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UNIVERSIDADE PAULISTA A Natureza (In) Comunicativa dos Megaeventos Musicais Contemporâneos Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Paulista para obtenção do título de Mestre em Comunicação. MARCELA MORO São Paulo 2007

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UNIVERSIDADE PAULISTA

A Natureza (In) Comunicativa dos

Megaeventos Musicais Contemporâneos

Dissertação apresentada ao Programa

de Pós-graduação em Comunicação da

Universidade Paulista para obtenção do

título de Mestre em Comunicação.

MARCELA MORO

São Paulo

2007

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UNIVERSIDADE PAULISTA

A Natureza (In) Comunicativa dos

Megaeventos Musicais Contemporâneos

Dissertação apresentada ao Programa

de Pós-graduação em Comunicação da

Universidade Paulista para obtenção do

título de Mestre em Comunicação sob

orientação da Professora Doutora

Malena Segura Contrera.

MARCELA MORO

São Paulo

2007

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O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver

outra vez o que se viu já, ver na primavera o que se vira no verão, ver de dia o que se viu

de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a

pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava. É preciso voltar aos passos

que foram dados, para os repetir. E para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso

recomeçar a viagem. Sempre.

José Saramago Viagem a Portugal

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Dedico este trabalho a todos aqueles que, como eu, acreditam

em seus sonhos e acreditam que, de alguma forma, podemos

melhorar o mundo em que vivemos por meio da construção de

vínculos, de afeto e da semeadura incondicional do amor.

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Agradeço, em primeiro lugar, a Profa. Dra. Malena Segura Contrera que, mais do

que uma orientadora, tornou-se uma amiga.

Agradeço aos membros da Banca, Prof. Dr. Norval Baitello Junior e Profa. Dra.

Carla Reis Longhi, não somente por sua participação na banca, mas

principalmente por seu apoio e pela aprendizagem que puderam me proporcionar.

Agradeço a amiga Beatriz Wild pelo apoio no desenvolvimento do Projeto de

Pesquisa desta dissertação e na construção deste sonho.

Agradeço também o apoio de Thaís Luciana Rezende. Descobrimos os

verdadeiros amigos nas horas mais difíceis! Obrigada!

Aos amigos fica aqui registrado meu agradecimento por entenderem que mesmo

afastados, os vínculos e o afeto permanecem sempre.

Agradeço a Rosiane Simone Moro, tia, amiga, companheira em todos os

momentos importantes.

Ao Leonardo Abdo, meu agradecimento pelo apoio, pelo carinho, pelo suporte e

pela compreensão em todas as horas.

Agradeço a meus Pais, Carlos e Vilma, pelo dom da vida e por terem construído a

base para que tudo isso fosse possível e a minha irmã Fernanda, simplesmente

por existir e me fazer mais feliz, vendo o mundo de outras perspectivas.

A Isabella, agradeço por ser a luz em minha vida e a razão de tudo.

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RReessuummoo

O homem se reúne desde os primórdios de sua história. A partir de um processo de

organização social baseado na comunicação, os homens passaram a se encontrar em locais

específicos e selecionados, caracterizando assim a realização das primeiras reuniões, dos

primeiros rituais, dos primeiros eventos.

Ao lado da comunicação, os eventos refletem todas as transformações, mudanças e

alterações que o homem sofreu ao longo dos tempos; refletem, portanto, a complexidade da

contemporaneidade.

A espetacularização destas atividades, a transformação do participante em expectador, teoria

defendida, entre outros teóricos, por Edgar Morin e por Vilém Flusser, a absorção massiva de

suportes midiáticos em seu formato e a amplificação do número de participantes colocam-se

como características senão, a própria natureza destes produtos culturais, conjunto este de

fatores que contribuíram para que os eventos passassem a megaeventos.

Os megaeventos movimentam periodicamente milhares de pessoas que participam, estão

presentes e vivenciam e experiência do evento.

Analisar a complexidade comunicativa - ou incomunicativa - presente nestes espaços

constitui o objetivo principal desta dissertação, cuja estruturação baseou-se em compreender

a essência e as características destes eventos, as relações espaço-temporais concernentes

aos mesmos, a rememoração dos antigos rituais arcaicos que carregam em si, bem como o

processo que inseriu o ‘mega’ nestes produtos da cultura contemporânea.

Além disso, a estrutura desta dissertação envolveu ainda uma análise das formas de

sociabilidade e vinculação presentes nestes espaços, uma vez que estas refletem também os

tipos de vínculos que hoje caracterizam nossa sociedade.

Para tanto, a pesquisa teve como objeto os megaeventos musicais contemporâneos e, mais

especificamente, uma análise do Skol Beats 2006, megaevento de música eletrônica que está

em sua 6ª. edição.

A natureza destes megaeventos, seus excessos e seu formato privilegiam, parafraseando

Prof. Dr. Norval Baitello Junior, a irmã gêmea da comunicação, a incomunicação. Consolidam

vínculos vazios, comunidades líquidas e o afastamento do humano, por meio da

impossibilidade da construção de relações, o que caracteriza estes espaços e que os

colocam paradoxalmente à condição humana mais básica: gregária e comunicante.

Megaeventos tornaram-se espaços propícios para a dança livre da incomunicação, seus

vazios e suas pontes não construídas, o que caracteriza a natureza incomunicativa destes

produtos culturais na atualidade.

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AAbbssttrraacctt

Men gather since the beginnings of their history. Through a process of social organization

based on communication, men started to meet at specific and selected locations,

characterizing, therefore, the first meetings, the first rituals, the first events.

Besides communication, events reflect all the transformations, changes and alterations men

have undergone throughout the centuries; they reflect, therefore, the complexity of

contemporary times.

The spectacularization of these activities, the transformation of the participant into a spectator,

a theory which was defended, among other theorists, by Edgar Morin and by Vilém Flusser,

the massive absorption of media supports in its format and the amplification of the number of

participants are placed as characteristics if not, the own nature of these cultural products; this

group of factors contributed to transform events into mega events.

Mega events periodically mobilize thousands of people who participate, are present and live

the experience of the event.

Analyzing the communicative complexity – or incommunicative – present in these spaces is

the main objective of this dissertation, whose structure was based on understanding the

essence and the characteristics of these events as cultural products, the space-temporal

relations concerning them, the remembrance of the ancient archaic rituals that they carry

within themselves, as well as the process which inserted the “mega” concept in these products

from the contemporary culture.

Moreover, the structure of this dissertation also involved an analysis of the ways of

socialization and bonding present in these spaces, since they also reflect the kinds of bonds

that currently characterize our society.

Accordingly, the object of this research was the contemporary musical mega events and, more

specifically, an analysis of Skol Beats 2006, an electronic music mega event which is currently

in its sixth edition.

The nature of these mega events, their excesses and format privilege, paraphrasing Prof. Dr.

Norval Baitello Junior, the twin sister of communication: the incommunication. They

consolidate empty bonds, liquid communities and the distance of the human element, through

the impossibility of establishment of relationships, which characterize these spaces and place

them paradoxically to the most basic human condition: gregarious and communicative.

Mega events have become proper spaces for the free development of incommunication, its

emptiness and its bridges are not build, which characterizes the incommunicative nature of

these cultural products nowadays.

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SSuummáárriioo

Apresentação____________________________________________________ 10

Capítulo I - As Origens dos Megaeventos: Relações entre Espetáculo e Ritual_ 35

As Raízes e Importância do Ritual__________________________________ 37

Do Ritual Sagrado aos Megaeventos – Das práticas primitivas aos

megaespetáculos contemporâneos _________________________________ 40

Megaeventos e Modernidade______________________________________ 55

Do Hiperestímulo ao Blasé: A Anestesia como Defesa __________________ 59

Os “Super-híperestímulos”________________________________________ 61

Capítulo II – Comunidades Estéticas e Megaeventos _____________________ 65

Algumas reflexões sobre a Mídia___________________________________ 70

As Relações no Ambiente Comunicativo – Vínculos Reais e Vínculos Efêmeros

_____________________________________________________________ 76

Vínculos, Comunidades e Megaeventos _____________________________ 87

Capítulo III - A Natureza (In) Comunicativa dos Megaeventos: O Caso Skol Beats

_______________________________________________________________ 89

Elektronische Musik _____________________________________________ 91

‘Terreirão eletrônico’: Raves – Beats, Bits e Techno Music______________ 103

O Skol Beats 2006 _____________________________________________ 119

Convergências Tecnológicas _____________________________________ 131

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Interatividade com o Nada _______________________________________ 135

Ravers e Outsiders – O Público do Skol Beats 2006___________________ 139

A Captura pelo Olhar ___________________________________________ 144

Corpos Estilhaçados: Reflexões sobre a Violência nos Megaeventos _____ 149

Considerações Finais ____________________________________________ 155

Referências Bibliográficas _________________________________________ 170

Sites Consultados _____________________________________________ 178

Apêndices _____________________________________________________ 179

Tipologia de Eventos ___________________________________________ 179

Imagens Skol Beats 2006 _________________________________________ 180

Anexo_________________________________________________________ 183

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AApprreesseennttaaççããoo

Festivais de rock, festivais de música eletrônica, Olimpíadas, Parada Gay,

Carnaval, Copa do Mundo, Salão do Automóvel, São Paulo Fashion Week. O que

têm em comum estes acontecimentos? O que têm em comum estes eventos?

Reúnem periodicamente milhares, senão milhões de pessoas, com interesses

comuns, com objetivos muito similares, mas que, acima de tudo, se interessam

em participar, - o que, de acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa,

significa “tomar parte em”, em estar lá, em viver este efêmero momento do

evento.

Os meios de comunicação impressos e eletrônicos mobilizam-se antes, durante e

depois destes eventos. Mostram todos os detalhes, transmitem, retransmitem,

discutem, analisam. Super-espetacularizam o que já é espetáculo e assim,

mobilizam e envolvem outros milhões de pessoas, além daquelas que estiveram

presentes, criando os participantes virtuais, que tomam parte e são enredados

pelos acontecimentos por meio da mídia eletrônica, que amplia ainda mais as

dimensões do evento. Transforma em megaevento.

O homem se reúne desde os primórdios da humanidade. A partir de um processo

de organização social baseado na comunicação1, os homens passaram a se

encontrar em locais específicos e selecionados para tal, com objetivos delimitados

1 Norval Baitello Júnior, na obra O Animal que Parou os Relógios, discute a comunicação como fator fundamental da organização social. Tomando como base estudos relativos à organização de diversos seres vivos que, tal como o ser humano, constituem sociedades complexas e sofisticadas, o autor pontua a comunicação como elemento “sine qua non” para a organização social dos seres vivos. Somente por meio da comunicação os seres vivos mais frágeis conseguem se organizar, desenvolvendo tarefas planejadas, capazes de se fortalecer e conseqüentemente, se manter enquanto espécie.

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– planejar a caça, a guerra, comemorar ou celebrar períodos (estações do ano)

ou acontecimentos (nascimentos, mortes etc.) –, caracterizando assim a

realização das primeiras reuniões, os primeiros rituais, que podemos considerar

como os primeiros eventos.

Muitas são as abordagens na intenção de conceituar eventos e megaeventos.

Diferentes óticas, por sua vez, constróem diferentes conceitos, diferentes

definições e, principalmente, diferentes visões para um mesmo fenômeno.

Turismo, relações públicas e tantas outras áreas do conhecimento esforçam-se

em estruturar seus referenciais teóricos. No entanto, pouco se vê em relação ao

caráter comunicativo dos eventos e praticamente não encontramos nenhuma

abordagem não meramente embasada no saber-fazer.

É indiscutível a importância dos eventos enquanto produtos culturais da

contemporaneidade e enquanto comunicação. Seja com os objetivos mais

diversos, seja como estratégia comercial, seja como estratégia promocional, seja

com foco beneficente, seja com objetivos institucionais, milhares de eventos

acontecem diariamente.

São considerados eventos a reunião especial planejada e organizada de uma ou

mais pessoas, em um mesmo espaço físico, com os mesmos objetivos.2 De

acordo com Ilka Tenan, eventos definem-se como “acontecimento especial,

antecipadamente planejado e organizado, que reúne pessoas com interesses

comuns. Eventos têm nome, local determinado e espaço de tempo pré-definido”.3

Tais definições, comumente utilizadas, ampliam de forma significativa o universo

dos eventos. Reuniões, congressos, encontros, shows, feiras, festas, exposições

2 Marcela MORO. Planejamento e Organização de Eventos, p.18. 3 Ilka Paulete Svissero TENAN, Eventos, p. 13.

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e as mais diversas atividades que reúnem pessoas são consideradas eventos.

Existem, de acordo com a bibliografia especializada, mais de 50 tipologias de

eventos (Apêndice 1).

Além de diferentes tipologias, os eventos possuem também diferentes

classificações:4

• De acordo com os Objetivos: institucionais ou promocionais

• De acordo com a Temática: folclóricos, cívicos, religiosos, políticos, sociais,

artísticos, culturais, musicais, desportivos, técnicos/científicos,

promocionais, turísticos;

• De acordo com o Público: abertos ou fechados;

• De acordo com o Porte: pequenos eventos - até 200 participantes; médios

eventos - de 200 a 1000 participantes; grandes eventos - mais de 1000

participantes; Megaeventos - eventos de enorme importância e impacto

além de repercussão na mídia nacional e internacional. Geralmente

ultrapassam um milhão de participantes. “O elemento mais importante para

que o evento possa ser chamado de “mega” é o recebimento de

publicidade em nível internacional ou mundial”.5

Para Dione Pereira et alii “o evento é um processo tático de venda comercial ou

institucional e a comunicação é seu principal objetivo (grifo nosso).”6 A visão

demonstrada nesta conceituação, apesar do apelo e direcionamento

sensivelmente ligado a lógica do mercado e a uma visão do evento enquanto

4 A classificação aqui apresentada reúne informações de inúmeras fontes consultadas, presentes nas referências bibliográficas. 5 Christian NIELSEN, Turismo e Mídia, p.27. 6 Dione dos Santos PEREIRA et alii, Uso da Internet no Planejamento e Organização de Eventos Científicos In: Eventos, p. 22.

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estratégia comercial, carrega em si a importância da comunicação nestes

produtos da cultura contemporânea que, como dito, têm sido apropriados com os

mais diferentes objetivos, mas que, em comum, proporcionam a presença

corpórea, a reunião de pessoas, a participação física.

Eventos são utilizados como estratégias promocionais, eventos entretem, eventos

divertem, eventos divulgam, eventos transmitem mensagens, mas, acima de tudo,

eventos buscam criar vínculos e são criados a partir dos mais diferentes vínculos.

Seu sucesso, portanto, se baseia na participação do público, no ‘tomar parte em’7

que vincula ou que responde aos vínculos previamente estruturados.

Norval Baitello Júnior define a comunicação como a “construção de vínculos”8 e

afirma que “a ponta geradora de toda a comunicação se constitui de um corpo e a

ponta-alvo do mesmo processo igualmente existe em sua natureza primeira de

corpo”9. Se comunicação é constituição de vínculos e eventos, de acordo com

sua essência, teriam como objetivo primeiro criar vínculos em função da

participação, esse é um dos traços dos eventos que os caracterizam como uma

forma de comunicação.

A comunicação se caracteriza por um processo imerso na complexidade, e vai

muito além da lógica mecânica simples da ‘emissão – mensagem – recepção’,

lógica esta largamente adotada como modelo de comunicação por inúmeras

linhas de pesquisa, e que se estrutura de forma estritamente funcionalista, o que

7 Juan Bordenave considera que a origem da palavra participação esteja na palavra parte: “De fato, a palavra participação vem da palavra parte. A prova de fogo da participação não é o quanto se toma parte, mas como se toma parte”. Ainda segundo o autor, a participação constitui uma das necessidades básicas dos seres humanos. A dimensão afetiva da participação é fundamental para a auto-expressão dos seres humanos bem como para sua afirmação enquanto indivíduo. Juan BORDENAVE, O que é Participação?, p. 22-34. 8 Norval BAITELLO Junior, A Era da Iconofagia, p. 8. 9 Idem, p. 7.

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limita o conceito de comunicação a uma troca mecânica, que não integra a real

complexidade inerente aos processo comunicativos.

A comunicação é mais profunda, é sensorial, prevê um mergulho no processo,

prevê envolvimento, prevê participação. Vai muito além da transmissão mecânica

de informações promovida pelos meios de comunicação de massa.

É esta natureza da comunicação enquanto processo complexo que direciona a

estruturação desta pesquisa e que busca compreender também os eventos neste

universo da complexidade.

Parte desta complexidade pode ser antevista se buscamos a origem da palavra

evento, proveniente do latim eventu, ligada ao conceito de acontecimento.

Acontecer, por sua vez, vem do latim contigescere, ou seja, ser ou constituir fato

de importância na vida social ou em outros âmbitos.

"Evento é tomado do latim e traduz o grego 'tyche'. Evento é,

portanto, não 'quicquid évenit' (tudo aquilo que acontece), mas 'id

quod cuique évenit, ó ti gígnetai ekásto' (aquilo que acontece para

alguém), como escreve o poeta Filêmon glosando Aristóteles. Que

alguma coisa aconteça, não basta para produzir um evento; para

que haja um evento é necessário que esse acontecer eu o sinta

como um acontecer para mim. No entanto, se todo evento se abre

à consciência como acontecimento, nem todo acontecimento é

evento."

Carlo Diano – Filósofo Italiano10

10 Carlo DIANO, Linee per una Fenomenologia dell'Arte, APUD: Alfredo BOSI, A Interpretação da Obra Literária, Publicado na Folha de S.Paulo, sábado, 5 de março de 1988.

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O evento, portanto, muito além da origem da palavra, prevê não somente um

acontecimento, mas sim, algo que acontece para alguém, ou como aponta o

autor, que este acontecer ‘eu o sinta como um acontecer para mim’, o que sub-

entende para que o sentido seja estabelecido em termos de percepção do evento

em si, a existência do vínculo que atribui o sentido. É o vínculo criado pelo

efêmero universo do evento que caracteriza estas atividades como tal, que faz

com que acontecimentos se diferenciem de eventos, em especial pelo universo

carregado de percepções geradas pelo fato do evento acontecer para alguém e

ser necessariamente importante, diferenciado.

Além disso, o ‘evento’ prevê não somente o acontecer ‘para alguém’, mas o

acontecimento especial, o que faz com que estes espaços sejam valorizados por

diferenciarem-se do comum, do dia-a-dia, do quotidiano.

Esta diferenciação do quotidiano, este caráter especial inerente aos eventos, este

desligamento com o dia-a-dia e com o trivial, por si só, promovem uma ligação

destes produtos culturais com uma indicutível dimensão desconexa da

banalidade, ou seja, uma dimensão mágica, de encanto, e, conseqüentemente,

uma ligação com o sagrado, tal como discutiremos no capítulo 1.

Somado a essa essencial característica do evento, este produtos culturais

possuem também um outro aspecto bastante relevante que se tratam das

relações espaço-temporais concernentes aos mesmos.

Lançamentos, encontros, reuniões, shows, jantares, desfiles, feiras, mostras, a

infinidade de tipos é imensa. Formatos diferenciados, apelos diferenciados,

objetivos diferenciados. Em comum, a presença córporea base para a

participação, a re-união de pessoas, a vivência de um mesmo espaço-tempo, a

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vivência coletiva de um momento essencialmente caracterizado por sua própria

efemeridade.

O evento tem como marca o efêmero, já que está intimamente ligado a idéia de

uma forma de temporalidade fugidia e que se materializa somente no ‘hic et nunc’

de cada indivíduo, cuja vivência, no entanto, para constituir o evento, depende da

percepção e da experiência individual em meio a percepção e experiência

coletiva.

Assim, o evento, para existir como tal, prevê a vivência de um mesmo tempo-

espaço pelos participantes. Neste sentido, Alfredo Bosi comenta:

“O infinito suceder cósmico e histórico, que nos precede, nos

envolve e nos habita, sempre, e em toda a parte, do nascer ao

morrer, só se torna um evento para o sujeito quando este o situa no

seu aqui e o temporaliza no seu agora; enfim, quando o sujeito o

concebe sob um certo ponto de vista e o acolhe dentro de uma certa

tonalidade efetiva”11.

Este processo que, como percebido, depende essencialmente do indivíduo é o

que caracteriza o evento como tal, ou seja, para que o evento se constitua de

fato, a participação do indivíduo, sua temporalização aqui e agora bem como o

acolhimento necessário são elementos fundamentais.

Tempo e espaço vivenciados em sua plenitude, em um momento de efemeridade

e em um momento em que também o espaço adquire uma importância

11 Alfredo BOSI, A interpretação da obra literária, Folha de S.Paulo, 5 de março de 1988.

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diferenciada, uma característica especial, constituem a complexidade dos

eventos.

O evento, portanto, carrega em si os conceitos de eventualidade, de tempo e

espaço especial para ser vivido pelo indivíduo em sua efemeridade vivência esta

marcada por sua importância enquanto tempo diferenciado do tempo profano,

tempo imerso na expectativa de que algo aconteça em um espaço, na mesma

medida, carregado de significados para aqueles que ali estão, o que demonstra o

grandioso sentido existente na palavra evento, sentido este que se amplia

consideravelmente quando o ‘mega’ se insere neste contexto.

Por outro lado, um dos fatores que legitima a participação e, consequentemente,

legitima a essência do evento em sua importância, está ligado a vivência coletiva.

Uma das características que constituem os eventos está na participação, na

vivência de duas ou mais pessoas, deste espaço-tempo diferenciado.

Vicente Romano, referindo-se as relações espaço-temporais pertinentes a mídia,

escreve:

“Lo que se ofrece al espectador es la ilusión en participar en esa

simultaneidad temporal, ilusión que también es necesaria, claro

está, para crear el sentimiento de estar presente y, a veces,

también de pertenencia”12.

Esta análise de Romano relativa a mídia muito se aplica aos eventos e

megaeventos, na medida em que o que se oferece ao participante do evento é

também a possibilidade de uma ilusão de participação e, consequentemente de

pertencência, que garante – ou deveria garantir - uma breve convivência, vivência

12 Vicente ROMANO, El Tiempo y El Espacio en la Comunicación, p. 120.

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conjunta, que, por sua vez, representa uma das condições básicas do evento e na

mesma medida, do humano: seu gregarismo inato.

Segundo Hanah Arendt “a presença de outros que vêem o que vemos e ouvem o

que ouvimos garante-nos a realidade do mundo e de nós mesmos”13, ou seja,

somente por meio da vivência conjunta do evento, o mesmo se constitui como um

fenômeno real em todas as suas características de formação de vínculo, de

efemeridade, de tempo especial e de um espaço que também adquire valor

diferenciado14, como discutiremos posteriormente.

Malena Segura Contrera, na obra Os Meios da Incomunicação, diz que “toda

nossa vida está, expulsos do paraíso que fomos, pautada por essa tentativa

mágico-amorosa de re-unificação”15. Estamos, portanto, em uma busca

insessante pela construção de vínculos, pela presença do outro que, como pontua

Tzvetan Todorov16, promove a construção de um eu, em um ser humano que está

condenado a incompletude, em uma vida, ainda segundo o autor, em que não

existe ‘o eu sem o você’.

Esta incompletude, esta necessidade do outro, esta definição da condição

humana dependente da reunião com o outro, tem nos eventos e megaeventos

espaços que proporcionam – ou deveriam proporcionar - a re-unificação, a vida

em comum a que se refere Todorov, visto que, como dito, o homem “é

irremediavelmente incompleto e tem necessidade dos outros”17. Cyrulnik discute

esta questão como “o enfeitiçamento do mundo, a força oculta que nos governa e

13 Hanah ARENDT, A Condição Humana, p. 60. 14 Como aponta Bóris Cyrulnik em sua obra Os Alimentos do Afeto, “todo ser vivo utiliza o espaço para torná-lo significativo, enviando-lhe sinais: o próprio espaço torna-se então um objeto sensorial, estruturado como uma linguagem”. Bóris CYRULNIK, Os Alimentos do Afeto, p. 39. 15 Malena Segura CONTRERA, Os Meios da Incomunicação, p. 48. 16 Tzvetan TODOROV, A Vida em Comum, p. 10. 17 Tzvetan TODOROV, A Vida em Comum, p. 10.

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nos força a estar com para ser”18, processo este que, ainda segundo o autor,

constitui-se em função da porosidade do humano, sua abertura sensorial para o

mundo e para os outros. Somos sistemas abertos em constante interconexão e

troca com o meio ambiente, inclusive o cultural.19

Se “estar com” é condição para “ser”, um dos elementos que devem ser

considerados na constituição de uma visão de eventos e megaeventos, sob a

ótica da comunicação, está nesta característica de permitir o “estar com”, permitir

e proporcionar a reunião, permitir o encontro, a participação coletiva,

respondendo, inclusive, a condição humana gregária, como anteriormente dito.

Não constitui objetivo desta dissertação, é interessante pontuar, construir uma

nova definição para eventos e megaeventos, mas faz-se de bastante valia situar-

nos em termos de referencial teórico e apresentar aqui uma abordagem que

apresente a natureza comunicativa dos megaeventos, uma vez que, como

previamente comentado, pouco se realizou a referida discussão.

Os eventos acompanharam a história do homem desde o princípio de sua

organização. Evoluíram a partir das mudanças sócio-culturais ocorridas através

dos tempos, com todas as transformações científicas e tecnológicas ocorridas, em

especial, nos últimos dois séculos, que mudaram os rumos da humanidade, em

função das profundas alterações espaço-temporais20 desencadeadas pelo

18 Boris CYRULNIK, Do Sexto Sentido, p. 7. 19 De todos os organismos, o ser humano é, provavelmente, o mais dotado para a comunicação porosa (física, sensorial e verbal), que estrutura o vazio entre dois parceiros e constitui a biologia do ligante. Boris CYRULNIK, Do Sexto Sentido, p. 92. 20 Estas mudanças espaço-temporais têm sido profundamente discutidas por inúmeros pensadores da cultura e da sociedade, como Edgar Morin, por exemplo. Estas alterações afetaram profundamente a vida do homem em suas relações com o tempo e o espaço. Este homem deslocou-se do campo para as cidades e passou a viver não mais em função do tempo cíclico, tempo regido pela natureza, mas sim pelo tempo de trabalho, tempo da produção industrial. Além destas alterações, inúmeras outras aconteceram em meio a este processo de profundas mudanças. Novas tecnologias transformaram a forma do homem lidar com o mundo, seus valores,

19

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processo de industrialização e surgimento da cultura de massas, cenário da

sociedade de consumo.

Na mesma medida que a comunicação, primeiramente de predominância inter-

pessoal, baseada nas mídias primária e secundária, de acordo com H. Pross21,

ou ainda inerente às relações internas das comunidades, como aponta Z.

Bauman22, tornou-se, com toda a evolução tecnológica dos últimos dois séculos,

comunicação mediada eletronicamente, terciária e globalizada, os eventos, os

rituais, também passaram a megaeventos, a eventos de massa, mobilizando,

envolvendo e encantando multidões que periodicamente têm se reunido para

vivenciar estas atividades.

Os megaeventos, em suas mais diversas formatações, constituem um dos

fenômenos da cultura de massas, da cultura eletrônica. Tal como tantos outros

produtos de consumo, retomando o significado da palavra participação

apresentado anteriormente, como o “tomar parte em”, os eventos refletem a

complexidade do homem contemporâneo e respondem claramente pelas

características desta nova sociedade, fruto da evolução tecnológica, de uma

cultura industrial, cultura de metrópoles e cultura transformada pela mídia.

Seja com objetivos de negócios, de lazer ou entretenimento, estes eventos têm

ocorrido de forma organizada, movimentando números bastante impressionantes

e se configurando como elementos característicos deste complexo sistema social

e cultural ao qual estamos submetidos.

seu modo de vida como um todo e, conseqüentemente, suas estruturas comunicativas, agora diretamente afetadas pelo surgimento de um sem-número de novos veículos. 21 Os conceitos de mídia primária, secundária e terciária são encontrados no artigo Tempo Lento e Espaço Nulo – Mídia Primária, Secundária e Terciária de Norval Baitello Júnior. Artigo disponível no site do Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia – www.cisc.org.br. 22 Zygmunt BAUMAN, Comunidades, p. 18.

20

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Assim, os objetivos desta pesquisa baseiam-se em desvendar o que motiva um

número tão grande de pessoas a participar de eventos, a evolução destes

produtos da cultura de massas e o poder de mobilização que eles têm hoje.

Também será avaliado o encantamento gerado por estas atividades e sua

capacidade de reunir pessoas e promover um mergulho dos veículos de

informação nestes acontecimentos, veículos estes que se mobilizam, que cobrem,

apresentam, discutem, divulgam e envolvem mesmo aquele participante

audiovisual do evento que, por meio das mais diferentes mediações, acaba

informado – e muitas vezes enredado pelos acontecimentos. Outro fator é

entender quais são os processos comunicativos possíveis nestes espaços de

reunião de milhares de pessoas e definir a problemática da estruturação dos

megaeventos na contemporaneidade e sua evolução enquanto produto cultural

midiático e espetacular.

Desta forma, a proposta desta pesquisa está em compreender este fenômeno

contemporâneo em sua natureza comunicativa, tendo como premissa explicar as

origens do encantamento pelos eventos e a sedução da participação exercida

hoje por estas atividades. A complexidade comunicativa (ou incomunicativa)

destes espetáculos contemporâneos será, portanto, tema central desta

dissertação.

Independentemente de sua classificação, os eventos fazem parte da dinâmica

cotidiana dos indivíduos contemporâneos que estão, constantemente,

participando destas atividades, seja por motivos profissionais, sociais ou de

entretenimento, razão pela qual os eventos e megaeventos, em função de seu

poder de mobilização de números tão significativos de pessoas, têm se tornado

objetos de estudo de grande relevância.

21

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Esta relevância também justifica-se pelo fato de que os eventos, em sua

complexidade, integram os ‘textos da cultura’, apresentados por Norval Baitello

Junior, em sua obra O Animal de Parou os Relógios:

“Deve-se entender por ‘textos da cultura’ não apenas aquelas

construções da linguagem verbal, mas também imagens, mitos,

rituais, jogos, gestos, cantos, ritmos, performances, danças etc.” 23

Estes elementos, apontados, de acordo com o autor, como textos da cultura,

estão condensados nos eventos. Imagens, rituais (ou sua rememoração, como

será discutido nos próximos capítulos), gestos, cantos, ritmos, performances,

danças, são elementos comuns aos mais diferentes eventos, materializados como

apresentações que integram a programação dos mesmos, senão como ação do

próprio participante.

Baitello Junior. afirma que o conjunto destes textos compõe a cultura, cujas

raízes, de acordo com Ivan Bystrina, citado na mesma obra24, são constituídos

pelos sonhos, pelo jogo e atividades lúdicas, pelos desvios psicopatológicos e

pelas situações de êxtase e euforia, sejam elas buscadas por meio de

substâncias, seja por meio de sons, seja por meio de movimentos25.

O autor discute ainda que o traço comum entre as raízes da cultura está na busca

pelo prazer, gozo e alegria, busca esta que se reflete claramente quando da

realização da maior parte das tipologias de eventos, em especial aquelas ligadas

23 Norval BAITELLO Junior, O Animal que Parou os Relógios, p. 30. 24 Idem, várias passagens. 25 Posteriormente, discutiremos a importância dada a busca pelo êxtase no contexto dos megaeventos contemporâneos, busca esta que usa como estratagema exatamente o som, os movimentos frenéticos dos indivíduos e das imagens e as substâncias alucinógenas.

22

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ao entretenimento e ao lazer, como o caso dos grandes shows, comemorações,

das festas e dos festivais de música, ou ainda naquelas tipologias cujo prazer

está associado ao desenvolvimento pessoal e profissional, ao sucesso nos

negócios ou simplismente a auto-realização, como o caso das competições, dos

encontros religiosos, das feiras comerciais etc. A busca pelo prazer é uma

constante na realização e na participação em eventos das mais diferentes

naturezas e que se contróem com os mais diferentes objetivos.

Desta forma, como recorte para o desenvolvimento deste trabalho, uma tipologia

e uma classificação específica dos eventos foi selecionada. Trataremos dos

megaeventos musicais, abertos e promocionais, produtos culturais estes

caracterizados por sua presença na mídia em larga escala e pela participação de

grande número de pessoas, ou seja, pelo poder de mobilização em massa que

estes eventos, a cada dia, demonstram.

Os eventos musicais têm sido bastante representativos nos últimos tempos.

Realizados predominantemente com objetivos publicitários e promocionais, são

fenômenos sintomáticos da sociedade de consumo e de tantos outros elementos

da complexa cultura contemporânea.

Tendo como eixo a música, tribos inteiras das metrópoles deslocam-se para estes

“espaços de convívio” criados em meio às grandes cidades ou mesmo em

espaços alternativos como praias e fazendas. Trinta, quarenta, cinqüenta mil

pessoas – números que representam populações inteiras de pequenas cidades -

prestigiam eventos como Skol Beats, Coca-cola Vibe Zone, Tim Festival, Nokia

Trends, Motomix, que, em seus formatos, carregados pela convergência de

tecnologias, criam comunidades estéticas de vivências efêmeras, como aponta

23

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Bauman26, consumidoras das imagens, do momento, construtoras e

mantenedoras de vínculos efêmeros.

Estes eventos, na atualidade, apesar da variedade de gêneros musicais que

muitas vezes apresentam,27 têm se constituído como modelos de produtos a

serem consumidos em massa e pela massa, massa esta que está presente

fisicamente, ou somente acompanha por meio da mídia, compondo o que aqui,

como dito, chamaremos de ‘participantes virtuais’.

Os conceitos de tais eventos são muito parecidos, bem como o formato e a

tecnologia utilizada – telões, milhões de watts de potência de som, iluminação.

Isso sem falar dos meios de comunicação que multiplicam estas atividades, tais

como rádios, TVs, internet, por meio de sites, blogs, flogs, revistas, jornais e,

inclusive, celulares (mensagens “SMS”, tecnologia Bluetooth etc), divulgam,

cobrem, acompanham e fomentam a participação medidada nos megaeventos

atuais.

Somando-se tais características, percebe-se que estes megaeventos apresentam

importantes padrões de repetição em seus formatos, que se multiplicam por

inúmeros outros megaeventos, padrões estes que serão utilizados como base

para o desenvolvimento desta pesquisa.

Para fins de direcionamento no desenvolvimento desta dissertação, foi

selecionado um evento a ser analisado pontualmente, representativo destes

modelos de megaeventos musicais contemporâneos: o Skol Beats edição 2006,

megaevento realizado anualmente na cidade de São Paulo e que se encontra em

sua 6ª. edição, tendo reunido 59.500 participantes, ávidos pelas mais de 20 horas

26 Cf. Zygmunt BAUMAN, Comunidades, p. 62. 27 Música eletrônica, rock, reggae, Música Popular Brasileira, entre outros genêros, são apresentados em megaeventos musicais.

24

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ininterruptas de música eletrônica, além de milhares de outros participantes que

acompanharam virtualmente o evento, por meio dos veículos de comunicação

eletrônicos que ofereceram cobertura ao vivo.

Assim, o Skol Beats pode ser considerado um megaevento levando-se em conta

o seu poder de mobilização, em termos de número de participantes, bem como a

repercussão do evento em nível nacional e internacional. O evento se tornou, a

partir de 2003, o maior festival de música eletrôncia da América Latina e já é

considerado um dos maiores do mundo. Sites de notícias, blogs e sites de

relacionamento de diversos países28 têm trazido informações sobre o Skol Beats,

em especial em endereços ligados à música eletrônica, que se consolida como o

principal atrativo deste Festival. Assim, percebe-se, em especial em função do

enorme poder de mobilização deste evento, que o Skol Beats estrutura-se como

um interessante e complexo produto cultural da atualidade.

É interessante pontuar, nesta apresentação, que ao longo da pesquisa, o próprio

título da dissertação foi alterado. Inicalmente, tinha-se como uma das hipóteses

os megaeventos como grandes espaços de sociabilidade na contemporaneidade,

grandes espaços de formação das comunidades estéticas que, mesmo com suas

características líquidas, tal como será discutido de forma aprofundada

posteriormente (Capítulo II), constituíam-se como espaços de formação de

vínculos comunicativos.

28 Foram encontradas notícias e a programação do evento em sites da Austrália, Canadá, Alemanha, Reino Unido, México, Argentina, França, Estados Unidos entre outros países. Pesquisa realizada no site de busca Google em novembro de 2006. De acordo com este site de busca existem aproximadamente 252.000 sites falando sobre o Skol Beats 2006. Quando ampliamos a pesquisa para as demais edições do evento, pesquisando somente Skol Beats, este número de amplia para 448.000 sites.

25

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No entanto, no decorrer do desenvolvimento desta dissertação, em especial a

partir da pesquisa de campo, percebeu-se que, apesar destes espaços

rememorarem muito do formato dos rituais, das características de união e

participação presentes nos mesmos, os megaeventos da atualidade constituem-

se de grandes espaços de incomunicação. Essencialmente, por terem assimilado

de forma muito profunda a característica ‘mega’ em todos os aspectos de seu

formato29 e por refletirem também algumas características comunicativas

contemporâneas, baseadas em vínculos efêmeros, mediados eletronicamente e

que, de fato, não favorecem o estabelecimento do que entendemos como

comunicação, ou seja, criação de vínculos profundos, enraizados e verdadeiros,

optou-se pela análise da natureza (in) comunicativa dos megaeventos

contemporâneos, que passou a constituir o título da dissertação.

Conforme divulgado pela IACVB (International Association of Convention &

Visitors Bureau30), o setor de eventos é responsável por transações anuais no

valor de US$ 27 bilhões, algo em torno de 11% do PIB mundial. Somente em

2002, de acordo com pesquisa realizada pelo SEBRAE (Serviço Brasileiro de

Apoio às Pequenas e Micro Empresas) em parceria com a FBCVB (Federação

Brasileira dos Convention & Visitors Bureau) foram realizados, no Brasil, 330 mil

eventos, ou seja, são mais de 900 eventos diários. Nestes 330 mil eventos,

29 Eventos, como dito, sempre aconteceram. Ao longo da história do homem, os eventos têm sido importantes estratégias de encontro, de relacionamento e de comunicação. No entanto, nos últimos anos, em especial após a década de 50, estes eventos cresceram substancialmente em vários aspectos, e mais especificamente, com relação ao número de pessoas que tem mobilizado. Os festivais de música, em especial a partir de 1969, com a realização de Woodstock nos Estados Unidos, passaram a ser caracterizados pelo imenso número de pessoas que mobilizam e, para tanto, pelas megaestruturas que disponibilizam aos participantes. 30 Associação Internacional dos Conventions & Visitors Bureau (CVB). CVB’s são escritórios que tem como objetivo fomentar a realização de eventos em determinadas localidades.

26

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participaram, durante o mesmo ano, 79,9 milhões de pessoas, o que representa

quase 50% da população do país.31

Esta dissertação, desta forma, justifica-se pela necessidade de se compreender

qual a natureza comunicativa destes eventos, as motivações de um número tão

grande de pessoas a participarem de tais atividades, bem como por explicar a

evolução destes produtos da cultura de massas e o poder de mobilização que

eles têm hoje.

Os eventos e suas características inerentes, em função do processo comunicativo

que proporcionam, compõem, sem sombra de dúvidas, o “Espírito do Nosso

Tempo”, termo que visa representar a complexidade do momento atual.

Constituem-se de espetáculos, em que a presença coletiva e as sensações

geradas pela atividade em si propiciam ao indivíduo um total afastamento de sua

realidade, proporcionando uma aproximação significativa aos estados alterados

da consciência, da vertigem, tão comuns nos antigos rituais das sociedades

primitivas.

Roger Caillois, citado em Alberto Carlos Augusto Klein32, aponta uma estreita

aliança entre o simulacro e a vertigem, afirmando que a aliança entre ambos é tão

forte e tão irremediável que pertence naturalmente à esfera do sagrado e talvez

constitua um dos recursos principais da mescla de horror e de fascinação que

determina.

31 Vale ressaltar que os eventos pesquisados possuem características bastante específicas: são eventos com mais de 100 participantes, realizados em espaços obrigatoriamente locados. Não foram contabilizados eventos de menor porte ou eventos realizados em espaços públicos, o que faz concluir que este número pode ser ainda maior. Fonte: http://www.fbcvb.com.br . 32 Alberto Carlos Augusto KLEIN, Culto e Mídia, p. 84.

27

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Sem sombra de dúvidas, os eventos da atualidade constituem-se de simulacros33

em busca desta vertigem, de realidades além da realidade; são espetáculos,

dentro do conceito de Guy Debord em que “o fim não é nada, o desenrolar é tudo

(...) não se deseja chegar a nada que não seja ele mesmo”34, e, apesar disto, o

homem contemporâneo, ainda é remetido – ou tenta ser remetido -, nos eventos,

a uma esfera ‘sagrada’, cujas raízes podem estar ligadas às relações entre os

eventos contemporâneos e os antigos rituais, tal como discutido no capítulo I.

Provavelmente, pela rememoração da participação promovida pelos rituais

primevos, que coligavam, organizavam, uniam, formavam fortes vínculos no

grupo, que podem ser relativamente revividas nos eventos atuais – ou que pelo

menos trazem em si o resquício memorável destas vivências -, este homem

contemporâneo continua participando, comparecendo, continua presente nestes

espaços que evocam, de certa forma, estados alterados da consciência, a ligação

com o sagrado e com a (pseudo) transcendência.

Os meios de comunicação eletrônicos, nestes casos, acabam funcionando como

elementos alavancadores desta participação. De acordo com Harry Pross, em La

Violencia de Los Símbolos Sociales:

“Gracias a la publicidad y a la información periódica de la prensa e

de la radio, el interés por el rito, no solo se mantiene, sino que

33 Para Jean Baudrillard, o simulacro constitui-se de todo o tipo de estereótipo ou modelo e significa por si só, sem a necessidade de um referente físico factual, produzindo realidades autônomas além da realidade experimentada de fato. 34 Guy DEBORD, A Sociedade do Espetáculo, p. 17.

28

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aumenta de año en año. Aumenta la coacción a participar y, con

ella, también el número de victimas de las vacaciones”35.

Por mais espetacularizado que os eventos tenham se tornado, por mais distantes

dos rituais primevos de união e organização, que estejam hoje tais atividades,

resta ainda a saudade do ritual36, que pode constituir-se como um motivador da

busca pela transcendência, do contato com este sagrado perdido, de uma quebra

com o cotidiano e que faz com que tantas pessoas estejam lá, participem, entrem

em contato com o mundo espetacular dos eventos.

O grande interesse pelos eventos surge também como resultado da própria

cultura midiática: “Há uma plenitude, uma superabundância, uma exuberância

devastadora e proliferadora de vida nos jornais e nas telas, que compensa a

hipotensão, a regulação e a pobreza da vida real”37. Os eventos, superando a

vivência unilateral das mídias mais tradicionais, permitem ao participante a

vivência daquele momento, mesmo que tudo se paute pela estética do simulacro.

O participante sai da limitação da mídia impressa e eletrônica, que estimulam

predominantemente a visão e a audição, e permite-se uma vivência mais

completa – ainda polarizada pela visão e audição – mas que envolve seus outros

sentidos, bloqueados pelas mídias impressa e eletrônica - essencialmente

audiovisual, e exacerbados no mundo dos eventos, em que todos os sentidos

estão - ou deveriam - estar presentes.

35 É interessante notar que na contemporaneidade, os eventos passaram a constituir-se como elementos – ou produtos - do período de tempo livre, o período denominado por Pross “de las vacaciones”, período das férias, do lazer. 36 A idéia de saudade do ritual é amplamente discutida por Malena Segura Contrera na obra Mídia e Pânico, além de outras obras da autora. 37 Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX – Vol. I – Neurose, p. 110.

29

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“O tema da liberdade se apresenta através das janelas diariamente abertas na

tela, no vídeo, no jornal, como evasão onírica ou mítica fora do mundo civilizado,

fechado, burocratizado.“38 Na mesma medida, a experiência, a vivência

proporcionada pela participação nos eventos também promove tal evasão,

fazendo o participante sair de sua realidade, de sua banalidade diária para a

experiência de um mundo novo, diferenciado, inesperado.

Como ignorar a complexidade de todos estes fatores presentes nos eventos?

Como ignorar a necessidade de evasão, a busca pelo sagrado e tantos outros

processos culturais envolvidos nestes acontecimentos? Como ignorar a

importância de megaeventos como a Olimpíada, a Copa do Mundo, a Parada Gay

e os mais diversos festivais de música, entre tantos outros que movimentam

milhões de pessoas e dominam a mídia antes, durante e depois de acontecerem?

Como ignorar atividades tão espetacularizadas, que, mesmo pautadas pela

estética do simulacro encantam, envolvem e prendem de forma tão significativa a

atenção de tantas pessoas, presentes no evento, ou mesmo, se não presentes,

antenadas a cada um dos momentos por meio dos veículos de comunicação de

massa?

Para que esta visão da natureza comunicativa dos megaeventos seja estruturada

e a fim de que se alcancem os objetivos propostos para esta pesquisa foi adotado

como recurso metodológico a realização de uma pesquisa exploratória em função

de propor uma ampliação do conhecimento relativo às relações da comunicação e

dos megaeventos.

38 Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX – Vol. I – Neurose, p. 113

30

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Como métodos de coleta de dados foram adotados, em primeiro lugar, a Pesquisa

Bibliográfica, sendo consultados os principais autores que se inter-relacionam

com o problema de pesquisa, objetivando consolidar um estudo relativo à

natureza comunicativa dos megaeventos.

Esta primeira etapa da pesquisa pretendeu subsidiar informações para a

estruturação dos capítulos um e dois, que apresentam a discussão,

respectivamente, sobre as raízes dos megaeventos e sobre o vínculo e a

sociabilização derivadas destes eventos.

Uma primeira revisão bibliográfica, envolvendo, além dos principais autores

clássicos da comunicação e da Teoria da Mídia, a análise de bancos de teses dos

principais núcleos de pesquisa do País39, não identificou, até o presente

momento, teses ou dissertações que discutam as relações entre os megaeventos

e a comunicação, no enfoque aqui proposto. A pesquisa junto à bibliografia

especializada identificou somente menções aos eventos, às festas, mas sem

reflexão teórica significativa para compreender a importância destes fenômenos

comunicativos e midiáticos na cultura contemporânea.

É válido mencionar que, com relação a eventos e megaeventos, pouco se

contribuiu em termos científicos para a compreensão destes fenômenos,

conforme percebido durante as pesquisas. Os grandes autores deste segmento

baseiam suas obras essencialmente no processo saber-fazer. Inúmeros manuais,

guias e obras têm como objetivos principais apresentar modelos para realização

de eventos, objetivo este cumprido de forma muito satisfatória. No entanto,

percebeu-se que não existem obras que promovam um aprofundamento no

39 Pesquisas realizadas em: http://periodicos.capes.gov.br, www.usp.br/sibi, www.prossiga.br (CNPQ), www.scielo.br. Pesquisa realizada entre 10 e 15 de julho de 2005.

31

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entendimento da complexidade destes fenômenos enquanto produtos culturais

contemporâneos, bem como das relações comunicativas existentes em tais

espaços.

Além da pesquisa bibliográfica, foi realizada também a análise de materiais

promocionais e registros de diversos eventos com as características previamente

definidas, buscando estabelecer a relação entre os mesmos, por meio de padrões

de repetição em termos de formato e estrutura, com o evento aqui pontuado, o

Skol Beats, utilizando-se como fontes, principalmente, materiais produzidos pela

mídia eletrônica. Tal pesquisa visou fornecer informações específicas para a

construção de um embasamento que apresente a natureza comunicativa destes

produtos culturais, em uma visão contemporânea de como estes fenômenos se

inter-relacionam. Esta pesquisa teve também por corpus a análise de documentos

relativos ao evento pontuado, em especial o exame de material publicitário das

edições anteriores, bem como o estudo da programação dos eventos, além de o

exame de arquivos dos principais veículos de comunicação40, enfocando

avaliação do número de participantes, estrutura e programação do evento.

Finalmente, a coleta de informações foi complementada pela observação direta

informal, por meio da participação no evento e estruturação de um protocolo de

observação, que identificou as características estruturais do mesmo, bem como

as estratégias utilizadas em sua divulgação pré, per e pós-evento.

Assim, serão situadas as produções acadêmicas pertinentes aos objetos de

estudo e aos temas deles derivados, adotando-se procedimentos básicos de

pesquisa e análise bibliográfica, promovendo o cruzamento dos objetivos

40 Este levantamento direcionou-se para arquivos eletrônicos.

32

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apresentados, do referencial bibliográfico e da capacidade crítica e criativa

envolvida, resultando na formulação de alguns parâmetros teóricos que

fundamentam o conhecimento de um fenômeno naturalmente mediador da área

de comunicação, cujos padrões, como previamente mencionado, repetem-se em

inúmeros outros megaeventos contemporâneos.

Apresentamos, então, no primeiro capítulo, uma reflexão relativa a origem dos

megaeventos, traçando um paralelo entre os mesmos e os antigos rituais.

Discutimos ainda sua formatação na contemporaneidade, que inundou estes

acontecimentos pelo fenômeno ‘mega’.

O segundo capítulo, por sua vez, faz uma análise breve da evolução dos

processos comunicativos pautado na relação dos mesmos com as alterações das

comunidades que estas mudanças proporcionam, posicionando, desta forma, os

megaeventos como formas contemporâneas de vivências comunitárias, marcadas

pela efemeridade e pela volatilidade das relações.

A seguir, apresentamos o objeto de estudo, ou seja, o Skol Beats 2006,

representativo do fenômeno dos megaeventos, e para tanto discutimos sua

origem, características, a música eletrônica e os demais fenômenos

comunicativos que foram identificados durante o processo de pesquisa inerentes

à estes festivais musicais.

Finalmente, apresentamos as considerações finais do referido trabalho, que

trazem a análise relativa aos processos de incomunicação identificados nos

megaeventos musicais contemporâneos.

Obviamente, esta pesquisa não está terminada e constitui somente um primeiro

passo. As considerações aqui apresentadas como a importância destes

megaeventos enquanto um produto cultural contemporâneo, a incomunicação

33

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como uma característica presente nestes espaços e tantas outras discussões aqui

pontuadas representam somente um primeiro olhar da comunicação sobre os

megaeventos contemporâneos.

Olhar um objeto de pesquisa em uma dissertação de mestrado é olhar o mundo

por uma fresta de uma porta entreaberta. Quais outras informações poderão

surgir de trás desta porta? Fica o desejo, então, de novas pesquisas, de novas

perspectivas deste mesmo objeto, para que a porta possa ser, de fato, aberta.

34

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CCaappííttuulloo II -- AAss OOrriiggeennss ddooss MMeeggaaeevveennttooss:: RReellaaççõõeess eennttrree

EEssppeettááccuulloo ee RRiittuuaall

A compreensão da dinâmica contemporânea somente se realiza quando

buscamos as raízes dos processos e produtos culturais; somente quando nos

amparamos na arqueologia dos fenômenos somos capazes de entendê-los por

inteiro.

As novas cenas da história do mundo, que vão se constituindo diariamente, estão

sempre bebendo nos tempos idos. O hoje não existe sem o ontem e o amanhã

não existirá sem o hoje; a contemporaneidade está o tempo todo se alimentando

do passado e recriando processos para a sua concepção presente.

"Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como

querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob

aquelas com que se defrontam diretamente, ligadas e transmitidas

pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como

um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem

empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que

jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise

revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio

os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os

gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar a nova cena

35

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da história do mundo nesse disfarce tradicional e nessa linguagem

emprestada”.41

Karl Marx

Esta reflexão de Marx pontua com muita clareza as relações do homem

contemporâneo com seu passado. Apesar dos indiscutíveis e diários avanços

tecnológicos e de toda a evolução da ciência, o homem da contemporaneidade

mantém ainda estreita relação com os tempos idos, com hábitos, costumes e

crenças que permeavam o imaginário primitivo e que se mantém de forma muitas

vezes não explícita em sua mente, mais que persistem e têm sua irrupção em

diversos momentos, em função também da cultura conceber-se como um

processo notoriamente cumulativo.

Norval Baitello Junior, em sua obra O Animal que parou os Relógios aponta a

cultura como um “campo amplo que recebe as contribuições e descobertas de

cada indivíduo, de cada grupo social, de cada época, e as perpetua, transmitindo

as informações de geração a geração, de grupo para grupo, de época para

época”42, uma cultura que se acumula ao longo da história humana, que se

alimenta do passado para construir o presente – a complexa contemporaneidade.

E dessa cultura cumulativa resulta a síntese do homem contemporâneo, também

complexo por natureza, imerso no universo midiático, fruto e recursivamente

produtor da cultura de massas, da cultura midiática, cultura esta inundada de

produtos, meios, tecnologias e mensagens que permeiam, pautam e orientam a

vida deste homem da atualidade.

41 Karl MARX, O 18 Brumário de Luís Bonaparte, in: Textos de Karl Marx e Friedrich Engels p. 203. 42 Norval BAITELLO Junior, O Animal que parou os Relógios, p.20.

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Dentre estes produtos culturais, encontram-se os eventos e os megaeventos.

Compreender a origem destes fenômenos da cultura de massas e sua

transformação em espetáculo compõe a questão central deste capítulo, que utiliza

como metodologia a pesquisa exploratória e como método a pesquisa

bibliográfica, sendo consultados os principais autores que se inter-relacionam com

o problema de pesquisa, bem como breve pesquisa histórica objetivando-se

realizar um estudo evolutivo dos eventos até o formato de megaeventos,

buscando-se ainda identificar características específicas que os interliguem aos

processos rituais, aqui colocados como raiz dos espetáculos de massa da

atualidade.

As Raízes e Importância do Ritual

O ritual. Fenômeno cultural profundamente respeitado e estudado pela

antropologia, pela sociologia e pelas demais disciplinas que pretendem

compreender o homem. Presente em todas as culturas como elemento

organizador, apaziguador, vinculador, intrínseco aos grupos e utilizado com as

mais diversas finalidades. Intrínseco ao homem.

Quando analisada a evolução do homem, quando estudado o surgimento da

consciência, quando se pretende, por meio dos grandes teóricos que se

ocuparam de tal discussão, aproximar-se deste momento primeiro, da qual nossa

sociedade é resultado, logo se depara com o ritual como parte deste despertar da

consciência.

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Edgar Morin, ao discutir o paradigma da natureza humana43 aponta como o ponto

crucial para a irrupção da consciência do homem, o momento em que este

homem primitivo - de 40 mil anos - desenvolve processos ritualísticos com relação

à morte, não somente enterrando os corpos, para evitar a exposição e a

decomposição, mas preparando este corpo44, fatores estes que sugerem a

existência de uma cerimônia fúnebre - um ritual - e que pontuam o

desenvolvimento da capacidade simbólica neste homem primitivo.

Somente a partir do desenvolvimento da capacidade simbólica, o homem passa a

diferenciar-se enquanto “humano”, de acordo com Morin, e este fenômeno tem

como passo primeiro a realização de um ritual.

Este momento de irrupção da morte na vida do homem é fundamental dentro da

formação de sua consciência, e mesmo neste primeiro momento de criação de

sentido, ou da consciência da mortalidade humana, identificamos o ritual como

elemento fundamental para o entendimento deste processo social.

Da mesma forma, o ritual é identificado nas mais variadas situações, nos mais

diversos grupos, em todas as culturas e religiões.

Os diversos pensadores do ritual como Durkheim, Mauss e Weber, todos estes

citados em Victor Turner, em sua obra, “O Processo Ritual”, uma das principais

referências sobre o tema, identificaram “a extrema importância das crenças e

práticas religiosas para a manutenção e a transformação radical das estruturas

43 Edgar MORIN, O Paradigma Perdido: A Natureza Humana, p.93 44 Fósseis passam a ser encontrados em posições específicas (fetal) e muitas vezes deitados sob um leito de flores, o que pode ser comprovado pela existência de pólen junto às ossadas. (Edgar MORIN, O Paradigma Perdido: A Natureza Humana, p.93)

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humanas, tanto sociais como psíquicas”45, ou seja, identificaram o ritual como

elemento fundamental para a organização do homem.

De acordo com Morin, “não se poderia conceber uma antropologia fundamental

que não englobasse a festa, a dança, o riso, as convulsões, as lágrimas, o gozo,

a embriagues, o êxtase”46, ou seja, é impossível compreender-se de forma

completa o homem e suas origens, sem que sejam levados em consideração os

elementos presentes e que compõem o processo ritual.

O ritual aparece, como dito, nos mais diversos momentos da vida do homem e,

também, nas mais diversas culturas ao longo da história. Dos rituais ligados à

natureza, às práticas agrárias, e os ritos de passagem, as várias atividades do

homem primevo estiveram inundadas pela prática ritual. O ser humano, frágil por

natureza perante as adversidades de seu espaço de vivência, necessita

organizar-se para não perecer. O ritual é a forma simbólica de lidar com esta

fragilidade e, principalmente, por meio da rememoração dos mitos que os rituais

promovem, organizar o mundo deste homem primitivo.

Mônica Wilson (1954) citada em Turner afirma:

“Os rituais revelam os valores no seu nível mais profundo...os

homens expressam no ritual aquilo que os toca mais intensamente,

e, sendo a forma de expressão convencional e obrigatória, os

valores do grupo é que são revelados. Vejo no estudo dos ritos a

chave para compreender-se a constituição essencial das

sociedades humanas.”47

45 Victor TURNER, O Processo Ritual, p. 16. 46 Edgar MORIN, O Paradigma Perdido: A Natureza Humana, p.106 47 Victor TURNER, O Processo Ritual, p. 19.

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Esta afirmação pontua de forma bastante explícita a importância do ritual. Como

processo convencional, ou seja, convencionado dentro do grupo e obrigatório, o

ritual carrega os valores deste grupo e, portanto, revela suas características, seus

hábitos, suas crenças. Os rituais, como afirma Turner, “têm sido considerados

decisivos indícios para a compreensão dos pensamentos das pessoas, suas

relações e sobre os ambientes naturais e sociais em que operam.”48

Pross, em La Violencia de Los Símbolos Sociales, comenta a importância das

festas para os indivíduos, fazendo menção direta também à importância do ritual,

já que aponta as referências metafísicas envolvidas neste processo: “Las fiestas

sirven a la economia de las fuerzas del alma puesto que, en virtud de sus

referencias metafísicas, liberan del tormento de la lucha diaria, y, naturalmente,

sirven para la autopresentación de quines las organizan.”49

Do Ritual Sagrado aos Megaeventos – Das práticas primitivas aos

megaespetáculos contemporâneos

O ritual, como dito, concebe-se como um processo extremamente importante para

as sociedades primitivas: é o elemento organizador, apaziguador, que permite um

certo controle daquilo que, para este homem, apresenta-se como desconhecido.

Por meio de seus diversos cerimoniais, o ritual sagrado elimina, senão diminui, as

48 Victor TURNER, O Processo Ritual, p. 19. 49 Harry PROSS, La Violencia de los Símbolos Sociales, p. 78. (As festas servem a economia das forças da alma posto que, em virtude de suas referencias metafísicas, liberam do tormento da luta diária, e, naturalmente, servem para a auto-apresentação daqueles que a organizam).

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tensões geradas pela consciência do humano, do homem em si, ligando-o com o

sagrado, o transcendente, com a religiosidade.

Vilém Flusser descreve a religiosidade como “nossa capacidade para captar a

dimensão sacra do mundo”50, sendo que esta sacralidade, segundo o mesmo

autor, “revela o mundo e nossa vida dentro dele como realidade significativa”51. A

religiosidade, assim, torna-se o espaço de atribuição de sentido, espaço em que o

inexplicável ganha significado – é compreendido - e o ritual, por sua vez,

materializa esta dimensão sacra.

A evolução do homem, da cultura e, em especial, da ciência, no entanto, afastam,

paulatinamente, este homem do sagrado. O que antes era explicado via

religiosidade, passa a ser explicado pela ciência, pela racionalidade. As

sociedades evoluem, amplia-se a tecnologia e muitos valores simbólicos se

perdem. Novos significados racionais são dados aos processos e o sentido

sagrado se desvanece. O homem se afasta dos deuses, se dessacraliza e, com

este processo, perde a essência vívida dos antigos rituais, sagrados,

participativos, coletivos.

Em uma citação bastante objetiva de Guy Debord, autor de uma das maiores

reflexões relativas à espetacularização do mundo atual, A Sociedade do

Espetáculo, temos: “Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma

representação.”52 A vivência do real, apontado por Mircea Eliade, em sua obra O

Sagrado e o Profano como a vivência do sagrado, passa a ser a vivência da

representação, esvaziada de sentido.

50 Vilém FLUSSER, Da Religiosidade, p. 16 51 Idem. p.17. 52 Guy DEBORD, A Sociedade do Espetáculo, p. 13

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A evolução da tecnologia e da ciência, em especial com o advento da Revolução

Industrial, modifica de forma muito significativa as relações espaço-temporais do

homem, que, de uma vivência baseada nos ritmos naturais e de profunda ligação

com o sagrado, que explica o desconhecido, vê-se mergulhado em um mundo

iluminado pela ciência – um mundo explicado e regido pelo homem – ou pela

máquina construída pelo homem. Este mundo “explicado” ou “explicável” é visto

por V. Flusser como um mundo de “coisas transparentes”, mundo este, também

segundo o autor, “raso e chato”, um mundo simplificado, ausente de sentido e de

profundidade.53

Obviamente, as vivências diárias deste homem se alteram significativamente. O

mesmo distancia-se do campo, da natureza, da vida em comunidade e passa a

vivenciar uma nova lógica, a lógica da vida urbana, da nova sociedade industrial –

lógica da vida moderna. Tempo e espaço assumem novas dinâmicas; de uma

ordem natural do tempo e do espaço, como aponta Vicente Romano, passa-se a

“ordem cultural”54.

Tempo e espaço convertem-se em produtos, tais como aqueles que agora

inundam a vida do homem, frutos das indústrias e que, desta forma, devem ser

consumidos. Seu consumo se torna obrigatório, compulsivo, convulsivo, consumo

determinado pela linha de produção, pela criação de necessidades até então

inexistentes, pela vida agora racionalizada, industrializada, maquinificada.

As mudanças relativas a este novo contexto alteram de forma profunda, como dito

anteriormente, a vida e o dia-a-dia do homem, e alteram, além disso, sua forma

de relacionar-se com o mundo, de percebê-lo e de assimilá-lo; a cultura

53 Cf. Vilém Flusser, Da Religiosidade, várias passagens. 54 Vicente ROMANO, Ordem Cultural e Ordem Natural do Tempo, p. 4.

42

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tradicional, ou cultura dos cultos, como denomina Morin, também sofre profundas

desfigurações. É a erupção da cultura de massas.

Novos valores estéticos se configuram a partir desta desfiguração do modo de

vida e do modo de percepção deste homem; os valores estéticos55, até então,

muito ligados ao sentido, ao sentir e à arte, se transformam na estética da cultura

de massas, baseada na estética do consumo. “É toda uma concepção de cultura,

arte, que é achincalhada pela intervenção das técnicas industriais, como pela

determinação mercantil e a orientação consumidora da cultura de massa”56,

debate Morin, que pontua este processo como a “industrialização do espírito”, em

que “opera-se o progresso ininterrupto da técnica, não mais unicamente voltado à

organização exterior, mas penetrando no domínio interior do homem e aí

derramando mercadorias culturais. (...) Cultura e vida privada entram no circuito

comercial e industrial.”57

Os novos valores estéticos, da cultura de massa – do consumo – e da

tecnificação são propagados pela própria técnica, em especial, pela técnica dos

meios de comunicação de massa, que se desenvolvem enormemente em meio a

este contexto. O rádio multiplica-se e se populariza, jornais, revistas e tantas

outras mídias tomam o cenário urbano e se consolidam como referências

culturais, visto sua capacidade de propagar mensagens, modelos e estereótipos,

como descreve Morin:

55 De acordo com Malena Segura Contrera a origem etimológica da palavra estética está relacionada a palavra aisthétikós,do grego, “suscetível de perceber-se pelos sentidos”, derivado de aisthésis, “faculdade de percepção pelos sentidos”. Mídia e Pânico, p. 64 56 Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX – Vol. I – Neurose, p.18. 57 Idem. p.13.

43

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“A cultura de massas é produzida segundo as normas maciças da

fabricação industrial; propagada pelas técnicas de difusão maciça,

destinado à uma massa social, isto é, um aglomerado gigantesco

de indivíduos compreendidos aquém e além das estruturas internas

da sociedade”.58

Estes dois contextos, a dessacralização do homem paralela à irrupção da cultura

de massas, edificam a conjuntura da emersão da sociedade do espetáculo e da

sociedade midiática.

A imagem passa a dominar a vida do indivíduo e a mídia a pautá-lo. “É sem

dúvida o nosso tempo... prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a

representação à realidade, a aparência ao ser”.59 Configura-se o espetáculo, que

“constitui o modelo atual da vida dominante da sociedade”60.

Guy Debord afirma:

“Nunca a tirania das imagens e a submissão alienante do império

da mídia foram tão fortes como agora. Nunca os profissionais do

espetáculo tiveram tanto poder: invadiram todas as fronteiras e

conquistaram todos os domínios – da arte à economia, da vida

cotidiana à política -, passando a organizar de forma consciente e

sistemática o império da passividade moderna”61.

58 Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX – Vol. I – Neurose, p.14. 59 FEUERBACH citado em Guy DEBORD, A Sociedade do Espetáculo, p. 13 60 Guy DEBORD, A Sociedade do Espetáculo, p. 14. 61 Idem, prefácio.

44

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E dentre os produtos culturais do espetáculo e da cultura de massa, emergem

também os megaeventos.

Como afirma Vargas, “todos os tipos de rituais míticos servem, uns mais e outros

menos, para uma certa conformação razoavelmente ordenada da sociedade. Os

espetáculos não fogem a esta regra. Ao contrário, fazem desse conceito a chave

fundamental para sua existência”.62

O mundo imaginário não é mais apenas consumido sob forma de ritos, de cultos,

de mitos religiosos, de festas sagradas “nas quais os espíritos se encarnam, mas

também sob forma de espetáculo, das relações estéticas.”63 O homem desliga-se

dos valores sagrados, para se orientar pelos valores estéticos – não a estética do

sentido, da aisthesis, originária da palavra, mas a estética do moderno, do

espetáculo contemporâneo, no qual os eventos se encaixam, confirmando a

afirmação de Debord: “O espetáculo contemporâneo é a reconstrução material da

ilusão religiosa”64, ou seja, a nova estética da cultura de massas busca reconstruir

a ilusão religiosa, o sentido, mas é vazia, é espetáculo. “Nem retirada solitária,

nem ritos cerimoniais opõem a cultura de massa à vida quotidiana. Ela é

consumida no decorrer das horas. Os valores artísticos não se diferenciam

qualitativamente no seio do consumo corrente”.65

O megaevento compõe a nova estética proposta por Morin, em que o ritual passa

a espetáculo sendo que “a finalidade cultural ou ritual das obras do passado se

atrofiou ou desapareceu progressivamente para deixar emergir uma finalidade

62 Herom VARGAS, Música Pop, Espetáculo e Mito: Questões de Tempo e Espaço, p. 149. 63 Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX – Vol. I – Neurose, p. 79 64 Guy DEBORD, A Sociedade do Espetáculo, p. 19 65 Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX – Vol. I – Neurose. p. 18

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propriamente estética.”66 O sentido se perde, o significado, a ritualização, para

surgir o produto, para consumo em massa, o espetáculo.

Walter Benjamin, em seu texto A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade

Técnica, elucida de forma bastante explícita as alterações vividas neste período

de explosão da cultura de massas: “Na época de Homero, a humanidade

oferecia-se em espetáculo aos deuses olímpicos; agora, ela se transforma em

espetáculo para si mesma”67. É a vivência da não-vivência, imagem pela imagem,

estética do consumo. Espetáculo. “A cultura de massa é, sem dúvida, a primeira

cultura da história mundial a ser plenamente estética. Isso significa que, apesar

de seus mitos e seus engodos religiosos, é uma cultura fundamentalmente

profana.”68

Com estas transformações decorrentes da cultura de massas, quando o ritual

perde seu valor simbólico e ganha valor imagético – tornando-se espetáculo, e

que o homem se afasta cada vez mais do sagrado, nascem os megaeventos, sem

dúvida, recriações ou rememorações dos antigos rituais, mas que perderam

totalmente seu valor simbólico – de espaço de atribuição de sentido, tal como

apontou V. Flusser, de espaço de reorganização, tal como aponta V. Turner, mas

que, mesmo assim, constituem-se como importantes produtos culturais da

contemporaneidade atendendo a nova dinâmica moderna, da cultura de massas.

“Pelo movimento real e a presença viva, a cultura de massa

reencontra um caráter da cultura arcaica: a presença visível dos

seres e das coisas, a presença permanente do mundo invisível. Os

66 Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX – Vol. I – Neurose p. 79 67 Walter BENJAMIN, A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica, p. 28. 68 Idem. p. 79

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cantos, danças, jogos, ritmos do rádio, da televisão, do cinema,

ressuscitam o universo das festas, danças, jogos e ritmos.”69

A participação coletiva é re-introduzida na cultura industrial, mas em um novo

formato, dentro de uma nova roupagem em que atores e espectadores estão

fisicamente separados, diferentemente da cultura arcaica em que num mesmo

lugar todos participavam ao mesmo tempo como atores e espectadores da festa.

O espectador somente participa fisicamente do espetáculo, presença esta

marcada pela ausência, como aponta Morin. Deste modo, “a festa, da qual todos

participam, tende a desaparecer, em benefício do espetáculo”70.

Percebe-se, portanto, que, tal como em outros produtos culturais, os eventos

atuais estão permeados por uma série de traços que remetem à presença de

símbolos associados ao inconsciente coletivo71 e que configuram a cultura da

atualidade, comprovando assim sua imensa ligação com os antigos rituais. Os

conteúdos arcaicos encontram-se em meio à civilização contemporânea; o

símbolo primitivo revive e dele se alimentam a mídia e os eventos. Ivan Bystrina,

em sua obra Semiotik Der Kultur, compartilha desta visão, afirmando que os

padrões arquetípicos da memória coletiva permeiam de forma bastante

significativa o universo cultural do indivíduo contemporâneo.

69 Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX – Vol. I – Neurose. p. 62 70 Idem. p. 62 71 De acordo com C. G. Jung, em sua obra “Fundamentos da Psicologia Analítica” (Vozes,1985) alguns padrões presentes na psique humana não pertencem ao indivíduo, mas sim à humanidade, são próprios do humano, de natureza coletiva. Estes padrões possuem como particularidade o caráter mítico e se constituem como base da mente humana. Jung afirma que o homem, ao nascer, não apresenta sua mente como uma folha em branco, mas traz consigo um depositário de relíquias e memórias do passado que, associados a sua experiência individual irão formá-lo como indivíduo.

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“O processo de criar, transmitir e manter o passado no presente é

cultura – a capacidade que o semanticista norte-americano Alfred

Korzybsky denominou vinculadora do tempo. As plantas vinculam

substâncias químicas, os animais vinculam espaço, mas só o

homem é capaz de vincular o tempo”.72

Norval Baitello Junior, em O Animal que parou os Relógios realiza uma

interessante análise concernente à relação tempo e cultura, comentando que

cada cultura constrói seu próprio padrão de tempo e, por meio deste padrão,

define a forma de utilização que fará dos textos culturais. Também foca que

algumas culturas encontram-se voltadas para tempos futuros, sendo

“messiânicas”, tendo todo o seu passado e presente redimensionados em função

da sociedade ideal que vai acontecer no futuro, enquanto outras culturas centram-

se no texto presente, sendo marcadas pelo descarte da informação histórica, em

que o novo já nasce predisposto à obsolescência. Outras culturas voltam-se para

o texto passado, sendo eminentemente heróico-míticas, fundadas em um tempo

memorável dos deuses e heróis.

Esta analogia relativa ao padrão de tempo apropriado por diferentes culturas é

interessante na medida que o autor finaliza a análise comentando sobre a cultura

contemporânea, da sociedade midiática “que reúne traços preponderantes de

culturas heróico-míticas e de culturas centradas no presente. Por um lado,

descarta a informação apenas passado o seu tempo imediato de veiculação,

instaurando uma memória do tipo ‘curtíssimo tempo’. Por outro lado, permite no

vácuo criado pela destruição do passado imediato, o ressurgimento dos

72 Ashley MONTAGU APUD Norval BAITELLO JUNIOR, O Animal que parou os Relógios, p. 98.

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fantasmas de deuses e heróis, figuras que povoam as culturas centradas no

passado.”73

Nossa cultura, desta forma, se configura também como a reaparição destes

elementos arquetípicos, ou como aponta o autor, heróico-míticos, do passado,

mas que povoam ainda o imaginário cultural atual, bem como os produtos da

cultura das mídias.

A presença destes padrões arquetípicos e, principalmente, de padrões herdados

dos antigos rituais, podem ser perfeitamente notados quando analisados os

megaeventos, e, em especial, o comportamento comunicativo dos participantes

nestes eventos, que têm suas estruturas comportamentais totalmente alteradas

em relação ao seu comportamento cotidiano.

Traços “não permitidos ou não aceitáveis” na comunidade atual, no dia-a-dia dos

indivíduos – na comunidade do homem a-religioso – são exacerbados no espaço

do evento, demonstrando, desta forma, a enorme ligação deste homem que

habita a contemporaneidade e que se integra em um processo cumulativo de

cultura, com o homem das comunidades primitivas: arquétipos encontrados nas

civilizações primitivas ainda permeiam a vida cotidiana do homem

contemporâneo, orientando os referidos comportamentos e sua forma de lidar

com o mundo.

“Os indivíduos mudam seus figurinos, modificam seus

comportamentos pela cadência rítmica, mobilizam músculos,

articulações e posições impossíveis na vida cotidiana, embriagam-

se para comungar com o êxtase, ultrapassam suas medidas e

73 Norval BAITELLO Junior, O Animal que parou os Relógios, p.104.

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forçam seus próprios limites. O metabolismo dos corpos modifica-se

inevitavelmente, pois a fruição orgânica do evento supra os padrões

racionais de contemplação.”74

As raízes arqueológicas dos megaeventos estão no ritual. Sua essência de

contato com o sagrado – algo diferente do que é comum e profano -, o sentido de

coletividade e participação, o ritmo, a repetição periódica, o espaço e o tempo

sacralizados, a música, as emoções ritualísticas, todos estes elementos

característicos do ritual sobrevivem e são rememorados de forma muito clara nas

mais diversas atividades desenvolvidas na contemporaneidade, sobrevivem em

especial nos eventos. Como aponta Eliade, “algumas imagens tradicionais, alguns

traços da conduta do homem arcaico persistem ainda num estado de

‘sobrevivências’, mesmo nas sociedades mais industrializadas.”75

As religiões (no sentido do religare) primevas, assim, relacionam-se com os

megaeventos em sua origem ritualística, e também na sobrevivência, na

permanência de traços destas religiões nas mais variadas atividades e

comportamentos atuais.

Os diversos rituais, profundamente enraizados em cada uma das culturas que re-

atualiza seus conteúdos míticos, sobrevivem e são reconstruídos ao longo da

história; sua essência mítica, ritual e sagrada permanece, seu formato permanece

e, assim, concebem-se os megaeventos da contemporaneidade.

O processo de sacralização – muitas vezes inconsciente – pelo qual passam os

espaços de vivência, de comunhão e de trabalho contemporâneos, tratam-se de

74 Herom VARGAS, Música Pop, Espetáculo e Mito: Questões de Tempo e Espaço, p. 152 75 Mircea ELIADE, O Sagrado e o Profano, p.49

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um exemplo bastante consistente neste sentido. Sem termos total consciência do

conteúdo mítico e ritual de nossas ações, re-atualizamos os comportamentos

primitivos da realização de sacralização dos espaços, como dito, de morada, de

trabalho, por meio, por exemplo, dos eventos de lançamento destes espaços. A

própria atenção especial direcionada a estes espaços demonstra os traços

ritualísticos primevos que sobrevivem em nosso cotidiano.

Neste processo, estamos diretamente reavivando os valores cosmogônicos, que

estabelecem a ordem cósmica, destacando um território do caos que o envolve e

tornando-o qualitativamente diferente de outros espaços, “fundando o mundo” 76 -

o nosso mundo. “Trata-se de assumir a criação do mundo que se escolheu

habitar. É preciso, pois, imitar a obra dos deuses, a cosmogonia.”77 Os diversos

espaços de vivência do homem contemporâneo são sacralizados por meio destes

rituais.

“Em contextos culturais extremamente variados, reencontramos

sempre o mesmo esquema cosmológico e a mesma encenação

ritual: a instalação num território equivale a fundação de um

mundo.”78

“Mesmo nas sociedades modernas, tão fortemente

dessacralizadas, as festas e os regozijos que acompanham a

instalação numa nova morada guardam ainda a reminiscência da

exuberância festiva que marcava, outrora, o incipt vit nova”79

76 Mircea ELIADE, O Sagrado e o Profano, p.30 77 Idem.p. 49 78 Mircea ELIADE, O Sagrado e o Profano, p. 46 79 Idem. p. 54

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Para além deste exemplo, é válido lembrar que os mais diversos eventos e festas,

até o final da Idade Média e início da Idade Moderna, estiveram fixados e

alicerçados por conteúdos e objetivos religiosos e sua estrutura sempre teve

como base o cerimonial dos rituais. As feiras comerciais somente se iniciavam

quando em comemoração a alguma data de valor religioso. Até mesmo as datas

consideradas profanas, desligadas no mundo sagrado da nova mentalidade cristã,

tiveram seus conteúdos adequados à religião, passando a integrar o sagrado, o

período das festas, o tempo sagrado. Na mesma medida em que a nova religião

absorveu os deuses greco-romanos, absorveu os diversos rituais e festas em

consagração aos mesmos, emoldurando-os com uma nova roupagem católico-

cristã.

Outros mitos ritualizados tiveram seus conteúdos sobrevivendo ao longo do

tempo e permeiam os eventos atuais. Os rituais de ano-novo, por exemplo, hoje

tão comemorados nos quatro cantos do globo, trazem em si o conteúdo

cosmogônico original, a passagem para um novo tempo, o início de um novo

ciclo, a criação de um novo mundo, purificado. De acordo com Eliade “para o

homem religioso das culturas arcaicas o mundo renova-se anualmente, isto é,

reencontra a cada novo ano a santidade original”80 e, esta passagem sempre

esteve demarcada por uma série de rituais, sendo um divisor de águas que

promovia a separação do tempo passado e do novo tempo, do novo mundo.

Contemporaneamente, os rituais de passagem sobrevivem e, mais do que isso,

transformaram-se em megaeventos, grandes espetáculos, que não somente

demonstram a sobrevivência do formato ritualizado em si, como também da idéia

80 Mircea ELIADE, O Sagrado e o Profano, p.69.

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mítica de um novo ciclo, de um novo mundo, construído em meio ao caos,

organizado e purificado. (Como exemplo, podemos citar as comemorações

mundiais na passagem de 1999 para o ano 2000)

Tal como os ritos de passagem, tantos outros formatos e simbolismos rituais têm

sido apropriados pela cultura de massas e convertidos em megaeventos, em

espetáculos. No entanto, sua essência mítica continua transparecendo, seu valor

ritual continua presente, e, em virtude disso, estes eventos têm movimentado

cada vez mais multidões, em busca do contato com o sagrado, - sagrado este

visto, de acordo com V. Flusser, como espaço de atribuição de sentidos, como

dito anteriormente, - promovido por estes megaeventos.

O princípio hologramático defendido por Morin, em “Introdução ao Pensamento

Complexo”, em que o todo está na parte e a parte, no todo, evidencia este

fenômeno de permanência: por mais pontual que seja a reminiscência do

processo ritual existente nos megaeventos, - e com certeza o é - os mesmos

ainda podem trazer em si a essência, a vivência transcendente dos antigos rituais,

relação esta que pode ser estabelecida pelo receptor. 81

O homem moderno, imageticamente dessacralizado, vive ainda em um mundo

marcado pelos conteúdos sagrados primitivos, vive em um mundo permeado pela

religião – ou seja, aquela que, como nos rituais primevos, liga, que une, que gera

participação. E os megaeventos, fenômenos comunicativos que refletem um

81 Morin pontua que existem três princípios que podem ajudar-nos a pensar a complexidade. “O primeiro trata-se do princípio dialógico, em que a ordem e a desordem são complementares, apóiam a organização da complexidade. O segundo princípio trata-se da recursão organizacional em que cada elemento é produtor e produzido, é efeito e causa dentro de um processo. O terceiro princípio trata-se do princípio hologramático. Num holograma físico, o menor ponto da imagem do holograma contém a quase-totalidade da informação do objeto representado. Não apenas a parte está no todo como o todo está na parte”. Se vivemos em uma cultura eminentemente cumulativa, podemos dizer que as reminiscências dos antigos rituais permanecem e que, conseqüentemente, nesta parte que permanece, o todo do ritual – do religare – pode ser encontrado. (Edgar MORIN, Introdução ao Pensamento Complexo, p. 108)

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pouco da complexidade do homem contemporâneo, possuem, na mesma medida,

estes conceitos em sua essência. Mantêm, em seu formato, em sua configuração,

as provas de que sua origem está atrelada aos antigos rituais, e que sua

permanência e, principalmente, seu sucesso, estão intrinsecamente ligados ao

fato de que o homem, por mais moderno que possa se apresentar, por mais a-

religioso e dessacralizado que transpareça ser, mantém estreita ligação com seu

estado primitivo, universal, com seu eu.

“Algo da concepção religiosa do mundo prolonga-se ainda no

comportamento do homem profano, embora ele nem sempre tenha

consciência dessa herança imemorial”.82

Os megaeventos de hoje consolidam-se como a saudade dos antigos rituais,

saudade das experiências que estes eventos proporcionavam, saudade das

vivências coletivas promovidas pelos mesmos, saudades estas minimizadas pela

participação nos megaeventos contemporâneos, que, mesmo espetacularizados,

midiatizados, mantém, em sua essência, relação com os antigos rituais, fazendo

rememorar no participante contemporâneo as sensações e a participação

promovidas pelos rituais, vivências estas tão procuradas pelo homem da

contemporaneidade, que ao perder o contato com o sagrado, com o duplo, muitas

vezes se vê perdido em seu próprio mundo.

De acordo com Vargas, o espetáculo contemporâneo, o megaevento, proporciona

ao homem, em termos de experiência sensorial, uma fruição mais epidérmica e

82 Mircea ELIADE. O Sagrado e o Profano, p.48

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catártica. Definitivamente, a visão e a audição não são mais os únicos sentidos

humanos potencializados nos espetáculos, nos megaeventos.

Pode estar aí uma das respostas para o encantamento gerado pelos

megaeventos. Pode estar aí uma das respostas para o grande questionamento:

por que tantas pessoas ainda desejam viver estes momentos, mesmo em uma

cultura permeada pela mídia, pelo audiovisual, o que faz com que as pessoas

ainda busquem esta vivência “real”, e não mediada eletronicamente, como tantos

outros produtos culturais da cultura de massas? O momento efêmero que o

megaevento proporciona é exatamente o momento de contato com este sagrado

perdido, em que o indivíduo pode transcender sua posição de homem profano e

estar em contato com a realidade, com o duplo, com o simbolismo, com os

deuses e consigo mesmo, humano, não essencialmente produtilizado.

Megaeventos e Modernidade

Os megaeventos têm suas raízes no ritual, tal como discutido anteriormente, mas

concebem-se, em seu formato mega, somente com o advento da modernidade.

Rituais e eventos sempre existiram; em diferentes culturas e em todos os cantos

do planeta concebem-se como elementos básicos para a organização social e

cultural de diferentes grupamentos humanos.

No entanto, estes somente têm sua estrutura e, principalmente, intensidade

modificada em meio à cultura de massas, em meio à modernidade e a estética

por esta imposta, característica do século XX, que altera não somente as relações

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tempo-espaço, e as estruturas de vivência do homem, que migra do rural para o

urbano, mas, principalmente, sua percepção perante o mundo.

“A modernidade designa uma grande quantidade de mudanças

tecnológicas e sociais que tomaram forma nos últimos dois séculos

e alcançaram um volume crítico perto do fim do século XIX:

industrialização, urbanização e crescimento populacional rápidos;

proliferação de novas tecnologias e meios de transporte; saturação

do capitalismo avançado; explosão de uma cultura de consumo de

massa e assim por diante”83

Instaura-se o pensamento moderno e com ele o choque da modernidade e o

aumento radical das estimulações nervosas em meio a suas urgências,

intensidades, sobrecarga sensorial, desorientação, fragmentação, mergulho nos

sinais e imagens; em resumo, em meio ao hiperestímulo da nova dinâmica da

vivência humana – urbana -, permeada pela velocidade, associada a multiplicação

desenfreada das mídias.

Ben Singer, cujo artigo Modernidade, Hiperestímulo e o Início do Sensacionalismo

Popular, encontra-se em O Cinema e a Invenção da Vida Moderna organizado por

Léo Charney e Vanessa R. Schwartz cita Georg Simmel, apropriando deste um

interessante trecho de seu ensaio de 1903, A Metrópole e a Vida Mental:84

83 Ben SINGER. Modernidade, Hiperestímulo e o Início do Sensacionalismo Popular In: Léo CHARNEY e Vanessa R. SCHWARTZ. O Cinema e a Invenção da Vida Moderna, p. 115. 84 Idem, p. 116.

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“O rápido agrupamento de imagens em mudança, a

descontinuidade acentuada ao alcance de um simples olhar e a

imprevisibilidade de impressões impetuosas: essas são as

condições psicológicas criadas pela metrópole. A cada cruzar de

rua, com o ritmo e a multiplicidade da vida econômica, ocupacional

e social, a cidade cria um contraste profundo com a cidade

pequena e a vida rural.”

Todo este conjunto de mudanças, todo este hiperestímulo, como aponta Singer,

alteram, sem sombra de dúvidas, a experiência e a percepção da vida do homem,

da vida moderna.

“A cidade moderna parece ter transformado a experiência subjetiva

não apenas quanto ao seu impacto visual e auditivo, mas também

quanto às suas tensões viscerais e suas cargas de ansiedade. A

experiência moderna envolveu um acionamento constante dos

reflexos e impulsos nervosos que fluíam pelo corpo ‘como energia

de uma bateria’, tal como descreveu Benjamin”85

É o hiperestímulo como a nova realidade do homem moderno.

O megaevento é produto da modernidade. É produto da cultura de massas e só

poderia se arquitetar como tal em meio a nova percepção e experiência do

moderno, que se concebe, em especial, no início do século XX.

85 Ben SINGER. Modernidade, Hiperestímulo e o Início do Sensacionalismo Popular In: Léo CHARNEY e Vanessa R. SCHWARTZ. O Cinema e a Invenção da Vida Moderna, p. 127.

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Enquanto os antigos rituais caracterizavam-se pela sua ocorrência em meio à

comunidade, em meio às aldeias, tribos ou diferentes grupamentos humanos que

se constituíam como base para a sociedade arcaica, o Megaevento, o espetáculo

de massa tem como cenário a cidade moderna – a metrópole e, posteriormente, a

megalópole. O megaevento vem compor o espetáculo urbano, ou ainda nasce em

função da dinâmica produzida pelas cidades.

A tecnologização da vida do homem, amparada, pautada e construída junto ao

desenvolvimento da mídia, mídia esta entendida enquanto novos suportes da

informação e também como reguladora da cultura de massas, que, de mediadora,

passa a invadir o espaço privado deste homem, constituem-se como elementos

fundamentais para o entendimento da modernidade – cenário do surgimento do

megaevento.

Na mesma medida em que estes fenômenos afastam o homem do sagrado,

forma-se uma nova maneira de percepção do mundo, percepção esta da

velocidade, da informação, da eletricidade, do contexto moderno e da formatação

da cultura de massas.

Para Benjamin:

“A metrópole e a esteira rolante sujeitaram os sentidos humanos a

um tipo complexo de treinamento. O organismo mudou de marcha

sincronizando-se ao mundo acelerado. Esse condicionamento

acabou por gerar uma necessidade nova e urgente de estímulos,

uma vez que somente passatempos estimulantes podiam

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corresponder às energias nervosas de um aparelho sensório

calibrado para a vida moderna”86

Tal como aponta Benjamin, traçando um paralelismo elucidativo entre a esteira

rolante e a vida moderna, esta nova vivência tecnologizada altera profundamente

a forma deste homem perceber o mundo e como um dos resultados deste novo

processo, aparece a necessidade de passatempos estimulantes, parafraseando

Benjamin, capazes de corresponder às energias nervosas deste indivíduo

moderno; a ampliação e a nova intensidade dos eventos concebem-se, também,

como resposta a este processo.

O megaevento, assim, responde à nova lógica da cultura moderna – da cultura de

massas do século XX – em que a percepção do homem encontra-se alterada em

função da própria dinâmica contemporânea, da vida urbana e da mídia,

concebendo-se, desta forma, em meio ao hiperestímulo e a intensidade,

necessárias para que este homem, anestesiado, reaja de alguma forma a

estimulação ao qual é submetido pela mídia e pela nova dinâmica moderna todos

os dias.

Do Hiperestímulo ao Blasé: A Anestesia como Defesa

A lógica da modernidade é a lógica da velocidade. Velocidade de acontecimentos,

de informação, de deslocamentos. É a lógica do estímulo sensorial ininterrupto,

veloz e excessivo.

86 Walter BENJAMIN, Some Motifs in Baudelaire, p. 175.

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A mídia, por sua vez, ocupa papel fundamental neste contexto, visto que coloca-

se como elemento gerador desta hiperestimulação constante em meio ao

ambiente urbano contemporâneo.

Outdoors, backligths, placas, faixas, muros, toda e qualquer edificação que

contextualiza o ambiente urbano, convertem-se em suporte midiático, suporte de

informações e, principalmente, de publicidade. Meios de transporte e os próprios

veículos midiáticos característicos das grandes cidades terminam por constituir o

ambiente urbano moderno, ou o cenário moderno das grandes cidades,

complementado pelas novas mídias, em sua maior parte eletrônicas, que se

multiplicam pelas cidades.

É, pois, o cenário do hiperestímulo materializado. Para todos os lados, cores,

sons, imagens, fotografias, luzes, textos, frases, apelos, chamarizes, numa

ininterrupta disputa pela atenção do pobre indivíduo que por este ambiente

enlouquecido circula.

Georg Simmel, citado em Ben Singer87, afirma que o estímulo sensorial excessivo

como o associado às pressões da vida urbana tinha o efeito fundamental de

exaurir ou incapacitar os sentidos. “A idéia era que os nervos humanos eram

sujeitados ao desgaste físico. (...) Nervos superexcitados e esgotados criaram um

modo de percepção fatigada ou blasé que imaginava o mundo em um tom

uniformemente insípido e cinzento.”88

G. Simmel e outros estudiosos da neurastenia da vida moderna, procuraram

comprovar que o hiperestímulo ao qual o indivíduo que circula nas cidades está

submetido é tão grande na contemporaneidade, que, como forma de defesa, o

87 Ben SINGER. Modernidade, Hiperestímulo e o Início do Sensacionalismo Popular In: Léo CHARNEY e Vanessa R. SCHWARTZ, O Cinema e a Invenção da Vida Moderna. 88 Idem, p. 140.

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mesmo passa a um estado de baixa percepção destes estímulos, a uma visão

fatigada do mundo – a uma visão anestesiada deste dia-a-dia.

O homem contemporâneo encontra-se anestesiado. De acordo com Malena

Segura Contrera89, a origem etimológica de anestesia provém da palavra grega,

aisthétikos, “suscetível a percepção pelos sentidos”, tendo recebido o prefixo de

privação, ou seja, significando, a não percepção pelos sentidos.

A lógica da vida contemporânea, baseada nas grandes cidades, nas massas e na

convivência tão próxima homem-a-homem, além da sua total imersão nas mídias,

que tomam de forma tão intensa seu dia-a-dia, fez com que este homem, como

forma de se defender de uma dinâmica tão invasiva, tão permeada e baseada

pelo hiperestímulo, contínuo e ininterrupto, desenvolvesse, como defesa, ou fuga

deste processo, a anestesia perante a enorme quantidade de estímulos das mais

diferentes naturezas ao qual está diariamente exposto.

O homem moderno está anestesiado, está imunizado para conseguir viver dentro

da lógica da cultura de massas e da modernidade, ou não conseguiria sobreviver

a quantidade de estímulos ao qual está a todos os momentos sendo exposto.

Os “Super-híperestímulos”

Estamos imersos em hiperestímulos e, para sobreviver, nos anestesiamos. Nos

anestesiamos, pois mais fácil do que lidar com a economia do prazer–

desprazer90, em que o homem encontra-se em um estado de conforto absoluto,

89 Malena Segura CONTRERA. Mídia e Pânico, p. 64. 90 A teoria do prazer-desprazer é defendida por Konrad Lorenz, em sua obra Os Oito Pecados Mortais da Civilização e pode ser definida como o conjunto das relações naturais existentes entre

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de um lado, e de outro é hiper-estimulado o tempo todo pela mídia, é lidar com o

tédio mortal.

No entanto, a comunicação e, em especial os meios de comunicação de massa,

vêem, nesta defesa quase letárgica do homem, a necessidade da criação de

estratégias para que o vínculo comunicativo continue existindo. Aumenta-se,

gradativamente, o estímulo. Do hiperestímulo de Singer passamos ao super-

hiperestímulo promovido pela mídia e inserido no contexto das mais variadas

atividades e, dentre estas, dos megaeventos.

Concentrações cada vez maiores de sensações visuais e auditivas traduzem a

intensidade das novas atividades, que demonstram a tendência encontrada em

todos os meios de comunicação de massa, bem como nas mais diversas

atividades do homem, como esportes de aventura, entre outras, sintetizadas na

nova tendência para atrações curtas, velozes, fortes e saturadas de emoção.

Extravagância nas produções, motivos burlescos e apresentações ruidosas

adquirem maior proeminência nesta nova dinâmica que insere ainda a presença

massiva da tecnologia – da técnica – adorada como sinônimo de modernidade e

incorporada de forma visceral em tais atividades.

Somente o hiperestímulo midiático não é mais suficiente para gerar qualquer

sensação mai profunda e real no homem – para tirá-lo da anestesia. Super-

hiperestímulos são necessários para tentar qualquer reação menos letárgica

deste homem contemporâneo.

punição e recompensa, afirmando que de todo o esforço e sacrífico resulta o prazer posterior. No entanto, sua discussão perpassa pelo fato de que o desenvolvimento tecnólogico tem trabalhado no sentido de atender a aspiração humana de evitar o desprazer e que este fenômeno tem gerado resultados bastante significativos em termos de comportamento para o homem, criando um nivelamento entre o prazer-desprazer, o que tem como uma das primeiras conseqüências diretas o embotamento do prazer e assim, o surgimento de uma morte lenta dos sentimentos, denominada pelo autor de tédio mortal.

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Para a medicina, um corpo anestesiado é aquele corpo privado total ou

parcialmente da sensibilidade. É o corpo sem sensações, cuja incitação depende

de elevados graus de estímulo para que se consiga algum resultado – alguma

sensibilização perante qualquer estimulação e que, em alguns casos, continua

ainda sem responder a tais estímulos.

“Sensações cada vez mais fortes são necessárias para penetrar os sentidos

atenuados, para formar uma impressão e redespertar uma percepção”91.

É com base nesta lógica que a mídia age. É com base nesta lógica que os

megaeventos adquirem seu formato, permeados pela mídia em sua divulgação e,

principalmente, em sua estrutura, invadida pelos diversos aparatos midiáticos e

publicitários, pelos telões, faixas, backlights, pelo laser, pela iluminação intensa, e

mais contemporâneamente também pela tecnologia da informação, seus SMS’s,

MMS’s, bluetooths, pela extravagância, uma quase insanidade materializada em

sua programação e sua estrutura, recriando ambiências muito próximas aos

estados alterados da consciência, aos estados de supervigília; participantes são

conduzidos a excitação criada por estes espaços, sendo levados, desta forma, a

um mergulho em tais super-hiperestímulos.

Os megaeventos, assim, são também produtos culturais que respondem a

dinâmica e a lógica do século XX. Carregam em si traços dos antigos rituais, mas

sua estrutura, por sua vez, responde recursivamente a lógica da cultura midiática,

de massas, da velocidade e dos hiperestímulos, maximizados ao estremo,

tornando-se super-hiperestímlos.

91 Ben SINGER. Modernidade, Hiperestímulo e o Início do Sensacionalismo Popular In: Léo CHARNEY e Vanessa R. SCHWARTZ, O Cinema e a Invenção da Vida Moderna, p. 140.

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O formato destes produtos, assim, retrata a complexidade da cultura em que

estão inseridos e, desta forma, comportam-se como produtos que precisam ser

analisados pois carregam em si uma fotografia da contemporaneidade.

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CCaappííttuulloo IIII –– CCoommuunniiddaaddeess EEssttééttiiccaass ee MMeeggaaeevveennttooss

Nenhum homem é uma ilha, isolado em si mesmo.

John Donne – Poeta Inglês

No primeiro capítulo desta dissertação discutimos as origens dos megaeventos,

contextualizando-os como resultado de um amplo processo que alterou de forma

profunda a vida de cada indivíduo. Alterações espaço-temporais, alterações nos

valores, crenças, alteração nos processos produtivos, alterações na ciência e no

conhecimento e um crescente desligamento do mundo do sagrado provocaram,

na mesma medida, alterações sensíveis no dia-a-dia do homem, resultando em

profundas, inevitáveis e irreversíveis mudanças na lógica da vida cotidiana, na

vida comum.

É impossível portanto, falarmos sobre tais alterações e, principalmente, seus

resultados – ou produtos culturais daí derivados -, sem entendermos de fato, a

essência de um “processo” já que estamos imersos em um constante processo.

Para David K. Berlo, em sua obra O Processo da Comunicação, “aceitando o

conceito de processo, veremos os acontecimentos e as relações como dinâmicos,

em evolução, sempre em mudança, contínuos. Quando chamamos algo de

processo, queremos dizer também que não tem um começo, um fim, uma

seqüência fixa de eventos”92. O conjunto de acontecimentos relatados e suas

consequências, em especial com relação aos produtos culturais resultantes,

constituem um processo.

92 David K. BERLO, Processo da Comunicação, p. 23.

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Berlo discute a crise e a revolução da filosofia científica e sua importância por ter

inserido o conceito de relatividade, ao sugerir que qualquer objeto ou

acontecimento só podia ser analisado ou descrito à luz de outros acontecimentos

com ele relacionados, de outras operações compreendidas em sua observação.

Além disso, uma outra contribuição fundamental da crise da filosofia científica

trata-se do fato de que a disponibilidade de técnicas de observação mais

poderosas levou a demonstração de que qualquer coisa tão estática ou estável,

como uma mesa ou cadeira, pode ser encarada como um fenômeno em

constante mutação, atuando sobre e sendo atuado por todos os objetos do seu

ambiente.93 Essas colocações, frutos, como dito, da crise e revolução da filosofia

científica, ainda de acordo com o autor, trazem uma nova forma de encarar o

mundo: a visão da realidade em processo.

Esta discussão inicial relativa a questões do conceito de processo – algo em

constante mudança -, da análise de um objeto à luz de outros acontecimentos a

ele relacionados, e o fato de que um mesmo objeto influencia e é influenciado por

todos os objetos de seu ambiente, são conceitos que orientaram a discussão

proposta nesta dissertação e estão sendo aqui pontuados uma vez que norteiam,

da mesma forma, a estruturação deste capítulo.

Estamos em constante processo, como dito anteriormente, em mudança, em meio

à dinâmica da contemporaneidade. Diferentes momentos e acontecimentos

históricos e sociais interferem de forma muito profunda no dia-a-dia, na vida

cotidiana do sujeito, interferências estas freqüentemente estruturais e que, muitas

vezes, não recebem a atenção devida. A própria dinâmica contemporânea, a

93 David K. BERLO, Processo da Comunicação, p. 24.

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própria imersão no processo e as incalculáveis relações entre os mais díspares

acontecimentos impedem que se identifique a interferência de cada parte no todo,

de cada elemento dentro do processo, ou que se tenha total consciência destas

interferências.

As alterações nas formas de produção e consumo, bem como o surgimento dos

mais diversos produtos culturais – e dentre estes os megaeventos - pontuam

estas transformações e demonstram como elementos deste processo complexo

modificam o todo.

O período conhecido como modernidade é um excelente exemplo disso, visto que

trata-se de um período caracterizado pela ampliação significativa da

industrialização, processo econômico que, de fato, consolida e materializa uma

série de mudanças no modo de vida, nas relações espaço-tempo, nas formas de

trabalho, nas relações sociais e nas mais diversas formas de manifestação da

própria condição humana, como a forma gregária de viver e a necessidade de

comunicação, que aconteceram ao longo dos últimos séculos. Malena Segura

Contrera, em sua obra Mídia e Pânico, afirma que somos essencialmente

gregários e necessariamente comunicantes94. Constituem-se, sem dúvida, estas

as condições básicas do humano, condições estas que sofrem interferências

profundas dos processos sociais, históricos e culturais aos quais se está exposto

na contemporaneidade.

Obviamente, este capítulo não objetiva discutir a evolução da modernidade, nem,

muito menos, pontuar seu início. Pretende, com base em constatações das

alterações substanciais trazidas pela modernidade – identificando-a como um

94 Malena Segura CONTRERA, Mídia e Pânico, p. 39.

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processo e como um elemento que interfere e sofre interferência do ambiente,

muitos deles já discutidos no primeiro capítulo, - identificar como estes elementos

alteram as relações interpessoais, os vínculos, a sociabilidade e o senso de

comunidade na contemporaneidade e, em especial, como esses fenômenos se

desenrolam dentro dos megaeventos, objeto de estudo desta dissertação.

Considera-se pertinente a discussão relativa a este contexto, uma vez que estes

produtos culturais têm uma característica muito específica: os megaeventos

contemporâneos constituem-se de grandes espaços de convivência coletiva,

espaços, no entanto, de convivência compulsória, visto que esta convivência se

estrutura a partir de um objetivo comum, ou seja, estar presente nos

megaeventos, mas não necessariamente a partir do desejo de conviver com o

outro; entender, desta forma, a natureza comunicativa dos megaeventos perpassa

pela discussão dos mesmos como um espaço de sociabilidade.

Poderíamos pensar um megaevento realizado para um único participante, uma

vez que estes espaços são construídos, formatados, não para estimular a

convivência em grupo, mas sim com vários outros objetivos, como veremos mais

adiante, e entre eles está o “estar ali”.

O objetivo principal de cada participante está na condição de estar no evento e

não necessariamente, ou diretamente, no espaço de convivência coletiva

promovido por estes espaços em função da presença massiva de pessoas.

A noção de participação, aqui entendida, como dito, como o “tomar parte em” não

tem importância real para estes consumidores do evento que, em nenhum

momento manifestam interesse em viver estes momentos efêmeros dos

megaeventos em função da presença coletiva, dos vínculos ali criados.

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Este capítulo pretende, desta forma, entender como funciona a dinâmica de

sociabilidade destes espaços de convivência, imersos no universo da

comunicação eletrificada, comunicação terciária, comunicação embasada nas

mídias e retroalimentada por elas, conforme discutido no primeiro capítulo,

analisando-os como possíveis espaços comunicativos (será?), espaços de uma

pseudo vivência comunitária, espaços em que prevalecem as noções

apresentadas por Edgar Morin na obra Cultura de Massas no Século XX, da

industrialização do espírito95, marcada pela individualização, racionalização,

padronização, homogeneização e pela explicação científica como máximas

características da contemporaneidade e, conseqüentemente dos produtos

culturais nela presentes.

Friedrich Nietzsche na obra Humano, Demasiado Humano afirma que “a história

ensina que a estirpe que num povo se conserva melhor, é aquela em que a

maioria dos homens tem um vivo senso de comunidade, em conseqüência da

identidade de seus princípios habituais e indiscutíveis”96, ou seja, as crenças se

mantêm somente em um grupo em que a idéia de comunidade esteja muito viva,

conseqüentemente, a comunidade também se mantém com base nestes

preceitos.

A vivência comunitária, é válido mencionar, não tem se estabelecido como uma

característica marcante da contemporaneidade97. A industrialização do espírito,

95 Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX, p.14. 96 Friedrich NIETZSCHE, Humano, Demasiado Humano, p. 142. 97 Vale aqui ressaltar a diferença entre vivência comunitária e vivência coletiva. A vivência comunitária, dentro do conceito aqui adotado para comunidade, permeia vínculos mais profundos entre os participantes, permeia participação, no sentido de “tomar parte em”. Os megaeventos, por suas inúmeras características intrínsecas, não são capazes de construir estas vivências. Oferecem somente a oportunidade da vivência coletiva – a experimentação de um produto cultural em grupo, característica que marca um tipo específico de comunidade contemporânea, de acordo com Z. Bauman, que será discutido mais a frente.

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como dito anteriormente, tem como característica, entre outras, o processo de

individualização e o processo de uma perda da unicidade, e este processo

espelha o fim das comunidades, em seu conceito mais filogenético, mais natural,

como denomina Zygmunt Bauman.

Se o grupo perde a unicidade e se individualiza, individualizam-se crenças,

valores, individualizam-se – ou extinguem-se – os rituais comunitários, e demais

manifestações que caracterizavam as comunidades, rituais estes não mais vividos

em conjunto, em comunidade; as marcas da vivência comunitária se dissolvem

em meio a dinâmica da modernidade.

Comprender esta dinâmica, permeia uma discussão inicial relativa à mídia, uma

vez que a mesma tem relação direta com os diferentes processos comunicativos

que derivam deste contexto.

Para auxiliar no processo de compreensão das alterações das relações humanas

que se refletem na vivência em comunidade, e, conseqüentemente, nas relações

e vínculos construídos no espaço efêmero dos megaeventos, é fundamental que

se entendam, também, as alterações que a própria mídia e os processos

comunicativos por ela mediados tem sofrido ao longo dos tempos.

Algumas reflexões sobre a Mídia

A revolução industrial e a evolução tecnológica características do final do século

XIX e início do século XX – e que se estendem até os dias atuais – promoveram

inúmeras mudanças na ordem social e cultural do homem, algumas delas

previamente discutidas.

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Tempo e espaço, especialmente, como anteriormente mencionado, adquiriram

novas conotações, novas concepções e, por estas alterações, passaram a

permear diferentes experiências no indivíduo.

Vicente Romano inicia o prólogo de sua obra El Tiempo Y El Espacio En La

Comunicación comentando a estreita relação existente entre espaço, tempo e a

“inquietude humana”98, o que demonstra a íntima analogia entre o homem e as

questões espaço-temporais, e conseqüentemente, aponta para o fato de que

alterações espaço-temporais se refletem diretamente no modo de vida do

indivíduo.

Os avanços tecnológicos e científicos se refletem nas formas de produção,

alterando a configuração do trabalho do homem, desta forma, influenciando seu

modo de vida. Edgar Morin, em sua obra Cultura de Massas no Século XX –

Volume I – Necrose aponta as alterações decorrentes do poder industrial como

uma revolução na alma humana e “que se reflete nas imagens e nos sonhos dos

indivíduos”99.

Obviamente, os reflexos práticos da emergência da cultura de massas se

materializam no espaço e, conseqüentemente nas relações sociais.

De um modelo de vida baseado em grandes áreas de convivência, o espaço

tipicamente rural, das vilas, das comunidades religiosas, – espaços estes

marcados pela comunicação interpessoal, baseada na mídia primária100-, a

98 Vicente ROMANO, El Tiempo Y El Espacio En La Comunicación, p. 9 99 Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX, p.13. 100 Harry Pross propõe uma classificação bastante interessante para os sistemas de mediação, como afirma N. Baitello Junior no artigo Tempo Lento e Espaço Nulo. Pross pontua que a mídia pode ser classificada como mídia primária, aquela ligada ao corpo, a presença física entre emissor e receptor, mídia secundária, “aqueles meios de comunicação que transportam a mensagem ao receptor, sem que este necessite de um aparato para captar seu significado” e mídia terciária como “aqueles meios de comunicação que não podem funcionar sem aparelhos tanto do lado do emissor quanto do lado do receptor” (Pross, 1971:128).

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industrialização transfere o homem para as cidades, novo ambiente, imerso em

uma nova lógica, que altera profundamente seu comportamento, suas

experiências estéticas, suas relações e, por conseguinte, os processos

comunicativos nos quais está inserido este homem.101

Norval Baitello Junior, em seu artigo O Tempo Lento e o Espaço Nulo. Mídia

Primária, Secundária e Terciária, disponível em www.cisc.org.br, afirma:

“a mídia primária é presencial, exige a presença de emissores e

receptores em um mesmo espaço físico e num mesmo tempo - é

portanto a mídia do tempo presente e suas tensões e surpresas, de

sua sensorialidade múltipla e de sua sensualidade potencial”102.

Esta afirmação fala muito das relações espaços-temporais deste homem que, até

então, tem sua estrutura comunicativa baseada na proximidade. Esta

proximidade, que caracteriza a mídia primária – proximidade da sensorialidade

101 As relações espaciais e de convivência são tão profundas, tão inquietantes que V. Romano em sua obra El Tiempo Y El Espacio En La Comunicación dedica todo um capítulo a discutir as relações espaciais e de relacionamento geradas pela vivência em diferentes espaços. Aponta que, no caso da vida rural, a vida das aldeias e das vilas de produção agrícola, mesmo considerando que se encontram em espaços físicos amplos – em que a distância física entre os indivíduos é grande – a convivência é muito próxima, muito vivaz, é comunitária e, conseqüentemente, a comunicação é de proximidade, é da mídia primária. No entanto, Romano diferencia de forma bastante substancial a vida nas grandes metrópoles, nas grandes cidades. Afirma que “la superficie habitable es muy pequeña, al considerar la vivienda como una mercancía más destinada a proporcionar o mayor beneficio posible. No hay ningún factor que seleccione o relacione a los inquilinos de un edificio, y mucho menos a los de una manzana, barrio o ciudad en su conjunto. Los habitantes de cada vivienda hacen una vida totalmente independiente, hasta el punto de no conocerse ni apenas encontrarse o saludarse en la escalera o en el ascensor”, (1998:225) ou seja, os espaços de habitação se concebem como espaços funcionais e não espaços de convivência; os vínculos que se estabelecem, desta forma, obedecem a funcionalidade da vida urbana e o ambiente comunicativo, conseqüentemente, se estrutura com base nas mídias de distancia, secundárias e terciárias. 102 Norval BAITELLO Junior, O Tempo Lento e o Espaço Nulo: Mídia Primária, Secundária e Terciária, disponível em www.cisc.org.br Consultado em 12 de dezembro de 2005, às 22h00.

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múltipla e do tempo presente, como delineia Baitello Junior. - assinala ou mesmo

descreve as experiências espaço-temporais deste homem pré-industrial.

No entanto, como comentado anteriormente, a tecnologização da vida do homem

e a industrialização em um primeiro momento, de suas formas de produção e,

posteriormente, como aponta E. Morin, “de sua alma”103, alteram

consideravelmente suas relações com o espaço e com o tempo, com seus pares

e, logo, com seu meio-ambiente comunicacional. A comunicação ultrapassa o

modelo que Z. Bauman aponta como a comunicação das comunidades em que

“as mensagens orais são originárias do círculo de mobilidade humana ‘natural’”104

e se transforma, em termos de novos aparatos, bem como de uma nova estética,

que objetiva atender as características e necessidades desta nova demanda.

De uma vida em que os espaços físicos são amplos e o tempo controlado pelos

ritmos da natureza, este homem passa a vida nas cidades, espaço este que

intensifica demasiadamente a proximidade entre os indivíduos, alterando suas

relações sociais, e que, além da proximidade espacial, também passa a ter a vida

regida pelo relógio, pelo tempo industrialmente controlado.

Paralelamente, o ambiente comunicacional sofre profundas alterações. A mídia

primária, da proximidade, das relações interpessoais e da sensorialidade não

mais atende às necessidades da lógica urbana. Novos artifícios midiáticos se

estruturam para um novo ambiente comunicacional e social.

Em um primeiro momento, passam-se a ser utilizados artifícios da chamada mídia

secundária105 que passa a ser o principal veículo comunicativo, uma vez que, de

103 Edgar MORIN, Cultura de Massas no Século XX, p.13. 104 Zygmunt BAUMAN, Comunidades, p. 18. 105 De acordo com N. Baitello Junior, a mídia secundária é constituída, para Pross, por “aqueles meios de comunicação que transportam a mensagem ao receptor, sem que este necessite de um

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acordo com H. Pross, citado em N. Baitello Junior., a mídia secundária “prolonga

a mensagem, ou sua possibilidade de recepção”, atendendo, neste momento a

dinâmica dos pequenos centros urbanos, em especial com o uso dos folhetos e

jornais impressos. De uma comunicação eminentemente primária, natural e quase

orgânica, característica da mídia primária, novos aparatos são incluídos e, nesta

inclusão de mediadores da comunicação, alteram-se também as relações sociais

do grupo, o que também, como anteriormente apontado, é reflexo da dinâmica da

vida industrial e urbana.

No entanto, os centros urbanos inflam rapidamente e, na mesma velocidade, o

tempo lento da mídia secundária torna-se insuficiente para atender às novas

necessidades comunicativas desta dinâmica social, em especial pela

materialidade dos aparatos que, para constituírem o ambiente comunicacional,

precisam ser fisicamente transportados. Esta materialidade da mídia secundária

torna-se um limitador de seu próprio uso, em função da rápida ampliação dos

centros urbanos.

A mídia terciária – essencialmente eletrônica, com seu poder de ampliar a

recepção de forma considerável e de transportar a mensagem a distâncias até

então inimagináveis para as mídias primária e secundária -, multiplicando, como

dito, sua recepção, formata-se como o modelo ideal para esta nova dinâmica

espaço-temporal e social que se concebe a partir do advento da revolução

aparato para captar seu significado, portanto são considerados mídia secundária a imagem, a escrita, o impresso, a gravura, a fotografia, também em seus desdobramentos enquanto carta, panfleto, livro, revista, jornal” (Pross, 1971:128). Na mídia secundária apenas o emissor necessita um aparato (ou suporte), ou seja, prolongamentos para aumentar ou seu tempo de emissão, ou seu espaço de alcance, ou seu impacto sobre o receptor, valendo-se de aparatos, objetos ou suportes materiais que transportam sua mensagem.

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tecnológica e da revolução industrial, bem como para a lógica da vida nos centros

urbanos.

Obviamente, este processo, aqui colocado de forma linear tendo em vista uma

organização da análise realizada, aponta para a supremacia da mídia terciária em

virtude de seu poder de multiplicar as informações temporal e espacialmente, mas

que, por outro lado, como afirma N. Baitello Junior, não anula as formas

precursoras de mídia - primária e secundária, mas sim promove grande

complexificação nos processos comunicativos do ser humano.

A mídia terciária, eletrificada e tecnológica por natureza, se delineia como o novo

modelo comunicativo dos centros urbanos da era industrial e, por suas

peculiaridades de amplificar as mensagens e transportá-las a grandes distâncias

e a um número de receptores até então não imaginado, como também pelo fato

de exigir aparatos tanto do emissor quanto do receptor, provoca mudanças

irreversíveis e muito profundas na dinâmica humana, em suas relações espaço-

temporais, e em sua cultura, em sua alma, agora industrializada, como aponta E.

Morin, o que também se reflete na cidade que tem também sua alma

industrializada. Como consequência de toda esta dinâmica, James Hillman, em

sua obra Cidade e Alma, discute que a alma da cidade encontra-se em “colapso e

desordem funcional, (...) em uma crise que se estende a todos os componentes

da vida urbana, por que a vida urbana é agora uma vida construída (...). A alma

do mundo está enferma”.106

Esta enfermidade ou crise constituída tanto na alma do homem, industrializada,

como no ambiente urbano, em colapso, colapso urbano, colapso ambiental,

106 James HILLMAN, Cidade e Alma, p. 12

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colapso emocional, se reflete diretamente nas relações estruturadas neste novo

ambiente, das cidades e, conseqüentemente, são absorvidas pelas comunidades,

sendo refletidas nos mais diversos espaços comunicativos, bem como nos

produtos culturais que tomam as feições desta contemporaneidade eletreficada.

Se a cidade é o cenário do megaevento, como anteriormente comentado, este

concebe-se como um produto cultural também efermo, um produto cultural que

reflete a dinâmica urbana, a dinâmica dos meios de comunicação de massa e a

dinâmica da mídia, num processo de retro-alimentação constante, em que as

relações comunicativas espelham as mudanças acontecidas .

As Relações no Ambiente Comunicativo – Vínculos Reais e

Vínculos Efêmeros

Malena Segura Contrera, como anteriormente apresentado, em sua obra Mídia e

Pânico afirma: “Somos essencialmente gregários e necessariamente

comunicantes”.107 Esta afirmação conforma-se como paradigmática na

estruturação desta dissertação108, visto que, como anteriormente mencionado,

reflete a complexidade das relações existentes entre vínculos e comunicação,

vínculos e o homem.

A vida em comum, a comunidade e a comunicação – palavras que, inclusive,

possuem a mesma raiz – estruturam-se como elementos de um mesmo sistema,

107 Malena Segura CONTRERA, Mídia e Pânico, p. 39. 108 Motivo pela qual a referida citação é repetida nesta parte do texto, tendo sido utilizada anteriormente.

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ou, melhor dizendo, dos sistemas vivos, como têm comprovado inúmeros

etólogos, sendo, conseqüentemente, características do humano.

Norval Baitello Júnior, na obra O Animal que Parou os Relógios, discute a

comunicação como elemento “sine qua non” para a organização social dos seres

vivos. Somente por meio da comunicação, os seres vivos mais frágeis conseguem

se organizar, desenvolvendo tarefas planejadas, capazes de se fortalecer e

conseqüentemente, se manter enquanto espécie.

O ser humano, enquanto espécie frágil perante ambientes hostis, necessita, em

termos ontogênese109 e filogênese110, da convivência em grupo e para que esta

convivência aconteça, a comunicação é elemento fundamental. Comunicação e

vínculos, como dito, são condições do humano e, praticamente, podem ser

consideradas como sinônimos uma da outra.

A vida em comunidade, desta forma, depende dos processos comunicativos aos

quais o grupo está imerso e os processos comunicativos, sua complexidade e,

especialmente, os vínculos que os constituem, dependem da vida em

comunidade, ou da forma como as relações se estabelecem. Relações

constituídas dentro dos antigos modelos de comunidade constituem-se com

determinadas características bastante diferenciadas dos “vínculos” construídos

em meio as relações contemporâneas, predominantemente mediadas.

Há uma relação de simbiose – comunicação e comunidade dependem uma da

outra para sobreviver - e de retroalimentação – as relações e os processos aos

quais uma está submetida se refletem diretamente na outra, ou seja, ambas estão

inseridas no conceito de complexidade.

109 Entendida aqui como a raiz do ser enquanto indivíduo. 110 Entendida aqui como a raiz do ser enquanto espécie – filo.

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Vínculos são necessários na constituição da vida, da vida em comunidade e se

constróem em função desta. São a base da comunicação – primária, secundária

ou terciária – e consolidam-se, de fato, como seu principal objetivo; são, sem

dúvida, condições humanas.

No entanto, tal como se alteraram diversos elementos dentro do processo que

mencionamos anteriormente, estes vínculos, estes relacionamentos estruturados

a partir de, e para a comunicação também sofreram interferências, sofreram e

sofrem mudanças, como mencionado, irreversíveis.

Assim, de forma paralela as modificações das mídias, e, conseqüentemente das

relações comunicativas estabelecidas neste novo ambiente, que se desdobram na

recente história – mais precisamente dos últimos dois séculos -, de uma evolução

da mídia primária, enquanto modelo principal de comunicação, à mídia terciária,

alteram-se também as relações entre os indivíduos, como dito. Altera-se, assim,

sua sociabilidade, a forma de se relacionar com o outro, a essência dos vínculos.

Altera-se, assim, a vida em comunidade, fato este que, de acordo com Z.

Bauman, em sua obra Comunidade: A Busca por Segurança no Mundo Atual

acontece efetivamente em função das mudanças dos processos comunicativos,

comprovando-se aqui a proposta de uma retroalimentação e uma relação de

simbiose entre vida em comunidade e comunicação.

As comunidades, no contexto dos megaeventos, têm profunda importância, visto

que, em uma primeira análise, os participantes destas atividades poderiam formar

comunidades, em função, especialmente, da vivência coletiva dos acontecimentos

aos quais estão submetidos.

Assim, torna-se importante compreendermos o conceito de comunidade para,

desta forma, entender-se quais são as relações e vínculos que têm sido

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construídos nestes espaços da comunicação e que tipo de comunidade é esta,

formada entre milhões de pessoas presentes no momento efêmero do evento.

Bauman aponta que a “comunidade real”, aquela não produzida artificialmente, é

fiel a sua natureza, a seu modelo ideal na medida em que ela é distinta de outros

agrupamentos humanos, sendo perfeitamente visível onde a comunidade começa

e onde ela termina; é pequena, a ponto de estar à vista de todos os seus

membros, e auto-suficiente, de modo que oferece todas as atividades e atende

todas as necessidades das pessoas que fazem parte dela. Essas características,

por sua vez, se unem na efetiva proteção dos modos habituais do grupo e são

mantidas essencialmente por meio do bloqueio dos canais de comunicação com o

resto do mundo.

De acordo com Bauman, “quando o equilíbrio entre a comunicação ‘de dentro’ e

‘de fora’, antes inclinado para o interior, começa a mudar, as condições para a

manutenção da comunidade desabam”111. A unidade da comunidade acontece

por meio da homogeneidade e “esta evapora quando a comunicação entre os de

dentro e o mundo exterior se intensifica e passa a ter mais peso que as trocas

mútuas internas”112.

É interessante que o autor pontua claramente como o fim da comunidade, o

efetivo aumento da comunicação deste grupo com o mundo externo, como dito

anteriormente. Este fenômeno, aponta Bauman, acontece com o advento dos

meios mecânicos de transporte que aumentam a velocidade da informação, que

111 Zygmunt BAUMAN, Comunidades, p. 18. 112 Idem.

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passa a viajar mais rápido. Perde-se a “distância, outrora a mais formidável das

defesas da comunidade.”113

“A partir do momento em que a informação passa a viajar

independente de seus portadores, e numa velocidade muito além

dos meios mais avançados de transporte (como no tipo de

sociedade que habitamos hoje) a fronteira entre os ‘de dentro’ e os

‘de fora’ não pode mais ser estabelecida e, muito menos,

mantida.”114

É o fim da comunidade natural.

A única forma de unidade passa, então, a se constituir do que pode ser pinçado

da massa confusa, por meio da seleção, separação e exclusão, de acordo com o

autor, - “é, portanto, a unidade artificialmente construída.”115 São as comunidades

artificiais, que respondem a lógica da indústria cultural, da modernidade e do

consumo, além de responderem também as novas formas de comunicação

presentes nesta dinâmica.

Bauman pontua de forma muito clara e explícita que o fim da comunidade natural

está atrelado ao desenvolvimento da técnica e a todas as alterações na lógica

espaço-temporal que estas mudanças carregam em si. As massas são tiradas da

velha rotina (a rede de interações comunitária, governada pelo hábito) para serem

espremidas na nova e rígida rotina (o chão da fábrica), em que as velhas rotinas –

113 Zygmunt BAUMAN, Comunidades, p. 18. 114 Idem. 115 Idem, p. 39.

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os velhos hábitos e costumes, portanto, não servem mais para os objetivos

estabelecidos, neste caso, externamente, para o grupo.

“Fez-se, assim, necessário adaptar esta comunidade a nova relação espaço-

tempo, que a afasta significativamente do conceito de comunidade, tornando-os,

para tanto, aptos a trabalhar em um ambiente novo, pouco familiar e

repressivo”116, o ambiente urbano, o ambiente das cidades de alma enferma.

“Para que se adaptassem aos novos trajes, os futuros

trabalhadores tinham que ser transformados numa ‘massa’:

despidos da antiga roupagem dos hábitos comunitariamente

sustentados.”117

A modernidade capitalista, baseada na técnica, na máquina e na velocidade,

passa, então, a moldar o novo estilo de vida e a realizar esforços para combater

toda e qualquer manifestação de espontaneidade e livre arbítrio que pudesse

remontar ao antigo modelo de vida.

Este novo modelo e as novas relações espaço temporais que o constituem não

permitem, em virtude da dinâmica que proporciona, a criação de familiaridade

com o espaço, e em especial, com as pessoas que circulam pelo cotidiano do

indivíduo, o que seria o desejo daqueles ávidos pela comunidade e pela sensação

de pertencência dela derivada.

116 Zygmunt BAUMAN, Comunidades, p. 30. 117 Idem.

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O desaparecimento da comunidade natural é fruto deste processo, que não

permite que sejam “tecidas relações mais profundas, que sejam compartilhadas

biografias, ao longo de uma história duradoura e intensa.”118

No entanto, apesar das forças ditadoras do novo meio de vida cercearem de

todas as formas possíveis os laços comunitários, primando sempre pela

artificialidade da rotina coercitivamente imposta em detrimento à natureza

comunitária, cujo ritmo era determinado pela natureza e pela convivência em

comunidade, este homem do admirável mundo novo da sociedade capitalista,

moderna e de consumo, mantém sua necessidade de segurança, sua

necessidade de comunidade.

Desaparecidos todos os elementos que apresentavam a este homem um certo

nível de familiaridade, surgem os ícones modernos, da mídia, da web, sem nome

e sem rosto, sem identificação, sem comunidade, mas que se prestam, então, a

criar uma idéia de participação e pertencência.

A necessidade, no entanto, de pertencência, derivada, essencialmente, de nossa

natureza gregária, acaba construindo uma nova lógica comunitária, cujas

características se baseiam no modelo moderno e tem como elemento de

estruturação o novo ambiente comunicativo proporcionado. Comunidades

artificiais, passageiras, efêmeras, não-sólidas, mas que conferem uma relativa

segurança, pelo simples fato de “sabermos que não estamos sós”119 passam a

ser constituídas, determinadas não pela tradição e vivência comunitária, pelo

estado natural gregário do homem, pelas crenças, mas sim pelas escolhas feitas

por quem as compõem (geralmente escolhas associadas ao consumo),

118 Zygmunt BAUMAN, Comunidades,. p. 48. 119 Idem, p. 60.

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determinando, desta forma, sua flexibilidade, sua facilidade de construção e

conseqüentemente, dissolução. São as comunidades líquidas, artificiais, são as

comunidades estéticas, como aponta Bauman. São comunidades transitórias,

“consumidas no círculo aconchegante da experiência.”120

Tais comunidades somente vivem enquanto são experimentadas, enquanto são

consumidas, - são as comunidades características dos megaeventos – mas que,

mesmo assim, desempenham, na contemporaneidade, importante papel

vinculante – mesmo que efêmero -, visto atenderem a esta necessidade inerente

ao homem de viver em grupo, viver em comunidade. “Tratam se de comunidades

que não requerem uma longa história de lenta e cuidadosa construção, nem

precisam de laborioso esforço para assegurar seu futuro”.121

Esta comunidade estética, por sua vez, alimenta a indústria do entretenimento. A

manipulação da necessidade de pertencência, muito bem apropriada por esta

indústria, “explica, em boa medida, o sucesso impressionante e contínuo de seus

produtos”.122

Bauman descreve:

“Graças à imensa capacidade advinda da tecnologia eletrônica,

podem ser criados espetáculos que oferecem uma oportunidade de

participação e um foco compartilhado de atenção a uma multidão

indeterminada de espectadores fisicamente remotos. Devido a

massividade da audiência e à intensidade da atenção, o indivíduo

120 Zygmunt BAUMAN, Comunidades, p. 62 121 Idem, p. 66. 122 Idem. p. 63.

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se acha plena e verdadeiramente ‘na presença de uma força que é

superior a ele e diante da qual ele se curva.”123

A indústria do entretenimento, com base nesta experiência da vivência da

comunidade estética, atua, por sua vez, “por meio da sedução. Na há sanções

contra os que saem da linha e de recusam a prestar atenção – a não ser o horror

de perder uma experiência que outros – (tantos outros!) prezam e desfrutam.”124

A vivência do efêmero embasa as relações ali construídas. Os vínculos são

frágeis. Não existe a participação – o tomar parte em – as comunidades

constituem-se somente como espaços de convivências compulsórias. O objetivo

não está no tomar parte em, simplesmente, esta comunidade aqui formada, uma

comunidade de ocasião, forma-se e dilui-se com a mesma volatilidade.

De acordo com Bauman, as comunidades estéticas podem se construir centradas

em ídolos, mas também por ameaças – reais ou imaginárias -, em torno de

inimigos públicos, e problemas recorrentes a um grupo específico.

E constroem-se também, “em torno de um evento festivo, como um festival pop,

uma partida de futebol ou uma exibição de moda, muito falada e que atrai

multidões”.125

Os megaeventos, desta forma, constituem comunidades estéticas, que permitem

a pertencência, o vínculo tão procurado, mas que, no entanto, se concebem, de

fato, de vínculos efêmeros. A vivência do evento é efêmera.

123 Zygmunt BAUMAN, Comunidades, p. 63. 124 Idem. p. 63. 125 Idem. p. 67.

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“Quaisquer que sejam os laços estabelecidos na explosiva e breve

vida da comunidade estética, eles não vinculam verdadeiramente:

eles são literalmente ‘vínculos sem conseqüências’. Tendem a

evaporar-se quando os laços humanos realmente importam”.126

Bauman faz alusão a comunidade estética efetivamente como uma sociedade dos

eventos e suas características “líquidas”, usando sua própria expressão para as

atividades artificiais, que não se consolidam, aprofundam, enraízam ou, em

resumo, se solidificam:

“Como as atrações disponíveis nos parques temáticos, os laços das

comunidades estéticas devem ser ‘experimentados’ e,

experimentados no ato. (...) São, pode-se dizer, laços

carnavalescos e as comunidades que os emolduram são

comunidades carnavalescas.” 127

Esta dinâmica da comunidade estética, além de permear o universo dos

megaeventos e se conceberem, efetivamente, com as mesmas características

destes, também constituem, é interessante pontuar, a estética dos meios de

comunicação de massa em nossos dias, visto que a indústria cultural se alimenta

de tal dinâmica e é retroalimentada pela sua lógica.

Se amplificarmos a análise das comunidades, assim, para o processo

comunicativo – essencialmente embasado no vínculo, fica ainda mais claro o

efeito que este processo das comunidades estéticas têm sobre a comunicação

126 Zygmunt BAUMAN, Comunidades. p. 68. 127 Idem, p. 68

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como um todo na contemporaneidade que torna-se, na mesma medida, um

produto da indústria cultural. Comunicação artificial, efêmera, líquida que se

baseia na mídia terciária, na mídia eletrônica, que, como aponta Contrera

“privilegia os sentidos da distância, ou seja, a visão e a audição”128, sentidos

estes também da separação e não da proximidade, como sentidos como o tato,

por exemplo.

As comunidades artificiais, ou estéticas, são a materialidade da comunicação de

distâncias, em que os vínculos são reduzidos a recepção em massa, “únicos

territórios partilhados em grande escala”129 de acordo com Contrera.

Mais importante que a recepção em massa, no entanto, está a questão do

“participar’, do “partilhar”, já que partilhar algo subentende a vivência em

comunidade, a experiência conjunta, o que pressupõe a aproximação, a

sensorialidade, os sentidos de proximidade, que se perderam com a mídia

terciária, com a tecnologia e com as comunidades artificiais.

A mídia terciária, hoje a mais forte das mídias, altera profundamente as relações

sociais, já que, por suas características e pelo fato de constituir apenas as

comunidades estéticas, não promove esta “partilha” de forma real, não promove a

participação, o tomar parte em. O indivíduo, como afirma Contrera, “mantém-se

isolado frente ao televisor ou ao vídeo”130 e sua sensação de participação limita-

se ao fato de consumir esta mídia que também como aponta Bauman, está sendo

consumida por outros milhões e cujo apelo está não no fato da convivência, ou da

vivência e experiência compartilhada, no sentido físico da proposta, mas sim em

uma vivência individual, feita na solidão de sua casa ou de seu próprio universo. É

128 Malena Segura CONTRERA, Mídia e Pânico, p. 107 129 Idem, p. 49 130 Idem, p. 13

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o espaço de integração não concreto o grande referencial da contemporaneidade.

Fechado. Isolado. Longe das vivências comunitárias, como as festas e os rituais

de outrora. Somente em contato com a própria mídia que se torna o meio de

compartilhar da modernidade, que pauta as comunidades efêmeras dos dias

atuais e se torna o suporte máximo dos vínculos da atualidade.

Vínculos, Comunidades e Megaeventos

O megaevento é o espaço da recepção em massa, recepção esta intermediada

pelos diversos suportes, tal como discutiremos no próximo capítulo, espaço este

em que os vínculos – efêmeros – se estabelecem a partir do simples fato de se

conviver em um mesmo espaço físico. Vínculo que, no entanto, não se aprofunda,

não divide, não partilha, não participa.

Os megaeventos constituem comunidades estéticas, líquidas. As relações ali

estabelecidas – quando estabelecidas – não se aprofundam, predominantemente.

E se, como discutido, comunicação e vínculo estão intrinsecamente interligados,

tais espaços, na mesma medida, não se constituem em espaços de comunicação.

Consolidam-se como espaços de consumo conjunto, unicamente. Não são

espaços estruturados para provocar a participação, a partilha anteriormente

mencionada. Sua estrutura, tal como discutiremos mais adiante, não permite, não

motiva e não objetiva que estes vínculos sejam estabelecidos.

Seu próprio formato, que, como anteriormente pontuado, rememora algumas

características do ritual, em função da dinâmica nas quais está imerso e das

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características midiatizadas que adquiriram e que foram incorporadas em sua

estrutura e funções, limitam a comunicação em seu escopo.

Estes espaços, desta forma, perderam, como pode-se perceber, sua

característica mais essencial, e, certamente, a mais importante, a característica

do partilhar do viver – de fato – em grupo.

Produtos culturais que poderiam hoje se consolidar como grandes espaços de

convivência, de participação, da vivência comunitária, tal como as primeiras

hipóteses apresentadas na estruturação do projeto desta dissertação, somente

contróem vínculos vazios, vínculos de ocasião e vínculos vazios não comunicam,

não integram. Constituem, de fato, meios de incomunicação.

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CCaappííttuulloo IIIIII -- AA NNaattuurreezzaa ((IInn)) CCoommuunniiccaattiivvaa ddooss

MMeeggaaeevveennttooss:: OO CCaassoo SSkkooll BBeeaattss

Este capítulo “A Natureza (In) Comunicativa dos Megaeventos – O Caso Skol

Beats”, tem como objetivo apresentar o evento estudado, trazendo informações

consideradas relevantes durante a pesquisa e que corroboram para a

identificação dos processos comunicativos existentes nos megaeventos musicais.

Para tanto, a técnica de pesquisa utilizada, além da pesquisa bibliográfica,

baseou-se no processo de observação direta intensiva assistemática e

participante.

Esta técnica foi entendida como a mais apropriada para o desenvolvimento da

dissertação uma vez que prevê a observação direta do objeto a ser estudado, no

caso o megaevento Skol Beats Edição 2006.

As informações foram registradas por meio fotográfico e a coleta de dados

envolveu, além da participação no evento em si, também pesquisa pré-evento,

per-evento e pós-evento relativa a informações veiculadas nos principais meios

de comunicação, dando-se especial atenção à mídia eletrônica, com enfoque

específico na Internet. Foram cadastradas informações colhidas nos principais

portais brasileiros131, Uol (co-patrocinador do evento edição 2006) –

www.uol.com.br, Terra – www.terra.com.br, e IG www.ig.com.br, além de sites de

alguns dos principais veículos de comunicação nacional como o portal do jornal

“O Estado de S. Paulo” – www.estadao.com.br e “Folha de S. Paulo” -

131 Levando-se em consideração o número de visitas-dia.

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www.folhaonline.com.br, informações veiculadas no portal oficial do evento

www.skolbeats.com.br, como também o site da Ambev, proprietária da marca

Skol Beats, nos principais sites da cena132 eletrônica nacional,

www.baladaplanet.com.br e www.raves.com.br, além do acompanhamento

realizado no maior site de relacionamentos da atualidade www.orkut.com,

enfocando-se a comunidade Skol Beats e as discussões e fóruns realizados na

mesma. 133

Todo este levantamento de informações, artigos, notas à imprensa e demais

materiais catalogados objetivou, principalmente, complementar as informações

levantadas durante a observação direta, trazendo outras óticas que puderam,

como dito, corroborar com a identificação dos tipos de vínculos comunicativos

existentes em um espaço como o estudado.

É válido mencionar, ainda, que existem inúmeros eventos que possuem formatos

muito semelhantes ao Skol Beats, tais como Nokia Trends, Tim Festival entre

outros, sendo que este evento foi selecionado como objeto de estudo, como dito

anteriormente, em função do número de participantes crescente que tem recebido

nos últimos anos, chegando, como descreveremos a frente, a quase 60 mil

132 O termo ‘Cena’ (scene, do Inglês), é bastante utilizado para descrever o universo da música eletrônica, que inclui não somente a música em si, mas todo um caráter amplificado que vai muito além da música, definindo, de fato, uma cultura eletrônica, que envolve os espaços freqüentados, as vestimentas, adereços e acessórios utilizados por este grupo que ouve a música eletrônica e, inclusive, seus princípios ligados ao Plur – Peace, Love, Unity and Respect – Paz, amor, união e respeito, conceitos estes propagados dentro da ‘cena’ e absorvidos pelos participantes. A cena eletrônica, desta forma, possui uma estética própria, e determina, com isso, a moda, o comportamento, as relações interpessoais, as visões de mundo, ou seja, um estilo de vida bastante específico. 133 De acordo com Cláudio Manoel Duarte de Souza em seu artigo A Cybermúsica, DJing, tribos e cibercultura, publicado pela Faculdade de Comunicação da Universidade da Bahia, os eventos de música eletrônica predominantemente usam suportes de comunicação independentes das mídias comerciais como flyers, telefones móveis, sites, chats, listas de discussão na Internet, ou seja, meios sempre ligados à alta tecnologia, conforme comentaremos a seguir. Esta tendência fez com que as pesquisas também fossem orientadas para os veículos com ênfase a tais tendências, dando-se prioridade à Internet.

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participantes em 2006, o que o pontua como o maior evento de música eletrônica

da América Latina e um dos maiores do mundo.

Elektronische Musik134

Impossível analisar um megaevento de música eletrônica como o Skol Beats sem

que se realize uma reflexão relativa à música eletrônica em si, suas

características intrínsecas e seu processo de desenvolvimento, que muito

contribuíram para a estruturação deste tipo de evento.

É válido reiterar que não constitui objetivo desta dissertação aprofundar tal

reflexão, mas considera-se de enorme valia que este tema seja apresentado e

discutido, em função de sua importância na configuração da tipologia de eventos

aqui estudada e pela própria estética da música eletrônica, que apresenta

características muito específicas.

O surgimento da música eletrônica é resultado de um processo bastante

complexo, baseado, principalmente, no desenvolvimento da tecnologia, tanto na

produção musical em si, com o surgimento de novos instrumentos musicais

eletroacústicos, o uso de novas fontes sonoras não convencionais e não mais

mecânicas, como os instrumentos tradicionais, e ainda pelo avanço tecnológico

trazido pelas duas grandes guerras, em especial para a comunicação radiofônica,

134 Música eletrônica, em alemão. A música eletrônica dentro do conceito popularizado pela mídia, nasce na Alemanha, motivo pela qual a expressão foi apresentada aqui em alemão.

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que já dispunha de estúdios135 bem equipados, em função das próprias guerras e

que, com o clima de reconstrução econômica, recebeu muitos incentivos.

As primeiras experiências e estudos em relação à produção de sons

eletronicamente surgem de forma quase paralela na França e Alemanha ainda na

década de 40, mas somente na década de 50, na Alemanha, os compositores

envolvidos com as tecnologias disponíveis no estúdio eletrônico disseminaram o

termo música eletrônica (Elektronische Musik) para delimitar o seu território de

ação. A vertente alemã, surgida em Colônia, tem como paradigma a utilização

exclusiva de aparelhos eletrônicos na construção e sintetização de sons.

Posteriormente, as pesquisas em termos de tecnologia e produção musical

inseriram o computador no processamento dos sons, além de diversos outros

equipamentos, como sintetizadores inicialmente, e posteriormente samplers136 e

MIDI137, ou seja, a tecnologia e a informatização inseridas no contexto da

produção musical demonstram que “o surgimento de novas tecnologias baseadas

na eletricidade, e o uso de sinais eletromagnéticos abriram a possibilidade de

geração de sons sem a utilização de instrumentos mecânicos”138.

Assim, entende-se como música eletrônica toda a música criada a partir do uso

de equipamentos e instrumentos eletrônicos tais como sintetizadores, gravadores

digitais, computadores ou softwares de composição. A forma de composição é

geralmente intuitiva, o que demonstra o interesse pelo “prazer da criação” dos

135 Os estúdios radiofônicos foram os berços da música eletrônica, uma vez que dispunham de muitos equipamentos que puderam ser utilizados em sua criação, gravação e apresentação ao público. 136 Tecnologia que permite que sejam selecionados trechos de determinadas produções musicais que serão mixados a outros trechos e, de sua combinação, será criada uma nova música. 137 MIDI – Musical Instrument Digital interface - Protocolo de comunicação, introduzido em 1983, destinado à comunicação, controle e sincronização de informações de áudio entre dispositivos como teclados, sintetizadores e processadores de som. Permite a produção da música eletrônica por uma única pessoa, conhecida como DJ. 138 Fernando IAZETTA, A Música, o Corpo e as Máquinas, p. 1.

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DJ’s139, e o softwares são desenvolvidos de forma a facilitar a criação de

melodias e ritmos. Uma vez que trabalha quase exclusivamente com sons

sintetizados em laboratório, a maioria das composições é gravada e dispensa

intérprete, o que elimina a presença da performance musical do artista.

No início da década de 80, seguindo a tendência da música disco do final da

década de 70, a música eletrônica assume um formato mais dançante, sendo

desenvolvidas algumas ramificações, como o techno, surgido em Detroit em 1980,

house music em Chicago, e, posteriormente, o trance, acid house e o drum and

bass, já na década de 90, tornando-se, então, um estilo musical aceito pela

indústria da música, o que a introduziu no universo das casas noturnas. Paralelo a

isso, as tendências e, principalmente, a tecnologia da música eletrônica foram

absorvidas e apropriadas por outros estilos musicais, como o próprio rock140 e

ainda pela própria mídia eletrônica, uma vez que esta tecnologia passou a ser

assimilada na produção musical do cinema141 e, conseqüentemente, pelos

demais veículos de comunicação da mídia eletrônica142.

É interessante perceber que, imerso no processo de desenvolvimento da música

eletrônica, encontra-se também um processo bastante complexo em termos de

alterações da forma de percepção da própria produção musical. Novos “padrões

de escuta”, ou seja, de recepção da própria música evoluem paralelamente às

139 DJ – Disc-Jockey – músicos que utilizam instrumentos musicais eletrônicos e tecnologia para executar suas composições. O sentido da palavra está no fato de que estes artistas da cena eletrônica conduzem toda uma apresentação praticamente sozinhos em função dos instrumentos e da tecnologia que dispõem. 140 The Beatles, Led Zeppelin e outras bandas de renome utilizaram algumas tecnologias da música eletrônica em suas produções. 141 Um dos primeiros exemplos desta apropriação está na trilha sonora do filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick, basicamente desenvolvida com tecnologia da música eletrônica. 142 Atualmente, a absorção da música eletrônica pelos mais diferentes veículos de comunicação é uma constante. Desde as peças publicitárias, a TV, o cinema, a Internet e, principalmente, os celulares com seus tons polifônicos e em MP3 fazem com que a música eletrônica esteja inserida no dia-a-dia do homem contemporâneo.

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alterações que a mesma sofre ao longo do tempo. Fernando Iazetta, em seu

artigo A Música, o Corpo e as Máquinas143, comenta essa evolução, pontuando

que o corpo de adapta à experiência auditiva a qual está submetido. No final do

século XIX e início do século XX, ainda de acordo com o autor, com o surgimento

dos primeiros aparelhos fonográficos, o padrão de escuta que estes aparelhos

almejavam estava sempre baseado nas experiências auditivas das apresentações

ao vivo, que eram o padrão de escuta vigente na época. Atualmente, no entanto,

Iazetta afirma que o padrão de escuta se baseia em sistemas reprodutores, como

o rádio, os discos e as fitas magnéticas, e mais recentemente, os DVD’s. O

padrão, portanto, é sempre imposto pela própria tecnologia de gravação e

reprodução.

A discussão relativa ao padrão de recepção torna-se relevante na medida em que

considera a forma como a música eletrônica é ouvida atualmente, suas

características e como os eventos realizados com base neste estilo musical

apresentam características bastante diferenciadas de eventos de demais estilos.

“Até o advento dos sistemas de gravação deste século, o contato com a música

se dava exclusivamente através da performance”,144 ou seja:

“O ouvinte participava da realização musical ao reconstruir

internamente, não apenas as seqüências de notas produzidas pelos

instrumentos, (...) mas todo o universo gestual que os acompanha,

pois a música era (grifo nosso) fruto dos corpos que a produzem e

143 Disponível em: www.eca.usp.br/prof/iazzetta/papers/opus.pdfm, consultado em 17 de fevereiro de 2007, às 2h35. 144 Fernando IAZETTA, A Música, o Corpo e as Máquinas, p. 2.

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era impossível ao ouvinte ficar alheio à presença destes corpos”.

145

A percepção musical, o sentido a música, - o ouvir - desta forma, era construído

por meio da percepção de um conjunto de elementos constituídos não somente

pelas notas musicais emitidas em si, mas também pelos corpos que as

produziam, o que envolvia os instrumentos musicais mecânicos e toda a

gestualidade do artista que conduzia a performance musical. Mesmo por meio da

transmissão radiofônica, ou quaisquer outras transmissões em que o artista não

estivesse sendo de fato visualizado, a imagem deste artista poderia ser

mentalmente criada, uma vez que havia uma referência prévia concreta do

mesmo, bem como do tipo dos instrumentos, ou conjunto destes, utilizados na

composição musical.

“Durante milênios as pessoas aprenderam a ouvir os sons que

guardavam relações estreitas com os corpos que as produziam.

Subitamente, toda a experiência auditiva acumulada ao longo de

um longo processo de evolução da cultura musical é transformada

pelo surgimento dos sons eletrônicos. A audição destes sons não

revela as relações mecânicas, concretas e aparentes dos

instrumentos acústicos tradicionais, já que estes são gerados

através de processos elétricos invisíveis a nossa percepção.”146

145 Fernando IAZETTA, A Música, o Corpo e as Máquinas, p. 2. 146 Idem.

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Música, instrumentos e corpo encontravam-se presentes e integrados na

constituição da experiência musical, na recepção da música. No entanto, “com o

advento da eletricidade e da eletrônica, mais e mais passamos a ouvir e conviver

com sons provenientes de corpos invisíveis contidos nos circuitos sintetizadores,

samplers, gravadores magnéticos e computadores“147, ou seja, tal como em

outros processos comunicativos a que se está submetido hoje, tal como

aconteceu com a comunicação por meio da mídia eletrônica, há uma total

descorporificação também na música. O ouvinte, assim, precisa adaptar-se a esta

nova forma, que “cria uma situação anormal, quase fantástica, fazendo com que

se ouça o som sem que se veja o corpo que o produz, sendo, assim realçado o

caráter mágico da ligação entre aquilo que se ouve e aquilo que se vê”148.

A música eletrônica, por sua vez, apresenta um novo padrão de recepção, um

novo padrão de escuta, totalmente desvinculado da presença material das

performances, como também dos instrumentos, o que representa, além de, uma

nova estética musical e um novo padrão de comunicação com e por meio da

própria música.

Os sons produzidos, em função destes processos de descorporificação, são

destituídos de seu poder de identidade, já que os sons sintetizados destróem a

possibilidade do ouvinte de associá-lo a algum tipo de fonte, signo ou símbolo.

“São produzidos pelas tecnologias eletroacústicas e tornam-se, então, dúbios,

difusos, revelando-se com uma aparência que oscila entre a existência no mundo

real e a abstração de um mundo imaginário”149, desconexos e completamente

147 Fernando IAZETTA, A Música, o Corpo e as Máquinas, p. 2. 148 Idem. 149 Idem, p. 11.

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diferenciados, assim, de eventos sonoros produzidos pelos instrumentos

mecânicos e também pelos sons de qualquer ambiente natural.

Este processo, associado ao estilo repetitivo e ao mesmo tempo fragmentado da

música eletrônica, faz com que a experiência sonora seja radicalmente alterada,

uma vez que a dramaticidade da presença das performances e dos instrumentos

desaparece.

Neste sentido, os próprios meios tecnológicos têm buscado recuperar esta

dramaticidade, por meio da inserção de imagens associadas a estas

apresentações musicais, visto que a presença corpórea dos DJ’s (Disk Jóqueis,

também conhecidos como "Dee Jays"), por si só, não consegue recuperar a

corporalidade, ou a materialidade esvaída da transformação da música tradicional

para a música eletrônica. Os movimentos, a gestualidade dos DJ’s em suas pick-

ups150, não conseguem recuperar essa corporeidade, uma vez que os

movimentos ligados aos botões, presentes nas apresentações “ao-vivo” deste tipo

de música não conseguem transferir ao ouvinte qualquer forma de significação.

Não é, como dito anteriormente, nosso objetivo analisar os inúmeros efeitos

provenientes destas complexas alterações na música, mas cabe aqui uma

observação e registro de como estas mudanças espelham outras alterações

comunicativas dentro do atual cenário sócio-cultural e do espetáculo

contemporâneo.

No caso, especificamente, da música eletrônica, é importante ainda ressaltar a

estética bastante particular deste estilo musical. Como dito anteriormente, a

música eletrônica caracteriza-se, essencialmente, pela apresentação de um

150 Toca-discos utilizado pelos DJ’s que conjuga, além das bandejas em si, o conjunto de sintetizadores, gravadores, samplers e demais tecnologias utilizadas para a produção da música eletrônica.

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conjunto de sons eletronicamente criados. Estes sons caracterizam-se ainda pela

repetição programada e contínua marcada pelo ritmo mantido pelos BPM's151

(Beats per Minute - Batidas por minuto)152.

Esta repetição, descrita por alguns autores como “repetição hipnótica”, rememora

práticas dos antigos rituais, os cantos presentes em tais cerimônias e ainda a

idéia dos mantras orientais e sua repetição como elementos em busca da

transcendência.153

Além das características da repetição e do ritmo, mantido pelas batidas (Beats),

as apresentações de música eletrônica também são caracterizadas pelo volume

ensurdecedor, o que, de acordo com Tiago Coutinho, no artigo O Uso do Corpo

nos Festivais de Música Eletrônica154 gera alguns efeitos sonoros bastante

específicos:

“Neste volume, o corpo humano não reconhece o som pela

audição, mas pelo tato. Este recurso faz com que o som não seja

mais ouvido, mas sim sentido. O alto volume provoca um

deslocamento de ar que em contato com o ar da caixa torácica do

participante, transmite a sensação de que o som grave está

preenchendo o seu corpo”155.

151 Os BPM’s são responsáveis pela manutenção do ritmo da música. Diferentes músicas possuem BPM’s diferentes 152 O conceito de BPM’s Beats per Minute é bastante relevante para esta dissertação, uma vez que tem relação direta com o nome do evento estudado. 152 É válido registrar que a idéia de repetição como uma rememoração dos rituais, a idéia de que esta repetição leva a transcendência e ao êxtase são temas que se repetem na maior parte dos textos que falam sobre a música eletrônica, tanto em nível acadêmico, (tal como os textos utilizados nesta pesquisa), como também nas diferentes discussões do assunto realizada nos blogs, flogs e grupos de discussão criados e mantidos pelos fãs da música eletrônica. 154 Disponível em www.neip.info – Texto apresentado na VI Jornada Interna dos Alunos de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (2004). 155 Tiago COUTINHO, O Uso do Corpo nos Festivais de Música Eletrônica, p. 5.

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A definição de que o som é muito mais sentido do que, de fato, ouvido, é uma

realidade nestes espaços, em função do elevado volume das apresentações,

como comentado. Sem sombra de dúvidas, o impacto tátil das ondas sonoras é

extremamente representativo e percebido. O som, como dito, é sentido.

“Como se explica o fato de que quando alguém ouve

voluntariamente uma música com seus ouvidos e sua mente, ele

também se volta involuntariamente a essa música de modo que seu

corpo responde com movimentos de algum modo similares a

música ouvida?”156

Outra característica bastante representativa relacionada à música eletrônica é o

fato de que ela não precisa necessariamente ser ouvida do começo ao fim. São

sensivelmente mais longas do que as músicas convencionais e pelo fato de não

apresentarem “letra” não possuem princípio, meio e fim, mas sim um continuum

de apresentação de trechos mixados e repetidos. A ausência da narratividade da

música popular torna a experiência difusa, por vezes, fragmentada, consolidando-

se como um reflexo da cultura jovem urbana contemporânea.

É interessante registrar que muitas vezes, aqueles que não estão acostumados

com este tipo de música, percebem-se, após um período de introdução da

música, em um estado de ansiedade para que a música, tal como outros modelos

musicais, de fato, se inicie. É perceptível que esta ansiedade, num segundo

momento, transforma-se em uma carência com relação à própria música que se

156 A.M.S BOETHIUS, Fundamentals of Music APUD Fernando IAZETTA, A Música, o Corpo e as Máquinas, p. 1.

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está ouvindo, em um processo que não se completa. A inexistência de letra nas

músicas, e, conseqüentemente de uma”narrativa musical”, a ausência de

linearidade, antes comum às produções musicais, bem como a perda da idéia tão

orgânica de princípio, meio e fim, e, conseqüentemente, das performances

artísticas tradicionais resultam em um estilo musical sem ídolos; de fato, somente

os ouvintes realmente especialistas neste estilo musical são capazes de

reconhecer um DJ durante um show, a partir da análise somente da música que

está sendo apresentada.

É, como percebido, um estilo musical marcado por lacunas, pela eterna sensação

de um processo inacabado, vazios, ansiedades, pela incomunicação, tal como

discutiremos posteriormente.

O modelo da música eletrônica consolida-se como uma composição entre a

linearidade e a fragmentação. Uma linearidade exacerbada pela repetição

contínua, extensa em músicas que, como dito anteriormente, são

consideravelmente mais longas do que as músicas de outros estilos e marcada

pela fragmentação, criada pela própria produção deste estilo musical, embasada

no uso dos samplers, também anteriormente mencionados, cuja tecnologia extrai

e utiliza pequenas amostras de sons, que são “coladas” e reproduzidas

infinitamente.

Este processo de cópia e reprodução infinita deve ser pensado à luz das teorias

de Walter Benjamin, com relação à reprodutibilidade técnica157. Para Benjamin, a

reprodutibilidade baseava-se na reprodução de uma obra, com base, inicialmente,

157 Cf. Walter BENJAMIN, “La obra de arte en la epoca de su reproductibilidade tecnica” Disponível em: www.cisc.org.br/html/modules/mydownloads/viewcat.php?cid=13

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em uma produção original. De acordo com Benjamin, a cópia, a reprodução, é

capaz de dissolver a ‘aura’ original e autêntica do objeto.

“À sua mais perfeita reprodução sempre falta alguma coisa: o hic et

nunc da obra de arte, a unicidade de sua presença no próprio local

onde ela se encontra. Não obstante, é a esta presença única e,

somente a ela, que se encontra ligada toda a sua história (...). O hic

at nunc do original constitui o que se chama autenticidade (...). O

que faz com que uma coisa seja autêntica é tudo que ela contém de

originalmente transmissível, desde sua duração material até seu

poder de testemunho histórico.”158

O que dizer, então, da música eletrônica?

No caso da música eletrônica, a própria referência do original se perde, uma vez

que são utilizados somente fragmentos deste original na constituição de uma

nova obra. “Os samplers autorizam a cópia e põem um fim à obra intocável,

definitiva, única”.159 Existe resiliência possível, de uma aura transferida de forma

tão incompleta?

De acordo com Cláudio Manoel Duarte de Souza, em seu artigo A Cybermúsica,

DJing, tribos e cibercultura,160 “o produto – a música em si – é apenas um

elemento do banco de dados de sons disponível para nova manipulação, novo

recorte, nova colagem. Á música eletrônica é uma obra inacabada”.

158 Walter BENJAMIN, A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica, p. 212. 159 Cláudio Manoel Duarte de SOUZA, A Cybermúsica, DJing, tribos e cibercultura. Disponível em: www.facom/ufba.br/ciberpesquisa/txt_cla.htm. pesquisa realizada em 29/08/2006, às 12h08. 160 Idem.

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Ainda de acordo com o autor “a música tecnológica não começa e não termina:

ela sugere continuidade, infinitude, hipersonoridade, mixagem e novas

colagens”161, além de caracterizar-se, como dito, pela repetição.

Com estas características, é facilmente constatado o esvaziamento presente

nestas produções musicais, marcado pela impossibilidade da construção

tradicional do sentido, uma vez desaparecida a narratividade da música

tradicional, o orgânico processo início-meio-fim e a repetição exacerbada de

recortes sonoros sem significado.

Impossível não traçarmos um paralelo com o modelo que encontramos hoje nos

meios de comunicação de massa. Inúmeros produtos veiculados, como por

exemplo, os telejornais, reproduzem claramente esta dinâmica, esta lógica. Uma

quantidade imensa de informações fragmentadas, lançadas de forma contínua e

ininterrupta sobre receptores passivos, que não têm tempo para construir sentido

para a narrativa a qual estão sendo submetidos, em um processo sem princípio

ou fim, marcado pela repetição, até a extenuação do fato, até que o pouco sentido

ainda presente, os vínculos líquidos que poderiam ser construídos, de fato,

desapareçam. Esta discussão é aprofundada na obra Jornalismo e Realidade, de

Malena Segura Contrera.

Por outro lado, esta repetição, característica estética da música eletrônica,

recupera um outro elemento que se constitui de relevância na compreensão da

essência de estilo musical, bem como das manifestações do mesmo, em especial,

nos megaeventos, objeto de estudo desta dissertação. A repetição, como dito

anteriormente, recupera o modelo dos rituais arcaicos, estabelecendo uma

161 Cláudio Manoel Duarte de SOUZA, A Cybermúsica, DJing, tribos e cibercultura. Disponível em: www.facom/ufba.br/ciberpesquisa/txt_cla.htm. pesquisa realizada em 29/08/2006, às 12h08.

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conexão bastante clara com os ritmos, mantras e cânticos das culturas primevas,

e mesmo de culturas como a indígena e algumas manifestações orientais, que,

por meio da repetição, muitas vezes associada ao uso de substâncias

alucinógenas, buscam os estados alterados de consciência. “A música é a chave

para despertar um novo estado psicológico único de transcendência coletiva”.162

As manifestações coletivas da música eletrônica, realizadas, em especial, nas

Raves, a serem discutidas posteriormente, demonstram claramente a ligação

deste tipo de música com estas manifestações rituais e com a busca por estados

fora do comum em termos de consciência.

‘Terreirão eletrônico’: Raves – Beats, Bits e Techno Music163

Discutir o fenômeno da música eletrônica leva naturalmente ao fenômeno

contemporâneo das raves. As raves constituem, na atualidade, os grandes

espaços de apresentação e fruição da música eletrônica, bem como dos diversos

produtos característicos da chamada cena eletrônica.

Existem algumas controvérsias com relação ao surgimento das raves,

especialmente em se tratando de seu local de origem e a data exata em que

estas festas passaram a acontecer. Pode-se identificar, de modo geral, que os

eventos conhecidos hoje como Raves tiveram início no final da década de 80,

quase paralelamente nos Estados Unidos e Inglaterra, ambos os movimentos

162 Cláudio Manoel Duarte de SOUZA, A Cybermúsica, DJing, tribos e cibercultura. Disponível em: www.facom/ufba.br/ciberpesquisa/txt_cla.htm. pesquisa realizada em 29/08/2006, às 12h08. 163 Referência, aos Beats, das batidas características da música eletrônica e sua conjunção com os bits, que tratam-se da unidade mínima de informação em um sistema digital e são aqui mencionados em função da invasão destes espaços pela tecnologia digital e a Techno Music que trata-se de um dos vários nomes que a música eletrônica recebe.

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motivados pela música eletrônica que eclodia em um formato mais dançante e,

conseqüentemente, mais popularizado.

Atualmente, as raves definem-se como eventos sociais inseridos na lógica da

cultura jovem contemporânea, marcados fundamentalmente pela música

eletrônica.

De acordo com Mike J. Brown, no texto FAQ – Frequently Asked Questions About

Techno Music and Raves,164 as Raves possuem alguns elementos que as

caracterizam (tradução nossa):

• Um espaço que pode ser um armazém, campos abertos, clubes ou outros

locais diferenciados;

• Sistema de som estéreo completo e com amplificadores bastante

poderosos;

• DJ’s selecionados que proporcionem um mix contínuo de música

eletrônica;

• Iluminação móvel e colorida, lasers e estrobos etc.

• Muitas horas seguidas de evento;

• Uso de drogas recreativas165 por um percentual representativo de

participantes;

164 FAQ – Questões Freqüentes sobre Música Eletrônica e Raves. Disponível em http://taz4.hyperreal.org/~mike/pub/altraveFAQ.html 165 Também chamadas de club drugs ou party drugs são usadas durante festas, conhecidas como raves ou trances. A idéia de drogas “recreativas” pode advir do uso que estes substâncias sintetizadas adquiriram, em especial, na Inglaterra em meados da década de 90. De acordo com M. Collin o ecstasy e o LSD constituíam parte do ritual de lazer de final de semana dos jovens ingleses que freqüentavam eventos de música eletrônica e, originalmente, não eram consideradas drogas ilegais. (Cf.Matthew COLLINS, Altered State- The Story of Ecstasy Cultures and Acid House). Impossível não construirmos um paralelo com o uso do álcool no Brasil em meio às atividades de lazer e entretenimento, bem como nos eventos, uso este realizado com objetivos ”puramente recreativos”.

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• Venda de produtos de moda, camisetas, acessórios, CD’s entre outros

produtos;

Além das características mencionadas por Mike J. Brown, no texto FAQ –

Frequently Asked Questions About Techno Music and Raves, somamos a

inserção massiva de elementos da tecnologia digital; em geral diferentes

tecnologias são utilizadas para mediar o contato participante-evento, como

discutiremos posteriormente.166

Estas características se reproduzem em praticamente 100% das raves e

contribuem para a formatação do ambiente de busca do êxtase criado nos

eventos deste tipo, cuja ocorrência vem aumentando de forma bastante

representativa nos últimos anos.

O verbo rave167, proveniente do inglês, que dá nome a estes eventos, também

muito tem a dizer sobre tais atividades. Rave significa delirar, ou ainda falar de

forma entusiasmada ou delirante, o que demonstra que o significado da palavra

tem muita relação com as estruturas destes eventos.

Cláudio Manoel Duarte Souza168 discute que a nomenclatura rave surge por meio

da própria mídia que passa a associar estes eventos, anteriormente conhecidos

como acid house parties169a um estilo de festa grande, delirante e espetacular, ou

166 Vale registrar que estes meios de ‘comunicação’ inseridos no contexto das raves, quando analisado o evento em si, não promovem o contato participante-participante, mas sim o contato deste participante com o próprio evento. Geralmente, este contato participante–participante, ainda que de forma bastante incipiente, é promovido pelos blogs, flogs e listas de discussão criados em meio à cena eletrônica e utilizados predominantemente para a divulgação dos eventos a serem realizados que raramente entram em circuito comercial de divulgação. 167 Rave: s. Delírio, acesso de cólera// v.delirar, enfurecer, ser louco por, querer a todo custo; Pequeno Dicionário Michaelis Inglês - Português. 168 Cláudio Manoel Duarte de SOUZA, A Cybermúsica, DJing, tribos e cibercultura. Disponível em: www.facom/ufba.br/ciberpesquisa/txt_cla.htm. pesquisa realizada em 29/08/2006, às 12h08. 169 Festas Acid House. Acid House trata-se de um estilo de música eletrônica popularizado no final da década de 80 e derivado da house music, porém com características mais eletrônicas, que incluem mais batidas e um tom mais “seco” na música.

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seja, “rave!” Diversos veículos de comunicação já teriam se referido a outros

eventos com grande número de participantes como “rave” ou fizeram o uso, em

shows, do termo “all night rave”.

Thaís Cristine Chies, em seu artigo Novas formas de viver – Clubbers e

Ravers170, complementa a questão da nomenclatura que tais eventos receberam,

afirmando que o termo rave surge para reforçar a relação da música eletrônica

com o ecstasy e o ácido lisérgico (LSD), utilizados na busca por um estado

alterado de consciência.

A idéia do delírio, do entusiasmo, compõem a lógica destes tipos de eventos

desde o seu início, integrando, como percebido, seu conceito e constituição. Essa

idéia, desta forma, integra a estrutura destes eventos, seu formato e ambientação

e, na mesma medida, o objetivo principal dos participantes. Delírio, entusiasmo,

êxtase, portanto, compõe a essência das raves. Conseqüentemente, a busca por

estes estados constitui-se uma constante para os participantes, que, imersos em

um ambiente programado para tal, na mesma medida, buscam suas próprias

formas de alcançar estes estados de pseudo-transcendência.

Esta composição do evento, baseada na idéia de êxtase, materializa-se na

estrutura das raves, estrutura esta que recebe uma quantidade inumerável de

elementos considerados capazes de levar aos estados alterados de consciência.

O estímulo multisensorial é exacerbado por meio de diversos elementos que

constituem o megaevento.

Primeiramente, podemos considerar como elemento que compõe a lógica do

estímulo multisensorial, a sonorização, essencialmente marcada pelo excesso em

170 Thaís Cristine CHIES, Novas formas de viver – Clubbers e Ravers. Os Urbanitas – Revista Digital de Antropologia Urbana. Disponível em www.aguaforte.com/antropologia/clubbers1.html consultado em 27/02/07.

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termos de volume, bem como pelo uso da música eletrônica, que, por suas

batidas repetitivas é considerada responsável por causar um efeito hipnótico no

participante171.

“O corpo é tomado pelo andamento, pelo alto volume das músicas,

a sensibilidade epidérmica vem à tona, o suor aflora e a circulação

sanguínea intensifica seu fluxo. O corpo em dança não encontra

limites nem em si próprio e nem em seu entorno.”172

Ao lado da sonorização, também a iluminação é estruturada de modo a compor a

ambientação destes eventos. Com centenas de watts de potência, combinação de

diferentes técnicas e utilização de cores, a iluminação, promove uma ambiência e

sensações diferenciadas dos estados naturais.

A luz, como afirma Cláudio Manoel Duarte de Souza173, também funciona como

fator de hipnose, em função, especialmente, da ambiência provocada pelas

combinações de cores e diferentes tipos de luzes em movimento, bem como por

sua intensidade. A função da luz, ainda de acordo com o autor é

tridimensionalizar o som. A iluminação deve acompanhar as batidas, reforçando

as paradas. Sua oscilação deve pontuar o ritmo da música.

A iluminação, desta forma, assume um formato bastante característico, em

especial a partir do uso de cores fluorescentes como lilás, azul, amarelo, rosa e

verde, efeitos estes mixados com diversos canhões, luz negra e lasers

171 Matthew Collin na obra Altered State – The Story of Ecstasy Culture and Acid House associa a música eletrônica e o uso da tecnologia para acelerar a percepção e o prazer. 172 Herom VARGAS, Música Pop, Espetáculo e Mito, p. 152. 173 Cláudio Manoel Duarte de SOUZA, Sobre a Cultura da Música Eletrônica e Cibercultura, disponível em: www.pragatecno.com.br/texto1.html consultado em 27/02/07.

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associados a inúmeros recursos gráficos e de novíssima tecnologia. O conjunto

destes elementos compõe um ambiente que por si só perpassa a idéia de

transcendência dos limites comuns de percepção, algo fora do real e que,

principalmente, promove uma experiência multisensorial sobrecarregada.

Além disso, a composição do ambiente das raves ganhou a inserção dos telões

dos mais variados tamanhos e formatos. O estímulo visual provocado pela

reprodução ininterrupta de centenas de imagens que, na maior parte das vezes,

não possuem qualquer relação com o ambiente do evento, contribui com a

composição deste ambiente. Os VJs (VeeJays) ou Vídeo Jóqueis assumem a

função de criar apresentações por meio das imagens associadas aos sons. A

proposta é que a imagem faça a interpretação visual da música, ou, pelo menos,

da lógica deste estilo musical.

Desta forma, as imagens apresentadas possuem a mesma lógica da música

eletrônica. São imagens em grande velocidade, desconexas, fractais, com uma

estética bastante particular. Atualmente, existem grupos especializados de Vídeo

Jóqueis que atuam nas raves e festivais de música eletrônica. “Interessante

constatar que as imagens são igualmente mixadas, respeitando as batidas, as

bpm’s, o ritmo do som”174, provocando uma experiência sinestésica e sensorial.

“Em festas onde a música eletrônica está implicada, como as raves,

busca-se conexões com outras linguagens artísticas, notadamente

no campo da produção imagética. É o caso dos artistas que geram

174 Cláudio Manoel Duarte de SOUZA, A Cybermúsica, DJing, tribos e cibercultura. Disponível em: www.facom/ufba.br/ciberpesquisa/txt_cla.htm. pesquisa realizada em 29/08/2006, às 12h08.

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imagens fractais, clipes em 3D e animações em realidade

virtual”175.

A cena rave, a cultura das raves esteve sempre, é válido ressaltar, ligada à idéia

da tecnologia. Diferentes tecnologias foram apropriadas desde o início,

objetivando a divulgação destes eventos e sua popularização.

Contemporaneamente, esta tecnologia passou a compor a experiência das raves,

por meio do uso de diversos estratagemas que têm como proposta ‘conectar’ o

participante ao universo do evento, ou seja, conectá-lo a algo fora do comum,

efêmero, ligado ao prazer, ao espaço que o leva à busca da transcendência. A

experiência multimídia é absorvida objetivando estimular a experiência

multisensorial176.

Neste sentido, Malena Segura Contrera afirma:

“O público das raves e dos festivais eletrônicos tenta adentrar nos

domínios de Dionísio, o deus do êxtase, cultuando o deus da

técnica, Hefestos. Esse equívoco resulta numa tentativa

desesperada que só favorece a indústria da tecno-idolatria: o

público continua com um buraco no lugar da alma, buraco

175 Thaís Cristine CHIES, Novas formas de viver – Clubbers e Ravers. Os Urbanitas – Revista Digital de Antropologia Urbana. Disponível em www.aguaforte.com/antropologia/clubbers1.html consultado em 27/02/07 176 Neste sentido é importante fazermos menção a como o universo da tecnologia da informação consolida-se como o espaço de trocas entre o público freqüentador destes ambientes. A internet, os sites de relacionamento e os blogs tem se constituído em (únicos) espaços de sociabilidade dos membros da cena eletrônica. Por meio da internet, os mesmos têm criado a única forma de ‘comunicação’ que de ‘fato’ integra e cuja participação cria um certo tipo de vínculo, mesmo que líquido, como comentado anteriormente. Estes vínculos, baseados na participação nestes espaços virtuais, criam a sensação, nos participantes, da formação de um grupo, de uma comunidade. Infelizmente, no entanto, uma comunidade cujas manifestações de vínculo e participação não são transferidas para o real. Limitam-se ao espaço virtual.

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devidamente preenchido por mais e mais produtos dessa indústria

da pseudo-transcendência.”177

Todo este conjunto de elementos: som, iluminação, imagens, conjugadas a

decoração, especialmente pensada no sentido de ressaltar cada um dos fatores

mencionados, associados à presença massiva de pessoas dividindo o mesmo

espaço, em meio a fruição coletiva destes superestímulos promovem uma

vivência profundamente diferenciada da realidade, que pode ser capaz, pela

convergência dos estímulos, pela híper-superestimulação, de provocar o êxtase –

ou ao menos, um pseudo-êxtase, um tecno-êxtase, bem como os ‘estados

alterados de consciência’ buscados pelo grupo, materializando a transcendência

da consciência individual numa experiência coletiva.

Vargas afirma: “adentrar esse espaço (do evento) operativo significa muito mais

sair do espaço profano da vida, do caos, e comungar com o sagrado,

ultrapassando os limites do corpo, no cosmos organizado.”178

S. Mizrach, citado em Souza179 discute que uma rave ”supõe ser uma experiência

multimídia e multisensorial (...). Os ravers sentem que esta ‘sobrecarga sensorial’

serve como uma proposta para esmagar os sensos (comuns) e criar uma

experiência sinestésica, transcendental.”

As raves, desta forma, como afirma Souza, têm em sua concepção mais

essencial o “estado alterado” sempre presente, tanto no que diz respeito a sua

177 Malena Segura CONTRERA, entrevista realizada em fevereiro de 2007. 178 Herom VARGAS, Música Pop, Espetáculo e Mito: Questões de Tempo e Espaço. p. 153. 179 Cláudio Manoel Duarte de SOUZA, A Cybermúsica, DJing, tribos e cibercultura. Disponível em: www.facom/ufba.br/ciberpesquisa/txt_cla.htm. pesquisa realizada em 29/08/2006, às 12h08.

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estruturação, como anteriormente comentado, quanto nos objetivos dos

participantes.

“A rave often refers to a party, usually all night long, open to the

general public, where loud techno music is played and many people

partake of a number of different chemicals. (...) At a rave, the DJ is

a shaman, a priest, a chancellor of energy - they control the psychic

voyages of the dancers through his [sic] choice in hard-to-find music

and their skill in manipulating that music…A large part of the

concept of raves is built upon sensory overload-a barrage of audio

and very often visual stimuli (sic) are brought together to elevate

people into an altered state of physical or psychological

existence."180

Esta busca pelos estados alterados de consciência tem ligação direta com o

paradigma de valores sob o qual estes eventos foram criados, paradigma este

ligado às comunidades underground, ou seja, fora dos circuitos comerciais e com

o objetivo, de fato, de se desligarem da realidade, como mais um movimento de

contracultura, completamente fora dos padrões tradicionais,181 bem como com os

180 FAQ – Questões Freqüentes sobre Música Eletrônica e Raves. Disponível em http://taz4.hyperreal.org/~mike/pub/altraveFAQ.html. Uma rave frequentemente se refere a uma festa, que usualmente dura a noite toda, aberta ao público em geral, onde a música eletrônica é apresentada em alto volume e muitas pessoas compartilham de um número de diferentes substâncias químicas (…). Nas raves, o DJ é um xamã, um padre, um chanceler da energia – ele controla as viagens psíquicas dos dançarinos por meio de sua escolha musical e sua manipulação da música. Uma grande parte dos conceitos das raves são construídos com base na sobrecarga sensorial – um represamento de estimulações auditivas e frequentemente visuais são apresentadas juntas para elevar os participantes a um estado alterado de existência física e psicológica. (Tradução nossa) 181 Essa idéia de contracultura rememora também os movimentos jovens que na década de 60 deram início aos primeiros festivais de música voltados a grande públicos, ou seja, os primeiros megaeventos musicais, como o caso de Woodstock que, apesar de não ter sido planejado como

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tipos de eventos que tentam recriar, eventos estes ligados às manifestações

ritualísticas que têm como base a música, a dança e o uso de alucinógenos como

formas de se alcançar à transcendência e, além disso, em função da própria

ideologia adotada pelos freqüentadores destes espaços, o PLUR – Peace, Love,

Unity and Respect182.

“Através de uma experiência multisensorial, funde-se o arcaico e o

desenvolvimento tecnológico, com a música computadorizada, o

som tribal (repetitivo), luzes psicodélicas, drogas e dança

primitiva”.183

Estes eventos são marcados, desta forma, pela busca deste estado de êxtase, de

busca de transcendência, estado este que seria atingido pela fórmula: música +

ambientação + drogas, em especial drogas como ecstasy184 e LSD185, utilizadas

predominantemente, além de outras mais comuns como a cocaína e a maconha.

tal (o evento foi planejado com fins puramente comerciais), tomou dimensões inesperadas em função da adesão de grupos de jovens que representavam os movimentos de contracultura. As raves contemporâneas re-editam estes conceitos, em suas primeiras edições, o que, como comentaremos a seguir, não é mantido atualmente. (Cf. O Que é Contracultura. Carlos Alberto Messeder PEREIRA). 182 Paz, amor, unidade e respeito. Este conceito foi apresentado aos freqüentadores das raves em um evento realizado em Nova Iorque, em 1992, pelo DJ Frankie Bones e acabou sendo adotado pelos participantes dos eventos deste tipo. 183 Thaís Cristine CHIES, Novas formas de viver – Clubbers e Ravers. Os Urbanitas – Revista Digital de Antropologia Urbana. Disponível em www.aguaforte.com/antropologia/clubbers1.html consultado em 27/02/07 184 O MDMA (metilenedioxi-metamfetamina), mais conhecido por ecstasy, é uma droga moderna sintetizada, neurotóxica, cujo efeito na fisiologia humana é o bloqueio da reabsorção da serotonina, dopamina e noradrenalina no cérebro, causando euforia, sensação de bem-estar, alterações da percepção sensorial e grande perda de líquidos. É produzido sob a forma de comprimidos e ocasionalmente em cápsulas. Embora estudos mostrem que a neurotoxicidade do ecstasy não cause danos permanentes em doses recreativas (recreativas?), ainda suspeita-se que o consumo de ecstasy cause mais danos a cada dose, e perigo de desenvolvimento de doenças psicóticas. 185 LSD é o acrônimo de Lysergsäurediethylamid, palavra alemã para a dietilamida do ácido lisérgico, que é uma das mais potentes substâncias alucinógenas conhecidas. Uma dose de apenas cem microgramas causa um brutal aumento nos sentidos, afetando também os

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As drogas, como percebido, em especial o ecstasy e o LSD, além de outras

drogas sintéticas, desenvolvidas mais recentemente como a Ketamina186 também

conhecida como Special-K e a “cápsula do vento”187, compõem a cena rave e

caracterizam este tipo específico de evento. Em função da busca pelos estados

alterados de consciência pelo público freqüentador, o consumo de alucinógenos,

em especial, os sintéticos, como mencionado, é considerado característica

elementar das raves contemporâneas188.

Além destes elementos, a própria seleção do espaço, como dito, orienta a um

desligamento do “lugar comum”. As Raves frequentemente são realizadas em

locais afastados, praias, fazendas, galpões abandonados, ou seja, em espaços

que carregam em si a possibilidade de desligamento com o cotidiano e que, desta

forma, possibilitam o acesso ao êxtase, a transcendência, o desligamento com o

real, o que indica uma relação bastante próxima com o estado primitivo dos

rituais, realizados somente nos ‘espaços sagrados’, na mesma medida que esta

escolha do espaço está, também, claramente ligada a questão da quebra de

paradigmas, buscando espaços alternativos para a realização de tais eventos.

sentimentos e a memória por um período que pode variar de seis a quatorze horas. É popularmente conhecido como ácido. 186 A ketamina é uma droga dissociativa, usada para fins de anestesia, sendo hipnótica com características analgésicas, tendo sido desenvolvida para uso veterinário. É frequentemente utilizada como anestésico para cavalos. Seus efeitos variam (em pequenas doses) de um suave entorpecimento e vertigem até (em doses mais elevadas) dificuldade extrema de movimentos, náuseas, dissociação completa, entrada em outras realidades, a clássica ‘experiência de quase morte’ (NDEs, na sigla em inglês), visões compulsórias, black outs, etc. 187 Outra droga sintética tem sido utilizada nas raves nos últimos tempos. Derivada das anfetaminas, possui enorme efeito alucinógeno que se estende por até 12 horas após o consumo. Possui este nome em função do aspecto transparente das cápsulas, que contém uma substância quase invisível. Possui efeitos colaterais muito mais graves e destrutivos que as demais substâncias. 188 Interessante constatar que o próprio uso destes alucinógenos ganhou um vocabulário específico. Os componentes da ‘cena eletrônica’ apelidaram as drogas que utilizam de ‘balas’, forma pela qual, inclusive, procuram pelas mesmas durante estes eventos.

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Percebe-se a necessidade da manutenção desta ‘aura’ sagrada no espaço

selecionado para estes eventos, ‘aura’ esta que, como dito, nasce de um

processo de pseudo-sacralização criado pelo próprio grupo, a partir de um espaço

diferenciado dos espaços cotidianos e que rememora, indubitavelmente, a idéia

dos espaços ritualizados das culturas primitivas, conforme largamente discutido

no capítulo I.189

Hermano Viana, no artigo Tecnologia do Transe, publicado originalmente no

caderno Mais! da Folha de S. Paulo, no dia 06/04/97 afirma:

“Qualquer observador poderá sentir a energia ‘durkhemiana’ gerada

por tamanho esforço coletivo para se entrar em transe. Do

movimento robótico das luzes aos estimulantes consumidos pelos

dançarinos: tudo parece estar ali com a ‘função’ de facilitar a

produção de um estado que, não apenas como referência a uma

droga muito consumida nesses ambientes, poderia ser chamado de

extático. A combinação funciona: nas sociedades contemporâneas

as raves são os espaços menos esotéricos e mais internacionais

onde o êxtase é produzido em massa. Nosso brasileiro, mais ou

menos familiarizado com os rituais religiosos do candomblé ou da

umbanda, não resiste a fazer a comparação: ele está diante de um

terreirão eletrônico (grifo nosso). O paralelo não é de todo

absurdo.”190

189 Cabe a discussão, no entanto, da medida em que estes espaços podem ser considerados ‘sagrados’, ou mesmo possuidores de uma ‘aura’ diferenciada, uma vez que a maciça quantidade de raves que acontecem na atualidade possuem fins de promoção ligados diretamente à lógica comercial e de promoção de produtos e serviços. 190 Hermano Viana, Tecnologia do Transe, Caderno Mais! Folha de S. Paulo, 06/04/97. Disponível em: www.overmundo.com.br/banco/tecnologia-do-transe consultado em 27/02/2007.

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As raves carregam em si, como anteriormente discutido, traços bastante

característicos dos rituais, além da busca incessante da transcendência –

utilizando-se para tal de diversos estratagemas -, a busca do contato com o

sagrado, a busca pelo êxtase, ligado essencialmente ao desligamento com a

realidade.

É interessante também que seja registrado a questão da apresentação pessoal

dos participantes, suas vestimentas e acessórios, que complementam a proposta

de desligamento com o cotidiano. Dentro do vocabulário da cena eletrônica, a

preparação para um evento é conhecida como ‘montação’, palavra absorvida das

comunidades de travestis e ‘drag-queens’. Os freqüentadores destes eventos, que

de fato, participam da cultura eletrônica, conhecidos como ravers e clubbers,

utilizam roupas bastante coloridas, predominantemente de cores fluorescentes,

utilizam acessórios ousados e irreverentes, como as perucas, os boás, paetês e

plataformas, usam penteados e cortes de cabelo excêntricos e carregam consigo

objetos como brinquedos de pelúcia, objetos fluorescentes e circenses, como os

malabares. O uso de piercings, tatuagens, maquiagem bastante carregada e

óculos escuros é também absolutamente característico e estes elementos podem

ser adquiridos nos próprios eventos, já que é comum a presença de pontos de

comercialização.

“Junto com as raves parece que entram em cena valores como

tecnologia, globalização, internet e futurismo. Surge uma moda

colorida e divertida sem ser necessariamente extravagante. Mesmo

que o look utilizado seja intencional e elaborado, o efeito precisa

dar a impressão ao contrário, mostrando despojamento e conforto.

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Planetas, naves, robôs e efeitos 3D passam a ser símbolos das

estamparias. O reflexivo e fluorescente passaram a ser usados em

todas as possibilidades”191

.

Imagem: Participante praticando malabares Skol Beats 2006

Fonte: Marcela Moro

Percebe-se que esta forma de apresentação pessoal excêntrica é utilizada pelos

participantes – os ravers, para se identificar e para identificar aqueles que de fato

fazem parte da chamada cena eletrônica, diferenciando-se, desta forma, dos

demais participantes.192

“A vida é composta mais e mais deses conteúdos e oferecimentos

que tendem a desalojar as genuínas colorações e as características

de incomparabilidade pessoais. Isso resulta em que o indivíduo

apele para o extremo no que se refere à exclusividade e

191 Disponível em: www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/cgibin/PGR_0599.exe/4747_7.pdf?NrOcoSis=11709&CdLinPrg=pt consultado em 27/02/07. 192 Esta discussão será retomada quando da análise do Skol Beats, relacionada à presença dos membros da cena rave e sua relação com outros públicos.

116

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particularização, para preservar sua essência mais pessoal. Ele tem

de exagerar esse elemento pessoal para permanecer perceptível

até para si próprio.”193

Apesar das raves surgirem no final da década de 80, como constatado, as

mesmas se popularizaram no Brasil com quase dez anos de atraso em relação

aos outros países.

Obviamente, a dinâmica das raves foi rapidamente absorvida pela lógica do

mercado capitalista e a maior parte destes eventos é realizada não com base em

seus princípios originais (Plur), mas sim por promotores com objetivos bastante

específicos: as Raves também se tornaram um produto no mercado da cultura

jovem contemporânea. Seu poder de mobilização e sua produtilização podem ser

observados quando se percebe a quantidade de eventos que possuem raízes

ligadas às Raves e que são realizados com objetivos estritamente comerciais,

sendo, inclusive, patrocinados e promovidos por grandes marcas, como o caso do

próprio Skol Beats e demais eventos como Nokia Trends, Tim Festival e Coca-

cola Vibe Zone entre outros. É relevante constatar, no entanto, que este formato

de evento, promovido e patrocinado por grandes empresas, ou seja, este formato

cuja essência e objetivos são puramente comerciais não agrada a maioria dos

participantes e, principalmente, dos integrantes da cena eletrônica. Uma enquete

realizada pelo site www.baladaplanet.com.br perguntou aos internautas qual

opinião dos mesmos sob esta questão. Os resultados foram os seguintes194:

193 Georg SIMMEL, A Metrópole e a Vida Mental, p. 13. In: Otávio Guilherme VELHO, O Fenômeno Urbano. 194 Disponível em: http://www.baladaplanet.com.br/enquetes.asp?enqueteid=24

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O que você acha dessa tendência de grandes empresas fazerem seus próprios

eventos? (Nokia Trends, Tim Festival, Skol Beats)?

40,1% Ótima. Pois possuem dinheiro para investir em boa infra-estrutura e bom line-up.

10,8% Muito boa. Pois esses eventos exploram novos filões da música eletrônica.

13,4% Médio. Apesar de serem festas boas, podem monopolizar as grandes festas no Brasil.

36% Ruim. Pois esses eventos querem apenas incutir suas marcas na cabeça das pessoas

Fonte: http://www.baladaplanet.com.br/enquetes.asp?enqueteid=24

Praticamente um terço dos entrevistados não considera interessante a entrada

das grandes empresas na promoção destes eventos, alegando que os mesmos

são utilizados, neste formato, com objetivos puramente ligados à promoção de

seus próprios produtos, perdendo, desta forma, a essência das raves.

De acordo com comentários dos blogs195 da cena eletrônica, estes eventos não

podem ser considerados raves196. São conhecidos, neste meio por Festivais ou

Techno Parties, cuja principal diferença das raves, além da questão da promoção,

está ligada ao local de realização destes eventos, que se desloca dos ambientes

considerados alternativos (campo, praias, fazendas etc.) e é realizada nas

cidades.197

Assim, pode-se considerar que o Skol Beats, em seu formato atual, trata-se de

um festival de música eletrônica, tipologia inclusive adotada pela promotora do

megaevento, que o divulga como “o maior festival de música eletrônica da

América Latina”198. Em termos técnicos, na área de eventos, um festival

195 Um weblog é um registro publicado na Internet relativo a algum assunto organizado cronologicamente (como um histórico ou diário). 196 O texto FAQ – Frequently Asked Questions About Techno Music and Raves comenta esta propensão do público ‘raver’ classificar alguns tipos de eventos como raves e outros não. Mike Brown diagnostica, no texto, que esta postura está relacionada exclusivamente com critérios pessoais de cada participante. É uma postura bastante subjetiva e individual. 197 Seria este um esforço focado em converter as raves em um espaço mais bucólico e mais sagrado? 198 Cf. www.skolbeats.com.br

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conceitua-se como um evento periódico, de cunho artístico e que possui objetivos

competitivos, comerciais, promocionais ou e divulgação. Caracteriza-se ainda

pela apresentação, simultânea ou não, de diversas atrações.

Por outro lado, apesar do evento tecnicamente conceituar-se como um Festival e

ser conhecido em meio à ‘cena eletrônica’ como tal, suas origens e modelo estão

diretamente ligados às raves, já que estes festivais eletrônicos acabam

apropriando-se de toda a estética destes eventos. As inúmeras características do

Skol Beats são as mesmas das principais raves do mundo.

É válido mencionar também uma estreita relação destes festivais com os

primeiros festivais de música para jovens, como o caso de Woodstock199, ocorrido

nos Estados Unidos em 1969. As ideologias de ambos os eventos são bastante

similares, motivo pelo qual é possível interligar a origem dos festivais de música

eletrônica da atualidade a estes eventos precursores dos movimentos jovens de

massa no mundo.

O Skol Beats 2006

Imagem: Logomarca do Evento

Fonte: www.skolbeats.com.br

199 Em comum, Skol Beats e Woodstock tem o fato de serem grandes festivais de música, freqüentados por milhares de pessoas cujos princípios da participação estiveram orientados ao desfrutar a música em um ambiente em que as ideologias são o respeito mútuo, a paz e o amor. Também tem em comum estes eventos o fato dos participantes buscarem a estados alterados de consciência e o desligamento com o real, conforme previamente discutido.

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O Skol Beats trata-se do principal evento de música eletrônica do país e é

considerado o maior da América Latina. A primeira edição, com 20 mil

espectadores, aconteceu em 2000, em São Paulo, no Autódromo de Interlagos e

simultaneamente em Curitiba/PR, tendo sido, de acordo com pesquisa realizada

pelo jornal Folha de S. Paulo200, considerado o melhor evento do gênero deste

ano.

O objetivo do evento, além da promoção da marca Skol e Skol Beats, está na

apresentação de diferentes estilos de música eletrônica, e o evento, que vai para

a 7ª. edição em 2007, também tem como proposta apresentar nomes de

repercussão internacional e nacional em sua programação que, geralmente, se

estende por muitas horas consecutivas.

No ano de 2006, o evento, realizado nos dias 13 e 14 de maio, levou ao Anhembi,

em São Paulo, 59.500 pessoas, de acordo com a organização, número este

confirmado pela Polícia Militar, o que o marca, como dito, como o maior festival de

música eletrônica da América Latina.

Distribuído em uma área total de 207.000 m2, envolvendo além de todo o espaço

do Sambódromo de São Paulo, Arena Skol e também espaço do Campo de

Marte, e com 20 horas de música consecutivas, este evento caracteriza-se por

superlativos: 1 milhão e 200 mil watts de som, 90 atrações nacionais e

internacionais, 40 toneladas em equipamentos de som, 100 toneladas de

equipamentos de luz e os quase 60 mil participantes somam-se na caracterização

do mesmo como um megaevento.

200 Folha de S. Paulo, Conheça os Melhores da Noite Ilustrada 2000, 22/12/2000. p.E5.

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É interessante pontuar que o evento tem servido de conteúdo para diversos

outros veículos de informação, o que aumenta ainda mais seu grau de influência

bem como o número de participantes – criando-se os participantes virtuais como

previamente discutido. Veículos como “O Estado de S. Paulo”, “Folha de S.

Paulo”, entre outros, tem dado cobertura ao evento, além de utilizarem também

seus canais on-line (sites) para propagar informações relativas ao Skol Beats. Os

portais de informação nacional mais populares como Terra, Uol, Ig, entre outros,

também dão cobertura total ao evento, inclusive com informações on-line ao vivo,

ou seja, com informações em tempo real sobre o evento. Os principais canais de

música eletrônica e de eventos deste estilo musical também acompanham e

divulgam informações em tempo real.

Os 207 mil m2 foram divididos em tendas e palcos diferenciados, sendo que cada

um dos espaços oferecia serviços específicos, como bares, banheiros e praças de

alimentação, bem como apresentava atrações diferenciadas. Cada uma das áreas

principais foi destinada a um estilo de música eletrônica.

A seguir, mapa do evento contido no line-up distribuído aos participantes na

entrada do festival:

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Imagem: Mapa Skol Beats 2006 - Line-up do evento

Fonte: Marcela Moro

O Palco Principal, Skol Live Stage, logo na entrada do evento, concentrou as

principais atrações, como o show da banda inglesa Prodigy201, além de inúmeras

outras bandas e DJ’s de renome.

Durante a apresentação da banda inglesa Prodigy, bem como em alguns outros

live-pas202, este foi o palco mais procurado pelos participantes, causando,

inclusive, sensível desconforto aos freqüentadores, em função da enorme

201 Banda inglesa que já foi classificada, no final da década de 90, como uma das maiores do planeta, tendo alcançado, em 1997, o primeiro lugar nas paradas americanas. A banda se caracteriza pela mistura da música eletrônica vigorosa, com rock’n’roll e elementos do rap. Sua apresentação no Skol Beats 2006 foi considerada histórica, não somente pelo surpreendente número de pessoas que acompanharam o evento, como também pela “histeria” provocada nos participantes, conforme informado por alguns veículos de comunicação que cobriram o evento. 202 Live-pas: Live Power Amplification - Apresentações “ao-vivo”, em que a música é “produzida” ao vivo. Neste caso, existe a performance do DJ, ligada ao uso dos equipamentos de produção da música eletrônica.

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aglomeração próxima ao palco. Algumas pessoas tiveram que ser atendidas pelos

serviços médicos, mas não foram registrados casos mais graves em função da

enorme quantidade de pessoas ali concentradas.

Imagem do projeto Palco Skol Beats Live Stage

Fonte: In Press Porter Novelli Assessoria de Comunicação

Palco Skol Beats Live Stage

Fonte: Marcela Moro

Além do Live Stage, mais três tendas, DJ Mag, The End e DJ Marky & Friends,

um palco, o Palco Tribe e um trio elétrico (Pepsi-X-Eletric) poderiam ser visitados

durante o evento. Outras atrações como o Audio Visual Stage, Beats Lab, BMC e

Mercado Mundo Mix também compuseram a programação do Skol Beats 2006.

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A tenda DJ Mag203, primeira na área anexa ao Sambódromo, ou seja, no espaço

do Campo de Marte, com seus 1.800 m2, contou com um total de 11 DJ’s cujas

apresentações estenderam-se por 1 ou 2 horas cada. Tal como as demais tendas

e espaços do evento, a tenda DJ tinha uma programação específica de imagens,

apresentadas de forma aleatória em todos os telões presentes no espaço. Com

mais de vinte horas de festa, a área apresentou sets que passeiam pelo

progressive, trance e house.

Imagens: Tenda DJ Mag

Fonte: Marcela Moro

A tenda The End, marcada pelo estilo house204, em seus 1.800 m2 recebeu

alguns dos principais DJ’s deste estilo, oferecendo algumas produções que

resgatam a sonoridade do estilo do início dos anos 90.

A tenda com o maior número de participantes durante todo o evento, bem como

com maior espaço físico (2.400 m2) foi a tenda DJ Marky & Friends. Coordenada

203 Homônimo de uma revista britânica especializada em house, progressive e trance. 204 Estilo de música eletrônica surgido em Chicago, em meados da década de 80, nasce da fusão, por parte do DJ Frankie Knucles, de elementos da soul music com a disco e batidas das baterias eletrônicas. Este estilo gerou inúmeros subgêneros como o Deep-House, Jazzy-House e outros. Este estilo é marcado por aproximadamente 110 a 128 bpm’s.

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pelo DJ Marky, um dos mais famosos DJ’s do Brasil, a tenda foi marcada por seu

estilo característico o drum’n’bass.205

Imagem: área externa Tenda DJ Marky

Fonte: Marcela Moro

Um outro espaço bastante freqüentado pelos participantes foi o Palco Tribe. Pela

primeira vez o evento Skol Beats incluiu em seu line-up um espaço exclusivo para

o psy-trance206, estilo que atualmente promove as maiores festas rave do Brasil.

Este palco, ponto mais distante do acesso ao evento, recebeu uma decoração

bastante especial baseada nos princípios e características do estilo musical, ou

seja, uma preparação colorida e que incluía, inclusive, elementos psicodélicos,

étnicos etc.

205 Estilo nascido nos guetos negros de Londres, associa os baixos do reggae com as batidas do hip-hop e, às vezes, o funk com o jazz. Originalmente, o estilo era conhecido por jungle. As batidas são marcadas por 160 bmp’s. 206 Frequentemente apresentado em grandes festivais ao ar livre, este estilo, derivado do trance alemão é caracterizado por diferentes camadas sonoras e um ritmo mais acelerado que o trance. Surgiu na região de Goa/Índia, onde foram realizadas as primeiras raves marcadas por este estilo musical. Em função das diversas sonoridades, o uso de texturas diferenciadas e a inserção de sons étnicos é o som mais associado à transcendência. É marcado pelo ritmo de 140 a 150 bpm’s.

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Imagem: Fotos Palco Tribe - Decoração e Telões

Fonte: Marcela Moro

Outro espaço de atrações musicais que compôs o line-up do Skol Beats 2006 foi

o Pepsi-X-Eletric, um trio elétrico que trouxe uma programação bastante

diferenciada para os padrões de um festival como este.

Misturando estilos inesperados com música eletrônica, o trio elétrico apresentou

funk carioca com o DJ Malboro e Deize Tigrona, além de encontros musicais

como o do compositor Ed Motta com o DJ Camilo Rocha.

Vale ressaltar que muitos participantes do evento mostraram-se bastante

descontentes com a inserção destes estilos que não fazem parte da cena

eletrônica no evento. Este assunto foi um dos mais comentados nas listas de

discussão do Skol Beats no pós-evento.

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Imagem: Pepsi-X-Eletric

Fonte: Marcela Moro

Um outro espaço que também estreou na versão 2006 do Skol Beats foi o Audio

Visual Stage, megatelão para projeção panorâmica, com 24 m de comprimento,

por 4,5m de altura, formando uma espécie de cinema ao ar livre. Este telão, que

ofereceu programação visual do anoitecer do dia 13 ao amanhecer do dia 14 teve

como objetivo apresentar performances audiovisuais baseadas em releituras de

obras do cinema e ainda apresentações em estilo livre, realizadas ao vivo por

importantes VJ’s da cena eletrônica.

Imagem: Audiovisual Stage (Detalhe para a repetição continua de imagens de rostos femininos)

Fonte: Marcela Moro

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Todos os espaços, como percebido, estiveram inundados de projeções de

imagens, associadas ao som e a uma decoração bastante específica.

É importante ressaltar também a presença do Mercado Mundo Mix207 no evento,

que trata-se de um espaço de moda e consumo dividido em estandes e com sua

própria programação musical, cenografia e projeções de imagens. No espaço,

estiveram expostas diversas grifes de street wear, envolvidas com a cena

eletrônica além de estandes variados com acessórios diversos característicos da

cena rave, maquiagem, brinquedos208, camisetas, CD’s etc. Aos interessados, era

possível se “montar” neste espaço. Alguns estandes ofereciam maquiagem,

serviços de cabeleireiros com aplicação de gel colorido e penteados psicodélicos;

piercings poderiam ser colocados na hora dentre outros adereços que podiam ser

adquiridos no próprio evento, como boás, pulseiras e colares coloridos e

iluminados, inúmeras peças fluorescentes etc. O consumo também integra a

fruição do espaço.

Paralelo às apresentações musicais, o Skol Beats 2006 também realizou o BMC

2006 – Brazil Music Conference, espaço altamente tecnologizado apresentado

como “evento direcionado à comunidade musical brasileira, composto por

palestras, debates e workshops, com o objetivo de aproximar as diversas

vertentes musicais e de fortalecer a indústria fonográfica, através da troca de

experiências e da antecipação de tendências da música como forma de

expressão, técnica e negócio”209. Este pequeno evento contou com o apoio de

diversas empresas, em especial as especializadas em sonorização de ambientes

207 Evento comercial nascido em São Paulo ainda na década de 90 que tem como objetivo reunir nomes da moda, designers, estilistas, músico em um grande evento de vanguarda. 208 Em especial malabares e outros objetos circenses. 209 Informações contidas no Line-up do evento.

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e tecnologias afins. Ofereceu, também, aos participantes a oportunidade de ter

acesso a terminais de produção musical, em que os interessados poderiam

vivenciar a experiência de criar seu próprio som eletrônico.

É interessante ressaltar que todas as áreas de circulação, palcos e tendas

possuíam inúmeros telões, sonorização específica, bem como iluminação

característica, demonstrando uma enorme preocupação por parte da organização

do evento com relação à ambientação dos espaços. Cores, luzes, decoração

contribuíam para a composição e para a ambientação de todo o evento,

promovendo no participante a sensação de estar envolvido, em função das

diversas estimulações sensoriais presentes, com o festival em si.

Imagem: Visão geral do evento/ imagem colhida da arquibancada do Sambódromo. Mesmo na área das

arquibancadas, consideradas área de descanso, uma iluminação que seguia o modelo do evento estava

presente.

Fonte: Marcela Moro

O evento foi aberto ao público ás 16h00 do dia 13 de maio e, já na abertura,

muitos aguardavam ansiosamente para ter acesso ao local. Impossível não

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perceber o estado de euforia presente em todos aqueles que adentravam ao

espaço, aos gritos, muitos correndo, como se adentrando em um espaço mítico.

Após a realização de três revistas por seguranças e policiais militares, os

participantes tinham acesso às dependências do Skol Beats 2006, que já se

encontrava com os diversos espaços em funcionamento, mas cujas

programações somente se iniciaram às 17h00 e seguiram de forma ininterrupta

até as 10h00 do dia 14 de maio.

Skol Beats 2006 em Números

Área total do evento: 207.000 m2

Palco Skol Live Stage: palco com 20 m de boca x 15 m de profundidade

com 12 m de altura

Tenda Marky & Friends: 2400 m2

Tenda The End: 1800 m2

Tenda DJ Mag: 1800 m2

Palco Tribe: palco com 12 m de boca x 12 m de profundidade com 8 m de

altura

Praças de Alimentação: 3 praças (22 áreas) e 1 village (4 áreas) totalizando

22 áreas

Bares: 18

400 banheiros químicos

450 banheiros fixos

Número de watts de som: 1 milhão e 200 mil watts

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Número de watts de luz: 1 milhão e 260 mil watts

Número de watts de energia: 11 milhões e 560 mil watts

Quantidade em toneladas de equipamentos de luz: 100 toneladas

Quantidade em toneladas de equipamentos de som: 40 toneladas

Convergências Tecnológicas

Tal como muitos outros megaeventos de música eletrônica, o Skol Beats 2006

trouxe, em seu formato, a inserção de diversas tecnologias, algumas de ponta,

promovendo nos participantes uma série de experiências diferenciadas em termos

de contato com o evento em si, característica esta que tem sido referencial na

maior parte dos eventos deste tipo. A tecnologia compõe o universo destes

festivais210 e das raves em geral.

O Skol Beats 2006 trouxe em primeira mão para o país, graças ao projeto

desenvolvido pela agência Garage Interactive, uma tecnologia inédita de

interatividade com o público – pré, durante e pós-evento –, que permitiu com que

cada participante pudesse adaptar o evento às suas preferências pessoais e

vivenciá-lo antes mesmo dele acontecer.

As duas interfaces principais escolhidas foram o celular e a Internet, duas

ferramentas bastante presentes na cultura urbana e contemporânea e disponíveis

a um número cada vez maior de pessoas.

210 Um outro exemplo de Festival de música eletrônica que trabalha com base na tecnologia é o Nokia Trends, festival patrocinado pela Nokia e que traz como atrações, além da música eletrônica, mostras de arte-tecnologia, conforme a organização do evento denomina. A tecnologia apresentada é direcionada para os celulares, um dos principais produtos da empresa no Brasil.

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No portal Skol Beats (www.skolbeats.com.br), o usuário pôde montar seu line-

up211 personalizado do evento e baixá-lo em formato de aplicativo, através de

download via computador ou celular através do portal WAP. Este aplicativo

permitiu também acessar o mapa do evento no aparelho e, por meio do chamado

“Código Redondo” que pode ser encontrado em alguns espaços do festival, os

celulares que possuíssem o programa do evento instalado e a tecnologia

Bluetooth212 poderiam acessar links ocultos no portal, ou ainda informações

exclusivas. Os principais espaços do festival estiveram na área de alcance desta

comunicação para aqueles usuários que desejassem fazer parte desta rede virtual

de comunicação, habilitando esta função em seus celulares. Em todas as

entradas, placas orientavam o público para ativar a função Bluetooth dos seus

celulares, para que pudessem receber dicas e informações sobre as

apresentações.

Outra experiência inovadora foi o uso da tecnologia chamada de “Código

Redondo”, um símbolo gráfico que esteve exposto em alguns pontos do evento e

ao ser fotografado por um celular com câmera, levava a pessoa para um

conteúdo exclusivo do Portal Skol Beats. Para usar esta tecnologia também seria

necessário baixar um aplicativo no celular, disponível no portal do evento, da

mesma forma que o aplicativo anterior.

211 Line-up: (do inglês, alinhar-se) expressão adotada no meio eletrônico que designa a programação de um evento. Ordem de apresentação dos DJ’s. 212 Bluetooth trata-se de uma tecnologia de baixo custo para a comunicação sem fio entre dispositivos móveis.

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Imagens de alguns celulares que baixaram o programa “Código Redondo”

Fonte: www.idgnow.com.br

O portal oficial do evento213, por sua vez, além de promover acesso às

informações mais atualizadas com relação ao festival, também oferecia aos

interessados a oportunidade de realizar inúmeros downloads de imagens, sons e

animações para seus celulares e computadores. Interessante constatar que,

como dito, as informações ficaram disponíveis nos períodos pré e pós-evento,

estimulando a participação dos interessados no portal Skol Beats.214

Os diferentes meios de comunicação (reduzidos a meios de informação)

disponíveis foram bastante utilizados pelos participantes do evento, que, é

213 De acordo com a empresa Garage Interactive, responsável pelo portal do evento, entre os dias 07 e 13 de maio de 2006, ou seja, nos cinco dias antes do evento, o portal recebeu mais de um milhão e setecentos mil acessos, somando quase 130 mil visitantes. Disponível em: http://www.aba.com.br/premioabanet2006/inscricoes/imgcase/2006/545/resultados%20skol.pdf 214 Em anexo, (ANEXO 1) disponibilizamos um briefing do projeto promocional realizado pela Garage Interactive Marketing e que, inclusive, foi premiado pela ABA – Associação Brasileira de Anunciantes. Interessante notar como a questão da interatividade é repetida inúmeras vezes e, inclusive, colocada como um dos principais objetivos da campanha. Disponível em: http://www.aba.com.br/premioabanet2006/site/cases/skolbeats.htm

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importante constatar, possuem um nível sociocultural elevado e interessante

poder de compra, conforme apontam as pesquisas realizadas pela organização.

Já no período pré-evento, os participantes foram estimulados a interagir com o

evento por meio do portal oficial www.skolbeats.com.br, bem como por

mensagens SMS215. Foram colocados em alguns locais estratégicos da cidade de

São Paulo, painéis interativos que incentivavam que os participantes votassem,

via SMS, para dizer onde estariam durante o evento, escolhendo, assim, entre os

palcos e tendas do Skol Beats 2006.

Durante o evento, o painel foi transferido para as proximidades do Palco Live

Stage.

Imagem: Painel Interativo Av. Brigadeiro Faria Lima em São Paulo

Fonte: Marcela Moro

215 Serviço de mensagens curtas ou Short message service (SMS) é um serviço disponível em telefones celulares digitais que permite o envio de mensagens curtas entre estes equipamentos e entre outros dispositivos de mão como palm e handheld, e até entre telefones fixos (linha-fixa).

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Interatividade com o Nada

Relevante constatar-se o esforço realizado pela organização do evento para que,

por meio das diversas tecnologias disponibilizadas, os participantes pudessem

estar ‘on-line’ com o Festival, esforço este que claramente aponta para um

processo de auto-referência, que estimula um tipo de ‘comunicação’ que de fato

não comunica, visto ser impossível ‘comunicar-se’ somente com a tecnologia. H.

Pross afirma que a comunicação começa no corpo e termina no corpo. Impossível

que a comunicação, ou seja, a vinculação, aconteça sem que de fato existam dois

corpos para se comunicar.

A idéia de estar ‘on-line’, estar conectado ao evento, esteve associada pelos

organizadores à interatividade216. Esta ‘interatividade’, por sua vez, direciona a

uma outra discussão: que interatividade é esta que estes produtos da cultura

contemporânea se propõe a produzir por meio da tecnologia?

Para pensarmos esta questão da interação promovida pelos megaeventos de

música eletrônica, partiremos da essência das palavras interagir, interatividade e

interativo.

De acordo com o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa interagir significa ‘agir

reciprocamente’. A palavra interatividade significa, por sua vez, ‘caráter ou

condição de interativo’, ou ‘capacidade (de um equipamento, sistema de

comunicação ou computação, etc.) de interagir ou permitir interação’. Já

216 De acordo com a Garage Interactive Marketing, responsável por algumas estratégias de divulgação do evento e por toda a tecnologia inserida no mesmo, “para a comunicação atingir cada um dos 60 mil espectadores, as estratégias usadas foram a interatividade e o cross entre on-line e off-line, com interfaces para o celular, Internet, painel interativo de rua e tecnologia em anúncios de revistas e jornais”. Disponível em: http://www.aba.com.br/premioabanet2006/site/cases/skolbeats.htm

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interação, ainda de acordo com o Dicionário Aurélio, é ‘relativo à interação’; “diz-

se de recurso, meio ou processo de comunicação que permite ao receptor

interagir ativamente com o emissor".

Desta forma, percebe-se que a interação, a interatividade efetivamente permeiam,

acima de tudo, a interferência, a participação ativa.

Inúmeras tecnologias, como anteriormente comentado, bastante atuais, foram

utilizadas na composição do cenário deste megaevento com objetivo de promover

a ‘interatividade’, e têm sido absorvidas pelos diversos eventos com

características semelhantes.

É interessante, no entanto, perceber que o esforço para com a conexão, muitas

vezes, conecta o participante com o universo criado pelo megaevento, um espaço

virtual, de imagens, num processo de auto-referência, em que, de acordo com

Norval Baitello Junior:

“As imagens se bastam em si mesmas, não mais se oferecendo

como ‘janelas’ para o mundo, senão como janelas para si próprias.

(...) Tal fenômeno de auto-referência implica em uma supressão do

mundo em favor das representações bidimensionais em circuito

fechado, ou seja, as imagens se referem sempre apenas a

imagens”.217

As imagens do evento, trazidas por meio da tecnologia aos participantes

procurando ‘conectá-los’ ao festival, na verdade, somente buscam a referência de

si mesmas, sem, de fato, conectá-los ou sem gerar qualquer tipo de comunicação.

217 Norval BAITELLO Junior, A Era da Iconofagia, p. 55.

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Esta auto-referencialidade o afasta, a cada momento, a cada possibilidade de

acesso ao virtual, do contato com o outro. O excesso de possibilidades transpõe o

participante do real para o virtual, da presença corpórea para sua presença

eletrônica, da interação entre corpos para a interação entre máquinas e que não

prevê, de nenhuma forma, a interatividade de fato, ou seja, a interatividade da

interferência, da participação; a ‘interatividade’ proposta se baseia em uma via de

uma única mão. Uma única mão não constitui vínculo, não constitui interação e,

portanto, não constitui comunicação de fato, mas sim alimenta a carência,

alimenta a necessidade de troca, da resposta, da vinculação que não acontece.

Todo este processo, vale ressaltar, é devidamente estimulado desde o pré-

evento, por meio do próprio portal www.skolbeats.com.br, como também por meio

das várias tecnologias interativas inseridas como estímulos midiatizados aos

participantes e não participantes. Muito antes do evento em si, da vivência deste

efêmero momento, os possíveis participantes passaram por inúmeras

estimulações visuais e sonoras inserindo-os no contexto do evento.

Steven Johnson, em sua obra A Cultura da Interface, fala de uma cultura da

escrivaninha218, tal como o próprio autor denomina, do desktop219, uma cultura

criada pela tecnologia que interfere em nossa maneira de pensar e comunicar, e

que, acima de tudo, altera nossa forma de lidar com um mundo, o que é

transcendido para nossas formas de comunicação primária, inter-humana.

O que podemos perceber na concepção de um megaevento como o Skol Beats é

a transferência deste processo também para este espaço, antes, espaço dos

contatos, da comunhão, tal como os eventos em sua essência e origem, e agora

218 Steven JOHNSON, A Cultura da Interface, p. 160. 219 Desktop é a mesa, a escrivaninha, onde se apóiam os objetos de trabalho. Esta idéia é metaforicamente usada no meio computacional para denominar a Área de Trabalho do usuário.

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um espaço em que a comunicação possível e estimulada é a própria

comunicação por meio da mídia eletrônica, a comunicação dentro da cultura da

interface, orientada pela perspectiva do novo modelo criado e absorvido pela

cultura contemporânea, fragmentada e desconexa, solitária, realizada não mais

entre corpos, mas sim entre o corpo e as máquinas.

Na mesma medida que esta cultura performatizou a vida do indivíduo para

espaços solitários, os espaços de comunhão, como os espaços de eventos

passam a ser pensados também com este objetivo, e novas tecnologias são

inseridas neste contexto para que tais objetivos sejam alcançados, ou seja, de

espaços de fruição coletiva, de interação e integração, passam a espaços cuja

única fruição possível é a individual, é a vivência solitária, mesmo dentro do

espaço coletivo.

Constroem-se metáforas de espaços de convivência no espaço virtual e estas são

transferidas para o espaço real, constroem-se metáforas de contato e conexão

neste espaço quimérico. Johnson afirma que “as janelas virtuais moldam a mente

contemporânea”220 e estes moldes já estão se refletindo em todos os espaços,

inclusive, nos espaços dos eventos e megaeventos.

O contexto dos eventos como Skol Beats representam, na atualidade um

paradoxo. Por definição, por essência, seriam representações de um movimento

anticonsumo, surgido como uma reação às tendências da música popular, da

cultura das casas noturnas e do rádio comercial. Seu objetivo primordial estava

ligado à interação, dentro do conceito PLUR (Peace, Love, Unity e Respect – paz,

220 Steven JOHNSON, A Cultura da Interface, p. 64.

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amor, unidade e respeito), e retomando as origens dos festivais de música jovem,

um espaço de liberdade.

No entanto, como previamente comentado, estes espaços foram absorvidos pela

lógica do consumo e da cultura de massas, e neste sentido, sua essência

desapareceu, surgindo um espaço que margeia o real e o virtual, em que a

comunhão, a idéia de comunidade, está embasada no virtual. O que integra e

unifica estes grupos, o que cria vínculos, não é mais a convivência coletiva e as

trocas que ali podem ser proporcionadas pela presença dos corpos, mas sim a

interação proporcionada pela tecnologia, os ‘acessos’, o estar ‘on-line’, a

‘conexão’, conexão esta, no entanto, não proporcionada entre os membros destes

grupos uns com os outros, mas sim entre os participantes e as máquinas. A

cultura do desktop se materializa nos espaços de convivência quando os únicos

vínculos formados (e possíveis) se limitam a vínculos com as próprias tecnologias

presentes e o outro – os tantos outros – a seu lado, são ignorados. São somente

mais um elemento que compõe o espetáculo.

Ravers e Outsiders – O Público do Skol Beats 2006

De acordo com informações da organização do evento, o perfil do público do Skol

Beats 2006 é formado por jovens de 18 a 24 anos, das classes A, B e C+ e

pessoas com mais de 24 anos, com comportamento jovem e que gostem de

música eletrônica.

Desde sua primeira edição, o Skol Beats tem sido um festival de música

eletrônica. Inclusive, seu nome, faz menção a música eletrônica, utilizando a

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palavra beats (batidas), diretamente relacionada ao estilo da música eletrônica

que utiliza os beats per minute (bpm’s), ou seja, batidas por minuto para marcar

seu ritmo. As batidas constituem-se uma das principais características da música

eletrônica.

No entanto, na medida em que o evento foi crescendo, - o ano de 2006 marcou a

7ª. edição deste festival, o mesmo foi também tornando-se mais comercial, mais

um produto da cultura jovem, extremamente comentado nos espaços jovens, no

meio eletrônico e pelos meios de comunicação de massa em geral.

Obviamente, todas as estratégias promocionais e de marketing utilizadas por

estes eventos têm mobilizado, ano a ano, um número maior de participantes.

Edição/Ano No. de Participantes

2000221 20.000

2001222 40.000

2002223 40.000

2003 44.000

2004 50.000

2005 57.500

2006 59.500

Tabela: Número de participantes por ano

Fonte: Organização do Evento

221 A primeira edição do evento aconteceu simultaneamente em São Paulo e Curitiba. 222 A segunda edição aconteceu em São Paulo, Curitiba e também no Rio de Janeiro. 223 Em 2002, o evento passou a acontecer somente em São Paulo. Para tanto, aumentou seu número de atrações e se consolidou, neste ano, como o maior festival de música eletrônica da América Latina.

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Em apenas sete edições, o Skol Beats triplicou o número de participantes e

firmou-se como o maior festival de música eletrônica da América Latina e um dos

maiores do mundo. Toda a divulgação gerada em torno do Festival tem feito que,

a cada ano, o número de participantes aumente e, importante constatar, um

número cada vez maior de participantes que nem sempre fazem parte da ‘cena

eletrônica’, ou mesmo se interessam por este estilo musical, como os ravers, os

freqüentadores assíduos de eventos de música eletrônica, estejam presentes no

Skol Beats.

Um dos exemplos de estratégia promocional de massa utilizada pelo evento com objetivo de promover o

Festival, aumentando assim o número de participantes.

Imagem: Painel Promocional – Marginal Pinheiros/SP

Fonte: Marcela Moro

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Neste sentido, a organização do evento inseriu novas atrações, diversificando os

estilos musicais, com a inclusão, como anteriormente comentado, de atrações

além da música eletrônica, como o caso do Pepsi-X-Eletric que trouxe a

combinação da música eletrônica com outros ritmos, como o funk e a MPB.

É interessante pontuar que este objetivo de diversificar as atrações proposto pela

organização do evento talvez não tenha sido tão bem-vindo pelos participantes

habitués como esperado. Por um lado, a organização do evento preocupou-se,

como percebido, em diversificar as opções dentro do próprio festival,

notadamente marcado pela música eletrônica. Por outro, no entanto, essa

diversificação trouxe inserções que não se integram ao universo da cena

eletrônica.

Norbert Elias traz uma contribuição muito interessante com relação à participação

em sua obra Os Estabelecidos e os Outsiders, apontando que a forma de

apropriação de determinados espaços ou processos é diferenciada para cada um

dos tipos de público. Os “estabelecidos” constituem-se como o grupo que de fato

compartilha o mesmo espaço ritual, com formas, modos e ações características,

enquanto os outsiders se apropriam destes espaços consolidados, mas

apresentam diferentes tipos de fruição, ou seja, não compartilham dos códigos

dominantes destes espaços.

“O que particulariza os ‘outsiders’ é o modo como se apropriam e dão

sentido a festa e a cultura da música eletrônica em geral: estão mais

preocupados em ‘badalar’ do que com a experiência da música.”224

224 Ivan Paolo de Paris FORTANARI, Música Eletrônica e Identidade Jovem: A Diversidade do Local, p. 3.

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Este fenômeno dos outsiders do evento foi bastante comentado nos sites de

relacionamento acompanhados durante a pesquisa. Os participantes habitués, ou,

nas palavras de Elias, os “estabelecidos” demonstraram-se significativamente

incomodados com a invasão progressiva do evento por um público que de fato

não compartilha de seus códigos e que, de acordo com as discussões presentes

no fórum225 relativas a este assunto, contribuem significativamente para que o

evento perca suas características e o seu sentido.

Um outro momento em que a presença destes outsiders no evento ficou bastante

clara foi com a abertura do line-up do Trio Pepsi-X-Eletric, que trouxe, como

comentado anteriormente, uma combinação bastante difusa em sua

programação, que envolveu nomes da música eletrônica em combinações com

outros tipos de música, como o funk carioca e outros encontros musicais

envolvendo, inclusive, nomes da MPB como Ed Motta. Ao iniciar a programação

baseada no funk, o afluxo de pessoas para o espaço em que o trio elétrico estava

posicionado chegou quase a principiar certo tumulto. Nas primeiras batidas do

funk que se espalharam pelo espaço do evento, viram-se centenas de pessoas

aos gritos e em meio à correria, deslocarem-se para o espaço referido. Pode-se

perceber pela reação de muitos, que, por um lado, este público de reação

espontânea não estava em busca da música eletrônica, espalhada pelos demais

espaços do evento e, por outro, muitos daqueles que acompanharam tal reação

identificaram imediatamente que este público não era apreciador da música

eletrônica. Outsiders em busca de badalação, compelidos pelo poder de

225 Cf. www.orkut.com – comunidade: Skol Beats.

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mobilização dos meios de comunicação de massa e do consumo a participarem

deste evento.

Sem sombra de dúvidas, existe uma consciência bastante desenvolvida entre o

grupo que se identifica por meios dos códigos da música eletrônica e das raves.

Existe sim, como pode ser verificado e tem sido observado por meio de

discussões entre os próprios participantes destes grupos226, um senso de

comunidade, de fazer parte da mesma comunidade, - líquida e efêmera, vale

ressaltar, relacionada somente ao fato de apreciarem o mesmo tipo de música, e

que somente se solidifica durante a participação nestes eventos.

No entanto, este vínculo comunicativo somente faz com os mesmos participem

dos mesmos eventos, como dito, estejam presentes; este processo promove a

identificação, criando esta sensação de grupo mencionada, mas não

necessariamente promove a vinculação um-a-um, as trocas individuais. Tudo se

limita, como percebido, às trocas superficiais em grupo. Não há troca com o outro.

A vivência continua sendo individual, e, assim, unilateral.

A Captura pelo Olhar

Norval Baitello Junior, na obra A Era da Iconofagia comenta sobre um mundo

desenvolvido pelo olhar e para se olhar, afirmando que olhar passa a significar

apropriar-se e deixar-se olhar siginifica deixar-se apropriar pelo outro. “Assim, ser

226 Discussões realizadas exclusivamente nos blogs e sites de relacionamento que compõem a ‘cena eletrônica’.

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visto, aparentar, enfim, ser uma imagem, passam a ser o grande imperativo da

era da orientação em seu apogeu”227

Dentro desta lógica, afirma o autor, “não importa ser, importa parecer”.228

A estrutura do megaevento privilegia este fenômeno. Privilegia a aparência, tal

como descreve Herom Vargas no artigo Pop, Espetáculo e Mito: Questões de

Tempo e Espaço, os indivíduos mudam seus figurinos, modificam seus

comportamentos, mobilizam músculos, articulações e posições impossíveis na

vida cotidiana229, preparam-se, montam-se para aparecer ali, atendendo e

respondendo à própria estrutura de excessos destes espaços; tornam-se imagens

cuja única forma de apropriação possível e buscada – vale ressaltar – é a captura

pelo olhar, processo, no entanto, unilateral, sem retorno, sem formação de

vínculos, impossíveis de serem construídos em meio aos milhares de corpos-

imagem imersos na dinâmica dos excessos dos megaeventos.

Apesar da ilusão da proximidade corporal, apesar das milhares de almas – sem

ânima – apesar da multiplicidade de aparatos envolvidos e inseridos na

contextualização do megaevento, gera-se um cenário com características

bastante singulares em função dos frágeis vínculos criados ali, se puderem, tais

processos, serem chamados vínculos; são os vínculos sem consequências, tão

profundamente discutidos por Z. Bauman230. O objetivo está no parecer, no

aparentar, no mostrar e não necessariamente em se relacionar com o outro,

tantos outros, ali presentes.

227 Norval BAITELLO Junior, A Era da Iconofagia, p. 20 228 Idem, p. 21. 229 Herom VARGAS, . In: Revista Comunicarte no. 25. Campinas, Centro de Linguagem e Comunicação - PUC Campinas, 2002. V. 19.

Música Pop, Espetáculo e Mito: Questões de Tempo e Espaço

230 Cf. Zigmunt BAUMAN, Comunidades.

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Poderíamos indentificar um processo quase narcísico, porém, em que o objeto de

desejo está no outro, mas não em um outro qualquer, e sim em um outro que

reflete este primeiro, um outro que espelha, mas ao qual não se consegue ver em

função de própria ânsia de se mostrar – ao olhar para o outro, o que se vê é

somente a própria imagem projetada, refletida no outro.

O outro só é o espelho, somente representa o “estar com” de Cyrulnik, que

garante essa identidade ilusória do “ser” e também ali está com o mesmo objetivo:

mostrar-se, aparecer, aparentar, ser visto. Se o objetivo é aparecer, não é preciso

ver o outro e neste contexto, não há captura possível; não há captura, ou vínculo

possível uma vez que só amo e vejo no outro aquilo que reflete a imagem

“montada” por mim. Neste sentido, retomamos Hanah Arendt que afirma que

somente pela presença do outro “vendo o que vemos e ouvindo o que ouvimos”,

ou seja, compartilhando conosco, existe a garantia da realidade daquilo que se

está vivendo.231

A captura do efêmero se assemelha metaforicamente a captura possível da

velocidade presente na dinâmica urbana. Esta captura acontece no mesmo nível

daquela vivida por um transeunte que circula pela cidade e coloca seus olhos

vagos em milhares de outros que passam rapidamente ao seu lado em direção a

qualquer lugar, sem captura possível, com a básica diferença que este que

trânsita não tem outro objetivo se não chegar a seu destino, enquanto o

participante de um evento essencialmente está ali, retomando o conceito de

participar, para “tomar parte em” e tomar parte prevê, necessariamente algum tipo

de captura.

231 Cf. Hanah ARENDT, A Condição Humana.

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Os eventos, sob esta ótica, constituem produtos profundamente paradoxais.

Quais as capturas possíveis? Quais os vínculos possíveis nestes espaços?

Bauman, em sua obra Comunidade, como previamente discutido, faz uma grande

análise do contexto contemporâneo de comunidade e aponta os diversos

formatos que a velha e tradicional comunidade tomou ao longo do tempo,

discutindo as características que a mesma assumiu na contemporaneidade,

denominando, como dito anteriormente, as comunidades da atualidade de

“comunidades estéticas”, comunidades estas que se formam e dissolvem sem

qualquer aprofundamento das relações, sem qualquer estabelecimento de

vínculos mais estruturados; são comunidades que se formam pela força da

ocasião e que se diluem quando não são mais convenientes, sem que tenha

havido qualquer construção de um relacionamento mais duradouro ou qualquer

relação que faça com que esta comunidade permaneça232.

A dinâmica contemporânea da velocidade, da mídia, da eletricidade, do urbano,

do virtual proporcionam esta vivência sem vínculos e a transição rápida e indolor

entre várias comunidades, sem que conseqüências mais profundas sejam

geradas.

Estes são alguns dos tipos de vínculos possíveis na contemporaneidade. Estas

comunidades estéticas de vínculos de ocasião, como aponta Bauman, vínculos

estes marcados pela efemeridade tão grata à circulação das mercadorias

culturais, contribuem para a formação das comunidades estéticas e os

megaeventos, como dito anteriormente, materializam estes modelos de

comunidades, em meio a uma captura do efêmero, do eventual.

232 Cf. Zigmunt BAUMAN, Comunidades.

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Por outro lado, apesar do esvaziamento que o ‘estar junto’ e a vivência conjunta

sofreram e sofrem na contemporaneidade, tais comunidades estéticas tem uma

contribuição relevante para a comunicação e para a comunidade contemporânea.

Em meio a uma cultura em que valores se alteraram, se perderam, em meio a

uma dinâmica em que ‘o ser’ não mais interessa como ser humano, mas sim

como produtor e consumidor, e destacam-se ‘o parecer’, ‘o aparecer’, ‘ou o ter’

como valores máximos, estes vínculos superficiais, na maioria das vezes,

constituem-se em um dos únicos vínculos possíveis.

Em meio a efemeridade da vivência do megaevento, em meio ao parecer como

maior valor em detrimento ao ser, em meio ao consumir se sobressaindo ao ‘estar

com’, alguns – poucos – podem ainda encontrar a resiliência, encontrar o sentido

que se perdeu.

Pelo princípio hologramático apresentado por Morin em sua obra Introdução ao

Pensamento Complexo233, em que o todo está na parte e a parte está no todo,

algum tipo de sentido, algum tipo de vínculo real possível talvez possa ainda ser

encontrado, já que, como anteriormente discutido, os megaeventos da

contemporaneidade carregam muitos traços que os remetem aos antigos rituais,

eventos estes cujo objetivo estava essencialmente nos vínculos, fossem eles no

sentido da participação coletiva, fossem no sentido de um vínculo com o sagrado,

com a transcendência.

Se esta resiliência irá existir, de fato, há uma dependência única e exclusiva do

próprio indivíduo, que pode encontrar nesta pequena parte que restou, o todo dos

vínculos de outrora. A estrutura do evento ou suas intenções, como percebido,

233 “Num holograma físico, o ponto mais pequeno da imagem do holograma contém a quase-totalidade da informação do objecto representado. Não apenas a parte está no todo, mas o todo está na parte”. Edgar MORIN, Introdução ao Pensamento Complexo, p. 108.

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não propiciam estas oportunidades, mas a presença desta parte do holograma

pode propiciar. A resiliência, no entanto, continua sendo um processo solitário e

individual.

Corpos Estilhaçados: Reflexões sobre a Violência nos

Megaeventos

“Sua auto-alienação atingiu o ponto que lhe permite viver sua

própria auto-destruição como um prazer estético de primeira

ordem”.234

Impossível finalizar – ao menos por hora – esta análise do megaevento Skol

Beats sem que sejam feitas considerações com relação à questão da violência.

Como anteriormente dito, o Skol Beats e demais eventos da ‘cena’ eletrônica

nacional movimentam milhares de pessoas. O Skol Beats 2006, com seus 59.500

participantes representa a população inteira de cidades como Vinhedo, no interior

do estado de São Paulo, e quase o dobro da população da capital do Tocantins –

Palmas, ou seja, representam montantes significativos de pessoas em um mesmo

espaço.

No entanto, ao contrário do que se pode imaginar, o número de atos de violência

é extremamente baixo se comparado a outros megaeventos como o carnaval e

grandes jogos de futebol. Konrad Lorenz discute a questão da agressividade em

234 Walter BENJAMIN, A Obra de Arte na Época de sua Reprodutibilidade Técnica, p. 28.

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situações de aglomeração em sua obra Os Oito Pecados Mortais da Civilização,

afirmando que:

“O amontoamento de muitos homens em pequenos espaços conduz

não só indiretamente, através da exaustão e enfraquecimento das

relações inter-humanas, às manifestações de desumanização, mas

desencadeia ainda imediatamente o comportamento agressivo.”235

Ou seja, o comportamento agressivo seria quase uma resposta à dinâmica

superlotada do espaço. No entanto, não é o que se vê nestes megaeventos, pelo

menos não no sentido de uma agressividade voltada para o outro.

Por outro lado, a quantidade de atendimentos realizados nos postos de

emergência destes eventos em função do uso exagerado - e na maior parte das

vezes combinado - de álcool e drogas é impressionante. Fontes extra-oficiais236

admitiram, inclusive, algumas mortes por overdose durante a realização de

eventos deste tipo. E além disso, outros excessos como o excesso de horas

consecutivas dançando sem cessar, o excesso de luz e de efeitos luminosos, o

excesso de som com seus milhares de watts de potência também agridem este

corpo exposto ao evento.

A violência contra o próprio corpo é exacerbada, e considerada contra o próprio

corpo uma vez que nasce do livre arbítrio deste participantes, que livremente

escolhem estar ali, escolhem expor-se a tudo isso.

235 Konrad LORENZ, Os Oito Pecados Mortais da Civilização, p. 21. 236 Informações obtidas extra-oficialmente com atendentes do corpo de bombeiros que trabalharam durante o evento e que preferiram não ser identificados.

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Questiona-se, desta forma, o que “regula” a violência contra o outro, sempre

minimizada ou quase inexistente, mas, ao mesmo tempo, permite e incita a

violência contra si mesmo em função dos excessos destes megaeventos?

Como anteriormente comentado, o sentido de comunidade é presente nestes

espaços, dentro do princípio do PLUR (Paz, amor, unidade e respeito), o que,

hipoteticamente, pode ser considerado uma primeira justificativa para este

comportamento coletivo bastante apaziguado ou ainda, anestesiado.

K. Lorenz traz uma contribuição neste sentido, uma vez que, também na obra Os

Oito Pecados Mortais da Civilização, discute que a primeira reação do ser

humano à superpopulação, o que se poderia aplicar também às massas, é a

imunização voluntária, a anestesia perante o outro. Não há violência porque há

anestesia e imunização dos contatos. Não há violência porque os excessos dos

megaeventos sequer permitem que se tenha uma consciência do outro, além de

si mesmo. Os excessos promovem o desaparecimento dos corpos, da dimensão

corpórea e real da presença do outro.

Por outro lado, como dito, é impossível que não seja detectada um tipo de

violência bastante específica, a violência contra o próprio corpo, levado à

extremos em termos de número de horas em que se permanece nestes eventos,

ou mesmo pela própria agressão promovida pelo ambiente, em função dos

milhões de watts de som e luz a que se está submetido, bem como pelo consumo

exacerbado de drogas e bebidas.

Obviamente, é necessário questionar também se existe, de fato, uma consciência

desta “auto-violência” ou se, simplesmente, essa agressão é uma consequência

da qual os participantes sequer se dão conta; as mortes por overdose são

acidentes derivados da busca pela diversão.

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Corpos anestesiados, ou seja, desprovidos de sentido e sensações além de não

perceberem o outro, perdem também a propriocepção, o sentido de si mesmo e,

conseqüentemente, a percepção das agressões a que estão se expondo.

Em um meio em que todos se encontram imunizados, imunizados das relações,

imunizados da presença dos outros, não há violência possível para com o outro,

mas há a materialização da violência consigo próprio, possivelmente em resposta

a esta profunda carência que a ausência de vínculos humanos provoca, muito

devido a nossa necessidade biológica, de nossa condição humana de construir

vínculos para sobreviver.

Esta violência gerada pela busca de algo extraordinário – do contato com o

trascendente - vem como resposta para o vazio do mundo, o vazio das relações,

o vazio em todos os sentidos que invade o universo das relações, do trabalho e

também do lazer.

Norval Baitello Junior, em sua obra A Era da Iconofagia comenta sobre o “corpo-

bomba”, que, conforme afirma, trata-se de um dos modelos de corpo de nosso

tempo.

De acordo com o autor, o corpo-bomba tem como característica a necessidade de

superar sua condição material e visível, tornando-o inefável e invisível, imaterial

como os deuses, ou então, destruí-lo transformando-o em imagem em pró de

deuses da religião.

Contemporaneamente, estas manifestações também acontecem ligadas a outros

deuses tal como trabalho, moda, esporte etc.237

237 Cf. Norval BAITELLO Junior, A Era da Iconofagia, p. 59-60.

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Comenta ainda que a explosão do corpo-bomba objetiva se transformar em

acesso direto ao futuro em glória e luz, para dar passagem irrestrita e imediata a

uma condição imagética divina, sendo um corpo cuja aspiração principal está em

libertar-se de sua condição de animalidade, um corpo que nega sua corporeidade

e cuja dinâmica é a revelação.

Metaforicamente, o corpo-bomba muito se aproxima do corpo do participante do

evento em seu processo de autodestruição, neste processo em que o próprio

indivíduo se coloca, em que se procura romper todos os limites, em que se

cruzam as linhas do plausível, do aceitável, justificando-se, tais processos, pela

busca do contato com um espaço fora do comum – “sagrado” – por meio de uma

pseudo-transcendência que só pode se dar através do desligamento com a

corporeidade deste corpo.

A explosão, felizmente (ou não), na maior parte das vezes é metafórica, ligada

aos períodos de estados alterados por meio dos alucinógenos. Não se concretiza,

de fato, por não destruir completamente.

Por outro lado, comporta-se como uma explosão lenta, ou melhor, por uma

autodestruição lenta, pausada, realizada em pequenas doses, distribuídas em

cada evento.

É um processo tão destrutivo quanto o corpo-bomba, mas infinitamente mais

dolorido, pois cada estilhaço, cada parte rompida, desliga-se do corpo lentamente

e lentamente vai tomando o espaço, para também lentamente, causar mais

danos, biológicos e sociais.

Em uma explosão de corpo-bomba, como os diversos atentados que acontecem

freqüentemente, são os estilhaços que, na verdade, causam os danos mais

profundos.

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São estes estilhaços, no caso dos megaeventos que, metaforicamente, se

espalham lentamente pela cultura, destruindo os contatos reais, fortalecendo as

ligações com o universo virtual, enfraquecendo mais e mais a comunicação e

fortalecendo, na mesma medida, a lógica do desktop, da solidão, da interação

com o nada, do isolamento, do parecer ao invés do ser, materializando a

incomunicação.

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CCoonnssiiddeerraaççõõeess FFiinnaaiiss

Eventos são comunicação. A comunicação constitui sua essência, seu objetivo e

seu fim. Comunicar uma mensagem, como os tantos encontros e palestras,

apresentar uma marca, como o caso dos lançamentos e dos eventos de marca,

demonstrar a força e a crença de um grupo, como as manifestações, as paradas,

e os encontros religiosos, comunicar à sociedade de forma solene e,

conseqüentemente legitimada, a união entre pessoas, um nascimento, uma morte

além dos mais diversos rituais sociais que permanecem vivos na sociedade

contemporânea, participar de um grande festival, são apenas algumas das formas

em que podemos vivenciar estes importantes produtos culturais, que vêm se

transformando, sendo alimentados e retroalimentando a sociedade na qual os

mesmos estão inseridos, refletindo as imagens da contemporaneidade.

Os eventos, como dito anteriormente, evoluíram ao lado da comunicação e, tal

como esta, mergulharam nas características da lógica da cultura do consumo e da

mídia. Em função disso, assumiram novas formatações e o ‘mega’ surge neste

contexto, respondendo também a demanda das próprias comunidades, cada vez

mais anestesiadas, necessitando de estímulos cada vez maiores para que

pudessem, ainda que de forma unilateral, buscar algum sentido no processo

como um todo.

De participantes, do ‘tomar parte em’, pessoas passaram a espectadores,

espectadores estes cuja presença coletiva nada mais significa, cuja presença do

outro não remete mais ao encontro, a convivência, ao vínculo.

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“O que liga os espectadores é apenas uma ligação irreversível com

o próprio centro que os mantêm isolados. O espetáculo reúne o

separado, mas o reúne como separado. (grifo do autor)”238

Os megaeventos, manifestações espetaculares da contemporaneidade, produzem

a sensação de reunião, uma vez que propiciam a presença corpórea coletiva. No

entanto, sua estrutura não é pensada para promover o encontro, a reunião de

fato, o vínculo.

Se eventos são uma forma de comunicação e comunicação prevê vínculo,

eventos necessariamente devem prever a possibilidade da criação destes

vínculos. A qualidade do evento, seu resultado, dependerá da qualidade dos

vínculos ali criados, sejam eles de qualquer natureza: comerciais, sociais,

profissionais, de entretenimento etc. Assim, a comunicação dos eventos é muito

mais profunda do que somente a presença corpórea em um mesmo espaço.

Somente esta presença não garante a comunicação. A comunicação prevê

encontro e encontro prevê troca, prevê “captura”, em função da própria

porosidade do humano, conforme comentado anteriormente.

“ A sensorialidade do encontro é codificada com rigor. Não se trata

de uma massa informe em que os sentidos nos empurrariam uns

para os outros, como um impulso amorfo no qual o acaso instigador

petrificasse as relações. Pelo contrário, todos os sentidos têm um

sentido”239

238 Guy DEBORD, A Sociedade do Espetáculo, p. 23. 239 Boris CYRULNIK, Os Alimentos do Afeto, p. 43.

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A presença da massa, da coletividade, não garante a vivência da captura

necessária à criação dos vínculos, não dá este sentido, não permite que isso, de

fato, aconteça, o que precisa, sem sombra de dúvidas, ser repensado e retomado.

“Nenhum homem é uma ilha”, disse John Donne. “Somos seres gregários e

comunicantes”, afirmou Malena Contrera”. A presença do outro, sendo o outro

aquele que me constrói como ser, o encontro. Todos estes elementos refletem a

condição humana mais essencial: precisamos nos comunicar para sobreviver. “O

encontro cria um campo sensorial que me descentra e me convida a existir, a sair

de dentro de mim para viver antes da morte.”240

A comunicação, o encontro, os vínculos, tal como afirma Cyrulnik, são vida e esta

vida precisa ser repensada. É preciso que se repense como a comunicação tem

sido trabalhada nos mais diversos espaços em que ela acontece e, dentre estes,

nos megaeventos.

Os megaeventos musicais, conforme apresentado, refletem inúmeras

características da cultura contemporânea, e compõem, como comentado, as

raízes da cultura, raízes estas que ainda mantêm a memória dos antigos rituais.

Ao longo desta pesquisa, pode-se perceber que estes reflexos são, inclusive,

muito preocupantes, se persarmos nas relações entre os indivíduos e nas

próprias caraterísticas condicionantes do humano, essencialmente gregárias e

absolutamente dependentes dos vínculos comunicativos.

As características embasadas em excessos, a efemeridade dos eventos, o estado

líquido das relações e a impossibilidade da construção de vínculos aqui

detectadas como marcas destes produtos culturais precisam ser profundamente

240 Boris CYRULNIK, Os Alimentos do Afeto, p. 44.

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analisadas e consideradas, já que, enquanto produto cultural contemporâneo, os

megaeventos constituem-se também reflexos da nossa sociedade.

Por outro lado, não podemos ignorar que este formato não tenha aspectos

positivos. Um deles, que deve ser considerado com relação à estrutura atual dos

megaeventos está ligado ao fato de que por mais efêmeras e líquidas que as

relações construídas nestes espaços possam parecer, são os vínculos ou

pseudo-vínculos possíveis para grande parte da pessoas que, na mesma medida

que os mais diversos produtos culturais, encontram-se imersos na lógica da

contemporaneidade, marcada pela incorporeidade, pelas comunicações

eletronicamente mediadas e pela cultura dos excessos.

“A incorporeidade potencializada da terceira revolução das forças

produtivas, a eletrônica, encontra claramente resposta numa

multiplicidade de formações simbólicas e sintomáticas do corpo”241.

A revolução eletrônica transforma a comunicação, transforma os

comportamentos, transforma e reflete-se nos corpos, transforma os eventos em

megaeventos.

De acordo com Norval Baitello Júnior, no artigo O Tempo Lento e o Espaço Nulo

– Mídia, Primária, Secundária e Terciária242, graças aos sistemas e redes

elétricos puderam ser desenvolvidos todos os grandes sistemas contemporâneos

de comunicação terciária. Estes sistemas se caracterizam pela relativização do

espaço (e até sua anulação), tornando irrelevante a dimensão do transporte físico

241 Dietmar KAMPER, Corpo, disponível em www.cisc.org.br , p. 5 242 Norval BAITELLO Júnior “Tempo Lento e Espaço Nulo – Mídia Primária, Secundária e Terciária” Artigo disponível no site do Centro Interdisciplinar de Semiótica da Cultura e da Mídia – www.cisc.org.br.

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de suportes ou portadores de mensagens. A mídia eletrônica provocou uma

aceleração do tempo e das sincronizações sociais. Os ritmos, ditados pela espera

na mídia impressa, se aquecem na terciária, trazendo alterações

comportamentais importantes, mudanças que se refletem nos mais distintos

setores da vida do homem, bem como nos mais diversos produtos culturais.

Essa radical modificação, no contexto dos megaeventos, que acontece paralela

às mudanças na comunicação em si, estaria tornando estes espaços de vivência,

espaços de incomunicação?

Nosso objetivo limitou-se a entender os ambientes comunicativos surgidos nos

espaços dos eventos e megaeventos, produtos culturais recriados em meio a

dinâmica contemporânea, a partir das festas, dos encontros, dos rituais, das

cerimônias, dos grupamentos de pessoas relacionados à condição humana

naturalmente gregária, e que se estruturaram com o objetivo máximo de

comunicar, - e de comunicar as massas, ou em massas, retroalimentando a lógica

das massas, dos excessos, cheia de lacunas, vazios, de não-vínculos.

O megaevento comporta-se como o espaço dos excessos, característica, como

afirma o Prof. Dr. Norval Baitello Júnior, dos espaços habitados pela

incomunicação.

Primeiro excesso: o excesso de pessoas - o número de pessoas é imenso, são

milhares de seres humanos reunidos em um só espaço em meio à uma busca

abstrata, incorpórea, imersos em um universo de sons ensurdecedores. Segundo

excesso: o som – milhares de watts de potência, orgulham-se os organizadores.

Luzes descontroladas giram para todos os lados, mudando de tonalidade, de

velocidade, de intensidade, lasers, canhões, constituindo o terceiro excesso: o

excesso de luz, compostas ao lado das imagens, que demarcam o quarto

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excesso: o excesso de imagens. Exibidas por meio de telões de todos os

tamanhos trazendo imagens desconexas, em intenso e vertiginoso movimento,

lançadas aos atentos olhares da multidão – muitas vezes enlouquecida -

resultando no quinto excesso: o comportamento – a exacerbação de

comportamentos.

“Muitos são os nomes da incomunicação e muitos são os espaços

em que está inteiramente a vontade. E é inútil pensar que ela age

somente na surdina, nos bastidores e em silêncio. Sobretudo nos

excessos é que ela se faz presente. No excesso de informação, no

excesso de tecnologia, no excesso de luz, no excesso de zelo, no

excesso de visibilidade, no excesso de ordem. Vivemos (e

morremos) nos excessos do tempo e no tempo dos excessos.”243

Em meio a estes excessos, que caracterizam a incomunicação e que estão tão

presentes nos megaeventos, percebe-se que a comunicação torna-se impossível.

Como se comunicar em um espaço com tais características? Como manter a

comunicação em um espaço cuja estrutura está direcionada ao hiperestímulo, aos

tantos excessos?

A fala, a comunicação verbal, se torna impossível, visto o som ensurdecedor –

excesso de som.

A comunicação gestual, corporal, é massacrada pela falta de espaço físico, em

meio a corpos anestesiados pela ausência de espaço, corpos espremidos,

esmagados, aturdidos, impossibilitados de se movimentar livremente. Corpos

243 Norval BAITELLO Junior (org.), Os Meios da Incomunicação. p. 9.

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sedados, com seus sentidos anulados – excesso de pessoas. De acordo com Z.

Bauman “a proximidade já não garante a intensidade da interação; e o que é mais

grave, não se pode confiar na duração de qualquer interação que surja da

proximidade”244, ou seja, a proximidade, ao contrário do que se poderia esperar,

não é capaz de gerar o vínculo comunicativo.

“O amontoamento de muitos homens em pequenos espaços

conduz não só indiretamente, através da exaustão e

enfraquecimento das relações inter-humanas, às manifestações de

desumanização. Na hipótese de se vir a acentuar mais esta

imunização voluntária contra os contatos humanos, acabará por

conduzir, em associação com os fenômenos de extenuação do

sentimento, às terríveis manifestações de apatia e a necessidade

de ‘not to get envolved’245. Devido às massas dos que estão perto,

demasiado perto de nós, torna-se tão rarefeito o nosso amor ao

próximo que deixa de evidenciar-se nos seus indícios.”246

O amontoamento, como aponta Lorenz, é fator de imunização, e esta, por usa

vez, fator de desumanização. O processo extingue os contatos e impinge a

apatia, excluindo ou tornando inócuo qualquer vínculo, afeto ou manifestação de

amor em meio à dinâmica da proximidade exacerbada.

“A proximidade física e a estreiteza de espaço tornam a distância

mental mais visível. (...) Sob certas circustâncias a pessoa em

244 Zygmunt BAUMAN, Comunidades, p. 79. 245 Tradução: não se envolver 246 Konrad LORENZ, Os Oito Pecados Mortais da Civilização, p. 21.

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nenhum lugar de sente tão solitária e perdida quando na

multidão.”247

A visão, por sua vez, se perde, atraída pelas imagens repetidas infinitamente em

enlouquecido movimento, pelas luzes – pelo excesso de luz e imagens.

“Extinguem-se a visão, o som, o sabor, o tato e o olfato, e junto com

eles vão-se também as sensibilidades estética e ética, os valores, a

qualidade, a alma, a consciência, o espírito. A experiência como tal

é expulsa do domínio do discurso científico (...) tivemos que destruir

o mundo em teoria antes que pudéssemos destruí-lo na prática”248

Em meio a esta anestesia compulsiva - anestesia aqui entendida por sua raiz

etimológica ligada a palavra aisthétikos249, ou seja anestesia como ausência de

sentidos, movimentam-se corpos descontrolados, que, tal como as imagens

exibidas velozmente nos telões, convertem-se em imagem, também em frenético

movimento; a corporeidade dos sentidos se esvai, tomada pela ausência de

sentidos gerada pelos excessos do megaevento, marcado por um quase

comportamento zumbi – em massa – comportamentos excessivos250.

247 Georg SIMMEL, A Metrópole e a Vida Mental, p. 13. In: Otávio Guilherme VELHO, O Fenômeno Urbano. 248 F. CAPRA citado em Malena Segura CONTRERA, Mídia e Pânico, p. 64. 249 De acordo com Malena Segura Contrera a origem etimológica da anestesia é: do grego aisthétikós, “suscetível de perceber-se pelos sentidos”, derivado de aisthésis, “faculdade de percepção pelos sentidos” Anestesia, 1884, de aisthésis, com prefixo privativo. Mídia e Pânico, p. 64. 250 “Os indivíduos mudam seus figurinos, modificam seus comportamentos pela cadência rítmica, mobilizam músculos, articulações e posições impossíveis na vida cotidiana, embriagam-se para comungar com o êxtase, ultrapassam suas medidas e forçam seus próprios limites. O metabolismo dos corpos modifica-se inevitavelmente, pois a fruição orgânica do evento supra os padrões racionais de contemplação.” Herom VARGAS. Música Pop, Espetáculo e Mito: Questões de Tempo e Espaço, p. 152.

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São fantasmas movimentando-se compulsivamente. As pessoas não se

enxergam umas as outras, não se vêem, visto estarem presas a todo este

contexto. Os pequenos momentos de contato físico passam despercebidos.

Quando acontecem comportam-se com toda a volatilidade do próprio evento. São

efêmeros, vazios.

Os vínculos, vínculos de ocasião, “vínculos sem conseqüências”, como são

chamados por Z. Bauman, são também proporcionalmente vazios, esvaziados de

sentido, consolidados sobre o efêmero e perene momento do evento, sem

aprofundamento, sem enlaçamento, sem enredamento, sem troca. Se criam e

desaparecem na mesma lógica volátil do espaço-tempo do megaevento.

Os “vínculos”, (aqui entre aspas por serem, de fato, pseudo-vínculos), que

perduram são os da participação – espelhada nos produtos de consumo: “eu

estive lá!”, “participei!”, mas em uma participação tal qual descreve Edgar Morin:

“A cultura de massa quebra a unidade da cultura arcaica na qual

num mesmo lugar todos participavam ao mesmo tempo como

atores e espectadores. Ela separa fisicamente atores e

espectadores. O espectador somente participa fisicamente do

espetáculo – presença esta que é ausência: o elo imediato e

concreto se torna uma ‘teleparticipação’ mental.”251

O megaevento concebe a participação que não é, de fato, participação. O

participante não é ator da ação. São espectadores, milhares deles, “presentes”,

251 Edgar MORIN. Cultura de Massa no Século XX – Volume I: Neurose, p. 62.

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ou, ao menos, de corpo presente, neste espaço, compondo uma massa uniforme

sem consciência individual, mas também sem participação mental de fato.

Enquanto os rituais possuíam atores, que inferiam e interferiam nos

acontecimentos, os megaeventos consolidam-se como espaços para serem

assistidos, observados.

Os corpos presentes, que poderiam confirmar-se como manifestações da mídia

primária, definida, tal como aponta Norval Baitello Júnior, em sua obra A Era da

Iconofagia, como a mídia que nasce no corpo, por meio da intensa troca de

informação que acontece quando duas pessoas se encontram, consolidando-se

como a mídia mais rica e mais complexa, de sensorialidade múltipla e

sensualidade potencial252, perde seu sentido. A experiência do mega, a “mega-

presença” coletiva, anula esta tão rica mídia, já que a mesma trata-se de uma

mídia presencial, que, como afirma o autor, exige que se esteja no mesmo espaço

e no mesmo tempo que o interlocutor.

Os corpos, presentes no espaço do megaevento, estão em tempos e espaços

bem diferenciados, afastados, desconexos, vazios, isolados. Esta presença afasta

não só corpos – materialmente presentes – mas as almas, o ânima – aquilo que

anima, que dá vida – são fantasmas, presentes, mas ausentes – imagens sem

corpos e corpos sem imagens, incomunicando, já que esvaziados de sua

essência. “As imagens são monumentos da vida que se foi” afirma Dietmar

Kamper em seu artigo “Corpo”253; o corpo, esvaziado de seu sentido primeiro, de

sua matéria, de sua condição humana de carregar em si o ânima, a alma, divaga

no vazio do megaevento, vazio este inundado de excessos.

252 Norval BAITELLO Junior, A Era da Iconofagia, p. 21-23. 10 Dietmar KAMPER, Corpo, disponível em www.cisc.org.br , p. 4

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“Morremos no excesso” afirma Norval Baitello Júnior254. O espaço do

megaevento é o espaço do excesso. Se excesso é também sinônimo de

incomunicação, já que impossibilita o tempo lento, a percepção, a decifração, o

megaevento é, na mesma medida, incomunicação.

Não é o silêncio do discurso do indivíduo255 como afirma Eduardo Peñuela

Canizal, e também não é o silêncio do espaço, marcado pelos sons

ensurdecedores, mas sim o silêncio entre os corpos, são as lacunas de sentido,

os vazios da impossibilidade, pontes que não são construídas sob o abismo dos

excessos.

Mas como pode estar vazio, em um espaço tão cheio? Os mega, os milhares, os

milhões de pessoas que não se olham, não se vêem, não interagem, compõem

este vazio definitivo. A falta de interação, por si só, é sinônimo de incomunicação.

É o espaço do estímulo exagerado, que anula. Anula, inclusive a possibilidade

comunicativa, objetivo do próprio espaço.

Luis Carlos Iasbeck em seu artigo A Incomunicação da Loucura256, comenta que

algumas loucuras levam o sujeito a eliminar simbolicamente o outro em favor da

exacerbação da auto-referencialidade. O espaço do megaevento elimina

completamente a visão de outro, a alteridade, mas por certo não concretiza uma

patologia, uma loucura. Consolida-se como a busca frustrada de um grande

estado alterado de consciência.

254 Norval BAITELLO Junior (org.), Os Meios da Incomunicação. p. 10. 255 De acordo com Eduardo Peñuela, o silêncio fornece mais informações do que o texto explícito. Eduardo Peñuela CANIZAL, O Silêncio nos entremeios da Cultura e da Linguagem In: Norval BAITELLO Junior (org.), Os Meios da Incomunicação, p. 15. 256 Luis Carlos IASBECK, A Incomunicação da Loucura In: Norval BAITELLO Junior (org.), Os Meios da Incomunicação, p. 37.

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O espaço do megaevento é assim o espaço das aparências, ou da visibilidade. A

auto-referencialidade tão primada pelos participantes se multiplica em seus trajes,

suas maquiagens, em todo o preparo que despendem para estar neste espaço.

Suas vestes – na maior parte das vezes tão diferentes das usadas no dia-a-dia

são pensadas para torná-los diferenciado e para fazê-los serem vistos. Ser visto,

no entanto, em um espaço cujas atenções pertencem a outras dimensões, a

outros tempos-espaços, como anteriormente comentado – não dá resultado. O

tentar ser visto em um espaço que não está preparado para permitir estas

relações da comunicação embasada na mídia primária consolida a dinâmica do

megaevento.

De acordo com Tzvetan Todorov, na obra A Vida em Comum: “desde que vivem

em sociedade os homens sentem a necessidade de atrair o olhar dos outros

sobre si. Os olhos são órgãos especificamente humanos: cada um começou a

olhar os outros, querendo também ser olhado”,257 ser visto. Mas para que este

“ser visto” tenha sentido para estes participantes, permeia também o “ser

reconhecido” e este ser reconhecido, ainda de acordo com Todorov tem como

princípio “a relação”.

“Nenhum castigo físico mais diabólico poderia ser concebido, se

fosse fisicamente possível, do que ser largado na sociedade e

permanecer totalmente despercebido por todos os membros que a

compõe”.258

257 Tzvetan TODOROV, A Vida em Comum, p. 25. 258 Idem, p. 71

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Ser visto e ser reconhecido, a visibilidade, portanto, caracterizam também

condições humanas, como aponta Todorov, condições que criam relação,

compõem-se em uma relação, promovem o encontro, consolidam vínculos, mas

que não são situações presentes no universo dos megaeventos. O megaevento é

vivido individualmente, vivido por cada um, separadamente. Apesar da massa

presente, não permeia a vivência coletiva. Os excessos, a estrutura,

praticamente, como anteriormente comentado, incentivam a vivência individual, a

participação somente, uma busca sem aprofundamento, sem valência, de fato,

sem vínculo. No momento em que o indivíduo não consegue – ou está

impossibilitado – de ver o outro, de perceber o outro, não há vínculos possíveis.

Só o vazio é possível, as lacunas, só os espaços, só a dança livre da

incomunicação.

“É verdade que o amontoamento gregário de massas humanas (...)

tem grande parte da culpa se, na fantasmagoria das eternamente

fluidas, mutuamente asfixiantes e obscurecentes imagens do

homem, não mais conseguimos contemplar o rosto do próximo”259

O megaevento, portanto, cujos objetivos focam-se em comunicar, em consolidar-

se como um ‘meio de comunicação’, capaz de transmitir mensagens, capaz de

unir, capaz de agregar, de reproduzir, tal como os antigos rituais e os primeiros

eventos, a lógica do gregarismo nato do humano, comportam-se, na verdade,

como um meio de isolamento, criando pseudo-vínculos, inócuos, vazios, sem

sentido, sem valor.

259 Konrad LORENZ, Os Oito Pecados Mortais da Civilização, p. 20.

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Dos megaeventos de nosso tempo ficam – ou restam - as imagens - mais

imagens – sem sentido, registradas digitalmente e armazenadas no espaço virtual

– sites eliminam também a materialidade da própria imagem, da velha fotografia.

As imagens, agora completamente inseridas na nulodimensionalidade de Vílem

Flusser260, complementam a incomunicação do megaevento. Bóris Cyrulnik,

citado em Norval Baitello Junior., “escreve sobre a ‘captura sensorial visual’ que

hipnotiza e imobiliza, ao contrário da captura sensorial olfativa, tátil e gustativa”261.

Esta captura visual seria somente capaz de criar mais déficits, mais lacunas, mais

vazios. Vínculos somente seriam construídos se possível uma captura sensorial

profunda e mais completa.

“Os efeitos sobre a pluralidade da existência sensorial são com

certeza imprevisíveis, por que o processo atua sobre as bases da

propriocepção, gerando um corpo que apenas se vê quando é visto,

se observa quando é observado, jamais se sente por que não pode

ser sentido.” 262

O corpo presente no megaevento sem sentido, sem vínculo, sem propriocepção é

o corpo que perdeu sua capacidade de comunicar. É o corpo mergulhado na

incomunicação.

Em uma metáfora para o processo comunicativo, Malena Segura Contrera, afirma

que “os vínculos são a matéria-prima de toda a comunicação humana, as veias

260 O conceito de nulodimensionalidade encontra-se no texto: Vilém Flusser e a Terceira Catástrofe do Homem ou as Dores do Espaço, a Fotografia e o Vento de Norval Baitello Junior. Texto inédito. 261 Boris CYRULNIK APUD Norval BAITELLO JUNIOR, As núpcias entre o nada e a máquina, p. 5. 262 Norval BAITELLO Junior, O Olho do Furacão, disponível em www.cisc.org.br, p. 6-7.

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por onde circulam as informações, e que garantem a sobrevivência do indivíduo e

do grupo”263. Contrera usa ainda a metáfora dos anjos – como mediadores,

embasada nas teorias do filósofo Michell Serres (1995), que discute a natureza

simbólica das mediações através da analogia ao mundo dos anjos e sua função

mediadora, questionando, com base na teoria de Serres “o que acontece quando

o anjo obscurece a mensagem que porta para evidenciar a si próprio? O que

ocorre quando o mensageiro adquire maior importância do que a mensagem

(função vinculadora) que ele aporta?”264

As manifestações de incomunicação percebidas no universo dos megaeventos

são análogas a esta situação. Os anjos – os megaeventos – adquiriram

importância maior do que a mensagem que aportam e, consequentemente,

anularam seu poder comunicativo, sua função de comunicar e conseqüentemente

de vincular.

De acordo com Norval Baitello Junior, citado em Malena Segura Contrera,

“vincular significa ter ou criar um elo simbólico ou material, constituir um espaço

(ou um território) comum, base primeira para a comunicação”265.

Os megaeventos contemporâneos, por sua vez, apesar de colocarem os corpos

em um espaço comum não têm sido capazes de criar o elo simbólico necessário

para que o vínculo se estabeleça, para que o encontro aconteça, deixando, desta

forma, que a incomunicação reine livremente, envolva a todos e alastre seus

vazios, suas lacunas e suas pontes não construídas.

263 Malena Segura CONTRERA, Mídia e Pânico, p. 41. 264 Idem. p. 67. 265 Idem. p. 39.

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www.pragnatecno.com.br

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www.skolbeats.com.br

www.terra.com.br

www.uol.com.br

www.usp.br/sibi

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AAppêênnddiicceess

Tipologia de Eventos

Banquetes,

Almoços e Jantares Conferência Festas Reunião

Assembléia Congressos Fórum Road-show

Brunch Convenção Happy Hour Roda de Negócios

Casamentos Coquetel Inauguração Salão

Batizados Debate Jornada Semana

Aniversários Desfile Lançamentos Seminário

Formaturas Dias Específicos Leilão Show

Campeonato Encontro Mesa Redonda Simpósio

Ciclo de Palestras Entrevista Coletiva Mostra Teleconferência ou

Videoconferência

Concílio Excursão Oficina Torneio

Colóquio Exposições Olimpíada Vernissage

Conclave Feiras Painel Visitas (Open Day)

Concurso Festivais Palestras Workshop

179

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Painel para fotos.

Fonte: Marcela Moro

Telões e Iluminação Palco Tribe

Fonte: Marcela Moro

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Palco Live Stage – Prodigy

Fonte: Marcela Moro

Palco Live Stage – Participantes registrando imagens do evento

Fonte: Marcela Moro

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Telões Palco Tribe – Imagens Desconexas

Fonte: Marcela Moro

Line-up do Evento

Fonte: Marcela Moro

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Disponível em:

http://www.aba.com.br/premioabanet2006/site/cases/skolbeats.htm

5º. Prêmio ABANET - Associação Brasileira de Anunciantes

Case: Skol Beats

Categoria: Campanha de Comunicação On-line

Anunciante: Skol Beats

Desenvolvimento: Garage Interactive Marketing

Os objetivos da marca com o novo portal e com as interações eram:• Aumentar e estender o DNA da marca Skol Beats além do evento, durante o ano todo.• Criar diversos pontos de aproximação, uma forte interação com Mobile, bem como com outros canais de comunicação com consumidores do Skol Beats que não foram explorados em 2005.

Objetivo

• Reinventar a experiência da internet do Skol Beats tornando o site o ponto de aproximação.

Estratégia Para a comunicação atingir cada um dos 60 mil espectadores, as estratégias usadas foram a interatividade e o cross entre on-line e off-line, com interfaces para o celular, internet, painel interativo de rua e tecnologia em anúncios de revistas e jornais.

Performance

Duração: o novo portal foi para o ar um mês antes do evento (abril de 2006) e é atualizado diariamente ao longo do ano com notícias, matérias, downloads e videocasts.

• Público primário: jovens de 18 a 24 anos, classe A, B e C+. • Público secundário: pessoas acima de 24 anos, com comportamento jovem e que gostam de música eletrônica. • Foram investidos cerca de R$ 300.000,00 no portal Skol Beats.

Tecnologia

CÓDIGO REDONDO, um símbolo gráfico que foi exposto em alguns pontos do evento, anúncios de revistas e jornais. Ao ser fotografado por um celular, direcionava os usuários para o conteúdo exclusivo do portal Skol Beats - screensavers, ringtones, wallpapers - no próprio celular, atualizado em tempo real. Para desfrutar desta inovação os usuários deveriam baixar um aplicativo no site do Skol Beats (ou por WAP) e, durante o evento, via bluetooth. PAINEL INTERATIVO, um grande painel eletrônico, instalado numa das principais avenidas de São Paulo, permitiu aos fãs do festival votarem durante 15 dias na sua tenda ou palco preferido, pelo celular. No ato, o usuário era presenteado com um ringtone exclusivo do DJ Marky. Os votos computados em tempo real eram apresentados num score em números absolutos e representados graficamente no painel iluminado. No dia do evento, o painel foi transferido para o Anhembi, onde a votação continuou e o público também pôde conferir as tendas mais badaladas com milhares de votos. Quem votou durante o evento concorreu ao sorteio de diversas camisetas exclusivas Skol Beats. LINE-UP, por meio do portal Skol Beats (www.skolbeats.com.br), o usuário pôde montar um line-up personalizado do evento – a partir da programação completa – e baixá-lo em formato de aplicativo, por download via site ou celular, através do portal WAP. Este aplicativo também dava acesso ao mapa do evento no aparelho. No dia do evento, o usuário recebia mensagens de texto 15 minutos antes da apresentação das atrações escolhidas, nome da atração e do local da performance.

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