listagem SIPRA. Do total, 25.735 famílias (44%) referem-se a assentamentos realizados em 2004, e 9.705 famílias em assentamentos iniciados de 2003. Mas, 45.744 famílias tiveram suas RBs homologadas em assentamentos anteriores a 2003, ou seja, 56% do total.

TABELA 05

BRASIL - 2.004 - GOVERNO LULA - Projetos de Reforma Agrária Número de Famílias Assentadas(por Trimestre, segundo o período/ano de criação)

TOTAL (3) 8.303 13.416 20.708 38.757 81.184 100

Período de criação 1º Trim. 2º Trim. 3º Trim. 4º Trim. 2004TOTAL %

Até 1984 91 116 666 684 1.557 1,921985 a 1994 629 1.238 2.567 2.847 7.281 8,971995 a 2002 5.740 6.438 9.420 15.308 35.906 45,46Subtotal (1) 6.460 7.792 12.653 18.839 45.744 56,35

2003 1.276 3.637 3.496 1.296 9.705 11,952004 567 1.987 4.559 18.622 25.735 31,7

Subtotal (2) 1.843 5.624 8.055 19.918 35.440 43,65

Fonte.- SDM. Sistema SIPRA. Relatório: Rel 0229. Data. 3110112005.

22 http://www2.prudente.unesp.br/dgeo/nera/telas/projetos.htm acessado em 03/03/2006 às 0,51hs.

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Mas quando, é introduzido o necessário “expurgo” dos dados feitos pelo NERA, o número efetivo ficou em 34.185 famílias23. Assumindo-se os dados relativos às famílias nos assentamentos efetivos do governo LULA nos dois primeiros anos, seriam no máximo 43,4 mil famílias, pois certamente, entre os dados de 2004, relativos a 2003, existiram casos que não se enquadravam na classificação dos assentamentos da reforma agrária. Como também, em 2004 o MDA/INCRA não cumpriu as metas do ano (115 mil famílias) a diferença, segundo os dados do NERA seria negativa em 80.815 famílias, que por sua vez, somadas à diferença negativa de 2003, também apurada pelo NERA, acumularia uma diferença negativa de 86.795 famílias. Porém, se for considerado apenas, os assentamentos efetivados no governo LULA, este número ficaria em 101.582 famílias. A segunda conclusão que pode-se afirmar é que no segundo ano do governo LULA o MDA/INCRA fez menos de um terço (29,7%) da reforma agrária prevista no II PNRA. 4. Os números de 2005: aparece claramente a não reforma agrária do MDA/INCRA Quanto aos dados de 2005, o MDA/INCRA anunciou 127.506 famílias assentadas e mais, logo somou a eles os números dos anos anteriores chegando à cifra de 245.061 famílias (a soma divulgada a cada ano não batem com a cifra acumulada) nos três anos do governo LULA. Aliás, o cadastro do INCRA é uma verdadeira caixa preta para a sociedade, menos para “alguns funcionários”. Mas, qual foi então a “matemagia” que o INCRA/MDA fez? Como afirmei anteriormente, somaram todos os dados das diferentes Metas do II PNRA, como se fossem assentamentos novos relativos à Meta 1. Portanto, porque a atitude de somar tudo ? Em minha modesta opinião, depois de longa trajetória de pesquisador sobre a questão agrária, só há uma explicação para essa postura: esconder o essencial. E qual é o essencial? Não tenho mais dúvida nenhuma de que o MDA/INCRA, não cumpriu as metas dos assentamentos novos, e isso foi feito intencionalmente, ou seja, não queriam (desde 2003) fazer a reforma agrária e por isso não a fizeram, era a continuidade da não reforma agrária. Por isso, os dados de 2005 divulgados também, tiveram que ser reclassificados estatisticamente. Como os pesquisadores do NERA ainda não concluíram seu trabalho de expurgo dos dados de 2005, eu mesmo, fiz uma nova classificação, com os limites da forma como os dados foram divulgados, segundo as seguintes classes e os seguintes resultados: - Reordenação Fundiária - um total de 47,6 mil famílias. - Regularização Fundiária - um total de 32,8 mil famílias. - Reassentamentos Fundiários de famílias Atingidas por Barragens - um total de 1,6 mil famílias. - Reforma Agrária - um total de 45,5 mil famílias. Assim, das 127,5 mil famílias 82 mil não se referem à reforma agrária de fato, ou seja, ao cumprimento da Meta 1 do II PNRA. Quem é que tem razão MDA/INCRA ou o MST? É evidente que o governo tentou confundir a todos, mas, caiu na armadilha que armou. A continuidade da não reforma agrária, ou se preferirem, a reforma agrária de um pouco mais de um terço da meta, pois, no total foi atingido foi tão somente de 39,6% da Meta 1 de 2005. Os dados reclassificados estão expostos na TABELA 06 a seguir. Nela encontra-se de forma detalhada, a distribuição por SR e por regiões os novos números obtidos. Assim, do total divulgado pelo MDA/INCRA, tem-se: 1,2% (1.606 famílias) relativas à reassentamentos de atingidos por barragens; 37,3% (47.571 famílias) incluídas em ações de reordenação fundiária; 25,8% (32.835 famílias) produto de ações de regularização fundiária; e apenas 37,7% (45.509 famílias) em assentamentos novos da reforma agrária da Meta 1 do II PNRA.

23 Idem.

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TABELA 06

BRASIL - GOVERNO LULA - ASSENTAMENTOS REALIZADOS PELO INCRA/MDA – 2005

Unidades da Re- Federação/Regiões TOTAL Assentamentos Reordenação Regularização REFORMA Superintendências GERAL Fundiários Fundiária Fundiária AGRÁRIA

Regionais-INCRA

BRASIL 127.511 (1,2%) 1.606 (37,3%) 47.561 (25,8%) 32.835 (37,7%) 45.509 NORTE 58.349 220 18.070 29.628 10.431

SR/14 Acre 4.025 0 2.635 983 407SR/17 Rondônia 1.741 0 1.693 40 8SR/25 Roraima 1.433 0 925 0 508SR/21 Amapá 1.854 0 1.457 397 0SR/15 Amazonas 5.167 0 1.999 2.953 215SR/01 Pará 14.838 0 564 13.528 746SR/27 Marabá 8.196 0 5.167 0 3.029SR/30 Santarém 18.000 0 2.621 11.727 3.652 PARÁ Total (1) 41.034 0 8.352 25.255 7.427SR/26 Tocantins 3.095 220 1.009 0 1.866

NORDESTE 39.735 0 14.613 3.057 22.065SR/12 Maranhão 16.438 0 7.353 428 8.657SR/24 Piauí 4.982 0 791 1.191 3.000SR/02 Ceará 1.432 0 641 26 765SR/19 Rio Grande do Norte 1.904 0 915 0 989SR/18 Paraíba 1.376 0 504 0 872SR/03 Pernambuco 3.725 0 2.363 0 1.362PERNAMBUCO Total (2) 5.783 0 2.940 0 2.843SR/22 Alagoas 1.300 0 387 0 913SR/23 Sergipe 1.400 0 210 30 1.160SR/05 Bahia 5.120 0 872 1.382 2.866SR/29 Petrolina 2.058 0 577 0 1.481

CENTRO-OESTE 19.898 0 10.393 0 9.505SR/13 Mato Grosso 10.301 0 8.135 0 2.166SR/16 Mato Grosso do Sul 6.032 0 835 0 5.197SR/04 Goiás 2.494 0 1.029 0 1.465SR/28 Distrito Federal 1.071 0 394 0 677

SUDESTE 6.541 806 2.703 150 2.882SR/06 Minas Gerais 3.368 806 1.256 0 1.306SR/20 Espírito Santo 507 0 335 0 172SR/07 Rio de Janeiro 657 0 222 0 435SR/08 São Paulo 2.009 0 890 150 969

SUL 2.988 580 1.782 0 626SR/09 Paraná 1.938 580 1.024 0 334SR/10 Santa Catarina 402 0 334 0 68SR/11 Rio Grande do Sul 648 0 424 0 224

Fonte: www.incra.gov.br/relgeren_127511 (*) Inclui SR/01 Pará, SR/27 Marabá e SR/30 Santarém Organização e conceituação: OLIVEIRA, A.U., ABRA, USP, IANDÉ, 2006. (1) Reassentamentos Fundiários de famílias Atingidas por Barragens, proprietárias ou com direitos adquiridos em decorrência de grandes obras de barragens e linhas de transmissão de energia realizadas pelo Estado e/ou empresas concessionárias e ou privadas. (2) Reordenação Fundiária - Substituição e/ou reconhecimento de famílias presentes nos assentamentos já existentes. (3) Regularização Fundiária - Reconhecimento do direito das famílias (populações tradicionais, extrativistas, ribeirinhos, pescadores, posseiros, etc.) já existentes nas áreas objeto da ação (flonas, resex, agroextrativista, desenvolvimento social, fundo de pastos, etc. (4) Reforma Agrária - Assentamentos decorrentes de ações desapropriatórias de grandes propriedades improdutivas, compras de terra e retomada de terras públicas griladas. Observação: Os dados divulgados na listagem não permitem discernir entre desapriação ou compra e terras públicas.

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Do ponto de vista territorial a distribuição regional das diferentes classes de assentamentos, obedeceu aos números presentes na TABELA 07 a seguir. Quanto aos assentamentos novos relativos à Meta 1 do II PNRA, verificou-se que 8,18% deles ficou a região Norte; 17,30% como o Nordeste, destaque para os estados do Maranhão e Piauí com mais de 11 mil famílias assentadas;.7,46% com o Centro Oeste, perfazendo as três regiões um total de mais de 92% dos assentamentos da Meta 1 realizados. Para as regiões Sudeste e Sul ficaram os percentuais ínfimos de 2,26% e 0,49% respectivamente. Como se vê pela distribuição territorial, nada de se fazer reforma agrária onde domina o agronegócio.

TABELA 07

BRASIL - GOVERNO LULA - ASSENTAMENTOS REALIZADOS

PELO INCRA/MDA - 2005

Regiões BRASIL Norte Nordeste Centro- Sudeste Sul Oeste

TOTAL GERAL 127.511 58.349 39.735 19.898 6.541 2.988 100% 45,76% 31,16% 15,61% 5,13% 2,34%

Reassentamentos Fundiários (1) 1.606 220 0 0 806 580 1,25% 0,17% 0% 0% 0,63% 0,45%

Reordenação Fundiária (2) 47.561 18.070 14.613 10.393 2.703 1.782 37,30% 14,17% 11,46% 8,15% 2,12% 1,40%

Regularização Fundiária (3) 32.835 29.628 3.057 0 150 0 25,76% 23,24% 2,40% 0% 0,12% 0%

REFORMA AGRÁRIA (4) 45.509 10.431 22.065 9.505 2.882 626 35,69% 8,18% 17,30% 7,46% 2,26% 0,49%

Fonte: www.incra.gov.br/relgeren_127511 Organização e conceituação: OLIVEIRA, A.U., ABRA, USP, IANDÉ, 2006.

(1) Reassentamentos Fundiários de famílias Atingidas por Barragens, proprietárias ou com direitos adquiridos em decorrência de grandes obras de barragens e linhas de transmissão de energia realizadas pelo Estado e/ou empresas concessionárias e/ou privadas. (2) Reordenação Fundiária - Substituição e/ou reconhecimento de famílias presentes nos assentamentos já existentes. (3) Regularização Fundiária - Reconhecimento do direito das famílias (populações tradicionais, extrativistas, ribeirinhos, pescadores, posseiros, etc.) já existentes nas áreas objeto da ação (flonas, resex, agroextrativista, desenvolvimento social, fundo de pastos, etc. (4) Reforma Agrária - Assentamentos decorrentes de ações desapropriatórias de grandes propriedades improdutivas, compras de terra e retomada de terras públicas griladas. Observação: Os dados divulgados na listagem não permitem discernir entre desapriação ou compra e terras públicas.

Quando se procede a comparação entre os assentamentos efetivamente realizados e a distribuição pelas SR das metas previstas para o cumprimento da Meta 1 do II PNRA, o resultado revela mais discriminação territorial. Na região Sul, menos de 12% da meta foi atingida. Na região Sudeste e na região Centro Oeste os percentuais foram parecidos de 35% e 34%. Na região Nordeste por sua vez, o percentual ficou em 55% e na região Norte em 30%. Como se pode verificar, a distribuição das ações efetivas de reforma agrária está coerente com a concepção da não reforma agrária do MDA/INCRA que por sua vez bate integralmente com a concepção dos principais assessores do governo LULA. Portanto, a reação forte do MDA/INCRA contra o MST, deveu-se única e exclusivamente ao fato de que, a crítica feita atingira totalmente o ponto frágil da gestão do MDA/INCRA: o não cumprimento das metas do II PNRA. Assim, o governo LULA fechou o terceiro ano do mandato, acumulando uma diferença negativa na relação números alcançados e metas estipuladas de 69.491 famílias em 2005, que somadas às outras diferenças negativas dos anos anteriores deu uma cifra de 156.286 famílias pelos indicadores do NERA em 2003 e 2004, e de 171.073 famílias pelos meus cálculos. Isto quer dizer que o MDA/INCRA assentou referente à Meta 1 do II PNRA, apenas e tão somente 89.927 famílias, ou 34,2% das metas estabelecidas para os três primeiros anos de governo. Pode-se

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concluir, portanto, que a teoria do um terço das metas se manteve constante, e com ele a tese da não reforma agrária.

TABELA 08

BRASIL – GOVERNO LULA - ASSENTAMENTOS REALIZADOS PELO INCRA/MDA - 2005

UF Reassentamentos Regiões TOTAL Reordenação e % REFORMA % META Diferença %

SR GERAL Regularização AGRÁRIA RA/ INCRA Fundiária META

BRASIL 127.511 82.002 64,31% 45.509 35,69% 115.000 -69.491 -60,43%

NORTE 58.349 47.918 82,12% 10.431 17,88% 34.350 -23.919 -69,63% SR/14 AC 4.025 3.618 89,89% 407 10,11% 3.000 -2.593 -86,43% SR/17 RO 1.741 1.733 99,54% 8 0,46% 2.000 -1.992 -99,60% SR/25 RR 1.433 925 64,55% 508 35,45% 2.800 -2.292 -81,86% SR/21 AP 1.854 1.854 100,00% 0 0,00% 1.150 -1.150 -100,00% SR/15 AM 5.167 4.952 95,84% 215 4,16% 3.000 -2.785 -92,83% SR/01 PA 14.838 14.092 94,97% 746 5,03% 6.400 -5.654 -88,34% SR/27 MB 8.196 5.157 62,92% 3.029 36,96% 12.000 -8.971 -74,76% SR/30 SM 18.000 14.348 79,71% 3.652 20,29% 0 3.652 0,00%

PA Total (1) 41.034 33.607 81,90% 7.427 18,10% 18.400 -10.973 -59,64% SR/26 TO 3.095 1.229 39,71% 1.866 60,29% 4.000 -2.134 -53,35%

NORDESTE 39.735 17.670 44,47% 22.065 55,53% 39.900 -17.835 -44,70% SR/12 MA 16.438 7.781 47,34% 8.657 52,66% 10.400 -1.743 -16,76% SR/24 PI 4.982 1.982 39,78% 3.000 60,22% 3.500 -500 -14,29% SR/02 CE 1.432 667 46,58% 765 53,42% 2.000 -1.235 -61,75% SR/19 RN 1.904 915 48,06% 989 51,94% 2.500 -1.511 -60,44% SR/18 PB 1.376 504 36,63% 872 63,37% 1.100 -228 -20,73% SR/03 PE 3.725 2.363 63,44% 1.362 36,56% 6.800 -5.438 -79,97%

PE Total (2) 5.783 2.940 50,84% 2.843 49,16% 8.800 -5.957 -67,69% SR/22 AL 1.300 387 29,77% 913 70,23% 3.000 -2.087 -69,57% SR/23 SE 1.400 240 17,14% 1.160 82,86% 2.500 -1.340 -53,60% SR/05 BA 5.120 2.254 44,02% 2.866 55,98% 6.100 -3.234 -53,02% SR/29 MF 2.058 577 28,04% 1.481 71,96% 2.000 -519 -25,95%

C. OESTE 19.898 10.393 52,23% 9.505 47,77% 27.400 -17.895 -65,31% SR/13 MT 10.301 8.135 78,97% 2.166 21,03% 13.500 -11.334 -83,96% SR/16 MS 6.032 835 13,84% 5.197 86,16% 9.100 -3.903 -42,89% SR/04 GO 2.494 1.029 41,26% 1.465 58,74% 3.000 -1.535 -51,17% SR/28 DF 1.071 394 36,79% 677 63,21% 1.800 -1.123 -62,39%

SUDESTE 6.541 3.659 55,94% 2.882 44,06% 8.090 -5.208 -64,38% SR/06 MG 3.368 2.062 61,22% 1.306 38,78% 3.360 -2.054 -61,13% SR/20 ES 507 335 66,07% 172 33,93% 930 -758 -81,51% SR/07 RJ 657 222 33,79% 435 66,21% 800 -365 -45,63% SR/08 SP 2.009 1.040 51,77% 969 48,23% 3.000 -2.031 -67,70%

SUL 2.988 2.362 79,05% 626 20,95% 5.260 -4.634 -88,10% SR/09 PR 1.938 1.604 82,77% 334 17,23% 3.000 -2.666 -88,87% SR/10 SC 402 334 83,08% 68 16,92% 600 -532 -88,67% SR/11 RSl 648 424 65,43% 224 34,57% 1.660 -1.436 -86,51%

Fonte: www.incra.gov.br/relgeren_127511 Organização e conceituação: OLIVEIRA, A.U., ABRA, USP, IÁNDE, 2006. (1) Reassentamentos Fundiários de famílias Atingidas por Barragens, proprietárias ou com direitos adquiridos em decorrência de grandes obras de barragens e linhas de transmissão de energia realizadas pelo Estado e/ou empresas concessionárias e ou privadas. (2) Reordenação Fundiária - Substituição e/ou reconhecimento de famílias presentes nos assentamentos já existentes. (3) Regularização Fundiária - Reconhecimento do direito das famílias (populações tradicionais, extrativistas, ribeirinhos, pescadores, posseiros, etc.) já existentes nas áreas objeto da ação (flonas, resex, agroextrativista, desenvolvimento social, fundo de pastos, etc. (4) Reforma Agrária - Assentamentos decorrentes de ações desapropriatórias de grandes propriedades improdutivas,compras de terra e retomada de terras públicas griladas. Observação: Os dados divulgados na listagem não permitem discernir entre desapriação ou compra e terras públicas.

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5. Quem ganha e quem perde? É praticamente impossível hoje calcular-se o número total de assentados da reforma Agrária, pois no governo FHC, os adeptos da “matemagia” do “Cadastro do INCRA alteraram a base cadastral dos dados do SIPRA. Isto quer dizer o seguinte: somente um novo censo nacional dos assentamentos de colonização, reforma agrária e regularização fundiária permitiria restaurar a base estatística dos dados do INCRA. Repito mais uma vez, no INCRA o Cadastro é, em minha modesta opinião, a “caixa preta” de muitas “operações escusas”. Por exemplo, ninguém lá, exceto o “homem do cadastro” sabe das coisas. Aliás, já é hora dos movimentos sociais começar a cobrar a transparência, visibilidade nas operações do INCRA. O INCRA é parte do Estado brasileiro e não propriedade de governo ou de “alguns funcionários”. Até arriscaria dizer que o MDA/INCRA está “enganando até o Presidente da República” com esses números e acha que poderiam enganar também os movimentos sociais e a sociedade civil inteira. Curiosamente, quando se compara os números inflados de FHC com os de LULA, verifica-se que a capacidade de inflar dados da reforma agrária do MDA/INCRA foi aperfeiçoada, pois o “balão” está mais alto. O gráfico a seguir dá a dimensão desse fato comparativamente.

GRÁFICO 03

30.716

41717

66837

98740 99201

6992973754

4348636308

81254

127.511

0

20.000

40.000

60.000

80.000

100.000

120.000

140.000

Font

e: IN

CR

A

Org

.: O

LIVE

IRA,

A.U

., U

SP, A

BRA

E IA

ND

É

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

BRASIL - REFORMA AGRÁRIA - Nº DE FAMÍLIAS ASSENTADAS

1º Governo FHC 2ºGoverno FHC Governo LULA

Mas quando, por dever de ofício, aprofunda-se na análise dos resultados efetivos alcançados pelo governo LULA no campo da reforma agrária a situação é outra. O gráfico a seguir procura fazer essa comparação entre números oficiais, números expurgados e metas. Como se pode ver, é praticamente impossível o governo em seu quarto ano, cumprir a Meta 1 do II PNRA, pois o déficit já é maior do que a meta deste ano de 2006. Este é o quadro com o qual os movimentos sociais terão que trabalhar para construir suas estratégias e táticas de ações. Não há mais como alimentar ilusões, LULA fechará este governo também, sem ter feito a reforma agrária.

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GRÁFICO 04

36.308

30.00024.020

5.980

81.254

115.000

35.185

79.81585.795

127.496

115.000

45.509

69.491

155.286

140.000

0

20.000

40.000

60.000

80.000

100.000

120.000

140.000

160.000

Font

e: IN

CR

A

Org

.: O

LIVE

IRA,

A.U

. - U

SP, A

BRA

e IA

ND

É

2003 2003 2003 2003 2004 2004 2004 2004 2004 2005 2005 2005 2005 2005 2006

BRASIL - ASSENTAMENTOS DE REFORMA ABRÁRIA - GOVERNO LULA

Assentamentos oficiais Metas II PNRA Reforma Agrária Diferença no Ano Diferença Acumulada Nem mesmo a Marcha realizada no ano de 2005, foi suficiente para sensibilizar o MDA/INCRA.

FOTO 02

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Mas, o que é mais crítico, é o quadro das famílias desesperançadas nos acampamentos. Para reforçar ainda mais a tese da não reforma agrária do MDA/INCRA, apresento a seguir TABELAS 09 E 10, resultados comparativos entre o número de famílias assentadas e de famílias acampadas em 2003 e 2004.

TABELA 09 BRASIL - GOVERNO LULA - RELAÇÃO NÚMERO DE ASSENTADOS E ACAMPADOS EM 2003

UF/ ASSENTADOS ACAMPADOS SAL DO Regiões EM 2003 EM 2003 POSITIVO NEGATIVO % BRASIL 36.301 171.288 3.831 -138.818 -81,04 NORTE 16.004 22.489 3.784 -10.269 -45,66 SR-14/AC 1.314 437 877 SR-17/RO 2.150 4.234 -2.084 -49,22 SR-25/RR 1.356 346 1.010 SR-21/AP 493 0 493 SR-15/AM 1.404 0 1.404 SR-01/PA 3.846 14.645 -6.931 -47,33 SR-27/MB 3.868 (*) (*) SR-30/SM 0 (*) (*) PA Total (1) 7.714 14.645 -6.931 -47,33 SR-26/TO 1.573 2.827 -1.254 -44,36 NORDESTE 13.256 68.172 47 -54.963 -80,62 SR-12/MA 4.866 6.328 -1.462 -23,10 SR-24/PI 1.399 2.586 -1.187 -45,9 SR-02/CE 1.013 966 47 SR-19/RN 1.026 4.397 -3.371 -76,67 SR-18/PB 435 1.028 -593 -57,68 SR-03/PE 955 22.107 -20.818 -94,17 PE Total (2) 1.624 22.107 -20.483 -92,65 SR-22/AL 246 7.325 -7.079 -96,23 SR-23/SE 63 6.138 -6.075 -98,97 SR-05/BA 2.584 17.297 -14.378 -83,12 SR-29/MF 669 (**) (**) (**) C. OESTE 4.437 46.319 -41.882 94,42 SR-13/MT 3.130 19.307 -16.177 -83,79 SR-16/MS 380 14.474 -14.094 -97,37 SR-04/GO 421 7.031 -6.610 -94,01 SR-28/DF 506 5.507 -5.001 -90,81 SUDESTE 1.566 22.810 -21.244 -93,13 SR-06/MG 458 9.236 -8.778 -95,04 SR-20/ES 272 1.791 -1.519 -84,81 SR-07/RJ 230 1.507 -1.277 -84,74 SR-08/SP 606 10.276 -9.670 -94,10 SUL 1.038 11.498 -10.460 -90,97 SR-09/PR 317 8.709 -8.392 -96,36 SR-10/SC 322 1.066 -744 -69,79 SR-11/RS 399 1.723 -1.324 -76,84 Fonte: INCRA Organização: OLIVEIRA, A.U., ABRA, USP, IANDÉ, 2006 (*) Incluídos no total do Estado do Pará (**) Incluído no total do Estado de Pernambuco

A derrota dos acampados é muito cara. Não há como explicar que em 2003, apenas 19% deles foram assentados em termos gerais para o país. Porém, quando se toma os dados regionais, nas regiões do agronegócio, mais de 90% das famílias tiveram quer permanecer acamapadas. A situação em 2004, não mudou muito, pois apenas 32% das famílias chegaram aos assentamentos. Mas nas regiões Centro Oeste, Sudeste e Sul, mais de 80% da famílias tiveram que permanecer debaixo das lonas pretas dos acampamentos. Apenas o estado do Maranhão e da Paraíba tiveram um número de assentados superior ao número de acampados, o que não quer dizer que os acampamentos tornaram-se assentamentos. Segundo os dados da Ouvidoria Agrária do MDA, no ano de 2005 até no mês de novembro o estado da Paraíba tinha conhecido

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uma única ocupação de terra, e o Maranhão nenhuma. Mas, por sua vez pelos dados da CPT de 2005, o Maranhão conheceu três ocupações de terras, enquanto que a Paraíba conheceu dez. No conjunto, o ano de 2005 foi marcado segundo a CPT por 433 ocupações de terras envolvendo cerca de 50 mil famílias. Quanto aos acampamentos, foram mais 89 concentrando mais de 17 mil famílias ainda segundo a CPT. Logo, o crescimento da luta pela terra continua sua marcha.

TABELA 10 BRASIL - GOVERNO LULA - RELAÇÃO NÚMERO DE ASSENTADOS E ACAMPADOS EM 2004

UF/ ASSENTADOS ACAMPADOS SAL DO Regiões EM 2004 EM 2004 POSITIVO NEGATIVO % BRASIL 81.254 189.865 -129.571 -68,2% NORTE 31.846 17.408 18.341 -3.903 -22,4% SR-14/AC 4.191 126 4.065 SR-17/RO 2.052 2.860 -808 -28,3% SR-25/RR 2.828 0 2.828 SR-21/AP 1.221 0 1.221 SR-15/AM 3.172 0 3.172 SR-01/PA 7.421 9.541 (*) (*) SR-27/MB 9.175 (*) (*) (*) SR-30/SM 0 (*) (*) (*) PA Total 16.596 9.541 7.055 SR-26/TO 1.786 4.881 -3.095 -63,4% NORDESTE 28.453 83.128 2.711 -57.386 -69,0% SR-12/MA 11.454 8.881 2.573 SR-24/PI 2.266 2.482 -216 -8,7% SR-02/CE 1.158 1.263 -105 -8,3% SR-19/RN 2.479 4.590 -2.111 -46,0% SR-18/PB 1.748 1.610 138 SR-03/PE 736 21.517 -19.741 -91,7% PE Total 2.741 21.517 -18.776 -87,3% SR-22/AL 827 8.891 -8.064 -90,7% SR-23/SE 521 11.750 -11.229 -95,6% SR-05/BA 5.183 22.144 -15.920 -71,9% BA Total 5.259 22.144 -16.885 -76,3% SR-29/MF 2.081 (**) (**) (**) C. OESTE 14.858 46.057 -31.199 -67,7% SR-13/MT 10.213 18.242 -8.029 -44,0% SR-16/MS 3.511 17.769 -14.258 -80,2% SR-04/GO 377 7.186 -6.809 -94,8% SR-28/DF 757 2.860 -2.103 -73,5% SUDESTE 2.453 23.167 -20.714 -89,4% SR-06/MG 1.168 9.790 -8.622 -88,1% SR-20/ES 399 2.229 -1.830 -82,1% SR-07/RJ 160 2.007 -1.847 -92,0% SR-08/SP 726 9.141 -8.415 -92,1% SUL 3.644 20.013 -16.369 -81,8% SR-09/PR 2.726 16.497 -13.771 -83,5% SR-10/SC 389 1.016 -627 -61,7% SR-11/RS 529 2.500 -1.971 -78,8%

Fonte: INCRA Organização: OLIVEIRA, A.U., ABRA, USP, IANDÉ, 2006

(*) Incluídos no total do Estado do Pará (**) Incluído nos totais dos Estados de Pernambuco (50%) e Bahia (50%)

Diante esta realidade: quem ganhou e quem perdeu? O MDA/INCRA acha que ganhou, pois tentaram transformar uma derrota em vitória a qualquer custo. Os latifundiários certamente ganharam, pois não foram molestados pela não reforma agrária do governo atual. O agronegócio ganhou, porque pode continuar “escondendo” a terra improdutiva debaixo dos índices técnicos da década de 70, utilizados pelo INCRA na definição da produtividade.

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Quem perdeu foram os movimentos sociais, pois foram ludibriados nas reuniões de acompanhamento onde sempre ouviram o discurso de que a reforma agrária seria feita. Mas, perdeu parte da sociedade brasileira, que permanece na esperança de que um dia, a dívida social da reforma agrária seja verdadeiramente paga. Não há outro caminho para os que sempre lutaram pela reforma agrária, continuar seguindo a palavra de ordem talvez mais antiga: “a luta continua”. Mas, agora, com a certeza de que há inimigos da reforma agrária também, no interior do Partido dos Trabalhadores. O caminho talvez seja, reforçar ainda mais o rubor da vergonha e, encontrar no vermelho das marchas, as retomadas das ocupações e da luta, porque como escreveu Chico da Silva em seu tema para o Boi Garantido de Parintins-AM:

O brilho do meu canto tem o tom E a expressão da minha cor “vermelho”24

(no quente verão de março do quarto ano da decepção com a reforma agrária do governo LULA, mas, com a alegria com uma retomada do despertar na América Latina)

24 “Vermelho” Chico da Silva, Ed. Mercury, do CD de Fafá de Belém “Pássaro sonhador” 1996.