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A natureza e o homem integral na poesia de patativa do assaré Carlos Gildemar Pontes gílpoetaeeyahoo.ít Carlos Gildemar Pontes fala sobre Patativa do Assaré, um dos icones da cultura brasileira, com quem teve oportunidade de conversar diversas vezes e de quem acredita ter reaprendido a ver o mundo e dar um novo rumo à sua poesia. Escritor: Poeta, ficcionista e Ensaísta. Professor de Literatura da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG, em Cajazeiras. Graduado em Letras pela UFC. Mestre em Letras UERN. Doutorando em Letras UERN. Curso de Francês pela Cultura Francesa da UFC. Editor da Revista Acauã e do Selo Acauã. Tem 22 livros publi- cados e oito cordéis. É traduzido para o espanhol e publicado em Cuba nas Revistas Bohemia e Antenas. Vencedor de Prêmios Literários locais e nacionais. Foi indicado para o Prêmio Portugal Telecom, 2005, o principal prêmio literário em Língua Portu- guesa no mundo, com o livro Os gestos do amor. Ministra Cursos, Palestras, Oficinas, Comunicações em Eventos nacionais e inter- nacionais. Faixa Preta de Karate Shotokan 3° Dan. Coordena o Grupo de performance poética Verso ao Vento. Coordena o Projeto de Extensão Karate Campeão da UFCG. 232

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A natureza e o homem integral napoesia de patativa do assaré

Carlos Gildemar Pontesgílpoetaeeyahoo.ít

Carlos Gildemar Pontes fala sobre Patativa do Assaré, um dosicones da cultura brasileira, com quem teve oportunidade deconversar diversas vezes e de quem acredita ter reaprendido aver o mundo e dar um novo rumo à sua poesia. Escritor: Poeta,ficcionista e Ensaísta. Professor de Literatura da UniversidadeFederal de Campina Grande - UFCG, em Cajazeiras. Graduadoem Letras pela UFC. Mestre em Letras UERN. Doutorando emLetras UERN. Curso de Francês pela Cultura Francesa da UFC.Editor da Revista Acauã e do Selo Acauã. Tem 22 livros publi-cados e oito cordéis. É traduzido para o espanhol e publicadoem Cuba nas Revistas Bohemia e Antenas. Vencedor de PrêmiosLiterários locais e nacionais. Foi indicado para o Prêmio PortugalTelecom, 2005, o principal prêmio literário em Língua Portu-guesa no mundo, com o livro Os gestos do amor. Ministra Cursos,Palestras, Oficinas, Comunicações em Eventos nacionais e inter-nacionais. Faixa Preta de Karate Shotokan 3° Dan. Coordenao Grupo de performance poética Verso ao Vento. Coordena oProjeto de Extensão Karate Campeão da UFCG.

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Patativa do Assaré representa, no universo literáriobrasileiro, um dos escritores mais importantes. Poderiadizer isso com qualquer escritor inserido no Cânone daLiteratura Brasileira e teria a mesma equivalência, maspor que Patativa não figura nos livros de historiografialiterária? Há algumas explicações que já não se aceitammais em plena era da informação instantânea. O problemapassa a ser dos que fazem o cânone e não conseguem selibertar dos fatores regionais, eruditos e sistêrnicos comopropõem os manuais de teoria copiados dos modelosestrangeiros.

Devido à sua origem roceira, humilde, sertaneja,Patativa foi relegado a um plano marginalizado dentrodeste cânone estagnado em métodos de aferição a partirdos autores do eixo Rio-São Paulo. Nascido na Serra deSantana, distrito de Assaré, no Ceará, Patativa não sóestava distante do centro de poder acadêmico, locali-zado coincidentemente na região sudeste, que detém odomínio econômico, mas integrava um universo culturalque somente há alguns anos tem se dedicado a estudarautores periféricos e separados culturalmente pelabarreira que separa erudito de popular. ACultura Popularpassou a designar toda cultura não erudita, não acadêmicae atribuída às camadas pobres da sociedade. Isso, por si,já necessita de uma revisão conceitual, pois se quisermosanalisar a obra de arte pelo fator estético, qualquer outrovalor perde a sua referência conceitual.

Por falar em Cânone, já se tornou rotineiro emtrabalhos acadêmicos sobre Cultura Popular algumasdefinições de Cultura, das suas diferenças e de seualcance, assim como a citação de teóricos, notadamenteos estrangeiros, sobre o assunto. É como se nós, criadorese vivenciadores de um determinado espaço cultural preci-sássemos validar nosso modo de praticar uma cultura à

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luz de um saber elaborado e institucional de outro povo,supostamente mais sabido. Ao fugir desta perspectivaconceitual, proponho uma leitura dos poemas de Patativado Assaré, tomando por base uma definição de poesiaque está intrinsecamente ligada ao seu fazer poético. Aobservação atenta da natureza aliada à agilidade mentale à sensibilidade ao descrever os fenômenos que geram apoesia.

Nem eruditos nem populares, os poetas não precisamser rotulados por uma definição ideológica que os filiema uma percepção estética. Como fugir deste impasse declassificação? Talvez, a revisão conceitual de cultura e deidentidade desvinculadas do sociologismo e mais voltadaspara uma percepção natural de leitura do mundo cognos-cível, em que autores e leitores desfrutem de um sabercomum, possa redimensionar o cânone, as antologias e aimportância dada a tão poucos autores.

Mesmo por que a tradição literária brasileira nãoprivilegia a poesia dita popular, a poesia feita nas camadaspopulares da sociedade, que tem uma forma própria deexistência. Então, a poesia de Patativa se enquadrariadentro de um universo literário brasileiro mais amplo, masnão canônico. Portanto, infelizmente, dentro da concepçãode literatura brasileira que se tem na Academia, nos livrosdidáticos, a obra de Patativa ainda aparece como umacoisa um tanto exótica, uma novidade, e não uma poesiaencorpada, embasada nos valores tradicionais da métricae da rima. Ela é vista dentro de uma concepção de mundocalcado no interior, no sertão. E essa poesia precisariaestar dentro da Academia, dentro dos livros didáticos paraque o Brasil pudesse conhecê-Ia e se reconhecer.

Quando Patativa surgiu para o mercado editorial jáera conhecido no meio popular como repentista, cordelista

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e poeta de feira, que cantava e recitava sua poesia em locaispúblicos de grande movimento e em festas nos sítios. Maso olhar da academia só lhe viu próximo dos seus 70 anos,quando já tinha escrito e consolidada a maior parte dasua obra. Essa omissão dos que validam e vivem a vaidadeacadêmica é típica de sociedades periféricas e de intelec-tuais papagaios que forjam um conhecimento já fundidoem outras culturas. Em sociedades tidas como centraisou matrizes, centralizadoras de um saber acadêmico eteórico, artistas, intelectuais e filósofos surgem mais cedo,caso dos franceses e alemães, que discutem seus pensa-dores já na origem de sua produção. Desconheço alguémque se diga Rosiano, Graciliânico, Drummondiano, Patati-vano, Suassunano sem, antes, se definir como Foucaulte-ano, Saussureano, Marxista, Freudiano etc. Então, quandoleio Graciliano citando Lukács estou lendo ou atribuindo aLukács a primazia de um conhecimento que devo aplicar àleitura (Lukacseana) de uma obra?

Mas é a academia que me cobra citações. Há disser-tações e teses que mais parecem colcha de retalhos defiliações cegas ao pensamento de outrem, que se repassamem segunda mão. O poeta é quem mais sofre nesta relaçãocom o mundo acadêmico das analogias e citações por que,na origem, o poeta vê o processo e o resultado da artecomo uma engrenagem inseparável, pois sabe, de ofício, omodo de pensar e fazer.

Patativa tem características que são peculiares aomodo de vida matuto, da roça, do pé de serra, das estiagensprolongadas, de sofrimento pela exploração, tudo issomediado por uma poesia de quem foi cantador de viola,repentista, depois passou à poesia escrita. Como agricul-tor, homem voltado para as coisas do campo, tendo a suasubsistência tirada exclusivamente do campo, do sertão nocaso, saía como todos os agricultores, de manhã bem cedo,

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para a lavoura, com sua enxada nas costas e um surrâocom um punhado de farinha, rapadura .ou carne seca, queseria o tradicional, e capinava o dia todo, montava roça.Passava o dia todo arrancando toco, tentando organizaruma lavoura, às vezes em terrenos íngremes. Esse típo detrabalho era muito cansativo e o poeta tentava preenchera mente para que ela não ficasse desocupada.

O Poeta desenvolveu uma capacidade de observa-ção extraordinária de tudo aquilo que estava ao seu redore transformou essa observação em poesia. Ele apreendiaa realidade criando e, ao mesmo tempo, memorizandoversos numa espécie de monólogo interior. E assimpassava toda a manhã e parte da tarde, compondo seuspoemas. Aü final do dia, Patativa teria feito 3, 4, 5 sabe-selá quantos poemas, e memorizado a todos, o que fez comque tivesse exercitado a sua memória de forma prodi-giosa. Corno precisava expressar sua poesia para os seusconfrades, os amigos, seu püvü, muitas vezes tinha queadaptar essa linguagem à linguagem falada pelo püvü, daí alinguagem dita matuta ter sido grafada em alguns poemas.A linguagem matuta da poesia nada mais é que a linguagemfalada pelo povo matuto, desprovida de escolaridade ejou correção gramatical, avesso ao padrão que a gramáticachama de cürretü.

No poema "Vida Sertaneja?", Patativa dirige sua vozaos seus e sabe que haverá identificação da sua poéticacom o modo de vida do povo.

Sou matuto sertanejo,Daquele matuto pobre

31. Os poemas foram extraídos de ASSARÉ, Patativa do. Melho-res poemas Patativa do Assaré. Seleção de Cláudio Portella. SãoPaulo: Global, 2006. (Coleção Melhores Poemas, Direção EdlaVan Steen).

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Que não tem gado nem quêjo,Nem ôro, prata, nem cobre.Sou sertanejo rocêro,Eu trabaio o dia intêro,Que seja inverno ou verão.Minhas mão é calejada,Minha péia é bronzeadaDa quintura do sertão(ASSARÉ,2006, p. 152).

Ao se colocar como um ser igual aos seus pares, opoeta demarca um lugar comum de convivência e provocaa empatia necessária para que os trabalhadores da roça,da sua mesma lida, se identifiquem nas caraterísticas quesão comuns a todos os sertanejos pobres e sob as mesmascondições de vida.

A adoção de uma linguagem não erudita lhe rendeucríticas de alguns intelectuais que desconsideraram suapoesia exatamente porque explorava a expressão origi-nária do povo. Houve um preconceito linguístico comumaos que desconhecem o papel da linguagem e, principal-mente da arte, visto que a poesia de Patativa alcançava aspós-graduações de importantes universidades europeias,notadamente na França, e era estudada no Brasil nosgrandes centros que estudam cultura popular.

O povo não fala "errado", fala uma linguagem traba-lhada em cima das suas necessidades de comunicação e deexpressão, que a gramática tradicional feita por estudiososda linguagem, Iinguistas, críticos literários e pessoas deuma formação universitária superior, elitizada, concebemcompletamente diferente daquela que é falada pelo povo.Portanto, nota-se uma discrepância entre um textoerudito e um texto popular, embora o que mais se acentua

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seja o aspecto ideológico, de ligar a linguagem popularao erro, à pobreza, ao feio, como se essa expressão fossedeterminante de uma classe ou segmento social. E entre otexto erudito e um texto de poesia matuta é que se veemdisparidades enormes com a grafia das palavras. Algunslinguistas defendem que o essencial é a comunicação.Recentemente, a linguística tem trabalhado no caminhoque acredito seja o mais correto. Não adianta você ter odomínio da gramática e tentar escrever um texto a partirdisto. Você vai fazer qualquer coisa de caótico ou deincompreensível dentro desses padrões. O que importa,realmente, e Patativa sabia disso, é que a poesia precisavachegar ao ouvido das pessoas da forma como elas falavam,uma expressão legitimamente matuta, o que em nenhummomento atrapalha ou prejudica a qualidade dos seustextos. Até de alguma forma dá certo charme à poesia essefalar matuto inserido dentro dessa sua forma de expressão.

Canto a vida desta genteQue trabaia inté morreSirrindo, alegre e contente,Sem dá fé do padecê,Desta gente sem leitura,Que mesmo na desventura,Se sente alegre e feliz,Sem nada sabê na terra,Sem sabê se existe guerraDe país cronta país(ASSARÉ,2006, p. 152-153).

Eesses poemas ditos e depois escritos na linguagemmatuta são de antes do seu abandono da viola, quandopassou a se dedicar aos livros. É evidente que a transcri-ção para o "matutês" foi fruto de alguém que copiou ou dotipógrafo que montou os versos. O fato é que seria impos-

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sível transcrever cada palavra com a exatidão que requer,pois a sonoridade que ela provoca está ligada à individu-alidade na fala de um poeta que entoava de acordo com osentimento que queria provocar no poema.

Quanto ao aspecto estritamente formal, a poesia dePatativa é uma poesia dentro da mais rigorosa métrica erima. Ao ser considerado um poeta que trabalha perfei-tamente o nível formal da poesia, Patativa, nesse aspecto,deveria ser reconhecido ao lado de grandes poetas quetambém fizeram isso. No soneto, por exemplo, Olavo Bilac,Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Augustodos Anjos e José Albano eram poetas brasileiros que traba-lharam bem a forma e talvez não tivessem a mesma facili-dade que Patativa teve ao produzir seus poemas, uma vezque ele produzia sonoramente, falando o poema e exer-citando esse poema até a memorização. É, pois, no nívelformal que Patativa está entre os melhores cultores dapoesia que se conhece.

Um exemplo magnífico do domínio da métrica e darima está no poema "Ciúme".

Tal qual a ave noturna quando agouraQue até faz a criança apavorar,O ciúme lhe fez não me entregarO soneto que eu fiz à professora.

É bem livre e liberta a nossa louraComo o pássaro que voa pelo ar,Para a mesma prender e dominarTua força não é superiora.Ciumento, egoísta, tenha calmaE não queira perder a sua alma,É preciso saber que existe Deus.

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Se, com manhas, trapaças ou enredos,Eu não quero saber dos teus segredos,Não procure também saber dos meus(ASSARÉ,2006, p. 24).

Ao lermos Patativa do Assaré, precisamos separara figura do poeta originário, aquele que cria e produz opoema como um objeto estético, do poeta que fala empúblico, que é levado para apresentações em teatros euniversidades e que dá entrevistas. Esse poeta exposto àmídia e ao culto carrega máscaras que atraem máscarasteóricas para definir a sua poesia originária. Não que apoesia não esteja eivada de ideologias, filosofias, socio-logismos. Em essência, ela sempre carregará o peso doseu tempo histórico. Mas ao ser lida num ato políticoou num ato acadêmico, ela carregará os sentidos a quese destinam os atos, muitas vezes rotulando a estética auma dimensão política. E aí, por vezes, vemos um poetarotulado como social, defensor de causas e atrelado acircunstâncias temporais, que faz uso das circunstânciaspara definir uma luta política. Patativa nunca fugiu dessaluta, mas sempre transcendeu a ela, pois sua verve poéticaé universal e atemporal. Por isso, julgamos importantediferenciar o poeta esteta do poeta artista, em público.Um texto sobre reforma agrária, de cunho político, revelaa universalidade da pobreza do sertanejo sem terra paraproduzir e obrigado a servir a um senhor sem pátria e semhumanidade.

Eu quero o agregado isentoDo terrível sofrimentoDo maldito cativeiroQuero ver o meu paísRico de tudo e feliz,Livre do julgo estrangeiro.

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A bem do nosso progressoQuero o apoiodo congressoSobreuma reforma agrária,Quevenha por sua vezLibertar o camponêsDasituação precária(PONTES,2018,p. 15).

É uma denúncia contra o latifúndio improdutivo,o capitalismo selvagem e os donos do poder político eeconômico. O mesmo poeta, distante dos rótulos e dascercas, ao definir a terra como parte integrada da natureza,observa quão exuberante é sua harmonia e canta, comencantamento, a certeza de ser parte dela. Então, o poetasocial e o lírico são o mesmo. Lado a lado, por uma huma-nidade acessível a todos.

Depois que eu o vi e ouvi pela primeira vez. O outropasso foi ler Cante lá que eu canto cá. Fiquei maravilhado.Eu conheci Patativa na comemoração dos seus setentaanos, eu era estudante de Letras na UFC, em Fortaleza,e houve a comemoração do aniversário dele com aapresentação de um grande recital no teatro José deAlencar. Como estudante de Letras e membro do CentroAcadêmico do curso, que levava o nome do poeta, umahomenagem justíssima a Patativa do Assaré, fui ver a suaapresentação. Isso foi em 1982.Patativa lotou o teatro Joséde Alencar, que é um dos teatros mais belos do Brasil, e elenão conseguia recitar mais do que duas estrofes seguidas,porque era interrompido por aplausos e mais aplausos. Foio primeiro contato que tive com ele.

Logo depois, em diversas ocasiões, em Fortaleza, eusempre procurava assistir às suas apresentações e tiravafoto com ele para registrar aquele momento como um

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momento brilhante em minha vida, e tive vários momentoscom ele. Quando fiz concurso para a UniversidadeFederal da Paraíba, em Cajazeiras, e comecei a lecionarlá, coordenei um projeto de extensão chamado "Encontrocom a literatura". Era um projeto que trazia escritoresde outros estados para dar palestras na universidade e,num desses encontros, levei Patativa, em 1994, 1995, poraí. Levei Patativa quatro vezes, quer dizer, uma das vezesnão foi propriamente por meu intermédio, mas por minhaintermediação, pois sabiam que eu estava ligado a ele, e daísurgiu esse contato mais estreito entre nós. Um belo dia,resolvi fazer uma grande homenagem a Patativa, entrevis-tando-o para Revista Acauâ". Eu tive sorte, pois me pareceque foi a última entrevista que ele deu em vida. Elejá estavamuito cansado, já tinha perdido a sua mulher, a DonaBelinha, e mesmo assim ele foi muito cordial, recebeu aequipe da revista com muito carinho, com muita singelezae muito humor, fizemos uma excelente matéria em vídeosobre o Memorial Patativa do Assaré, que também é umadas instituições culturais mais importantes que se tem noNordeste e precisa ser visitada, conhecida e divulgada.A gente foi saber e ver de perto aquele universo ondenasceu, morou, viveu e desenvolveu aquela poesia que mefez tanto bem como escritor hoje. Foi emocionante paramim, que estava entrando no universo da literatura brasi-leira tradicional, conhecer Patativa do Assaré e vê-lo serovacionado, aclamado por um público que reconhecia otalento de um grande poeta. Eu tive um novo rumo atémesmo na minha concepção de mundo, a partir daí.

Patativa é um dos pilares da cultura brasileira. Nóstemos de igual grandeza nomes da cultura: Aleijadinho,

32. Essa entrevista foi publicada na Revista Acauã e no livro Cul-tura popular: meios formas e identidades, com artigos de váriospesquisadores da Cultura popular, filiados a diversas IES.

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na escultura, Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral, AldemirMartins, na pintura, Lúcio Costa e Oscar Niemayer, naarquitetura. E Patativa do Assaré figura lado a lado napoesia brasileira de autores como Castro Alves, ManuelBandeira e de ficcionistas, como Machado de Assis, Joséde Alencar. Não faria distinção de qualidade entre essesescritores.

Patativa é uma referência para mim. Consolidoualguns valores que eu vinha há muito tempo trabalhandona minha concepção de mundo, como escritor. Olhar anatureza com olhos poéticos é para poucos. Umdos trechosque reputo como dos mais belos da poesia brasileira estáno poema "Cante lá que eu canto cá".O poema é, dizendorapidamente, uma amostra do seu sertão, do sertão belo,depois das chuvas, mas que também é triste quando nãochove, e das diferenças desse sertão para a capital, ondetudo é dinâmico, rápido, movido pelo progresso, pelatecnologia, e o poeta tenta mostrar como a poesia podeser vista como um método, em versos assim ...

Repare que a minha vidaé deferente da suaa sua rima pulidanasceu no salão da ruajá eu sou bem deferentemeu verso é como a simenteque nasce inriba do chãonão tenho estudo nem artea minha rima faz parteda obra da criação

mas porém eu não invejoo grande tesôro seuos livros do seu coléjo

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onde você aprendeupra gente aqui ser poetae fazê rima compretanum pricisa professobasta vê no mês de maioum poema em cada gaioe um verso em cada fulô(PONTES, 2018, p. 22/23).

A poesia de Patativa é uma poesia que consideroengagé. Num sentido de engajamento profundo com oselementos da natureza e com as formas de luta pela liber-tação do homem. Uma poesia representativa não somentedo que está ao seu redor, mas traduz o homem em todasua essencialidade, talvez esse seja o aspecto mais impor-tante da sua obra, expressar o homem integral, indepen-dente de estar no sertão, em Paris, Londres, São Paulo, ohomem, de alguma forma, oprimido, o homem dentro dopequeno lugar onde mora. O homem integral, na poesiade Patativa, tem os mesmos problemas em qualquer partedo mundo. Essa expressão do homem integral foi a maiordescoberta que eu fiz na obra de Patativa do Assaré epasso isso adiante, pois acredito que Patativa continuarásendo debatido e vai galgar o lugar de honra dentro dapoesia brasileira como uma das maiores ou senão a maiorexpressão da poesia nacional.

Referências bibliográficas

ASSARÉ, Patativa do. Melhores poemas Patativa do Assaré.Seleção de Cláudio Portella. São Paulo: Global, 2006. (ColeçãoMelhores Poemas, Direção Edla Van Steen).ASSARÉ, Patativa do /ALENCAR, Geraldo Gonçalves de (Orgs.)

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Baleeiro: Patativa e outros poetas de Assaré. Fortaleza: Secre-taria da Cultura e Desporto, 1991.PEREIRA, Sarah Meneses. De poeta para poeta: Patativa doAssaré, o homem, o mito, o poeta. In: PONTES, Carlos Gildemar(Org.) Cultura popular: meios, formas e identidades. Cajazeiras:Editora Gráfica Real, 2018, pp 35-47.PONTES, Carlos Gildemar (Org.) Uma lenda viva na poesiabrasileira. In: __ .Cultura popular: meios, formas e identida-des. Cajazeiras: Editora Gráfica Real, 2018, pp 11-33.REVISTAACAUÃ.Fortaleza-CEj Cajazeiras-PB - Ano V - dez. 99a mar. 2000, n° 5.

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