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José Wiliam Corrêa de Araújo, OFMCap. A noção de consciência moral em Bernhard Häring e sua contribuição à atual crise de valores Tese de Doutorado Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Teologia da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Teologia. Orientador: Prof. Dr. Nilo Agostini, OFM. Rio de Janeiro, março de 2007

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José Wiliam Corrêa de Araújo, OFMCap.

A noção de consciência moral em Bernhard Häring e sua contribuição

à atual crise de valores

Tese de Doutorado

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Teologia da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Teologia.

Orientador: Prof. Dr. Nilo Agostini, OFM.

Rio de Janeiro, março de 2007

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José Wiliam Corrêa de Araújo

A noção de consciência moral em Bernhard Häring e sua contribuição à atual crise de valores

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Teologia do Departamento de Teologia do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Prof. Nilo Agostini Orientador

Departamento de Teologia – PUC-Rio

Prof. Alfonso Garcia Rubio Departamento de Teologia – PUC-Rio

Profa. Jenura Clothilde Boff Departamento de Teologia – PUC-Rio

Prof. Márcio Fabri dos Anjos Instituto Teológico São Paulo

Profa. Maria Inês de Castro Millen ITASA

Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade Coordenador Setorial de Pós-Graduação e Pesquisa do

Centro de Teologia e Ciências Humanas – PUC-Rio

Rio de Janeiro,

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da Universidade, do Autor e do Orientador.

José Wiliam Corrêa de Araújo, OFMCap. Graduou-se em Ciências Econômicas na Universidade Federal de Juiz de Fora em 1985. Especializou-se em Engenharia Econômica e Administração Industrial na Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1992. Graduou-se em Teologia na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro em 2000 e recebeu o título de Mestre em Teologia na mesma Universidade em 2002. Participou de diversos congressos na área de Teologia. É membro da Sociedade Brasileira de Teologia Moral, desde 2005.

Ficha Catalográfica

CDD: 200

CDD: 200

Araújo, José Wiliam Corrêa de A noção de consciência moral em Bernhard Häring e sua contribuição à atual crise de valores / José Wiliam Corrêa de Araújo ; orientador: Nilo Agostini. – 2007. 2 v. ; 30 cm Tese (Doutorado em Teologia) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007. Inclui bibliografia 1. Teologia – Teses. 2. Modernidade. 3. Pós-Modernidade. 4. Crise de valores. 5. Concílio Vaticano II. 6. Bernhard Häring. 7. Moral Renovada. 8. Consciência moral. 9. Compromisso cristão. I.Agostini, Nilo. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Teologia. III. Título.

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Agradecimentos

À Ordem dos Frades Menores Capuchinhos e, especialmente, à Província

Nossa Senhora dos Anjos, à qual pertenço, pelos incentivos oferecidos.

Ao Prof. Dr. Nilo Agostini, pelo constante estímulo e, acima de tudo, a

confiança depositada.

Ao Prof. Dr. Sabatino Majorano, da Academia Alfonsiana da Pontifícia

Università Lateranense, em Roma, pela atenção e disponibilidade na orientação

da Parte II da Tese.

Aos confrades do Collegio Internazionale San Lorenzo da Brindisi, em Roma,

pela acolhida e incentivo.

Aos funcionários da Biblioteca da Academia Alfonsiana, da Biblioteca do

Collegio Internazionale San Lorenzo da Brindisi, em Roma, e da Biblioteca

d'Ateneo da Università Cattolica del Sacro Cuore de Milão, pela gentileza,

prontidão e disponibilidade.

Ao CNPQ e à CAPES, pelos auxílios concedidos, sem os quais este trabalho

não poderia ter sido realizado.

Aos professores que participaram da Comissão examinadora.

A todos os professores e funcionários do Departamento pelos ensinamentos e

pela ajuda.

A todos os meus amigos e familiares, em especial à minha mãe, pelo estímulo

para a realização deste trabalho.

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Resumo

Araújo, José Wiliam Corrêa de; Agostini, Nilo. A noção de consciência moral em Bernhard Häring e sua contribuição à atual crise de valores. Rio de Janeiro, 2007, 365 p. Tese de Doutorado – Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

A abertura ao mundo moderno em todas as direções caracterizou o trabalho

do Concílio Vaticano II. Bernhard Häring foi um dos personagens-chave do

Concilio e de seu desenvolvimento teológico posterior. A perspectiva básica da sua

teologia moral está na integração entre atitude religiosa e ética. Com isso,

desenvolve a sua reflexão baseada na existência concreta da pessoa humana, na

responsabilidade e no amor, onde fé e vida sempre se encontram e se

complementam. A presente tese tem como objetivo apresentar algumas

considerações no tocante a este tema, tendo em vista os desafios suscitados pela

Modernidade/Pós-Modernidade. O fenômeno da consciência moral é algo muito

complexo e, frente aos desafios do mundo atual, tornou-se uma realidade

extremamente dinâmica. Hoje, mais do que nunca, a educação da consciência

moral exige a superação das armadilhas do individualismo moderno, visando uma

ética da solidariedade e o reconhecimento da profundidade da vida, em todos os

seus aspectos. O compromisso dos cristãos encontra a sua forma real no fazer o

que Jesus fez. A atitude cristã é necessariamente empenho perseverante pela

transformação da sociedade rumo à realização dos autênticos valores humanos e

invocação constante da vinda do Reino. Neste sentido, uma proposta ética cristã

para o século XXI deve ser ao mesmo tempo, defensora da autonomia da

subjetividade humana e da objetividade dos valores evangélicos.

Palavras-chave

Modernidade; Pós-Modernidade; crise de valores; Concilio Vaticano II;

Bernhard Häring; Moral Renovada; consciência moral; compromisso cristão.

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Abstract

Araújo, José Wiliam Corrêa de; Agostini, Nilo. Bernhard Häring’s notion of moral conscience and his contribution in regard to the current crisis of values. Rio de Janeiro, 2007, 365 p. Doctoral Thesis - Theology Department, Catholic Pontifical University of Rio de Janeiro.

An openness to the modern world in all aspects characterized the work of the

Vatican Council II. Bernhard Häring was one of the key personalities of the

Council and of its consequent theological development. The fundamental

perspective of his moral theology is built on the integration of a posture that is both

religious and ethical. On these elements he develops his moral reflection based on

the concrete existence of the human being, on responsibility and love, where faith

and life meet and complement one another. The present thesis seeks to present

some considerations related to this theme, keeping in mind the challenges raised by

Modernity and Post-Modernity. The phenomenon of moral conscience is very

complex and, facing today’s challenges, it becomes an extremely dynamic reality.

Today, more than ever, the education of the moral conscience demands an

overcoming of the assaults of modern individualism, while seeking an ethic of

solidarity and a recognition of the profundity of life in all its aspects. The

commitment of Christians finds its true form in doing what Jesus himself did. The

Christian attitude is necessarily a persevering commitment to transform society, a

pursuit of the acquisition of authentic human values, and a constant calling forth of

the Reign of God. In this sense, a Christian ethical proposal for the 21st. Century

must be at the same time the defender of the autonomy of human subjectivity and

the objectivity of evangelical values.

Keywords

Modernity; Post-Modernity; crisis of values; Vatican Council II; Bernhard

Häring; Renewed Morality; moral conscience; Christian commitment.

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SUMÁRIO 1.Introdução geral.......................................................................................15

1.1.Contextualização..................................................................................15

1.2.Justificativas.........................................................................................16

1. 3.Colocação do problema.......................................................................17

1. 4.Explicitações iniciais sobre as questões..............................................18

1. 5.Objeto e objetivos do estudo...............................................................22

1. 6.Metodologia.........................................................................................22

2. O contexto da Modernidade e da Pós-Modernidade..............................24

2.1. O contexto de Modernidade e os seus novos desafios.......................25

2.1.1. Introdução.........................................................................................25

2.1.2. O surgimento da Modernidade e suas características.....................25

2.1.2.1. Críticas à Modernidade..................................................................27

2.1.3. O capitalismo e sua expansão mundial............................................29

2.1.3.1. Críticas ao capitalismo...................................................................31

2.1.4. O desenvolvimento da ciência e da técnica.....................................33

2.1.4.1.Críticas à ciência e à técnica..........................................................36

2.1.5. Igreja e Modernidade........................................................................37

2.1.6. Conclusão.........................................................................................40

2.2. Suposições antropológicas da Modernidade.......................................41

2.2.1. Introdução.........................................................................................41

2.2.2. Autonomia.........................................................................................41

2.2.3. Liberdade humana............................................................................44

2.2..4.Subjetividade....................................................................................45

2.2.4.1. Subjetividade e individualismo.......................................................47

2.2.5. Racionalismo e razão instrumental...................................................48

2.2.6. Autoconsciência................................................................................53

2.2.7. Conclusão.........................................................................................56

2.3. Modernidade e secularização..............................................................58

2.3.1. Introdução.........................................................................................58

2.3.2. Secularização: uma leitura a partir de Peter Berger.........................59

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2.3.3. Mundo autônomo e secularizado......................................................61

2.3.4. Raízes da secularização...................................................................62

2.3.5. Fundamentos e conseqüências da secularização............................64

2.3.6. Secularização como dessacralização e desencantamento .............66

2.3.7. Conclusão.........................................................................................68

2.4. A Pós-Modernidade e seus novos desafios........................................70

2.4.1. Introdução.........................................................................................70

2.4.2. A Pós-Modernidade como fenômeno sócio-econômico-político.......71

2.4.2.1. Mercado, propaganda e manipulação social.................................73

2.4.2.2. Ciência, técnica e Pós-Modernidade.............................................75

2.4.3. A Pós-Modernidade como modo de ser existencial.........................76

2.4.3.1. Cultura pós-moderna.....................................................................78

2.4.3.2. Subjetivismo e individualismo no contexto contemporâneo..........79

2.4.4. Religiosidade e compromisso..........................................................83

2.4.5. Conclusão.........................................................................................85

2.5. A crise dos modelos éticos convencionais e da Moral........................88

2.5.1. Introdução.........................................................................................88

2.5.2. Moral autônoma e ética individualista...............................................89

2.5.3. Globalização, consumismo, desequilíbrio ecológico e

Injustiças sociais.........................................................................................91

2.5.4. Provisoriedade e efêmero.................................................................94

2.5.5. Pluralismo ético e liberdade individual..............................................95

2.5.6. Relativismo e crise de orientação.....................................................97

2.5.7. Conclusão.........................................................................................99

2.6. Conclusão do Capítulo II...................................................................101

3. A consciência moral, em Bernhard Häring...........................................103

3.1. A noção de consciência moral anterior à Moral Renovada...............105

3.1.1. Introdução.......................................................................................105

3.1.2. Os sistemas morais........................................................................106

3.1.2.1.Tipos de sistemas morais ............................................................108

3.1.3. Santo Alfonso de Ligório.................................................................110

3.1.4. A concepção da consciência moral na casuística..........................112

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3.1.5. Críticas à casuística........................................................................114

3.1.6. Decadência dos sistemas morais e da moral dos manuais............116

3.1.6.1. A importância da Escola de Tübingen.........................................118

3.1.7. Conclusão.......................................................................................119

3.2. Bernhard Häring: biografia.................................................................121

3.2.1. Introdução.......................................................................................121

3.2.2. Pontos marcantes da sua trajetória biográfica...............................123

3.2.2.1. A experiência na Segunda Guerra Mundial.................................123

3.2.2.2. A especialização na Universidade de Tübingen..........................125

3.2.2.2.1. A dissertação doutoral sobre “O sagrado e o bem”..................126

3.2.2.3. A Academia Alfonsiana................................................................127

3.2.2.4. A experiência como visiting professor e conferecista..................127

3.2.2.5. A participação no Vaticano II.......................................................128

3.2.2.6. A crise em torno da Humanae Vitae............................................128

3.2.3. Conclusão.......................................................................................129

3.3. Bernhard Häring e o Concilio Vaticano II...........................................130

3.3.1. Introdução.......................................................................................130

3.3.2. Bernhard Häring: perito e consultor no Concilio.............................131

3.3.3. Um esquema para a Teologia Moral: o De ordine morali

christiano..................................................................................................132

3.3.4. A Constituição Pastoral Gaudium et spes......................................136

3.3.4.1. A consciência moral em Gaudium et spes, n. 16........................139

3.3.5. O Decreto Optatam totius...............................................................144

3.3.6. O tema da consciência moral em outros

documentos conciliares............................................................................145

3.3.6.1. A Constituição Sacrosanctum concilium......................................145

3.3.6.2. A Constituição Lumem gentium...................................................146

3.3.6.3. A Declaração Unitatis redintegratio.............................................147

3.3.6.4. A Declaração Dignitatis humanae...............................................147

3.3.6.5. O Decreto Apostolicam actuositatem..........................................148

3.3.6.6. O Decreto Ad gentes...................................................................149

3.3.6.7. A Declaração Gravissimum educationis......................................149

3.3.7. Conclusão.......................................................................................149

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10

3.4. Bernhard Häring e a Moral Renovada...............................................151

3.4.1. Introdução.......................................................................................151

3.4.2. Mudanças de perspectivas da Teologia Moral...............................152

3.4.3. A Moral Renovada e a ênfase na Sagrada Escritura.....................154

3.4.4. A Moral Renovada e a dinâmica “resposta-chamado”...................156

3.4.5. Moral Renovada e compromisso cristão........................................158

3.4.6. A Moral Renovada e o Concilio Vaticano II....................................160

3.4.7. Conclusão.......................................................................................161

3.5. A consciência moral em A Lei de Cristo............................................164

3.5.1. Introdução.......................................................................................164

3.5.2. Publicação......................................................................................165

3.5.3. Acentos renovadores da obra.........................................................166

3.5.3.1. Fundamentação religiosa como caráter experencial...................166

3.5.3.2. A tonalidade cristológica..............................................................168

3.5.3.3. Dimensão de chamado-resposta.................................................169

3.5.3.4. Personalismo...............................................................................172

3.5.4. A noção de consciência moral em A Lei de Cristo.........................173

3.5.5. Méritos da obra...............................................................................178

3.5.6. Conclusão.......................................................................................181

3.6. A noção de consciência moral em Livres e Fiéis em Cristo..............184

3.6.1. Introdução.......................................................................................184

3.6.2. Temas relevantes...........................................................................186

3.6.2.1. Antropologia moral.......................................................................186

3.6.2.2. Liberdade, responsabilidade e fidelidade criativa........................187

3.6.2.3. Opção fundamental.....................................................................191

3.6.2.4. Culto e adoração.........................................................................193

3.6.2.5. Cristologia....................................................................................194

3.6.2.6. Eclesiologia..................................................................................196

3.6.3. A noção de consciência moral em Livres e Fiéis em Cristo...........198

3.6.3.1. A visão bíblica da consciência.....................................................199

3.6.3.2. Reflexão antropológica e teológica da consciência.....................200

3.6.3.3. A consciência distintamente cristã...............................................201

3.6.3.4. O discernimento moral.................................................................204

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11

3.6.3.5. A relação entre pecado e saúde mental......................................205

3.6.3.6. A reciprocidade das consciências...............................................207

3.6.3.7. Consciência moral e Santo Alfonso.............................................208

3.6.4. Conclusão.......................................................................................208

3.7. Conclusão do Capítulo III..................................................................211

4. Pistas de ação .....................................................................................218

4.1. A consciência moral no contexto contemporâneo ............................220

4.1.1. Introdução.......................................................................................220

4.1.2. A pluridimensionalidade da noção de consciência moral hoje.......221

4.1.3. Situando a consciência moral, a partir

dos desafios da atualidade.......................................................................223

4.1.3.1. Influências mais significativas na consciência moral...................224

4.1.4. Ambigüidades do Concílio: tensão entre paradigmas....................225

4.1.5. A consciência moral numa visão personalista................................227

4.1.6. Dignidade e missão da consciência moral como

sacrário inviolável.....................................................................................231

4.1.7. Conclusão.......................................................................................232

4.2. Formação da consciência moral........................................................234

4.2.1. Introdução.......................................................................................234

4.2.2. O processo de amadurecimento da consciência moral..................235

4.2.3. Necessidade de formação..............................................................237

4.2.4. Contribuições da psicologia para a

formação da consciência moral................................................................240

4.2.5. A educação na liberdade................................................................241

4.2.6. Formação e Magistério...................................................................243

4.2.7. Conclusão.......................................................................................246

4.3. Liberdade com responsabilidade.......................................................249

4.3.1. Introdução.......................................................................................249

4.3.2. Liberdade........................................................................................250

4.3.3. O processo de discernimento.........................................................253

4.3.4. O processo de decisão...................................................................256

4.3.4.1. Critérios da decisão na ótica cristã..............................................260

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12

4.3.5. Responsabilidade...........................................................................262

4.3.6. Conclusão.......................................................................................264

4.4. A opção fundamental na reciprocidade das consciências.................266

4.4.1. Introdução.......................................................................................266

4.4.2. A reciprocidade na visão conciliar..................................................267

4.4.3. A dinâmica da reciprocidade na

formação das consciências......................................................................268

4.4.4. A importância do testemunho.........................................................269

4.4.5. A necessidade de uma visão crítica e dialogal...............................270

4.4.6. A regra de ouro...............................................................................272

4.4.7. A “opção fundamental” na vida do cristão......................................273

4.4.8. Conclusão.......................................................................................275

4.5. Desafios atuais para a consciência moral.........................................277

4.5.1. Introdução.......................................................................................277

4.5.2. Consciência e justiça social............................................................278

4.5.3. Consciência e crise ecológica........................................................281

4.5.4. O desafio do individualismo e das suas manipulações..................284

4.5.5. Consciência e evangelização.........................................................286

4.5.6. A relação entre fé, moral e secularização......................................288

4.5.7. Conclusão.......................................................................................290

4.6. A configuração trinitária da consciência moral.................................293

4.6.1. Introdução.......................................................................................293

4.6.2. Deus Pai.........................................................................................296

4.6.2.1. Deus Pai e o Reino de Deus.......................................................298

4.6.3. Jesus Cristo....................................................................................300

4.6.4. Espírito Santo.................................................................................303

4.6.5. Conclusão.......................................................................................304

4.7. Conclusão do Capítulo IV..................................................................306

5. Conclusão Geral...................................................................................311

5.1. O contexto da Modernidade e Pós-Modernidade..............................311

5.2 A consciência moral, em Bernhard Häring ........................................313

5.3. Pistas de Ação...................................................................................318

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13

6. Referências Bibliográficas..............................................……..……......327

6.1. Referências Bibliográficas de Bernhard Häring.................................327

6.2. Documentos da Igreja……….............................................................333

6.3. Outras Referências Bibliográficas.....................................................336

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Eu preciso que Tu me instruas, dia a dia, naquilo que é exigência e necessidade de cada dia. Conceda-me, ó Senhor, a clareza da consciência, a qual somente pode compreender a Tua inspiração. Os meus ouvidos são surdos; não sei perceber a Tua voz. Os meus olhos são ofuscados; não sei ver os Teus sinais. Somente Tu podes aperfeiçoar os meus ouvidos, aguçar o meu olhar e purificar e renovar o meu coração. Ensina-me a permanecer sentado aos teus pés e prestar atenção à Tua Palavra. Amém.

Oração de John Henry Cardeal Newman

(In: GUARDINI, R. La coscienza. 3. e. Brescia: Morcelliana, 2001, p. 56).

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15

1. Introdução

1.1. Contextualização

Vivemos uma realidade que está se tornando cada vez mais desafiadora para

o cristão. Uma realidade de Modernidade e Pós-Modernidade que nos apresenta

novos valores e, que a cada momento nos provoca. Como viver a autenticidade de

nossa fé, a partir desta situação?

Não se exagera em ver no indiferentismo e no relativismo os maiores

desafios de hoje para a moral. Nem há exagero ao afirmar-se que não existem para

estes males soluções simples. Por outro lado, a cultura contemporânea tem

conduzido a um “eclipse do sentido moral”, porque tem colocado em crise a

consciência humana. O esforço da teologia e da Igreja, como conseqüência, deve

trazer à tona a busca deste sentido.

Hoje, mais do que nunca, faz-se necessário uma reflexão mais aprofundada

sobre a consciência moral, frente a toda essa realidade. Diante desta situação, como

desenvolver o julgamento moral, concedendo à vida humana a sua dignidade? Na

singularidade da consciência moral, qual é a inspiração e mesmo a fundamentação

a respeito da capacidade de escolhas?

É pela consciência que o ser humano vai se apropriando dos valores próprios

de uma cultura, de um povo, de uma religião. Mas, a grande pergunta que se coloca

hoje é: como anunciar e dar testemunho da Boa Nova, frente a um contexto de

crise de paradigmas e de valores? Como formar uma consciência moral

amadurecida, diante desta situação de crise?

Bernhard Haring foi um dos precursores de uma Moral Renovada, um

teólogo que marcou o Concílio Ecumênico Vaticano II e também o pós-Concilio,

impulsionando uma virada teológica no campo da Moral. Ele obteve o Doutorado

em Teologia junto à Faculdade Teológica de Tübingen (Alemanha) em 1947 e foi

agraciado com seis doutorados honoris causa. Recebeu vários prêmios pela paz em

diversos paises. Depois de muita vida e muita luta, podemos considerá-lo como um

dos nossos grandes sábios, que nos ajudam a clarificar essas questões.

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1.2. Justificativas

O motivo da escolha do tema desta Tese se deu a partir dos desafios da

realidade de hoje, enquanto uma vivência ético-cristã. De maneira simplificada,

podemos resumir a situação atual como uma realidade de profundas mudanças

estruturais. Vivemos num contexto de mundo de mercados, onde o que mais

importa é a busca da eficiência e do lucro; um contexto aonde a incredulidade e o

secularismo vão ganhando terreno e onde há um pluralismo de modelos morais e

religiosos.

Por isso, esta pesquisa surgiu como fruto de uma curiosidade científica,

diante dos desafios encontrados, na leitura de trabalhos que tratam da questão

moral hoje e a situação de crise de valores e paradigmas, a partir da Modernidade e

Pós-Modernidade.

A nossa preocupação se dá basicamente com a formação das consciências,

tendo em vista a relação de alteridade e levando em conta os desafios sociais e

ecológicos de hoje. Tendo em conta os fenômenos apresentados em nossa

sociedade contemporânea, como lidar e formar a consciência para que seja de

acordo com aquilo que buscamos viver, seguindo os passos de Jesus?

Diante desta realidade de crise de valores e de paradigmas, torna-se de

fundamental importância a reflexão da realidade vigente, apresentando propostas

de ação. Vivemos numa sociedade aberta, confusa, plural, marcadamente voltada

ao consumo e ao prazer individual. Como um cristão preocupado com os valores

morais pode viver nessa sociedade? Como agir? Fazer o quê? Essas são perguntas

morais que rodeiam nossas mentes e corpos. Daí, a importância desta temática.

Pretendemos compreender como a crise atual de valores interfere na vida dos

cristãos. A nossa preocupação é o compromisso do cristão com a sua fé. Este é o

objeto da nossa investigação: os valores impostos pela Modernidade ⁄ Pós-

Modernidade e sua interferência na vivência de fé e, conseqüentemente, na

formação da consciência moral. Tudo isto numa realidade de mundo, onde as

mudanças são realizadas de uma forma muito brusca.

Acreditamos ser este tema de suma importância hoje, já que a nossa

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sociedade passa por contínuas transformações, de uma forma acelerada. Tendo em

vista esta situação, o estágio em que se encontra a reflexão sobre o tema da

consciência moral não conseguiu acompanhar tantas mudanças e evoluções. Por

isso, nos propomos a contribuir com esta pesquisa para que possamos trazer

algumas luzes, na vivência da fé, buscando um diálogo com a Modernidade e a

Pós-Modernidade.

Trata-se de uma dificuldade sentida, compreendida e definida pelos

moralistas e que necessita de uma resposta, mesmo que seja provável, suposta e

provisória. Temos clareza que há uma dificuldade muito grande ao se defrontar

com este tema hoje. Por isso, procuramos dar uma contribuição à Teologia Moral,

por intermédio desta pesquisa.

Este tema da consciência moral apresenta de tal modo um grande interesse e

a sua delucidação constitui certamente num dentre os principais aspectos de um

verdadeiro diálogo e de uma compreensão entre a Igreja e o mundo

contemporâneo. De fato, é este o tema ao centro de numerosos problemas atuais,

tanto ao interno da Igreja (por exemplo, a relação entre o Magistério e a liberdade

dos fiéis) como na sociedade global, considerando, por exemplo, a intolerância, o

sectarismo ou, ao contrário, o laxismo em matéria de justiça social.

A nossa finalidade não é, obviamente, apresentar apenas um relatório ou uma

descrição dos fatos e fenômenos levantados, tendo em conta a situação do mundo

de hoje. Procuramos isto sim, desenvolver uma reflexão, dentro de um caráter

interpretativo, no que se refere à crise de valores e a consciência moral. Queremos

fazer esta correlação, à luz das reflexões de Bernhard Häring.

1.3. Colocação do problema

Não podemos deixar de considerar tudo aquilo que a Modernidade e a Pós-

Modernidade nos permitem usufruir. No entanto, temos que levar em conta uma

realidade na qual a sociedade de hoje caminha, ou seja, para um individualismo,

um narcisismo, um consumismo e um desdém para com os outros. Partindo desta

situação, percebemos a importância de se trabalhar com uma das pilastras básicas

da Moral Fundamental: a consciência.

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Hoje, o problema da consciência moral ocupa um lugar de primeiro plano

não somente na reflexão moral cristã, mas também em todo o pensamento

moderno, acentuando a responsabilidade pessoal e o caráter singular de cada

consciência humana.

Por outro lado, o fenômeno de crise de valores e paradigmas é bastante

visível e perceptível na nossa realidade. Há uma relação intrínseca entre este

fenômeno e a vivência de fé, a formação das consciências e o compromisso e a

responsabilidade do cristão no seu dia a dia. Nossa preocupação é de buscar

compreender todas estas questões.

1.4. Explicitações iniciais sobre as questões

No mundo atual, há uma sacrossantidade do egoísmo e da força irresistível

do interesse próprio. Há o risco do indiferentismo religioso e moral, do

pragmatismo sem valores, do hedonismo, da absolutização do indivíduo. O esforço

saiu de moda, tudo que é constrangedor e disciplina austera desvalorizou-se em

beneficio do culto ao desejo e de sua satisfação imediata. A cultura do ter e do

consumir predomina sobre a do ser e do partilhar. Há também uma “sacralização”

da liberdade da consciência humana, com a autonomia individual e a perda do

sentido ético.

Além disso, a complexa enxurrada de informações pode rapidamente

confundir a nossa capacidade de discernir o mundo. O verdadeiro desafio não é

apenas sobreviver a esse ataque violento de informações, mas também de entendê-

lo. Há uma grande confusão de idéias criada no campo moral, provocando a erosão

lenta, mas inexorável das consciências, operada pelos meios de comunicação.

Como podemos nesse complexo mar de informações o qual vivemos extrair o sal

da verdade? Como podemos encontrar as pérolas que estão escondidas em suas

profundezas, sem morrermos afogados?

Este mundo com o qual a Igreja se encontra é um mundo autônomo e

secularizado, isto é, um mundo sem recurso ao transcendente para sua legitimação

e inteligibilidade. Trata-se de um mundo centrado não no grupo, mas no indivíduo,

como sede de iniciativas, direitos e deveres. É um mundo marcado, em

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conseqüência, pelo pluralismo de sentidos e de valores e pela afirmação do

primado ou até mesmo da exclusividade da razão humana, como fonte do

conhecimento e da verdade. O consumismo e o secularismo são obstáculos

significativos da cultura moderna que marginalizam, muitas vezes, a religião e

abafam a sensibilidade religiosa.

Uma crise da religião é uma crise do significado da vida que traz, como

conseqüência, uma crise de consciência. No entanto, muito do que se alastrou de

amoralismo, no mundo moderno, não é resultado da má vontade, e sim indesejado

“produto colateral” da industrialização, da urbanização e da secularização. Por

isso, no centro da sociedade pós-moderna, encontra-se um vazio de valores. Por

outro lado, a pessoa humana hoje se encontra diante do fenômeno do pluralismo,

ou seja, a multiplicidade e discordância das concepções e das opiniões relativas

também às questões éticas.

Existe uma crise de confiança nas relações entre as pessoas. As relações

humanas tornaram-se cada vez mais violentas, predominando, em geral, a

insensibilidade e a desconfiança. Que modelo de vida ocidental é este que nos leva

a produzir o maior avanço tecnológico da história da humanidade – nós, homo

sapiens modernos, os quais tivemos nos últimos 50 anos mais exuberância

tecnológica do que nunca – e, ainda assim, o que obtivemos?

O consumismo, a permissividade moral, o relativismo de normas são

algumas de tantas outras manifestações do exacerbamento do individualismo. O

relativismo cultural o qual estamos todos imersos traz uma abertura de espírito,

mas tende também à indiferença religiosa. Ao mesmo tempo, a cultura e a

mentalidade pós-modernas têm dificuldades de aceitar verdades dogmáticas

“fortes”, preferindo somente indicações morais “débeis”, porque sempre parciais e

provisórias. Neste sentido, pratica-se hoje uma espécie de nomadismo ético.

A consciência tornou-se uma palavra-chave do mundo moderno. Podemos

dizer que o surgimento da Modernidade se identifica com uma eclosão da

consciência em todos os seus sentidos. A riqueza desse fenômeno faz com que a

palavra “consciência” designe hoje diferentes realidades, não unívocas, mas

análogas. Mas, é consenso que na experiência da consciência, nos encontramos

com todas as nossas fraturas e contradições. Ela nos fornece uma direção e uma

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orientação racional e intelectivamente intuitiva para julgar o passado, prever o

futuro e governar as nossas ações atuais.

No entanto, a consciência não escapa de todo um conjunto de

condicionamentos genéticos e biológicos, além das numerosas drogas psicoativas

que, quando ingeridas, podem interferir no funcionamento do cérebro. Há também

condicionamentos familiares e educacionais, ambientais (clima, relevo, etc.),

alimentares, sócio-políticos e econômicos (economia de mercado, disparidades

sociais, globalização, etc.). Juntem-se a isso, todas as formas de manipulações,

sobretudo as realizadas pelos Meios de Comunicação Social e pelas ideologias.

Na Constituição Pastoral Gaudium et spes n.16, a consciência é considerada

o locus theologicus sagrado e inviolável. Mesmo quando o ser humano erra na sua

ação moral, nunca perde a sua dignidade de pessoa. Neste lugar sagrado e

inviolável, o ser humano se encontra a sós com Deus, porém, não no sentido de

solidão, isolamento, autonomia, subjetivismo. Mas, no sentido de intimidade

profunda, de estreita relação com Deus. Neste locus intimitatis, o ser humano é um

“ouvinte da palavra”, por meio de uma dinamicidade desta relação. Portanto, a

consciência é o lugar do encontro, o lugar sagrado no qual se manifesta um

diálogo, “a cuja voz ressoa” na intimidade própria.

Uma concepção abrangente de consciência moral deve ater-se à noção de

pessoa humana. A característica principal da pessoa é a sua auto-possessão. O ser

humano é sujeito do seu próprio existir. Apesar de numerosos determinismos que

condicionam o comportamento humano, somente a pessoa humana tem a

capacidade de orientar-se, de dominar estas determinações, pelos menos de dar a

elas um sentido, de fazê-las suas. Ou seja, o ser humano se possui a si mesmo, e

não é possuído pelo cosmos, embora haja os condicionamentos do espaço e do

tempo. Tanto nas decisões mais banais, quanto nas mais heróicas, a decisão

humana manifesta a sua capacidade de ter a sua vida nas próprias mãos, e com isto,

instaurar uma continuidade entre o passado e o presente, preparando o futuro. E

esta dignidade comporta algumas conseqüências.

Não é no afastamento solitário que o coração fala como consciência, mas

partindo de um desenvolvimento que supõe trabalho de inteligência e de

comparação, descobre-se uma ordem de coisas amáveis (ou desejáveis). É no

contato com diferenças colhidas nas experiências elementares da vida que a

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consciência se afirma. Supõe encontro com a realidade, ou descoberta da

complexidade das coisas. Como a palavra mesmo evoca, cum-scientia quer dizer

“ver com”, “conhecer com”. A partir deste dinamismo de abertura, o ser humano

capta a si mesmo, as outras pessoas, a natureza e a própria transcendência.

É na consciência solidária que repousam as chances de uma arrancada

decisiva para as transformações profundas no campo político, econômico, social e

mesmo no campo religioso. Portanto, a interioridade da consciência não é uma

interioridade de isolamento, mas de comunhão, de diálogo, de palavra. É um

encontrar-se tu a tu com Deus, um escutar a sua voz, um re-encontrar a sua palavra

como verdade que convoca em toda a realidade. É também descobrir o outro como

apelo, como palavra, como reciprocidade.

Neste sentido, nossa sociedade precisa, urgentemente, escolher entre a

insensatez de um egoísmo desenfreado e a racionalidade de uma ordem social

construída sobre valores universais, reconhecendo a dignidade da pessoa humana e

a necessidade de preservação do meio ambiente. A teologia moral do presente

deve optar de preferência pelas quatro grandes causas da humanidade: a paz, a

liberdade, a justiça econômica e a habilitação do planeta. Nelas estão em jogo o

valor radical da pessoa e a realização da dignidade da vida. Resumem-se essas

quatro causas em um único imperativo: criar a cultura ética da solidariedade

humana.

Nossa resposta ao Senhor da história e às necessidades mais urgentes da

humanidade exige que se suscitem consciências sadias e bem formadas para se

efetivar comunidades cujas estruturas econômicas, culturais, sociais e políticas

venham a encarnar os valores da liberdade e da fidelidade em toda a vida de todos

os tempos. Trata-se de construir um mundo, no qual cada pessoa humana, sem

exclusão de raça, sexo, religião, situação social e nacionalidade, possa viver uma

vida em plenitude.

Ao ser humano é impossível sonhar que viva sempre sem faltas, mesmo

porque em razão do próprio inconsciente que muito nos influencia, com todas as

suas armadilhas que ele nos prepara, não chega nunca àquele conhecimento

perfeito de si e, consequentemente, de suas atitudes. Não chega, nem mesmo a um

perfeito autodomínio. Esta tremenda afirmação, ligada à descoberta do

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inconsciente, lança a pessoa para fora do trono das suas pretensões e o obriga a

uma modéstia sem a qual se afoga em todos os tipos de ilusões.

Mas, somente uma humanidade que retorna à consciência, dando-a de fato o

papel que a compete em toda a dinâmica pessoal e social, pode esperar de uma

forma concreta, um futuro qualitativamente melhor. Ao mesmo tempo, somente

uma humanidade que retorna à consciência pode encontrar-se com Deus. Deus e

consciência estão estreitamente correlacionados em toda a experiência humana.

1.5. Objeto e objetivos do estudo

Ao trabalhar com um conceito fundamental da Teologia Moral, a

“consciência”, propomo-nos refletir sobre esta questão em Bernhard Häring, um

dos maiores moralistas da atualidade, traçando algumas pistas norteadoras para o

nosso agir, frente à realidade atual de crise de valores e de paradigmas. Face a todo

este contexto, torna-se de fundamental importância a reflexão da realidade vigente,

apresentando propostas de ação.

A perspectiva deste trabalho não comporta em negar a Modernidade e a Pós-

Modernidade. Mas sim, procurar um diálogo com a sociedade contemporânea,

buscando algumas pistas, sob uma ótica da moral cristã, pelo viés da consciência.

E isto nos propomos a fazer à luz do teólogo, especialista em questões morais,

Bernhard Häring. Com isto, pretendemos dar uma contribuição à sociedade atual,

tendo em vista alcançar uma consciência que seja crítica e prudente, capaz de

assumir os compromissos que lhe cabem no atual contexto histórico.

Neste sentido, a novidade da presente pesquisa se constitui em fazer uma

releitura de Bernard Häring sobre a questão da consciência moral, levando em

conta o contexto atual, sobretudo os desafios impostos pela Modernidade ⁄ Pós-

Modernidade.

1.6. Metodologia

Como nenhuma pesquisa parte da estaca zero, exploramos uma rica fonte

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bibliográfica, imprescindível para a não-duplicação de esforços, ou seja, a não

“descoberta” de idéias já expressas. As citações das principais conclusões que

outros autores chegaram, sobretudo os que procuraram refletir sobre a consciência

moral em Bernhard Häring, nos permitem salientar a contribuição desta pesquisa.

Neste sentido, consideramos como de fundamental importância a realização

do estágio de pesquisa, sob a orientação do Prof. Dr. Sabatino Majorano, na

Academia Alfonsiana, por meio do projeto PDEE da Fundação CAPES. Tal plano

de atividades na Academia Alfonsiana se constitui na Parte II da Tese, sob o título

de: “A consciência cristã, em Bernard Häring”.

A Academia Alfonsiana é um instituto de pós-graduação em Teologia Moral

fundado pela Congregação dos Redentoristas em 1949, que desenvolve suas

atividades científicas em Roma. Desde 1960, a instituição faz parte da Faculdade

de Teologia da Pontifícia Universidade Lateranense. O nosso Autor, Bernard

Häring, dedicou grande parte de sua vida acadêmica junto a esta instituição, onde

pode produzir grande parte de suas 106 obras, traduzidas em diversos idiomas.

O Prof. Dr. Sabatino Majorano é o atual Diretor da Academia Alfonsiana.

Padre Redentorista italiano, é também professor da Academia e professor

convidado da Pontifícia Universidade Urbaniana. Doutor em Teologia Moral pela

Academia Alfonsiana (1978) e Mestre em Teologia pela Pontifícia Faculdade da

Itália Meridional – Nápolis (1969). Majorano é considerado hoje, um dos maiores

especialistas em Bernard Häring, dando continuidade às reflexões de seu já

falecido mestre.

Usando o método “ver, julgar e agir”, pretendemos focalizar os objetivos da

pesquisa, percorrendo os seguintes passos: primeiramente, propomo-nos a

apresentar a realidade atual, num contexto de crise de valores e de paradigmas. A

seguir, buscamos a fundamentação teológica, com o intuito de avaliar esta situação

sob a ótica da moral cristã, tendo como base as reflexões de Bernhard Häring. E,

finalmente, procuramos trazer pistas de ação, levando em conta o compromisso

ético de todo cristão.

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2. O contexto da Modernidade e da Pós-Modernidade

O objetivo da Parte I da Tese é de investigar os desafios da realidade de hoje,

para a vivência dos valores cristãos. De maneira simplificada, podemos resumir a

situação atual como uma realidade de profundas mudanças estruturais. Vivemos

num contexto de mundo de mercados, onde o que mais importa é a busca da

eficiência e do lucro. Um contexto aonde a incredulidade e o secularismo vão

ganhando terreno e onde há um pluralismo de modelos morais e religiosos.

No início deste século, vivemos uma realidade que está se tornando cada vez

mais desafiadora para o cristão. Uma realidade de Modernidade e Pós-

Modernidade que nos apresenta novos valores e, que a cada momento nos provoca.

Não podemos deixar de considerar tudo aquilo que a Modernidade e a Pós-

Modernidade nos permitem usufruir. No entanto, temos que levar em conta uma

realidade na qual a sociedade de hoje caminha: o individualismo, o narcisismo, o

consumismo e o desdém para com os outros. Como viver a autenticidade de nossa

fé, a partir desta situação?

Nesta primeira parte, procuraremos mostrar os desafios da realidade de hoje,

analisando o contexto do mundo moderno e pós-moderno.

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2.1. O contexto de Modernidade e os seus novos desafios

2.1.1. Introdução

Neste primeiro capítulo, discutiremos a dinâmica da Modernidade, com os

seus novos desafios suscitados para a vida humana.

A Modernidade enquanto momento histórico caracteriza-se pela antitradição,

pela derrubada das convenções, dos costumes e das crenças, pela saída dos

particularismos e entrada no universalismo, ou ainda pela entrada da idade da

razão. Mas, muitas combinações do moderno e do tradicional podem ainda ser

encontradas nos cenários sociais concretos.

Os estudiosos estão sempre debatendo quando exatamente o período

moderno começou, e como distinguir entre o que é moderno e o que não o é. Mas,

geralmente, o início da era moderna é associado ao surgimento do Iluminismo

Europeu, aproximadamente nos meados do século dezoito.

Consideramos fundamental destacar a expansão e a afirmação do sistema

capitalista como sistema econômico hegemônico, a nível mundial. A seguir,

buscaremos refletir sobre o desenvolvimento da ciência e da técnica, que permitiu

a elaboração do mundo nos moldes modernos. Por fim, levantaremos a questão da

relação entre Igreja e Modernidade, que se iniciou com um confronto, mas que, ao

longo dos tempos, se buscou firmar numa relação de diálogo.

2.1.2. O surgimento da Modernidade e suas características

“Modernidade” refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que

emergiram na Europa e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em

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sua influência. A época moderna surge com a descoberta do Novo Mundo, o

Renascimento e a Reforma (século XV e XVI); desenvolve-se com as Ciências

Naturais no século XVII, atinge seu clímax político nas revoluções do século

XVIII, desenrola suas implicações gerais após a Revolução Industrial do século

XIX e termina no limiar do século XX.1

Como afirma Habermas: O conceito de modernização refere-se a um conjunto de processos cumulativos e de reforço mútuo: à formação de capital e mobilização de recursos; ao desenvolvimento das forças produtivas e ao aumento da produtividade do trabalho; ao estabelecimento do poder político centralizado e à formação de identidades nacionais; à expansão dos direitos de participação política, das formas urbanas de vida e da formação escolar formal e, à secularização de valores e normas.2

A Modernidade constitui-se a partir da pretensão de rejeitar a tradição,

submetendo tudo ao exame crítico da razão e à experimentação. Embora esta

mesma tradição tenha persistido em muitas esferas da vida. Por isso, há uma

tendência para um dinamismo e uma mudança incessantes, questionando as suas

próprias conquistas e buscando continuamente inovações. No limiar da era

moderna, três grandes eventos lhe determinam o seu caráter: a descoberta da

América, com uma nova visão de mundo, a Reforma na Igreja e a invenção do

telescópio, que permitiu o desenvolvimento de uma nova ciência.3

Modernidade é sinônimo de sociedade moderna ou civilização industrial e

está associada a um conjunto de atitudes perante o mundo, como a idéia de que o

mundo é passível de transformação pela intervenção humana; um complexo de

instituições econômicas, em especial a produção industrial e a economia de

mercado; toda uma gama de instituições políticas, como o Estado nacional e a

1 Cf. GIDDENS, A., As conseqüências da Modernidade. São Paulo: UNESP, p. 172; TOURAINE, A., Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, p. 11; ARENDT, H., A condição humana. 10 e., Rio de Janeiro: Forense Universitária, p. 13-14; Id., Entre o passado e o futuro. 5. e., São Paulo: Perspectiva, p. 54; AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques: vivendo a fé em um mundo plural, São Paulo: Loyola, p. 74; HABERMAS, J., O discurso filosófico da Modernidade, Lisboa: Dom Quixote, p. 9. 2 Cf. HABERMAS, J., op. cit., p. 5. 3 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, n. 179; LOPEZ, P. L. Old and new globalization. In: BLANCHETTE, O.; IMAMICH, T.; McLEAN, G. F., Philosophical challenges and opportunities of globalization: The Council for Research in Values and Philosophy. 2001, Vol. I, p. 46; GIDDENS, A.; PIERSON, C., Conversas com Anthony Giddens: o sentido da modernidade. Rio de Janeiro: FGV, 2000, p. 89; ARENDT, H., A condição humana..., p. 260; LIBÂNIO, J. B., Teologia da revelação a partir da modernidade. São Paulo: Loyola, 1995, p. 116.

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democracia de massa; a primazia e a centralidade do indivíduo e não, do grupo

como sujeito de direitos e de decisões; o primado da subjetividade; o pluralismo e

a ideologia; a concepção linear de história; a realimentação mútua entre ciência e

tecnologia, com a hegemonia de sua racionalidade própria; o predomínio cada vez

maior do simbolismo formal de cunho numérico-matemático (informática); a

pesquisa e industrialização em níveis diversos de qualidade técnica

(transformadora, inovadora, criadora); a burocratização e a organização política da

sociedade.4

É preciso lembrar que a cultura moderna se formou lentamente, se definiu e

se afirmou sempre mais pelas revoluções científicas, industrial, tecnológica e

informática; pelo Renascimento, Iluminismo, Liberalismo e Marxismo; pelas

Revoluções Francesa, Americana e Soviética; pela filosofia a partir de Descartes e

pelas ciências naturais e sociais; pela ideologia econômica, a partir da revolução

monetária e comercial-mercantil; pelos sistemas sociopolíticos e econômicos em

todas as suas versões e modelos de concretização histórica (nos últimos dois

séculos especialmente); pela expansão colonialista e pela pressão neocolonialista,

de cunho econômico, político ou ideológico.5

Não resta dúvida que a Modernidade trouxe grandes conquistas. Isto é

inegável. Favoreceu a construção de um mundo mais democrático, onde os direitos

humanos devem ser respeitados. Além disso, o grande avanço técnico-científico

permitiu um melhor bem-estar à sociedade. No entanto, com todos estes avanços

houve, por conseguinte, uma estruturação da vida humana que nem sempre trouxe

uma realização profunda do existir. É isto que procuraremos refletir agora.6

2.1.2.1. Criticas à Modernidade

Em sua obra Ensaios de sociologia, Max Weber buscou compreender a

Modernidade com a idéia de desilusão ou desencanto do mundo e extinção das

4 Cf. AZEVEDO, M., Entroncamentos e entrechoques: vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, p. 73-74; GIDDENS, A.; PIERSON, C., Conversas com Anthony Giddens: o sentido da modernidade. Rio de Janeiro: FGV, p. 73. 5Cf. AZEVEDO, M., op. cit., p. 71-72. 6 Cf. AGOSTINI, N., Condicionamentos e manipulações: desafios morais. In: O itinerário da fé na “iniciação cristã dos adultos”. Estudos da CNBB n. 82, São Paulo: Paulus, 2001, p. 103.

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formas tradicionais de autoridade e saber. No mundo da Modernidade, segundo

Weber, os laços da racionalidade tornam-se cada vez mais apertados, aprisionando-

nos numa gaiola de rotina burocrática.7

Em Nietzsche, as críticas tiveram um dos mais importantes inspiradores. Na

obra, Humano, demasiadamente humano, a Modernidade é apresentada como uma

época da superação, da novidade que envelhece e é logo substituída por uma

novidade mais nova, num movimento irrefreável. Se assim é, então não se poderá

sair da Modernidade pensando-se superá-la. Na obra Genealogia da moral,

Nietzche explica a assimilação da razão no poder, consumada na Modernidade,

com uma teoria do poder. Para este autor, os homens tiveram de se entregar ao

aparato da objetivação e do controle da natureza exterior, reduzidos ao pensar, ao

inferir, ao calcular, ao combinar de causas e efeitos.8

Para Habermas, a Modernidade se desenvolve, sobretudo a partir do século

XVIII com os pensadores iluministas, que buscaram refletir sobre a emancipação

humana, o enriquecimento da vida diária e o domínio científico da natureza. A

idéia de progresso é reforçada com a promessa da libertação das “irracionalidades”

do mito, da religião, da superstição, e a liberação do uso arbitrário do poder.9

O desenvolvimento das instituições sociais modernas e sua difusão em escala

mundial criaram oportunidades bem maiores para os seres humanos gozarem de

uma existência segura e gratificante que qualquer tipo de sistema pré-moderno.

Mas, a Modernidade tem também um lado sombrio, que se tornou muito aparente

no século atual. Como afirma a Gaudium et spes, n. 229: “O mundo moderno se

apresenta ao mesmo tempo poderoso e débil, capaz de realizar o ótimo e o

péssimo, por quanto se lhe abre o caminho da liberdade ou da escravidão, do

progresso ou do regresso, da fraternidade ou do ódio”.10

7 Cf. WEBER, M. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 1982; GIDDENS, A., As conseqüências da Modernidade. São Paulo: UNESP, 1991, p. 139; GIDDENS, A.; PIERSON, C., Conversas com Anthony Giddens..., Rio de Janeiro: FGV, 2000, p. 73. 8 Cf. VATTIMO, G., O fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 171; NIETZSCHE, F. Humano, Demasiadamente Humano. São Paulo: Cia. das Letras, 2000; Id. Genealogia da moral. São Paulo: Cia. das Letras, 2001, p. 89-90. 9 Cf. HABERMAS, J. O discurso filosófico da Modernidade. S. Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 171-173. 10 Cf. GIDDENS, A., As conseqüências da Modernidade. São Paulo: UNESP, 1991, p. 16; Constituição Pastoral Gaudium et spes, n. 229. In: CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. e. Petrópolis: Vozes, 1996.

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No caso do continente latino-americano, ao lado desta faixa modernizante,

há uma imensa maioria da população que vive num contexto pré-moderno de

analfabetismo, de pobreza e falta de saúde, de desemprego e fome. Fenômenos

estes que encontram suas causas profundas e estruturais na inaceitável

estratificação de nossa sociedade. Esta foi uma das temáticas centrais em Medellín,

Puebla e Santo Domingo, bem como das Cartas Encíclicas Laborens exercens e

Sollicitudo rei socialis, de João Paulo II.11

A seguir, discutiremos sobre o novo sistema econômico-político advindo

com a Modernidade e as suas conseqüências.

2.1.3. O capitalismo e sua expansão mundial

O capitalismo é um sistema de produção de mercadorias, centrado sobre a

relação entre a propriedade privada do capital e o trabalho assalariado sem posse

de propriedade, sendo que esta relação forma o eixo principal de um sistema de

classes. O empreendimento capitalista depende da produção para mercados

competitivos, os preços sendo sinais para investidores, produtores e consumidores.

O nascimento da sociedade industrial encontrará na Riqueza das nações de Adam

Smith (1776), a primeira grande teorização. Smith analisa as conseqüências

econômicas da divisão do trabalho, as conseqüências sociais da indústria para a

estrutura das classes, o papel cada vez maior dos serviços e do trabalho

improdutivo, trazendo à luz os mecanismos da sociedade nascente.12

O apelo ao mercado, a concentração do capital e a racionalização dos

métodos de produção subordinaram a idéia de sociedade moderna ou mesmo

industrial à de economia capitalista. Neste sentido, Max Weber, em sua obra A

11 Cf. AZEVEDO, M., Entroncamentos e entrechoques... São Paulo: Loyola, 1991, p. 77; AGOSTINI, N., Condicionamentos e manipulações: desafios morais. In: O itinerário da fé na “iniciação cristã dos adultos”. Estudos da CNBB n. 82. São Paulo: Paulus, p. 103; CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCADO LATINO-AMERICANO. Conclusões da Conferência de Medellín. 6. e. São Paulo: Paulinas, 1987; Id., Conclusões da Conferência de Puebla. São Paulo: Paulinas, 1979; Id., Conclusões da Conferência de Santo Domingo. São Paulo: Paulinas, 1992; JOÃO PAULO II, Carta Encíclica Laborens exercens. São Paulo: Paulinas, 1981; Ib., Carta Encíclica Sollicitudo rei socialis. Documentos Pontificios n. 218, Petrópolis: Vozes, 1988. 12 Cf. SMITH, A., A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. 3 vol., 1988; MASI, D., A sociedade pós-industrial. São Paulo: SENAC, 1999, p. 14; GIDDENS, A., As conseqüências da Modernidade. São Paulo: UNESP, 1991, p. 61-62.

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ética protestante e o espírito do capitalismo afirma que as novas estruturas sociais

modernas são caracterizadas pela empresa capitalista e pelo aparelho burocrático

do Estado.13

A grande novidade da Revolução Industrial foi a utilização intensiva de

combustíveis fósseis (carvão, petróleo, etc.), fonte não renováveis de energia, que

permitiu um grande avanço tecnológico e econômico. Apareceram as fábricas e a

produção em massa, com a introdução da linha de montagem, exigindo a criação e

o desenvolvimento de uma rede de distribuição com um correspondente sistema de

informações. Em torno das novas formas de produção e de consumo estruturou-se

a sociedade toda. O império do mercado refletiu na crescente comercialização das

relações humanas.14

A produção industrial e a constante revolução na tecnologia a ela associada

contribuíram para processos de produção mais eficientes e baratos. O

industrialismo se tornou o eixo principal da interação dos seres humanos com a

natureza. Com a indústria moderna, modelada pela aliança da ciência com a

tecnologia, houve uma transformação do mundo da natureza de maneiras

inimagináveis às gerações anteriores.15

Dessa forma, a economia capitalista mundial, que tem suas origens nos

séculos dezesseis e dezessete, foi se integrando através de conexões comerciais e

fabris, sobretudo, a partir da brusca expansão no período pós-guerra. No entanto,

este desenvolvimento se deu de forma concentrada em algumas regiões do planeta,

coordenadas por centros financeiros interligados, que tem como ápice da hierarquia

os Estados Unidos.16

A produção de mercadorias em condições de trabalho assalariado pôs boa

parte do conhecimento, das decisões técnicas, bem como do aparelho disciplinar,

fora do controle da pessoa que de fato faz o trabalho. O acordo de Bretton Woods,

de 1944, transformou o dólar na moeda-reserva mundial e vinculou com firmeza o

13 Cf. WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. São Paulo: Martin Claret, 2003; HABERMAS, J., O discurso filosófico da Modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1998, p. 4; TOURAINE, A., Crítica da Modernidade, 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 77. 14 Cf. LÓPEZ, P. L. Old and new globalization. In: BLANCHETTE, O.; IMAMICH, T.; McLEAN, G. F., Philosophical challenges and opportunities of globalization: The Council for Research in Values and Philosophy.2001, Vol. I, p. 55; RUBIO, A. G., Unidade na pluralidade. 3. e., São Paulo: Paulus, p. 38-49. 15 Cf. GIDDENS, A., As conseqüências da Modernidade. São Paulo: UNESP, 1991, p. 66-67. 16 Ibid., p. 73; HARVEY, D., Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 11. e., São Paulo: Loyola, p. 125.

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desenvolvimento econômico do mundo à política fiscal e monetária norte-

americana. O longo período de expansão de pós-guerra, que se estendeu de 1945 a

1973, teve como base um conjunto de práticas de controle do trabalho, tecnologias,

hábitos de consumo e configurações de poder político-econômico. E os Estados

Unidos passaram a agir como banqueiros do mundo em troca de uma abertura dos

mercados de capital e de mercadorias ao poder das suas grandes corporações.17

2.1.3.1. Críticas ao capitalismo

O capital é um processo de reprodução da vida social por meio da produção

de mercadorias em que todas as pessoas do mundo capitalista avançado estão

profundamente implicadas. Suas regras internalizadas de operação são concebidas

de maneira a garantir que ele seja um modo dinâmico e revolucionário de

organização social que transforma incansável e incessantemente a sociedade em

que está inserido.18

O processo mascara porque favorece um crescimento que se dá com uma

destruição criativa dos recursos naturais. A ciência e a técnica propiciaram um

domínio efetivo eficaz sobre a natureza, considerando-a simplesmente como objeto

de exploração por parte do ser humano. A Civilização Industrial devasta o meio

ambiente de maneira extremamente grave. A natureza se torna mero objeto, mera

questão de utilidade, cessando de ser reconhecida como um poder em si mesmo,

como um dom de Deus. A difusão do industrialismo acelerado criou um mundo no

qual há mudanças ecológicas reais ou potenciais de um tipo daninho que afeta a

todos no planeta.19

Por outro lado, os capitalistas, ao comprar a força de trabalho, tratam-na

necessariamente em termos instrumentais. O trabalhador é geralmente visto apenas

como uma “mão” e não como uma pessoa inteira. Neste sentido, o trabalho

17 Cf. HARVEY, D., Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 11. e., São Paulo: Loyola, p. 119-131. 18 Ibid. ,p. 307. 19 Cf. ARAUJO, J. W. C., Exigências éticas de uma co-responsabilidade com a criação – uma proposta de ética ecológica. Rio de Janeiro, 2001, Dissertação de Mestrado – Departamento de Teologia, Pontifícia Universidade Católica, p. 3-27; GIDDENS, A., As conseqüências da Modernidade. São Paulo: Paulus, p. 81.

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contribuído é considerado simplesmente um “fator” de produção. A compra da

força de trabalho com dinheiro dá ao capitalista certos direitos de dispor do

trabalho dos outros sem considerar necessariamente o que estes possam pensar,

precisar ou sentir. A detalhada divisão organizada do trabalho nas fábricas reduz o

trabalhador a um fragmento de pessoa, um “apêndice” da máquina.20

O capitalismo cria sempre novos desejos e necessidades: novos produtos,

novas tecnologias, novos espaços e localizações, novos processos de trabalho, etc.

Ele é, por necessidade, tecnologicamente dinâmico, por causa das leis coercitivas

da competição. O efeito da inovação contínua é, no entanto, desvalorizar, senão

destruir, investimentos e habilidades de trabalhos passados. A inovação exacerba a

instabilidade e a insegurança, tornando-se, no final, a principal força que leva o

capitalismo a periódicos momentos de crise. A luta pela manutenção da

lucratividade apressa os capitalistas a explorarem todo tipo de novas

possibilidades. Dessa forma, o capitalismo é um sistema social que internaliza

regras que garantem que ele permaneça como uma força permanentemente

inovadora e dinâmica em sua própria história mundial.21

Muitas combinações do moderno e do tradicional podem ser encontradas nos

cenários sociais concretos. No Brasil, as desigualdades resultantes provocam sérias

tensões. Um grande contingente da população é constituído de mão-de-obra barata.

Por outro lado, muitos não têm acesso ao trabalho e, consequentemente, às

prometidas alegrias de uma sociedade de consumo. A modernização geralmente

promove a destruição das culturas locais. Os serviços públicos (saúde e educação,

sobretudo) não atendem às necessidades básicas da população e colaboram

ativamente com as mazelas do capital internacional.22

A seguir, analisaremos o desenvolvimento da ciência e da técnica que

permitiram o estabelecimento do sistema econômico capitalista a nível mundial.

20 Cf. MARX, K. O capital: critica da economia política. 5. e., São Paulo: Bertrand Brasil, 1987, 6 vol.; HARVEY, D., Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 11. e., São Paulo: Loyola, p. 101-103, p. 307. 21 Ibid., p. 102-103. 22 Cf. FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. 24. e., São Paulo: Nacional, 1991, 248 p.; TAVARES, M. C., Acumulação de capital e industrialização no Brasil, 3. e., Campinas: UNICAMP, 1998; TOURAINE, A., Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 193; HARVEY, D., Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 11. e., São Paulo: Loyola, p. 133.

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2.1.4. O desenvolvimento da ciência e da técnica

A ciência e a técnica, desde as suas origens, propõem-se a desenvolver o

saber em bases racionais e lutar contra os medos que nascem da ignorância. O

desenvolvimento da ciência teve seu inicio há pouco mais de 500 anos. Surgiu com

as descobertas astronômicas (Galileu Galilei, Nicolau Copérnico), a física de

Newton, a filosofia prática (Francis Bacon), o Iluminismo e a Revolução Industrial

(a partir do séc. XVIII)..23

Com Galileu, graças à mediação do instrumento matemático a “ciência de

Deus" passa a ser “ciência dos homens”. A astronomia de Copérnico tira a Terra

do centro do Universo, elevando-a à dignidade de astro entre outros astros. Nessa

mesma época, um filósofo muito influente, Nicolau de Cusa, proclama a imanência

do infinito dentro da finitude, por exemplo, na Terra e no homem. Já no século

XVI, com Francis Bacon, a ciência ingressa triunfalmente na prática cotidiana da

vida. Com a ciência, anunciará este filósofo que o homem poderá empreender a

própria aventura de criação de uma nova Terra, à imitação de Deus, mesmo sem

Deus.24

Descartes foi o primeiro a conceitualizar a forma moderna de duvidar, que

depois dele passou a ser o eixo invisível em torno do qual todo pensamento tem

girado. Com o método cartesiano, tudo passou a ser posto em dúvida. As então

recentes descobertas das ciências naturais haviam convencido Descartes de que o

homem, em sua busca da verdade e do conhecimento, não pode confiar nem na

evidência dada dos sentidos, nem na “verdade inata” da mente, nem tampouco na

“luz interior da razão”. Essa desconfiança nas faculdades humanas tem sido desde

23 Cf. GALIMBERTI, U., Rastros do sagrado: o cristianismo e a dessacralização do sagrado. São Paulo: Paulus, 2003, p. 232; AGOSTINI, N., Teologia Moral: o que você precisa viver e saber. 7. e., Petrópolis: Vozes, 2003, p. 22-23. 24 Cf. GALILEI, G. Dialogues. Paris: Hermann, 1966; GALIMBERTI, U. op. cit., p. 167; TILLICH, P., El futuro de las religiones. Buenos Aires : La Aurora, 1976, p. 24; BACON, F. Novum organum ou verdadeiras indicações acerca da interpretação da natureza. São Paulo: Nova Cultural, 1988; MASI, D., A sociedade pós-industrial. São Paulo: SENAC, 1999, p. 12-13; GALIMBERTI, U., op. cit., p. 167.

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então uma das condições mais elementares do mundo moderno. Descartes tornou-

se, assim, o pai da filosofia moderna desenvolvendo um novo método de pensar.25

Para Hannah Arendt, a época moderna começou quando o homem, com auxílio do telescópio, voltou seus olhos corpóreos rumo ao universo, acerca do qual especulara durante longo tempo e aprendeu que seus sentidos não eram adequados para o universo, que sua experiência quotidiana, longe de ser capaz de constituir o modelo para a recepção da verdade e a aquisição de conhecimento, era uma constante fonte de erro e ilusão. Após esta decepção, as suspeitas começaram a assediar o homem moderno de todos os lados. Sua conseqüência mais imediata, porém, foi o espetacular ascenso da ciência natural, que por longo período pareceu liberar-se com a descoberta de que nossos sentidos, por si mesmos, não dizem a verdade [...] Desde que o ser e a aparência se divorciaram, quando já não se esperava que a verdade se apresentasse, se revelasse e se mostrasse ao olho mental do observador, surgiu uma verdadeira necessidade de buscar a verdade atrás de aparências enganosas. Para que tivesse certeza, o homem tinha que “verificar”. A verdade científica não só não precisa ser eterna, como não precisa sequer ser compreensível ou adequada ao raciocínio humano.26

Não apenas as especulações filosóficas de Nicolau de Cusa e de Giordano

Bruno, mas a imaginação de astrônomos como Copérnico e Kepler, inspirados na

matemática haviam postos em dúvida a noção de um universo finito e geocêntrico

que os homens conservavam desde os tempos mais remotos. Por outro lado, nomes

como Darwin e Freud, correntes como o positivismo, o historicismo e o

pragmatismo, vêm comprovar que no século XIX, a física, a biologia, a psicologia

e as ciências históricas franqueiam motivos relativos a uma visão de mundo, os

quais, pela primeira vez sem a mediação da filosofia, vão exercer influência sobre

a consciência da época. E a prática bem-sucedida de decifrar os fenômenos

naturais através da observação e da experimentação levou à suposição de que era

possível fazer o mesmo com os fenômenos sociais, dando origem à física social de

Comte.27

O método e a ciência experimental provocaram modificações na imagem que

o ser humano tinha do mundo e na maneira como se via a si próprio. Com sua

25 Cf. ARENDT, H., Entre o passado e o futuro. 5 e., São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 84-86; DESCARTES, R. Discurso do método. 2. e. São Paulo: Martins Fontes, 2001; ARENDT, H., A condição humana. 10 e., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 286-288. 26 Cf. ARENDT, H., Entre o passado e o futuro..., p. 85-86 e p. 303. 27 Cf. HABERMAS, J. The philosophical discourse of modernity. Cambridge: Polity Press, p., 58 e 270; BRUNO, G. Sobre o infinito, o universo e os mundos. 2. e. São Paulo: Abril Cultural, 1978; COPERNICO, N. As revoluções das orbes celestes. Lisboa: Fund. Calouste Gulbekian, 1984; COMTE, A. Curso de filosofia política. São Paulo: Nova Cultural, 1988.

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racionalidade, o ser humano passou a enfrentar, a dominar e a transformar o mundo

em seu próprio proveito. Com o moderno ideal de reduzir dados sensoriais e

movimentos terrestres a símbolos matemáticos, abriu-se o caminho para uma

forma inteiramente inédita de abordar e enfrentar a natureza na experimentação.

Por outro lado, a matematização da natureza a partir de Galileu supôs um enorme

empobrecimento em nossa percepção e vivência da realidade. Pois, desse modo, o

“mundo da vida” ficou reduzido pelo da ciência e da técnica.28

Assim afirma Marcello C. Azevedo: A ciência moderna, desde os seus albores, no século XIV, criou sua autonomia a partir da inversão do processo filosófico de lógica dedutiva ou de tradicional afirmação da autoridade, pelo processo indutivo de observação e experimentação, como veículos de teste das hipóteses e elaboração das teorias. Mais tarde, a expressão matemática e formal das ciências da natureza permitiu o potenciamento de um novo processo indutivo-dedutivo-projetivo, de caráter positivo e verificável. Foi este tipo de racionalidade, próprio das ciências da natureza, que veio a configurar também a posterior formação metodológica das ciências sociais e humanas, desde a teoria econômica até a sociologia e história, a psicologia e antropologia cultural. O aspecto, porém, mais decisivo deste processo evolutivo da racionalidade científica é a progressiva articulação entre a ciência e a sua tradução técnico-tecnológica. É sobretudo por aí, em base à racionalidade instrumental, que se vai gestar a revolução industrial e, depois dela, em constante aceleração, as revoluções elétrico-eletrônica, nuclear, biológica e informática. O que as caracteriza todas é a mútua alimentação entre ciência e tecnologia.29 Estamos em grande parte num mundo que é inteiramente constituído através

de conhecimento reflexivamente aplicado, mas onde, ao mesmo tempo, não

podemos nunca estar seguros de que qualquer elemento dado deste conhecimento

não será revisado. Em ciência, nada é absolutamente certo, ainda que o empenho

científico nos forneça a maior parte da informação digna de confiança. Nenhum

conhecimento, sob as condições da Modernidade é conhecimento “no sentido

antigo”, em que “conhecer” é estar certo. Isto se aplica igualmente às ciências

naturais e sociais.30

28 Cf. RUBIO, A. G., Unidade na pluralidade. 3. e., São Paulo: Paulus, 2001, p. 20; HURSSEL, E. La crisi delle scienze europee e la fenomenologia trascendentale. Milano: Saggeatore, 1972; ARENDT, H., A condição humana. 10 e., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 277-278; QUEIRUGA, A. T. Fim do cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, 2003, p. 214-215. 29Cf. AZEVEDO, M., Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, p. 144-145. 30 Cf. POPPER, K. Conjecturas e refutações. Brasília: UNB, 1972; GIDDENS, A., As conseqüências da Modernidade. São Paulo: UNESP, 1991, p. 46.

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2.1.4.1. Críticas à ciência e à técnica

A Modernidade gestou um novo paradigma de legitimação que se explicitou

em primeiro lugar nas novas ciências da natureza: a legitimação pela mediação de

um discurso de racionalidade. Há uma “pretensão de universalidade”, o que se

concretiza nas diferentes tentativas de articular um discurso sobre o mundo como

totalidade num “sistema” capaz de abranger todas as dimensões do real. Por outro

lado, o progresso da ciência tende ao infinito e não conhece nem meta nem

cumprimento. Trata-se de um progresso altamente técnico, sem dimensão de

gratuidade e de contemplação, que se coloca a serviço de contratos comerciais e da

racionalidade econômica.31

A apropriação do conhecimento não ocorre de uma maneira homogênea, mas

é com freqüência diferencialmente disponível para aqueles em posição de poder. O

pensamento moderno se quer científico, mas é materialista; ele dissolve a

individualidade dos fenômenos observados em leis gerais. Ao mesmo tempo,

consciente da íntima razão de sua contribuição histórica, a ciência não poderia

evitar uma natural tendência imperialista, mostrando de modo cada vez mais

prepotente, suas pretensões de se converter em instância exclusiva do saber.

Consequentemente, o que nos ocorre em primeiro lugar, naturalmente, é o

tremendo aumento de poder humano de destruição e, ao mesmo tempo, o fato de

que podemos produzir novos elementos jamais encontrados na natureza.32

O progresso da técnica é também um elemento essencial da Modernidade,

com o desenvolvimento do instrumentalismo. Verificamos hoje, um verdadeiro

culto à técnica e à eficiência. Por isso, a técnica é dominadora. Sua lógica conduz

ao totalitarismo. Há o ideal de uma “tecnização” da existência. Uma sociedade

técnica e administrativa transforma o homem em objeto, o que expressa a palavra

31 Cf. HORKHEIMER, M; ADORNO, T. W. Dialética do esclarecimento: escritos filosóficos. 3. e. Rio de Janeiro: Zahar, 1991; MORI, G., A pós-modernidade e a teologia: desafios e tarefas. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. São Leopoldo, 2004, mimeografado, p. 18; OLIVEIRA, M. A., Pós-Modernidade: abordagem filosófica. p.21-22. In: TRASFERETTI, José; GONÇALVES, Paulo Sérgio L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p.22. 32 Cf. TOURAINE, A., Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 269; GIDDENS, A., As conseqüências da Modernidade. São Paulo: UNESP, 1991, p. 50; ARENDT, H., A condição humana. 10 e., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 281; QUEIRUGA, A. T., Fim do cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, 2003, p. 207-208.

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burocracia em seu sentido mais usual. O tecnicismo coloca-se a serviço da

solidariedade social, mas também da repressão policial; da produção em massa,

mas também da agressão militar ou da propaganda e da publicidade, qualquer que

seja o conteúdo das mensagens transmitidas. Ao mesmo tempo, a técnica trabalha

diretamente com o sucesso e com a eficácia, tornando-se referência suprema da

verdade, já que ela funciona. E assim, a verdade é tomada de assalto por esse

pensamento objetivo e tecnocrático.33

Não existe nenhum setor da vida e da sociedade que não tenha sido tocado

pelo saber desenvolvido pela razão técnica. Esta é extraordinariamente eficaz e

constrói um mundo realmente mais confortável. Mas, a lógica que ela impõe e a

ética que ela favorece tendem, no entanto a captar o horizonte a partir do

provisório e do imediatamente acessível. A tecnociência conseguiu certamente

enormes progressos na batalha contra as doenças e na luta por melhores condições

de vida, mas a ameaça da guerra e os incidentes nucleares ou químicos tiram a

esperança de encontrar na tecnologia a salvação. Como afirma a Populorum

Progressio, n. 34: “Corremos o risco de nos tornarmos escravos ou vítimas duma

técnica que criamos para a nossa libertação”.34

A seguir, analisaremos as implicações da relação entre a Igreja e a

Modernidade.

2.1.5. Igreja e Modernidade

Segundo Berger e Luckmann,

Com o conceito de cristandade tentou-se na Idade Média européia trazer todas as pessoas para dentro de um espaço de poder e mantê-las dentro de um único, comum e supra-ordenado sistema de sentido. Esta tentativa nem sempre teve pleno êxito.

33 Cf. GIDDENS, A.; PIERSON, C., Conversas com Anthony Giddens..., p. 83; TOURAINE, A., Crítica da Modernidade..., p. 110; AGOSTINI, N. Condicionamentos e manipulações: desafios morais. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. O itinerário da fé na “iniciação cristã dos adultos”. Estudos da CNBB n. 82, São Paulo: Paulus, p. 103; MARCUSE, H. A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. 6.. ed., Rio de Janeiro: Zahar, 1982; VATTIMO, G., O fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 26; TOURAINE, A., op. cit., p. 109-110; 177; LIBÂNIO, J. B., Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 123; HABERMAS, J. La technique et la sciencee comme ideologie. Paris : Denoel, 1984. 34 Cf. MORI, G. L. A pós-modernidade e a teologia: desafios e tarefas. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. São Leopoldo, 2004, p. 18-19; PAULO VI. Carta encíclica Populorum progressio. Documentos Pontifícios n. 165, Petrópolis: Vozes, 1967.

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Dentro da cristandade, minorias conservaram seus sistemas simbólicos especiais – judeus, hereges, cultos derivados de passado pagão. Às vezes a unidade simbólica da cristandade foi interrompida por forças poderosas do exterior (Islã) ou do interior (Igrejas orientais, albigenses). Foi sacudida de modo mais violento pela Reforma. Surgiram assim ao lado da Igreja Oriental ao menos duas outras “cristandades” – uma católica e uma protestante.35

Uma das mais difundidas e confiáveis visões da Modernidade é a de que ela

se caracteriza como a “época da história”, em oposição à mentalidade antiga,

dominada por uma visão naturalista e cíclica do curso do mundo. A Modernidade

desenvolve e elabora em termos puramente mundanos e seculares a herança

hebraico-cristã, com uma visão da história como progresso. Há uma concepção da

história de uma forma dinâmica e contínua, onde o homem é chamado a construir a

sua própria história. O mundo histórico não é algo que permanece, é precisamente

o que passa e se modifica continuamente. Com isso, sobretudo a partir do século

XVI, a sociedade começa a se tornar autônoma em relação à Igreja e à religião,

atingindo o auge com o Iluminismo e com a Revolução Francesa.36

A Igreja, diante da Modernidade, representada pelo Iluminismo e pelo

Liberalismo, assumiu no século XIX uma atitude predominantemente defensiva,

rejeitando o processo de modernização e reafirmando seus conceitos de verdade,

de revelação e de Tradição. A recusa aparece em acontecimentos manifestados no

decorrer deste processo histórico. Exemplos podem ser verificados durante os

pontificados de Gregório XVI (1831-1846) e de Pio IX (1846-1878). O primeiro,

na encíclica Mirari vos (1832), condena a liberdade de consciência, de imprensa e

de pensamento. O segundo publica a encíclica Quanta cura e o elenco de erros

modernos: o Syllabus. Dessa forma, condenam-se todas as doutrinas anticatólicas,

o panteísmo, o naturalismo, o racionalismo, o socialismo, o liberalismo e o

comunismo. Também o Concílio Vaticano I (1869-1870), ao reafirmar a

autenticidade da doutrina católica como fruto da revelação e da fé, condena o

35 Cf. BERGER, P.; LUCKMANN, T., Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 41-42. 36 Cf. VATTIMO, G., O fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. VIII-XI e p. 64; AZEVEDO, M., Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, p. 108; SOUZA, N., Evolução histórica para uma análise da pós-modernidade. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.), Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 106.

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39

pensamento moderno em todas as suas formas racionalistas.37

Tudo isto porque a Modernidade pós-cristã chegou arrasando as tradições,

questionando as autoridades, rejeitando os dogmas. A Teologia, que tinha

desenvolvido excelentemente seu estatuto racional, paradoxalmente viu-se mal

com esse surto da racionalidade Moderna pós-cristã. Essa última “tirou-lhe o tapete

dos pés”, ao negar a autoridade inquestionável da Igreja católica (Reforma), ao

defender uma religião da razão em oposição a toda religião revelada (deísmo), ao ir

mais longe, afirmando a condição absoluta da razão humana e rejeitando a

realidade transcendente de Deus (humanismo ateu).38

No entanto, com o Concilio Vaticano II (1962-1965), a Igreja reconhece que

não há uma adequação das questões de fé à nova realidade do mundo, abrindo-se

assim a um diálogo com a Modernidade. Hoje, a concepção que se tem é de que

não existe outra possibilidade de sermos verdadeiramente críticos com o processo

da Modernidade a não ser reconhecendo a realidade de seu desafio, procurando

aproveitar suas possibilidades e evitar seus perigos. Retornaremos este tema, por

diversas vezes, ao longo da nossa discussão sobre a consciência moral.39

O fato é que os desafios estão aí, para serem enfrentados e a Igreja hoje não

pode mais viver à margem da realidade sociocultural na qual se encontra. Mas, sua

relação com esta realidade deve ser crítico-construtiva, não ingênua e submissa,

nem agressiva e defensiva. Ao retomar o diálogo Igreja-Mundo, devemos ser

conscientes da complexidade e das tensões nele envolvidas.40

37 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 180; GREGORIO XVI. Carta Encíclica Mirari vos, 2. e., Petrópolis: Vozes, 1953; PIO IX. Carta Encíclica Quanta cura e o silabo, 3. e., Petrópolis: Vozes, 1959; DENZINGER, H. J. D., Enchiridion Symbolorum: definitionum et declarationum de rebus fidei et morum, (a cura di HÜNERMANN, P.). 4. e., Bologna: EDB, 2003, p. 1044-1083; SOUZA, N. Evolução histórica para uma análise da pós-modernidade. In: TRASFERETTI, José; GONÇALVES, Paulo Sérgio L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade..., p. 106-107. 38 Cf. LIBÂNIO, J. B., Desafios da pós-modernidade à teologia fundamental. In: TRASFERETTI, José; GONÇALVES, Paulo Sérgio L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade..., p. 146. 39 Cf. QUEIRUGA, A. T., Fim do cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, p. 18 e 22. 40 Cf. AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, p. 45.

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40

2.1.6 Conclusão

A grosso modo, podemos dizer que a Modernidade caracteriza-se pela crença

no progresso e na transformação da história. A ideologia modernista foi

nitidamente revolucionária, criticando em teoria, e mais tarde na prática, o poder

do rei e da Igreja Católica em nome dos princípios universais e da própria razão. A

partir dela, sobretudo com o humanismo renascentista do séc. XVI, o teocentrismo

deu lugar ao antropocentrismo. O Iluminismo do séc. XVIII veio reforçar esta

concepção, depositando a plena confiança na razão e no progresso e desafiando as

tradições.

O caráter de rápida transformação da vida social moderna deriva

essencialmente do impulso energizante de uma complexa divisão de trabalho,

aproveitando a produção para as necessidades humanas através da exploração

industrial da natureza. Na sociedade de consumo, a contínua renovação (das

roupas, dos utensílios, dos edifícios, etc.) é fisiologicamente requerida para a pura

e simples sobrevivência do sistema.

Com as descobertas científicas, sobretudo dos meios de comunicação social

e dos transportes, o mundo passou a ser uma aldeia global. A economia se

globalizou, sendo o que mais importa é a eficiência, o lucro e o consumismo. Com

todas estas mudanças, surgiu um pluralismo de modelos morais e religiosos e, ao

mesmo tempo, a incredulidade e a secularização foram ganhando terreno. É

significativo o fato de que o desenvolvimento do progresso e da técnica não

chegou a melhorar o mundo do ponto de vista moral, mas só do ponto de vista do

bem estar material.

Dando continuidade à nossa reflexão, discutiremos os problemas advindos da

Modernidade, enfatizando as questões antropológicas.

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2.2. Suposições antropológicas da Modernidade 2.2.1. Introdução

É preciso considerar que a mudança cultural proporcionada pela

Modernidade trouxe uma valorização da subjetividade, da livre escolha pessoal, da

liberdade e da consciência dos direitos fundamentais, decisivos para uma autêntica

promoção humana. Assim se fala, entre outras coisas, sobre a libertação dos

camponeses, a emancipação do proletariado, dos judeus, dos negros, das mulheres,

das colônias, etc.

Por outro lado, no mundo moderno, verifica-se uma passagem da visão

cosmocêntrica da realidade para o antropocentrismo. Tudo passa a ser julgado a

partir do ser humano, que se percebe como centro do mundo. Há o descobrimento

da subjetividade, da autonomia e, por fim, também a visão de que o ser humano é o

sujeito de sua própria história. No entanto, tudo favorecerá a uma tendência cada

vez maior ao individualismo, ao consumismo e ao egocentrismo.

O presente capítulo tem como finalidade abordar tais questões, apresentando

alguns conceitos fundamentais da antropologia moderna. Tais conceitos irão dar

suporte a uma nova reflexão da moralidade.

2.2.2. Autonomia

A Modernidade significou a emergência do sujeito autônomo, que se

posiciona ativamente diante do mundo e transforma a natureza e a sociedade a

serviço dos seus interesses, movido por uma construção mental que orienta esta

transformação. Como expressão disso surgem o sujeito empreendedor e a ciência

produtora de tecnologia.41

41 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: UNISINOS, 2001, p. 17.

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42

Kant interpretou a Modernidade como a idade da emancipação da

humanidade. Para este filósofo, com os tempos modernos, a humanidade teve a

possibilidade de atingir a maioridade pelo uso público da razão, que permitiu a

efetivação da emancipação humana pelo afastamento de todas as tutelas, em

qualquer ordem da vida, que impediam a pessoa de chegar à idade adulta.42

Com a Modernidade, há uma afirmação do ser humano como autônomo,

livre, sujeito de si e da história. Conseqüentemente, há um pluralismo dos diversos

setores do mundo social. O processo de “mundanização”, enquanto afirmação da

autonomia secular, tornou-se um modo legítimo de procurar a libertação do sujeito

humano de toda forma de heteronomia considerada opressiva, seja ela política,

social, cultural ou mesmo religiosa. O sentido de autonomia que caracteriza o ser

humano típico das modernas sociedades industriais está estreitamente ligado a uma

difusa mentalidade de consumidor. Porém, esta orientação consumista não se

limita à produção econômica, mas à sua relação com o mundo que o cerca. Dessa

forma, o sujeito percebe-se “livre”, por assim dizer, de construir sua própria

identidade individual.43

Provavelmente, o que constitui o núcleo mais determinante e talvez o

dinamismo mais irreversível do processo moderno seja uma progressiva autonomia

alcançada. Uma autonomia que começou pela realidade física, ao mostrar com

clareza crescente que as realidades mundanas apareciam obedecendo às leis de sua

própria natureza. Prosseguiu com a nova concepção da realidade social, econômica

e política, ao deixar que se visse a estruturação da sociedade, a partilha da riqueza

e o exercício da justiça como resultado de decisões humanas muito concretas.

Dessa forma, já não há mais pobres e ricos porque Deus assim o dispôs, mas

porque nós distribuímos desigualmente as riquezas de todos; o governante não

mais o é “pela graça de Deus”, e sim pela livre decisão dos cidadãos. O processo

42 KASPER, W. Jesus, el Cristo. 6. e., Salamanca: Sígueme, 1986, p. 49; OLIVEIRA, M. A. A crise da racionalidade moderna: uma crise de esperança. In: OLIVEIRA, M. A. Ética e racionalidade moderna. 2. e., São Paulo: Paulus, 1999, p. 71-72; Ibid., Pós-Modernidade: abordagem filosófica. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, p. 22. 43 Cf. PASTOR, F. A. O Discurso sobre Deus. Atualidade Teológica, Rio de Janeiro, n.1, p. 18, 1997; AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, p. 107; AGOSTINI, N. Teologia Moral: o que você precisa viver e saber. 7. e., Petrópolis: Vozes, 2003, p. 23; LUCKMANN, T. La religión invisible: el problema de la religión en la sociedad moderna. Salamanca: Sígueme, 1973, p.109; QUEIRUGA, A. T. Fim do cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, 2003, p. 20.

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43

prosseguiu pela psicologia, ao determinar que a vida e as alternativas da pessoa

não podem mais ser entendidas de maneira imediatista, senão como reações mais

ou menos livres às forças do inconsciente e às influências sociais e culturais. Neste

sentido, percebemos aspectos positivos relevantes, no que tange à percepção das

relações para com o mundo.44

A dimensão histórica tornou-se fundamental à condição humana. O sujeito

aparece, na relação com a realidade na qual se situa, como um “eu” que

experimenta vitalmente, pensa e transforma o seu mundo, ao mesmo tempo em que

este lhe aparece envolvente. Contudo, a recusa da tradição como organização

patriarcal, hierárquica e eclesial favoreceu o surgimento de uma concepção

exclusiva do mesmo “eu”.45

A crescente autonomia humana em todos os setores da vida buscou livrar-se

das forças do divino, caindo numa certa auto-suficiência. Várias vezes o Vaticano

II denunciou esta espécie de falsa autonomia, que em alguns setores da vida social

levanta “dificuldades contra qualquer dependência de Deus” (Constituição

Pastoral “Gaudium et spes, n. 20a) “com grave perigo para a vida cristã” (Decreto

Apostolicam actuositatem, n. 1b). O Concílio nos adverte que essa busca moderna

da emancipação, boa em si, e digna sem dúvida de grande apreço, deve ser

protegida “contra todas as aparências de falsa autonomia. Pois somos expostos à

tentação de pensar que os nossos direitos pessoais só estão plenamente garantidos

quando nos desligamos de todas as normas da Lei Divina. Por este caminho, longe

de ser salva, a dignidade da pessoa humana perece” (Constituição Pastoral

“Gaudium et spes”, n. 41c). Por isso, no mundo de hoje, existe um grave problema

pessoal a se resolver: “Como reconhecer legítima a autonomia que a cultura

reclama para si, sem cair em um humanismo meramente terrestre e mesmo

adversário da própria religião?” (Constituição Pastoral “Gaudium et spes”, n.

56f).46

44 Cf. KLOPPENBURG, B. O cristão secularizado. Petrópolis: Vozes, 1970, p. 28-31. 45 Cf. MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 51-52; VAZ, H. L. Antropologia Filosófica. Vol. I, São Paulo: Loyola, 1991, p. 195-197; Ibid., Vol. II, p. 33; PONTIFÍCIO CONSELHO DA CULTURA; PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO. Jesus Cristo, portador da água viva: uma reflexão cristã sobre a Nova Era. São Paulo: Paulinas, p. 60. 46 Cf. CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. e. Petrópolis: Vozes, 1996; KLOPPENBURG, B. op. cit., p. 30-31.

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44

2.2.3. Liberdade Humana

Com a Modernidade, percebe-se que a liberdade é sempre mediada pela

realidade concreta do espaço e do tempo, pela corporalidade e pela história humana

de cada um. Neste sentido, a liberdade é sempre limitada. Porém, ela não é

simplesmente a faculdade de fazer isto ou aquilo, mas a faculdade de decidir sobre

si mesmo e construir-se a si mesmo. Portanto, liberdade não existe como qualidade

e possibilidade de ação de um sujeito qualquer, abstrato, autárquico e auto-

suficiente. Em si mesma a liberdade é de natureza responsorial, dentro de uma

realidade concreta. Ao mesmo tempo, encontra-se aberta e introduzida ao espaço

das liberdades comunicantes, já que somos seres de relação, de

intersubjetividade..47

Com o advento da época moderna enfatizou-se a conquista da liberdade

subjetiva assegurada pelo direito privado, para a persecução dos interesses

próprios. Na esfera do Estado, buscou-se a realização da igualdade de direitos, na

formação da vontade coletiva, com certo bem-estar econômico e social, por meio

da democracia política. A estrutura das sociedades modernas permitiu um

pluralismo religioso que tornou possível a disposição de uma multiplicidade de

ofertas de escolha de confissões religiosas. Por outro lado, criou condições para o

surgimento de crises subjetivas e intersubjetivas de sentido, que irão refletir na

relação com o sagrado. 48

Além disso, o mundo, a sociedade, a vida e a identidade tornaram-se cada

vez mais problematizados sempre com maior vigor. Tudo é questionado e

submetido a várias interpretações. Nenhuma perspectiva moderna passou a ser

assumida como única em validade ou ser considerada inquestionavelmente correta.

47 Cf. RAHNER, K. Curso fundamental da fé. 2. e., São Paulo: Paulus, 1989, p. 51-54; HÄRING, H. Da queda ao pecado hereditário: apontamentos ao Catecismo da Igreja Católica. Concilium, Petrópolis, fasc. 304, p. 38, 2004; HÜNERMANN, P. Experiência do “pecado original”? Concilium, Petrópolis, Vozes, fasc. 304, p. 116, 2004. 48 Cf. HABERMAS, J. O discurso filosófico da Modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1998, p. 121; BERGER, P.; LUCKMANN, T. Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 59 e 80-81.

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45

De uma certa forma, isto é visto como grande libertação, como abertura de novos

horizontes e possibilidades de vida. Mas este processo passou a ser percebido

também como um peso, onde a maioria das pessoas sente-se insegura num mundo

confuso e cheio de possibilidades de interpretação. Ou seja, a maioria das pessoas

sente-se perdida nas tomadas de decisões.49

No mundo moderno, a liberdade de cada um não conhece outro limite que a

liberdade dos outros, o que impõe a aceitação de regras da vida em sociedade que

são puras obrigações, mas necessárias ao exercício da liberdade, a qual seria

destruída pelo caos e pela violência. Por outro lado, alcançamos um grau muito

maior de liberdade individual, mas caímos no risco de tratar os outros em termos

puramente objetivos e instrumentais. Caímos também no risco de nos

relacionarmos com os “outros” sem rosto por meio do frio e insensível cálculo dos

necessários intercâmbios monetários, rendendo-nos às forças hegemônicas da

racionalidade econômica.50

2.2.4. Subjetividade

A subjetividade pode ser tomada como: a percepção do próprio eu interior e

de sua atenção à realidade exterior; a consciência da centralidade e eventual

interferência deste sujeito, assim percebido, na compreensão do objeto, isto é,

daquilo que não é o próprio sujeito; e, a consciência da influência decisiva deste

sujeito enquanto fator de ação e de transformação de si, do mundo e da história.51

Os históricos acontecimentos-chave para o estabelecimento do princípio da

subjetividade foram a Reforma, o Iluminismo e a Revolução Francesa. Com

Lutero, a fé religiosa tornou-se reflexiva, onde o mundo divino transformou-se em

algo postulado por nós. Contra a fé na autoridade da prédica e da tradição, o

protestantismo passou a proclamar a soberania do sujeito que faz valer o seu

49 BERGER, P.; LUCKMANN, T. Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 54. 50 Cf. TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 273; HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 11 e., São Paulo: Loyola, 2003, p. 34. 51 Cf. AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, p. 142-143.

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próprio discernimento. Logo depois, a Declaração dos Direitos Humanos e o

Código Napoleônico consagraram o princípio do livre arbítrio como fundamento

substancial do Estado. Dessa forma, percebemos que a Modernidade não é

separável da esperança colocada na razão e nas suas conquistas; esperança

investida nos combates libertadores; esperança depositada na capacidade de cada

indivíduo livre de viver cada vez mais como sujeito.52

Contudo, para Kierkegaard, o ser humano encontra-se perdido no labirinto

do progresso mecânico, desamparado e quase desesperado. Sua única esperança

está na compreensão da própria existência. Tal compreensão não pode ser

alcançada por meio da inteligência e sim pela fé pura, pela relação humana com

Deus. Isolado do mundo natural pela adesão à técnica e afastado de Deus, o ser

humano moderno tornou-se uma “pessoa deslocada”.53

Para Hegel, o princípio do mundo moderno é em geral a liberdade da

subjetividade. Partindo deste princípio, ele vai afirmar a superioridade deste

mundo moderno, mas, por outro lado, a sua vulnerabilidade à crise. Isto se dá pelo

fato de o mundo ser um mundo do progresso e de ser ao mesmo tempo o mundo do

espírito alienado de si próprio. Por isso, contra a encarnação autoritária da razão

centrada, Hegel convoca o poder unificador da intersubjetividade, que se apresenta

sob os títulos de “amor” e “vida”. A época do Iluminismo, que culmina em Kant e

Fichte, erigiu a razão em um mero ídolo, elevando-a como algo absoluto.54

Já na concepção de Heidegger, o mundo sempre antecede ao sujeito que,

agindo ou conhecendo, relaciona-se com objetos. Não é o sujeito que estabelece

relações com algo no mundo, mas é o mundo que, em primeiro lugar, institui o

contexto a partir de cuja compreensão nós podemos deparar com o ente. Segundo

essa compreensão pré-ontológica do Ser, o ser humano, enquanto humano, está

originalmente envolvido na relação de mundo o qual não existe um eu isolado, mas

um eu-com-os-outros.55

Neste sentido, na concepção moderna, o ser para o outro é a única maneira

que o indivíduo tem de viver como sujeito. Nenhuma experiência é mais central

52 Cf. HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1998, p. 26- 28; TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis; Vozes, 1999, p. 289. 53 Cf. KIERKEGAARD, S. O desespero humano. São Paulo: Martins Claret, 2002, p. 123 e 126. 54 Cf. HABERMAS, J. op. cit., p. 25-27; 36 e 44-45. 55 Ibid., p. 208-210; HEIDEGGER, Ser e tempo. 4. ed., Petrópolis: Vozes, 1993, p. 116.

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que essa relação ao outro pela qual um e outro se constituem como sujeitos. Ou

seja, a pessoa humana não se define por instituições ou ideologias, mas

simultaneamente nas relações sociais e na consciência de si, na afirmação do Eu.

Define-se pela reflexividade e pela vontade, pela transformação refletida de si

mesmo e do seu meio ambiente. E é somente quando o ser humano sai de si mesmo

e fala ao outro, não nos seus papéis, nas suas posições sociais, mas como sujeito,

que ele é projetado fora do seu próprio si-mesmo, de suas determinações sociais, e

se torna liberdade.56

2.2.4.1. Subjetividade e individualismo

O individualismo não resulta apenas do enfraquecimento dos laços

comunitários e da solidariedade da sociedade tradicional, mas é um valor

proclamado e justificado pelos autores modernos, desde o século XVIII, época do

Iluminismo, tendo como um dos primeiros teóricos, Locke. O surgimento e a

disseminação rápida da sociedade de consumo e, depois, a sociedade de

informação, fizeram nascer o individualismo, onde somos tão facilmente

trapaceados. Na sociedade moderna, a referência primeira e última tornou-se o

indivíduo, como medida inclusive do que está além de si mesmo. De fato, é com a

Modernidade que emerge de maneira explícita, forte e avassaladora essa onda

individualista autocentrada.57

O individualismo proporciona as bases do ilusório sentido de “autonomia”

que caracteriza a pessoa típica da sociedade moderna. Nele, a sensibilidade se

circunscreve ao campo do interesse pessoal em detrimento do bem coletivo e da

percepção subjetiva da existência do outro. Dessa forma, ao invés de proteger a

dimensão sensível dos seres humanos, a fuga para o mundo privado auxilia na

56 Cf. TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 239; 285-286; 292 e 305. 57 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 142; VAZ, H. C. de L. Antropologia filosófica. Vol. I. São Paulo: Loyola, 1991, p. 91; TOURAINE, A. op. cit., p. 272; 311; AGOSTINI, N. Ética cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 98; LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 134.

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banalização da violência e do autoritarismo social.58

Com a sociedade moderna, temos uma organização social que acentua o

isolamento dos indivíduos, incentiva um comportamento que leva ao egoísmo e

coloca as pessoas numa competição estressante, especialmente nas áreas urbanas.

E assim, o individualismo, como ideologia moderna de fundo, e o primado do

econômico como parâmetro primordial ao qual se subordinam o social, o cultural e

o político, todos desembocam na frustração ou na perversão até mesmo de valores

modernos que são fundamentalmente cristãos, como a liberdade, a igualdade e a

fraternidade. Na esteira da ideologia e da competição individualista e das

dinâmicas seletivas do poder econômico e político, a igualdade entre as pessoas

ficou perdida em meio à injustiça estrutural no plano dos indivíduos e dos povos. 59

Com a Modernidade, houve uma valorização da subjetividade, da livre

escolha pessoal, da liberdade e da consciência dos direitos fundamentais, decisivos

para uma autêntica promoção humana. Mas, por outro lado, houve uma tendência a

um subjetivismo exacerbado, levando ao narcisismo do indivíduo demasiadamente

preocupado consigo mesmo, e que exalta o consumismo materialista como grande

objetivo de vida, trazendo um empobrecimento das relações pessoais e sociais. A

subjetividade conduz a uma integração melhor da pessoa humana no nível

existencial de seu conhecimento e afetividade. Contudo, a ênfase indevida sobre a

subjetividade pode levar ao relativismo subjetivista e arbitrário, debilitando a

confiança mútua e tornando o ser humano vulnerável a abertura para uma possível

integração de mente e coração, de teoria e prática e de diálogo no pluralismo.60

58 Cf. LUCKMANN, T. La religión invisible: el problema de la religión en la sociedad moderna. Salamanca: Sígueme, 1973, p. 108. 59 Cf. AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, p. 4 e 89; PONTIFÍCIO CONSELHO DA CULTURA; PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO. Jesus Cristo, portador da água viva: uma reflexão cristã sobre a Nova Era. São Paulo: Paulinas, n. 112. 60 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 142; VAZ, H. C. de L. Antropologia filosófica, Vol. I. São Paulo: Loyola, 1991, p. 91; AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, p. 142-143.

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49

2.2.5. Racionalismo e razão instrumental

Ao abandonar o império da tradição e da superstição para abraçar as luzes do

mundo moderno, a humanidade deixou para trás a suposta obscuridade da era

medieval. Deixou também a compreensão do mundo através de sua dimensão

sensível, pois a história humana passou a ser pautada por uma recorrente dicotomia

entre razão e sensibilidade, aonde a razão vem desempenhando o papel de

protagonista. Neste sentido, o mundo moderno do trabalho racional é o mundo do

consumo e do exercício do poder. As instituições políticas e econômicas chegaram

a especializar-se crescentemente em suas funções, tornando-se cada vez mais

“racionais”, com uma complexa divisão do trabalho e com um alto grau de

autonomia.61

A Modernidade é, antes de tudo, o triunfo da razão. Não se trata, porém, de

um avançar linear e avassalador da razão de modo inevitável, inelutável e

uniforme. Varia conforme nações, grupos sociais, setores, interesses, indivíduos.

Não produz efeitos iguais em todas as partes. Como toda realidade histórica, joga

com elementos previsíveis, dentro de certa lógica, mas também com outros

aleatórios, ocasionais.62

Ela é marcada pela racionalidade científico-tecnológica, que se enveredou

por um caminho irreversível. O progresso científico ilimitado e o desenvolvimento

tecnológico vieram para ficar. Não existe Modernidade sem racionalização; mas

também não sem formação de um sujeito-no-mundo que se sente responsável

perante si mesmo e perante a sociedade.63

Para Lima Vaz, os traços fundamentais da concepção racionalista do ser

humano são a subjetividade do espírito como res cogitans e consciência-de-si, bem

como a exterioridade, concebida mecanicisticamente, do corpo com relação ao

61 Cf. LUCKMANN, T. La religión invisible: el problema de la religión en la sociedad moderna. Salamanca: Sígueme, 1973, p. 106; BERGER, P.; LUCKMANN, T. Modernidade, pluralismo e crise de sentido – a orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 78; HABERMAS, J. O discurso filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 146. 62 Cf. LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 117. 63 Cf. TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 215; LIBÂNIO, J. B. Desafios da pós-modernidade à teologia fundamental. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 151.

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espírito. Esse dualismo da idéia racionalista do ser humano apresenta-se

essencialmente diverso do dualismo clássico, de feição platônica ou platonizante.

Na concepção moderna, o espírito como res cogitans separa-se do corpo como res

extensa, não para elevar-se à contemplação do mundo das Idéias (como no Fédon

platônico), mas para melhor conhecer e dominar o mundo conforme o Discurso do

Método (1637) de Descartes.64

A partir de Descartes, o interesse centra-se no próprio sujeito: cogito ergo

sum. O ser humano torna-se o juiz da verdade. A reflexão e a análise crítica são

muito valorizadas. Assim, o ser humano torna-se fortemente crítico. O ceticismo,

como orientação de vida, leva a optar pela interrogação mais do que pela resposta.

O espírito crítico extremamente afiado está igualmente presente, em relação à

questão sobre Deus. É o ser humano quem interroga a Deus, especialmente sobre o

seu silêncio em face do mal. Ícone do pensamento científico moderno, Descartes

acreditava que o bom senso ou a razão teria o poder de bem julgar e de distinguir o

verdadeiro do falso. Seu discurso pela busca da verdade como sinônimo da razão

atravessou séculos e alicerçou o desenvolvimento do mundo moderno. E esta

mesma razão que pautou a Modernidade produziu tanto ordem e progresso, como

inúmeros episódios de insensatez na história humana.65

O projeto do Iluminismo considerava que o mundo poderia ser controlado e

organizado de modo racional se ao menos se pudesse apreendê-lo e representá-lo

de maneira correta. Mas isso presumia a existência de um único modo correto de

representação que, caso pudesse ser descoberto (e era para isso que todos os

empreendimentos matemáticos e científicos estavam voltados), forneceria os meios

para os fins iluministas. Com isso, houve uma crescente busca de compreensão do

mundo, representando-o como natureza, por meio da técnica e da ciência. Por meio

delas o ser humano pretendeu satisfazer a duas das necessidades fundamentais que

se manifestam na sua relação com a realidade exterior: a de suas carências, que se

64 Cf. VAZ, H. C. L. Antropologia filosófica. Vol. I, São Paulo: Loyola, 1991, p. 82-83. PLATÃO. Fédon. Coleção “Clássicos gregos”. São Paulo: Imprensa Oficial, 2000; DESCARTES, R. Discurso do método. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 65 Cf. KLOPPENBURG, B. O cristão secularizado..., p. 28-29.

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estendem do biológico ao espiritual, e à inata e incoercível necessidade de

conhecer. 66

Nos seus ensaios sobre sociologia da religião, o tema central da obra de

Weber é o processo universal de racionalização e desencantamento, mutuamente

relacionados. A emergência da sociedade moderna ocidental é explicada por

Weber em termos de “processo de racionalização”, no qual as religiões universais,

e em particular o cristianismo, tiveram um papel preponderante. A racionalização

social é vista por ele como especificação da economia, cujo núcleo organizador é a

empresa capitalista, e do Estado moderno, cujo núcleo organizador é o aparelho de

Estado. Cada um destes núcleos é responsável pela racionalização em diversos

domínios: a empresa racionaliza a utilização técnica do saber científico, a força de

trabalho, os investimentos, a contabilidade e a gestão; o aparelho estatal racionaliza

a organização burocrática da administração, o poder judiciário, a força militar e o

sistema fiscal. E, por fim, o direito formal moderno ocupa, segundo Weber, um

lugar importante na organização e na mútua relação destes subsistemas da

sociedade.67

Weber, ao traçar seu diagnóstico do mundo moderno, nota um crescimento

desmedido da racionalidade instrumental e aponta a tendência a uma perda do

sentido e uma perda da liberdade, fruto do poder crescente e inelutável de uma

sociedade burocratizada, transformada numa “jaula de ferro”, em sua conhecida

expressão. Weber alegava que a esperança e a expectativa dos pensadores

iluministas era uma amarga e irônica ilusão. Eles mantinham um forte vínculo

necessário entre o desenvolvimento da ciência, da racionalidade e da liberdade

humana universal. Mas, quando desmascarado e compreendido, o legado do

Iluminismo foi o triunfo da racionalidade, de uma forma que afeta todos os planos

da vida social e cultural. Por isso, Nietzsche afirma que a razão outra coisa não é

senão a vontade perversa de poder, ambição essa que a razão oculta de um modo

tão fascinante.68

66 Cf. RAHNER, K. Teologia e antropologia. São Paulo: Paulinas, 1969, p. 26; HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 11. e., São Paulo: Loyola, 2003, p. 34-35. 67HARVEY, D. Condição Pós-Moderna...,p. 46-47; WEBER, M. The sociology of religion. Boston: Beacon Press, 1993. 68 Cf. ARAUJO, L. B. L. A sociologia weberiana da religião na teoria do agir comunicativo. In: ROLIM, F. C. (Org.). A religião numa sociedade em transformação. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 53-54; HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1998,, p. 62.

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Devido a esta sede de poder, Horkheimer e Adorno entregaram-se a um

desenfreado ceticismo perante a razão. Para eles, a ciência moderna voltou a si

mesma no positivismo lógico e renunciou à pretensão empática de conhecimento

teórico em favor da utilidade técnica. Na obra A dialética do esclarecimento

(1972), tais autores afirmam que com a economia capitalista e o estado moderno

reforça-se a tendência a reduzir tudo ao limitado horizonte da racionalidade. Com

isso, a própria razão corre o risco de destruir a humanidade. 69

Escrevendo sob as sombras da Alemanha de Hitler e da Rússia de Stálin,

Horkheimer e Adorno alegam que a lógica que se oculta por trás da racionalidade

iluminista é uma lógica da dominação e da opressão. A ânsia por dominar a

natureza envolve também o domínio dos seres humanos. O Iluminismo, ao buscar

a emancipação humana, caiu num sistema de opressão universal em nome da

libertação humana. E o século XX (com seus campos de concentração e esquadrões

da morte, seu militarismo e duas guerras mundiais, suas ameaças de aniquilação

nuclear e sua experiência de Hiroshima e Nagasaki) certamente deitou por terra o

otimismo que havia em relação à razão objetiva.70

As análises da Escola de Frankfurt puseram a descoberto os efeitos terríveis

da “razão instrumental”, isto é, de uma razão científica que, abandonada a si

mesma, sobre o domínio da natureza acaba montando e justificando a exploração

do ser humano. Ela assimilou-se ao poder e renunciou à sua força crítica. Dessa

forma ficou a serviço do egoísmo possessivo. O universalismo da razão tornou-se

uma máquina formidável de destruição das vidas individuais. A aceleração do

progresso provocou um sacrifício permanente de uma grande parte da humanidade

que vive na pobreza e na miséria. Com tudo isso, pode ainda o mundo ocidental

acreditar que o triunfo da técnica associado ao poder popular libertará o homem da

ignorância, da irracionalidade e da pobreza? 71

Com a Modernidade, a razão buscou dominar toda a realidade, dirigindo e

animando todo o processo civilizatório ocidental. Dessa forma, houve uma

69 Cf. HORKHEIMER, M; ADORNO, T. W. Dialética do esclarecimento: escritos filosóficos. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1991; HABERMAS, J. O discurso filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 159-162 e 185. 70 Cf. HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 11. e., São Paulo: Loyola, 2003, p. 23-24. 71 Cf. HABERMAS, J. O discurso filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 170; TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis; Vozes, 1999, p. 115 e 271.

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reificação de tudo, favorecendo o domínio predatório do ser humano em relação à

natureza. Esta racionalidade extremada conflita com experiências lúdicas, estéticas,

de gratuidade. Empobrece e encurta o universo das experiências humanas.

Dificulta ter experiências salvíficas na relação com os outros, com a natureza, com

a história. Obscurece a compreensão de uma revelação que se fundamenta na

gratuidade da oferta e acolhida. E os problemas da vida tornam-se meros

problemas equacionados como de ordem técnica.72

A busca de compreensão por meio da universalidade da razão reduziu o

mundo aos limites da própria razão. O que não pode ser analisado, medido,

possuído passou a ser visto como não existente: a razão que mede o fenômeno

passou a ser o juiz que distingue o real do irreal, o sentido do não sentido. E os

próprios eventos históricos ficaram reduzidos a constantes repetições,

homologados às ciências da natureza, transformados em mensuráveis.73

2.2.6. Autoconsciência

Por fim, uma das suposições antropológicas fundamentais da era moderna é a

autoconsciência, já que se trata de uma das características humanas essenciais. A

autoconsciência é o conhecimento de si que é próprio do ser humano. Nela, se

constrói as múltiplas significações da experiência e da ação na vida humana. No

entanto, a constituição do sentido na consciência não se dá por meio de um sujeito

isolado, de uma mônada “sem janela”. A vida cotidiana está repleta de múltiplas

sucessões de agir social, e é somente neste agir que se forma a identidade pessoal.74

Para Marx, o ser humano produz a sua própria vida. Portanto, na pessoa

humana, a vida só pode ser chamada propriamente humana quando se torna uma

atividade vital consciente. Essa produção da própria vida irá implicar nela os

predicados especificamente humanos da consciência-de-si, da intencionalidade, da

linguagem, da fabricação e uso de instrumentos e da cooperação com seus

72 Cf. LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade... p. 123-124. 73 Cf. GALIMBERTI, U. Rastros do sagrado: o cristianismo e a dessacralização do sagrado. São Paulo: Paulus, 2003, p. 175-176. 74 Cf. BERGER, P.; LUCKMANN, T. Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 14 e 17-18.

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semelhantes. Conquanto algumas destas características, como a intencionalidade, a

fabricação e uso de instrumentos e o comportamento gregário possam encontrar-se

igualmente nos animais, pelo menos sob uma forma análoga, a consciência-de-si e

a linguagem são predicados exclusivos da pessoa humana e, como capacidades

cognoscitivas, são capazes de imprimir uma feição especificamente humana às

outras características.75

Freud nos diz que não somos senhores absolutos de nossa própria

consciência, já que grande parte daquilo que somos é determinado pelo

inconsciente. A consciência é o centro ou, pelo menos, um dos pólos em torno dos

quais se organiza a vida psíquica, os outros sendo o inconsciente e os estados

supraconscientes. No entanto, a psicanálise se recusa a considerar a consciência

como formadora da própria essência da vida psíquica, vendo-a como uma simples

qualidade dessa vida, que coexiste com outras qualidades. Em lugar de partir da

consciência é necessário partir do inconsciente, no sentido de atividade psíquica

profunda da qual a consciência nada mais é que o invólucro em contato com a

realidade que ela percebe.76

Nietzsche vê na consciência uma construção social ligada à linguagem e à

comunicação, portanto aos papéis sociais. Em sua obra A Gaia ciência, o filósofo

afirma que a consciência é o que há de menos realizado e de mais frágil na

evolução da vida orgânica. De sorte que quanto mais um ser tem consciência, mais

ele multiplica os passos falsos, os atos falhos que o fazem perecer.77

A tese básica dos filósofos modernos da consciência é de que a realidade é

sempre uma realidade descrita de alguma forma. Nós nos situamos sempre na

pluralidade e na diferença desses sistemas de interpretação, de modo que nossas

categorias, nossa linguagem, nossas produções sociais, nossas convicções e nossas

necessidades são todas contingentes e não há mecanismos que possam eliminar sua

contingência. Portanto, sempre estamos num universo de interpretação. Todo

75 Cf. MARX, K. Economia política e filosofia. Rio de Janeiro: Melso; ELSTER, J. Marx, hoje. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989; VAZ, H. C. de L. Antropologia filosófica. Vol. I, São Paulo: Loyola, 1991, p. 128. 76 Cf. VAZ, H. C. de L. op. cit., p. 191; TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis ; Vozes, 1999, p. 127; FREUD, S. Esboço de psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1974; O ego e o id. Rio de Janeiro: Imago, 1975; Metapsicologia. Rio de Janeiro: Imago, 1974; Obras completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Delta [19 ?]. v. 7. 77 Cf. NIETZSCHE, F. W. A gaia ciência. São Paulo: Hemus, 1981; TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis; Vozes, 1999, p. 118.

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acesso a entidades do mundo passa pelos processos intersubjetivos de

entendimento dos mundos vividos das diferentes comunidades históricas, de tal

modo que a objetividade nada mais é do que o maior acordo intersubjetivo

possível.78

O sujeito só adquire autoconsciência à custa da objetivação, tanto da

natureza exterior como da própria natureza interior. Só se pode falar de consciência

quando se trata da consciência de um eu, implicando a reflexividade que permite

opor o eu aos seus objetos. Esse processo é possível por meio da linguagem. É o

que Kant nos mostra, ao afirmar que no conceito de auto-reflexão, o eu assume

simultaneamente a posição de um sujeito empírico que se encontra no mundo,

como objeto em meio a outros objetos, e a posição de um sujeito transcendental

diante do mundo em seu todo, que ele próprio constitui como a totalidade dos

objetos da experiência possível. A autoconsciência, portanto, em Kant trata-se da

estrutura da auto-relação do sujeito cognoscente que se debruça sobre si mesmo

como sobre um objeto para se compreender como uma imagem refletida num

espelho, precisamente “numa atitude especulativa”. Ele faz da razão o supremo

tribunal perante o qual tem de apresentar uma justificação tudo aquilo que de uma

forma geral reclama qualquer validade. 79

Percebemos que no discurso da Modernidade, o ser humano é visto

preferentemente como indivíduo autônomo e também atomizado, caindo no

individualismo e no subjetivismo. As coisas, agora sujeitas e dominadas pelo

homem, terminam sua razão de ser no próprio homem? Não resta dúvida de que a

resposta afirmativa levaria a um antropocentrismo fechado, imanente, auto-

suficiente.80

A história demonstra que a pessoa humana moderna foi arremessada para

dentro de si mesma. Uma das persistentes tendências da filosofia moderna desde

78 Cf. OLIVEIRA, M. A. Pós-Modernidade: abordagem filosófica. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 40-42. 79 Cf. HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1998, p. 29 e 61; VAZ, H. C. de L. Antropologia filosófica. Vol. I. São Paulo: Loyola, 1991,p. 188; HABERMAS, J. O discurso filosófico da Modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 365-368; KANT, I. Crítica da faculdade do juízo. 2. e., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002; Id., Crítica da razão prática. São Paulo: Martins Fontes, 2002; Id., Crítica da razão pura e outros escritos filosóficos. São Paulo: Abril Cultural, 1974. 80 Ibid., p. 62; QUEIRUGA, A. T. Fim do cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, 2003, p. 25.

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Descartes, e talvez a mais original contribuição moderna à filosofia, tem sido uma

preocupação exclusiva com o ego, em oposição à alma ou à pessoa ou ao ser

humano em geral. Trata-se de uma tentativa de reduzir todas as experiências, com

o mundo e com outros seres humanos, na experiência entre o homem e si mesmo.

No entanto, a Modernidade aprofundou também no ser humano a consciência

explícita de seu potencial de relação. O indivíduo-em-relação é pessoa, que se abre

à multiplicidade de uma rede de relações em muitas frentes com a natureza, com as

coisas, consigo mesmo, com outras pessoas e com Deus.81

2.2.7. Conclusão

Modernidade é fundamentalmente racionalidade e racionalização, criando

uma “ordem” a partir do “caos”. A suposição é a de que criando mais

racionalidade, conduziremos a uma ordem maior, e que uma sociedade mais

ordenada funcionará melhor. Por isso, a sociedade moderna está sempre vigilante

frente àquilo que é considerado como uma possível desordem, ou que pode romper

a ordem. Na sociedade ocidental, a desordem torna-se, muitas vezes, “o outro” que

deve ser eliminado para que se mantenha a ordem.

Antes de tudo, a Modernidade nos apresenta um discurso da autonomia da

razão contra a tutela que a instância religiosa exercia sobre todos os campos da

vida humana. Neste sentido, ela reivindica a autonomia das diferentes esferas da

existência em face do sagrado. A razão moderna afirma sua autonomia através da

liberdade. Com isso, a Modernidade pensou ter chegado à afirmação do ser

humano autônomo, sujeito de si e da história. Por outro lado, o conceito que a

ciência tem da vida restringiu-se basicamente à funcionalidade do organismo vivo.

O universo da religião, da revelação e da metafísica cedeu lugar ao reino da

razão positiva. Como conseqüência, temos uma crise da religião, desencantamento

do mundo, secularismo generalizado e ateísmo rompante. Para muitos, Deus

acabou aparecendo como inimigo do progresso e da plenitude humana e, ao final,

como anulação do ser humano.

Além do culto à razão, a Modernidade fez da produção a mola-mestra para a

81 Cf. ARENDT, H. A condição humana. 10 e., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 266; AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, p. 142.

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satisfação das necessidades. O peso dado ao processo produtivo, passando pelo

crivo da razão técnico-científica, acabou sacrificando elementos vitais do humano,

deslocando o lugar do gratuito, do afetivo, do simbólico e do espiritual, quando

não, excluindo-os sem mais.

Estes elementos são fundamentais para serem aprofundados, tendo em vista

que eles irão provocar uma virada na concepção dos valores a serem vividos a

partir de então. Dentro deste processo, não podemos deixar de levar em conta o

problema da secularização.

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2.3. Modernidade e secularização

2.3.1. Introdução

Dando continuidade à nossa reflexão, trataremos agora do tema da

secularização, que surge neste contexto de Modernidade. Tal processo é

irreversível, embora não ocorra de forma homogênea nos países e na sociedade, e

atinge a organização da sociedade moderna em sua cultura e mentalidade coletiva.

De um modo geral, por “secularização” (saeculum→ “este mundo, esta era”)

se entende por um processo histórico pelo qual o mundo toma consciência de sua

consistência e autonomia. Secularização significa a libertação do ser humano de

todas as explicações religiosas, sobrenaturais, míticas e metafísicas do mundo. Em

sentido filosófico-histórico e cultural, designa o processo de formação da cultura e

da ética da sociedade burguesa, sublinhando sua autonomia e emancipação com

relação ao cristianismo. Com a Modernidade, o humanismo moderno ateu depôs

Deus de seu lugar absoluto, Criador e Senhor, para pôr aí o ser humano.82

É clara a distinção entre secularização e secularismo. A primeira comporta a

retração de domínios inteiros da cultura e da sociedade de sua dependência em

relação à dimensão religiosa ou mítica. A secularização, sem excluir o

transcendente, busca no imanente a explicação que este lhe pode dar para os

fenômenos. Enfatiza o especificamente humano e sua autonomia na percepção e

elucidação da realidade. Já o secularismo exacerba a tendência legítima da

secularização e a conduz à inaceitável negação e exclusão do religioso e do

transcendente e à afirmação exclusiva do imanente. Enquanto a secularização é

82 Cf. Constituição Pastoral Gaudium et spes, n. 19. In: CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. e. Petrópolis: Vozes, 1996; KLOPPENBURG, B. O cristão secularizado: o humanismo do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 17-18; n. 1, p. 18 e 107-108; ADOLFS, R. Igreja, túmulo de Deus? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968; LIBÂNIO, J. B. Desafios da pós-modernidade à teologia fundamental. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática.São Paulo: Paulinas, 2003, p. 162.

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apenas a constatação de um processo histórico que se mantém aberto ao

transcendente, o secularismo implica uma nova visão fechada do mundo que exclui

a transcendência, não reconhecendo outros valores fora do mundo.83

Secularização remete à autonomização das esferas sociais em relação à

religião e à subjetivação das crenças. Supõe a separação jurídica do Estado em

relação a determinada religião e a concessão e a garantia de liberdade de opção

religiosa dos cidadãos. A religião deixa de ser a instância ordenadora do social e se

circunscreve ao âmbito do privado, da subjetividade individual, perdendo ou

diminuindo seu poder e sua importância simbólica na sociedade.84

Como afirma a Constituição Pastoral Gaudium et spes, n. 7c:

As novas condições (provocadas pelas mudanças culturais, sociais, psicológicas e

morais) influem na própria vida religiosa. De uma parte o espírito crítico mais agudo a

purifica de uma concepção mágica do mundo e de superstições ainda espalhadas e exige

uma adesão à fé cada vez mais pessoal e operosa. Por isso, não poucos se aproximam de

um sentido mais vivo de Deus. Por outra parte, multidões cada vez mais numerosas

afastam-se praticamente da religião.85

2.3.2. Secularização: uma leitura a partir de Peter Berger

Segundo Peter Berger, um dos maiores estudiosos do assunto, secularização

é o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à

dominação das instituições e símbolos religiosos. Baseado em Max Weber, ele

afirma que foi a própria religião ocidental judaico-cristã, e especialmente a

Reforma, um dos elementos responsáveis pela construção da Modernidade com

que agora se confronta como oponente. A secularização não significa a negação

total da religião, mas antes o fim dos monopólios religiosos e expulsão da religião

do espaço público. Com isso, dá-se um pluralismo religioso, inaugurando uma

83 Cf. AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques: vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, p. 82; KLOPPENBURG, B. O cristão secularizado: o humanismo do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1979, p. 19. 84 Cf. WILSON, B. The secularization thesis: criticisms and rebuttals. In: LAERMANS, R.; WILSON, B.; BILLIET, J. Secularization and social integration. Leuven: Leuven Unversity Press, 1998, p. 49. 85 Cf. Constituição Pastoral Gaudium et spes, n. 7. In: CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. e. Petrópolis: Vozes, 1996.

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situação de mercado onde as diferentes alternativas religiosas concorrem pela

preferência dos fiéis. Por outro lado, na moderna sociedade o mais numeroso é o

tipo de “cristão de nome”, que pertence de alguma forma a uma Igreja, mas de

maneira descompromissada.86

Para Peter Berger, a Modernidade seculariza o mundo. Ou seja, retira-o do

dossel religioso tanto no nível objetivo e macrossocial, quando as instituições mais

importantes da sociedade escapam da tutela religiosa, como também no nível

subjetivo das consciências individuais, que se não a abandonam de todo, passam a

ver a religião como uma questão da vida privada e de foro íntimo. A Modernidade

e a secularização, ao substituir o reino da graça pelo da justiça social e ao

transformar a questão teológica da pobreza e da dor em questão antropológica e

política, desalienam o ser humano. No entanto, tal qual Weber, ele sublinha que a

Modernidade não oferece respostas para problemas fundamentais como a morte e o

sentido da vida.87

Berger critica a consciência moderna pelo fato de ter a pretensão de negar o

transcendente e também aponta a incompetência moral da consciência moderna e

da sua razão. Como Weber, não compartilha a utopia iluminista de que a razão

poderia criar um mundo mais humano. Mas, por outro lado, muitas guerras e

mortes teriam sido evitadas se as pessoas tivessem aprendido a duvidar de suas

convicções fundamentalistas. A Modernidade leva invariavelmente à

secularização, no sentido de um dano irreparável na influência das instituições

religiosas sobre a sociedade, bem como de uma perda de credibilidade da

interpretação religiosa na consciência das pessoas. Assim, nasce uma nova espécie

histórica: “o ser humano moderno” que acredita poder se virar muito bem sem

religião tanto na vida privada como na vida em sociedade.88

86 Cf. BERGER, P. O dossel sagrado, 5. e., São Paulo: Paulus, 2004; MARIZ, C. L. Peter Berger: uma visão plausível da religião. In: ROLIM, F. C. (Org.) A religião numa sociedade em transformação. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 93 e 102. 87 Cf. BERGER, P.; LUCKMANN, T. Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 61-63; MARIZ, C. L. op. cit., p. 102-103. 88 Cf. BERGER, P.; LUCKMANN, T. op. cit., p. 47-48; MARIZ, C. L. op. cit., p. 104-109.

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2.3.3. Mundo autônomo e secularizado

O mundo da Modernidade é um mundo autônomo e secularizado, isto é, sem

recurso ao transcendente para sua legitimação e inteligibilidade. É um mundo

centrado não no grupo, mas no indivíduo, como sede de iniciativas, direitos e

deveres. Consequentemente, é um mundo marcado pelo pluralismo de sentido e de

valores e pela afirmação do primado ou até mesmo da exclusividade da razão

humana, como fonte do conhecimento e da verdade. A Modernidade não é apenas

resultado de uma secularização do cristianismo, por mais importante que tenha

sido esta tradição religiosa no âmbito da racionalidade da conduta da vida. Mas, a

secularização surgiu, sobretudo no Ocidente cristão e se tornou um dos elementos

estruturais da sociedade moderna.89

Vivemos numa época de uma acelerada secularização, a qual, embora não

deva necessariamente significar secularismo (ateísmo), significa, no entanto

“secularidade” (mundanidade). Hoje, também há uma radical individualização,

onde toda pessoa de “maioridade” exige ter sua opinião própria, tomar suas

próprias decisões, resistindo a ser tutelada por instituições sociais (Estado, Igreja,

sindicatos ou outros grupos de interesses). Além disso, há um crescente pluralismo

ideológico, onde as grandes religiões cada vez mais se dividem em tendências,

grupos, pequenas comunidades de fé e instituições autônomas, onde reina um

variado mercado de ofertas religiosas, e onde milhões de pessoas praticam uma

“religião de colcha de retalhos”.90

A sociedade moderna não tem uma religiosidade consistente, mas instável e

individualista. Muitas vezes, a religião tornou-se irrelevante para a experiência

diária da pessoa humana. O que conta é a sua esfera privada, tendo como ideal o

cidadão responsável e exitoso economicamente. Todo esse processo é

extremamente desumanizador. A história, que na visão cristã, se apresentava como

89 Cf. AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, p. 43-44; nota 6, p. 85; p. 110. PASTOR, F. A. O discurso sobre Deus. Atualidade teológica. Rio de Janeiro, n. 1, p. 9, 1997; ARAUJO, L. B. L. A sociologia weberiana da religião na teoria do agir comunicativo. In: ROLIM, F. C. (Org.) A religião numa sociedade em transformação. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 51. 90 Cf. KUNG, H. Uma ética global para a política e a economia mundiais. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 248.

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história da salvação tornou-se, primeiramente, busca de uma condição de perfeição

intramundana e, depois, progressivamente, história do progresso. Mas, o ideal do

progresso é vazio, seu valor final é o de realizar condições em que sempre seja

possível um novo progresso.91

O esquema da história da salvação perdeu o seu conteúdo religioso. Ou seja,

na concepção da Modernidade, se alguma salvação existe, deve estar no próprio ser

humano. O sentido que a história da salvação conferia ao tempo transfere-se para a

teoria do progresso, para a qual cada período do tempo é a realização de certos

preparativos históricos e antecipação de realizações futuras. Desse modo, um

fundo soteriológico sobrevive também na mais radical dessacralização da

escatologia cristã, onde se recupera e representa o tema da redenção sob a forma de

libertação. Apresentam-se como figuras de libertação e, portanto, com formas

secularizadas da escatologia da salvação, a ciência, a utopia e a revolução, cada

uma com as suas variantes, determinadas pelos diferentes modos. Como as

figurações do tempo se contaminam entre si, elas também se corrigem

reciprocamente.92

2.3.4. Raízes da secularização

A naturalidade e evidência cosmicamente codificada de cristianismo é pela

primeira vez questionada por homens como Galileu, Copérnico e Kepler. Depois,

com o Iluminismo, surge uma radical crítica das crenças religiosas, permanecendo

como característica da época moderna o duvidar das verdades eternas. Os teóricos

políticos do século XVII realizaram a secularização, separando o pensamento

político do pensamento religioso. A separação entre Igreja e Estado ocorreu,

eliminando a religião da vida pública, removendo todas as sanções religiosas da

política e fazendo com que a religião perdesse aquele elemento público que ela

adquirira nos séculos anteriores. O problema não era negar a existência de Deus,

mas descobrir no domínio secular um significado independente e imanente. E,

91 Cf. LUCKMANN, T. La religión invisible: el problema de la religión en la sociedad moderna. Salamanca: Sígueme, 1973, p. 121-129; VATTIMO, G. O fim da modernidade.., p. XIII. 92 Cf. ARENDT, H. A condição humana..., p. 291-292; GALIMBERTI, U. Rastros do sagrado: o cristianismo e a dessacralização do sagrado. São Paulo: Paulus, 2003, p. 26.

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assim, a orgulhosa cultura iluminista da reflexão, separou-se da religião.93

Desde sempre, as comunidades humanas basearam as regras do seu

comportamento social e moral na vontade de Deus, considerado o instituidor da

comunidade. Por mercê de Deus, os soberanos legitimavam o seu poder e em nome

de Deus promulgavam as suas leis. O pecado era a transgressão da lei que,

fundamentada na vontade divina, era pecado contra Deus. Na “Idade das Luzes”, a

vontade divina foi substituída pela vontade popular, e assim, surgiram no Ocidente,

as sociedades burguesas que, com o consenso dos contraentes sociais, instituíam o

ordenamento normativo cujo reverso era o elenco dos crimes: crimes contra a

comunidade e não pecados contra Deus.94

A Modernidade tira Deus do centro da sociedade e coloca a ciência. A

sociedade, a história, a vida individual deixam de ser vontade de um ser supremo

para serem submetidos simplesmente às leis naturais. A Modernidade substitui,

assim, a autoridade de Deus e da Igreja pela autoridade do ser humano considerado

como consciência ou razão; o desejo de eternidade pelo projeto de progresso

histórico; e, a beatitude celeste por um bem-estar terrestre.95

Dessa forma, Eliminada a imutabilidade da ordem natural concebida pela religião judaico-cristã, que pensa a natureza como o efeito de uma vontade (a vontade de Deus), eliminado Deus com o advento do humanismo, que transferiu para a vontade do homem as prerrogativas da vontade divina, agora é o homem que sucumbe sob a hegemonia da técnica, que não reconhece a natureza, nem Deus, nem o homem como seu limite, mas somente o estado dos resultados alcançados, que pode ser deslocado ao infinito sem nenhum outro objetivo senão o da autopotencialização da técnica como fim em si mesma.96

Um tipo de certeza divina (lei divina) foi substituído por outro (a certeza de

nossos sentidos, da observação empírica), e a providência divina foi substituída

pelo progresso providencial. Ao substituir Deus pela ciência, a Modernidade

relegou as crenças religiosas à vida privada. Mas, a racionalização da Modernidade

não se limitou a esta substituição. Ela tornou-se o princípio da organização da vida

93 Cf. BUCHER, R. O corpo do poder e o poder do corpo: a situação da Igreja e a derrota de Deus. Concilium, Petrópolis, fasc. 306, p. 142, 2004; HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1998, p. 31; ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. 5. e., São Paulo: Perspectiva, 2002, p. 104; 131. 94 Cf. GALIMBERTI, U. Rastros do sagrado..., p. 314-315. 95 Cf. MACHADO, R. Deus, homem, super-homem. In: ROLIM, F. C. (Org.) A religião numa sociedade em transformação. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 57; TOURAINE, A. Crítica da modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 18-19. 96 Cf. GALIMBERTI, U. op. cit., p. 37.

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pessoal e coletiva. A providência divina foi substituída pela providência da razão, e

esta coincidiu com a ascensão do domínio europeu em todo o mundo.97

Muitos pensaram que a ruptura do sagrado e mágico devia deixar o lugar

livre a um mundo moderno governado pela razão e pelo interesse, que seria acima

de tudo um único mundo, sem sombras e sem mistérios, o mundo da ciência e da

razão instrumental. Este modernismo pareceu triunfar por muito tempo e é somente

na segunda metade do século XIX, com Nietzsche e Freud, que ele será criticado e

começará a entrar em decomposição.98

2.3.5. Fundamentos e conseqüências da secularização

O pensamento modernista afirma que os seres humanos pertencem a um

mundo novo governado por leis naturais que a razão descobre e às quais ela

própria está sujeita. Identifica-se, assim, o povo, a nação, o conjunto de pessoas

com um corpo social, que funciona segundo leis naturais. Neste sentido, é preciso

livrar-se das formas de organização de dominação irracionais que fraudulosamente

procuram se legitimar, recorrendo a uma revelação ou a uma decisão supra-

humana. Este pensamento se opôs ao pensamento religioso com uma violência que

variou segundo os vínculos que uniam poder político e autoridade religiosa.99

E assim, a sociedade moderna fez com que as funções políticas, econômicas,

científicas fossem se livrando da função religiosa e assumindo um caráter temporal

cada vez mais acentuado. Com a Modernidade, houve uma separação entre Igreja e

Estado, uma laicização das instituições e uma excessiva racionalização de todos os

setores da vida. Com isso, a cidade moderna viu a experiência de fé sendo

confinada ao privado, com a tendência de suprimir as referências religiosas

comuns. Com êxito, as idéias seculares passam a rivalizar com a Igreja, que se

converte numa instituição entre tantas outras instituições do Estado moderno. As

97 Cf. GIDDENS, A. As conseqüências da modernidade. São Paulo: UNESP, 1991, p. 54; LIBÂNIO, J. B. Desafios da pós-modernidade à teologia fundamental. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs). Teologia na pós-modernidade..., p. 445; BARRERA, P. Fragmentação do sagrado e crise das tradições na pós-modernidade: desafios para o estudo da religião. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs). op. cit., p. 452. 98 Cf. TOURAINE, A. Crítica da modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 46-47. 99 Ibid.,, p. 18; 228.

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ideologias do mundo moderno são contra-religiosas, sendo, muitas vezes,

substitutas da religião, sobretudo nas populações jovens e urbanas. A sociedade

moderna caracteriza-se por essa ausência de religião. As Igrejas tornam-se “ilhas

de religião” no mar da secularização.100

A Modernidade não aceita a interferência da religião, o poder das Igrejas no

mundo político, público. É intolerável para uma mentalidade moderna a religião

regular, tutelar o conjunto das estruturas sociais. Por isso, no Ocidente, instaurou-

se um fenômeno de relativização, crítica e rejeição de toda forma de sagrado

histórico, a começar pelo sagrado cristão. A secularização transformou-se no

grande desafio do mundo moderno em relação à Igreja, causa determinante da

diminuição da prática religiosa, da redução das vocações, da perda de valores

éticos do catolicismo na vida individual e familiar e, ainda, em particular, por

tender à meta de uma organização de vida coletiva que prescinde dos valores

cristãos, reduzindo ou anulando a importância social da Igreja.101

Há um relativismo e até uma antipatia ou indiferença para com a fé cristã.

Parece que as pessoas sentem que a religião não lhes oferece, ou talvez nunca lhes

tenha dado aquilo de que realmente têm necessidade. Outra tendência é a inversão

de sentido da experiência religiosa. A religião deixa de ser pensada e vivida como

uma forma de reconhecimento, adoração e entrega ao Criador, obediência na fé,

serviço a Deus. Torna-se busca de utilidade para a pessoa, seja um sentido para a

vida, paz interior, terapia ou cura de males, sucesso na vida e nos negócios.102

A Modernidade buscou a supressão dos princípios eternos, a eliminação de

todas as essências, em benefício de um conhecimento científico de tudo o que

existe. A rejeição de toda revelação e de todo princípio moral criou um vazio que

é preenchido pela idéia de utilidade social. O ser humano tornou-se apenas um

cidadão. A caridade tornou-se solidariedade e a consciência passou a ser o respeito

pelas leis. Os juristas e os administradores substituíram os profetas. A concepção

100 Cf. AGOSTINI, N. Ética cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 102; 143; LUCKMANN, T. La religión invisible: el problema de la religión en la sociedad moderna. Salamanca: Sígueme, 1973, p., p. 33; 51; 105; 120. 101 Cf. MENOZZI, D. A Igreja Católica e a secularização. São Paulo: Paulinas, 1999, p. 11; LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 140-142. 102 Cf. PONTIFÍCIO CONSELHO DA CULTURA; PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO. Jesus Cristo, portador da água viva: uma reflexão cristã sobre a Nova Era. São Paulo: Paulinas, p. 14; 17.

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moderna é de que o ser humano não é mais uma criatura feita por Deus à sua

imagem, mas simplesmente um ator social definido por papéis, isto é, pelas

condutas ligadas a status e que devem contribuir para o bom funcionamento do

sistema social. Ele é o que faz, por isso, não deve mais olhar além da sociedade, na

direção de Deus, de sua própria individualidade ou suas origens, e deve procurar a

definição do bem e do mal no que é útil ou nocivo à sobrevivência e ao

funcionamento do corpo social.103

2.3.6. Secularização como dessacralização e desencantamento do mundo

Durkheim afirma em sua obra As formas elementares da vida religiosa que o

processo de secularização se dirige, sobretudo e em primeiro lugar contra o sacro e

se transforma então num processo de dessacralização. Este mundo sacro entrou

irreversivelmente em crise. Para o mundo da ciência e da técnica, um mundo de

espírito crítico que perdeu a ingenuidade, as coisas deixaram de ser sacras. Tudo se

tornou dessacralizado, sem forças misteriosas, transnaturais. Quanto mais avança a

ciência, no conhecimento da natureza, e a técnica, no domínio sobre a natureza,

mais desaparecem os espíritos e os demônios, mais o cosmo se torna profano,

secular. Dessa forma, o mundo tornou-se o campo de ação do ser humano, onde as

coisas são feitas para serem manipuladas e transformadas. Com isso, a fé religiosa

foi substituída pela fé leiga do trabalho, do significado provisório e dos fins

intermediários, embora a dimensão transcendente seja constitutiva do ser

humano.104

Contudo, Mircéa Eliade afirma que qualquer que seja o grau de

dessacralalização do mundo que haja chegado, a pessoa que opta por uma vida

profana não pode abolir completamente o comportamento religioso. Até a vida

mais dessacralizada conserva ainda traços de uma valorização religiosa do

mundo.105

103 Cf. TOURAINE, A. Crítica da modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 26; 38 . 104 Cf. DURKHEIM, E. As formas elementares da vida religiosa, São Paulo: Martins Fontes, 1996; KLOPPENBURG, B. O cristão secularizado..., p. 24; MORI, G. L. Minicurso para o Simpósio Internacional de Teologia. A pós-modernidade e a teologia: desafios e tarefas. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. São Leopoldo, UNISINOS, 26/05/04. 105 Cf. ELIADE, M. Il sacro e il profano. Torino: Boringhieri, 1984, p. 18-20.

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O mundo moderno, secularizado, está repleto de ídolos e deuses não divinos,

como a ideologia moderna do trabalho, do progresso, do êxito. Quanto mais

avançamos com a ciência e com a técnica, mais nos distanciamos do mundo do

sacro, do mito, da magia, da metafísica e da religião. Um mundo assim

secularizado é um mundo profano, racional, exorcizado, objetivo e coisificado.

Trata-se do “mundo unidimensional” denunciado por Marcuse. Um mundo incapaz

de satisfazer o ser humano para torná-lo verdadeiramente realizado e feliz.106

O processo de secularização aparece como um declinar da religião. Revela

uma conformidade com este mundo e um movimento de horizontalização,

desviando a atenção do mundo sobrenatural para o intramundano. Manifesta uma

perda de influência pública da religião sobre a sociedade. Provoca uma

transposição de crenças e instituições para fenômenos da criação e da

responsabilidade puramente humana. Tudo isso implica neste processo de

dessacralização do mundo.107

Os conceitos de Max Weber como desencantamento, secularização e

racionalização tornaram-se clássicos e definem perfeitamente esta realidade. Max

Weber foi quem melhor compreendeu a Modernidade, com a idéia de desilusão ou

desencanto do mundo e extinção das formas tradicionais de autoridade e saber. Ele

descreveu como racional esse processo de desencanto que fez com que a

desintegração das concepções religiosas do mundo gerasse na Europa uma cultura

profana. No entanto, o mundo moderno, completamente racionalizado, é

desencantado apenas na aparência; sobre ele paira a maldição da coisificação

demoníaca e do isolamento mortal.108

106 Cf. MARCUSE, A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar, 1982; AGOSTINI, N. Ética cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 102; KLOPPENBURG, B. O cristão secularizado: o humanismo do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1970, p. 230. 107 Cf. BONHOEFFER, Ética. 6. e., São Leopoldo: Sinodal, 2002, p. 58-65; LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 88. 108 Cf. HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1998, p. 3; 13; 158; GIDDENS, A.; PIERSON, C. Conversas com Anthony Giddens: o sentido da modernidade. Rio de Janeiro: FGV, 2000, p. 73; TOURAINE, A. Crítica da modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 38.

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2.3.7. Conclusão

A secularização não significa a negação total da religião, mas antes o fim dos

monopólios religiosos e expulsão da religião do espaço público. No mundo

moderno, há sempre a busca do progresso e do crescimento econômico, por meio

da produção em massa. Tudo gira em torno da jurisdição do econômico. Os

significados religiosos deixam de ser considerados como fundamentais à vida

cotidiana, desembocando numa crise dos modelos éticos convencionais.

O desenvolvimento econômico e a racionalização, unido à crescente

urbanização, provocaram uma maior secularização. A religião tradicional tem sido

empurrada para a periferia da vida moderna, à margem da vida contemporânea. O

processo tem alterado significativamente a posição social da religião. Há um

retraimento da religião em função dos variados “tipos de fé” na ciência.

Como afirma Max Weber, o mundo racionalizado pela ciência moderna é um

mundo desencantado ou secularizado. Quanto mais avançamos com a ciência e

com a técnica, mais nos distanciamos do mundo do “sacro”, do “mito”, da

“magia”, da “metafísica” e da “religião”. Portanto, com o advento da Modernidade

e seu ulterior desenvolvimento, há um enfraquecimento da concepção de Deus.

O processo lento de secularização ou de desencantamento do mundo,

mediante o qual foi acontecendo uma humanização do divino, é compensado pelo

movimento paralelo de divinização do humano, que se verifica seja na esfera

privada das relações interpessoais, como o amor, seja na esfera coletiva, como a

sacralização do corpo, do coração, da cultura e da política.

Mas, a secularização é sem dúvida uma questão complexa e não parece

resultar no desaparecimento completo do pensamento e atividades religiosos,

provavelmente por causa do poder da religião sobre algumas das questões

existenciais. Ao retomar o diálogo Igreja-Mundo, devemos ser conscientes desta

complexidade e das tensões nela envolvidas. Tendo presente o reemergir das

identidades culturais, a Igreja não pode pretender a universalização dos padrões de

uma só cultura, em base aos quais construa sua unidade sobre a uniformidade. Por

outro lado, o mundo moderno é um mundo secular, isto é, um mundo cujo

princípio de legitimação e cujas dimensões de expressão e de ação não são

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religiosas e menos ainda cristãs.

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2.4. A Pós-Modernidade e seus novos desafios 2.4.1. Introdução

A Pós-Modernidade se revela como o esgotamento e superação da

Modernidade. Trata-se da busca de uma nova época, que seria libertada dos efeitos

perversos da época anterior. No entanto, qualquer discurso sobre a Pós-

Modernidade parece ser contraditório, pois, o próprio termo é muito ambíguo,

polissêmico e polêmico. De uma certa forma, é indefinível, fluido e inconsistente.

Até seu nome é curiosamente contraditório, uma vez que ele recorre a uma

definição histórica – pós – para denominar um movimento cultural em ruptura com

o historicismo.109

O caos global das duas grandes guerras tornou evidente que os principais

valores da Modernidade estavam em crise. A total crença na razão, no progresso,

no nacionalismo, no capitalismo e no socialismo fracassara. A Europa estava

pagando um preço alto com o fascismo, o nazismo e o comunismo. Esses

movimentos idealizavam de uma maneira moderna a raça e a classe, e seus líderes

impediram uma ordem mundial nova e melhor. A Primeira Guerra Mundial

colocou em marcha a revolução global que se tornaria explícita após a Segunda

Guerra: a mudança do paradigma eurocêntrico de Modernidade, que tinha uma

marca colonialista, imperialista e capitalista. O novo paradigma que começava a se

desenvolver, o da Pós-Modernidade, seria global, policêntrico e de orientação

ecumênica.110

Fato é que o processo civilizatório da Modernidade trouxe como

109 Cf. GIDDENS, A. As conseqüências da Modernidade, São Paulo: UNESP, 1991, p. 52; 162; CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2a. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 140; VATTIMO, G. O fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. S. Paulo: Martins Fontes, 2002, p. VIII-IX; BENEDETTI, L. R. Pós-modernidade: abordagem sociológica. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 53; TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 203; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 19. 110 Cf. SOUZA, Ney de. Evolução histórica para uma análise da pós-modernidade. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) op. cit., p. 115.

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conseqüência a possibilidade de guerra nuclear, calamidade ecológica, explosão

populacional incontrolável, colapso do câmbio econômico global. Trouxe também:

urbanização caótica e desumanizante, industrialização a serviço do consumismo e

produtora de desemprego, técnica a serviço da guerra e da violência mortífera,

destruição do meio ambiente, especulação financeira, atividade econômica movida

exclusivamente pelo lucro, prática corporativista da política, desmobilização das

estruturas reguladoras do Estado, medicina espoliadora da dignidade humana, etc.

A tomada de consciência desses efeitos funestos levou a uma crítica do próprio

processo da Modernidade, a qual os gerou.111

Por isso, vivemos hoje uma realidade onde há uma desconfiança da razão e

um desencanto ante os ideais não realizados pela Modernidade. Há um

desaparecimento de dogmas e princípios fixos: agnosticismo, pluralidade de

verdades, subjetivismo; uma fragmentação das “cosmovisões”, com uma

dissolução do sentido da história. Há também, uma pluralidade ideológica e

cultural, com forte dose de ecletismo, uma crise aguda da ética, com um

narcisismo, hedonismo, flexibilidade de costumes, permissividade e uma

fragmentação religiosa.112

2.4.2. A Pós-Modernidade como fenômeno sócio-econômico-político

A Pós-Modernidade expressa o fracasso do Iluminismo racionalista

moderno, que levou o mundo às grandes ideologias de esquerda e de direita, as

quais quiseram, cada uma a seu modo, coagir toda humanidade a aceitar suas

“luzes”, mesmo com violências, holocaustos e desumanidades. O século XX é o

século do declínio da Modernidade, mesmo sendo o das conquistas da técnica.

Nele, presenciou-se as violências extremas do nazi-fascismo, do comunismo e

mesmo do capitalismo liberal, o qual impôs a pobreza e a miséria a centenas de

milhões de pessoas pelo mundo afora. Diante do fracasso dessas grandes

111 Cf. GIDDENS, A. As conseqüências da Modernidade. São Paulo: Unesp, 1991, p. 127; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais da ética teológica. São Lepoldo: Unisinos, p. 18-19. 112 Cf. HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12. e., São Paulo: Loyola, 2003, p. 73; GASTALDI, I. Educar e evangelizar na pós-modernidade. São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1994, p. 30.

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ideologias, surge o agnosticismo desencantado, sem arroubos por verdades

absolutas e universais. Este, se adapta bem ao pluralismo e ao individualismo

vigentes na grande sociedade, ao hedonismo do prazer imediato e fácil, ao

permissivismo comportamental e ético, e ao consumismo oferecido pela nova

ordem econômica mundial fundada na hegemonia do livre mercado globalizado.113

Antigamente, bastava ao capital produzir mercadorias, o consumo sendo

mera conseqüência. Hoje é preciso produzir os consumidores, ou seja, a própria

demanda e essa produção é infinitamente mais custosa do que a das mercadorias.

Ao mesmo tempo, o populismo do livre mercado encerra as classes médias nos

espaços fechados e protegidos dos shoppings. Mas, nada faz pelos pobres, exceto

ejetá-los para uma nova e bem tenebrosa paisagem pós-moderna de falta de

habitação.114

Os meios de comunicação de massa desempenham um papel-chave no

mundo de hoje, que se intensificaram ainda mais, graças à Internet. As novas

técnicas de comunicação nos aproximaram uns dos outros, dando-nos a

consciência de pertencer todos ao mesmo mundo. O planeta, com seus produtos, se

apresenta bem perto de nós. Somos dominados por uma avalanche de coisas que

caracterizam nossos pensamentos, comportamentos, modas, amizades, viagens e

desejos. A mídia faz uso da publicidade não só para “vender” mercadorias, mas

também para oferecer política, religião, cultura, sexo, etc. como bens de consumo.

“Poder consumir” acaba sendo traduzido como sinônimo de participação, inserção

social e até exercício de cidadania.115

113 Cf. TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 206; HUMMES, C. Cardeal. El marco social y eclesial hoy de America Latina: 25 años despuès de Puebla. Revista de Cultura Teológica, ano XII, n. 47, São Paulo, p. 20, abr.-jun./2004. 114 Cf. BAUDRILLARD, J. À sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o surgimento das massas. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 26-27; HARVEY, D. Condição Pós-Moderna..., p. 79. 115 Cf. BERGER, P.; LUCKMANN, T. Modernidade, pluralismo e crise de sentido..., p. 68; TOURAINE, A. op. cit., p. 229; VATTIMO, G. O fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. S. Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 44; TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 10-11; 416; ; AGOSTINI, N. Condicionamentos e manipulações: desafios morais. In: O itinerário da fé na “iniciação cristã dos adultos”. Estudos da CNBB n. 82, São Paulo: Paulus, 2001, p. 105.

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2.4.2.1. Mercado, propaganda e manipulação social

A construção da economia mundial contemporânea orientou-se, desde o

início da década de 1970, para um modelo neoliberal, sob a influência do que se

chamou de “Consenso de Washington”. A partir de então, os pactos sociais feitos

após a guerra entre empregadores, trabalhadores e Estado, que tinham sido

conquistados após decênios de lutas sociais, enfraqueceram-se progressivamente.

Houve um maior reforço na acumulação do capital. No Terceiro Mundo, o grande

projeto de desenvolvimento nacional esgotou-se rapidamente sob o efeito das

relações econômicas desiguais entre Norte e Sul. Quanto ao projeto socialista, tal

como se realizou na Europa do Leste, desabou sob o peso das pressões exteriores e

das próprias contradições. O capitalismo apresenta-se hoje como o único sistema

possível, sem alternativas. Ao mesmo tempo, o terceiro milênio começa com uma

condição econômica muito pouco brilhante, pois, o número de pobres nunca foi tão

grande.116

A diminuição das vantagens sociais, a flexibilidade, o desemprego, os baixos

salários, os deslocamentos marcaram a dimensão social do fenômeno.

Culturalmente falando, a publicidade, em favor de um consumo baseado mais na

criação de desejos do que na satisfação das necessidades, completa o conjunto. Nos

países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, a subcontratação em condições

desumanas, as relações profundamente desiguais entre capital e trabalho, o peso da

dívida, a evasão de divisas, etc., reduzem as possibilidades de uma maior justiça

social e permitem uma enorme dominação por parte dos países ricos.117

Deparamos com esta realidade no nosso continente latino-americano, onde

imensas populações procuram sobreviver em situações de extrema pobreza,

vítimas de injustiças sociais, marginalizadas, desempregadas, doentes e inseguras.

Já em 1979, a IIIa. Conferência Geral do Episcopado Latino-americano

denunciava, profeticamente, que o capitalismo liberal é um sistema marcado pelo

pecado e gerador de injustiças (cf. Conclusões da Conferência de Puebla n. 92,

116 Cf. HOUTART, F. Amor aos inimigos e lutas sociais. Concilium, Petrópolis, fasc. 303, p. 124, 2003/5. 117 Ibid., p. 124-125.

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437 e 546).118

O capitalismo, neste modelo neoliberal, educa e seleciona os sujeitos de

quem precisa, mediante o processo de sobrevivência econômica do mais apto. O

econômico é o centro de tudo, sendo até as pessoas reduzidas a mercadorias. A

mecanização toma conta da vida toda. Manipulado e mecanizado, reduzido a

consumidor e mero objeto do sistema de produção, o ser humano é levado a

procurar incessantemente a satisfação de “necessidades” criadas artificialmente.

Possuir mais coisas acaba sendo, cada vez mais, o objetivo da vida humana.119

A televisão é ela mesma um produto do capitalismo avançado e, como tal,

tem de ser vista no contexto da promoção de uma cultura do consumismo. Isso

dirige a nossa atenção para a produção de necessidades, para a mobilização do

desejo e da fantasia, para a política da distração como parte do impulso para

manter nos mercados de consumo uma demanda capaz de conservar a lucratividade

da produção capitalista.120

A televisão e a informatização da comunicação não são meios para a massa,

a serviço da massa, mas meios da massa, no sentido de que a constitui como tal,

como esfera pública do consenso, dos gostos e dos sentimentos comuns. Elas

contribuem também para estimular a difusão e o consumo dos mesmos bens

materiais e culturais nos diferentes países, criando as condições para uma cultura

global de massa, sem fronteiras, que abafa as culturas locais ou regionais.121

Os meios de comunicação detêm o poder de criar, “descriar” e (re)criar; de

cobrir e descobrir. O poder de manipulação está presente em nosso cotidiano por

meio dos inúmeros órgãos de informação que chegam até nossos lares. Há uma

118 Cf. CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCADO LATINO-AMERICANO. Conclusões da Conferência de Puebla: Evangelização no presente e no futuro da América Latina. São Paulo: Paulinas, 1979 (Vale ressaltar porém, que estes mesmos números denunciavam também as incoerências e contradições do marxismo de então); MIRANDA, M. de França, Missão ecumênica na América Latina. Revista Eclesiástica do Brasil, Petrópolis, fasc. 253, p. 25, Jan./2004; MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 253. 119 BAZÁN, P. M. Para entender la postmodernidad. Disponível em: <www.uca.edu.ni> Acesso em 20/09/2004. 120 Cf. HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12. e., São Paulo: Loyola, 2003, p. 63-64. 121 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 143; VATTIMO, G. O fim da Modernidade: niilismo e hermenêutica na cultura pós-moderna. S. Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 44; TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 263.

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manipulação do gosto e da opinião mediante imagens que podem ou não ter

relação com o produto a ser vendido. Se privássemos a propaganda moderna da

referência direta ao dinheiro, ao sexo e ao poder, pouco restaria. Além disso, os

espectadores estão expostos a maciços fenômenos de manipulação política,

sobretudo onde os meios de comunicação estão concentrados nas mãos de

pouquíssimos e faltam condições para a democratização da informação.122

2.4.2.2. Ciência, técnica e Pós-Modernidade

A genética é uma área da ciência que está em pleno desenvolvimento.

Evidentemente ela está exercendo um impacto revolucionário, sobretudo quando

associada à biotecnologia. A astrofísica, a cosmologia moderna e as biociências

contam uma nova história do mundo. Já não é nem a tradicional ptolomaica nem a

newtoniana. O mundo não é uma máquina que funciona perfeitamente e cujas leis

podemos conhecer com objetividade e certeza. Definitivamente, o positivismo e o

mecanicismo newtoniano da ciência entraram em crise.123

A tecnociência promete para os próximos anos ser, paradoxalmente, ainda

mais o lugar da esperança e do temor para a humanidade. As possibilidades que as

ciências da informática e da engenharia genética de ponta oferecem são

absolutamente inimagináveis. Proporcionam recursos e facilitações inauditas para a

vida humana. No campo da preservação da vida, há esperanças fundadas de

vitórias definitivas sobre muitas enfermidades e de prolongação significativa da

média de vida das pessoas. Porém, a mesma ciência e a mesma tecnologia

amontoam, em arsenais gigantescos, armas mortíferas, capazes de destruir a vida

no planeta.124

122 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002)..., n. 143; TRASFERETTI, J. Teologia moral na Pós-Modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade..., p. 413-414; HARVEY, D. op. cit., p. 259-260 123 Cf. GIDDENS, A.; PIERSON, C. Conversas com Anthony Giddens: o sentido da modernidade. Rio de Janeiro: FGV, 2000, p. 105; LIBÂNIO, J. B. Desafios da pós-modernidade à teologia fundamental. p. 143-171. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 159; TERRIN, A. N. Nova Era: a religiosidade do pós-moderno. São Paulo: Loyola, 1996, p. 32. 124 Cf. LIBÂNIO, João Batista. Desafios da pós-modernidade à teologia fundamental. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) op. cit., p. 153.

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É significativo o fato de que o desenvolvimento do progresso e da técnica

não chegue a melhorar o mundo do ponto de vista moral, mas só do ponto de vista

do bem estar material. A decodificação do genoma, por exemplo, que abre

esperanças para o futuro, é imediatamente vista sob o aspecto econômico-

financeiro. O mesmo se pode dizer do meio ambiente, que é depredado de modo

selvagem, alterando seu equilíbrio. A eliminação de certas doenças não significa o

fim do risco de novas contaminações e do surgimento de novas enfermidades.125

A Pós-Modernidade marca uma reconsideração de tudo o que faz parte do

reino da técnica e da racionalidade instrumental. A racionalidade, os

conhecimentos, academicamente absorvidos, como enfatizou a Modernidade,

tendem a ficar em segundo plano. Agora o que se busca é uma experiência pessoal

profunda, numa busca que é também estética.126

2.4.3. A Pós-Modernidade como modo de ser existencial

Com a Pós-Modernidade, a cultura viu ruir os seus mitos, ideologias,

verdades e valores. Reconhece a “impotência do pensamento” e rejeita o conceito

da idéia clara e distinta. Na literatura e na pintura, verifica-se uma ênfase ao

irracional, ao non-sense. A filosofia se traduz em niilismo e relativismo. As

ciências sociais entram numa progressiva recusa de qualquer princípio e de

qualquer regra sociocultural universalmente aceita. Porém, hoje, esse acúmulo de

negatividade caminha para um esforço de reconciliação, recomposição e, também,

de resignação que, em sua fachada positiva, se traduz muitas vezes num desejo de

paz e de retorno às coisas simples da vida.127

O século XX, já desde a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), não ofereceu

muitos motivos para confiar na razão humana, no progresso indefinido e em outros

125 Cf. AGOSTINI, N. Ética cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 99; MORI, Geraldo Luiz de, A pós-modernidade e a teologia: desafios e tarefas. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. São Leopoldo, 2004, mimeografado, p. 19. 126 Cf. TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 202; HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12. e., São Paulo: Loyola, 2003, p. 78-79. 127 Cf. TERRIN, A. N. Nova Era: a religiosidade do pós-moderno. São Paulo: Loyola, 1996, p. 10; 46-47; CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 141.

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ideais da Modernidade, que passaram a ser vistos com forte suspeita. A crise da

razão é a consciência da irracionalidade gigantesca dessa mesma razão. O

descrédito da verdade é a descoberta da capacidade escandalosa que hoje se tem de

mentir. Alimenta-nos de informações uma cadeia imensa de meios de

comunicação, cuja capacidade de mentir, manipular e falsificar as verdades escapa

totalmente ao nosso controle. Estamos entregues a colossais interesses econômicos

e ideológicos, que fabricam os fatos, as “verdades”. Também as ciências,

paradoxalmente, passaram a desconfiar da razão, por seu excesso de

especializações, numa linguagem hermética.128

Dentro desta realidade, a sua relação com a cultura e com o sagrado torna-se

a de um mero “comprador”. A religião torna-se um “assunto privado”, na qual se

pode escolher o que melhor convier, guiados por suas preferências, determinando a

formação de uma religiosidade individual.129

O individualismo que grassa na esfera econômica invadiu a esfera religiosa.

O horizonte pragmático do cidadão moderno restringiu-se, passando da

consideração abrangente do bem comum de sua sociedade para acentuar de

preferência ambições e necessidades estritamente individuais. E o aumento de

recursos que o progresso outorga aos mais favorecidos do planeta faz com que

cada um tenha pressa em usufruir todo o conforto, luxo, contentamento, satisfação,

o quanto antes.130

Diversos tipos de opções religiosas e múltiplos produtos religiosos são

oferecidos dia a dia nos templos e nos meios de comunicação. O consumidor

autônomo seleciona determinados temas religiosos do total que têm à disposição, e

aí constrói o seu precário sistema de significado “último”, numa religiosidade

individualista. Há um fortalecimento do sagrado no espaço público, no contexto de

uma Modernidade que se mostra incapaz de resolver os problemas mais profundos

do ser humano e não consegue superar as suas próprias contradições e

128 Cf. RUBIO, A. García. Orientações atuais na cristologia. In: MIRANDA, M.F. (Org.). A pessoa e a mensagem de Jesus. São Paulo: Loyola, 2002, p. 39; LIBÂNIO, J. B. Desafios da pós-modernidade à teologia fundamental. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 163. 129 Cf. LUCKMANN, T. La religión invisible: el problema de la religión en la sociedad moderna. Salamanca: Sígueme, 1973, p. 110. 130 Cf. QUEIRUGA, A. T. Fim do cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, 2003, p. 284.

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ambigüidades internas.131

2.4.3.1. Cultura pós-moderna

Em uma sociedade que nada mais é que um mercado, cada um procura evitar

os outros ou se contenta com transações mercantis com eles. O outro aparece

facilmente como uma ameaça absoluta: é ele ou eu. Este diferencialismo absoluto,

este multiculturalismo sem limites traz em si o racismo e a guerra religiosa. A

sociedade é substituída por um campo de batalha entre culturas inteiramente

estranhas umas às outras, em que brancos e negros, homens e mulheres, adeptos de

uma religião ou de outra, ou mesmo sem religião nada mais são que inimigos. Os

conflitos sociais dos séculos passados, que eram sempre limitados, pois suas

classes sociais aceitavam os mesmos valores e lutavam por sua execução social,

foram substituídos por guerras culturais.132

De um lado, cada um se fecha na sua subjetividade, o que conduz no melhor

dos casos ao esquecimento do outro, mais amiúde à rejeição do estranho. Por outro

lado, os fluxos de mudanças fortalecem constantemente os países e os grupos

sociais centrais, aprofundando a dualização a nível nacional e internacional. Por

um lado, o mundo parece global; por outro, o multiculturalismo parece sem limites.

Enquanto a lei do mercado esmaga sociedades, culturas e movimentos sociais, a

obsessão da identidade se fecha numa política arbitrária tão completa que ela não

pode se manter senão pela regressão e pelo fanatismo. Hoje, a questão que parece

mais urgente não é a gestão do crescimento, mas a da luta contra o despotismo e a

violência, da manutenção da tolerância e do reconhecimento do outro.133

Dialeticamente, percebe-se hoje uma busca do respeito pela alteridade. Há

uma idéia de que todos os grupos têm o direito de falar por si mesmos, com sua

própria voz, e de ter aceita essa voz como autêntica e legítima. Há uma busca de

131 Cf. VALLE, E. Condicionamentos psicológicos. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. O itinerário da fé na “iniciação cristã dos adultos”..., p. 80-81; TRASFERETTI, J. Teologia moral na Pós-Modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) op. cit., p. 438; LUCKMANN, T. op. cit., p. 114; 116; ORO, A. P. Notas sobre a diversidade e a liberdade religiosa no Brasil atual, Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, fasc. 254, p. 329, abr./2004. 132 Cf. TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 204. 133 Ibid., p. 208-209.

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abertura à compreensão das diferenças, por meio dos diversos movimentos sociais

(mulheres, gays, negros, ecologistas, etc.). Manifestam-se, dessa forma, alguns

elementos que estavam sufocados pelas culturas pré-moderna e moderna, como a

consciência ecológica, a feminilidade, algumas novas formas de relacionamento e

um novo dinamismo nas instituições.134

Ao mesmo tempo, há uma busca de um pensamento anti-autoritário e

iconoclasta, que insiste na autenticidade de outras vozes, que celebra a diferença, a

descentralização e a democratização do gosto, bem como o poder da imaginação

sobre a materialidade. Também com a Pós-Modernidade, no âmbito do individual,

suscitou-se ou ao menos se avivou um maior apreço pelo corpo, deixando de lado a

concepção dicotômica corpo-alma, bem como a revitalização das experiências

vitais. Ao mesmo tempo, as atrocidades cometidas contra tantos homens e

mulheres ao longo do último século, lembram-nos que existem certos princípios ou

verdades dos quais não podemos abrir mão. É o caso da ética dos direitos

humanos, presente no discurso e na prática de tantos organismos e instâncias

governamentais e não governamentais.135

2.4.3.2. Subjetivismo e individualismo no contexto contemporâneo

O peso dado ao processo produtivo, passando pelo crivo da razão técnico-

científica, acabou sacrificando elementos vitais do ser humano, deslocando o lugar

do gratuito, do afetivo, do simbólico e do espiritual, quando não, excluindo-os sem

mais. Ele descobre-se hoje entregue a uma crise, marcada sobretudo por um vazio

afetivo e espiritual. Por isso, hoje, busca-se a intensidade afetiva do laço

134 Cf. HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12. e., São Paulo: Loyola, 2003, p. 52 e 315; TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 10-11. 135 Cf. HARVEY, D. op. cit., p. 319; QUEIRUGA, A. T. Fim do cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, 2003, p. 112; MORI, G. L. A pós-modernidade e a teologia: desafios e tarefas. In: Simpósio Internacional de Teologia. São Leopoldo, [2004], mimeografado, p. 25.

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interpessoal, no entanto, de uma forma descomprometida quanto à durabilidade

deste laço.136

O ser humano pretensamente livre, autônomo, sujeito de si e da história,

percebe-se de fato numa situação extremamente frágil e vulnerável. Ele tem

dificuldade de auto-identificar-se. É instável e, por isso, muitas vezes torna-se

incapaz de estabelecer relações mais duráveis e de engajar-se por um tempo mais

longo. Entrega-se facilmente ao consumismo, muitas vezes como compensação dos

vazios existenciais. Fica à mercê das “ondas” do momento, sugeridas sobretudo,

pelos meios de comunicação social. Vive um individualismo narcisista. Como na

sua vida foram incorporados o videogame e a realidade virtual, importam os efeitos

especiais e as experiências “pura adrenalina”.137

A razão moderna afirmou a autonomia da liberdade, em busca de uma

felicidade individualista. Já na Pós-Modernidade, domina uma subjetividade que

não se deixa controlar e se submeter a medidas objetivas. Com o subjetivismo, há

uma busca de segurança dentro de si mesmo, na sua experiência pessoal, que eleva

a critério de juízo da religião, combinada com a tendência moderna ao

individualismo e ao abandono das práticas comunitárias. Por isso, o típico cidadão

do mundo contemporâneo está levando uma vida cada vez mais vazia de

significado “autêntico” de sentido.138

Esse vazio interior manifesta-se como uma desvitalização de estruturas

antropológicas típicas do ser humano. Desaparece a perspectiva do futuro ou da

utopia. O que importa é viver o presente e desfrutá-lo plenamente, na fugacidade

do momento. A historicidade é esvaziada com esta busca do viver só no presente e

não em função do passado e do futuro, com uma perda do sentido de continuidade

histórica. Com isso, vive-se para si mesmo sem preocupar-se com as suas tradições

136 Cf. AGOSTINI, N. Teologia Moral: o que você precisa viver e saber. 8. e., 2005, p. 29s; LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 90-91. 137 Cf. AGOSTINI, N. Ética cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 98; TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 221; AGOSTINI, N. Jesus Cristo e a vivência da ética nos dias atuais, In: MIRANDA, M. F. (Org.). A pessoa e a mensagem de Jesus. São Paulo: Loyola, 2002, p. 73-74. 138 Cf. LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 115; TERRIN, A. N. Nova Era: a religiosidade do pós-moderno. São Paulo: Loyola, 1996, p. 10; p. 47-48; CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002)..., n. 163; LUCKMANN, T. La religión invisible: el problema de la religión en la sociedad moderna. Salamanca: Sígueme, 1973, p. 89.

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81

e sua posteridade.139

Desaparece a perspectiva do outro. Não importa o que acontece com os

outros e, principalmente, o sofrimento dos outros. Cada um busca o seu bem-estar.

A solidariedade banaliza-se em “shows” de arrecadação. As pessoas estão

preocupadas com a libertação e o bem-estar do seu eu. Daí resultam o encanto da

“self examination”, a difusão das terapias psicológicas, o grande sucesso de todo

tipo de gurus. As diferentes práticas psicológicas e espirituais de libertação

transcendental e ajuda terapêutica adquirem uma sempre maior importância. As

questões do corpo e da psique ocupam um lugar central na preocupação das

pessoas.140

No entanto, o sonho de “liberdade”, fundado na “razão” moderna, segundo o

qual a pessoa seria enfim autônoma, livre, detentora de direitos, esbarrou com uma

realidade muito dura. Na verdade, hoje vive-se desprovido do tão falado sonho

moderno, pois o mundo da razão, sobretudo na versão técnico-científica, da

produção e das invenções, não preenche e realiza o mundo da vida.141

O pessimismo e o sentimento de frustração em relação às grandes causas

sociais, políticas e mesmo religiosas traduzem-se, para muitos, em atitudes

hedonistas e consumistas. Só a vida privada e o cultivo e desenvolvimento das

potencialidades do próprio eu é que podem oferecer uma certa realização humana.

Desenvolve-se um acentuado subjetivismo pautado, agora, não pela razão, mas

pelo sentimento e pela emoção.142

É verdade que o homem e a mulher da Pós-Modernidade deixaram de lado a

arrogância desenvolvida na Modernidade, mas continuam prisioneiros da

subjetividade fechada, com características mais afetivas do que racionais.

Encolhidos sobre si mesmos, carentes de esperança num futuro melhor, contentam-

139Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 19-20. 140 Ibid., 28-29. 141 Cf. AGOSTINI, N. Condicionamentos e manipulações: desafios morais. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. O itinerário da fé na “iniciação cristã dos adultos”. Estudos da CNBB n. 82, São Paulo: Paulus, 2001. 142 Cf. RUBIO, A. Garcia “Prática da teologia em novos paradigmas. Adequação aos tempos atuais”. In: ANJOS, M. F. (Org.) Teologia aberta ao futuro. São Paulo: SOTER-Loyola, 1997, p. 223s.

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se com a pequena felicidade proveniente do cultivo das suas potencialidades no

âmbito do privado e do intimismo.143

Com outras palavras, nas variantes tanto moderna quanto pós-moderna, o

resultado predominante é muito semelhante: o homem e a mulher tornaram-se

fechados em si mesmos, vivendo relações de instrumentalização, coisificantes.

Tanto na Modernidade quanto na Pós-Modernidade, predomina largamente uma

fortíssima orientação para o individualismo que tende a imperar em todos os

setores da vida, com fortes doses de subjetivismo e utilitarismo. E isto compromete

a vida nas relações fundamentais quer da pessoa com ela mesma e com os outros,

quer com a criação e com a transcendência.144

As famílias perdem muitas das funções que, tradicionalmente,

desempenhavam na estrutura social. Os valores centrados na família passam a ser

vistos de forma superficial. A morte e a velhice são esquecidas, deixadas de lado.

O indivíduo “autônomo” é jovem e nunca morre.145

Existe uma dissolução do eu, que explica a nova ética permissiva e

hedonista. Tudo o que é esforço e disciplina está desvalorizado em benefício do

culto do desejo e de sua realização imediata. Ao individualismo solipsista

corresponde uma compreensão fragmentária da racionalidade. O sujeito se apóia

nele mesmo e nas suas relações interpessoais, centrado sobre si mesmo,

preocupado em realizar-se. Vivemos hoje numa sociedade em que os indivíduos e

grupos constantemente fazem valer seus direitos contra os outros, sem querer

reconhecer para si próprios dever algum.146

143 Cf. RUBIO, A. Garcia. “O cristianismo: uma religião de sofrimento e morte?”, Atualidade Teológica, Rio de Janeiro, n.2, p. 43, 1998. 144 Ibid., p. 43-44; HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12. e., São Paulo: Loyola, 2003, p. 74. 145 Cf. LUCKMANN, T. La religión invisible: el problema de la religión en la sociedad moderna. Salamanca: Sígueme, 1973, p. 125. 146 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 21; GALIMBERTI, U. Rastros do sagrado: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 123-124; TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 278; KÜNG, H. Uma ética global para a política e a economia mundiais. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 180.

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2.4.4. Religiosidade e compromisso

A nova religiosidade é ingênua, narcisista, sem uma vivência do amor, da

doação, da abertura para o outro. Expressa a cultura do nosso tempo pós-moderno,

trazendo de si também as angústias e as necessidades próprias deste momento. A

religião tornou-se intimista, já não sendo mais fato fundamental a convivência

social. As pessoas sentem sempre menos a necessidade de “fazer parte de”

instituições, pois em geral, não querem estar sujeitas a se submeter a juízos

“oficiais”. No entanto, a solidão é uma verdadeira praga da vida moderna.147

O mundo dos magos prospera hoje mais do que nunca. Na época da ciência e

da crise da ciência, desenvolvem-se cada vez mais técnicas ocultas mágico-

religiosas, que fazem concorrência ao mundo científico e se situam como

alternativas a este. Trata-se de um mundo que é proposto por pura curiosidade, na

tentativa de agarrar uma realidade sem haver o verdadeiro contexto que legitime o

ritual, isto é, a experiência religiosa verdadeira.148

Novos movimentos religiosos despontam com os caracteres bem modernos

da subjetividade. Configuram-se como “comunidades emocionais”. A intensidade

emocional é a mola de adesão, através de resposta individual, livre, em torno, em

geral, de um personagem “carismático”, que consegue causar impacto. Por isso,

predomina uma dimensão carismática e a adesão à comunidade eclesial tem menos

importância. Há uma enorme porosidade: entra-se e sai-se dos grupos facilmente.

Em geral, são comunidades de acentuada rotatividade. A permanência nos grupos

não se dá tanto pela presença das mesmas pessoas, quanto pelos encontros

emocionais dos que lá aparecem.149

As expressões mais presentes na realidade atual são as diferentes práticas que

se identificam com a Nova Era e o Neopentecostalismo. Essas vertentes da

vivência religiosa atual, mesmo sendo propostas diferentes, têm duas notas

147 Cf. TERRIN, A. N. Nova Era: a religiosidade do pós-moderno. São Paulo: Loyola, 1996, p. 40; LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 140; PONTIFÍCIO CONSELHO DA CULTURA; PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO. Jesus Cristo, portador da água viva..., p. 9-10. 148 Cf. TERRIN, A. N. op. cit., p. 123-124. 149 Cf. LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 90.

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comuns: o apelo ao emocional e a anti-institucionalidade. Isso determina uma

grande mobilidade religiosa porque não existe uma adesão absoluta a um corpo

doutrinal. Não existe a necessidade de uma mediação institucional. A permanência

depende das soluções encontradas no mercado de oferta religiosa. Porém, a Nova

Era propõe uma ética eclética, leve e universalista, inspirada na gnose. Já o

Pentecostalismo, ao contrário, constrói uma ética fundamentalista, rigorista e

sectária, inspirada na Bíblia. São duas respostas diversas num contexto cultural de

Pós-Modernidade.150

O despertar religioso, em todas as diferentes formas a que hoje assistimos é

tão-somente um sintoma da inquietude da pessoa humana que, criada na visão da

técnica como projeto de salvação percebe, à sombra do progresso, a possibilidade

de destruição e, à sombra da expansão técnica, a possibilidade de extinção. Mas, a

volta das religiões não acarreta nenhum revigoramento de influência das Igrejas.

Estas continuam a declinar tão rapidamente quanto os partidos ideológicos que

agitavam a bandeira da racionalidade modernizadora e anti-religiosa. Não anuncia

necessariamente a volta ao sagrado e às crenças propriamente religiosas, porque a

secularização está profundamente instalada. Ligado à tendência moderna para o

individualismo, há uma redução da religião a uma convicção interior, pessoal, a

uma religião “invisível”, que abandona totalmente ou em parte as práticas

comunitárias. O surgimento das seitas se dá em função deste processo de

discernimento.151

Já em relação ao fundamentalismo, trata-se do fenômeno do tradicionalismo

travando uma luta feroz contra um mundo cosmopolita e reflexivo que está à

procura de razões. A recusa ao diálogo, a insistência em afirmar que somente é

possível uma visão do mundo e que já se possui essa visão, tem efeito

potencialmente nocivo num mundo que necessita cada vez mais de diálogo. O

fundamentalismo conscientemente se opõe à Modernidade e à Pós-Modernidade,

150 Cf. JUNGES, J. R., Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 28. 151 Cf. TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 225; CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 156; AGOSTINI, N. Teologia Moral: o que você precisa viver e saber. 8. e., Petrópolis: Vozes, 2005, p.21s; GALIMBERTI, U. Rastros do sagrado: o cristianismo e a dessacralização do sagrado. São Paulo: Paulus, 2003, p. 37 e 269; PONTIFÍCIO CONSELHO DA CULTURA; PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO. Jesus Cristo, portador da água viva: uma reflexão cristã sobre a Nova Era. São Paulo: Paulinas, p. 9-66.

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mas ao mesmo tempo assume feições modernas e não raro se utiliza de tecnologias

modernas. Questiona o princípio da ciência de que “nada é sagrado” e está certo

em agir assim. Pois esta idéia, quando levada ao extremo, torna-se insustentável.

Porém, não se pode tentar justificar por meio de um tradicionalismo não

dialogante. E é isso que o fundamentalismo procura fazer.152

Concluindo, o pós-moderno busca uma fé nutrida de sensações e

sentimentos. A mística é a da interioridade e de sintonia com o cosmos. Chegamos

a uma religiosidade que não compromete, extremamente cômoda, mais ligada a

envolvimento emocional, distante da Igreja-Instituição, carente de confiança em

seus líderes. A emergência da Pós-Modernidade suscita para a teologia questões

relativas ao seu escopo fundamental: o sentido último da vida, especialmente do

ser humano. Por isso, a teologia tem necessidade de repensar Deus em termos mais

significativos para a pessoa e o fiel de hoje.153

2.4.5 Conclusão

A Pós-Modernidade inicia o seu desenvolvimento, sobretudo, após a

Segunda Grande Guerra, com um capitalismo de monopólios. Na atualidade, o

capitalismo se desenvolve mais em função das técnicas de marketing, associada às

inovações tecnológicas eletrônicas. A globalização da economia é acompanhada

por uma globalização da tecnologia, sobretudo da tecnologia de informação.

Predomina, muitas vezes, a valorização de uma realidade virtual, criada por

simulação. Isto é evidente nos jogos eletrônicos de computador, por exemplo. Ao

mesmo tempo, o advento das tecnologias dos computadores tem revolucionado os

modos de produção de conhecimento, distribuição e consumo em nossos países,

sendo uma força dominante em todos os aspectos da vida social. Qualquer coisa

152 Cf. GIDDENS, A.; PIERSON, C. Conversas com Anthony Giddens: o sentido da modernidade. Rio de Janeiro: FGV, 2000, p. 96-98. 153 Cf. HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12. e., São Paulo: Loyola, 2003, p. 78-79; AGOSTINI, N. Jesus Cristo e a vivência da ética nos dias atuais. In: MIRANDA, M. F. (Org.). A pessoa e a mensagem de Jesus. São Paulo: Loyola, 2002, p. 73-74; TOURAINE, A. op. cit., p. 67; TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 12; TERRIN, A. N. Nova Era: a religiosidade do pós-moderno. São Paulo: Loyola, 1996, p. 102.

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que não seja capaz de ser transferida para o computador, não digitável, poderá

deixar de ser conhecimento num futuro próximo.

O sistema técnico a partir do final do século XX se desenvolveu na linha da

eletrônica, das biotecnologias, dos novos materiais, do domínio da energia,

constituindo-se na grande era da informática. Ao mesmo tempo, numa oposição

meramente formal à padronização e massificação, provocou-se uma exaltação da

subjetividade, da paixão, da singularidade, da autenticidade, do efêmero, da

irrupção de uma pretensa “personalização”. Porém, o mundo das técnicas e das

ciências, da produção e das invenções, não está preenchendo e realizando o mundo

da vida. Sentimo-nos dilacerados ante o espectro das mortes prematuras, da

condição dos deficientes físicos e mentais, da crueza de solidões vividas, do

esquecimento no qual são confinadas pessoas, sobretudo idosas.

A Pós-Modernidade vive no instante, perdendo a consciência da importância

da memória e não acreditando mais num progresso na consciência da liberdade ou

num porvir reconciliado. Isso leva à passagem da cultura dos direitos do homem à

cultura do homem dos direitos, dos quais o mais reivindicado é o do prazer,

enquanto fonte e base da felicidade, e substituto da virtude. Como reação à

Modernidade, age quase sempre no nível dos sentimentos, dos instintos e das

emoções.

A grande arte do mundo de hoje é criar relações que não nasçam da autarquia

do eu, mas da responsabilidade pelo outro. No campo da preservação da vida, há

esperanças fundadas de vitórias definitivas sobre muitas enfermidades e de

prolongação significativa da média de vida das pessoas. Ao mesmo tempo, no

âmbito do individual suscitou-se, ou ao menos, avivou-se, a revalorização do

pequeno, a tolerância para com o diferente, a desabsolutização do estabelecido, o

novo apreço do corpo, a revitalização da experiência.

Contudo, o individualismo do sujeito autônomo desembocou num

individualismo do eu narcísico. O segundo corresponde à desintegração do

primeiro. Se o sujeito autônomo significou a afirmação da identidade e da

independência, o sujeito narcísico aponta para a perda da identidade e da auto-

suficiência. Vive-se a fugacidade do momento. No âmbito psicológico, existe uma

forte emergência da subjetividade através da redescoberta da chave afetiva,

tomando a descoberto as questões do coração. Hoje, as questões do corpo e da

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psique ocupam um lugar central na preocupação das pessoas. O feminismo

promove a libertação da mulher da tutela masculina e a emergência social da

identidade feminina, fenômeno que aponta para uma redefinição da própria

identidade masculina com relação aos seus papéis.

A atual visibilidade midiática da religião, a irrupção de novos movimentos

religiosos, o sucesso da literatura esotérica, etc., são interpretados como um

fortalecimento do sagrado no espaço público, no contexto de uma Modernidade

que se mostra incapaz de resolver os problemas mais profundos do ser humano e

não consegue superar as suas próprias contradições e ambigüidades internas.

Contudo, a nova religiosidade tende a ser ingênua e narcisista, sem uma vivência

do amor, da doação, da abertura para o outro. O mundo dos magos prospera hoje

mais do que nunca: na época da ciência e da crise da ciência, desenvolvem-se cada

vez mais técnicas mágico-religiosas que fazem concorrência ao mundo científico e

se situam como alternativa a este.

Vivemos de um lado, num mundo da produção, da instrumentalidade, da

eficácia e do mercado; do outro, o da crítica social e da defesa de valores ou de

instituições que resistem à intervenção da sociedade. Hoje, a questão que parece

mais urgente não é a gestão do crescimento, mas a da luta contra o despotismo e a

violência, da manutenção da tolerância e do reconhecimento do outro. Pois, cada

um se fecha na sua subjetividade, o que conduz no melhor dos casos ao

esquecimento do outro, mais amiúde à rejeição do estranho. Por outro lado,

nenhum ser humano, vivendo no Ocidente escapa desta angústia da manipulação

da propaganda e da publicidade, da degradação da sociedade em multidão e do

amor em um simples prazer momentâneo.

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2.5. A crise dos modelos éticos convencionais e da Moral

2.5.1. Introdução

Vivemos num tempo de indeterminação, onde a ética tornou-se provisória.

Trata-se de uma transição de época expressa por uma “crise ética” que se faz sentir

pela acentuada pluralidade de idéias e comportamentos no campo moral, pela

perda de referenciais comuns, pela confusão de valores, bem como pela

globalização do paradigma neoliberal, que se vai impondo como se fosse a única

alternativa viável. Acrescenta-se a isso, uma imensa dificuldade para se responder

satisfatoriamente às novas questões que vão surgindo, como, por exemplo, no

âmbito da bioética, ou ainda a reformulação da resposta de antigos problemas

morais. No campo específico da moral proposta pelo Magistério da Igreja, o

quadro tem-se agravado com a moral do “faz de conta”, sinal de divórcio entre a

prática vivida por católicos e o ensinamento magisterial. Está aí o decidir por conta

própria, sem considerar a postura da Igreja, e a indiferença, mais do que a

oposição, diante da moral proposta pelo Magistério.154

A sociedade tornou-se menos regida por instituições que se baseiam no

direito e na moral que pelas exigências da concorrência econômica, pelos

programas de políticas públicas ou pelas campanhas de publicidade. O maior

escândalo da nossa época é que, apesar da disponibilidade de grandes recursos

econômicos e tecnológicos, persistam a concentração de uma enorme riqueza nas

mãos de poucos e a insensibilidade ética e a falta de vontade política de acabar

com a fome, de prevenir as doenças comuns, de alfabetizar e educar a todos. Ao

mesmo tempo, como analfabetos emotivos, assistimos hoje a milhões de trucidados

154 Cf. ROCHA, S. Teologia moral em diálogo na Pós-Modernidade. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens episteomológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 304; BAZÁN, P. M. Para entender la postmodernidad. Disponível em , internet, www.uca.edu.ni, 2004, 6 p; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 23.

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nos conflitos locais espalhados pelo mundo e outros milhões de nossos

semelhantes que todo ano morrem de fome e doenças das mais comuns.155

Anestesiados, nem sempre toca-nos a fundo o espectro das mortes

prematuras, da condição dos deficientes físicos e mentais, da crueza de solidões

vividas, do esquecimento no qual são confinadas pessoas, sobretudo idosas.

Acrescentam-se aí formas variadas de racismo, a crueza da fome, a ausência de

diálogo, as ameaças ao planeta em seu equilíbrio ecológico, as guerras de toda

sorte.156

2.5.2. Moral autônoma e ética individualista

O homem pós-moderno pensa que como ser livre, deve obedecer somente a

si mesmo e à lei que autonomamente se dá, porque toda heteronomia ética é um

atentado à sua soberania. Ele encarna a moral autônoma da vontade de poder do

“super homem”, prognosticada por Nietzsche, não trazendo em si nenhuma ferida

original que enfraqueça sua relação com o bem e a verdade. Dessa forma, age não

orientado pelo bem mas simplesmente pela vontade. A conquista da liberdade não

é mais a busca de plenitude de vida ética para si e para a sociedade, mas a própria

autonomia. A liberdade do indivíduo se expressa como uma forma de obediência a

si mesmo, não sendo acompanhada de uma responsabilidade pelo bem comum ou

por uma doutrina política baseada no princípio da utilidade.157

A sociedade moderna não vive somente de valores produzidos por ela

própria, como também destrói os valores de que tem absoluta necessidade. E os

valores básicos da sociedade moderna, como a liberdade, a dignidade e os direitos

humanos, estão sendo dissolvidos. De um lado, há um individualismo incentivado

por um capitalismo sem barreiras que destrói o valor básico da solidariedade e da

justiça. Por outro lado, a ciência moderna muitas vezes usa do seu método formal-

155 Cf. TOURAINE, A. Crítica da Modernidade. 6. e., Petrópolis: Vozes, 1999, p. 392; GALIMBERTI, U. Rastros do sagrado: o cristianismo e a dessacralização do sagrado. São Paulo: Paulus, 2003, p. 379; PONTIFÍCIO CONSELHO DA CULTURA; PONTIFÍCIO CONSELHO PARA O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO. Jesus Cristo, portador da água viva..., n. 39. 156 Cf. AGOSTINI, N. Ética cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 117. 157 Cf. MORI, G. L. A pós-modernidade e a teologia: desafios e tarefas. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. São Leopoldo, 2004, mimeografado, p. 16.

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funcional para a autodestruição do próprio ser humano.158

A liberdade de se tratar certos temas, a possibilidade de mudanças radicais,

as descobertas científicas no campo da bioética, da sexualidade ou do matrimônio

têm revolucionado o comportamento humano neste começo de século. Hoje, há

uma dissolução de qualquer moral tradicional e convicção religiosa considerada

arbitrária, com um estilo de vida light, soft proporcionado pela new age. Por outro

lado, há uma uniformidade consumista, uma “macdonalização” (McDonalization)

dos costumes e dos estilos de vida.159

A cultura hedonista separa a sexualidade de qualquer norma moral objetiva,

reduzindo-a frequentemente ao nível de objeto de diversão e consumo, e

favorecendo, com a cumplicidade dos meios de comunicação social, uma espécie

de idolatria do instinto. O materialismo exagerado, ávido de riquezas, não tem

qualquer atenção pelas exigências e sofrimentos dos mais fracos, nem consideração

pelo próprio equilíbrio dos recursos naturais. Na nossa época, incentivada por uma

cultura utilitarista e tecnocrática, tende-se a avaliar a importância das coisas e

também das pessoas sobre a base da sua “funcionalidade” imediata.160

A perspectiva pós-moderna identifica o ser feliz com toda forma de prazer,

com a liberação e a satisfação do desejo, com a fuga do sofrimento. A dimensão

ética e espiritual da felicidade é subordinada à dimensão sensível e psíquica. O

desejo torna-se o único parâmetro essencialmente real e produtor de realidade. Isso

leva à passagem da cultura dos direitos do homem à cultura do homem dos

direitos, dos quais o mais reivindicado é o do prazer, enquanto fonte e base da

felicidade, e substituto da virtude. Todo prazer possível é legítimo, pelo fato de que

possa ser experimentado e não porque seja moralmente bom.161

A sociedade de hoje organiza o processo de produção e toda a vida social em

função de uma ética individualista que não responde aos anseios de uma vida

158 Cf. SIEBENROCK, R. A., Europa: uma abordagem. Revista Concilium, Petrópolis, n. 305, p. 21-22, 2004/2. 159 Cf. LÓPEZ, P. L. Old and new globalization. In: BLANCHETTE, O.; IMAMICH, T.; McLEAN, G. F. Philosophical challenges and opportunities of globalization: the council for research in values and philosophy. 2001, Vol. I, p. 41; TRASFERETTI, J. Teologia moral na Pós-Modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 435. 160 Cf. JOÃO PAULO II. Exortação Apostólica Pós-Sinodal “Vita Consecrata”. Documentos Pontifícios n. 147, 4. e., São Paulo: Paulinas, 2004, n. 88; 89 e 104. 161 Cf. MORI, G. L. A pós-modernidade e a teologia: desafios e tarefas. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA. São Leopoldo, 2004, mimeografado, p. 17.

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socializada. A existência das contradições entre riqueza - pobreza e avanços

tecnológicos - exclusão social gera um escândalo moral jamais visto. A ética do

sucesso continua reinando em muitas mentalidades e ações sociais. O mais

importante é levar vantagem em tudo. Não importam os graves problemas sociais,

a crise ambiental, as desigualdades regionais, o acúmulo de capital, a violência, o

preconceito social e tantos outros males que afetam os seres vivos. Essa crise

social também se manifesta na política, através da corrupção, do clientelismo, do

autoritarismo, do oportunismo e de tantas outras práticas de abuso de poder e

ganância irresponsável.162

Trata-se de uma realidade que desvaloriza o ideal da abnegação e os valores

sacrificiais e estimula os desejos imediatos, a paixão do ego, a felicidade intimista

e materialista. Dessa forma, nossa sociedade é paradoxal. Por um lado,

aprofundam-se o individualismo e o particularismo, desembocando no escândalo

moral de uma sociedade das mais iníquas da história contemporânea. Mas, por

outro, há avanços na consciência e na defesa dos direitos que efetivam a dignidade

humana.163

2.5.3. Globalização, consumismo, desequilíbrio ecológico e injustiças sociais

Globalização da economia é o processo através do qual, em conseqüência do

dinamismo do comércio de bens e serviços e dos movimentos de capital e

tecnologia, os mercados e a produção nos diferentes países se tornam sempre mais

dependentes uns dos outros. Ela é acompanhada, portanto, por uma globalização da

tecnologia, sobretudo da tecnologia de informação. Nesta fase pós-moderna, está

em curso a globalização neoliberal, que a tudo quer abarcar e em tudo quer

imprimir o seu selo. A lógica do mercado se afirma erigindo-o em paradigma do

162 Cf. TRASFERETTI, J. Teologia moral na Pós-Modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 408. 163 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 25; OLIVEIRA, M. A. Ética e racionalidade moderna. São Paulo: Loyola, 1993, p. 47; TRASFERETTI, J.. Teologia moral na Pós-Modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) op. cit., p. 409.

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comportamento humano e de toda a vida social.164

Telefax, comunicação via satélite, fluxo global de dados, WorldWideWeb e

bolsa de valores eletrônica, bem como o enorme barateamento do transporte de

informações, mercadorias e pessoas, demonstram a transição da economia nacional

para a economia global numa velocidade estonteante, jamais observada antes.

Mercado e produção, bem como capital e tecnologia conhecem cada vez menos

fronteiras. Não só o comércio, como também as empresas e seus produtos se

tornam, a cada dia, mais globais, numa concorrência até hoje desconhecida. A

globalização e a informatização da economia causaram um gigantesco impacto

sobre a sociedade, gerando, por um lado, a elitização de pequenos grupos,

detentores do poder, por outro lado, uma enorme população excluída. Trata-se de

um processo de desenvolvimento desigual que fragmenta e introduz novas formas

de dependência mundial.165

O consumismo não é apenas um excesso de consumo de bens materiais ou

imateriais, muitas vezes totalmente desnecessários e dispensáveis. É também uma

mentalidade que nasce no seio de uma civilização dominada pela técnica, torna-se

seu motor e penetra no íntimo da vida de muitos e no costume coletivo. Procura

forjar as pessoas de tal maneira que se deixem seduzir por uma busca insaciável do

novo, do sonho, do desejo, de tal forma que o prazer e a felicidade estão sempre

além do alcançado, caindo numa escravização do desejo.166

A indústria liberal de bens de consumo e lazer, com uma propaganda

persuasiva e persistente, desenvolveu e desfigurou as necessidades básicas do ser

humano. Nesta dinâmica, muitos se perdem no imediatismo do consumo, mais

preocupados em “ter mais” prazer, do que “ser mais” gente. Ao lado desta

hipervalorização dos prazeres que estão ao alcance das mãos de quem tem

dinheiro, uma imensa maioria vive com fome, sem moradia decente, sem

dignidade, incapazes de alcançar um mínimo de satisfação existencial. Dessa

forma, a pobreza do mundo de hoje é um largo mar de necessidades insatisfeitas

164 Cf. KÜNG, H. Uma ética global para a política e a economia mundiais. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 279; ROCHA, Sérgio da. Teologia moral em diálogo na Pós-Modernidade. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.). op. cit., p. 313. 165 Cf. KÜNG, H., op. cit., p. 280; GIDDENS, A. As conseqüências da Modernidade. São Paulo: Unesp, 1991, p. 173-174; SOUZA, N. Evolução histórica para uma análise da pós-modernidade. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.). op. cit., p. 138-139. 166 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 138.

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em redor de uma pequena ilha de consumo exagerado e descontrolado.167

As ameaças ecológicas resultam do impacto do industrialismo crescente

sobre o meio ambiente material. Fazem parte de um novo perfil de risco

introduzido pelo advento da Modernidade, característico da vida social de hoje. A

produção, já delimitada pelo que era útil e eficiente, passou a nortear-se pela busca

da lucratividade sem limite, num acúmulo de bens capitalizados, com a

conseqüente depredação da natureza e submissão do ser humano, quando não,

simplesmente a exclusão deste.168

A simples quantidade de riscos sérios ligados à natureza é bem assustadora: a

radiação a partir de acidentes graves em usinas nucleares ou do lixo atômico; a

poluição química nos mares suficiente para destruir o plâncton que renova uma boa

parte do oxigênio da atmosfera; um “efeito estufa” derivante dos poluentes

atmosféricos que atacam a camada de ozônio, derretendo parte das calotas polares

e inundando vastas áreas; a destruição de grandes áreas de floresta tropical que são

uma fonte básica de oxigênio renovável; e a exaustão das terras férteis como

resultado do uso intensivo de fertilizantes artificiais.169

No mundo globalizado de hoje, a pobreza apresenta novos aspectos,

principalmente a exclusão de categorias inteiras de pessoas e até mesmo nações.

Talvez o maior flagelo social hoje seja o desemprego estrutural, trazido pela

globalização. Porém, a Igreja não pode aceitar que haja pessoas e nações inteiras

excluídas. Ela não pode aceitar a fome de tantos milhões, o crescimento da miséria

junto à indiferença dos povos ricos e desenvolvidos, que estão mais preocupados

com a concorrência comercial internacional do que com a solidariedade.170

2.5.4. Provisoriedade e efêmero

O pensamento pós-moderno entende a si mesmo como um processo de

167 Cf. MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 244. 168 Cf. GIDDENS, A. As conseqüências da Modernidade. São Paulo: Unesp, 1991, p. 111-112; AGOSTINI, N. Ética cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 97. 169 Cf. GIDDENS, A. op. cit., p. 129. 170 Cf. HUMMES, C. Cardeal. El marco social y eclesial hoy de America Latina: 25 años despuès de Puebla. Revista de Cultura Teológica, São Paulo, ano XII, n. 47, p. 28, abr.-jun./2004.

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libertação do uno, do imutável e do eterno para a diferença, a pluralidade, a

mudança e o contingente. Tudo se torna provisório, porque nossos esquemas são

estruturalmente instáveis e mutáveis. Tudo é considerado como produto do tempo

e do acaso. A contingência é o princípio do pensar, de modo que vivemos num

mundo ciente de que não há estruturas sólidas e essenciais. Dessa forma, o

pensamento das essências cede lugar ao pensamento de uma estratégia inteligente

para lidar com a contingência. O provisório, o efêmero, o fútil e o temporário

tornaram-se mais expressivos que o eterno, o imutável, o integrado, o harmônico e

o sublime.171

No clima cultural de Pós-Modernidade, o ritmo das mudanças e o caráter

efêmero das contínuas novidades tornaram-se exasperados. Este fenômeno é

facilitado pelo novo poder dos meios de informação, que permitem a comunicação

instantânea com qualquer parte do mundo e induzem à tomada de decisões

imediatas e emocionais, não refletidas e não amadurecidas. Em conseqüência, as

pessoas são levadas a considerar como provisórias e passageiras todas as atitudes e

encontram dificuldade em aceitar um compromisso estável e definitivo, inclusive

no matrimônio, na vida consagrada e sacerdotal.172

A Pós-Modernidade enfatiza a efemeridade, tende a inclinar-se para a

desconstrução que beira o niilismo e prefere a estética, em vez da ética. É difícil

manter qualquer sentido de continuidade histórica diante de todo o fluxo e

efemeridade. Agora, tanto a vida como o mundo tornaram-se perecíveis, mortais,

fúteis. O fato mais espantoso está na sua total aceitação do efêmero, do

fragmentário, do descontínuo e do caótico. Ela vagueia nas fragmentárias e

caóticas correntes da mudança, como se isso fosse tudo o que existisse. Remonta a

Nietzsche em particular, que enfatiza o profundo caos da vida moderna e a

impossibilidade de lidar com ele por meio do pensamento racional.173

171 Cf. OLIVEIRA, M. A. Pós-Modernidade: abordagem filosófica. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 24; 42-43; BENEDETTI, L. R. Pós-modernidade: abordagem sociológica. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) op. cit., p. 69. 172 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999. n. 144. 173 Cf. HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12. e., São Paulo: Loyola, p. 49; 111-112; 273; ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. 5. e, S. Paulo: Perspectiva, 2002, p. 108.

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Hoje, acentua-se a volatilidade e efemeridade de modas, produtos, técnicas

de produção, processos de trabalho, idéias e ideologias, valores e práticas

estabelecidas. A sensação de que “tudo o que é sólido desmancha no ar” raramente

foi mais persuasiva. Vivemos a dinâmica de uma sociedade do descartável que

significa mais do que jogar fora bens produzidos, criando um monumental

problema sobre o que fazer com o lixo, mas também ser capaz de atirar fora

valores, estilos de vida, relacionamentos estáveis entre as pessoas e modos

adquiridos de ser e de agir.174

2.5.5. Pluralismo ético e liberdade individual

Vivemos numa sociedade caracterizada pelo pluralismo, que permite

diversas interpretações simultâneas, concorrentes ou complementares, em nítido

confronto com a visão unitária das religiões ou totalitária das ideologias. Há uma

tentação de dizer que cada um tem a sua verdade e de que ninguém tem direito de

dizer que a sua seja verdadeira. Trata-se de uma consciência ética desorientada,

numa crise em torno da verdade. E a medida de referência tende a ser o próprio

indivíduo.175

A pessoa humana cresce num mundo em que não há mais valores comuns,

que determinam o agir nas diferentes áreas da vida, nem uma realidade única,

idêntica para todos. Há um determinado número de morais, distribuído entre

diversas comunidades de vida e de convicção. Porém, isto não significa que as

pessoas não orientem mais o seu agir e a sua conduta de vida segundo valores

supra-ordenados, que imperam em suas comunidades. Mesmo aqueles que agem

“imoralmente” vão pautar-se pela moral em vigor, procurando esconder ou

desculpar suas infrações às normas. Seja como for, a pessoa de hoje, nem sempre

consegue ter certeza de que aquilo que julga bom e justo também seja assim

174 Cf. HARVEY, D. Condição Pós-Moderna ..., p. 258-259. 175 Cf. JOÃO PAULO II. Carta encíclica “Fides et ratio”. Documentos pontifícios 275. Petrópolis: Vozes, 1998, n. 98; Id., Carta encíclica “Veritatis splendor”. 2. e. São Paulo: Paulinas, 1993, n. 32; LIBÂNIO, J. B. Teologia da revelação a partir da modernidade. 2. e., São Paulo: Loyola, 1995, p. 146; HUMMES, C. El marco social y eclesial hoy de America Latina: 25 años despuès de Puebla, Revista de Cultura Teológica, São Paulo, ano XII, n. 47, p. 21, abr.-jun./2004; AGOSTINI, N. Jesus Cristo e a vivência da ética nos dias atuais. In: MIRANDA, M. F. (Org.). A pessoa e a mensagem de Jesus. São Paulo: Loyola, 2002, p. 69.

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considerado pelos outros. Aliás, ela mesmo nem sempre sabe o que é bom e justo

para si próprio.176

Diante do pluralismo moderno há duas reações extremas e contraditórias: a

atitude rigorista, que pretende reconquistar a sociedade toda para os valores e

tradições antigos. Por outro lado, a atitude laxista, que desiste de afirmar quaisquer

valores e reservas de sentido. As duas reações são errôneas e podem, além do mais,

tornarem-se perigosas. Na sua forma radical, a atitude rigorista pode levar à

autodestruição ou à destruição do outro.177

Mas a atitude laxista, relativista, é inconsistente em si mesma. Uma pessoa

para a qual tudo é válido, já não é capaz de um agir coerente e responsável. Ela não

poderia aduzir razões por que se decidiu assim e não de outro modo. O seu

comportamento pareceria totalmente arbitrário e ninguém poderia confiar se no

momento seguinte já não mudaria seu caráter. Por isso, o indivíduo não mais

responsável por suas ações também não poderia manter uma relação social com

obrigações. Perde-se assim o mínimo de confiança mútua que se pressupõe para a

existência na comunidade e na sociedade.178

A sociedade de hoje valoriza a liberdade individual e incentiva o indivíduo a

buscar os critérios do seu comportamento a partir de si mesmo, da sua razão e

liberdade, assumindo uma atitude autônoma e crítica face aos valores tradicionais.

Os conceitos morais dos tempos modernos estão adaptados ao reconhecimento da

liberdade subjetiva da pessoa humana. Fundam-se, por um lado, no direito do

indivíduo de discernir como válido o que ele deve fazer. Por outro lado, fundam-se

na exigência de que cada um persiga os fins do bem-estar particular em

consonância com o bem-estar de todos os outros. A vontade subjetiva ganha

autonomia em relação às leis universais.179

176 Cf. BERGER, P.; LUCKMANN, T. Modernidade, pluralismo e crise de sentido: a orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 39; 87. 177 Ibid., p. 79. 178 Idem, p. 79-80. 179 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 179; HABERMAS, J. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Dom Quixote, 1998, p. 27-28.

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2.5.6. Relativismo e crise de orientação

Vivemos hoje uma crise de sentido que afeta toda a estrutura humana. Trata-

se de uma crise profunda, séria e complexa. As mudanças rápidas e profundas dos

valores que norteiam nossa ação social têm permeado nossos comportamentos,

impondo um ritmo de vida jamais visto. O ser humano está ficando isolado,

descrente de tudo, caminha vazio pelas esquinas do mundo. Ele busca geralmente,

em sua caminhada, sua satisfação pessoal de uma forma exclusiva. De um lado, o

centro de suas ações está na busca de auto-realização, felicidade consumista e

prazer desmesurado. De outro, vive num desencanto, num desinteresse, numa

apatia, até mesmo diante do mundo da política, já que ela converteu-se em

espetáculo e, não raro, em farsa, em representação teatral.180

Há uma dificuldade bastante generalizada das novas gerações de assumir

compromissos duradouros. Tudo é provisório e se está sempre às espera de algo

novo. Não interessa adquirir alguma coisa para toda a vida. Menos ainda condiz

com a mentalidade atual assumir um compromisso para sempre. Respira-se uma

moral provisória, sem nada estável e definitivo. Uma sensibilidade que dá primazia

ao sentimento, à afetividade e ao prazer, rendendo culto ao corpo. Importa viver o

presente! Ao dizer isso, atrofia-se a memória, caindo-se numa crise de identidade

das utopias e dos ideais, sem os quais o futuro fica comprometido. Nesta situação,

muitas vezes, há um desestímulo ou dificuldade para se realizar uma opção

fundamental na vida.181

Assistimos hoje a uma forte contribuição de dois fenômenos de nossa

Modernidade: o enfraquecimento do sentido do pecado e a força e a influência dos

Meios de Comunicação Social na vida das pessoas que ditam novos modos de agir.

O fenômeno mais grave, na atualidade, é a a-moralidade, a perda do sentido ético.

180 Cf. TRASFERETTI, J. Teologia moral na Pós-Modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 407-408; HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12. e., São Paulo: Loyola, p. 73. 181 Cf. GASTALDI, I. Educar e evangelizar na pós-modernidade. São Paulo: Salesiana Dom Bosco, 1994, p. 69-70; HARVEY, D. op. cit., p. 79.

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O a-moralismo remete ao nosso tipo de civilização ocidental, dominada pelo

consumismo e pelo “homem-massa”. A massificação fez decair os valores morais,

com uma perda de identidade pessoal. Um outro aspecto é a deterioração das

relações humanas. Só se pensa em produzir e consumir. A perda moral reside, sem

dúvida, na crescente indiferença em relação à vida alheia, seja de animais ou de

pessoas, mesmo que seja na forma de embriões.182

O homem e a mulher da Modernidade não sabem, muitas vezes, qual o

caminho a percorrer. Falta-lhes a grande direção, a bússola, o grande alvo a atingir.

Sem uma forte ligação com um sentido, com valores e normas que, evidentemente,

não devem servir de algemas ou grilhões e, sim, de ajuda e proteção. Por isso,

muitas vezes, eles não conseguem proceder de modo humano, tanto nas coisas

pequenas quanto nas grandes.183

Nas mais diversas camadas sociais e também em todas as faixas etárias, estão

grassando crises de orientação por causa da dose excessiva de informações. Ao

mesmo tempo, há um descontrole do vício das drogas e da criminalidade, além dos

escândalos na política, na economia, no sindicato e na sociedade. Cada vez mais

homens e mulheres, sobretudo jovens, se encontram diante de um vazio de sentido,

de valores e de normas.184

Não existem mais verdades absolutas, porque a verdade tornou-se

“interpretação” e não se pode falar de verdade incontrovertível. O significado das

realidades, isto é, a sua verdade depende do seu uso. A realidade manifesta-se,

oferece-se à interpretação do sujeito. Vive-se no relativismo de valores. Há um

enfraquecimento da consciência diante do fortalecimento das paixões (desejo e

prazer) e do privilégio destas de intencionar o verdadeiro.185

Chama-nos a atenção, neste momento histórico, o grande pluralismo de

valores, numa proliferação do relativismo, sob a égide do “não existe nada de

182 Cf. LEPARGNEUR, H. Ciência e descrença hoje. Revista Eclesiástica do Brasil. Petrópolis, fasc. 253, p. 57, Jan./2004; MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, p. 27-28; MOLTMANN, J. Direitos humanos, direitos da humanidade e direitos da natureza. Revista Concilium. Petrópolis, n. 228, p. 150, 1990/2. 183 Cf. KÜNG, H. Em busca de um “ethos” mundial das religiões universais: questões fundantes da hodierna ética num horizonte global, Revista Concilium, Petrópolis, n. 228, p. 118-119, 1990/2. 184 Ibid., p. 115. 185 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 21.

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absoluto”, do “vale tudo”. Com isso, mergulhamos no campo do efêmero, do

instável, do banal, do “viver cada instante”, do “viver o aqui e agora” à margem de

toda moral. O pós-moderno dispensa a norma. Num mimetismo do que está na

“crista da onda”, embalados, sobretudo pelos meios de comunicação social,

introjetamos como “valores” o dinheiro, a juventude, o sexo, o culto ao corpo, o

hedonismo e o narcisismo. Nas grandes metrópoles, o comportamento humano está

fragmentado pela confusão de papéis, pelo cotidiano complexo, pelos valores e

contravalores que todo dia surgem diante de nossos olhos.186

2.5.7. Conclusão

Podemos concluir que o mundo atual forma um grande quadro destemperado

de contrastes gritantes. A liberdade é o valor central da vida das pessoas e base da

sua moral, mas estão presentes tanto as violações dos direitos humanos como a

exploração dos mais fracos, a manipulação da opinião pública, a percepção do

outro como simples objeto, além de todas as formas de egoísmo. O consumismo

leva a uma saturação em que as maiores extravagâncias e desperdícios são

possíveis e, mesmo assim, deixam um sentimento de tédio. No campo sexual os

extremos se tocam, do tabu à libertinagem. O sexo se tornou passatempo, sem

assumir a responsabilidade de uma relação mais profunda e duradoura. Há uma

busca da auto-realização sexual, sendo a sexualidade libertada do controle social.

Há também uma “sacralização” da liberdade da consciência humana, com a

autonomia individual e a perda do sentido do ético. Com isso, na sociedade pós-

moderna, criam-se novos valores segundo as regras do consumo, do

individualismo e do hedonismo.

Pertencemos todos ao mesmo mundo, mas é um mundo quebrado,

fragmentado. Atualmente, uma parte do mundo se curva sobre a defesa e a busca

de sua identidade nacional, coletiva ou pessoal, enquanto uma outra parte, ao

186 Cf. GASTALDI, I. Educar e evangelizar na pós-modernidade. São Paulo: Salesiana, Dom Bosco, p. 31; HARVEY, D. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 12. e., São Paulo: Loyola, p. 73; TRASFERETTI, J. Teologia moral na Pós-Modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 410.

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contrário, só acredita na mudança permanente, enxergando o mundo como um

hipermercado onde novos produtos aparecem sem cessar. No meio desses

fragmentos de vida social, carregados de valores opostos, se agitam as massas,

atreladas à racionalidade técnica e levadas a não se preocupar com os fins de suas

ações. O resultado de tudo isso é um utilitarismo e pragmatismo de fundo, que

reveste inclusive a religião.

Além disso, a razão instrumental hoje se encontra, muitas vezes, a serviço do

egoísmo possessivo. No centro da sociedade pós-moderna, temos um vazio de

valores que garante a autonomia da racionalidade técnica. Por isso, a afirmação da

dimensão utópica da ética teológica faz-se ainda mais necessária, diante do fim das

utopias e das ilusões da Modernidade pressuposto pela Pós-Modernidade.

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2.6. Conclusão do Capítulo II

Na primeira parte da Tese procuramos mostrar os desafios da realidade de

hoje, analisando o contexto do mundo moderno e pós-moderno. Estes elementos

são fundamentais, tendo em vista que eles provocaram uma virada na concepção

dos valores a serem vividos a partir de então. Dentro deste processo, não podemos

deixar de levar em conta o problema da secularização.

No mundo moderno, há sempre a busca do progresso e do crescimento

econômico, por meio da produção em massa. Tudo gira em torno da jurisdição do

econômico. Os significados religiosos deixam de ser considerados como

fundamentais à vida cotidiana, desembocando numa crise dos modelos éticos

convencionais.

No âmbito do individual suscitou-se, ou ao menos, avivou-se, a revalorização

do pequeno, a tolerância para com o diferente, a desabsolutização do estabelecido,

o novo apreço do corpo, a revitalização da experiência. Contudo, o individualismo

do sujeito autônomo desembocou num individualismo do eu narcísico. Porém, a

grande arte do mundo de hoje é criar relações que não nasçam da autarquia do eu,

mas da responsabilidade pelo outro.

Na atualidade, existe uma forte emergência da subjetividade. Hoje, as

questões do corpo e da psique ocupam um lugar central na preocupação das

pessoas. O feminismo promove a libertação da mulher da tutela masculina e a

emergência social da identidade feminina, fenômeno que aponta para uma

redefinição da própria identidade masculina com relação aos seus papéis.

A atual visibilidade midiática da religião, a irrupção de novos movimentos

religiosos, o sucesso da literatura esotérica, etc., são interpretados como um

fortalecimento do sagrado no espaço público, no contexto de uma Modernidade

que se mostra incapaz de resolver os problemas mais profundos do ser humano e

não consegue superar as suas próprias contradições e ambigüidades internas.

Contudo, a nova religiosidade tende a ser ingênua e narcisista, sem uma vivência

do amor, da doação, da abertura para o outro.

Vivemos de um lado, num mundo da produção, da instrumentalidade, da

eficácia e do mercado; do outro, o da crítica social e da defesa de valores ou de

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instituições que resistem à intervenção da sociedade. Hoje, a questão que parece

mais urgente não é a gestão do crescimento, mas a da luta contra o despotismo e a

violência, da manutenção da tolerância e do reconhecimento do outro.

Tendo esboçado toda a problemática do mundo moderno e pós-moderno,

aqui apresentado de uma maneira sucinta, partiremos para uma reflexão sobre a

consciência moral, tratando especificamente do nosso tema. A segunda parte

procurará discorrer sobre este pilar da Moral Fundamental, à luz do grande teólogo

moralista Bernhard Häring.

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3. A consciência moral, em Bernhard Häring

Nesta Segunda Parte da Tese, apresentamos os trabalhos de pesquisa

desenvolvidos na Academia Alfonsiana da Pontifícia Università Lateranense de

Roma, sob a orientação do Prof. Dr. Sabatino Majorano, depois avaliados pelo

Prof. Dr. Nilo Agostini, da PUC/Rio.

A Academia Alfonsiana é um instituto de pós-graduação em Teologia Moral

fundado pela Congregação dos Redentoristas em 1949, que desenvolve suas

atividades científicas em Roma. Desde 1960, a instituição faz parte da Faculdade

de Teologia da Pontifícia Universidade Lateranense. O nosso Autor, Bernard

Häring, dedicou grande parte de sua vida acadêmica junto a esta instituição, onde

pode produzir grande parte de suas 106 obras.

O Prof. Dr. Sabatino Majorano é o atual Diretor da Academia Alfonsiana.

Padre Redentorista italiano, é também professor ordinário da Academia e professor

convidado da Pontifícia Universidade Urbaniana. Doutor em Teologia Moral pela

Academia Alfonsiana (1978) e Mestre em Teologia pela Pontifícia Faculdade da

Itália Meridional – Nápolis (1969). Majorano é considerado hoje, um dos maiores

especialistas em Bernard Häring, dando continuidade às reflexões de seu já

falecido mestre.

Falecido em 1998, Bernard Häring foi um teólogo que marcou o Concílio

Ecumênico Vaticano II e também o pós-Concílio, impulsionando uma virada

teológica no campo da Moral. Ele obteve o Doutorado em Teologia junto à

Faculdade Teológica de Tübingen (Alemanha) em 1947 e foi agraciado com seis

doutorados “honoris causa”. Recebeu vários prêmios pela paz em diversos países e

foi proclamado “homem internacional do ano 1991-1992” e “homem mais

admirado na década 1980-1990”. Depois de muita vida e muita luta, podemos

considerá-lo como um dos nossos grandes sábios, que podem dizer o que nem

todos ousariam.

Iniciamos esta Segunda Parte, como introdução ao tema, trazendo um breve

retrospectivo da noção de consciência moral, anterior à Moral Renovada. A seguir,

apresentamos uma pequena biografia de Bernhard Häring, para entrarmos no seu

trabalho propriamente dito. Continuamos nossa reflexão, mostrando a colaboração

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de nosso autor em estudo, na realização do Vaticano II. Os nossos estudos aqui

trazem também, de uma forma sintética, a relação entre Häring e a Moral

Renovada. Prosseguimos com a discussão em relação ao primeiro manual de

Häring, A Lei de Cristo, e a sua contribuição para a noção de consciência moral.

Depois, apresentamos o segundo manual de Häring, Livres e fiéis em Cristo, bem

como também a sua noção de consciência moral.

Concluímos esta parte da tese, fazendo uma comparação entre os dois

manuais.

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3.1. A noção de consciência moral anterior à Moral Renovada

3.1.1. Introdução

A moral católica que se coloca frente ao protestantismo é formada depois do

Concílio de Trento. Trata-se da moral dos manuais, comumente chamada de

casuística. Estes manuais buscam atender às exigências daquele Concílio, voltadas

para a administração do sacramento da Penitência. A Igreja pós-tridentina faz um

esforço enorme para a formação dos confessores, especialmente com a fundação de

seminários, a instituição de cursos de casos de consciência e o encorajamento à

redação de manuais de teologia moral.187

A moral dos manuais, do período entre os séculos XVII e XX, repousa sobre

quatro pilares: o ato humano livre, a lei, a consciência e o pecado, sustentados

pelos Mandamentos da lei de Deus e da Igreja. Os moralistas se ocupam, dentre os

atos humanos que lhes interessam, sobretudo com o tema do pecado. Esta atenção

particular não se explica somente com a preocupação de melhor determinar a

matéria do sacramento da Penitência, mas a de fazê-la derivar da lei mesma, com

preceitos mais negativos que positivos. A função da lei, de fato, é, sobretudo, de

colocar-se na guarda contra a culpa e a natureza do pecado.188

Encarregam-se, sobretudo, os jesuítas, aos quais era confiado o ensino da

teologia em muitos seminários, de dar vida a este ponderado compromisso entre a

moral erudita das altas cátedras universitárias e os demais repertórios práticos do

clero em geral. Surgem, dessa forma, as assim chamadas Institutiones theologiae

moralis.189

187 Cf. PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares, 1992, p. 328; VEREECKE, L. La coscienza nel pensiero di S. Alfonso de Liguori. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (a cura di) Morale e redenzione, Roma: EDACALF, 1983, p. 177; ANGELINI, G.; VALSECCHI, A. Disegno storico della Teologia Morale. Bologna: EDB, 1972, p. 113-114. 188 Cf. MASET, A. B. Ley y conciencia: una aproximación a la renovación de la teología moral. Extrato de la tesis doctoral presentada en la Facultad de Teología de la Universidad de Navarra. In: Excerpta e dissertationibus in Sacra theologia, 1997. p. 26; PINCKAERS, S. op. cit., p. 315-321. 189 Cf. ANGELINI, G.; VALSECCHI, A. op. cit., p. 114.

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Um dos primeiros textos da nova ordem dos sistemas morais em forma de

manuais é do jesuíta G. Azor (1536-1603), chamado Institutiones Morales,

publicado em 1602. Em 1625, o jesuíta P. Laymann (1574-1635) publica uma

Theologia moralis, fruto dos seus ensinamentos como professor. Em 1770, há a

publicação de uma Ethica christiana, do tomista G. V. Patuzzi (1700-1769). O seu

tratado tem grande influência, por muito tempo.190

A preocupação básica dos manuais era de ajudar os confessores a resolver as

dúvidas de consciência. Os sistemas morais surgem com este objetivo. Base

comum a estes sistemas morais é a aceitação das leis objetivas, universalmente

válidas, obtidas pela via da ciência natural ou pela revelação divina.191

De uma forma introdutória, apresentamos sucintamente o funcionamento da

moral anterior à Moral Renovada, para compreendermos o processo dinâmico que

se deu, a partir do Concílio Vaticano II, sobretudo em relação à noção de

consciência moral.

3.1.2. Os Sistemas Morais

Com o nome de sistemas morais, denominam-se os manuais de teologia

moral das doutrinas morais de várias escolas teológicas sobre a formação do juízo

de consciência, quando quem deve ou quer agir se encontra frente a leis que

aparecem objetivamente incertas. Os sistemas morais transformam por via

dedutiva, do universal ao particular, os princípios e as leis universais, em regras

particulares, por casos típicos.192

190 Cf. CAPONE, D. Per la norma morale: ragione, coscienza, leggi: dalla storia delle idee. Studia Moralia, Roma, n. 28, p. 211-212, 1990. 191 Cf. MASET, A. B. Ley y conciencia: una aproximación a la renovación de la teología moral. In: Excerpta e dissertationibus in Sacra theologia, Navarra: Universidad de Navarra, p. 42-43; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 40-41; PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares,1992, p. 315 e 327; VIDAL, M. Moral de actitudes. Tomo I: moral fundamental, 4. ed., Madrid: PS Edit., 1977, p. 296; CAPONE, D. Sistemas Morales. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) Nuevo diccionario de teologia morale, Madrid: Paulinas, 1992, p. 1708-1718. 192 Cf. CAPONE, D. Sistemas Morales. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) op. cit., 1708; Id. Sistemi morale. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) Dizionario enciclopedico di Teologia Morale. 4. ed., Roma: Paoline, 1976, p. 1006; PARISI, F. op. cit., p. 40-41; MASET, A. B. Ley y conciencia: una aproximación a la renovación de la teología moral. op. cit., p. 42-43.

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Aos fins do século XV, a evolução do mundo Ocidental, sob o influxo do

Renascimento, do humanismo, das grandes descobertas (Índias e Américas) e das

mudanças na economia, causa uma profunda mudança no modo de viver e de

pensar. Mas, os sistemas morais ainda não existem. Recorre-se às universidades,

como a Universidade de Paris, que se transforma, no início do século XVI, num

grande centro de orientação moral. Nela, os mercantilistas, juizes, médicos e

também chefes de Estado manifestam as suas dúvidas de consciência. Porém, este

desenvolvimento da teologia moral, favorecido pelo nominalismo,193 zela mais pela

autoridade dos autores que ao valor dos princípios fundamentais. Ele tem como

conseqüência a constituição de uma massa de opiniões nem sempre concordantes

entre si, propostas pelos teólogos para resolver as dúvidas de consciência.194

Portanto, os sistemas morais surgem com a preocupação especial de eliminar

as dúvidas no agir moral. Com este objetivo, fornecem regras de comportamento

que assegurem a conformidade das decisões à lei. Eles têm a preocupação de

responder às exigências concretas da vida, buscando formar uma consciência

prática em casos de dúvida, medindo as proporções entre liberdade e lei.195

Eles não surgem como uma organização do conjunto da teologia, na forma

das Summas da Idade Média, mas numa diferente posição sobre critérios de juízo

no definir os casos dúbios, com a inevitável conseqüência de uma maneira

diferente também no tratar os casos de consciência. É a questão da dúvida aplicada

ao conjunto da moral do tempo. A moralidade é aplicada ao ato humano pela sua

relação com a lei, que é a fonte do dever moral. A questão moral é toda

concentrada sob o limite entre aquilo que cai sob a lei daquilo que fica livre, aquilo

193 O nominalismo se pode definir como a posição filosófica que sustenta que os conceitos abstratos, os termos de maneira genérica, que em metafísica são chamados de universais, não possuem uma existência própria, mas existem somente como nomes. Este modo de ver faz com que somente os objetos (físicos) particulares podem ser considerados reais, enquanto que os universais existem somente como convenções verbais associados aos objetos específicos, ou seja, na imaginação de quem fala. O nominalismo se contrapõe ao realismo filosófico, a posição que sustenta que os termos gerais dos quais se faz uso, como “árvore” e “verde”, representam formas de maneira genérica que possuem uma existência num mundo de abstração independente do mundo dos objetos fisicamente definidos. (Cf. WIKIMEDIA. Il nominalismo. Disponível em: <www.wikimedia.it>. Acesso em 23 mar. 2006). 194 Cf. VEREECKE, L. La coscienza nel pensiero di S. Alfonso de Liguori. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (cure) Morale e redenzione. Roma: EDACALF, 1983, p. 176-177. 195 Cf. PINCKAERS, Ss. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia..., p. 327; VIDAL, M. Moral de actitudes. Tomo I..., p. 296; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale..., p. 40-41; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos, Madrid, vol. 74, p. 474-475, jul-sep. 1999.

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que pertence à lei daquilo que pertence à liberdade. E é ali que a dúvida vai

propriamente inserir-se para decidir se a lei tem verdadeiramente o poder num caso

particular.196

3.1.2.1. Tipos de sistemas morais

Na casuística, toda a atenção dos moralistas é voltada aos casos de

consciência individual, que se torna o ponto central da moral. As questões das

regras a seguir para a solução dos casos de moral serão a base dos sistemas morais

e da distinção entre as diversas escolas. A gama destes sistemas vai desde o

rigorismo absoluto ao laxismo mais audaz. Pode-se enumerar até sete sistemas

morais: tuciorismo absoluto, tuciorismo mitigado, probabiliorismo,

compensacionismo, eqüiprobabilismo, probabilismo e laxismo. Os quatro

primeiros têm como princípio fundamental: na dúvida se deve tomar a parte mais

segura. Por parte mais segura se entende a opinião que propõe a lei ou norma

objetiva. Supõe-se que quando se está em dúvida sobre se uma lei obriga ou não, se

age seguramente, observando a lei como se fosse certa.197

Neste sentido, o tuciorismo cai num rigorismo, pois se deve seguir sempre a

opinião em favor da lei, evitando o perigo de infringi-la. Mas, o tuciorismo pode

ser absoluto ou mitigado. O tuciorismo absoluto afirma que basta uma mínima

probabilidade sobre a existência de uma lei para estar obrigado ao cumprimento da

mesma. Já o mitigado afirma que a consciência deveria conformar-se sempre com

a opinião provável que propõe a lei, a menos que esta seja contestada por uma

opinião probabilíssima em favor da liberdade.198

No probabiliorismo também domina, como norma moral, a lei. Deve-se

sempre seguir a opinião que é mais provável, que tem mais razões a seu favor.

196 Cf. PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares,1992, p. 323-324. 197 Cf. CAPONE, D. Sistemas Morales. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) Nuevo dicionario de teologia moral. Madrid: Paulinas, p. 1710; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 40-41; PINCKAERS, S., op. cit., p. 315 e 327; VIDAL, M. Moral de actitudes. Tomo I: Moral Fundamental, 4. ed., Madrid: PS Edit., 1977, p. 296. 198 Cf. CAPONE, D. Sistemas morales. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) op. cit., p. 1710-1711; PINCKAERS, S., op. cit., p. 326.

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Assim, defende-se que não é necessária uma opinião probabilíssima favorável à

livre autodeterminação para poder recusar a opinião oposta que está em favor da

lei. Basta uma opinião mais provável que a oposta para estar em favor da lei.199

Também o compensacionismo reafirma como limite de licitude para a livre

autodeterminação a forte probabilidade da lei. Porém, admite a validez da opinião

simplesmente provável, sempre que exista uma razão que evite e compense a

eventual transgressão da lei que parece mais provável. Em oposição a este grupo

de quatro sistemas que defendem a ordem objetiva expressa em leis, se situam os

outros três sistemas. Estes põem em primeiro plano a instância da subjetividade,

que se expressa na liberdade de determinar o juízo da consciência na escolha a

realizar “aqui e agora”.200

Daí, temos o laxismo que é a antítese do tuciorismo absoluto. Afirma que a

lei, para obrigar, deve ser tão certa que faça improvável ou pouco provável a

opinião benigna, de modo que se agiria prudentemente de acordo com uma

probabilidade. Tanto o tuciorismo absoluto quanto o laxismo foram condenados

pelo Magistério da Igreja (cf. Decretos do Santo Ofício de 07/12/1690 e

02/03/1679, respectivamente).201

Já o probabilismo admite que, para agir honestamente, é preciso agir de

acordo com a prudência. Porém, ensina que se age prudentemente quando o juízo

de consciência está apoiado numa razão verdadeiramente provável, mesmo que

seja menos provável que a opinião expressa na instância da lei. Conseqüentemente,

ela aparece como “mais provável”. Ou seja, é licito seguir uma opinião provável

também se a opinião contrária em favor da lei tenha maior possibilidade. Isto

porque, a consciência é vista como um juiz da dialética interna da pessoa entre a lei

e a liberdade.202

199 Cf. PINCKAERS, S. op. cit., p. 326; CAPONE, D. Per la norma morale: ragione, coscienza, leggi: dalla storia delle idee. Studia Moralia, Roma, n. 28, p. 210, 1990; Id. Sistemas morales. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) op. cit., p. 1711. 200 Id., ibid. 201 Cf. DENZINGER, H. Enchiridion symbolorum: definitionum et declarationum de rebus fidei et morum (a cura di HÜNERMANN, P.), 4. e., Bologna: EDB, 2003, n. 2103 e 2303; CAPONE, D. Sistemas morales. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) op. cit., p. 1711; PINCKAERS, S. op. cit., p. 326. 202 Cf. CAPONE, D. Sistemas morales. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) Nuevo dicionario de teologia moral. Madrid: Paulinas, p. 1711; PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares,1992, p. 326; CAPONE, D. Per la norma morale: ragione, coscienza, leggi: dalla storia delle idee. Studia Moralia, Roma, n. 28, p. 210, 1990.

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Finalmente, o eqüiprobabilismo é uma variante do probabilismo. Este

assume o princípio de que, quando se está em estado de dúvida pela presença de

duas opiniões prováveis opostas, prevalece a lei se esta é certa e se há dúvidas de

que haja cessado, e que prevalece a liberdade quando se há dúvidas de que a lei

exista. O eqüiprobabilismo toma o principio de que a lei duvidosa não obriga, para

afirmar que tal dúvida cessa somente quando a lei tem em favor uma opinião mais

provável que a oposta em favor da liberdade. Esta é a posição de Santo Alfonso de

Liguori, que também se move neste quadro transmitido pela casuística. Mas, para

ele, a liberdade é anterior à lei que vem a limitá-la. Para que este veto possa

suspender a liberdade, é necessário que seja perfeitamente claro e manifesto: a

liberdade ocupa o lugar até que uma lei não venha a desalojá-la.203

Vale a pena ressaltar que a moral casuística na idade moderna, não exprime

todo o pensamento moral nem toda a vida cristã no interior da Igreja católica. São

as obras de grandes santos, como São João da Cruz e São Francisco de Sales e

outros, todos desta época, os quais superam de longe aquilo que é oferecido pelos

manuais. Alguns grandes moralistas, como Santo Alfonso, serão também autores

espirituais de grande valor. Com eles, a moral católica não se reduz ao estudo dos

mandamentos e dos deveres, como poderia fazer acreditar os manuais, mas se

exprime com profundidade também em obras literárias e espirituais.204

3.1.3. Santo Alfonso de Ligório

Santo Alfonso (1696-1787), por razões pastorais, é sensível sobretudo a uma

moral que leva em conta, o primado da liberdade na pessoa humana. Nos seus

numerosos escritos sobre Sacramento de Reconciliação se mostra sempre

advogado da consciência, convidando ao respeito também àquela errônea. Trata-se,

portanto, de um comportamento oposto ao autoritarismo. Sua preocupação é de

elaborar uma teologia moral que respeite ao mesmo tempo as autênticas exigências

203 Cf. CAPONE, D. Sistemas morales. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) op. cit., p. 1712-1713; PINCKAERS, S. op. cit., p. 326. 204 Cf. PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares,1992, 1992, p. 328; 339.

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do Evangelho e os direitos da pessoa humana, sem esquecer as novas condições de

vida num mundo em mudança, com a Modernidade.205

Ele aceita a metodologia geral do sistema manualístico: o estudo da moral

como preparação dos futuros confessores para a administração propriamente

jurídica do sacramento da Penitência. Neste sentido, a sua contribuição não é

inovadora de uma forma radical. Mas, podemos falar de um manual no estilo

“alfonsiano”.206

Santo Alfonso defende o primado da verdade, onde o agir moral se

fundamenta e, por isso, devemos buscá-la. Se não é possível chegar a uma certeza

absoluta, devemos pelo menos aproximar-nos da verdade o mais possível. Ele

destaca também, a importância da razão e da consciência, agindo sob o influxo da

prudência. Por último, Santo Alfonso defende a liberdade humana, que depende de

uma lei particular, ditada pela razão ou pela Revelação. Aí o ser humano deve agir

em consciência, segundo esta lei particular.207

Antes de tudo, Santo Alfonso quer transmitir o fruto de sua experiência

missionária, em meio ao povo. Ele examina à luz da prudência, as diversas

opiniões dos autores. Dessa forma, pode-se constituir um conjunto de opiniões que

expressam tanto as exigências do Evangelho como as da liberdade da consciência

humana, eliminando todo rigorismo.208

A sua teologia moral é um exemplo claro da teologia da graça, que é o

distintivo característico da vida e obra alfonsiana: o amor de Deus é

superabundante, próximo e operante. A pessoa humana pode ser marcada pelo

pecado, mas a graça não é destruída, é acessível a todos indistintamente.209

205 Cf. VEREECKE, L. La coscienza nel pensiero di S. Alfonso de Liguori. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (a cura di) Morale e redenzione..., p. 170 e 178; HÄRING, B. Problemi attuali di teologia morale e pastorale. Vol. I, Roma: Paoline, 1965, p. 75; HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Edit., 1990, p. 204; CAPONE, Domenico. Per la norma morale: ragione, coscienza, leggi: dalla storia delle idee. Studia moralia, Roma, vol. XXVIII, p. 215, 1990. 206 Cf. GALLAGHER, R. Il sistema manualistico della teologia morale dalla morte di Sant’Alfonso ad oggi. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (a cura di) Morale e redenzione..., p. 258. 207 Cf. VEREECKE, L. La coscienza nel pensiero di S. Alfonso de Liguori. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (a cura di) op. cit., p. 180; 183. 208 Cf. VEREECKE, L. Historia de la teología moral. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dir.) Nuevo diccionario de teologia moral. Madrid: Paulinas, 1992, p. 837. 209 Cf. GALLAGHER, R. Il sistema manualistico della teologia morale dalla morte di Sant’Alfonso ad oggi. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (a cura di) Morale e redenzione. Roma: EDACALF, 1983, p. 257; CAPONE, D. Per la norma morale: ragione, coscienza, leggi: dalla storia delle idee. Studia Moralia, Roma, vol. XXVIII, p. 221, 1990.

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Para Santo Alfonso, é preciso educar a consciência, para que seja madura e

saiba discernir a vontade de Deus em cada situação. Por isso, ele fala da

necessidade da prudência na consciência, afirmando que ela tem como proprium,

escutar, avaliar e discernir nas circunstâncias os sinais dos tempos da vontade de

Deus.210

Santo Alfonso, colocando-se entre aqueles teólogos que acentuavam de uma

maneira absolutista a função da liberdade humana na salvação e o seu papel nas

decisões morais, e aqueles adversários que isolavam uma teoria predestinacionista

da salvação e uma concepção rigorista da moral, busca uma formulação mediadora.

O sistema manualístico de Santo Alfonso ressalta o chamado radical do Evangelho

à santidade com o chamado de Deus nos sinais dos tempos.211

A teologia moral de Santo Alfonso fecha um período de discussões

teológicas internas e oferece uma visão moral prática mediante o sistema

manualístico. A ele, foi conferido no ano de 1781 o título de Doutor da Igreja

(doctor zelantissimus). Em 1902, Leão XIII o saudou como o mais eminente e o

mais moderado entre os moralistas. E, em 1950, Pio XII o proclamou patrono dos

confessores e daqueles que se dedicam à teologia moral (Cf. Commentarium

officiale, n. 11).212

3.1.4. A concepção da consciência moral na casuística

O principio motor da moral casuística reside na tensão que há entre a lei e a

liberdade, como dois pólos contrários. Da liberdade procedem os atos humanos. A

lei limita a liberdade, restringindo-a com as suas prescrições e proibições. Trata-se

de uma moral que, girando sobre estes dois pólos vistos quase como antitéticos,

210 CAPONE, D. Per la norma morale: ragione, coscienza, leggi: dalla storia delle idee. Studia Moralia, Roma, vol. XXVIII, p. 219, 1990. 211 Cf. GALLAGHER, R. Il sistema manualistico della teologia morale dalla morte di Sant’Alfonso ad oggi. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (a cura di), op. cit., p. 256; CAPONE, D. Realismo umano-cristiano nella teologia morale di Sant’Alfonso. Studia moralia, Roma, vol. IX, p. 59-115, 1971. 212 Cf. ACTA APOSTOLICAE SEDIS. Commentarium officiale. n. 11, Vol. XXXXII, Vaticano: Typis polyglottis vaticanis, 1950, p. 595-597; HÄRING, B. Problemi attuali di teologia morale e pastorale. Vol. I, Roma: Paoline, 1965, p. 61; Id., La morale è per la persona. Roma: Paoline, 1973, p. 190-192; GALLAGHER, R., p. 255; ZIEGLER, J. G. Teologia morale e dottrina sociale cristiana. In: VORGRIMLER, H.; GUCHT, R. V. Bilancio della teologia del XX secolo. Vol. III, Roma: Città Nuova, 1972, p. 336.

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acaba esquecendo alguns aspectos essenciais como as virtudes, por exemplo. Por

isso, não expressa com clareza toda a riqueza posta em jogo no agir humano e na

resposta ao chamado do Criador.213

Neste sentido, a consciência, na moral casuística, exercita a função de juiz

que aplica a lei fixando o que se pode ou não se pode fazer, o que se deve ou não

fazer. Na Penitência, a consciência é substituída pelo confessor o qual observa o

juízo a pronunciar, mas intervém como acusador, após a confissão das culpas. A

consciência é, no sujeito, como uma faculdade intermediária entre a lei e a

liberdade com os atos que derivam dela, tendo propriamente esta função de juiz.214

Nos confrontos da lei, a consciência é passiva, não pode pretender formá-la

ou modificá-la. Ela a recebe, a apresenta à liberdade e a aplica aos seus atos.

Todavia, a matéria dos atos humanos é diversa, mutável e singular de acordo com

as circunstâncias e as situações, enquanto que a lei é sempre fixa e geral. Neste

sentido, a consciência assume a função de interpretar a lei para determinar, com

exatidão, o limite entre o lícito e o ilícito.215

A consciência aqui é como um ato do entendimento que emite juízos de

conformidade ou de desconformidade entre o ato realizado ou que se vai realizar e

a norma que se apresenta como algo extrínseco ao indivíduo. O juízo da

consciência é apresentado como um juízo de adequação, como um mecanismo que

funciona com um certo automatismo, deixando pouco espaço para uma

“criatividade” da consciência, entendida como capacidade de descobrir o bem que

se deve realizar, enquanto possui e se deixa guiar pelos princípios da Sabedoria

divina.216

213 Cf. MASET, A. B. Ley y conciencia: una aproximación a la renovación de la teología moral. In: Excerpta e dissertationibus in Sacra theologia. Navarra: Universidad de Navarra, p. 26; PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares,1992, 1992, p. 315-320. 214 Cf. PINCKAERS, S., op. cit., p. 321-323. 215 Id., ibid., p. 321-322. 216 Cf. MASET, Albert Barceló. Ley y conciencia: una aproximación a la renovación de la teología moral. In: Excerpta e dissertationibus in Sacra theologia, Navarra: Universidad de Navarra, 1997, p. 38.

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3.1.5. Críticas à casuística

Na moral casuística, há uma estreita aliança entre a teologia moral e o direito

canônico, trazendo conseqüentemente um juridicismo exagerado, onde as normas

morais são interpretadas como normas jurídicas. Em conseqüência, a consciência

moral recebe da lei toda a sua razão de moralidade: ela deve conformar-se com o

que a lei diz de forma universal.217

Muitas obras da moral casuística trazem o título de “Teologia Moral”, com o

seguinte acréscimo “segundo as normas do direito canônico e civil”. Portanto, as

questões de teologia moral vêm apresentadas segundo o método da ciência

jurídica, cuja atenção principal se volta à delimitação dos deveres universais.218

Nesta perspectiva, a consciência moral é substancialmente afônica, não tem

nada a dizer, é passiva na sua atenção. Ou seja, a teologia moral casuística

pressupõe e tende a sugerir uma moral sem consciência ou ao menos uma moral a

cuja verdade é revelada e determinada, prescindindo da consciência. Uma

passividade imposta, sobretudo por meio do contínuo recurso aos princípios

metafísicos. Mas, também freqüentemente jurídicos, oferecidos por grande parte

dos sistemas morais, onde a consciência é vista simplesmente como “serva da

lei”.219

A moral torna-se assim, antes de tudo uma questão de leis, normas e regras.

Um ato humano torna-se propriamente moral na relação que tem com a lei. Será

bom ou mau na medida em que será conforme ou contrário à lei, ao dever. Com

isso, dá-se um grande espaço ao direito canônico, sendo este considerado um dos

217 Cf. CAPONE, D. La teologia della coscienza morale nel Concilio e dopo il Concilio. Studia moralia. Roma: Academiae Alphonsianae, vol. XXIV/I, p. 232-233, 1986; ZIEGLER, J. G. Teologia morale e dottrina sociale cristiana. In: VORGRIMLER, H.; GUCHT, R. V. Bilancio della teologia del XX secolo. Vol. III, Roma: Città Nuova, 1972, p. 355. 218 Cf. HÄRING, B. Problemi attuali di teologia morale e pastorale. Vol. I, Roma: Paoline, 1965, p. 15-16. 219 Cf. MAJORANO, S. Coscienza e veritá morale nel Vaticano II. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di) La coscienza morale oggi. Roma: EDACALF, 1987, p. 260-261; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 39.

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tratados mais importantes. O perigo que ameaça esta moral é evidente: cair no

legalismo e no juridicismo.220

Os manuais visam a um fim muito restrito: a preparação jurídica dos

confessores, acima da vida plenamente vivida por Cristo. Eles têm um conteúdo

muito negativo, dando um destaque maior ao pecado, do que às virtudes. Usam

uma formulação por demais legalistamente objetiva, como reflexo da lei canônica

e da metafísica abstrata do que um espelho das questões existenciais.221

Dessa forma, na perspectiva da moral manualística, a consciência é um juízo

de liceidade ou iliceidade dos atos individuais, descuidando-se do fato de que a

consciência moral reflete a complexidade da pessoa em diálogo com o mundo e

com Deus. A consciência torna-se o lugar no qual o sujeito julga os espaços

individuais de liberdade com relação ao dever da lei. É uma visão redutiva e

parcial.222

A casuística suscita a impressão que o cristão existe acima de tudo para

cumprir uma incalculável quantidade de preceitos e leis. Com isso, também a

consciência vem reprimida, subtraindo-a à aplicação de leis gerais aos casos

particulares. Nela, a moral é desligada da dogmática, sobretudo da

espiritualidade.223

Como afirma Häring, “se se confrontam os manuais de teologia moral que do

século XVII tornaram-se comuns, com os modernos tratados de teologia moral, se

constata com satisfação que a geração jovem não encontra mais algum gosto numa

apresentação da doutrina ética cristã, que às vezes se assemelha mais a uma

coleção de leis do que ao Evangelho. Hoje, se quer ver a vida cristã de modo

novamente radical a partir do único ponto central, a vida em Cristo”.224

220 Cf. PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares, 1992, p. 319. 221 Cf. GALLAGHER, R. Il sistema manualistico della teologia morale dalla morte di Sant’Alfonso ad oggi. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S.(a cura di) op. cit., p. 274. 222 Cf. CAPONE, D. Sistemas Morales. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.) Nuevo diccionario de teologia morale. Madrid: Paulinas, 1992, p. 1716. 222 Cf. FRIGATO, S. Vita in Cristo e agire morale: saggio di teologia morale fondamentale. Torino: Elle di Ci, 1994, p. 187. 223 Cf. GÜNTHÖR, A. Coscienza e legge. Seminarium. Città del Vaticano: Sacram Congregationem Pro Institutione Catholica, n. 3, p. 556-557, jul.-sept. 1971; VIDAL, M. Moral de actitudes. Tomo I: Moral Fundamental, 4. ed., Madrid: PS Edit., 1977, p. 296; VILANOVA, E. Historia de la teologia cristiana. Tomo II, Catalunya: Herder, 1989, p. 640-641. 224 Cf. HÄRING, B. Problemi attuali di teologia morale e pastorale. Vol. I, Roma: Paoline, 1965, p. 45-46.

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3.1.6. Decadência dos sistemas morais e da moral dos manuais

A renovação no interior da Igreja começa após a Iª. Guerra Mundial,

promovida pelos movimentos litúrgico, bíblico e kerigmático. Eles são bases para

uma proposta que evidencia definitivamente um novo modo de fazer teologia, cujo

objetivo é Cristo. Projeto comum a esta nova visão, é libertar a teologia do

reducionismo filosófico e da tendência minimalista, buscando enfatizar o agir

cristão por meio de considerações especificamente teológicas e bíblicas.225

A oficialização da “Ação Católica”, por parte de Pio XI, favorece a

revalorização do sacerdócio comum de todos os batizados. O movimento litúrgico

chama a atenção para a ligação que existe entre liturgia e dogmática, a exegese e

moral. Quanto ao movimento bíblico, o seu efeito sobre a teologia moral se pode

sentir no número crescente de obras sobre temas bíblicos, em correlação com o

renovado interesse dos exegetas sobre os problemas éticos da Sagrada Escritura.

Este interesse por uma moral da revelação, centrada na história da salvação e na

personalidade humana, traz grandes contribuições à teologia moral. Há também

neste período, toda uma discussão sobre o anúncio da teologia moral tendo em

vista uma orientação pastoral.226

Já o período compreendido entre o final da Segunda Guerra e o Concilio

Vaticano II se caracteriza, do ponto de vista cultural, como um período

profundamente humanista. Todos os fenômenos e manifestações culturais se

revestem da auréola do humanismo. A reconstrução da Europa, devastada pela

guerra, é acompanhada pelo apetite de “reconstruir um homem novo”, após a

deterioração marcada pelo horror e pelo sofrimento do conflito bélico.227

Dá-se lugar, com grande agrado, a um personalismo que influencia

decisivamente na teologia deste período. Daí, uma exaltação da pessoa, de seus

225 Cf. ZIEGLER, J. G. Teologia morale e dottrina sociale cristiana. In: VORGRIMLER, H.; GUCHT, R. V. Bilancio della teologia del XX secolo. Vol. III, Roma: Città Nuova, 1972, p. 352; 354-355; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 34; ANGELINI, G.; VALSECCHI, A. Disegno storico della teologia morale. Bologna: EDB, 1972, p. 169-170. 226 Cf. LOPES, A. I Papi. Roma: Futura, 1997, p. 100; ZIEGLER, J. G. Teologia morale e dottrina sociale cristiana. In: VORGRIMLER, H.; GUCHT, R. V., op. cit., p. 352; 354-355. 227 Cf. QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p. 67; ANGELINI, G.; VALSECCHI, A. Disegno storico della Teologia Morale. Bologna: EDB, 1972, p. 184-185.

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valores, considerados em seus aspectos atuais e evolutivos. Destacam-se, além

disso, a dimensão espiritual e a abertura ao transcendente acima dos demais

valores. A pessoa é, acima de tudo, pessoa em Cristo.228

Portanto, este período entre a Segunda Guerra e o Vaticano II é fecundo no

debate sobre as estruturas fundamentais da teologia moral, concretizando-se nas

tentativas de apresentar de forma nova todo um complexo da doutrina moral

católica. A renovação no seio da Igreja, o progredir das disciplinas antropológicas

e o movimento ecumênico constituem o ambiente favorável a uma regeneração

seriamente autocrítica da ciência moral.229

Tudo isso é favorecido pelo forte desenvolvimento do pensamento filosófico

nos séculos XVIII e XIX, sobretudo com o surgimento da fenomenologia, do

existencialismo, do nihilismo, do neopositivismo e do neoempirismo, e de novas

teorias sociológicas, fortemente influenciadas pela filosofia, sobretudo pela Escola

de Frankfurt. Concomitante, surge o historicismo e desenvolvem-se as ciências

experimentais e humanas (psicologia, antropologia cultural, sociologia, etc.).230

Há também, sobretudo na Europa, o fenômeno da urbanização, o rápido

incremento demográfico e as comunicações de massa. As duas Grandes Guerras e

o desenvolvimento das democracias ocidentais são outros dados úteis para

compreender o clima cultural do período histórico aqui tomado em exame.231

Contemporaneamente às publicações dos ditos manuais clássicos, há um

movimento de busca particular, tendente a inserir novos elementos na teologia

moral, como o de uma renovação cristológica (O. Schilling), o tema do seguimento

de Cristo (F. Tillmann), a moral do corpo místico (E. Mersh), a moral do Reino (J.

Stelzenberger) e da caridade (J. Rohmer). Dentro deste movimento renovador,

destaca-se a importância da Escola de Tübingen.232

Durante os anos 50, o sistema manualístico parece ainda ter uma posição

muito forte, e a maior parte dos seminários usa um ou outro manual tradicional. O

228 Cf. QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p. 68. 229 Cf. ZIEGLER, J. G. Teologia morale e dottrina sociale cristiana. In: VORGRIMLER, H.; GUCHT, R. V. Bilancio della teologia del XX secolo. Vol. III, Roma: Città Nuova, p. 351-352. 230 Cf. PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 30. 231 Id., ibid. 232 Cf. ZIEGLER, J. G. Teologia morale e dottrina sociale cristiana. In: VORGRIMLER, H.; GUCHT, R. V. op. cit., p. 337 e 355; G. ANGELINI; A. VALSECCHI, Disegno storico della teologia morale. Bologna: EDB, p. 169-175; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 36.

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entusiasmo pelas novas tentativas de articular um sistema alternativo de teologia

moral não é difundido. A coisa notável é a velocidade com o qual o sistema

manualístico cai. O Concílio é naturalmente o maior fator deste fenômeno. Nele,

há todo um convite a prestar uma particular atenção à renovação da teologia moral,

com uma impostação mais bíblica, positiva, centrada na caridade e relacionada

com a vida (cf. Optatam totius, n. 16).233

3.1.6.1. A importância da Escola de Tübingen

Trazemos aqui, de uma forma, sintética, as contribuições dadas pela Escola

de Tübingen, dentro deste processo de renovação, anterior ao Concílio Vaticano II.

Durante a segunda metade do século XVIII, apesar do racionalismo e do

idealismo, aconteceu na Alemanha uma determinada mudança no campo da

teologia moral. Prepararam-se novos planos de estudo e se realizaram esforços

para dar um ensinamento positivo sobre as obrigações e sobre as virtudes. Ao fazê-

lo, se tomou como base as Escrituras, as ciências humanas e a filosofia. A Escola

de Tübingen foi o fermento mais eficaz desta renovação teológica. Não se pode

esquecer, sem dúvida, que esta escola se esforçou também por elaborar uma

poderosa síntese da vida cristã, levando em consideração o ser humano por

inteiro.234

A escola de Tübingen representou uma séria tentativa de reformular a

teologia moral de maneira coerente, quando a teologia moral tinha se divorciado da

dogmática e da teologia espiritual. Esta escola buscou reconstruir a teologia moral,

com uma concepção do intelecto visto não somente como racional, mas também

como imaginativo e espiritual. Os teólogos de Tübingen defenderam que a

moralidade não tinha necessidade de ser mesquinhamente árida e que podia ser

233 Cf. Decreto conciliare Optatam totius, n. 16. In: CONCILIORUM OECUMENICORUM DECRETA (a cura di ALBERIGO, G; DOSSETI, G. L.; JOANOU, P.-P.; LEONARDI, C.; PRODI, P.) Bologna: EDB, 1996; COMBLIN, J. Dalla fine del pontificato di Pio XII. In: VORGRIMLER, H.; VANDER GUCHT, R. (Orgs.) Bilancio della teologia del XX secolo. Vol. II, Roma: Città Nuova, 1972, p. 72-73; GALLAGHER, R. Il sistema manualistico della teologia morale dalla morte di Sant’Alfonso ad oggi. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (a cura di) Morale e redenzione. Roma: Academiae Alphonsianae, 1983, p. 274. 234 Cf. VEREECKE, L. Historia de la teología moral. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dir.) Nuevo diccionario de teologia moral. Madrid: Paulinas, 1992, p. 838.

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vivificada por uma fragrância evangélica mais evidente. Voltados para os

problemas do tempo presente e de uma forma profeticamente visionários, reagiram

à obsolescência teológica, representando a possibilidade de uma forma alternativa

de fazer teologia moral.235

Nesta escola teológica houve um movimento autocrítico e renovador que, no

entanto, não foi universalmente aceito por igual no seio da Igreja. Mas, sem

dúvida, não deixou de dar frutos com formulações ético-teológicas, dentro de uma

nova concepção. Do ponto de vista dos livros de moral, vários teólogos moralistas,

seguiram o exemplo da Escola de Tübingen, buscaram estruturar uma teologia

moral mais positiva da vida cristã, e não uma moral de confessionário, para ver

como deve agir o cristão a fim de ser fiel à graça e ao compromisso de seu

batismo.236

3.1.7. Conclusão

A moral católica formada depois do Concílio de Trento é uma moral de

manuais, comumente conhecida como casuística. Estes manuais buscaram atender

às exigências daquele Concílio, voltadas para a administração do sacramento da

Penitência. Eles eram fundamentados em quatro pilares: o ato humano livre, a lei, a

consciência e o pecado, tendo como sustento, os Mandamentos da lei de Deus e da

Igreja. Um dos primeiros textos da nova ordem é do jesuíta G. Azor (1536-1603),

chamado Institutiones Morales, publicado em 1602.

Porém, neste desenvolvimento da teologia moral houve um zelo maior pelas

questões das regras e normas a seguir, para a solução dos casos de consciência. Daí

o surgimento de diversos sistemas morais. Portanto, o principio motor da moral

casuística residiu na tensão existente entre a lei e a liberdade, como dois pólos

235 Cf. GALLAGHER, R. Il sistema manualistico della teologia morale dalla morte di Sant’Alfonso ad oggi. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (a cura di) Morale e redenzione. Roma: Academiae Alphonsianae, 1983, p. 265. 236 Cf. VEREECKE, L. Historia de la teologia moral. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dir.) op. cit., p. 838-839. ROQUETE, J. Colombo. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum. Sevilla: Centro de Estudios teológicos de Sevilla, vol. 6, n. 11, p. 60, 1997.

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contrários, predominando a força da lei. Com isso, houve um direcionamento da

moral para o direito civil e canônico.

Muitas obras da moral casuística trazem o título de “Teologia Moral”, com o

seguinte acréscimo “segundo as normas do direito canônico e civil”. Ou seja, as

questões de teologia moral vêm apresentadas segundo o método da ciência

jurídica, cuja atenção principal se volta à delimitação dos deveres universais. Usam

uma formulação por demais legalistamente objetiva, como reflexo da lei canônica

e da metafísica abstrata do que um espelho das questões existenciais. Dessa forma,

na perspectiva da moral manualística, a consciência é um juízo de liceidade ou

iliceidade dos atos individuais, descuidando-se do fato de que a consciência moral

reflete a complexidade da pessoa humana. Além disso, nela, a moral é desligada da

dogmática, sobretudo da espiritualidade.

A renovação no interior da Igreja começou a surgir, sobretudo, após as duas

grandes guerras. A partir daí, há um interesse por uma moral da revelação,

centrada na história da salvação e na personalidade humana. Contemporaneamente

às publicações dos ditos manuais clássicos, há um movimento de busca particular,

tendente a inserir novos elementos na teologia moral, como o de uma renovação

cristológica, o tema do seguimento de Cristo, a moral do corpo místico, a moral do

Reino e da caridade.

A escola de Tübingen representou uma séria tentativa dessa reformulação da

teologia moral, de maneira coerente. Isto é importante destacar, tendo em vista que

Bernhard Häring foi discípulo da mesma.

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3.2. Bernard Häring: biografia

3.2.1. Introdução

O presente capítulo tem como objetivo trazer os dados biográficos de

Bernhard Häring, enfatizando os pontos marcantes de sua trajetória de vida. A

título de introdução, trazemos os dados biográficos de Bernard Häring.

Em 10/11/1912, nasce em Böttinghen (Württenberg, Alemanha) numa

família de camponeses, sendo o penúltimo de doze filhos.237

1933 – entra na Congregação do Santíssimo Redentor (Redentoristas) três

meses depois do início do governo nacional-socialista na Alemanha.

04/05/1934 – profissão religiosa redentorista em Gars am Inn (Alemanha).

1934-1939 – estudos de Filosofia e Teologia, no Seminário Redentorista de

Gars am Inn.238

07/05/1939 – ordenação presbiteral, pelas mãos do Cardeal Faulhaber.

1939-1940 – ensina Direito Canônico e Teologia Moral no Instituto

Teológico Redentorista de Gars am Inn.239

1941-1945 – durante a IIa. Guerra Mundial é recrutado no corpo sanitário e

presta serviços na França, Polônia e Rússia.

1945-1947 – especialização em Tübingen, onde consegue o Doutorado em

Teologia.

1947 – a partir desta data e por dez anos, ensina Moral e Sociologia no

Instituto Redentorista de Gars am Inn.

1950-1953 – estuda Moral em Roma e, juntamente com outros, empreende o

projeto daquela que será a Academia Alfonsiana.

1957-1988 – ensina Teologia Moral, na Academia Alfonsiana da Pontifícia

Universidade Lateranense.

237 Cf. LORENZETTI, L. In ricordo di Bernhard Haering: una vita per la morale cattolica. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 117, p. 341, 1998. 238 Cf. GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después Del Concilio Vaticano II. Tesis doctoral. Madrid: Univ. Pontif. Comillas, 1994, p. 141. 239 Cf. DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 37, n. 100.

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1957-1965 – É visiting professor em universidades e institutos teológicos na

Bélgica, especialmente no Instituto Lumen vitae de Bruxelas, bem como em

França, Espanha, Portugal, Malta e Reino Unido.

1959 – começa a fazer parte da Comissão Preparatória do Concilio

Ecumênico Vaticano II.

1962-1965 – é perito no Concilio Vaticano II.

1962 – a partir desta data, realiza diversas viagens aos Estados Unidos e

Canadá, onde realiza conferências e cursos como visiting professor.

1964 – em fevereiro, prega retiro para o Papa Paulo VI e para a Cúria

Romana.

1966-1968 – Viagens e cursos especiais no México (1966), Japão e Brasil

(1967), Tanzânia, Quênia, Uganda e Hungria (1968).

1968 – encontra-se envolvido com a “crise” ligada à publicação da Humanae

vitae.

1975-1979 – sofre um processo doutrinal da parte da Sagrada Congregação

para a Doutrina da Fé que, por fim, não há nenhum tipo de sanção.

1977 – é diagnosticado um tumor em sua garganta. Se submete a várias

cirurgias, porém, não pode mais exercer as atividades de professor e conferencista

de uma forma intensa.

Neste mesmo ano de 1977, tem lugar o que podemos denominar um sinal de

reconhecimento da personalidade de Häring por parte da comunidade teológica

internacional: a publicação em Roma do livro homenagem como ocasião de seus

65 anos. De forma significativa o livro leva o título de In libertatem vocati estis,

fazendo referência a Gal 5,13.240 Nele, rendem homenagem grandes teólogos, como

Congar e Rahner. O acompanham moralistas de primeira linha: J. Fuchs, A. Auer,

R. A. McCormick. Não faltam seus contemporâneos da Academia Alfonsiana e

seus irmãos redentoristas: F. X. Durwell, J. Endres, R. Koch, S. O’Riordan e L.

Vereecke. Tão pouco, podiam faltar os discípulos e moralistas da geração seguinte:

Ch. E. Curran, M. Vidal, F. Furger, K. Peschke, E. López Azpitarte e D. Mongillo.

Destaca-se a vertente ecumênica da moral de Häring com a presença de J. M.

240 Cf. BOELAARS, H.; TREMBLAY, R. (a cura di) In libertatem vocati estis: miscellanea Bernhard Häring. Roma: Academia Alfonsiana, 1977, 798 p.

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Gustafson. O então teólogo da Universidade de Regensburg, J. Ratzinger, também

lhe rende homenagem com um artigo nesta obra.241

1987-1988 – último ano de ensino na Academia Alfonsiana.

1988-1998 – retira-se ao Convento de Gars am Inn, onde havia começado

sua vida religiosa redentorista e onde havia feito os estudos de Filosofia e

Teologia, sendo um período fecundo de contemplação e oração.

03/07/1998 - Morre no dia 03 de julho de 1998, aos 86 anos de idade, em

Gars am Inn (Baviera).242

Häring publicou 106 livros, com umas 300 traduções, e mais de mil artigos.

Foi aclamado como o “homem internacional do ano 1991-92” e “o homem mais

admirado da década” pelo Instituto Biográfico Americano.243

3.2.2. Pontos marcantes da sua trajetória biográfica

Enumeramos, a seguir, alguns pontos que consideramos como mais

marcantes na vida de Bernhard Häring.

3.2.2.1. A experiência na Segunda Guerra Mundial

A experiência da guerra foi decisiva para a configuração da personalidade

humana e cristã de Häring. Certamente, ter exercido, ao mesmo tempo, por mais de

quatro anos, o ministério presbiteral (no qual Häring se empenhou, em benefício dos alemães, polacos e russos, agindo contra o regulamento militar) e o serviço

sanitário (prestando ajuda àqueles que necessitavam, sem distinção de

nacionalidade), foi uma experiência bastante significativa e útil para o seu futuro

241 Cf. ROQUETE, J. C. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum. Sevilla, vol. 6, n. 11, p. 56-57, 1997. 242 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB. 1999, p. 91; COMPAGNONI, F. B. Haering, nel ricordo di un discepolo. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 117, p. 501, gen.-mar. 1998. 243 Cf. HÄRING, B. Carisma y libertad de espiritu. In: COMISIÓN DE ESPIRITUALIDAD CSSR. Ser redentorista hoy: testimonios sobre il carisma. Vol. 11, Roma: Kimpres, 1996, p. 204; SALVOLDI, V. Bernhard Häring: una teologia e una pastorale della pace e della tolleranza. Segno, Palermo, ano XVIII, n. 140, p. 62, 1992; VIDAL, M. Bernhard Häring: um renovador da moral católica. São Paulo: Paulus/Aparecida: Santuário, 1999, p.7.

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compromisso de elaborar uma teologia moral que enfrentasse os grandes

problemas da vida contemporânea.244

Podemos afirmar que a dimensão ecumênica da moral de Häring tem sua raiz

biográfica nesta experiência bélica, onde fronteiras religiosas entre católicos,

protestantes e ortodoxos perdem seu sentido quando as pessoas se encontram co-

implicadas em valores mais profundos prévios às diferenças de interpretação que

oferecem as Igrejas. A absurda multiplicação de destruições e de mortes, como

também o entrar em contato com cristãos de outras confissões, oferecem uma

experiência que está na base da compreensão que Häring tem do mistério cristão da

salvação.245

Por outro lado, esta experiência proporcionou-lhe profundos

questionamentos: Por que o povo alemão tinha chegado a aceitar e a depositar uma

confiança delirante num Führer enlouquecido? Sem dúvida alguma à decisiva

pergunta deve-se oferecer uma resposta muito complexa, na qual estão presentes os

múltiplos fatores (econômicos, culturais, políticos, etc.) que tornaram real um

fenômeno tão inexplicável como a Segunda Guerra Mundial. Sem negar estes

fatores, Häring vai à origem de tudo isto: o núcleo da pessoa. Aí descobre uma

deformação do espírito, que é a causa última do mal da guerra. Esta deformação

não é outra que uma educação para a obediência cega, na irracionalidade e na

irresponsabilidade. Por isso, se se quer vencer a guerra em sua raiz mais profunda é

preciso refazer o espírito humano, por meio de uma formação das consciências, a

partir da, para a e na responsabilidade.246

244 Cf. HÄRING, B. Carisma y libertad de espiritu. In: COMISIÓN DE ESPIRITUALIDAD CSSR. Ser redentorista hoy: testimonios sobre il carisma. Vol. 11, Roma: Kimpres, 1996, p. 203; GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después del Concilio Vaticano II. Tesis doctoral. Madrid: Univ. Pontif. Comillas, 1994, p. 141; LORENZETTI, L. In ricordo di Bernhard Haering: una vita per la morale cattolica. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 117, p. 341, gen.-mar. 1998; SALVOLDI, V. Bernhard Häring: 85 anni: un insegnamento che continua. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 117, p. 1, gen.-mar. 1998; BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: BERETA, P. (a cura di) Chiamati alla libertà: sagi di teologia morale in onore di Bernhard Häring. Roma: Paoline, 1980, p. 381.VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. Madrid, Vol. 21, p. 480, 1998. 245 Cf. MAJORANO, S. Bernhard Häring: libero e fedele. Il Regno. Bologna, n. 819, ano XLIII, p. 503, 1998; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. Madrid, Vol. 21, p. 481-482, 1998. 246 Cf. VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. Madrid, Vol. 21, p. 481, 1998.

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Com esta concepção e dentro da dinâmica de uma moral renovada, Häring

realiza a sua obra. Como ele próprio afirma: “Daí a necessidade de uma palavra-

chave para o desenvolvimento de uma nova moral com o objetivo de se libertar,

numa mútua colaboração, das estruturas de pecado. É urgente a necessidade de

uma educação na responsabilidade para cumprir a lei do Espírito que nos dá vida

em Jesus Cristo”.247

3.2.2.2. A especialização na Universidade de Tübingen (1945-1947)

Quando terminou a guerra em 1945, Häring dirigiu-se a Tübingen para

realizar o seu Doutorado, vindo a doutorar-se em 1947. Este ambiente lhe

possibilitou o contato com teólogos de grande coerência humana e de notável

significação profissional, dentre outros, Karl Adam, Romano Guardini e Theodor

Steinbüchel, sendo este último o orientador da sua tese doutoral.248

A renovação do pensamento católico alemão apresentado pela Escola de

Tübingen vai influenciar decisivamente nas obras de Häring. Para ele, “a grande

tradição da escola teológica de Tübingen, constituída sobre as relações Deus-

homem, fé-história, fazia dela um centro de estudos comprometido e sincero, do

qual a teologia romana estava muito distante”.249

Trataremos, a seguir, da sua pesquisa doutoral.

3.2.2.2.1. A dissertação doutoral sobre “O Sagrado e o Bem”

O texto da tese foi apresentado na Faculdade de Teologia Católica da

Universidade de Tübingen em 17/07/1947 e foi publicado em 1950 sob o título de

247 Cf. HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia, Madrid: PS Edit., 1990, p. 17; SALVODI, V. Häring: un’autobiografia a mo’ di intervista. Milano: Paoline, 1997, p. 39; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB. 1999, p. 19. 248 Cf. HÄRING, B. Fede, storia, morale: intervista di Gianni Licheri. Roma: Borla, 1989, p. 27; GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después del Concilio Vaticano II. Tesis doctoral. Madrid: Univ. Pontif. Comillas, 1994, p. 143; HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for clergy and laity. Vol. I, New York: The Seabury Press, 1978, p. 51; ALCALÁ, Ml. La etica de situación y Th. Steinbüchel. Barcelona: Instituto “Luis Vives” de Filosofia, 1963, p. 58-64. 249 Cf. HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Editorial, 1998, p. 28.

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Das Heilige und das Gute.250 O livro teve tradução no francês (1963)251 e no

italiano (1968).252 O objetivo de Häring nesta obra foi o de analisar, por meio do

método fenomenológico, a relação que existe entre religião e moral. O resultado

das suas investigações pode ser sintetizado nas seguintes afirmações: 1) a religião

não se reduz à moral, frente a possíveis interpretações da filosofia kantiana; 2) a

religião admite uma moral, frente a certas interpretações do romanticismo

filosófico e religioso; 3) a moral não postula a religião, porém não se opõe a ela.253

Para Häring, a experiência religiosa implica numa motivação ética. Por outro

lado, ainda que a moral não suplante a religião, como poderia pensar algumas

interpretações kantianas, e ainda que possa dar-se uma moral sem referência

explícita ao universo religioso, a experiência moral profunda culmina na

experiência religiosa. Esta investigação sobre “o sagrado e o bem” orientará

decisivamente o seu projeto de Teologia Moral apresentado em A Lei de Cristo e

nos seus escritos posteriores.254

Com relação à sua obra doutoral, Häring afirma: (Nela) eu examinei, numa positiva confrontação com a moderna filosofia e fenomenologia da religião, a relação entre religião e moral... Eu quis mostrar o caráter pessoal da moral baseada no amor e no seguimento. Nesse estudo já estão presentes os elementos fundamentais que estruturarão a minha futura obra: rejeição do moralismo, superação do formalismo e do legalismo, primado do amor, vida com Cristo e em Cristo; mas, sobretudo, personalismo segundo o qual a pessoa é relação com o tu. E age plena e somente em relação com o Tu absoluto, isto é, Deus.255

3.2.2.3. A Academia Alfonsiana

No inicio dos anos cinqüenta, Häring foi chamado a Roma para fazer parte

do grupo de teólogos redentoristas (D. Capone, L. Vereecke, P. Hitz e J. Visser)

aos quais o superior geral, Leonardo Buijs, confiava a criação de um instituto para

250 Das Heilige und das Gute: Religion und Sittlichkeit in ihrem gegenseitigen Bezug. Krailling vor München: Wewel, 1950, 318 p. 251 Le sacré et le bien. Paris: Fleurus, 1963, 292 p. 252 Il sacro e il bene: Rapporti tra etica e religione. Brescia : Morcelliana, 1968. 319 p. 253 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, Madrid, vol. 74, p. 462, jul-sep. 1999. 254 Id., ibid., p. 463; 465. 255 SAVOLDI, V. (Org.). Häring: uma autobiografía à maneira de entrevista. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 37-38.

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a renovação da Teologia Moral, na fidelidade à tradição alfonsiana e em resposta

aos desafios da sociedade contemporânea. A contribuição de Häring foi decisiva

no delinear o rosto e o caminho de tal projeto, preocupando-se com uma

fundamentação cristológica, de corte pastoral, num diálogo com as outras

disciplinas teológicas e humanas, por meio de uma interpretação personalista do

agir moral, sem perder de vista a dimensão espiritual.256

Nos longos anos de ensino na Academia Alfonsiana trabalhou

ininterruptamente, de 1957 a 1988, orientando 77 teses doutorais. A Radio

Vaticana, na ocasião da sua morte, calculou que mais de três mil estudantes de

Teologia Moral tinham sido alunos dele. 257

Certa vez, o próprio Häring afirmou: “Considero, sem dúvida, que o mais

importante que fiz na vida foi ensinar e acompanhar estudantes de moral na

Academia Alfonsiana”.258

3.2.2.4. A experiência como visiting professor e conferencista

A partir dos anos 60, girou o mundo com a vontade de ser uma voz crítica de

toda situação de injustiça. Habitualmente chamado de visiting professor, ensinou

em diversas universidades católicas e da Reforma, bem como Institutos

ecumênicos, sobretudo nas universidades da América do Norte e em Centros

Pastorais da África, Ásia e América Latina, acompanhado de uma vasta atividade

editorial.259

256 Cf. MAJORANO, S. Bernhard Häring: libero e fedele. Il Regno. Bologna, n. 819, ano XLIII, p. 503, 1998; . DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 37, n. 100. 257 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 89. 258 Cf. HÄRING, B. Carisma y libertad de espiritu. In: COMISIÓN DE ESPIRITUALIDAD CSSR. Ser redentorista hoy: testimonios sobre il carisma. Vol. 11, Roma: Kimpres, 1996, p. 204. 259 Cf. SALVOLDI, V. Bernhard Häring: 85 anni: un insegnamento che continua. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 117, p. 1, 1998; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 90.

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3.2.2.5. A participação no Vaticano II

O Concílio Vaticano II (1962-1965) foi um marco importantíssimo na

história da Igreja, um divisor de águas. Esta etapa assinala o ápice da biografia de

Häring como homem da Igreja. A sua presença no Vaticano II representa a

contribuição mais importante que ele pode dar para a renovação da Teologia

Moral.260

Sobre isto, falaremos detalhadamente no próximo capítulo.

3.2.2.6. A crise em torno à Humanae vitae

A publicação da Encíclica Humanae vitae, em 25 de julho de 1968, suscitou

muitíssimos questionamentos e causou grandes dificuldades para Häring, um dos

protagonistas da doutrina matrimonial conciliar. Em 22 de junho de 1964, Paulo VI

havia nomeado uma Comissão Pontifícia para o estudo do problema da regulação

da natalidade. Entre os membros desta comissão encontramos o nome de Häring.

Aos poucos, esta comissão se dividiu em dois grupos que pensavam diversamente:

o da maioria, a qual pertencia Häring e o de uma minoria que, por fim, acabou

dominando e prevaleceu no texto final. Prevaleceu a idéia favorável à impostação

da Casti connubi que considerava a fecundidade como fim primário do

matrimônio, visto com um determinado rigor legalístico.261

Em julho de 1968, quando foi publicada a Encíclica, Häring se encontrava

nos Estados Unidos. Este momento da publicação foi para ele muito difícil, devido

à celeuma causada pela Encíclica. Com relação aos seus pronunciamentos

260 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB. 1999, p. 90-92. 261 Cf. HÄRING, B. Fede, storia, morale (intervista di Gianni Licheri). Roma: Borla, 1989, p. 76; BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p. 75-76.

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referentes à Encíclica Humanae Vitae, ele teve uma considerável dificuldade de ser

compreendido pela Cúria Romana.262

3.2.3. Conclusão

Podemos concluir, com as palavras de Marciano Vidal, ao falar de Häring:

O Pe. Häring é o símbolo da Renovação da Moral católica na segunda metade do século XX. Não se trata de afirmar que todo o trabalho de renovação teológico-moral se deva a ele. Mas, sim, é necessário reconhecer que a ele é devido o fato de na Igreja católica termos recuperado uma formulação e uma vida da Moral com traços mais evangélicos.263

262 Cf. BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p 76; Häring, B. Fede, storia, morale. Roma: Borla, p. 63. 263 VIDAL, M. Bernhard Häring: um renovador da moral católica. São Paulo: Paulus/Aparecida: Santuário, 1999, p.7.

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3.3. Bernhard Häring e o Concílio Vaticano II 3.3.1. Introdução

A abertura ao mundo moderno em todas as direções caracterizou o trabalho

do Concílio Vaticano II, ao tratar de temas como liberdade de consciência,

ecumenismo, diálogo inter-religioso, atenção às ciências e à dimensão política, etc.

Reconhece-se facilmente, nos documentos conciliares, a influência dos grandes

movimentos de renovação que surgiram anteriormente: trata-se dos movimentos de

renovação bíblica, litúrgica e patrística, voltados, sobretudo para o apostolado

leigo. Destacam-se, sobretudo, as contribuições das escolas de Jerusalém, Louvain,

Innsbruck, Tübingen, etc.264

Querendo ser, acima de tudo, pastoral, o Concílio evitou propor novos

dogmas. No entanto, alguns debates serviram para estimular os estudos e a

orientação a certos temas, como por exemplo, colegialidade, relação entre a

Escritura e a Tradição, mariologia, liberdade religiosa, etc. A tarefa essencial do

Concílio seria o programa mencionado por João XXIII: aggiornamento. Uma

atualização da Igreja, de inserção no mundo moderno, onde o cristianismo deveria

se fazer presente e atuante.265

Neste capítulo, analisaremos as contribuições de Bernhard Häring e sua

participação neste grande evento, que foi um marco divisor de águas na Igreja.

264 Cf. PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares, 1992, p. 359; COMBLIN, J. Dalla fine del pontificato di Pio XII. In: VORGRIMLER, H.; VANDER GUCHT, R. (Orgs.) Bilancio della teologia del XX secolo. Vol. II, Roma: Città Nuova, 1972, p. 72. 265 Cf. SOUZA, Ney de. Uma análise da sociedade no caminho do Vaticano II, Revista de Cultura Teológica, Ano XII, n. 48, 2004, São Paulo, IESP/PFTNSA, p. 28; COMBLIN, J. Dalla fine del pontificato di Pio XII. In: VORGRIMLER, H.; VANDER GUCHT, R. (Orgs.) op. cit., p. 73.

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131

3.3.2. Bernhard Häring: perito e consultor no Concilio

Häring foi um dos personagens-chave do Concilio e de seu desenvolvimento

teológico posterior. O seu nome ficará definitivamente associado à renovação da

teologia moral segundo o espírito do Vaticano II. Com sua ativa participação, ele

contribuiu fortemente para o processo de renovação eclesial. O Concílio o fez entre

os protagonistas: como consultor da comissão teológica na fase de preparação e

depois como perito durante o desenvolvimento das sessões conciliares.266

Durante o período conciliar, nota-se uma ativa participação de Häring na

elaboração de diversos documentos, sobretudo Lumen gentium, Dignitatis

humanae, Optatam totius e Gaudium et spes. Na Lumen gentium, destaca-se a sua

contribuição na redação do Capítulo IV, dedicado à presença e atuação dos leigos

na Igreja. Sua maior colaboração está na Gaudium et spes, uma constituição que

sofreu um processo longo e difícil até chegar à sua redação final.267

Como consultor na Comissão preparatória do Concilio Vaticano II, Häring

deu uma contribuição importante tanto na preparação dos documentos e na

assessoria aos Bispos, individualmente ou em grupos nacionais ou lingüísticos.

Dois são os fatores que o ajudaram neste seu empenho: o conhecimento das línguas

modernas (graças ao qual ele podia comunicar-se de forma ágil com bispos, peritos

e jornalistas) e do latim, indispensável para a redação dos documentos e, por outro

lado, a estima que gozava junto a muitos bispos, em conseqüência da publicação de

266 Cf. HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Edit., 1990, p. 7; MAJORANO, Sabatino. Bernhard Häring: libero e fedele. Il Regno. Bologna: EDB, 1998, n. 819, ano XLIII, p. 503-504; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 101; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. vol. 21, 1998, Madrid: Instituto superior de ciencias morales. p. 483. 267 Cf. ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. IV, pars I, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1976, p. 518; Id. Vol. III, pars I, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1973, p. 291; Id. Vol. III, pars VII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1975, p. 171; Id. Vol. III, pars V, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1975, p. 143 e 201; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica…, p. 484; LORENZETTI, Luigi. In ricordo di Bernhard Haering: una vita per la morale cattolica. Rivista di teologia morale. n. 117, 1998, Bologna: EDB, p. 342; DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum, Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 37, n. 100; BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad doctoratum, Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p. 68-70.

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132

A Lei de Cristo e de sua ampla difusão.268

Häring foi nomeado, por João XXIII, consultor da Comissão preparatória do

Concilio, junto com H. de Lubac e Y. Congar e, mais tarde, K. Rahner.

Inicialmente o deixaram de fora das duas subcomissões dedicadas a temas morais:

De ordine moralis e De castitate et matrimonio. Mais tarde, foi incluído nelas por

meio de João XXIII. Fez o que pode para melhorar estes dois esquemas, porém

estes tiveram a mesma sorte que a grande parte dos 72 esquemas preparados antes

do Concilio: foram recusados pelos Padres conciliares.269

A seguir, trataremos do De ordine morali christiano, já que este documento

traz as questões fundamentais da moral e, conseqüentemente, da consciência

moral. De uma certa forma, trata-se de uma fusão e adaptação dos dois esquemas

citados acima.

3.3.3. Um esquema para a Teologia Moral: o De ordine morali christiano 270

Uma virada radical ocorre com o Concílio Vaticano II. Nas comissões

preparatórias, as tensões que emergem na primeira metade do século XX

encontram lugar para um confronto direto. Documento chave para compreender

esta passagem é o De ordine morali christiano271, preparado pela Cúria Romana e

apresentado à comissão preparatória do Concílio em janeiro de 1962.272

268 Cf. HÄRING, B. Minha participação no Concilio Vaticano II. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis: Vozes, n. 54, fasc. 214, 1994, p. 380-400; HÄRING, B. Carisma y libertad de espiritu. In: COMISIÓN DE ESPIRITUALIDAD CSSR. Ser redentorista hoy: testimonios sobre il carisma. Vol. 11, Roma: Kimpres, 1996, p. 204; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale católica…, p. 92-93; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica…, p. 483; MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 8-9. 269 Cf. VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring…, Moralia. vol. 21, 1998, p. 483-484; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 93. 270 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. I, Pars IV, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1971, p. 695-717. 271 O De ordine morali christiano é um orgânico documento, subidivido em 6 capítulos e 33 parágrafos, logicamente concatenados entre si, tem como temas principais a consciência, o pecado e a castidade. O documento foi apresentado pela primeira vez em 15/01/1962 à Comissão Central Preparatória, durante a sua terceira sessão, sob a presidência do Cardeal Tisserant. O presidente da subcomissão teológica era o Cardeal Ottaviani, seu secretário era P. S. Tromp, que tinha materialmente redigido o texto, juntamente com o teólogo alemão, o jesuíta P. Hurt (Cf. PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 49). 272 Cf. PARISI, F. op. cit, p. 28-29.

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133

O seu propósito é de apresentar a ordem moral como objetiva, absoluta,

garantida por Deus, com um elenco de preceitos, proibições e autorizações, da qual

faz brotar todos os outros elementos da moral. Este documento pode ser

considerado com razão, como uma perfeita síntese daquilo que se pensava naquele

tempo com relação à lei natural, à consciência e aos propósitos do Magistério

moral. O documento afirma peremptoriamente a existência de uma ordem moral

absoluta. O conhecimento dela leva à santidade querida por Deus para todos.273

Em tal contexto, a consciência intimamente conexa à ordem moral absoluta

dirige e conduz a pessoa humana no julgamento prático sobre a honestidade de

suas ações. Não se leva em conta a realidade concreta, sendo tudo conduzido pelo

dualismo estéril entre vontade e ordem. Neste contexto, a consciência deve ser

educada, reduzida a puro instrumento mediador na qual se aplica o juízo prático,

aquilo que se deve fazer e o que se deve evitar.274

A sua formação é, decisivamente, de cunho tradicional: considera-se a moral

na forma da casuística e alimentada pelo direito natural, assim como a apresenta a

neo-escolástica. O texto é composto de seis capítulos, sendo o Capítulo II

intitulado De conscientia christiana.275 Cada capítulo é formado de uma parte

expositiva, na qual se reafirma, de um lado, a validade do ensinamento da moral

tradicional, enquanto, de outro lado, se condena os erros.276

No esquema, a consciência tem a função de julgar e guiar segundo a vontade

de Deus, salvando a pessoa humana de uma vida iníqua. Deve ser retamente

formada, tendo como parâmetro as normas constituídas por Deus, claramente

evidenciadas na vida e na doutrina de Cristo. Portanto, não pode existir uma

273 Cf. FRIGATO, S. Vita in Christo e agire morale: saggio di teologia morale fondamentale. Torino: Elle di Ci, 1994, p. 81-82; DOLDI, M. Fondamenti cristologici della morale in alcuni autori italiani: bilancio e prospetive. Città del Vaticano: Editrice Vaticana, 2000, p. 43-47; HÄRING, B. Fede, storia, morale. Roma: Borla, 1989, p. 55-56. LANZA, A.; PALAZZINI, P. Principi de Teologia Morale. Vol.II: Le virtù, Roma: Studium, 1954, 511 p.; COZZOLI,M. Etica teologale:fede, carità, speranza. Milano: Paoline, 1991, 307 p; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 50-51. 274 Cf. DELHAYE, Les points forts de la morale a Vatican II. Studia Moralia. Roma: Academia Alfonsiana, n. 24, 1986, p. 9; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante Edit., 2003, p. 52-53. 275 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. I, Pars IV, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1971, p. 702-705. 276 Cf. DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 49-50.

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consciência cristã autônoma, desligada da ordem moral objetiva. Deve também se

confrontar com as exigências da caridade, superiores àquelas da fria verdade.277

Este esquema foi apresentado em janeiro de 1962 à comissão preparatória,

que decide reduzi-lo a cinco capítulos (cai o capítulo VI que traz o tema De

castitate et pudicitia christiana). Neste contexto, são significativas as discussões

entre as duas tendências teológicas manifestadas no Concílio, com duas

mentalidades e concepções diferentes de eclesiologias, de uma determinada forma,

inconciliáveis.278

De um lado, a escola do Direito natural, que remonta ao século XIX, defende

basicamente que a identidade própria se encontra na espiritualidade e precisamente

na observância dos conselhos evangélicos: pobreza, obediência, castidade perfeita.

Evidentemente, porém, somente alguns “privilegiados” podem percorrer este

caminho. De outro, a segunda tendência é alimentada pelo movimento bíblico e

litúrgico: busca nos textos escriturísticos, especialmente os paulinos, o apoio para

demonstrar como todos nós somos chamados a sermos seguidores de Cristo,

conduzindo a uma autêntica vida cristã. Aqui, o traço característico da moral torna-

se a caridade vivida por cada cristão.279

O documento trazia os traços marcantes daquela primeira tendência

teológica. Muito contestado, foi logo deixado de lado, depois de calorosas

discussões, por meio da intervenção do Cardeal Suenens. Sobretudo porque a

intenção do Papa e dos padres conciliares não era de compor um documento que

tratasse única e exclusivamente da consciência cristã, mas de inseri-lo num texto

mais amplo com relação à Igreja no mundo contemporâneo.280

Após diversas reuniões entre os membros da comissão encarregada de

discutir sobre este documento, em janeiro de 1963, ele foi definitivamente

supresso. Não foi somente o tom polêmico a não agradar os padres conciliares,

277 Cf. ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. I, Pars IV, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1971, 702-705; DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum, Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 52. 278 Cf. DELHAYE, P. Existe-t-il une morale spécifiquement chrétienne? La réponse de Vatican II. Seminarium, 28, n. 3-4, 1988, p. 410; DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 50-51. 279 Id., ibid., p. 55. 280 Cf. SARTORI, L. La chiesa nel mondo contemporaneo:introduzione alla “Gaudium et spes”. Padova: Messaggero, 1995, p. 21-25; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 53.

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mas, sobretudo o conteúdo do esquema. A comissão preparatória do Vaticano II

quis repropor uma teologia moral fiel à mentalidade dos manuais tradicionais,

nutrida pela escola do Direito natural e empenhada a por em guarda os erros

doutrinais. O Concílio, ao invés, preferiu seguir outra via e o De ordine morali

christiano foi retirado.281

Há, assim, uma mudança radical na metodologia: de uma impostação dos

problemas morais vistos num contexto de ordem absoluta, para a atenção aos sinais

dos tempos e à experiência humana. Trata-se de uma preocupação dos padres

conciliares para a busca de um diálogo com o mundo.282

A comissão teológica trabalhou o texto do novo documento que viria a ser a

Constituição Pastoral Gaudium et spes. Sob as orientações do Cardeal Suenens,

dividindo-o em duas partes: a primeira, dá uma fundamentação teológica da

relação entre Igreja e mundo e, a segunda, trata dos conteúdos prático-pastorais.

Tal comissão, que iniciou os seus trabalhos em dezembro de 1963, teve não poucas

vicissitudes. Foi um dos documentos em que se deteve com maior fadiga, para se

chegar a uma conclusão final. O texto final foi aprovado em 7 de dezembro de

1965.283

De um lado, a mais evidente conseqüência é que nenhum documento

conciliar fala diretamente e unicamente sobre moral: De ordine morali christiano

não foi substituído. Por outro lado, isto consentiu que o discurso moral, tornasse

presente em diversos documentos, ligado às reflexões teológicas. O confronto entre

o documento De ordine morali christiano e a Gaudium et spes faz compreender

melhor a mudança de visão operada entre os padres conciliares. Por isso,

abordaremos agora a Constituição Gaudium et spes, enfatizando o n. 16, que trata

especificamente do tema da consciência moral.284

281 Cf. ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. I, Pars I, Vaticano: Typis Poliglottis Vaticanis, 1970, p. 90-96; DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum, 1996, p. 50-51; 54-55. 282 Cf. PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 53-54. 283 Cf. SARTORI, L. La chiesa nel mondo contemporaneo:introduzione alla “Gaudium et spes”. Padova: Messaggero, 1995, p. 21-22; PARISI, F. cp. cit., p. 55. 284 Cf. MAJORANO, S. Coscienza e veritá morale nel Vaticano II. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (cure) La coscienza morale oggi. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 272; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 58.

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136

3.3.4. A Constituição Pastoral Gaudium et spes 285

Depois de vários séculos de um relacionamento cheio de desconfianças,

guiada por uma atitude fortemente defensiva, a Igreja assume uma atitude de

diálogo franco e acolhedor frente a muitos pontos considerados positivos da

Modernidade. É o que se depreende, sobretudo na Constituição Gaudium et spes

do Concílio Vaticano II.286

Um dos elementos característicos da Gaudium et spes é a leitura da história

humana através do uso do termo “pastoral”, pois o Concílio quis enfrentar os

problemas do mundo que interpelam a vida contemporânea. Para a elaboração

deste documento, participaram ativamente na redação do texto 164 colaboradores:

11 Cardeais, 59 Bispos, 67 peritos e 27 leigos, sendo um dos colaboradores mais

importantes, Bernhard Häring.287

O documento, após uma introdução sobre as condições humanas no mundo

contemporâneo (n. 4-10), com suas luzes e sombras, passa a descrever aquilo que a

Igreja pode e deve fazer, para responder aos impulsos do Espírito (n. 11). E o

primeiro passo é reafirmar a dignidade da pessoa humana (n. 12-21) em todos os

seus componentes e a orientação cristológica de tal dignidade (n. 22). Os capítulos

II, III e IV (n. 23-45) tocam os temas da comunidade humana, sua atividade no

mundo e a missão da Igreja no mundo de hoje. A segunda parte, refere-se aos

temas mais específicos como o matrimônio e a família (n. 47-52), a cultura (n.53-

62), a vida econômico-social (n. 63-72), a dimensão política (n. 73-76) e enfim os

temas da paz e da comunidade internacional (n. 77-90). Já os últimos parágrafos

são reservados para a conclusão. Há que se destacar os números 47-52, onde se

respira todo o espírito positivo e amplo da teologia de Häring. Ele foi o principal

285 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. IV, Pars VII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1978, p. 733-804. 286 Cf. COMBLIN, J. O tempo da ação. Ensaio sobre o Espírito e a história. Petrópolis: Vozes, 1982, p. 264ss. 287 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 7.

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secretário de redação deste capítulo sobre o matrimônio e a família, um

compromisso que ao final foi assumido por Schillebeeckx.288

A proclamação da Constituição Gaudium et spes, certamente foi o que

permitiu o maior número de novos rumos na teologia. A partir dela, surge uma

nova tendência, dita “antropológica”, na teologia contemporânea. Por outro lado, é

o documento do Concílio que oferece maiores orientações que tratam diretamente

de questões morais. Em sua primeira parte, fala dos temas básicos da moral

fundamental: natureza da pessoa humana, liberdade, consciência, pecado, elevação

do ser humano pela graça divina, bem comum, etc. Já a segunda parte trata das

questões éticas consideradas mais importantes tais como matrimônio e família,

cultura, ordem econômica e social, etc.289

Na Gaudium et spes, é mais patente e está mais bem documentado o

destaque de Häring no Concílio, quando foi secretário de redação na fase

penúltima do texto, na etapa do chamado “texto de Zurich”. Depois da primeira

redação, chamado de “texto de Malinas”, se procedeu a uma nova redação na qual,

colaboraram com ele os teólogos A. R. Sigmond, O.P. e R. Tucci, S.J., sob a

direção do Bispo de Livorno, Guano. O novo texto já começou com as palavras

“gaudium et spes” e mesmo tendo uma outra redação definitiva, ficou como base

do texto que foi promulgado em 7 de dezembro de 1965..290

São de Häring as palavras iniciais da Gaudium et spes:291 “As alegrias e as

esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, dos pobres sobretudo e

daqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as

angústias dos discípulos de Cristo” (tradução nossa).292

288 Cf. SCHURR, V.; VIDAL, M. Bernhard Häring y su nueva teologia moral catolica. Madrid: PS Ed., 1989, p. 52. SAVOLDI, V. Häring: un’autobiografia a mo’ di internista. Milano: Paoline, 1997, p. 108; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale católica. Bologna: EDB, 1999, p. 95; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. vol. 21, 1998, p. 486; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 55, n.84. 289 Cf. COMBLIN, J. Dalla fine del pontificato di Pio XII. In: VORGRIMLER, H.; VANDER GUCHT, R. (Orgs.) Bilancio della teologia del XX secolo. Vol. II, Roma: Città Nuova, 1972, p. 73; MASET, A. B. Ley y conciencia: una aproximación a la renovación de la teología moral. Extrato de la tesis doctoral presentada en la Facultad de Teología de la Universidad de Navarra. In: Excerpta e dissertationibus in Sacra theologia. Pamplona: Pub. Univ. Navarra, 1997. p. 27. 290 Cf. SCHURR, V.; VIDAL, M. op. cit., p. 48.VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica.., p. 485-486. 291 Cf. SALVOLDI, V. Bernhard Häring: 85 anni: un insegnamento che continua. Rivista di teologia morale. n. 117, gen.-mar. 1998, Bologna: EDB, p. 3. 292 Cf. ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. IV, Pars VII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1978, p. 733.

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A expressão “sinais dos tempos” sublinha esta dimensão pastoral, tendo

como pontos fundamentais a história e a presença de Deus. Os sinais dos tempos

emergem da história como vida vivida que torna matéria de reflexão teológica.

Suscita uma nova sabedoria coletiva e estimula a uma tomada de posição, frente à

misteriosa presença salvífica de Deus. Trata-se do encontro da liberdade divina e

da liberdade humana no santuário da consciência das pessoas, criadas à imagem e

semelhança de Deus.293

Dessa forma, um decisivo influxo sobre a futura pregação da moral será

explicitado, sobretudo através de uma antropologia que é, ao mesmo tempo,

personalística, comunitária e aberta à historicidade.294

A Constituição Pastoral introduz um novo clima e uma nova metodologia no

modo como se coloca a relação entre a fé e a realidade humana. Em meio a um

clima de vigilante otimismo, de diálogo sincero e de desinteressada colaboração, a

Igreja faz suas as alegrias e as angústias do momento presente. Aos moralistas se

pede, portanto, um espírito vigilante, uma mente aberta e uma inteligência bem

formada. A Gaudium et spes representa para a teologia moral do futuro um ensaio

de moral nova, que deverá ter o cuidado de apresentar uma concepção histórico-

salvífica.295

A maior contribuição de Häring na Gaudium et spes se deu, basicamente, em

três tópicos: consciência, matrimônio e paz. É de se destacar, na Constituição

Gaudium et spes, o n. 16, sobre a consciência moral, proveniente de um acréscimo

juxta modum redigido por Domenico Capone (redentorista e companheiro de

Häring na Academia Alfonsiana) e Bernhard Häring, influenciando de uma forma

significativa com o seu personalismo e o seu caráter pastoral. É o que veremos a

seguir.296

293 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring..., p. 88-89. 294 Cf. HÄRING, B. La predicazione della morale dopo il Concilio..., p. 9-10. 295 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 99. 296 Cf. HARING, B. My witness for the Church, New York: Paulist Press, 1992, p. 64-65; MCDONOUGH, W. The nature of moral truth according to Domenico Capone. Dissertationis ad Doctoratum. Romae: Academia Alfonsiana, 1990, p. 121-139; MAJORANO, S. Bernhard Häring: libero e fedele. Il Regno. Bologna: EDB, 1998, n. 819, ano XLIII, p. 503-504; SALVOLDI, V. Häring: un’autobiografia a mo’ di intervista. Milano: Paoline, 1997; p. 118; MCDONOUGH, W. “New terrain” and a “stumbling stone” in Redemptorist contribuitions to Gaudium et spes: on relating and juxtaposing truth’s formulation and its experience. Studia Moralia. 1997, XXXV/I, Roma: Edit. Academiae Alphonsianae, p. 11.

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3.3.4.1. A consciência moral em Gaudium et spes, n. 16

Bernhard Häring, juntamente com Domenico Capone, influenciou de uma

forma significativa com o seu personalismo a elaboração da Gaudium et spes.

Capone contribuiu com três elementos essenciais em relação à consciência, neste

documento. Primeiro, onde o esboço da Constituição somente afirmava que Deus

chama pessoas para fazer o bem, Capone acrescentou que Deus chama

primeiramente as pessoas para amar o bem e, conseqüentemente, para fazê-lo. Em

segundo lugar, inseriu a citação do Papa Pio XII, no seu discurso sobre a formação

da consciência nos jovens, em relação à compreensão de consciência em Santo

Agostinho, como o nucleus secretissimus atque sacrarium hominis, in quo solus

est cum Deo. Por último, Capone mudou o foco do parágrafo sobre a consciência

errônea, para o foco da consciência invencivelmente errônea, adicionando um

conceito alfonsiano.297

Estes acréscimos proporcionaram uma mudança crucial na compreensão da

consciência no mundo católico contemporâneo: de uma compreensão da

consciência como um órgão da lei para uma visão transcendental da pessoa voltada

para o bem, chamada a viver no amor. A consciência é menos um processo em

direção à verdade, do que o lugar onde as verdades tornam-se claras para as

pessoas.298

É neste n. 16 da Gaudium et spes que o Concílio Vaticano II trata

especificamente da consciência moral. A gênese deste número é revelador, quanto

ao delineamento dialético da doutrina. Ele teve quatro redações, entre julho de

1964 a dezembro de 1965. Nestas sucessivas redações, se percebe uma tendência a

297 Cf. PIO XII, “Conscientia christiana in iuvenibus recte efformanda”. In: Acta Apostolicae Sedis. Commentarium Ofíciale. An. XXXXIV, series II, vol. XIX, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1952, p. 270-278; ANAYA, L. A. La conciencia moral en el marco antropológico de la constitución pastoral “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Academia Alfonsiana. Buenos Aires: Universidad Catolica Argentina, 1993, p. 139; MCDONOUGH, W. “New terrain” and a “stumbling stone” in Redemptorist contribuitions to Gaudium et spes…, p. 11-13. 298 Cf. MCDONOUGH, W. C. The nature of moral truth according to Domenico Capone. Dissertationis ad Doctoratum. Romae: Academia Alfonsiana, 1990, p. 130; Id., “New terrain” and a “stumbling stone” in Redemptorist contribuitions to Gaudium et spes…, p. 14.

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140

compreender cada vez mais a consciência a partir da dimensão personalista e da

dignidade da pessoa humana, enquanto ser pessoal.299

A consciência moral é expressão de toda a pessoa. Por isso, aqui temos o

ponto central do primeiro capítulo da Gaudium et spes. O n. 16 desta Constituição

é preparado pelos números 12-15 que traçam os elementos constitutivos do ser

humano feito à “imagem de Deus”. A conclusão se dá com os números 19-21 sobre

o grave perigo do ateísmo, um tema muito debatido naquela época do Concílio.

Significativos são os n. 15 e 17, que reforçam o n. 16, dedicados respectivamente

aos temas da verdade e da liberdade. Já o número 18 trata do mistério da morte.300

O parágrafo 16 da Gaudium et spes concernente à “dignidade da consciência

moral” se insere organicamente na síntese antropológica do primeiro capítulo da

primeira parte da Constituição (“De humanae personae dignitate”). Assim diz o

texto:

No íntimo da consciência o homem descobre uma lei que não é ele a dar-se, mas à qual, ao invés, deve obedecer e a cuja voz que o chama sempre a amar e a fazer o bem e a fugir do mal, quando ocorre, claramente diz aos ouvidos do coração: faça isto, fuja daquilo. O homem tem na realidade uma lei escrita por Deus no seu coração; obedecê-la é a dignidade própria do homem, e de acordo com esta ele será julgado. A consciência é o núcleo mais secreto e o sacrário do homem, onde ele se encontra a sós com Deus, cuja voz ressoa na sua intimidade. Por meio da consciência se faz conhecer de modo admirável aquela lei, que encontra a sua realização no amor a Deus e ao próximo. Na fidelidade à consciência, os cristãos se unem aos outros homens para buscar a verdade e para resolver de acordo com a verdade tantos problemas morais, que surgem tanto na vida individual quanto na social. Quanto mais, portanto, prevalece a consciência reta, tanto mais a pessoa e os grupos sociais se afastam do arbítrio cego e se esforçam para conformar-se às normas objetivas da moralidade. Todavia acontece não raro que a consciência seja errônea por ignorância invencível, sem que por isso perca a sua dignidade. Mas, isto não se pode dizer quando o homem pouco se cuida de buscar a verdade e o bem, e quando a consciência torna-se quase cega, seguida da atitude de pecado (tradução nossa).301

299 Cf. ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. III, pars V, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1975, p. 148; VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental. 4ª. ed., Madrid: PS Edit., 1977, p. 298; CAPONE, D. La teologia della coscienza morale nel Concilio e dopo il Concilio. Studia moralia. Roma: Ed. Academiae Alphonsianae, 1986, vol. XXIV/I, p. 221. 300 Cf. FRIGATO, S. Vita in Cristo e agire morale: saggio di teologia morale fondamentale. Torino: Elle di Ci, 1994, p. 187; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 55. 301 Cf. ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. IV, Pars VII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticais, 1978, p. 741-742.

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141

Aqui, a consciência é vista como “o núcleo mais secreto e o sacrário do

homem”, a interioridade humana que faz com que a pessoa seja uma realidade

superior às coisas corporais. A consciência é a transcendência da pessoa, na sua

interioridade, onde se verifica o encontro pessoal com Deus. É na consciência que

o ser humano “vai tocar em profundidade a verdade mesma das coisas” (Cf.n. 14

da Gaudium et spes) e pode transformar em decisão a verdade assim encontrada.302

A interioridade da consciência não é uma interioridade de isolamento, mas

de comunhão, de diálogo, de palavra. É um encontrar-se tu a tu com Deus, um

escutar a sua voz, um re-encontrar a sua palavra como verdade que convoca em

toda a realidade histórica. É também descobrir o outro como apelo, como palavra,

como reciprocidade (Cf.n. 12 da Gaudium et spes).303

O texto apresenta a consciência como um sacrário no qual o ser humano está

unido a Deus, um sacrário onde ressoa a voz de Deus. Se a pessoa é leal na busca

da verdade e da bondade em situações particulares, a sua consciência é “reta” e faz

com que os atos concretos, escolhidos na responsabilidade, sejam moralmente

bons.304

Quando Gaudium et spes n. 16 descreve a dinâmica da consciência formada

na imediatez de um diálogo íntimo com Deus, quer afirmar que o ser humano é

ontologicamente um ser em realização com Deus e com os demais. E, pela

fidelidade à consciência, os cristãos se unem aos outros na busca da verdade e na

solução justa de inúmeros problemas morais que se apresentam, tanto na vida

individual quanto social.305

Quanto à consciência invencivelmente errônea, Häring comenta:

302 Cf. MAJORANO, S. Coscienza e veritá morale nel Vaticano II. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di) La coscienza morale oggi. Roma: Academiae Vaticanae, 1987, p. 260-268; CAPONE, D. Antropologia, coscienza e personalità. Studia moralia. 1966, n. IV, Roma: Academia Alfonsiana, p. 96. 303 MAJORANO, S., loc. cit. 304 Cf. CAPONE, D. La teologia della coscienza morale nel Concilio e dopo il Concilio. Studia moralia. Roma: Ed. Academiae Alphonsianae, 1986, vol. XXIV/I, p. 226-227. 305 Cf. ACTA APOSTOLICAE SEDIS. Commentarium officiale. n. 15, Vol. LVIII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1966, p. 1037; ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI SECUNDI. Vol. IV, pars VII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1978, p. 383; HÄRING, B. Liberi e fedeli in Cristo..., vol. I, 2. ed, Roma: Paoline, 1980, p. 320; PARISI, F. Coscienza ed esperienza morale alla luce della riflessione teologico-morale post conciliare in Italia (1965-1995). Dissertationis ad Doctoratum. Roma: Academia Alphonsiana, 2002, p. 119. MCDONOUGH, W. “New terrain” and a “stumbling stone” in Redemptorist contribuitions to Gaudium et spes: on relating and juxtaposing truth’s formulation and its experience. Studia Moralia. 1997, XXXV/I, Roma: Edit. Academiae Alphonsianae, p. 14.

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Na medida em que a verdade e os valores objetivos estiverem envolvidos, a consciência humana certamente nunca será infalível. O Concílio reconhece que o erro na avaliação acontece bastante freqüentemente... Porém, quase sempre sem culpa pessoal e sem que a consciência perca a sua dignidade. Acontece isto sempre que as intenções são retas e que a consciência está procurando sinceramente a melhor solução... O mal maior se dá quando a consciência se torna insensível e cega.306 Santo Alfonso de Liguori fala de uma consciência invencivelmente errônea

quando uma consciência sincera é incapaz de interiorizar uma lei positiva da Igreja

ou das autoridades civis, ou também um aspecto válido do ensinamento da lei

natural. Trata-se de uma impossibilidade de se avançar no conhecimento do bem.

Do ponto de vista objetivo, abstrato, poderíamos dizer que a consciência da pessoa

está errada. Mas, existencialmente, isto pode indicar que a pessoa faz o melhor

possível, naquele contexto, para obter mais luz.307

A primeira parte do n. 16 é uma descrição da assim chamada consciência

fundamental como lugar profundo, interior, do encontro de Deus com a pessoa

humana. É de notar que o texto fala exclusivamente da pessoa humana enquanto

tal. No segredo do seu coração repercute a vocação divina. A resposta-obediência a

tal chamado é o fundamento da sua realização humana. A segunda parte da citação

descreve o nível de juízo da consciência, ou seja, da capacidade cognoscitiva,

avaliativa e decisional direcionado para o “agir moral” verdadeiro e bom.308

Nenhuma ação humana pode considerar-se, em concreto, boa ou má se não

faz referência à consciência. A consciência é o eco da voz de Deus. É como a

presença de Deus na pessoa. Por isso, se diz que o juízo da consciência é como a

promulgação e como a intimação da lei objetiva feita no interior da pessoa porque

“o homem tem uma lei escrita por Deus em seu coração”.309

A consciência se apresenta assim, como o locus theologicus, sagrado e

inviolável. Mesmo quando o ser humano erra na sua ação moral, nunca perde a sua

dignidade de pessoa. Neste lugar sagrado e inviolável, o ser humano se encontra a

sós com Deus, porém, não no sentido de solidão, isolamento, autonomia,

306 HÄRING, B. Liberi e fedeli in Cristo: teologia per preti e laici. vol. I, 4. ed., Milano: Paoline, 1990. p. 287-288. 307 Ibid., p. 289. 308 Cf. VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental. 4ª. ed., Madrid: PS Edit., 1977, p. 297; FRIGATO, S. Vita in Cristo e agire morale: saggio di teologia morale fondamentale. Torino: Elle di Ci, 1994, p. 188. 309 Cf. VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I. 4ª. e., Madrid: PS Edit., 1977, p. 326.

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subjetivismo. Mas, no sentido de intimidade profunda, de estreita relação com

Deus. Neste locus intimitatis, o ser humano é um “ouvinte da palavra”, no sentido

rahneriano, por meio de uma dinamicidade desta relação. A consciência é o lugar

do encontro, o lugar sagrado no qual se manifesta um diálogo, “a cuja voz ressoa”

na intimidade própria. O ser-em-diálogo com Deus é, portanto, consubstancial ao

seu existir, faz parte, ontologicamente, da sua natureza mesma, constituindo o ser

pessoa.310

Na Gaudium et spes e em outros documentos conciliares é dado um amplo

espaço à centralidade da consciência moral e à sua dinâmica experiencial. As

categorias utilizadas são: o encontro pessoal, as relações íntimas com Deus (no

“sacrário da consciência”) e a descoberta progressiva da lei divina inscrita no

coração humano. Sobretudo pelo tema da consciência moral, amplamente descrita

no n. 16, o Concílio é considerado pelos historiadores da teologia moral um

verdadeiro ponto de não retorno.311

Trataremos de apresentar agora as contribuições de Bernhard Häring,

desenvolvidas no Decreto Optatam totius, trazendo um novo emergir da teologia

moral.

3.3.5. O Decreto Optatam Totius 312

Para a história da teologia moral, uma importância decisiva reveste a

colaboração oferecida por Häring no decorrer da redação definitiva do decreto

sobre formação sacerdotal Optatam totius. Concretamente, a ele se deve a redação

do n. 16 deste documento, no qual se manifesta abertamente a escolha do Concílio

em favor da renovação da teologia moral.313 Trata-se do seguinte texto:

Tenha-se especial cuidado no aperfeiçoamento da teologia moral de maneira que a

310 Cf. PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 55-57. 311 Ibid., p. 28-29. 312 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI SECUNDI. Vol. IV, Pars V, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1978, p. 593-606. 313 Cf. HÄRING, B. La predicazione della morale dopo il Concilio. 2. ed., Roma: Paoline, 1967, 204 p.; Id. Verso una teologia morale cristiana. 2. ed., Roma: Paoline, 1968, 220 p.; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 94; Id. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. vol. 21, 1998, Madrid: Instituto superior de ciencias morales. p. 485.

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sua exposição científica, fortemente fundada na Sagrada Escritura, ilustre a altura da vocação dos fiéis em Cristo e o seu compromisso de trazer frutos na caridade pela vida do mundo (tradução nossa).314 A força que penetra este parágrafo permite toda uma renovação pós-

conciliar, ao expor um breve, mas muito substancioso programa para a renovação

da teologia moral: diz-se que ela deve ser com “especial cuidado” reelaborada e

renovada por meio de um contato mais vivo com o mistério de Cristo e com a

história da salvação. Além disso, deve ter um endereço mais acentuadamente

bíblico: “fortemente fundada na Sagrada Escritura”. Ou seja, com Optatam totius

16, há o começo de uma nova época, a partir do Concílio Vaticano II, na inovação

metológica da teologia moral.315

Na oitava edição de A Lei de Cristo, revista e ampliada, Häring afirma: “O

artigo 16 do Decreto sobre a formação sacerdotal (Optatam Totius) do Concílio

Vaticano II é a culminação de todos os esforços realizados até o presente para

renovar a teologia moral, e significa, sem dúvida nenhuma, o começo de uma nova

etapa”.316

Como o próprio Häring afirma em sua obra La predicazione della morale

dopo il Concilio:

O artigo 16 de Optatam totius traz um programa breve porém substancial para a renovação da teologia moral; certamente nos permitiu, sem faltar a modéstia, ver nele a aprovação de nossos esforços dos últimos quinze anos, assim como um estímulo para prosseguir nossos trabalhos pelo caminho o qual temos comprometido. 317

314 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI SECUNDI. Vol. IV, Pars V, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1978, p. 599-600. 315 Cf. HÄRING, B. La predicazione della morale dopo il Concilio. op. cit., p. 10; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica..., p. 94; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica..., p. 485; GOMEZ MIER, Vicente. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después Del Concilio Vaticano II. Tesis Doctoral. Madrid: Univ. Pont. Comillas de Madrid, 1994, p. 155. 316 Cf. HÄRING, B. Das gesetz Christi: Dargestellt für Priester und Laien. Vol I, 8a. ed., München: Wewel, 1967, p. 76. 317 Id. La predicazione della morale dopo il Concilio. 2. ed., Roma: Paoline, 1967, p.5

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145

3.3.6. O tema da consciência em outros documentos conciliares

Trataremos a seguir, do tema da consciência moral desenvolvido nos

diversos documentos conciliares, trazendo as contribuições de Bernhard Häring,

enquanto consultor e perito conciliar.

3.3.6.1. A Constituição Sacrosanctum concilium 318

A Constituição sobre a liturgia, Sacrosanctum concilium, orienta a moral a

realizar uma síntese da vida cristã à luz do Mistério Pascal de Cristo. O Mistério

Pascal revela a unidade que existe entre a glorificação de Deus e a salvação da

pessoa humana. De tal maneira, deve a teologia moral levar em consideração,

acima de tudo, o primado da graça, tendo em vista a existência cristã como uma

existência de adoração e de glorificação a Deus (aqui temos um ponto que é

fundamental no pensamento de Häring). Neste sentido, a vida moral do cristão vem

concebida, não tanto como um conjunto de leis, mas como um encontro vital com

o mistério de Cristo.319

3.3.6.2. A Constituição Lumen gentium 320

Häring trabalhou como consultor da comissão doutrinal da Constitução,

juntamente com H. de Lubac, Y. Congar e, mais tarde, K. Rahner. Enquanto tal,

fez a redação final do cap. 4 da Constituição Lumen gentium sobre leigos. Influiu

também, juntamente com o Bispo Charrière e os teólogos G. Thils e C. Colombo,

para que fosse tratado nesta constituição o tema da vocação de todos à santidade

cristã. Esta vocação universal é claramente assinalada no cap. V: “De universali

318 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. II, Pars VI, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1973, p. 409-439. 319 Cf. DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 56. 320 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. vol. III, Pars VIII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1976, p. 784-919.

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vocatione ad sanctitatem in Ecclesia”, dando uma perspectiva decisiva para a

teologia moral.321

A Constituição sobre a Igreja, Lumem gentium, coloca a teologia moral como

um compromisso eclesial, tendo como objetivo a formação de todo o povo de

Deus. A teologia moral não é concebível como uma teoria em vista à prática da

confissão. É preciso também que o laicato intervenha na formulação e na resolução

dos problemas morais. Por outro lado, se no capítulo V se afirma que todos os

batizados são chamados à perfeição, é preciso superar a dicotomia entre teologia

moral e teologia espiritual.322

Os leigos, juntamente com a hierarquia, devem agir na Igreja, participando

da mesma missão de Cristo. Pois, eles não são uma “classe passiva” simplesmente.

Pelos dons recebidos de Cristo, eles podem colaborar na pastoral da Igreja no

mundo. Paralelamente, eles devem render-se conta que pertencem ao povo de Deus

e assumirem responsabilidades no sentido eclesiástico. A necessidade da pastoral

leiga não vem da falta de clero, mas pela sua responsabilidade recebida pelo

Espírito Santo, no batismo.323

Cabe ressaltar que Häring interveio também para que se falasse de Maria

dentro da Constituição Dogmática Lumen gentium, no seu capítulo VIII: “De beata

Maria Virgine deipara in mysterio Christi et Ecclesiae”.324

321 Cf. ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. vol. III, Pars VIII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1976, p. 817-821; HÄRING, B. I religiosi del futuro. Roma: Paoline, 1972, p. 32; MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 161; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. Vol. 21, 1998, Madrid: Instituto superior de ciencias morales. p. 484. 322 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 98. 323 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 161. 324 Cf. ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. vol. III, Pars VIII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1976, p. 829-836, VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. vol. 21, 1998, Madrid: Instituto superior de ciencias morales. p. 484; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 93-94.

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3.3.6.3. A Declaração Unitatis redintegratio 325

O Decreto sobre o ecumenismo Unitatis redintegratio, ao indicar que se deve

promover a unidade na verdade através da unidade na caridade, exorta os católicos

e os cristãos não católicos a se encontrarem no plano de um empenho conjunto em

favor das grandes causas da humanidade: a vida, a liberdade, a justiça e a paz.

Temas estes, preciosos à teologia de Häring.326

3.3.6.4. A Declaração Dignitatis humanae 327

Häring atuou como secretário na subcomissão sobre a liberdade religiosa.328

A declaração sobre a liberdade religiosa, Dignitatis humanae, indica a

necessidade de respeitar profundamente a reta consciência dos outros e de aceitar a

validade do pressuposto pelo qual qualquer um pode e deve decidir sempre e em

tudo de acordo com a própria consciência. Esta declaração nos mostra que a Igreja,

fiel ao seu divino Mestre, tem o dever de respeitar o agir do Espírito Santo no seio

da humanidade inteira e, mais concretamente, no santuário da consciência pessoal.

Vem aqui revelada uma mensagem clara para a moral: deve-se buscar viver de

acordo com uma consciência bem formada e, na medida do possível, prestar

atenção aos motivos que estão na base das atitudes das pessoas.329

Conforme a Declaração sobre a liberdade religiosa do Vaticano II, o ser

humano deve agir, pela própria livre decisão, ou seja, a partir do juízo pessoal da

consciência e não sob medidas coercitivas.330

325 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. vol. III, Pars VIII, Vaticano: Typis Polyglottis vaticanis, 1976, p. 845-859. 326 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica..., p. 98. 327 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. IV, Pars VII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1978, p. 663-673. 328 Cf. VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. vol. 21, 1998, Madrid: Instituto superior de ciencias morales. p. 484; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 93-94. 329 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 98-99. 330 Cf. GÜNTHÖR, A. Coscienza e legge. Seminarium. Città del Vaticano: Sacram Congregationem Pro Institutione Catholica, n. 3, 1971, p. 556.

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148

Nos n. 1-3 fala-se da dignidade da pessoa humana e da sua liberdade, que por

meio da sua consciência conhece a lei divina, e faz uma escolha livre da

experiência religiosa. No n. 11 afirma-se que a pessoa humana está vinculada a

Deus, pela consciência e nela, é chamada a servi-lo em espírito e verdade. Já no n.

14 diz-se que os cristãos, na formação de sua consciência, devem considerar

diligentemente a doutrina da Igreja.331

3.3.6.5. O Decreto Apostolicam actuositatem 332

Em AA n. 5 afirma-se que a consciência é norma de ação no apostolado dos

leigos na Igreja e no mundo. No n. 12, diz-se que o amadurecer da própria

consciência permite assumir as responsabilidades humanas, empenhadas pelo

Espírito de Cristo. Já no n. 13, fala-se do cultivo da plenitude de consciência cristã

para a edificação da sociedade.

3.3.6.6. O Decreto Ad gentes 333

No n. 39, fala-se da necessidade de uma intensa evangelização, sobretudo

dos jovens, para que tenham uma boa consciência da missão de batizados.

3.3.6.7. A Declaração Gravissimum educationis 334

No n. 1 desta declaração, afirma-se a necessidade do direito que as crianças e

os jovens têm de serem ajudados para avaliar, com consciência reta, os valores

morais.

331 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica..., p. 94. 332 ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II. Vol. IV, Pars VI, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1978, p. 609-632. 333 ACTA SYNODALIA...., Vol. IV, Pars VII, Vaticano: Typis Polyglottis Vaticanis, 1978, p. 673-704. 334 ACTA SYNODALIA..., Vol. IV, Pars V, Vaticano: Typis P. Vaticanis, 1978, p. 606-616.

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149

3.3.7. Conclusão

Häring foi um dos personagens-chave do Concilio e de seu desenvolvimento

teológico posterior. O seu nome ficará definitivamente associado à renovação da

teologia moral segundo o espírito do Concílio Vaticano II. Como consultor na

Comissão preparatória do Concilio Vaticano II, Häring deu uma contribuição

importante tanto na preparação dos documentos e na assessoria aos Bispos,

individualmente ou em grupos nacionais ou lingüísticos.

Dentre os documentos conciliares inovadores, que dão margem a uma nova

visão de consciência moral, destacamos a Gaudium et spes. Um dos elementos

característicos desta Constituição é a leitura da história humana através do uso do

termo “pastoral”, pois o Concílio quis enfrentar os problemas do mundo que

interpelam a vida contemporânea. A proclamação da Constituição Gaudium et

spes, certamente foi o que permitiu o maior número de novos rumos na teologia.

Bernhard Häring, juntamente com Domenico Capone, influenciou de uma

forma significativa com o seu personalismo a elaboração deste documento. As

contribuições dos dois redentoristas proporcionaram uma mudança crucial na

compreensão da consciência no mundo católico contemporâneo. A partir de então,

a consciência deixa de ser vista como um órgão da lei para uma orientação

transcendental da pessoa humana, que se volta para a concretização do amor. É

aqui que o Concílio Vaticano II trata especificamente da consciência moral.

A primeira parte do n. 16 é uma descrição da assim chamada consciência

fundamental como lugar profundo, interior, do encontro de Deus com a pessoa

humana. No segredo do seu coração repercute a vocação divina. A segunda parte

da citação descreve o nível de juízo da consciência, ou seja, da capacidade

cognoscitiva, avaliativa e decisional direcionado para o “agir moral” verdadeiro e

bom. A consciência é o eco da voz de Deus, ou seja, é o lugar do encontro, o lugar

sagrado no qual se manifesta um diálogo, “a cuja voz ressoa” na intimidade

própria.

Na Gaudium et spes e em outros documentos conciliares é dado um amplo

espaço à centralidade da consciência moral e à sua dinâmica experiencial. As

categorias utilizadas são: o encontro pessoal, as relações íntimas com Deus (no

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“sacrário da consciência”) e a descoberta progressiva da lei divina inscrita no

coração humano. Sobretudo pelo tema da consciência moral, amplamente descrita

em Gaudium et spes n. 16, o Concílio é considerado pelos historiadores da teologia

moral um verdadeiro ponto de não retorno.

Também para a história da teologia moral, uma importância decisiva reveste

a colaboração oferecida por Häring no decorrer da redação definitiva do decreto

sobre formação sacerdotal Optatam totius. Concretamente, a ele se deve a redação

do n. 16 deste documento, no qual se manifesta abertamente a escolha do Concílio

em favor da renovação da teologia moral. Por outro lado, encontramos também o

tema da consciência moral desenvolvido em outros documentos conciliares,

trazendo as contribuições de Bernhard Häring, enquanto consultor e perito

conciliar.

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151

3.4.

Bernhard Häring e a Moral Renovada 3.4.1. Introdução

Bernhard Häring oferece uma fundamental contribuição para a renovação da

teologia moral, mediante as duas opções fundamentais: a referência à Sagrada

Escritura e ao cristocentrismo. Ele dá à moral cristã aquele tom evangélico que

ficou um tanto esquecido, com o exagerado legalismo da moral casuística. No seu

projeto teológico-moral, dogmática, espiritualidade, pastoral e moral se fundem

harmoniosamente.335

O propósito principal de Häring é de levar em consideração, acima de tudo, o

Evangelho e os ensinamentos dos Padres da Igreja. Para Häring, a interpretação do

Evangelho é inseparável da vida e da história humana. Portanto, é preciso reler o

Evangelho segundo as exigências da vida, pois, a verdade cristã se deve confrontar

com a história humana, no aqui e agora.336

Para ele, trata-se de abrir a moral ao Evangelho, libertando-a das garras do

direito canônico, na qual ficou presa desde séculos precedentes. Tendo em vista

este objetivo, é o primeiro a compor um manual de moral, alternativo aos

tradicionais, já antes do Concilio Vaticano II.337

Neste capítulo, analisaremos as contribuições de Bernhard Häring para a

renovação da Teologia Moral e, conseqüentemente, para uma nova leitura da

consciência moral. Com isso, poderemos compreender melhor a linha de

desenvolvimento dos dois manuais de Häring, bem como a sua evolução de

pensamento, em relação à consciência moral.

335 Cf. DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 37; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 130. 336 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 26. 337 Cf. LORENZETTI, L. In ricordo di Bernhard Haering: una vita per la morale cattolica. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 117, p. 341. 1998.

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152

3.4.2. Mudanças de perspectivas da Teologia Moral

A Moral Renovada nasce num contexto de Igreja e de Teologia que prepara o

Vaticano II e se desenvolve com ele, tendo em vista uma preocupação crescente

em responder positivamente às interpelações do chamado mundo moderno.338 As

características do novo modelo moral, de uma Moral Renovada, da qual Häring é o

principal representante são:

- moral fundamentada na Sagrada Escritura e que enfatiza a graça e a

misericórdia de Deus;

- diálogo com a pessoa humana de hoje e, ao mesmo tempo, ecumênico;

- inculturação contínua, numa constante renovação;

- moral de cunho comunitário, não individualista, não perfeccionista, mas de

solidariedade salvífica;

- moral que liberta a pessoa humana, não a domina nem a oprime.339

Häring é um teólogo que conhece a teologia tradicional e é também alguém

que se interessa pelas modernas disciplinas, aplicando-as à visão da teologia moral.

O seu método é determinado, em larga medida, pela sua capacidade de trabalhar de

maneira interdisciplinar e não somente entre os moralistas, mas também com as

ciências afins. Sua preocupação é de levar em conta a colaboração das ciências

humanas.340

Entre os muitos sinais da sua atribuição à tradição alfonsiana, devemos

destacar a dimensão pastoral da sua moral e o interesse pela formação de uma

consciência moral adulta. A pastoralidade é um traço característico tanto da moral

de Santo Alfonso como da moral de Häring. A reflexão teológico-pastoral de

ambos nasce da prática pastoral e busca enfatizar mais a dimensão evangélica.

338 Cf. MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 43. 339 Cf. ROQUETE, J. C. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum. Sevilla, vol. 6, n. 11, p. 66. 1997. 340 Cf. BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p. 95; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 100; GALLAGHER, R. Il sistema manualistico della teologia morale dalla morte di Sant’Alfonso ad oggi. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (a cura di) Morale e redenzione. Roma: EDACALF, 1983, p. 276.

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153

Portanto, a obra de Häring é considerada acadêmica e ao mesmo tempo pastoral.

Há o rigor do professor e o calor humano do pastor. Esfera acadêmica e esfera

pastoral formam um todo, numa síntese enriquecedora.341

A Bernhard Häring se deve a mudança de perspectiva da teologia moral: a

passagem de uma moral da lei para a moral do amor; do “tu deves” para o “tu

podes”; da obediência servil à alegria da liberdade e da fidelidade de filhos de

Deus. Porém, Häring representa uma novidade em relação ao passado, mas não no

sentido de que ele ignora a Tradição. Pelo contrário, ele respeita a Tradição da

Igreja e, ao mesmo tempo, é fiel ao seu fundador, Santo Alfonso.342

Häring desclericaliza a teologia moral, no sentido preciso de que ela deve se

tornar um saber para todos os cristãos, não somente um saber profissional para os

confessores. Juntamente com outros moralistas, procura delinear os traços

característicos de uma moral segundo o Concílio Vaticano II, sintetizados nas

obras: La predicazione della morale dopo il Concilio e Verso una teologia morale

cristiana. O Concílio não se ocupa expressamente da teologia moral, dedicando-

lhe um documento específico. Porém, Häring se dá conta de que a renovação geral

proposta pelo Vaticano II deve incidir sobre a Teologia Moral e assinalar uma

mudança decisiva neste setor do saber teológico.343

Em Il peccato in un’epoca di secolarizzazione,344 Häring expõe de uma forma

concisa, o que significa esta renovação moral pedida pelo Vaticano II. Trata-se de

uma mudança de ênfase e de perspectiva, em particular: da casuística do

confessionário à moral da vida; da visão estática da vida à moral dinâmica; da

ordem moral fundada na lei natural à moral enraizada na história humana; da

perspectiva clerical à perspectiva profética; da moral fechada de acordo com a

autoridade à moral da responsabilidade pessoal; da moral monolítica ao pluralismo

341 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 131-133; COMPAGNONI, F. B. Haering, nel ricordo di un discepolo. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 30, p. 502. gen.-mar. 1998. 342 Cf. SALVOLDI, V. Bernhard Häring: 85 anni: un insegnamento che continua. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 30, p. 1. 1998; MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring..., Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 25. 343 Cf. COMPAGNONI, F. B. Haering, nel ricordo di un discepolo. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 30, p. 501. 1998; HÄRING, B. La predicazione della morale dopo il Concilio. 3. e., 1967, 204 p.; Id., Verso una teologia morale cristiana, 2. e., 1968, 220 p; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 97. 344 Cf. HARING, B. Il peccato in un’epoca di secolarizzazione. 3. e., Bari: Paoline, 1975, 268 p.

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154

dos sistemas de valores; da moral do ato à moral das atitudes; da ênfase sobre

normas proibitivas à ênfase sobre normas em vista de uma meta; do essencialismo

e do objetivismo à consciência histórica da pessoa; da avaliação moral

individualística à perspectiva da solidariedade histórica da salvação; da moral-

sanção à moral pedagógica e pastoral. Em síntese: da lei ao Evangelho.345

Por isso, Häring é considerado um dos maiores inspiradores e líderes do

período da renovação da Teologia Moral na Igreja Católica. Para ele, religião e

moral estão intimamente interligados. Há uma profunda unidade e interpenetração

entre a vida religiosa pessoal e a vida moral. Dessa forma, pode-se dizer que suas

obras protagonizam o capítulo mais brilhante da teologia moral católica na segunda

metade do século XX.346

“Vinho novo em odres novos” (Cf. Mt 9,17) sintetiza a sua obra, que se

apresenta como “odres novos”, necessários ao “vinho novo” procedente de uma

nova visão da pessoa humana, do mundo, da sociedade e da Igreja, surgida na

Modernidade e na secularização.347

A seguir, trataremos dos pontos fundamentais da Moral Renovada.

3.4.3. A Moral Renovada e a ênfase na Sagrada Escritura

O cristocentrismo é o princípio teológico da Moral Renovada, fundada sobre

as implicações éticas do evento Cristo. Não significa o aparecimento de um novo

código de normas, mas o surgimento de uma nova autocompreensão do sujeito

moral. Cristo não é simplesmente um modelo moral, passível de ser codificado em

normas. Ele abre um novo horizonte de sentido, que faz com que a pessoa humana

se compreenda de um modo novo e, assim, possa agir. Esta perspectiva

cristocêntrica está inspirada na Sagrada Escritura, que passa a ser a alma da moral.

345 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 100-101. 346 Cf. VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2000, p. 55; QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p. 314. 347 Cf. ROQUETE, J. C. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum. Sevilla, vol. 6, n. 11, p. 52. 1997.

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155

Por outro lado, existe um maior acento na graça do que no pecado.348

Häring afirma que, “animados pelo Espírito, vivemos em Cristo, que em nós

continua a orar, a amar e a evangelizar o mundo, libertando-nos de toda forma de

mal. A solidariedade em Cristo, ser um com ele, liberta o mundo do pecado, da

hamartía, isto é, da tendência à cumplicidade no mal que procura se insinuar

continuamente nas estruturas humanas e às vezes também nas eclesiásticas”.349 Por

outro lado, “ouvir o Evangelho, a boa nova, é ao mesmo tempo ouvir o grito do

pobre, com quem Cristo se identifica.”.350

A cristologia moral de Häring é de caráter “descendente”, onde Cristo é

entendido como a Palavra encarnada, através da qual o Pai pronuncia seu amor a

todos. O cristocentrismo é uma característica das obras de Häring, sendo também

ressaltado pelo Vaticano II quando se diz que a Moral deve evidenciar a

sublimidade da vocação dos fiéis em Cristo (Cf. Optatam Totius 16). O Filho é o

lugar de encontro do chamado de Deus e da resposta humana. Todos nós somos

chamados por Deus, em Cristo e temos o compromisso de dar uma resposta, por

meio do seu Espírito que age em nós.351

É preciso viver dessa lei que o Espírito escreve no coração de todo ser

humano e na dinâmica da história. É o Espírito que se faz visível no batismo de

Jesus, na sua morte e na sua ressurreição. Vivendo desse Espírito, participamos

plenamente da vida do Salvador e da sua missão libertadora. Portanto, a verdade

não é uma abstração: é Cristo. Liberta porque não é uma ideologia e sim uma

pessoa: o Filho de Deus, feito um de nós, para nos fazer como ele.352

Deus nos chama para a salvação e ao mesmo tempo para uma atitude de vida

correspondente à salvação. Chama-nos à vida de perfeição na caridade, tal como

foi a vida do próprio Cristo. Esta vocação comporta um dinamismo: seu apelo

ressoa em nós, sem cessar, pela ação do Espírito Santo.353

348 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 38. 349 Cf. SALVODI, V. (Org.). Häring.Uma autobiografia à maneira de entrevista. S. Paulo: Paulinas, 1998, p. 214. 350 Ibid., p. 206. 351 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, Madrid, vol. 74, p. 483-484. 1999; MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 57. 352 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 136; 214. 353 Cf. MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 57.

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156

Segundo Häring, “no centro da Sagrada Escritura não estão as normas, mas

Cristo, Filho Unigênito do Pai, que se fez homem para ser um de nós! Nele temos a

vida. É o seu Espírito que nos dá alegria, tornando-nos livres. A nossa relação com

Cristo não é algo exterior, baseada na simples imitação; aquilo que muda a nossa

vida é o fato que Jesus nos dá o seu Espírito, porque quer continuar a sua vida

conosco, ou melhor, em nós”.354 E, “para sermos livres em Cristo e libertados por

Cristo, devemos fazer a escolha fundamental de seguir o Mestre e de ouvir a sua

voz. A escolha da liberdade implica, intrínseca e fortemente, a fidelidade à opção

fundamental: colocar Cristo no centro da nossa vida”.355

Por isso, “é preciso estar no ‘seguimento’ do Mestre, como outros ‘Cristos’

vivos no momento presente. Neste sentido. os elementos fundamentais de uma

moral baseada no seguimento são: rejeição do moralismo, superação do

formalismo e do legalismo, primado do amor, vida com Cristo e em Cristo e,

sobretudo, personalismo segundo o qual a pessoa é relação com o tu. E age plena e

somente em relação com o Tu absoluto, Deus”.356

3.4.4. A Moral Renovada e a dinâmica da “resposta-chamado”

O personalismo é o princípio antropológico da Moral Renovada. O ser

humano é pessoa. Isto significa que é um ser inacabado, que se constrói e que se

realiza como sujeito, na relação com Deus, com os outros e com o mundo. O ser

humano, enquanto pessoa é essencialmente liberdade fundamental, numa tarefa de

realizar-se, e responsabilidade fundamental, na relação com Deus e com os outros

e diante de Deus e dos outros. Portanto, liberdade e responsabilidade constituem a

autonomia da consciência como categoria básica da Moral Renovada.357

Na síntese moral de Häring, a pessoa ocupa o lugar que, em outras sínteses,

como a do casuísmo legalista, ocupa a lei. Porém, o personalismo de Häring não é

existencialismo arbitrário, descontínuo e individualista. É um personalismo de

354 Cf. SALVODI, V. (Org.). Häring.Uma autobiografia à maneira de entrevista. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 42. 355 Cf. SALVODI, op. cit., p. 44. 356 Ibid., p. 38. 357 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana...,São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 38.

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responsabilidade, no qual se busca a síntese entre a pessoa individual e a

comunidade e no qual se pretende vencer as tentações do individualismo liberal e

do coletivismo marxista. É preciso destacar que a solidariedade é também uma

atitude correlativa ao personalismo de responsabilidade.358

Para Häring, a moral cristã não culmina no antropocentrismo, nem no

teocentrismo estranho ao mundo e sim na união sobrenatural do homem com Deus,

no diálogo, na “responsabilidade”.359 Como ele próprio afirma, “aqui se trata em

primeiro lugar da obediência da fé, isto é, da escuta sincera e dócil da palavra de

Deus, e do esforço de todos para prestar ouvidos e descobrir os sinais dos tempos.

A ética da responsabilidade concretiza-se e comprova-se na obediência e na escuta

recíproca”.360

A perspectiva básica da teologia moral de Häring está na integração da

atitude religiosa e da atitude ética na existência cristã. Desde sua tese de Doutorado

sobre “O sagrado e o bem”, Häring insiste continuamente que a moral cristã é uma

moral religiosa. Daí, entende que a vida ética do cristão é uma resposta responsável

ao chamado amoroso de Deus em Cristo.361

Häring desenvolve a sua reflexão moral baseada na existência concreta da

pessoa humana, na responsabilidade e no amor. Responsabilidade torna-se uma

palavra chave para a moral católica, no pós-Vaticano II. Trata-se da atitude do

cristão frente à sua existência no mundo e frente às estruturas e instituições. O

seguidor de Jesus Cristo não pode simplesmente conformar-se com os padrões e as

estruturas sociais, econômicas e políticas existentes. Mas, assumir uma maior

responsabilidade no seu agir humano, tornando o mundo e a vida mais humanos.

Também este deve ser o compromisso da Igreja.362

358 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, Madrid, vol. 74, p. 484. 1999. 359 Cf. SALVODI, V. (Org.). Häring.Uma autobiografia à maneira de entrevista. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 39. 360 Cf. HÄRING, B. É tudo ou nada: mudança de rumo na teologia moral e restauração. Aparecida: Santuário, 1995, p. 54-55. 361 Cf. VIDAL, M. op. cit., p. 483. 362 Cf. VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2000, p. 52; CURRAN, C. E. Catholic moral theology in dialogue. London: University of Notre Dame Press, 1976, p. 156-157; SALVODI, V. (Org.). Häring: Uma autobiografia à maneira de entrevista. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 35.

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Em algumas obras pós-conciliares, Häring ilustra de modo especial a visão

personalística e existencial da vida cristã, através da relação eu-tu-nós. A revelação

de Deus em Jesus Cristo dá o impulso decisivo para uma reflexão sobre o ser

pessoa e como ser de um “eu” aberto ao “tu”. A pessoa é irrepetível na sua

unicidade e na sua autonomia. O ser humano existe como pessoa na palavra e no

amor. Pois, para o personalista, Deus se manifesta na palavra e no amor.363

Neste sentido, o eu não poderia existir e encontrar a sua missão na palavra e

no amor “sem a relação ao tu e se não é interpelado de maneira decisiva daquele

que é simplesmente a plenitude da palavra e do amor”.364 O personalismo cristão

resplende no amor, não porém no amor como preceito mas no amor como dom.365

E refletindo sobre a relação dialógica entre Deus e as pessoas por meio de

Jesus, Häring está convencido de que Deus quer pessoas para ser co-criadoras e co-

artífices, não apenas executoras desanimadas de sua vontade. Em outras palavras,

Deus espera de cada pessoa, uma resposta criativa, não simplesmente como

cumpridoras mecânicas de normas.366

Para a Moral Renovada, antes de falar de obrigação é preciso mostrar a altura

da vocação cristã. Trata-se de uma vocação pessoal: cada um é chamado

individualmente pelo nome, e isto é único e insubstituível. Mas, esta mesma

vocação tem um caráter essencialmente comunitário. Ou seja, é recebida no seio da

comunidade e se orienta a serviço desta mesma comunidade.367

3.4.5. Moral Renovada e compromisso cristão

“O importante é deixar a solidariedade na perdição para entrar na

solidariedade da salvação”.368 Por isso, os discípulos e as discípulas de Cristo

363 Cf. BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p. 77. 364 Cf. HÄRING, B. Verso una teologia morale cristiana. 2. e., Roma: Paoline, 1968, p. 152. 365 Cf. BALOBAN, S. op. cit., p. 78. 366 Cf. VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2000, p. 58. 367 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 100. 368 Cf. HÄRING, B. É tudo ou nada: mudança de rumo na teologia moral e restauração. Aparecida: Santuário, 1995, p. 40.

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devem estar fascinados pelas bem-aventuranças e serem continuamente

encorajados a se deixarem entusiasmar por Cristo, que é o caminho, a verdade e a

vida. A marca distintiva do cristão, para Häring, deve ser a co-humanidade com

Cristo, desenvolvendo-se uma consciência de solidariedade com os outros, por

meio da experiência de fé.369

Não se trata só da minha liberdade, mas da liberdade de todos. Nós, no

seguimento do Servo não-violento de Deus, devemos viver em todos os planos

possíveis, a busca do amor que cura, liberta e reconcilia. E isto se consegue no

cultivo de uma comunidade eclesial, por meio de um clima de confiança recíproca

e de plena abertura.370

Esta é a verdadeira santidade do cristão: pôr-se a caminho com os outros,

incentivar o desejo de sermos misericordiosos como Deus Pai. A santidade da

Igreja consiste na vontade de viver como povo de Deus em contínua peregrinação.

Portanto, ser “simples como as pombas e astuto como as serpentes” não deve ser

uma tática ou uma estratégia, e sim a resposta que provém da consciência de fazer

parte de um povo que paulatinamente procura realizar a sua missão. Sermos como

quer o nosso batismo, profetas, sacerdotes e reis, no seguimento humilde e não-

violento do Servo de Deus.371

Este compromisso cristão só é possível, por meio de uma fé vivida na alegria

e na confiança, não no medo servil. A linha principal da teologia moral de Häring é

sempre cristocêntrica, eclesial e sacramental. Portanto, culto e vida moral não estão

separados, mas inter-relacionados, integrados.372

Na linguagem bíblica, a resposta humana ao chamado de Deus se dá por

meio de suas atitudes e de suas decisões. Daí a obrigação do cristão de trazer frutos

na caridade pela vida do mundo (cf. Optatam Totius 16). Obrigação não como um

imperativo que vem de fora, mas como conseqüência da vocação cristã. Trazer

frutos na caridade, por meio de uma fecunda experiência espiritual, na

solidariedade com o mundo que Deus criou e que foi redimido por Cristo. Portanto,

369 Cf. VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2000, p. 75. 370 Cf. HÄRING, B. op. cit, p. 41; SALVODI, V. (Org.). Häring: Uma autobiografia à maneira de entrevista. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 148. 371 Ibid., p. 45. 372 Cf. BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p. 80-81; SALVODI, V. (Org.). op. cit., p. 40 e 75.

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a moral, se quer servir verdadeiramente para a salvação do mundo, não deve nunca

perder de vista sua estrutura sacramental, eucarística, da vida cristã.373

Apresentaremos a seguir, a relação entre a Moral Renovada e o Concílio

Vaticano II.

3.4.6. A Moral Renovada e o Concilio Vaticano II

A teologia moral católica e o seu ensinamento moral, no período seguinte ao

Concílio Vaticano II, assume um rosto diferente daquele assumido pela teologia

pós-tridentina. Enquanto a teologia moral compilada entre os séculos XVII e XIX

se endereçava de preferência à função dos confessores, vindo concebida na

perspectiva da sua função de juiz e de fiscal espiritual, a visão do Concílio

Vaticano II é caracterizada pelo diálogo e pela acentuada pregação da boa-notícia

da vida em Cristo Jesus.374

Neste sentido, a renovação da moral se deu com uma ênfase maior na chave

bíblica e patrística, reforçando as bem-aventuranças e as virtudes e abandonando a

ênfase nas obrigações e no cumprimento da lei pela lei.375

O Concílio Vaticano II convida a Teologia Moral a não preocupar-se

somente com a ética normativa do comportamento, mas também de encorajar a

postura de uma vida moral sempre melhor. Com isso, a abertura propiciada pelo

Concílio permitiu uma série de superações:

- superação do eternismo, através do princípio da historicidade;

- a superação do pessimismo dualista pela recuperação da confiança no ser

humano;

- a superação do terror do pecado pela confiança na graça;

- a superação do legalismo pela valorização da Aliança;

373 Cf. HÄRING, B. La predicazione della morale dopo il Concilio. 2. e., Roma: Paoline, 1967, p. 12; VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2000, p. 80; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 100. 374 Cf. HÄRING, B., op. cit., p. 9. 375 Cf. MASET, A. B. Ley y conciencia: una aproximación a la renovación de la teología moral. Extrato de la tesis doctoral presentada en la Facultad de Teología de la Universidad de Navarra. In: Excerpta e dissertationibus in Sacra theologia. Pamplona: Pub. Univ. Navarra, 1997. p. 26.

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- a superação do privatismo, pelo valor atribuído às realidades terrestres.376

Embora o Concílio Vaticano II não tenha nenhum documento específico que

trate da Teologia Moral, torna-se suficiente recolher o espírito geral do Concílio

para elaborar uma profunda renovação nesta área. Nele, temos orientações precisas

sobre o modo de como se realizar isto. Partindo de sua própria experiência, Häring

afirmou: “quem compreendeu o Concilio julga impensável o retorno àquela

manualística dos milhares de pecados devidamente classificados e anotados”.377

Por um lado, o Concílio Vaticano II legitimou e favoreceu o confronto da

teologia moral com “os sinais dos tempos” (Cf. Gaudium et spes n. 4). Por outro,

constatou-se a necessidade de uma recuperação científica da teologia moral. Neste

propósito de uma Moral Renovada, os três fundamentos tornam-se: a vocação em

Cristo como princípio ontológico, a Sagrada Escritura como princípio cognitivo

mais importante e o testemunho da caridade como princípio operativo (Cf.

Optatam Totius 16). Numa moral da graça, diferente da moral jurídico-casuística

fundada sob a lei, o lugar central é ocupado não naquilo que o ser humano crê que

deve fazer de si, mas daquilo que o batizado permite que o próprio Cristo lhe

faça.378

3.4.7. Conclusão

Na Moral Renovada, a perspectiva cristocêntrica, inspirada na Sagrada

Escritura, passa a ser a alma da moral. Para Häring, a interpretação do Evangelho é

inseparável da vida e da história humana. Por outro lado, a pastoralidade é um

traço característico tanto da moral de Santo Alfonso como da moral de Häring.

Como vimos, a acentuada mudança de uma ética da obediência para uma

corajosa ética da responsabilidade cristã é um dos principais sinais da virada da

376 Cf. MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 44; PRIVITERA, S. Il rinnovamento della teologia morale fondamentale. Rivista di teologia morale. Bologna, n.137, p. 74. 2003. 377 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 99; HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Edit., 1990, p. 185. 378 Cf. ZIEGLER, J. G. Teologia morale e dottrina sociale cristiana. In: VORGRIMLER, H.; GUCHT, R. V. (a cura di) Bilancio della teologia del XX secolo. Vol. III, Roma: Città Nuova, 1972, p. 368; 373.

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Teologia Moral Renovada, determinada, sobretudo, pelo Concílio.379

A Bernhard Häring se deve a mudança de perspectiva da teologia moral: a

passagem de uma moral da lei para a moral do amor; do “tu deves” para o “tu

podes”; da obediência servil à alegria da liberdade e da fidelidade de filhos de

Deus. Por isso, é considerado um dos maiores inspiradores e líderes do período da

renovação da Teologia Moral na Igreja Católica.

A perspectiva básica da sua teologia moral está na integração da atitude

religiosa e da atitude ética na existência cristã. Sua reflexão moral é baseada na

existência concreta da pessoa humana, na responsabilidade e no amor. Pois, como

ele próprio afirma: “O importante é deixar a solidariedade na perdição para entrar

na solidariedade da salvação”.

Sintetizando, a renovação que Häring introduz na Moral católica se dá,

basicamente, por meio dos seguintes pontos: 1) a compreensão da vida cristã como

vocação, isto é, como “resposta” alegre ao “chamado” amoroso de Deus; 2) a

orientação cristológica do agir cristão, enquanto realização do seguimento de

Cristo; 3) a tonalidade personalista no modo de entender e de viver as exigências

da moral cristã numa dinâmica altruísta e solidária; 4) a perfeição como meta de

vida cristã, no entanto, levando em consideração aquilo que Santo Alfonso

denominava “a fragilidade da presente condição humana”.380

No entanto, a crítica que podemos fazer em relação à Moral Renovada é de

que ela apresenta ainda, certa visão ingênua da sociedade moderna. Pois, não dá

uma firme atenção aos conflitos sociais e à injustiça. Além disso, tem uma

concepção otimista do mundo, correndo o risco de se esquecer da realidade do mal

e do pecado. Por outro lado, o personalismo não tem uma perspectiva social que

pensa a partir das maiorias marginalizadas. O interlocutor da reflexão moral é a

pessoa humana moderna das sociedades abastadas. Esta reflexão vai se dar,

sobretudo, com o desenvolvimento das teologias da libertação.381

No capítulo a seguir, analisaremos a obra A lei de Cristo, de Bernhard

Häring, considerada um marco inovador da Teologia Moral, do período pré-

379 Cf. HÄRING, B. Minhas esperanças para a Igreja..., Aparecida: Santuário/São Paulo: Paulus, 1999. p. 47. 380 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: um renovador da moral católica. São Paulo: Paulus/ Aparecida: Santuário, 1999, p. 7-8. 381 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana..., São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 40.

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conciliar. Por questões metodológicas, teremos este capítulo mesmo após termos

tratado do Vaticano II. Isto porque, o nosso objetivo é fazer uma comparação desta

mesma obra com o seu segundo manual, Livres e fiéis em Cristo.

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164

3.5. A consciência moral em A Lei de Cristo 3.5.1. Introdução

Em 1954, Bernhard Häring publica a sua primeira obra fundamental: A Lei

de Cristo - Teologia Moral para Sacerdotes e Leigos (Das gesetz Christi -

Moraltheologie dargestellt für Priester und Laien. Freiburg: Erich Wewel, 1954,

1448 p.), oferecendo uma síntese de tudo o que havia sido produzido no

movimento renovador pré-conciliar que, por achar-se expresso em diversas obras e

artigos, não havia ainda sido reunido num conjunto coerente e sistemático. O eixo

central da obra é o seguimento de Jesus Cristo.382

A Lei de Cristo é considerada um divisor de águas, um manual de nova

concepção que recolhe e funde juntas, velhas e novas instâncias, sendo da primeira

fase do pensamento de Häring. Mesmo ainda preso aos esquemas tradicionais, o

autor opta seguramente por uma vocação cristã concebida como resposta concreta

da pessoa humana ao apelo de Deus em Cristo Jesus. Por isso, o manual é baseado

no tema do diálogo entre Deus e a pessoa humana. A moral não é nada mais que a

resposta humana ao chamado de Deus e à Lei de Cristo, ou seja, uma moral da

responsabilidade em Cristo.383

O objetivo de Häring nesta obra é de recolher o mais valioso da reflexão

precedente e dar-lhe uma sistematização, de uma maneira pastoral. Toda ela é

nutrida pela Sagrada Escritura e fundada pela antropologia da revelação e das

ciências humanas.384 Como ele próprio afirma, quer “que o cristão assuma a

responsabilidade de suas próprias ações que brotam da caridade, com fidelidade

corajosa à consciência sincera e sempre à busca da verdade. Tal concepção da

382 Cf. HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Edit., 1990, p. 7; QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p. 56. 383 Cf. PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares, 1992, p. 355-356; ANGELINI, G.; VALSECCHI, A. Disegno storico della teologia morale. Bologna: EDB, 1972, p. 175-176.PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante, 2003, p. 28; DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Città del Vaticano: Editrice Vaticana, 1996, p. 40. 384 Cf. VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. Madrid, Vol. 21, p. 491. 1998.

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teologia moral contribuiu e contribui muito à santificação individual e ao

crescimento da comunidade”.385

O clima cultural de referência de A Lei de Cristo é a escola de Tübingen,

universidade na qual estudou Bernhard Häring e da qual teve sempre uma grande

recordação. A grande tradição de escola teológica fundada sob a dinâmica da

relação Deus-pessoa humana, fé-história, fazia de Tübingen um centro de estudos

empenhado e sereno, onde a teologia dos centros romanos era, de alguma forma,

muito distante.386

3.5.2. Publicação

A Lei de Cristo é uma obra que foi preparada de 1947 a 1953 e publicada em

1954. Foi reeditada em sua língua original alemã até a 8ª. edição, traduzida em 14

idiomas e muitas vezes reeditada. Ela serviu para acender em escala mundial uma

nova reflexão no seio da Teologia Moral. Enquanto preparava os manuscritos da

obra, Häring realizava a compilação do Handbuch der katholischen Sittenlehere387.

Trata-se de um Handbuch composto de cinco livros, de autores que influenciaram

profundamente no seu fazer teológico moral.388

Entre 1954 e 1967, o programa de investigação de Bernhard Häring pode ser

considerado, de uma forma simplificada, expresso em torno às revisões de A Lei de

Cristo. 1967 é a data em que de algum modo se acaba a editoração em alemão da

385 HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Edit., 1990, p. 5-6. 386 Id. Fede, storia morale. Intervista di Gianni Licheri, Torino: Borla, 1989, p. 44; PARISI, F. Il valore della coscienza e dell’esperienza morale. Bari: Levante Edit., 2003, p. 35, n.22. 387 Composição do Handbuch der katholischen Sittenlehere (1947-1953): livros I e II: Die philosophische Grundlegung der kath. Sittenlehre, de Th. Steinbüchel (1888-1949); livro III: Die psychologischen Grundlagen der kath. Sittenlehre, de Th. Müncker (1880-1960); livro IV: Die Idee der Nachfolge Christi, de F. Tillmann (1874-1953); livro V: Die Verwirklichung der Nachfolge Christi, de F. Tillmann. 388 Cf. ZIEGLER, J. G. Teologia morale e dottrina sociale cristiana. In: VORGRIMLER, H.; GUCHT, R. V. Bilancio della teologia del XX secolo. Vol. III, Roma: Città Nuova, 1972, p. 363-364.VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos. Madrid, vol. 74, p. 468-469. 1999; PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana..., Milano: Ares, 1992, p. 355-356; GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después Del Concilio Vaticano II. Tesis Doctoral. Madrid: Univ. Pontif. Comillas de Madrid, 1994, p. 143.

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obra, quando ele se limitou a refundi-la sistematicamente, à luz das declarações e

do espírito do Concílio Vaticano II.389

Importa examinar a seqüência de edições alemãs: 1954 - edição original;

1955 - 2ª. edição revisada; 1956 - 3ª. edição revisada; 1956 - 4ª. edição revisada;

1957 - 5ª. edição revisada; 1961 - 6ª. edição ampliada e sistematicamente revisada;

1963 - 7ª. edição revisada; 1967 - 8ª. edição sistematicamente revisada.390

3.5.3. Acentos renovadores da obra

Apresentaremos a seguir, os pontos fundamentais da obra, com seus acentos

renovadores.

3.5.3.1. Fundamentação religiosa como caráter experiencial

Bernhard Häring coloca na origem de sua síntese teológico-moral o princípio

de que a moralidade cristã é parte integrante da religião. Conseqüentemente, a

estrutura fundamental da ética cristã tem uma estrutura dialogal, pois se trata de

um diálogo com Deus. Para se evitar que a doutrina moral cristã se transforme

numa verdade abstrata é necessário fundamentá-la nas experiências concretas da

fé. Dentro desta síntese de uma moral baseada na fé, Häring destaca a importância

da espiritualidade no esquema da Teologia Moral. Ele recusa decididamente que o

objeto da Moral sejam os pecados de uma forma exclusiva, e que as virtudes sejam

uma preocupação apenas da Espiritualidade. A Moral não é um compartimento

estanque dentro do corpo teológico.391

Por isso, Häring parte do mistério da salvação, que resume na palavra central

da Bíblia: basiléia - o Reino – que expressa tanto o domínio como o reinado de

389 Cf. HÄRING, B. Das gesetz Christi, 1967, vol. I, 8. e., Freiburg: Wewel, p. 9; GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después del Concilio Vaticano II. Tesis doctoral. Madrid: Univ. Pontif. Comillas de Madrid, 1994, p. 156-157. 390 Cf. BENZERATH, M. Bibliographie 1950-1977 (B. Häring). Studia moralia. Roma, n. 15, p. 13-30. 1977; GOMEZ MIER, V. op. cit., p. 154. 391 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos. Madrid, vol. 74, p. 470. jul-sep. 1999.

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167

Deus. Trata-se de um domínio e poder não pela força, mas pelo amor. “Reino do

amor de Deus” é a tradução dos textos bíblicos, repetida por Häring. Os mistérios

salvíficos (Paixão, Ressurreição, Ascensão, Pentecostes e Parusia) são para Häring

princípio e culminação de toda a Teologia Moral. Neste sentido, “a lei de Cristo” é

uma “lei da graça”. Uma Moral penetrada por Cristo não pode tolerar a

coisificação da graça. Trata-se de vida e uma vida penetrada por Cristo que, ao

vivificar o nosso ser, condiciona o nosso agir.392

Neste contexto, Häring integra em sua Moral a doutrina sobre os

sacramentos. Ele não enfoca os sacramentos do ponto de vista canônico, de sua

validez ou como uma série de obrigações para consigo mesmo. Não são também

meros meios da graça para a vida moral, como o insinuavam os catecismos com

seus planos de fé-mandamentos-sacramentos. Não são vistos simplesmente como

sete fontes que nutrem a vida cristã em suas diversas fases. Aqui se fala de Cristo

como Sacramento original, no qual se baseiam todos os sacramentos da Igreja em

seu conjunto.393

A Moral deve estar aberta para as alturas, lançada à santidade como suprema

meta e objetivo. Seu núcleo central deve ser o amor, tendo em vista conseguir o

“sede perfeitos como vosso Pai...”. Ele enfatiza o seguir Cristo na radicalidade. A

santidade não é um conselho dirigido à boa vontade de uns poucos, mas um

chamado comprometedor para todos os cristãos, ou melhor, para todas as pessoas,

como afirma mais tarde a Constituição Lumen gentium, nos n. 39-42.394

A Lei de Cristo dá um destaque especial às dimensões teologais e espirituais

da vida cristã. Além de dedicar uma grande parte à fundamentação religiosa da

moral cristã, o livro introduz no conteúdo da Moral, as realidades cristãs: a graça,

os sacramentos, a liturgia e a espiritualidade, sem cair num moralismo casuístico.395

392 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos. Madrid, vol. 74, p. 471. jul-sep. 1999. 393 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo. Vol. I: Moral Geral. São Paulo: Herder, 1960, p. 138-144 e vol. III: Moral Especial. São Paulo: Herder, 1960., p. 125-130. 394 Cf. VIDAL, M. op. cit., p. 471. 395 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos. Madrid, vol. 74, p. 465. jul-sep. 1999.

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168

3.5.3.2. A tonalidade cristológica A visão cristológica de Häring aparece fortemente confirmada na reflexão

sobre o dado escriturístico. A Sagrada Escritura aparece, assim, como uma das

duas fontes da teologia moral – a outra é a Tradição. A pessoa se descobre ser

intimamente ligada a Cristo, à sua pessoa, à sua palavra, graças aos dons do

Espírito Santo, e decide ativamente reproduzir a imagem de Cristo no mundo. Tal

imagem é aquela do filho desejoso de ser como o próprio Pai. Abandonada assim

toda forma de minimalismo, a moral filial fará com que a pessoa humana busque

conformar-se ao máximo ao modelo de Cristo.396

Cristo é de fato considerado como a manifestação plena da vontade do Pai e

do seu amor. Diante do apelo de Deus, mediante Cristo, a pessoa humana é

chamada a reproduzir no mundo a imagem do Filho, a ser filho pela graça. E é esta

a resposta humana para Deus. A possibilidade de tal diálogo se baseia sobre o fato

de que a pessoa humana é criada e redenta em Cristo (cf. Col 1,14ss). Portanto, o

homem histórico pode ser compreendido somente à luz de Cristo, porque Cristo é o

arquétipo segundo o qual nós somos criados e re-criados.397

Criação e redenção, segundo o testemunho bíblico, são os grandes âmbitos

dentre os quais se coloca a moralidade cristã. O tratado aparece assim

caracterizado por duas seções principais: a primeira que trata do “apelo de Cristo”,

a segunda que trata da “resposta humana”. Em tal perspectiva, a antropologia é

vista à luz da cristologia. Deste modo, a pessoa humana, chamada para o

seguimento de Cristo, pode compreender-se somente em razão d’Aquele que a

chama para reproduzir a Sua imagem no mundo.398

O manual coloca como texto bíblico na fachada de rosto, Rm 8,2: “A lei do

Espírito de vida em Cristo Jesus me libertou da lei do pecado e da morte”. Com

isso, podemos afirmar que a obra de Häring faz passar a apresentação da moral

cristã da lei ao espírito, da casuística à vida nova em Cristo. Dessa forma, todo o

396 Cf. DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 39-41. 397 Id. Ibid., p. 38. 398 Idem. p. 39-41.

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169

corpo da obra tem o objetivo de mostrar que a norma e o centro da Teologia Moral

cristã é o próprio Cristo. Pois, Ele é a nossa Lei.399

O título recolhe a orientação cristológica paulina: “A lei de Cristo” (Cf. Gal

6,2), uma lei entendida como vida. Ou seja, é o amor divino em Cristo que desce

pessoalmente sobre nós, e nos impulsiona do íntimo, a amar com Cristo e em

Cristo também o nosso próximo. “Lei da graça”, “lei da fé”, “primado do amor”,

todas estas verdades centrais hoje vêem repensadas sobre novas bases, a partir do

único centro, Cristo.400

A plataforma que gera e sustenta a vida moral cristã é a fé, expressa em seu

núcleo de Mistério da Salvação em Cristo. Ou seja, o mistério salvífico de Cristo é

o núcleo gerador e determinante de uma moral adjetivada de cristã. Porém, o mais

relevante de Cristo frente à Moral não é a sua lei, nem sequer a sua vontade, é seu

amor. Amor que salva e que interpela a todos. Por isso, o Mistério Pascal polariza

desde o princípio o projeto moral de Häring. A lei de Cristo é lei de graça que

infunde e condiciona a vida e o comportamento do fiel. Sem desprezar nem

esquecer o valor da lei, a vida do cristão se move guiada pelo dinamismo e pelo

estímulo da graça.401

3.5.3.3. Dimensão de chamado-resposta

Bernhard Häring não baseia sua Moral na idéia de autoperfeição pessoal,

como seu mestre Steinbüchel. Tão pouco no imperativo “salva a tua alma”. Muito

menos num imperativo categórico kantiano. Seu projeto teológico-moral se enraíza

na responsabilidade. Esta orientação dá à sua obra perenidade bíblica e, ao mesmo

tempo, atualidade.402

399 Cf. SALVOLDI, V. (Org.). Una entrevista autobiográfica. Madrid: San Pablo, 1998, p.47-48; BORDEAU, F.; DANET, A. Introduction to the Law of Christ. New York: The Mercier Press, 1966, p. 219-242; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos. Madrid, Vol. 74. p. 478. jul-sep. 1999. 400 Cf. HÄRING, B. Problemi attuali di teologia morale e pastorale. Vol. I, Roma: Paoline, 1965, p. 21; SALVOLDI, V. (Org.) op. cit., p.48. 401 Cf. QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p. 57. 402 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos. Madrid, vol. 74, p. 473. jul.-sep. 1999.

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170

O ser humano é uma pessoa que responde, ou seja, que tem

“responsabilidade”. Uma resposta que implica num chamado de Deus. Este

processo de inter-relação pessoal nos projeta, portanto, a uma resposta responsável

a Deus. O transcendente chamado divino, surgido do amor que se volta ao outro

como “tu”, se faz imanente ao inserir-se, por meio de Cristo, na história humana,

fazendo-a história de amor salvífico em ação. Por este mistério amoroso de

“encarnação”, adquirimos o sentido de nossa verdadeira dignidade como pessoas e

como irmãos e irmãs de todos. Adquirimos a nossa responsabilidade para com o

outro e com todo o Cosmos, saídos todos da Palavra criadora de Deus. A partir

desta idéia central da responsabilidade, se ramifica a Teologia Moral de Häring em

torno a dois grandes núcleos: o chamado de Cristo e a resposta humana.403

O ponto de partida da ética cristã é Cristo, que nos participa a sua vida e nos

chama para o seu seguimento. A Moral cristã é, conscientemente, Cristo-dialógica.

Criados por Deus e recriados em Cristo, trazemos a lei de Cristo – lei do amor –

em nós. Por isso, a Moral é acima de tudo uma resposta do ser humano ao

chamado de Deus.404

Cristo chama toda pessoa para o seu seguimento na liberdade e por meio da

consciência. Qual será a resposta a este chamado? Uma possibilidade é o “não”,

que se manifesta nas diversas formas de pecado. Encontramos primeiramente na

obra, no Título Primeiro da Segunda Parte do Volume I, a descrição da natureza do

pecado como recusa ao apelo de Cristo. E, a seguir, as distinções do pecado nas

suas diversas formas, especialmente os pecados capitais.405

Ao “não” se contrapõe o “sim”, como resposta ao chamado de Cristo. Ele

nos quer a conversão, dando-nos a possibilidade de realizá-la. O Título Segundo da

Segunda Parte do Volume I, sobre a conversão, é considerado o melhor da Moral

de Häring nesta obra, pelo seu enfoque bíblico, pela sua original fundamentação

em Cristo e pela relação que se estabelece entre a conversão e o Reino de Deus

(Mc 1,15). Aqui, a vida moral cristã aparece como individual, sacramental,

solidária e cultual. Conversão é o chamado bíblico para mudar o coração. É preciso

403 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo. Vol. I: Moral Geral. São Paulo: Herder, 1960, p. 96- 124. 404 Ibid. 405 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo. Vol. I: Moral Geral. São Paulo: Herder, 1960, p. 423-483; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos. Madrid, vol. 74, p. 475. jul.-sep. 1999.

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171

sempre uma contínua conversão, pelo fato de que a pessoa humana nunca responde

totalmente ao chamado de Deus, mas sempre tem uma queda.406

De modo revolucionário vem situada a liberdade humana, na Primeira Seção

do Capítulo Segundo da Primeira Parte do Volume I. A nova moral sustenta que se

deve insistir na liberdade mais que na simples obediência à lei e à autoridade. Não

são suficientes os imperativos, se requer motivos. Neste mundo firmado no

pluralismo, é urgente educar para a liberdade, insistindo no ponto de vista cristão

dos valores, no discernimento dos espíritos e na autonomia do ser pessoal.407

Para Häring, o problema fundamental da Moral cristã é sempre o mesmo:

“como poderemos corresponder ao imenso amor que Deus nos demonstrou em

Jesus Cristo?”408 A única resposta adequada da parte da pessoa humana é um amor

adorador e obediente, uma adoração amorosa.409

Portanto, a idéia fundamental da teologia moral de A Lei de Cristo é o

diálogo entre Cristo Redentor e a pessoa humana. Cristo, o Verbo encarnado, está

em meio a nós para revelar-nos a misericórdia de Deus Pai e, ao mesmo tempo, nos

pede uma resposta.410

A Moral não se apresenta como um antropocentrismo, mas também não

como um teocentrismo estranho ao mundo. Ela se origina essencialmente numa

comunhão de graça entre Deus e a pessoa humana, num diálogo de Palavra e

resposta que engendram a nossa “responsabilidade”. E é somente em Cristo que

nossa vida moral adquire o valor de resposta a Deus, porque Cristo é a Palavra e o

Verbo, no qual o Pai nos busca e nos chama. Nosso engajamento de amor no

seguimento de Cristo faz de nossa vida um eco, uma imagem e uma participação

da vida trinitária e do colóquio eterno sob a forma de Palavra e de resposta do

406 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo..., Vol. I , p. 485ss; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos. Vol. 74, p. 476. jul.-sep. 1999; HÄRING, B. “Conversion”. In: DELHAYE, P. et al. Pastoral treatment of sin. New York: Desclée, 1968, p. 91-92; CURRAN, C. E. Catholic moral theology in dialogue. London: Univ. of Notre Dame, 1976, p. 225. 407 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 66. 408 HÄRING, B. A Lei de Cristo, Vol. II: Moral Especial. São Paulo: Herder, 1960, p. 1. 409 Cf. BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p. 59. 410 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 3.

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172

Amor.411

3.5.3.4. Personalismo

Na Moral de Bernhard Häring, fé e vida sempre se encontram e se

complementam. Sua Teologia Moral tem muito de existencial. Não é algo que se

pode exercer, de forma neutra, sem se comprometer. A verdade é uma pessoa,

Jesus Cristo. Por isso, a Teologia não pode conformar-se em transmitir um sistema

doutrinal, sem que deva fazer presente Cristo que se concretiza nas pessoas

humanas.412

Por outro lado, o ser humano deve ser visto inserido na realidade do seu

“entorno social”: ambiente e comunidade, situado na sua dimensão histórico-

temporal. Isto porque a pessoa humana, na sua liberdade, não é um simples

expectador, mas um ator da história.413

O sujeito, levando em conta o passado, deve projetar-se para o futuro no

momento presente. Trata-se de uma natureza histórica dinâmica, que busca viver a

plenitude do compromisso da ética cristã, fazendo de sua própria história uma

“história de salvação”. E isto se realiza num processo com dimensão escatológica.

Não é algo que se conquista de uma vez por todas, mas que deve realizar-se passo

a passo, com a graça divina infundida na vida do cristão. Por isso, Häring enfatiza

o tempo presente como kairós, tempo favorável, momento oportuno para a

salvação. É também por isso que a Igreja deve avançar, sem medo das novidades.

Por meio de uma concepção integral de pessoa humana, surge o diálogo, que é

comunicação e encontro vivo de pessoas na palavra e no amor.414

Cristo chama cada pessoa humana, como pessoa individual e única e como

ser social, superando a dicotomia entre alma e corpo. É a pessoa humana que deve

411 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo. Tomo I: Moral Geral. São Paulo: Herder, 1960, p. 35. 412 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, Madrid, vol. 74, p. 471-472. jul.-sep. 1999. 413 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo. Vol. I: Moral Geral. São Paulo: Herder, 1960, p. 130-138; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 66. 414 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos. Madrid, vol. 74, p. 472-473. jul.-sep. 1999.

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ser salva, na sua totalidade, aberta ao “nós” da comunidade e ao mundo, segundo o

modo no qual nos apresenta a Bíblia.415

Se a verdade da fé cristã é a pessoa de Cristo, a Teologia deve manifestar sua

presença nas pessoas humanas. Superando uma Moral dos atos humanos, centrada

no objeto, Häring prefere centrar-se na pessoa, na complexa realidade do ser

humano. Por isso, busca e trabalha com uma antropologia que abrace um conceito

integral de pessoa, aberto à transcendência.416

Cristo nos chama, e escutamos o seu chamado não pela lei exterior

(legalismo), mas no interior da consciência (personalismo). Nós decidimos em

nossas consciências e, com responsabilidade, damos uma resposta a este chamado.

Neste sentido, a visão de Häring fica muito distante do extrinsecismo e do

juridicismo de uma Moral de atos, e se estabelece a base para uma Moral de maior

tom vital e teologal, personalista ou de atitudes. O que mais se destaca nesta Moral

é a relacionalidade ou o diálogo com responsabilidade do sujeito moral (a pessoa)

com Deus e com o próximo numa chave de resposta-seguimento. Ou seja, o

chamado-vocação pessoal de Deus em Cristo.417

Neste contexto cristológico-dialogal, o tema do pecado se apresenta não

tanto como a fria transgressão da lei, mas como a negação ou a debilidade na

resposta-seguimento responsável a Cristo. A conversão, tema novo com relação

aos manuais anteriores, realiza de modo positivo a recuperação da graça no

contexto do dinamismo da vida cristã com suas vicissitudes de infidelidade e

recuperação.418

3.5.4. A noção de consciência moral em A Lei de Cristo

A consciência é o órgão receptor do apelo de Cristo, conclamando-nos a

segui-Lo. É nesta região mais secreta do ser humano que ele percebe, em

definitivo, que sua existência mais profunda está vinculada a Cristo. A pessoa

415 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo. Vol. I: Moral Geral. São Paulo: Herder, 1960, p. 95-125; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 66. 416 Cf. QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET,1993, p. 58. 417 Ibid., p. 59. 418 Cf. QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II..., p. 59.

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humana ouve em seu coração a voz de Deus e do Bem. É imprescindível que ele

possua, para isso, um órgão e um sentimento próprios.419

Iluminada pela fé, a consciência torna-se, ela própria, um foco de luz. A

consciência é sempre considerada e compreendida do ponto de vista religioso,

partindo de Deus, sujeita a enfrentar o julgamento do juiz eterno. Agir segundo a

consciência, supõe que se tome em consideração não somente o que por si é lícito,

mas também as circunstâncias concretas e principalmente as conseqüências de

nossas ações em relação à salvação do próximo. Por isso, é necessário que a

consciência cristã seja, antes de tudo, sensível ao dever da caridade. 420

No Antigo Testamento, os termos “espírito”, “alma”, “entranhas” e

“coração” constituem o que chamamos de consciência, onde Deus “perscruta as

entranhas e os corações”. Por outro lado, o remorso causado pelo pecado perfura

dolorosamente o íntimo da pessoa humana (Cf. Is, 65,14; Jó 27,6). O Antigo

Testamento introduz sempre o fenômeno da consciência moral, relacionado com o

apelo que um Deus pessoal dirige ao ser humano. É o Senhor que fala na

consciência. No Novo Testamento, acentua-se a impossibilidade de fugir deste

olhar perscrutador da consciência (Cf. Mt 6, 23ss; Lc 11,33ss). Por outro lado,

acentua-se o fenômeno do obscurecimento da consciência. E mesmo no pecador,

no incrédulo e no pagão, a consciência moral existe. 421

A lei penetra até à mais íntima profundeza do coração humano, e este

coração, sempre inquieto, não cessa de nos impelir para Deus. O ser humano foi

criado para amar a Deus e o bem. Este destino é da essência mesma de sua

natureza.422

Ao fazer uma análise fenomenológica da consciência moral religiosa, B.

Häring acentua que:

O primeiro grito da consciência concentra-se no Eu (sem por isso se revestir de egoísmo). Simplesmente o Eu ferido grita. Mas logo que, movido pela primeira dor de sua consciência, o ser humano se abre novamente aos valores, não é mais só pela dor da ferida tão bruscamente aberta que ele chora os valores perdidos, mas é também pelo abalo que lhe causa o som da trombeta do Anjo do Juízo, que proclama altamente a sua rigorosa exigência. Sentença de condenação e apelo ao arrependimento misturam-se à dor do Eu dilacerado. Uma consciência que

419 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo. Vol. I: Moral Geral. São Paulo: Herder, 1960, p. 197-198. 420 Idem., p. 201-202. 421 Idem., p. 200-201. 422 Idem., p. 203.

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estremece em meio às dores, percebe com agudeza este apelo que a incita a seguir o bem, apelo que significa para ela uma sentença de vida ou de morte, conforme a decisão que ela adotar... Diferente é a situação na consciência moral sã (boa consciência). Assim como a pessoa humana que desfruta de boa saúde não pensa em suas forças, não obstante elas transbordarem de plenitude, também a pessoa humana voltada inteiramente para os valores, não pensa continuamente com uma reflexão atual, naquilo que o bem proporciona ao seu bem-estar espiritual, mas rejubila-se com o bem e pratica-o por amor.423 Tomada na origem de sua existência, a consciência moral é um fenômeno

religioso: só a semelhança divina gravada no ser humano pode proporcionar-nos a

sua última explicação. Aquele, porém, cujo orgulho não falseia a experiência de

sua consciência moral, discernirá com absoluta segurança, ao som da trombeta do

Anjo e da advertência à conversão, um Deus que chama e um Juiz.424

A consciência moral é a voz de Deus: Atrás do apelo da consciência vemos, em última análise, o Deus três vezes Santo. Por certo, não é mister que se veja em cada juízo da consciência uma intervenção de Deus. Não é por revelações imediatas, ao menos habitualmente, mas através de seus dons, que o Espírito Santo nos fala. Eles aguçam a sensibilidade da nossa consciência e lhe infundem a necessária perspicácia, para que à luz da revelação divina projetada sobre as circunstâncias possamos identificar com maior facilidade a vontade de Deus... Deus fala à consciência, mas fá-lo de tal maneira que não fica poupado o esforço de formarmos juízos corretos por nós mesmos. Permanece, pois, aberta a hipótese de formularmos juízos desacertados. Na sua qualidade de voz de Deus, a faculdade da consciência estimula-nos a agir segundo aquilo que conhecemos. Neste sentido ela é infalível. Mas, o juízo como tal, pode ser defeituoso, e suas determinações emanadas da inteligência, podem ser errôneas. 425 Por outro lado, A característica mais própria da consciência é estimular a concordância da vontade com a verdade conhecida e impeli-la a procurar a verdade antes de tomar uma decisão. Assim, a consciência é verdade objetiva ou, em outros termos: consciência e autoridade de Deus que nos guia, prestam-se mútuo apoio. A própria consciência requer ensinamento e guia. Já na harmonia da criação e, sobretudo na plenitude maravilhosa de Cristo e de seu Santo Espírito que instruem a Igreja e pelos quais a Igreja nos instrui, encontra a consciência luz e direção. Para qualquer um a consciência é a suprema norma subjetiva de sua atuação moral; mas esta norma deve, por sua vez, conformar-se a uma norma objetiva. Para ser reta e autêntica, deve ela procurar por si mesma a sua norma no mundo objetivo da verdade. 426

Em relação à consciência e à autoridade eclesiástica, Häring afirma que “o

dogma da infalibilidade da Igreja (ou do Papa) em nada fere a função da

423 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo..., p. 208-209. 424 Idem., p. 210-211. 425 Idem., p. 211-212. 426 Idem. p. 212-213.

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consciência moral, mas ao contrário, garante-lhe uma orientação segura nas

questões fundamentais e decisivas. Ademais, uma justa determinação da

infalibilidade eclesiástica indica a esfera, no interior da qual a consciência moral

recebe uma direção absolutamente segura, o terreno, no qual a consciência e a

autoridade não infalível, embora autêntica da Igreja, podem entrar em conflito”.427

Ao mesmo tempo, “a consciência acha-se duplamente vinculada à autoridade

civil. É uma autoridade legítima de conformidade com a lei natural, a qual

confirma e determina a revelação sobrenatural. Em muitíssimos casos, a

consciência necessita do concurso da sociedade e da autoridade social para

conseguir um juízo bem fundamentado”.428

Quanto à liberdade da consciência moral, Não se pode falar de liberdade absoluta para a consciência, uma vez que, longe de eximir da lei, ela tem, ao contrário, a finalidade de vincular à lei do bem. Sem dúvida, cada um deve obedecer à sua consciência, isto é, fazer o bem que sua consciência, após um sincero exame, lhe indica como obrigatório. Mas existem princípios morais que todos devem conhecer. Ninguém pode apelar para a própria consciência para justificar-lhes a transgressão. Um dos maiores males de nosso tempo está em que os povos só reconhecem um número muito restrito de princípios gerais em moral. Em conseqüência disto, prepondera uma margem exagerada de liberdade a consciência culpadamente errôneas e cientemente más. O Estado tem o dever de garantir a liberdade à consciência sã e boa, mas não a licença à consciência má. Caso contrário, verificar-se-á inevitavelmente, que os bons acabam sendo submetidos à violência dos maus. 429 Para a formação da consciência, A pessoa prudente e cônscia de suas limitações, saberá investigar e tomar conselhos; valorizará espontaneamente a submissão devida ao Magistério eclesiástico, e, acima de tudo, será humilde e dócil ao Espírito Santo. Esse é o caminho que nos leva à prática da virtude da prudência e ao exercício dos dons a ela correspondentes... O dinamismo da consciência encontra-se particularmente ameaçado no tipo de pessoa fraca que se compraz em considerar o bem ideal, mas na prática não assume nenhum compromisso com ele. É de grande importância para a cultura de uma consciência íntegra, estudarmos não somente os mandamentos e sobretudo o Bem no seu valor ‘em si’, mas de maneira semelhante ou mesmo preferencial, no apelo que eles nos dirigem. A ruína infalível da consciência é causada, antes de tudo, pela desobediência habitual e voluntária às suas exigências e pelas faltas multiplicadas sem nenhuma contrição.430

Quanto à consciência errônea, para Häring,: 427 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo. Vol. I: Moral Geral. São Paulo: Herder, 1960, p. 213. 428 Idem., p. 214. 429 Idem., p. 215. 430 Idem., p. 216-217.

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A consciência, faculdade de nossa ‘unidade ternária’, pela qual somos criados à imagem de Deus-Trindade, pode, sem dúvida, obscurecer-se e embotar-se. Nossa inteligência, que deve orientar-se pelo mundo objetivo, pode enganar-se. Não sendo intuitiva, ela depende da lentidão das informações, da pressão dos fatores sociais, das opiniões pré-fabricadas e encontra-se, portanto, sujeita à ignorância e ao erro. Porém, todo o dinamismo são da consciência tende a efetuar o que é reconhecido como o bem. .. A consciência deve ser sempre respeitada. Mas o veredicto culpavelmente errado não é um verdadeiro veredicto de consciência. Importa respeitá-lo o suficiente para não se chegar a violá-lo, ou melhor, respeitar nele a imagem que ele usurpa. Mas é necessário possuir grande amor à consciência no que ela tem de mais profundo e não se contentar com esta caricatura da consciência. Não se deve, pois, admitir como norma de vida moral este veredicto errôneo, e sim purificar a fonte donde ele jorra e obviar por este meio todo obscurecimento culpável da consciência.431 Ao falar de consciência perplexa, Häring afirma que “diante do dever de

tomar uma decisão a consciência não vê meio algum de evitar o pecado, seja qual

for o partido que ela se inclina a adotar”. Já a consciência laxa “resulta

habitualmente de uma grande tibieza no serviço de Deus”. E com relação à

consciência escrupulosa: “O escrúpulo é uma incerteza doentia que afeta o juízo

moral. O escrupuloso vive perturbado por um medo constante de pecar. Vê em

toda a parte deveres e perigos que ameaçam induzi-lo a pecar gravemente. A

norma capital para o escrupuloso é obedecer incondicionalmente ao confessor,

porque a consciência escrupulosa é uma consciência doente e tem absoluta

necessidade de guia e de médico”. 432

Por fim, Häring nos diz que: “A fonte mais comum de nossos erros e de

nossas incertezas é a ignorância mais ou menos culpável das coisas religiosas e

morais... Uma consciência moral suficientemente madura não escolherá

inconsideradamente o caminho mais fácil. Ela saberá atender à voz da graça e da

‘situação’ e enfrentar as asperezas de um compromisso que exija maior coragem,

toda vez que uma atitude lhe pareça consultar melhor os interesses do Reino de

Deus”. 433

431 Cf. HÄRING, B. A Lei de Cristo. Vol. I..., p. 222-223; 227. 432 Idem., p. 228-230. 433 Idem., p. 232; 237-238.

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3.5.5. Méritos da obra

Para a escola romana pré-conciliar dominava a perspectiva legalista (o legal

é norma para a moral), afirmando que a lei eclesiástica obriga em consciência. Em

1953, Bernhard Häring terminava os manuscritos de A Lei de Cristo, onde o

sintagma “lei de Cristo” significava “lei do Espírito que dá vida em Cristo Jesus”

(Cf. Rom 8,2). Portanto, ele já estava aberto ao personalismo e,

conseqüentemente, à inviolabilidade da consciência. Com esta obra, Häring realiza

a passagem do legalismo casuístico para o personalismo dos valores, de inspiração

bíblica e cristológica. Dessa forma, ocorre um impulso decisivo na renovação da

Teologia Moral.434

É por todos hoje reconhecido que a publicação, em 1954, de A Lei de Cristo

constitui uma etapa decisiva para a renovação da Teologia Moral com um rosto

mais claramente teológico, articulando-a à luz das grandes categorias bíblicas e

sublinhando a positividade da resposta do fiel à graça. A obra tem um ar distinto

daquele que se respirava nos manuais da casuística. A tonalidade cristológica

onipresente, onde o título recolhe a orientação paulina de Gal 6,2 (a lei de Cristo),

nos traz uma lei entendida como vida e vida de amor.435

Portanto, A Lei de Cristo é uma obra que marca a linha divisória entre a

etapa casuística e a etapa da Moral Renovada. O acontecimento editorial da obra

demonstra a evidente obsolescência em que se encontravam os manuais latinos de

Teologia Moral, de acordo com as escolas dos centros romanos, na década anterior

ao Concilio Vaticano II.436

434 Cf. GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después Del Concilio Vaticano II. Tesis Doctoral. Madrid: Univ. Pontif. Comillas, 1994, p. 160; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. Madrid, vol. 21, p. 492. 1998; Id., Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, vol. 74..., p. 478; ROSSI, G. Due nuovi manuali di Teologia Morale. Rassegna di teologia. n. 21, p. 85. 435 Cf. MAJORANO, S. Bernhard Häring: libero e fedele. Il Regno. Bologna, n. 819, ano XLIII, p. 504. 1998; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica... p. 492. 436 Cf. ROQUETE, J. C. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum. Sevilla, vol. 6, n. 11, p. 61. 1997.

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A obra preparou o caminho para a renovação conciliar e pós-conciliar. Trata-

se do primeiro manual completo de Teologia Moral que propõe responder tanto à

“insatisfação” produzida pela moral casuística, como às aspirações de renovação.

Ao converter-se em texto-base de Teologia Moral em muitos Seminários e

institutos teológicos católicos, durante quase duas décadas, é um fator decisivo de

mudança da mentalidade católica no campo da Moral.437

Outro elemento importante em A Lei de Cristo é a separação clara e

premeditada entre Moral e Direito.438 Como Häring afirma na obra: “Que não

procure neste livro exposições substanciais de Direito canônico ou Direito civil.

Omitimo-las deliberadamente, para evitar de equiparar o Direito à Moral e,

sobretudo, de reduzir a Teologia Moral ao Direito”.439

Aqui, ele compreende e expõe a vida moral cristã como “vocação”. Daí

introduzir o esquema chamado-resposta, para nele organizar todos os elementos de

comportamento moral cristão. Apenas por esta inovação, pode ser considerado

como uma apresentação da moral cristã, ou seja, uma “alternativa” às que

ofereciam os manuais de moral casuística. À luz do esquema de chamado-resposta,

as realidades básicas da vida moral cristã (responsabilidade, consciência, pecado,

conversão) trazem uma dimensão nova, que estava ausente na moral casuística. 440

O autor, Häring, e a obra são símbolos da Moral Renovada. Pois, significam

uma mudança de orientação na Teologia Moral antes, inclusive, do Concilio. Por

outro lado, A Lei de Cristo pode ser considerado também como um grande tratado

de espiritualidade e de teologia pastoral. O primeiro papel desenvolvido pelo

437 Cf. VIDAL, M. Moral de Actutides, vol. I: Moral Fundamental. 6. e., Madrid: OS Edit., 1990, 128-131; Id., Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, vol. 74…, p. 477; Id., Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 77; QUREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p.62; SALVOLDI, V. (Org.). Una entrevista autobiográfica. Madrid: San Pablo, 1998, p.44; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, vol. 74…, p. 477. 438 Cf. ROQUETE, J. C. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum. Sevilla, vol. 6, n. 11, p. 61-62, 1997; GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después Del Concilio Vaticano II. Tesis Doctoral. Madrid: Unives. Pontif. Comillas de Madrid, 1994, p. 160-161. 439 HÄRING, B. A Lei de Cristo. Vol. I: Moral Peral. São Paulo: Herder, 1960, p. 4. 440 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental… p. 478-479; GOMEZ MIER, V. op. cit., p. 144; SCHURR, V.; VIDAL, M. Bernhard Häring y su nueva teologia moral catolica. Madrid: PS Edit., 1989, p. 32-44; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. Madrid., vol. 21, p. 489-490 e 493. 1998,; LORENZETTI, L. In ricordo di Bernhard Haering: una vita per la morale cattolica. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 117, p. 341, gen.-mar. 1998; HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia, Madrid: PS Edit., 1990, p. 5.

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manual, o seu primeiro significado, foi o de servir de ponte entre a moral casuística

e a moral renovada.441

A importância desta obra de Häring, sobretudo tendo presente a situação

teológica e em especial a Teologia Moral que precedeu o Vaticano II, é que

apresenta uma moral cristocêntrica, na qual Häring é capaz de recolher as diversas

propostas de Teologia Moral realizadas antes do Concílio, e sistematizá-las, dando

uma visão própria, onde propõe a responsabilidade como fundamento da moral

cristã, tendo em vista o seguimento de Cristo, o amor a Deus e ao próximo e o

Reino de Deus.442

A lei de Cristo é essencialmente a “lei do espírito de vida em Cristo Jesus”

(Cf. Rom 8,2), o Espírito o qual o Senhor nos dá o desejo de moldar a vida de

Jesus em nós. A lei de Cristo é a lei da graça, e não uma graça impessoal (um tipo

de fluido que emana de Deus), mas uma rede de relações com pessoas. Na sua

benevolência, o Pai nos chama e nos salva em Cristo Jesus, através do Espírito de

Amor. Na graça somos sempre uma nova criatura em Cristo, que nos impulsiona a

viver conforme Cristo, por meio de uma livre cooperação de nossa parte.443

Häring é também um dos primeiros teólogos que teve a coragem de iniciar

um manual formal de Teologia Moral destinado aos clérigos e leigos. Foi uma

coisa surpreendente na época, num período em que o laicato era visto de uma

forma passiva na Igreja: o rebanho a ser apascentado, instruído e santificado.

Häring busca mostrar a importância e a missão dos leigos na Igreja.444

De acordo com L. Vereecke: “O manual pode considerar-se como uma

síntese dos princípios que se foram expressando nas numerosas publicações

(anteriores): imitação de Cristo, reino de Deus, primado da caridade... O grande

441 Cf. VIDAL, M. Moral de Actitudes. Tomo I: Moral Fundamental. 6. e. Madrid: OS Edit., 1990, p. 130; HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Edit., 1990, p. 5 e 7; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia. Madrid, vol. 21, p. 489, 1998,; VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB. 1999, p. 77. 442 Cf. BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: V.V.A.A. Chiamati alla libertà: sagi di teologia morale in onore di Bernhard Häring. Roma: Paoline, 1980, p. 384; BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad Doctoratum, Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p. 64. 443 Cf. BORDEAU, F.; DANET, A. Introduction to the Law of Christ. New York: The Mercier Press, 1966, p. 8 e 223. 444 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 159.

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mérito de B. Häring é ter divulgado a nível de manuais, os principais resultados

das investigações da teologia moral amadurecidas, sobretudo na Alemanha de 1920

a 1950”.445

Como afirmou Yves Congar, o manual de Bernhard Häring teve o mérito de

“fazer convergir e fazer amadurecer” as insatisfações ante a moral casuística, assim

como os desejos de uma renovação neste campo importante da teologia e da

pastoral.446

Para Marciano Vidal, “esta é certamente a obra mais importante e famosa de

Bernhard Häring, porque se existe, e ainda perdura, na Igreja o ‘fenômeno Häring’,

isto se deve ao impacto apresentado por A Lei de Cristo” .447

No entanto, A Lei de Cristo não abandona o plano geral dos manuais da

casuística. Neste seu primeiro manual, Häring ainda revela um determinado

caráter de modelo de lei, mesmo que compreendido numa dinâmica, em termos de

lei de Cristo. Alguns temas, como a lei e, em parte, as virtudes, mantêm

continuidade com os tradicionais manuais alfonsianos. Por outro lado, a obra

deixa a desejar do ponto de vista da organicidade e do rigor científico. Ao mesmo

tempo, Häring trata das questões sócio-comunitárias com certa timidez. A obra

aparece, tanto do ponto de vista bíblico, quanto filosófico, mais eclética que

sintética. 448

3.5.6. Conclusão

O eixo central da obra A lei de Cristo, de Bernhard Häring, é o seguimento

de Jesus Cristo. Nela, a moral não é nada mais que a resposta humana ao chamado

de Deus e à Lei de Cristo, ou seja, uma moral da responsabilidade em Cristo.

445 VEREECKE, L. Historia de la teología moral. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.). Nuevo dicionario de Teologia Moral. Madrid: Paulinas, 1992, p. 841. 446 CONGAR, Y. Réflexion et propos sur l’originalité d’une éthique chrétienne, Studia moralia. Roma, n. XV, p. 31-32. 1977. 447 VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica. Bologna: EDB, 1999, p. 51. 448 Cf. VEREECKE, L. Historia de la teología moral. In: COMPAGNONI, F.; PIANA, G.; PRIVITERA, S. (dirs.). op. cit., p. 841; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, vol. 74..., p. 477; QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: EST, 1993, p. 56; ANGELINI, G.; VALSECCHI, A. Disegno storico della teologia morale. Bologna: EDB, 1972, p. 176.

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Häring parte do mistério da salvação, que se resume na palavra central da Bíblia:

basiléia – o “Reino do amor de Deus”. Neste sentido, a “lei de Cristo” é uma “lei

da graça”. Além de dedicar uma grande parte à fundamentação religiosa da moral

cristã, o livro introduz no conteúdo da Moral, as realidades cristãs: a graça, os

sacramentos, a liturgia e a espiritualidade, sem cair num moralismo casuístico.

O manual coloca como texto bíblico na fachada de rosto, Rm 8,2: “A lei do

Espírito de vida em Cristo Jesus me libertou da lei do pecado e da morte”. Com

isso, podemos afirmar que a obra de Häring faz passar a apresentação da moral

cristã da lei ao espírito, da casuística à vida nova em Cristo. Dessa forma, todo o

corpo da obra tem o objetivo de mostrar que a norma e o centro da Teologia Moral

cristã é o próprio Cristo. Portanto, a moral cristã é, conscientemente, Cristo-

dialógica. Pois, criados por Deus e recriados em Cristo, trazemos a lei de Cristo –

lei do amor – em nós.

Cristo chama toda pessoa para o seu seguimento na liberdade e por meio da

consciência. Nesta obra, de modo revolucionário, vem situada a liberdade humana.

A nova moral sustenta que se deve insistir na liberdade mais que na simples

obediência à lei e à autoridade. Neste mundo firmado no pluralismo, é urgente

educar para a liberdade, insistindo no ponto de vida cristão dos valores, no

discernimento dos espíritos e na autonomia do ser pessoal.

Para Häring, o problema fundamental da Moral cristã é sempre o mesmo:

“como poderemos corresponder ao imenso amor que Deus nos demonstrou em

Jesus Cristo?”. A única resposta adequada da parte da pessoa humana é um amor

adorador e obediente, uma adoração amorosa. Portanto, a idéia fundamental da

teologia moral é A Lei de Cristo é o diálogo entre Cristo Redentor e a pessoa

humana. E, superando uma Moral dos atos humanos, centrada no objeto, Häring

prefere centrar-se na pessoa, na complexa realidade do ser humano.

Em 1953, Bernhard Häring terminava os manuscritos de A Lei de Cristo,

onde o sintagma “lei de Cristo” significa “lei do Espírito que dá vida em Cristo

Jesus” (Cf. Rom 8,2). Portanto, ele já estava aberto ao personalismo e,

consequentemente, à inviolabilidade da consciência. Dessa forma, ocorre um

impulso decisivo na renovação da Teologia Moral. Trata-se do primeiro manual

completo que propõe responder tanto à “insatisfação” produzida pela moral

casuística, como às aspirações de renovação.

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Ao converter-se em texto base de Teologia Moral em muitos Seminários e

institutos teológicos católicos, durante quase duas décadas, é um fator decisivo de

mudança de mentalidade católica no campo da Moral. À luz do esquema de

chamado-resposta, as realidades básicas da vida moral cristã trazem uma dimensão

nova, que estava ausente na moral casuística. Portanto, o autor, Häring, e a obra

são símbolos da Moral Renovada. Pois, significam uma mudança de orientação na

Teologia Moral, inclusive antes do Concílio.

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184

3.6. A noção de consciência moral em Livres e fiéis em Cristo

3.6.1. Introdução

O tema básico e fundamental desta nova obra é a responsabilidade do cristão

no seguimento de Jesus, que se deve realizar por meio da liberdade e da fidelidade

criativas. Daí o motivo do título: Livres e Fiéis em Cristo.449 A liberdade cristã,

particularmente como descrita pelo Apóstolo dos Gentios, é a chave de leitura

bíblica da Teologia Moral de Häring. Por isso, o verso introdutório do frontispício

da obra: “É para a liberdade que Cristo nos libertou” (Cf. Gal 5,1). Elaborada entre

1978 e 1981, Livres e Fiéis em Cristo tem três volumes, com os seguintes temas:

Volume I – Teologia Moral Geral; volume II - A verdade vos fará livres (Cf. Jo

8,32) e Volume III - Luz para o mundo (Cf. Mt 5,14).450

Para o surgimento da obra, contribuíram de forma decisiva a experiência dos

acontecimentos do pós-Vaticano II (entre os anos de 1968 e 1973), assim como o

trabalho de Häring nos Estados Unidos, que ampliaram a sua visão acerca da

revolução disciplinar implícita nos textos do Concílio. Certamente, o Vaticano II

iniciou uma nova etapa na história da Igreja e colocou a todos, inclusive o nosso

autor Häring, num “processo de aprendizagem”. Neste sentido, a obra foi escrita,

buscando valorizar o dom do discernimento e a leitura dos sinais dos tempos.451

449 Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, 492 p.; Vol. II. London: St. Paul Pub., 1979. 580 p.; Vol. III. London: St. Paul Pub., 1981. 438 p. 450 Cf. BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p. 83-84; CLARK, M. The major scriptural themes in the moral theology of Father Bernhard Häring. Part I. Studia moralia. Roma, n. 30, p. 15. 1992. 451 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 7; LORENZETTI, L. In ricordo di Bernhard Haering: una vita per la morale cattolica. Rivista di teologia morale. Bologna, n. 117, 1998, p. 342; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos..., p. 482; MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring..., p. 4; ROQUETE, J. C. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum. Sevilla, vol. 6, n. 11, p. 64. 1997; BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: BERETTA, P. (a cura di). Chiamati alla libertà..., p. 389; GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después Del Concilio Vaticano II. Tesis Doctoral. Madrid: Univ. Pontif. Comillas, 1994, p. 157-159.

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O volume I expressa uma profunda convicção do autor que percorre em

todas as suas obras: a intrínseca conexão entre Religião e Moral. Uma Moral que

deve ser expressa nas atitudes do dia-a-dia. Neste volume, Häring busca expor os

fundamentos de uma moral cristã baseada na Sagrada Escritura, na tradição moral

católica e no patrimônio teológico da fé. Sem dúvida, aqui se encontram as suas

melhores contribuições.452

Os volumes II e III são dedicados à chamada Moral Especial (ou concreta,

setorial). A contribuição mais valiosa de Häring está em atrever-se a expor os

temas clássicos da Teologia Moral de uma forma renovada. Por outro lado, ele

introduz outros temas novos como a beleza, a arte, os meios de comunicação

social, a opinião pública, a evangelização, o ecumenismo, o ateísmo e a ecologia.453

Originalmente, a obra foi escrita em inglês porque Häring vinha ministrando

cursos de Teologia Moral nos Estados Unidos. Isto permitia que ele fizesse um

confronto entre suas idéias de especialista centro-europeu e os diversos auditórios

de outro povo anglo-saxão. O próprio Häring afirma na introdução do livro:

“Escrevo ainda como homem de cultura européia e de experiência norte-

americana”.454

Enquanto escrevia em inglês, ele foi reescrevendo todo o texto em alemão.

Assim diz Häring na introdução do livro em alemão: “Eu não queria que

aparecesse em alemão como uma tradução... eu próprio me encarreguei da redação

em alemão, e por certo, com a liberdade necessária para atender às peculiaridades

do âmbito lingüístico alemão”.455

A partir daí, Livres e Fiéis em Cristo foi traduzida para diversas línguas. Não

se trata de uma síntese da obra anterior, mas de uma nova e distinta, como o

próprio Häring afirmou.456

452 Cf. ROQUETE, J. C., “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum..., p. 67; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos..., p. 486; QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p. 314-315. 453 Cf. VIDAL, M. op. cit., p. 487. 454 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 1. 455 Id. Frei in Christus: moraltheologie für die Praxis des christlichen Lebens. Band I. Freiburg-Basel-Wien: Verlag Herder, 1979, p. 7. 456 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ…, p. 1; BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring..., p. 82; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos. Madrid, Vol. 74, p. 480. jul-sep. 1999.

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186

3.6.2. Temas relevantes

Dentro da dinâmica da obra, o problema da consciência constitui um

conceito chave numa moral da responsabilidade e da fidelidade criativa. Häring

sustenta que não devemos nos preocupar em primeiro lugar, com a decisão

individual da consciência, que é também relevante, mas a santidade e o

desenvolvimento da consciência como fundo estável, com a formação de uma

consciência madura e sadia. A este propósito ele combate, com o mesmo empenho,

tanto contra o individualismo quanto contra a tendência totalitarista das

instituições. Para percebermos isto, apresentaremos a seguir, os temas relevantes

abordados na obra, bem como as suas contribuições para uma Moral Renovada.

3.6.2.1. Antropologia moral

A Teologia Moral de Häring é centrada na pessoa que responde do seu

coração, numa liberdade criativa e numa fidelidade, ao chamado de Deus. Ao

mesmo tempo, reconhece a dimensão comunional, social, histórica e cósmica da

pessoa humana. Destaca-se a ênfase na opção fundamental, nas atitudes básicas,

nas disposições da pessoa, no caráter e na consciência. Häring insiste na vocação

universal do cristão para a perfeição, onde cada um é chamado à plenitude, por

meio do Batismo. Ele tem também a preocupação de recuperar e defender um

conceito bíblico do mundo. Pois este é, acima de tudo, produto do Deus Criador e

o lugar da liberdade e da responsabilidade do ser humano livre.457

Com uma visão antropológica de cunho personalista, continua fiel aos

parâmetros de suas obras anteriores, ampliados e aprofundados agora em seus

aspectos comunitários e, mesmo que timidamente, políticos. Fica definitivamente

superada uma visão da Moral baseada na exterioridade dos atos, para adentrar-se

457 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ…, p. 59-163;VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos. Madrid, Vol. 74, p. 486. jul-sep. 1999; QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p. 315-316; CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia. Roma, p. 148-152 e 164. 1982.

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187

numa antropologia de pretensão mais integrada e integral da pessoa humana. Na

convergência de ambos os fundamentos, se forja a figura moral básica do fiel: a

opção fundamental do cristão no seguimento/discipulado de Cristo na liberdade, na

fidelidade e na responsabilidade.458

Na sua antropologia, Häring afirma que: Nota peculiar do ser humano é que ele tenha história, ele é história e faz história. Os animais carecem deste tipo de memória e de consciência que permite fazer história. O indivíduo humano e a comunidade humana têm memória... somos conscientes do desenvolvimento e do declínio das culturas. Além disso, vemos a consciência da pessoa humana numa perspectiva de psicologia evolutiva.459 Portanto, a sua antropologia moral tem uma visão integral personalista e é

centrada, sobretudo na análise da responsabilidade e da liberdade, com um fundo

cristológico. Estes temas são apresentados especificamente nos capítulos III

(“Liberdade e fidelidade na responsabilidade”) e IV (“Criado e re-criado pela

liberdade e para a liberdade em Cristo”), com uma visão original, viva e atual das

bases antropológicas do comportamento moral. O personalismo que ele propõe é

um personalismo que põe cada um de nós em confronto com Deus, com as outras

pessoas e com toda a criação. O centro principal refere-se à pessoa humana, na

reciprocidade das consciências.460

3.6.2.2. Liberdade, responsabilidade e fidelidade criativa

A liberdade é uma das grandes preocupações de Häring. Somente sendo livre

é que se pode ser responsável. Por outro lado, a liberdade faz parte do conteúdo

básico da libertação cristã. A liberdade na qual pensa Häring é vinculada à

fidelidade. Não é verdadeiro como alguns sustentam que a liberdade humana

contradiz a fidelidade a Cristo. Em Cristo, esta presumida contradição vive uma

harmonização exemplar para todo cristão. A uma obediência cega e a um fim

moral, Bernhard Häring contrapõe uma moral da consciência livre e fiel. É uma

458 QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p. 315. 459 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, p. 325. 460 Cf. CURRAN, C. E. Catholic moral theology in dialogue. London: Univ. of Notre Dame Press, 1972, p. 32

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liberdade fiel a Cristo, que é a liberdade encarnada e nosso libertador.461 Como

Häring afirma: “Sempre que penso ou falo sobre a liberdade, brota em meu

coração a palavra ‘fidelidade’ a Cristo”.462

Ser livre significa também ser fiel a si mesmo. Häring, todavia insiste em

primeiro lugar na fidelidade a Deus, que com a sua palavra criadora nos chama a si

e, ao mesmo tempo, nos chama a sermos fiéis a nós mesmos. Somente vendo

Cristo e ao nosso ser-chamado a viver “em Cristo”, nós descobrimos que coisas

sejam, em última análise, a liberdade e a fidelidade.463

Como diz o próprio título, liberdade e fidelidade constituem o leitmotiv, o

motivo condutor desta obra. A minha liberdade demonstra ser um dom de Cristo

somente quando se torna fiel à lei da vida: a vida em Cristo; quando é fiel à

herança do passado; quando é fiel à sua responsabilidade pelo momento presente

de salvação, ou seja, pelos sinais dos tempos; quando é fiel à aspiração de todas as

pessoas para a mesma liberdade. Häring estuda os diversos âmbitos e níveis aos

quais a pessoa humana é chamada e habilitada a viver numa mais alta liberdade,

mas também os novos perigos em que é exposta esta mesma liberdade em ordem à

qual Deus criou e redimiu a todos.464

A partir deste enfoque que proporciona a categoria da liberdade fiel e

criativa, Häring propõe uma nova síntese de Teologia Moral. Antes de tudo, põe-se

à escuta da Palavra de Deus, oferecida pela Sagrada Escritura, traçando um esboço

de moral bíblica (cf. Free and faithful in Christ, Vol. I, 1978, 8-27). À

continuação, faz um balanço da história da reflexão teológico-moral a partir da

ótica da liberdade fiel e criativa (cf. Free and faithful in Christ, Vol. I, 1978, 28-

461 Cf. PARISI, F. Coscienza ed esperienza morale alla luce della riflessione teologico-morale post conciliare in Italia (1965-1995). Dissertationis ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2002, p. 120-121; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos. Madrid, Vol. 74, p. 485. jul-sep. 1999; ROQUETE, J. C. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum. Sevilla, vol. 6, n. 11, p. 65. 1997. 462 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 3. 463 Cf. BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: BERETTA, P. (a cura di). Chiamati alla libertà: sagi di teologia morale in onore di Bernhard Häring. Roma: Paoline, 1980, p. 390. 464 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 59 e 65; VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2000, p. 57; BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: BERETTA, P. (a cura di). Chiamati alla libertà: sagi di teologia morale in onore di Bernhard Häring. Roma: Paoline, p. 389-390.

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189

58). Da consideração bíblica e histórica nasce uma convicção: a Teologia Moral de

nossos dias entra numa nova fase de criatividade na liberdade e na fidelidade. Estes

dois aspectos não podem ser separados um do outro. Já nas páginas restantes dos

três volumes, Häring propõe a reformulação da Teologia Moral nesta dinâmica da

liberdade fiel e criativa.465

Antes de tudo, a liberdade é um dom de Deus e a obra de Cristo consiste na

libertação total da pessoa humana. A liberdade é a capacidade de autodeterminar-

se numa resposta a Deus e à abertura ilimitada a tudo o que caracteriza em

profundidade o ser humano, que é livre porque é chamado, desde o princípio, a

viver uma realização de amor. Deus cria a pessoa humana para que possa

responder ao seu amor, doando a si mesmo, livremente no amor.466

A liberdade nasce então e se realiza no interior do amor entre Deus e a

pessoa humana. A fé é um “sim” livre do ser humano a Deus. Porém, a pessoa

humana pode se fechar e negar-se ao dom de Deus e buscar a sua própria

realização de uma forma egoísta. Mas para Häring, assim ela pronuncia, de si

mesmo, a sua própria condenação à morte (Cf. Mc 8,35). A missão salvífica de

Cristo é a de libertar a pessoa humana para que ela possa livremente realizar o seu

ser como resposta ao chamado de Deus.467

A mensagem cristã é fortemente caracterizada pelo tema da libertação, e

seria redutivo pensar sempre e somente em termos de libertação do pecado ou de

uma conversão pessoal. Há uma libertação bem vasta e social das estruturas de

opressão econômica, cultural, social e política, das quais o ser humano deve ser

libertado. Assim se amplia e se define melhor o mesmo dever educativo da

Teologia Moral.468

465 Cf. ROQUETE, J. C. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum. Sevilla, 1997, Vol. 6, n. 11, p. 66; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos. Madrid, Vol. 74, p. 485. jul-sep. 1999. 466 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 181-189; MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum, Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 150. 467 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum, Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 150. 468 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 3-4; PARISI, F. Coscienza ed esperienza morale alla luce della riflessione teologico-morale post conciliare in Italia (1965-1995). Dissertationis ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2002, p. 121.

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Uma ética da responsabilidade eminentemente cristã nunca esquece que a

historicidade é uma dimensão essencial da existência humana. O cristão deve ver o

mundo numa total interdependência com a história, um mundo a ser modelado e

transformado e não somente a ser contemplado. Também a dimensão cósmica da

moralidade não é apenas mencionada, mas há todo um capítulo que discute a

questão ecológica. A crise ecológica atual convida aos cristãos para a conservação

do mundo criado e para renovar as suas atitudes voltadas apenas para o

desenvolvimento econômico.469

Häring considera a responsabilidade como a palavra que melhor expressa a

decisão humana para responder ao chamado de Deus, numa comunidade de fé. Ele

faz uma distinção entre a responsabilidade puramente religiosa na qual a resposta é

dada diretamente a Deus, e a responsabilidade moral na qual a resposta é feita para

as coisas criadas. Contudo, esta última é, de fato, também uma resposta a Deus.

Portanto, uma decisão moral não é um simples sim ou não, mas um esforço pessoal

para descobrir como responder a Deus.470

Toda a pessoa é chamada por Deus e para Deus, para o bem. Somente

podemos viver em paz quando respondemos a este chamado: a lei do amor de Deus

e do próximo que é inscrita no coração humano. À luz da relação concreta entre

Deus e a pessoa humana, a responsabilidade é pressuposta como característica

fundamental e inseparável, como resposta ao chamado de Deus. 471

Portanto, a fidelidade responsável é a resposta justa da pessoa humana. Por

meio da fidelidade a Cristo, advém uma profunda transformação de vida e torna-se

possível um empenho moral autêntico e sério. Uma Moral da responsabilidade e da

co-responsabilidade deve perguntar-se, sobretudo que coisa significa a verdadeira

liberdade e a verdadeira fidelidade. Häring se interessa pela liberdade e pela

fidelidade enquanto criativas: de fato, os discípulos de Cristo, fiéis à lei do Espírito

469 Cf. CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia. Roma, vol. XX, p. 148-149. 1982. 470 Cf. HARING, B. op. cit., p. 59 e 65; VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2000, p. 57-58. 471 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 227; CURRAN, C. op. cit., p. 148; MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Dissertatio ad Doctoratum, Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 161-163.

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que nos dá a vida (Cf. Rm 8,2), tornam-se partícipes da ação do Espírito Santo,

que renova a face da terra e os corações.472

Somente quando se volta a atenção ao amor de Deus e aos muitos sinais e

dons de tal amor, o crente pode se tornar livre para o próximo e fiel a Cristo. O

viver sob a graça comporta as orientações dos mandamentos-meta, as afirmativas

presentes em todo o Evangelho, nas palavras de Cristo e nas cartas de São Paulo.

Trata-se de uma Moral dinâmica que não consente nunca ao cristão de acomodar-

se.473

3.6.2.3. Opção fundamental

No capítulo V da obra, Häring traz como novidade, a opção fundamental

como categoria antropológica da responsabilidade humana. A opção fundamental

brota do núcleo da pessoa e orienta basicamente todas as suas decisões. Em sua

síntese moral, a opção fundamental representa um papel importante. Frente ao

reducionismo da moral de atos, ele oferece a alternativa da moral de opção

fundamental.474

Para Häring, responsabilidade é a capacidade de avaliar os efeitos previsíveis

de nossas decisões. E existem apenas duas escolhas para a liberdade humana: ou

viver em e com Cristo numa co-responsabilidade, ou permanecer aprisionado no

pecado-do-mundo, a solidariedade para a perdição. A opção fundamental tende

para Deus quando toda a nossa vida vai se tornando, aos poucos, adoração a Deus

em espírito e verdade. É a ativação de um profundo conhecimento de si mesmo e

da liberdade básica, mediante a qual uma pessoa se compromete com Deus. A

pessoa humana está na profunda dependência de Deus, como criatura, e é chamado

a dar uma resposta a Deus, por meio da orientação básica da sua vida.

472 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum..., p. 3; BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: BERETTA, P. (a cura di). Chiamati alla libertà: sagi di teologia morale in onore di Bernhard Häring..., p. 389-390. 473 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 250. 474 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos. Madrid, Vol. 74, p. 486. jul-sep. 1999, p. 486.

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A resposta básica da pessoa é compreendida à luz da opção fundamental, que

envolve a liberdade individual. O seu desenvolvimento e o seu conseqüente

aprofundamento na pessoa humana depende da busca contínua de conversão.

Häring insiste na centralidade e importância da conversão na vida do cristão. Por

isso, a opção fundamental é personificada nas atitudes básicas ou virtudes que

caracterizam a vida do dia-a-dia. Aqui, Häring faz referência especialmente às

virtudes escatológicas e dá especial atenção à gratidão, humildade, esperança,

vigilância, serenidade e júbilo.475

Intimamente unida às virtudes escatológicas de gratidão e adoração está a

virtude da vigilância. Já que a vida moral do cristão não é aberta para uma auto-

perfeição individualista, mas para uma resposta ao dom de Deus, os cristãos devem

sempre ser vigilantes no presente, tendo em vista o horizonte futuro, numa

crescente conversão. Dessa forma, o personalismo dinâmico de Häring resulta

numa ênfase à continua conversão, crescimento na vida moral, e um chamado para

aprofundar a opção fundamental tanto quanto as virtudes escatológicas que

caracterizam a existência cristã. O cristão percebe a sua vida como um dom

gratuito de Deus. Conseqüentemente, ele deve ser pessoa eucarística, que dá graças

a Deus pelo dom gratuito que recebe. 476

O pecado, à luz da opção fundamental deve ser visto como uma ruptura da

íntima relação de amor com Deus, o qual também envolve uma relação com o

próximo e o mundo todo. Neste contexto, Häring, na perspectiva da Moral atual,

fala que o pecado envolve mais do que atos externos. O pecado é a expressão

concreta da orientação pessoal que se dá. Por isso, o autor enfatiza a necessidade

da busca da opção fundamental voltada para Deus. O pecador é chamado a mudar

de vida e a se reconciliar com Deus, por meio de seu Filho Jesus, na vivência da

comunidade de fé, onde celebra a sua realidade de conversão e penitência.477

É preciso longo e paciente esforço, atenção e conversão contínuas até que a

opção fundamental se encarne em atitudes fundamentais e em virtudes, de tal

forma que todo o estilo de vida seja expressão coerente e verdadeira do eu

475 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 201-208. 476 Cf. CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia. Roma, vol. XX, p. 149-150. 1982. 477 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 378-470.

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individual, tal como Deus o criou para ser. Nascemos num mundo pecador, do qual

surgem muitas tentações e más influências. Porém, nascemos também numa

criação boa de Deus e somos mais profundamente marcados pela realidade da

redenção do que pelo pecado.

3.6.2.4. Culto e adoração

O primeiro volume de Livres e Fiéis em Cristo termina com um capítulo

intitulado simplesmente “síntese”, no qual desenvolve a posição de que adoração

não é apenas algo acrescentado à vida moral, mas sim é o centro da vida cristã.478

A adoração liberta todas as nossas energias para o serviço de Deus, para o

amor ao próximo e para um compromisso fiel a favor da justiça e da paz. Na

adoração se integram as virtudes teologais: fé, a esperança e a caridade. Como

Häring afirma: “A adoração não é algo que se acrescenta ao resto da vida moral. É

o coração e a força desta vida. É a expressão mais elevada de submissão fiel a

Deus, fonte da liberdade criadora”.479

Nesta perspectiva, os Sacramentos são sinais privilegiados de adoração. Mas,

a prioridade de nossa adoração não diminui a importância de nossas atitudes para

com os outros; pelo contrário, possibilita uma vida mais plena do espírito de

Cristo.480

Sempre no quadro alfonsiano, Häring acentua a importância da freqüência

aos Sacramentos. Na economia da salvação, a presença de Cristo e a revelação da

vida divina se expandem na Igreja por meio dos Sacramentos. Esta visão quer

assumir a oferta de salvação que é dada por Cristo, o Sacramento do Pai; pela

Igreja, Sacramento de Cristo e pelos Sete Sacramentos que são momentos de

encontro pessoal com Cristo na Igreja. Neles, a Igreja encontra o dom da vida

478 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ …, p. 471-485; CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia. Roma, vol. XX, p. 149-150. 1982. 479 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 473. 480 Cf. CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia. Roma, vol. XX, p. 150. 1982.

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divina em abundância, com a qual os cristãos são chamados à santidade que deve

ser expressa na vida quotidiana.481

Dentre os Sacramentos, destaca-se o Sacramento da Reconciliação, seguindo

a tradição pastoral dos redentoristas. Para Häring, este Sacramento é a

manifestação do Deus misericordioso e amoroso que perdoa e reconcilia. Nele,

Deus opera a remissão dos pecados e, sobretudo faz a pessoa humana sentir-se

amada. Também nele, a pessoa humana renasce na graça e na liberdade criativa.

Por isso, Häring enfatiza que o sacramento penitencial é uma ajuda para iniciar

uma nova vida.482

Uma consciência formada pela fé e pela graça sabe que todos os dons

provêm do único Deus e Pai. Não usá-los “responsavelmente” e de uma forma

plena significa demonstrar ingratidão a Deus e injustiça à comunidade humana.

Porque cada dom é dado para a realização do Reino de Deus. Por isso, uma

espiritualidade sacramental é de grande importância para conseguir a maturidade

da consciência sob a graça.483

3.6.2.5. Cristologia

À luz da relação concreta entre Deus e a pessoa humana, a responsabilidade

é pressuposta como característica fundamental e inseparável, como resposta ao

chamado de Deus. No mundo, se verificam duas linhas de responsabilidade

humana: solidariedade de perdição num mundo decaído ou solidariedade da

salvação em Cristo, Deus feito homem e, como tal, parte do mundo. O mistério de

Cristo revela a ambigüidade do mundo através do mistério da cruz. Ela é a chave

cristã de interpretação do mundo, pois nela se manifesta a rebelião e o protesto

contra Deus e, por outro lado, a vitória final do amor divino e humano. Estas

realidades teológicas, unidas à esperança escatológica, devem provocar, em

primeiro lugar, a superação das atitudes/tentações de fuga e, em segundo lugar, a

busca ativa do compromisso, pela transformação do mundo em lugar sagrado da

481 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ…, Vol. I, p. 480-485. 482 Idem. p. 378-470. 483 Idem. p. 250.

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fraternidade e da justiça (conversão ao Reino). Este núcleo cristológico doutrinal

alimenta o projeto sócio-moral do cristão.484

Häring fundamenta a moral do cristão por meio da vivência como discípulo

de Jesus. Sua Teologia Moral é cristológica com ênfase na cristologia descendente,

com uma compreensão básica da vida do cristão envolvida pela graça de Deus e

pela resposta humana. Cristo é palavra, verdade e amor encarnados. Em Cristo nós

também vemos a resposta perfeita para a graça de Deus. Häring concebe a ética

cristã como uma ética distinta, onde o cristão deve ter como centro de fé a

encarnação da Palavra de Deus, que se realiza de uma forma mais plena na pessoa

de Jesus.485

Sua cristologia enfatiza a importância da encarnação, reconhecendo a

superabundância da redenção oferecida por Cristo. Não deixa de levar em conta as

forças do pecado na sociedade, mas tem uma visão bastante otimista desta

redenção de Cristo que acontece no aqui e agora da história. Por outro lado, o

cristocentrismo de Häring busca sintetizar o teocentrismo e o antropocentrismo

cristão, com ressonância trinitária.486

Para amar a Deus e ao próximo é necessário unir-se a Cristo e segui-Lo.

Cristo é a única esperança que liga o “tu” com o “nós” e o “eu” com o “tu”. Na

redenção é reconhecida a própria origem do amor de Deus. A pessoa humana

livremente corresponde a Deus no seu amor. O amor é estritamente ancorado na

aliança entre Deus e a pessoa humana em Cristo Jesus (Cf. Mt 22,37-40). Deus

doou o seu Filho ao mundo para fundar uma nova vida. Sucessivamente, Häring,

tratando do amor, fala do serviço, um primado do amor para com o próximo.487

484 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p.131-146; MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 161-163; QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, p. 316. 485 Cf. VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2000, p. 57; CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia. Roma, vol. XX, p. 160. 1982. 486 Cf. SALVODI, V. (Org.). Häring: Un’autobiografia a mo’di intervista. Milano: Paoline, 1997, p. 66-67; HARING, B. op. cit., p. 5-6; HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Edit., 1990, p. 7-8; CURRAN, C. E. op. cit., p. 162. 487 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 131-133; MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 151.

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As reflexões de Häring sobre os mistérios da vida de Cristo, seguindo Santo

Alfonso se concentram nos três momentos: a Encarnação, a Paixão e a Eucaristia.

Na Encarnação, Deus nos revelou a sua liberdade infinita. A Encarnação nos

revela, enquanto sejamos capazes de percebê-lo, quem é verdadeiramente Deus. Já

a paixão e a cruz são manifestações da humildade de Cristo, onde se reconhece a

liberdade e a verdade que inspiram o amor-que-se-doa.488

A Eucaristia é a aliança no sangue de Cristo, louvando a Deus com uma

memória reconhecedora. Nela, nós aprofundamos a nossa relação com Cristo e

com a Igreja que nos insere sempre mais intimamente na lei da graça, da fé e do

amor. Ao enfatizar a razão principal do advento de Cristo, mediante a Encarnação,

Häring insiste no se fazer cumprir o plano de salvação desejado por seu Pai para

toda a humanidade, desde a eternidade: a remissão dos pecados e a reconciliação

com o Pai.489

3.6.2.6. Eclesiologia

Quanto à eclesiologia, Häring aceita a estrutura da hierarquia da Igreja, mas

insiste numa igreja como Povo de Deus, uma koinonia dos seguidores de Jesus,

pela força do Espírito. Ele privilegia esta concepção de Igreja, ao destacar o seu

caráter peregrinante, em consonância com o eixo gerador do seguimento de

Cristo.490

A Igreja, em sua vida e prática, deve ser um sinal do mundo da liberdade. A

Igreja mesma é chamada a ser o grande sacramento de conversão. Neste sentido, a

Igreja é chamada a ser um sacramento efetivo de paz e reconciliação para todos.

Porém, a comunidade eclesial efetivamente chama os outros à conversão,

reconciliação e unidade somente quando ela mesma vive esta dinâmica de

conversão.491

488 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ..., p. 114-157, VELOCCI, G. Sant’Alfonso de Liguori: un maestro di vita cristiana. Cinesello Balsamo: San Pablo, 1994, 22-57. 489 Cf. MALI, M. op. cit., , p. 152. 490 Cf. QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, p. 323-324; CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia. Roma, Vol. XX, p. 163-164. 1982. 491 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 426-429.

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O desejo divino é fazer o ser humano participar do diálogo salvífico, ou seja,

inserí-lo na relação de amor vivido pelo Deus Trindade. A Igreja é o sinal e o

instrumento desta progressiva inserção da humanidade na vida trinitária.492

Ao falar sobre a liberdade religiosa, Häring afirma: São Paulo nos ensina que o amor é a plenitude da lei. Mas nos ensina também que Cristo nos libertou para que sejamos livres no amor. Somos salvos por meio de uma fé que implica um firme auto-empenho pelo bem e por Deus e uma busca sincera da verdade como propósito de ação. A liberdade religiosa é condição essencial na qual se explica o empenho do cristão a dar testemunho, a convencer alguém a favor de Cristo e a servir para a salvação da humanidade inteira.493 A Igreja tem a missão de educar a pessoa humana à liberdade para que ela

possa libertar-se daquilo que não é verdadeiro e para, assim, viver sempre melhor,

de acordo com a sua vocação.494 Por isso, Häring afirma: “A Igreja não serve se

inculca verdades abstratas. Ela é sacramento de salvação e de verdade na medida

em que promove um genuíno crescimento da liberdade na busca e dedicação à

verdade que nos vem na pessoa de Cristo e que deveria alcançar a todas as nações

nas pessoas de seus discípulos”.495

Portanto, a Igreja é sacramento de salvação na medida em que promove o

crescimento genuíno da liberdade e empenha-se pela verdade que vem a nós na

pessoa de Cristo. Não se trata de uma opção pelo individualismo que existe dentro

desta realidade de liberalismo. Mas, é uma opção pela moral da Aliança, por um

empenho comunitário a favor da liberdade na responsabilidade.496

Por fim, se compreende quando Häring afirma: “Eu sofro com a Igreja

quando vejo partes dela escravizadas por tradições mortas, em contradição com

nossa fé num Deus vivente que age com seu povo em todas as épocas... Deveremos

nos perguntar a nós mesmos, como povo deste tempo e desta época, como

podemos chegar a uma melhor inteligência da primitiva lei de liberdade”.497

492 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 151. 493 Cf. HÄRING, B. op. cit., p. 278. 494 Cf. MALI, M. op. cit., p. 163-164. 495 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, Vol. I., p. 289. 496 Cf. HÄRING, B. Idem, p. 279. 497 Cf. HÄRING, B. Idem, p. 18-19.

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198

3.6.3. A noção de consciência moral em Livres e Fiéis em Cristo

Neste item, procuraremos destacar alguns pontos que acreditamos serem

fundamentais para a compreensão da noção de consciência moral em Livres e Fiéis

em Cristo. O capítulo VI do volume I desta obra tem como título “Consciência: o

santuário da fidelidade e da liberdade criativa”. Aqui, a consciência moral é

analisada a partir da perspectiva personalista oferecida pelo Concílio Vaticano II,

sobretudo na Gaudium et spes, n. 16. E enfatiza que “o chamado de Deus que

ressoa em nossos corações é, ao mesmo tempo, uma experiência religiosa e uma

experiência de consciência”.498

Assim apresenta Häring a noção de consciência: O termo ‘consciência’ deriva do latim cum (juntos) e scientia, scire (conhecer). A consciência é a faculdade moral da pessoa, o centro e o santuário íntimo onde se conhece a si mesmo no confronto com Deus e com o próximo. Mesmo que a consciência tenha uma voz própria, a palavra que ela diz não é dela: vem da Palavra na qual todas as coisas são criadas, a Palavra que se fez carne para viver, ser e existir conosco. E esta Palavra fala através da voz íntima da consciência, o que pressupõe a nossa capacidade de escutar com todo o nosso ser.499

3.6.3.1. A visão bíblica da consciência

Segundo Häring, a base da concepção de consciência é sempre à luz da

Sagrada Escritura lida, compreendida e meditada na comunidade de fé. Para isto,

torna-se um imperativo o diálogo com cada cultura e em cada época. 500

O Antigo Testamento traz a visão do coração humano como lugar da opção

fundamental. Quem faz o mal sabe em seu coração que agiu errado contra Deus e

contra os irmãos. O coração pode fazer mais do que acusar a pessoa depois que ela

cometeu o mal. Ele pode também escutar as inspirações do Espírito que o ilumina,

que o guia para a justiça e, se agiu errado, o convida para ir de novo ao encontro

498 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, Vol. I., p. 227. 499 Idem., p. 224. 500 Idem., p. 229-230.

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com Deus. Esta é a grande mensagem dos profetas: Deus escreverá a sua lei no

coração humano, no mais profundo do seu ser (Cf. Jr 17,1 e 31,31-34; Ez 14,1-5 e

36,26). O coração corre o risco de se endurecer, mas a mensagem dos profetas é de

que Deus pode renovar também os corações endurecidos e dar-lhes uma nova

sensibilidade e abertura em face da vontade amorosa de Deus e dos sofrimentos

dos irmãos.501

No Novo Testamento, não encontramos nenhuma reflexão sobre a

consciência, mas a realidade das coisas é bem evidente para os hagiógrafos. O

coração pode fazer muito mais do que acusar a pessoa depois que ela fez o mal. Ele

pode escutar conselhos do Espírito que o ilumina e o guia para a justiça e que, se

agiu mal, o chama a reencontrar Deus. Esta é a mensagem do Evangelho: É

chegado o tempo no qual Deus dá aos pecadores um coração novo, de tal forma

que poderão viver uma vida renovada, porque agora Deus doa não somente um

novo espírito, mas o seu próprio Espírito. “Ama teu próximo como a ti mesmo”:

este é o sumo da lei. “Tudo aquilo, portanto, que quereis que os homens vos façam,

fazei-o vós a eles, porque isto é a Lei e os Profetas” (Cf. Mt 7,12; Lc 6,31).502

3.6.3.2. Reflexão antropológica e teológica da consciência

Neste item da reflexão teológica, Häring traz a história da reflexão sobre a

consciência. Como novidade, ele apresenta uma concepção holística, onde ela não

está mais na vontade do que no intelecto. É uma força dinâmica que reside em

ambos porque eles permanecem juntos nas dimensões mais profundas de nossa

vida. Fomos criados para a totalidade e a parte mais profunda de nosso ser é

altamente sensível ao que pode promover e ao que pode ameaçar nossa totalidade e

nossa integridade.503

Alberto Magno e Tomás de Aquino valorizam a razão. Alexandre de Hales e

São Boaventura valorizam a vontade. Já Häring propõe uma teoria holística da

consciência como oposição às noções incompletas que vêem a consciência como

501 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, p. 226. 502 Idem., p. 225-227. 503 Idem., p. 234-235.

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uma faculdade particular do intelecto ou vontade, ou tendências reducionistas que

vêem a consciência do ponto de vista de fatores sociológicos e/ou psicológicos.504

As forças intelectivas, volitivas e emocionais não são separadas:

interpenetram-se alternadamente no âmago mais profundo da pessoa. Podemos

aqui fazer uma relação com a Trindade, onde Pai, Filho e Espírito Santo estão

unidos numa única essência. Na totalidade e na abertura da nossa consciência nós

somos um sinal real da força do Espírito que renova o nosso coração e, através de

nós, toda a terra. Mesmo que intelecto e vontade sejam distintos, não podem

desenvolver-se um sem o outro.505

O chamado à unidade e à totalidade impregna nossa consciência, num anseio

de integração de nosso ser que, ao mesmo tempo, nos guia para o Outro e para os

outros. Não podemos ter o nosso coração (a nossa consciência) em paz, se todo o

nosso ser não aceita a tensão do intelecto e da razão de unir-se indissoluvelmente à

verdade. Por outro lado, um conceito individualista da consciência é totalmente

estranho à Sagrada Escritura. Se vivermos para o Senhor, também viveremos uns

para os outros, com interesse e respeito pela consciência de cada um (Cf. Rm 14,7-

8).506

Nós chegamos a conhecer o nosso profundo e a nossa totalidade à medida

que alcançamos uma interação com os nossos semelhantes, na busca da dignidade

e da totalidade também dos outros, diferentes de nós. Temos necessidade de

receber daqueles que nos circundam, amor e respeito como pessoas dotadas de

consciência, e de nossa parte podemos explorar a intimidade e a dinâmica da nossa

consciência somente se respondemos a este amor de maneira criativa.507

504 Cf. CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia. Roma: Academia Alfonsiana, Vol. XX, p. 151-152. 1982. 505 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ, p. 235-236. 506 Cf. HÄRING, B. Idem., p. 236-237. 507 Cf. HÄRING, B. Idem., p. 237.

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201

3.6.3.3. A consciência distintamente cristã

Quanto à consciência distintamente cristã, Häring afirma que: Se levarmos a sério nossa identidade como cristãos, desenvolveremos uma consciência distintamente cristã, com a qual pensaremos sobretudo na nossa solidariedade com toda a humanidade... Uma consciência autenticamente cristã é assinalada pela liberdade criativa e fidelidade que brota da fé em Cristo. Uma consciência cristã madura não considerará a fé como um catálogo de coisas e fórmulas. O que informa todas as disposições morais, dá totalidade à consciência e firmeza na opção fundamental do cristão é a sua atitude de fé e a sua responsabilidade. A fé como relação íntima com Cristo desperta em nós o desejo ardente de conhecer Cristo. 508 Uma consciência formada pela fé e pela graça sabe que todos os dons vêm

do único Deus e Pai, e que deixar de usá-los responsável e plenamente é mostrar

ingratidão para com Deus e injustiça com a comunidade humana. Pois, todo dom é

dado para a construção do reino de Deus.

Vida em Cristo significa ser entregue a ele e ao Pai, por meio do Espírito.

Significa ser inserido numa vida que é de louvor e de ação de graças, onde a graça

e a fé ocupam o primeiro lugar. Nós cremos que Cristo é o Redentor e o Senhor de

todos e que o seu Espírito opera em todos, por meio de todos e a favor de todos.

Por meio da fé, nós conhecemos a Cristo e vivemos nele e com a missão de sermos

luzes e servos deste mundo.509

A fé é aceitação alegre, grata e humilde daquele que é o nosso Caminho,

Verdade e Vida. É uma experiência de amizade com Cristo que nos dá também

uma nova relação íntima com o Pai no Espírito e com os nossos irmãos e uma nova

compreensão de nós mesmos. Por isso, Häring afirma que Rm 14,23 pode ser

traduzido de dois modos: “o que não provém da fé é pecado” ou “o que não

provém da consciência é pecado”. Ambas as versões são exatas, porque São Paulo

vê a consciência humana e a convicção da consciência como iluminadas e

confirmadas pela fé. Ou seja, para Paulo, fé e boa consciência são inseparáveis (Cf.

1 Tm 1,5.19). Aqueles que abandonam a fé difundem falsidade, são pessoas “que

508 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Chris..., p. 247; 248-249. 509 Idem., p. 247-249.

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têm a própria consciência como que marcada por ferro quente” (Cf. 1 Tm 4,2; Tt

1,15-16).510

A cultura objetiva – o complexo das tradições, dos costumes, do ethos e das

leis – é indispensável ao desenvolvimento da consciência individual, mas não

pode, por ela mesma, garantir o desenvolvimento de uma consciência sensível e

madura. Uma profunda experiência de fé e o cumprimento da lei de Cristo sobre o

amor são condições para poder reconhecer quais coisas merecem ser feitas.511

A vida em Cristo significa ser dirigido para ele e para o Pai pelo Espírito,

numa vida que é feita de louvor e de ação de graças. A graça e a fé ocupam o

primeiro lugar. Graça quer dizer, sobretudo, amor atraente de Deus Pai. Ele que

nos deu o seu Verbo que é doador da vida e que nos concede o Espírito também

doador da vida, volta para nós a sua face e abençoa-nos. É desta forma que ele nos

faz participantes da aliança e grava a sua lei, a sua vontade amorosa em nossos

corações. Somente se o fiel voltar sua atenção para o amor de Deus e para todos os

inúmeros sinais e dons do amor de Deus, poderá ser livre para seu próximo e

tornar-se fiel em Cristo.512

A doutrina moral se torna uma Boa Nova na medida em que é apresentada

como parte integrante da experiência de fé (naturalmente sem fazer de cada norma

moral um “dogma” imutável) e se é acolhida com gratidão como parte do infinito

amor de Deus que se doa. Este é o conteúdo central do ensinamento moral de São

Paulo (Cf. Rm 6,14; 8,2).513

Häring enfatiza a contribuição que a fé e os mandamentos dão à consciência

como também a função das virtudes escatológicas. Dentre elas, destaca-se a

esperança: “A aguda consciência dos cristãos pela justiça social, o seu empenho

não violento e ativo e uma Igreja que escuta os sinais dos tempos deverão ser um

símbolo real da nossa esperança com relação ao mundo que virá”.514 Destaca

também a virtude da vigilância: “A vigilância resulta da tensão criativa entre o já e

o ainda não que são percebidos e que recebem resposta na gratidão e na esperança.

510 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 247-249. 511 Idem. Vol. III. London: St. Paul. Pub., 1981, p. 211-212; Ibid., Vol. I…, p. 256-257. 512 Ibid. , vol. I, p. 249. 513 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, Vol. I. New York…, p. 250. 514 Cf. HÄRING, B. op. cit., p. 253.

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203

Quando se pratica a vigilância, a consciência especificamente cristã vem plasmada

pela riqueza e pela tensão da história da salvação”.515

Häring afirma que a formação da consciência depende em grande parte do

modo como a virtude da prudência é compreendida. Esta deveria ser encarada, em

profundidade, à luz das virtudes escatológicas, especialmente da vigilância. Uma

prudência vigilante confere à consciência o tato delicado para cada situação, e sabe

decifrar, mesmo em meio aos mais confusos e atordoantes acontecimentos, as

oportunidades e as necessidades presentes, a despeito de toda obscuridade que

provém de pecados passados e das seduções de um mundo pecador. Assim, o dever

da consciência vigilante é duplo: avaliar corretamente a realidade objetiva e

discernir e predispor as ações que sejam apropriadas como resposta aos dons de

Deus e às necessidades humanas. Neste sentido, a consciência sincera se constitui

no veredicto da virtude da prudência.516

Häring termina o item sobre a consciência distintamente cristã, afirmando

que “possuímos uma consciência distintamente cristã quando nos achamos

profundamente enraizados em Cristo, atentos à sua presença e aos seus dons,

prontos a nos unirmos a ele em seu amor por todo o seu povo”.517

3.6.3.4. O discernimento moral

Para Häring, A Igreja e o mundo necessitam de uma consciência crítica. A palavra “critica” vem do grego krínein, que se aproxima do nosso “díscernimento”. Numa sociedade e num mundo pluralistas, os cristãos deveriam ser um fermento atuante da virtude da crítica de acordo com a visão de Deus. Cumpre também estarmos prontos para aceitar a crítica de outros, e para reconhecer nossos malogros e nossas faltas. Devemos escutar os profetas, pois eles nos sacodem e desmascaram os nossos erros.518 No confronto com a comunidade e com a sociedade, a crítica deve ser

exercitada como um ministério em constante serviço ao bem comum. A virtude da

crítica pressupõe convencimento, controle de si e empenho com palavras e com

515 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, p. 254. 516 Idem., p. 254-255. 517 Idem., p. 258. 518 Idem, p. 258.

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ações não-violentas. Ela torna-se virtude somente se cremos na chama divina. A

virtude da crítica é um fator de diálogo e de reconciliação que deve sempre existir

no mundo.519

Poderemos viver facilmente enganados pela mentira que existe no mundo se

não vivermos plenamente na luz de Cristo (Cf. Ef 5,6-10). O discernimento refere-

se ao bem-comum da Igreja e da sociedade e ao bem de cada um de nossos irmãos.

No entanto, o discernimento criativo da consciência, com a sua forte tendência a

um viver na verdade e a um agir segundo a verdade, depende de numerosas

condições: 1) da aspiração inata à totalidade e à abertura a Deus; 2) da firmeza e da

clareza da opção fundamental, que virão honradas como dons do Espírito; 3) da

força das disposições à vigilância e à prudência e de todas as outras disposições

que “encarnam” uma opção fundamental profunda e boa; 4) da reciprocidade da

consciência num ambiente onde são “encarnadas” a liberdade e a fidelidade

criativas e onde há um empenho ativo e grato por isso; 5) da fidelidade, da

criatividade e da generosidade encerradas na busca da verdade, prontas ao “agir

segundo a Palavra”.520

A Sagrada Escritura não tem, de forma alguma, um conceito individualista

de consciência. A ênfase sobre a reciprocidade das consciências faz com que o

discernimento sobre nós mesmos e sobre os nossos companheiros tornem um

importante aspecto da consciência madura. Assediados por tantas ideologias,

devemos escutar o conselho de Jesus: “Guardai-vos dos falsos profetas... os

reconhecereis pelos seus frutos...” (Cf. Mt 7, 15-17). A nova situação da sociedade

pluralista, e por vezes confusa, faz da virtude da crítica um imperativo. Mais do

que nunca, temos de perguntar: Quem devemos seguir?521

Häring enfatiza que Paulo menciona um carisma especial na Igreja: “o

discernimento dos espíritos” (Cf. I Cor 12,10). Mas todos os cristãos são

incentivados ao exercício do discernimento. “Caríssimos, não acrediteis em

qualquer espírito, mas examinai os espíritos para ver se são de Deus” (Cf. 1 Jo

4,1). Todos os que não estão dispostos a cooperar na corporificação da liberdade,

da fidelidade, da bondade e da não-violência no mundo que os cerca, não buscam

viver o espírito de Deus. Quem é inspirado pelo Espírito Santo não contradiz os

519 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, Vol. I. New York…, p. 258. 520 Idem., Vol. I, p. 238; 256-258. 521 Idem. p. 137; 256 e 267.

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ensinamentos de Cristo transmitidos pelos apóstolos (Cf. 1 Jo 2,24 e 4,6). Segundo

Paulo, a condição para o discernimento é a conversão do coração e da mente, a

qual é obra do Espírito Santo. “E não vos conformeis com este mundo, mas

transformai-vos, renovando a vossa mente, a fim de poderdes discernir qual é a

vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito” (Cf. Rm 12,2).522

3.6.3.5. A relação entre pecado e saúde mental

Aqui, Häring faz uma relação entre pecado e saúde mental, afirmando que

muitas formas de desvios mentais e psíquicos são causadas por uma consciência

corrompida. Possui uma consciência corrompida, aquele que deixou a luz

proveniente do seu íntimo obscurecer e permitiu a desintegração da vontade e da

inteligência com o domínio do seu eu egoísta, perdendo assim gradualmente a

busca pela verdade e pelo bem (Cf. Tt 1,15-16).523

O pecado é uma alienação daquilo que há de melhor no próprio eu, uma

perda do conhecimento daquele nome único ao qual somos chamados, um

mergulhar nas trevas, uma ruptura que se produz na profundidade da nossa

existência. Häring afirma:

A Bíblia nos mostra a relação entre pecado e falta de saúde, sendo que as destruições internas e externas causadas pelo pecado são confirmadas de uma forma concreta. Como pode uma pessoa considerar-se saudável a nível humano se tem falhado na busca da sua verdadeira identidade e integridade? O pecado se opõe à nossa fé e, portanto, a nossa liberdade em Cristo. Especialmente o pecado habitual e a falta de arrependimento provocam feridas que atingem o nosso eu mais profundo, enquanto a consciência não cessa de invocar a totalidade da saúde.524 Segundo Häring, a nossa consciência é um grito, uma aspiração à integridade

pessoal e, portanto, à nossa salvação. A pessoa pecadora, mergulhada no egoísmo

e no comodismo, pouco a pouco aceita passivamente o hiato entre a sua

consciência moral e a sua vontade. A forte vontade egoísta e arrogante impõe os

próprios ditames ao intelecto, que encontra milhares de razões para aprovar aquilo

522 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, Vol. I. New York…, p. 238. 523 Idem. p. 259. 524 Idem. p. 260.

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206

que a vontade deseja. Dessa forma, torna-se impossível ter relações sadias com

outras pessoas ou viver numa genuína reciprocidade de consciências.525

Por outro lado, o ser humano é de tal maneira uma boa criação de Deus que mesmo depois de um pecado mortal, nele subsiste ainda resquícios da imagem e da semelhança de Deus, uma aspiração natural à totalidade sobre a qual a graça pode fundar-se e construir. O renascimento não é possível, porém, sem uma profunda dor, sem uma contrição na qual toda a alma é sacudida com a tomada de consciência da terrível injustiça cometida contra Deus e contra o bem.526 Portanto, não existe perigo maior pela nossa totalidade do que adiar o

arrependimento e a conversão. Os pecados veniais dos quais não se arrependem

preparam a ruína, a destruição da opção fundamental boa. E devemos dar-nos

conta de quanto é difícil retornar a Deus e encontrar novamente a totalidade e a

integridade interior, depois que foi feita uma opção fundamental contra Deus.527

3.6.3.6. A reciprocidade das consciências

Os radicais “con” e “scientia” (conhecer junto) já indicam a mutualidade de

consciências. Precisamos ver a ação recíproca. A consciência sadia permite relacionamentos salutares com o próximo e com a comunidade.528 Um dos núcleos conceituais de Häring é que as consciências estão entre si numa relação de reciprocidade e de mútua responsabilidade:

Consciência significa também reflexão sobre si, conhecimento de si, estar em paz consigo mesmo, experimentar a própria totalidade que cresce ou que a ameaça. Mas, o genuíno conhecimento de si e a autêntica reflexão de si não são existencialmente possíveis sem a experiência do encontro com o outro. A pessoa alcança a sua integridade e a sua identidade somente na reciprocidade de consciências. Conhece-se a unicidade do próprio eu somente através da experiência da relação entre o ‘tu’ e o ‘eu’ que conduz à experiência do ‘nós’.529

525 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, Vol. I. New York…, p. 261. 526 Idem, p. 264-265. 527 Idem., p. 265. 528 Idem. p. 265. 529 Idem. p. 266.

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Häring enfatiza que “segundo São Paulo, é evidente que não podemos honrar

a Deus do íntimo de nossa consciência se não somos agradecidos e também cheios

de respeito diante do impacto de nossa ação sobre a consciência vacilante de

nossos irmãos”.530 Ao referir-se sobre a reciprocidade nas cartas de Paulo, afirma:

A mutualidade de consciência tem suas raízes nas nossas relações de fé com Cristo. Se vivemos pelo Senhor, vivemos também um pelo outro na atenção e no respeito pela consciência do outro (Rm 14,7-8). E, uma das dimensões mais importantes da reciprocidade das consciências é o pleno reconhecimento da liberdade de consciência, e ainda mais especificamente da liberdade religiosa. Portanto, a focalização na pessoa e na reciprocidade das consciências é a base da vida comunitária e da evangelização.531 Esta reciprocidade é uma chave de leitura que pode ser aplicada a vários

setores da Moral e do mesmo movimento da consciência, e persistem entre

realidades religiosas diversas e entre leigos e religiosos, entre norma positiva e

autoridade, dentro e fora da comunidade cristã.532

3.6.3.7. Consciência moral e Santo Alfonso

No capítulo sobre a consciência, não falta a análise sobre a relação entre

consciências e autoridade da Igreja, onde traz uma perspectiva do

eqüiprobabilismo de Santo Alfonso. Aqui também se afirma que a verdade advém

através da reciprocidade das consciências. Para a moral cristã, não mais guiada

pelas leis abstratas e pretensiosamente universais, a reciprocidade valoriza o

testemunho dos santos e das pessoas exemplares, que se tornam de tal modo

autoridades morais para as nossas consciências, modelos para as nossas vidas. Por

outro lado, a uma obediência cega e a um fim moral, B. Häring contrapõe uma

moral da consciência livre e fiel. A Igreja, afirma ele, tem o escopo fundamental de

530 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ…, Vol. I. New York…, p. 270. 531 Idem., p. 269. 532 Cf. PARISI, F. Coscienza ed esperienza morale alla luce della riflessione teologico-morale post conciliare in Italia (1965-1995). Dissertationis ad Doctoratum..., p. 119-120.

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ser no mundo sinal visível e eficaz do amor libertador de Deus.533

Ao confirmar o eqüiprobabilismo, Häring afirma que a lei não tem nenhum

direito de frustrar a liberdade criativa. O autor cita Santo Alfonso que nos ensina

que o confessor não pode perturbar a boa consciência dos penitentes, enfatizando a

lei, seja ela natural, eclesiástica ou civil, quando se prevê que o penitente não será

capaz de interiorizar a lei mesma ou o preceito. Devemos procurar sempre a plena

verdade e não tomar arbitrariamente posição sempre em favor da lei.534

3.6.4. Conclusão

Livres e Fiéis em Cristo é o ponto máximo do trabalho de Häring. É

considerado como um importante livro-texto que difundiu a revolução disciplinar

do Concílio. Levando em conta as bases sociológicas, pode ser considerado como

expressão evolutiva da tradição da escola de Tübingen. Aos fins dos anos setenta

do século XX, a obra buscou realizar uma exposição completa da ética cristã,

mediante variações em torno do tema “liberdade”. Dentro do catolicismo romano

estritamente dito, isto constituía uma inovação.535

Com uma visão otimista do futuro, não tem esta concepção estática do

modelo legal que enfatiza uma obediência cega à lei, que busca delinear os limites

entre o que seja pecado ou não. Uma das maiores contribuições de Häring à

Teologia Moral é justamente a insistência na necessidade de uma contínua

conversão, tendo em vista um crescimento na vida do cristão.536

Häring apresenta uma familiaridade com um vasto campo de conhecimento

não só teológico, mas também de ciências humanas afins (Psicologia, Sociologia,

Filosofia, Ciências Políticas e Economia). Numa base cristocêntrica, sua Teologia

533 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 282-294. 534 Cf. HÄRING, B. op. cit., p. 50. 535 Cf. GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después del Concilio Vaticano II. Tesis Doctoral…, p. 150; Id., La refundación de la moral católica: el cambio de matriz disciplinar después del Concilio Vaticano II…, p. 171-174; CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia… p. 145. 536 Cf. CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia…, p. 162.

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209

Moral reconhece a importância das Sagradas Escrituras como regra de vida, mas

por outro lado, valoriza também as diversas ciências humanas.537

Sua Moral Fundamental é profundamente religiosa, integralmente

personalista e modernamente tradicional. O paradigma de Moral que propõe,

baseada na responsabilidade fiel e criativa, é muito mais rico e exato que o

paradigma deontológico da obediência à lei e que o paradigma teleológico da

autoperfeição. Por outro lado, Häring permanece fiel à sua compreensão ampla da

Moral. Esta se refere ao todo do conjunto da vida cristã, realizada e manifestada

através de múltiplas dimensões: cultural, sacramental, espiritual, de compromisso,

etc.538

A obra é destinada à vida concreta. Para chegar a isto, Häring certamente

recolheu todo o material compreendido durante a sua experiência de ensino. Do

seu contato com o mundo inteiro, o releu à luz da visão cristã e o apresentou com

uma ótima sintonia para a vida cristã. Por isso, Livres e Fiéis em Cristo é o manual

da maturidade, configurado segundo as exigências do Vaticano II, que traz o

pensamento teológico definitivo de Häring. Ele recolhe os logros da renovação

pré-conciliar e o espírito e solicitações do Concilio para a Teologia Moral, tarefas

que foram iniciadas no seu manual anterior (A Lei de Cristo).539

A obra assinala uma nova forma de traçar a Teologia Moral católica. Sobre

ela, disse Ch. E. Curran que representa “o ganho mais criativo e importante da

teologia moral neste século. A contribuição mais original e significativa na curta

história desta disciplina”. No entanto, o leitor se desaponta por não encontrar uma

teoria precisa ou explanação de como a consciência trabalha e o critério para julgar

se as decisões da consciência são corretas ou não. Aqui, o autor poderia usar a sua

concepção personalista para construir uma nova teoria da consciência.540

Talvez a maior lacuna na sua Teologia Moral seja não haver uma discussão

aprofundada com a Teologia da Libertação e alguns dos temas básicos envolvidos

537 Cf. CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia…, p. 167-168. 538 Cf. ROQUETE, Jesús Colombo. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum..., p. 68. 539 Cf. MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”..., p. 149; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia…, p. 488; QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II…, p. 322. 540 Cf. CURRAN, C. E. History and contemporary issues: studies in moral theology. New York: Continuum, 1996, p. 20 e 156.

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210

nesta Teologia. Obviamente que ele concorda com a ênfase da Igreja como opção

aos pobres, no entanto falta uma referência maior à Teologia da Libertação,

reconhecendo a existência do pecado em meio às injustiças sociais e às estruturas

econômicas.541

Por fim, a cristologia de Häring é descendente, enfatizando a divindade e a

eleição messiânica de Cristo e, a partir disso, toma em consideração a existência

histórica de Jesus e o seu significado para nós. No entanto, a cristologia

predominante hoje, sobretudo na América Latina é a ascendente, com uma visão

crítica da realidade social, que toma o testemunho de Jesus, para que sejamos seus

seguidores. Uma cristologia ascendente é mais definida para reconhecer as lutas e

os conflitos na vida dos cristãos, do que a descendente, que pode levar à

manutenção de um status quo. Mas, Häring também provoca uma reflexão para

esta mudança.542

541 Cf. CURRAN, C. E. Free and faithful in Christ: a critical evaluation. Studia moralia..., p. 172-173. 542 Cf. CURRAN, C. E. op. cit., p. 160-161.

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211

3.7. Conclusão do Capítulo III

Para percebermos a evolução do pensamento de Häring em relação à

consciência moral, a título de conclusão da Parte II, apresentamos uma comparação

entre a noção formulada em A Lei de Cristo e em Livres e Fiéis em Cristo.

Considerando o todo de sua obra, a Teologia Moral de Häring é de

concentração cristológica, numa visão paulino-joanéia da vida cristã, onde deriva a

onipresença do amor. A sua Moral não é uma ética dos mandamentos. No fundo,

não é também uma doutrina sobre as virtudes. Trata-se, em primeiro lugar, de uma

moral do ser habilitado a se comprometer com o bem, mediante a graça, na fé.

Häring acentua a ação do Espírito Santo, que é o dom do Ressuscitado aos seus

discípulos e a inscrição da aliança e da lei do amor no coração e na vida do fiel.

Portanto, o cristão não está sob um regime legal extrinsecista, mas sob o regime da

graça do Espírito Santo (Cf. Rm 6,4; 8,2). Ao mesmo tempo, ele insiste na idéia da

aliança definitiva selada por Cristo. Cristo é o mediador da aliança, a mais alta

expressão da aliança de Deus com a Igreja e, através da Igreja, com toda a

humanidade. E os fiéis experimentam a realidade desta aliança por meio do

Espírito Santo que age em todos. De modo que os dons da graça oferecidos por

Deus e todos os dons do Criador são vistos como um chamado à solidariedade e à

salvação.543

A meados dos anos setenta do século XX, Bernhard Häring demonstrou que

para formular sua Teologia Moral não bastava continuar introduzindo retoques nas

novas reedições de A Lei de Cristo. Ele abandonou este caminho e escolheu a

árdua tarefa de reescrever uma nova exposição, enfatizando a Moral Renovada. Em

1978, aparecia o primeiro volume de Livres e Fiéis em Cristo. Em 1979 e em 1981,

respectivamente, apareceram o segundo e o terceiro volumes. Em 1989, B. Häring,

543 Cf. BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: BERETTA, P. (a cura di). Chiamati alla libertà: sagi di teologia morale in onore di Bernhard Häring..., p. 385.

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212

contemplando toda a sua obra escrita, considerará Livres e Fiéis em Cristo como

sua obra principal.544

Com isso, o tempo pós-conciliar culmina com o manual Livres e Fiéis em

Cristo, escrito vinte e cinco anos depois de A Lei de Cristo. O subtítulo “teologia

moral para sacerdotes e leigos” indica significativamente os seus interlocutores: a

teologia não pode ficar sob o monopólio dos clérigos, mas também como atividade

e competência dos leigos, sem discriminação de classe. Visa a formação do cristão

adulto e responsável, um cristão que não se reduz à obediência. Não é surpresa que

os termos liberdade, responsabilidade e consciência ocorram mais freqüentemente

que os termos lei, obediência e autoridade.545

Embora Livres e Fiéis em Cristo não seja uma adaptação de A Lei de Cristo,

não podemos negar uma certa continuidade entre os dois manuais. Na introdução

do último manual escrito, Häring afirma que entre ambos existe uma continuidade

mediante o elemento numinoso que é Cristo: “Espero que o leitor encontre em

Livres e Fiéis em Cristo a continuidade do pensamento e da mensagem do livro

anterior, centrado no amor de Jesus Cristo (...) Cristo que vem do Pai e nos conduz

ao Pai, será sempre o ponto focal de nossa reflexão”.546

Porém, é evidente que se trata de um manual novo, distinto do primeiro. Da

categoria de “lei” se passa para a categoria de “liberdade”. Não obstante o sucesso

do manual A Lei de Cristo, ele se empenhou por um novo manual. A

continuidade/descontinuidade entre o novo manual e aquele de 1954 é justificada

pela referência ao Vaticano II, que Häring define como um evento que abriu uma

nova época. Em Livres e Fiéis em Cristo encontramos os avanços proporcionados

pela Optatam totius, n. 16, daquele Concilio.547

É certo que na compreensão de Häring, a expressão “lei de Cristo” remete ao

universo cristológico paulino (Cf. Gal 6,2). Tem uma conotação mística de

544 Cf. HÄRING, B. Fede, storia, morale: intervista di Gianni Licheri. Roma: Borla, 1989, p. 66; GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después del Concilio Vaticano II…, p. 168. 545 Cf. BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad Doctoratum..., p. 81; LORENZETTI, L. In ricordo di Bernhard Haering: una vita per la morale cattolica. Rivista di teologia morale. n. 117, 1998, Bologna: EDB, p. 342-343. 546 Cf. HARING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 5. 547 Cf. GOMEZ MIER, V. La refundación de la moral católica: el cambio de matriz disciplinar después del Concilio Vaticano II…, p. 169; Idem, El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después del Concilio Vaticano II…, p. 156; VIDAL, M. Evocación de Bernhard Häring, renovador de la Teología moral católica. Moralia..., p. 494; LORENZETTI, L. op. cit., p. 342.

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identificação com Cristo, e significa praticamente o mesmo que “seguimento de

Cristo” . Mas, não podemos deixar de reconhecer que na mentalidade ocidental, o

termo “lei” tem uma conotação jurídica. A categoria “liberdade”, unida à

“fidelidade”, corresponde melhor para a nossa realidade atual. De fato, as

expressões “liberdade fiel” e “fidelidade livre” (ou criativa), expressam formas de

ser e atitudes básicas de hoje nos diversos níveis da existência.548

Para ilustrar esta transição entre a lei de Cristo para a liberdade e fidelidade

criativa em Cristo e a sua nova ênfase, Häring fala na parte final da “Introdução

geral” de Livres e Fiéis em Cristo: “O título desta obra revela a sua fisionomia e o

seu programa... é uma continuidade do pensamento do livro anterior (A Lei de

Cristo), centrando no amor de Jesus Cristo. Com o Apóstolo dos Gentios eu vejo o

amor de Cristo como a maior manifestação do amor criativo e da liberdade criativa

de Deus”.549

Percebe-se, portanto, que o pensamento teológico de Häring fica aberto, sob

a influência de novos contextos evolutivos num período da história da Igreja, de

mudanças profundas (de 1954, em A Lei de Cristo, para 1978 em Livres e Fiéis em

Cristo). Entre ambos, existe um grande salto qualitativo. Sumariamente, este salto

pode ser descrito como um avanço de “lei” (Gesetz) para “liberdade responsável”

(Free and faithful).550

Também ao escrever o prólogo para Livres e Fiéis em Cristo, em 1978,

Häring contempla retrospectivamente o período de vinte e cinco anos anteriores,

desde o término de A Lei de Cristo (1954):

Durante estes anos tive a oportunidade não somente de ver uma resposta de dimensão mundial em A Lei de Cristo, mas também de ser empenhado num processo de aprendizagem único, através do Concílio Vaticano II e de minhas várias atividades... O Concilio ecumênico já ulteriormente acentuou o meu forte interesse pelo ecumenismo e igualmente aprofundou e ampliou o meu interesse apaixonado pelo Terceiro Mundo... Durante estes anos adquiri a consciência de que meus escritos eram ainda muito europeus... mas, sem dúvida, sinto uma profunda simpatia e preocupação pelos povos de todo o Terceiro Mundo.551

548 Cf. SALVODI, V. (Org.). Häring: Una entrevista autobiográfica. Madrid: San Pablo, 1998, p. 45 e 48; GOMEZ MIER, V. op. cit., p. 169; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos…, p. 481. 549 Cf. HÄRING, B. Free and faithful in Christ: Moral theology for priests and laity. Vol. I. New York: The Seabury Press, 1978, p. 1. 550 Cf. GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después del Concilio Vaticano II. Tesis Doctoral…p. 146-147 e 168. 551 Cf. HARING, B. op. cit., p. 1.

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214

É importante ressaltar que Häring conservou o nome de Cristo nas duas

obras, mantendo uma impostação cristocêntrica. O núcleo firme de A Lei de Cristo

parece ser a lei personalizada em Cristo, enquanto que no segundo manual é a

liberdade, também personalizada em Cristo, com criatividade. Estas duas

categorias “liberdade” e “fidelidade” poderiam ser uma apenas porque ambas se

complementam na síntese em Cristo. Porém, Häring enfatiza a categoria da

liberdade, sem a qual não há moralidade.552

O campo da sua moral está marcado pela antropologia da responsabilidade,

pela cristologia da revelação salvífica e pela teologia do chamado amoroso de

Deus. Este enfoque geral o expressou Häring, em A Lei de Cristo, mediante a

categoria paulina da lei de Cristo (Cf. Gal 6,2; Rm 8,2). Baseando-se na teologia

patrística, na teologia de Santo Tomás e no cristocentrismo teológico recente,

Häring recupera o conceito de “lei de Cristo” e, a partir dele, expõe as exigências

morais da vida cristã. A “lei de Cristo” é, no fundo e em definitivo, a graça do

Espírito Santo, que é derramada em nossos corações e quer configurar nossa vida

conforme à de Cristo.553

Já na nova síntese de Livres e Fiéis em Cristo, Häring mantém a mesma

impostação cristocêntrica (“em Cristo”), porém não utiliza a categoria de “lei” mas

a dupla categoria de “liberdade” e “fidelidade”, onde a categoria decisiva parece

ser a da liberdade, pois Häring coloca no início de sua obra, vol. I, a citação de Gal

5,1: “Cristo nos libertou para que vivamos em liberdade”. A liberdade, portanto, é

uma das grandes preocupações de Häring porque somente sendo livre, se pode ser

responsável.554

Quanto ao ambiente cultural, A Lei de Cristo é a cultura do catolicismo

alemão, plasmada sobretudo nas correntes filosóficas da fenomenologia e do

personalismo da primeira metade do século XX e tendo como referência básica a

obra de D. Bonhoeffer. É preciso destacar que D. Bonhoeffer quis representar um

ecumenismo que não era bem recebido no isolamento nacionalista alemão dos anos

552 Cf. ROQUETE, J. C. “Vino nuevo en odres nuevos”: el P. Bernhard Häring y la renovación de la teología moral. Isidorianum…, p. 64-65. 553 Cf. VIDAL, Marciano. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos…, p. 484. 554 Cf. VIDAL, M. op. cit., p. 485.

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trinta. Já em Livres e Fiéis em Cristo, além do contexto católico alemão, há a

influência também de outros contextos culturais, sobretudo norte-americano, de

acordo com a experiência vivida nestes lugares.555

Com relação a Livres e Fiéis em Cristo, A Lei de Cristo era um livro ainda

“muito europeu”. O último, traz os encontros de Häring com o mundo da América,

da África e da Ásia. É orientado especialmente à evangelização e se preocupa

sobretudo com o anúncio da moral a todas as pessoas, de todas as culturas. Por

isso, no esforço de compreender melhor a pessoa humana do seu tempo, ele leva

em conta fortemente o diálogo com as ciências humanas. Igualmente presta maior

atenção à sociologia da moral e dos costumes, com o objetivo de poder distinguir

melhor entre aquilo que é permanente e aquilo que é mutável, favorecendo, assim,

o livre diálogo com todas as culturas.556

Neste sentido, o diálogo teológico-moral não se estabelece preferivelmente

com filósofos, como acontecia em A Lei de Cristo, mas com psicólogos e

antropólogos culturais (J. Piaget, L. Kohlberg, E. Fromm, A. Maslow, B.F.

Skinner, etc.). Por outro lado, se A Lei de Cristo tinha interesse especial em

assinalar que se situava na tradição da escola de Tübingen, agora em Livres e Fiéis

em Cristo evoca também a inspiração recebida de dois grandes convertidos ao

catolicismo, J. H. Newman e V. S. Solovyev.557

Livres e Fiéis em Cristo pode ser considerada uma síntese de toda a atividade

teológica de Häring. Não é uma reelaboração ou uma re-edição de A Lei de Cristo:

é uma obra completamente nova. Porém, obviamente, ela permanece fiel à

precedente em muitos aspectos, especialmente na impostação cristocêntrica. A

concepção paulina-joanéia, já presente em A Lei de Cristo, como também a

dimensão pneumatológica, em Livres e Fiéis em Cristo vêm ulteriormente

aprofundadas.558

Nos dois manuais, enfatiza-se que a consciência exorta ao bem e previne

contra o mal. Por meio do apelo de Cristo a seguí-lo, encontra eco no íntimo do ser

555 Cf. GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después del Concilio Vaticano II. Tesis Doctoral…, p. 146-147; VIDAL, M. op. cit., p. 481. 556 Cf. BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: BERETTA, P. (a cura di). Chiamati alla libertà: sagi di teologia morale in onore di Bernhard Häring..., p. 388-389. 557 Cf. VIDAL, Marciano. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos..., p. 482. 558 Cf. BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: BERETTA, P. (a cura di). Chiamati alla libertà: sagi di teologia morale in onore di Bernhard Häring..., p. 388.

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humano. A lei interior da consciência como também o valor que lhe é dada não são

impessoais (juridicismo) mas tendem à manifestação do supremo “tu”

(personalismo).559

Em A Lei de Cristo, a consciência tem uma voz própria, mas não a sua

palavra própria. É a palavra de Cristo que fala através da voz. Por si mesma, a

consciência é uma vela sem chamas, mas Cristo é a Luz que brilha sobre nós. Em

Livres e Fiéis em Cristo, Häring define a consciência como o santuário da

fidelidade e da liberdade criativas, fazendo uma alusão a Gaudium et spes, n. 16. A

consciência tem a voz a qual contém a lei escrita por Deus. Ela é a faculdade moral

da pessoa, é o núcleo interior e o santuário onde a pessoa se conhece, em confronto

com Deus e com os seus semelhantes.560

Em Livres e Fiéis em Cristo, a perspectiva legalista dos manuais pré-

conciliares é desprezada, em razão da perspectiva da liberdade de consciências.

Pois, Cristo veio para libertar a todas as pessoas para a verdade. Dirige sua

mensagem à consciência da pessoa. Não deseja ter escravos submissos, mas

amigos.561

Embora Häring chame a consciência de santuário da liberdade e da

fidelidade criativas, isto não significa que ela seja realmente criativa no sentido de

ter um poder para criar verdades morais. Esta clarificação é importante porque a

partir da Modernidade, a consciência passou a ser vista como um juiz soberano que

tem o poder de decidir o que é certo ou errado. Porém, com esta concepção cai-se

no subjetivismo e no relativismo absoluto, de acordo com os quais cada um tem a

sua própria verdade, pois tem a sua própria consciência. Embora Häring não

pretenda definir a consciência como a que tem o poder de determinar a verdade

moral, para ele a consciência é o único modo da pessoa humana perceber a verdade

moral e, por meio dela, será julgada.562

Podemos reconhecer que há um salto qualitativo entre o primeiro e o

segundo manual. No primeiro manual, Häring foi pioneiro e, no segundo, continua

559 Cf. VIDAL, M. Bernhard Häring: un rinnovatore della morale cattolica..., p. 68. 560 Cf. SUJOKO, A. Personalist method in moral theology: critique and further development of the thought of Louis Janssens and Bernhard Häring. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1999, p. 181. 561 Cf. GOMEZ MIER, V. El cambio de matriz disciplinar en la teología moral después Del Concilio Vaticano II. Tesis Doctoral…, p. 166. 562 Cf. SUJOKO, A. op. cit., p. 182.

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217

como fonte de criatividade na Teologia Moral. As exigências do Concilio

Vaticano II de que a moral cristã se fundamente na Sagrada Escritura, ilumine a

excelência da vocação cristã, seja uma proposta para todo o povo cristão e dialogue

com os saberes humanos se encontram já observadas em A Lei de Cristo. Mas,

tudo isso é aprofundado de uma forma mais intensa em Livres e Fiéis em Cristo.

Finalizando, podemos afirmar que A Lei de Cristo e Livres e Fiéis em Cristo são

dois manuais, mas não são dois paradigmas distintos.563

563 Cf. QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II.., p. 62 e 314; GOMEZ MIER, V. La refundación de la moral católica: el cambio de matriz disciplinar después del Concilio Vaticano II…, p. 141-174; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. In: Estudios eclesiásticos…, p. 488-490.

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4. Pistas de ação

No seu sentido etimológico, a palavra consciência expressa um saber

compartilhado (do grego, syneidesis: “ver com”; “conhecer com”; no latim,

conscientia ⇒ cum-scire: saber-com). Ou seja, expressa sempre um caráter

comunitário, reflexo do ambiente sócio-cultural. Por isso, o amadurecimento da

consciência se realiza numa simbiose entre as relações humanas. É nesta relação

entre pessoa e sociedade que surge o senso de responsabilidade.564

A consciência é o próprio ser humano enquanto se dá conta de que existe e é

chamado a desenvolver-se numa determinada direção. Ela evidencia a totalidade

unitária da pessoa em busca de uma abertura que transcende (Deus) e também do

próximo, numa resposta de amor. Para aquele que crê, a consciência encontra a sua

expressão na fé. Por isso, o imperativo moral manifesta-se à pessoa como algo que

está no ser humano, mas que não é dele e não se reduz à sua vontade.565

É necessário distinguir a consciência psicológica da consciência moral. A

primeira baseia-se na capacidade de se perceber as próprias vivências humanas.

Esta percepção forja intuições que chegam a formar graus de conhecimento,

podendo ser espontâneos ou frutos da reflexão. A consciência moral, por sua vez,

diz respeito aos valores e nos reenvia ao amor a ser vivido concretamente. Ela

orienta-se para a verdade e busca o bem. Respeita a dignidade da pessoa humana.

Mas, também ela não escapa de todo um conjunto de condicionamentos, bem como

das tentativas constantes de manipulação.566

564 Cf. PINCKAERS, S. Le fonti della morale cristiana: metodo, contenuto, storia. Milano: Ares, 1992, p. 359; AUBERT, J-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. IV, Brescia: Queriniana, 1986, p. 221; VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental, 4ª. ed., Madrid: PS Edit., 1977, p. 288. 565 Cf. HÄRING, B. I religiosi del futuro. Roma: Paoline, 1972, p. 165-166; CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL, Ética: pessoa e sociedade. Documentos da CNBB. n. 50, São Paulo: Paulinas, n.71; VIDAL, M. op. cit., p. 289-290; MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 160; AGOSTINI, N. Moral Cristã – temas para o dia-a-dia – nesta hora da graça de Deus, Petrópolis: Vozes, 2004, p. 28. 566 Cf. AGOSTINI, N. op. cit., 32; VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental, 4ª. ed., 1977, Madrid: PS Edit., p. 288-290.

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219

Portanto, a noção de consciência psicológica é de um “ser consciente”, que

se dá conta de algo e expressa a complexidade do viver as próprias experiências. Já

a consciência moral pressupõe a consciência psicológica, acrescentando-lhe o

aspecto de compromisso. Trata-se de uma realidade que cada um deve fazer a sua

própria experiência. A consciência moral é mais do que conhecimento de si

(consciência psicológica) e do simples conhecimento normativo. Constitui-se num

sujeito que empenha a sua própria personalidade e responsabilidade no seu agir.567

Hoje, o problema da consciência ocupa um lugar de primeiro plano não

somente na reflexão moral cristã, mas também em todo o pensamento moderno,

acentuando a responsabilidade pessoal e o caráter singular de cada um. A proposta

desta Parte III da Tese é de, a partir das reflexões em relação à consciência moral

feitas por Bernhard Häring, apresentar algumas considerações no tocante a este

tema, tendo em vista os desafios suscitados pela Modernidade/Pós-Modernidade.568

567 Cf. MADINIER, G. La coscienza morale. Torino: Elle di Ci, 1982, p. 19; VIDAL, M. loc. cit.; AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ F. (dir.). Iniziazione alla pratica della teologia. Tomo 4, Brescia: Queriniana, 1986, p. 207; MAJORANO, S. La coscienza: per una lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 15; 21-22. 568 Cf. VEREECKE, L. La coscienza nel pensiero di S. Alfonso de Liguori. In: ALVAREZ VERDES, L.; MAJORANO, S. (cure) Morale e redenzione. Roma: EDACALF, 1983, p. 169.

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220

4.1. A consciência moral no contexto contemporâneo

4.1.1. Introdução

A afirmação dos direitos da consciência individual, da sua liberdade

fundamental, frente a todos os despotismos e a todas as opressões, é um elemento

essencial do nosso moderno patrimônio cultural. Este, progressivamente elaborado

a partir do século XVIII, encontrou a sua expressão na “Declaração dos direitos do

homem e do cidadão” de 1789 e nos ideais difundidos pela Revolução Francesa: a

democracia, a tolerância, a legitimidade de um pluralismo de pensamento, etc.569

No entanto, a moderna valorização dos direitos da consciência foi muitas

vezes combatida pela Igreja, que ligava à promoção destes direitos à penosa

lembrança de um anticlericalismo revolucionário. Esta longa recusa até o Vaticano

II, em nome de uma ordem moral objetiva, é um dos principais aspectos do

divórcio entre o mundo moderno e a Igreja. Persistiu ao ver na liberdade de

consciência “um mal pestilento, verdadeiro delírio”, segundo as expressões de

Gregório XVI, na Encíclica Mirari vos de 1832, condenação retomada por Pio IX,

em 1864, nas proposições 15, 78 e 79 do Syllabus.570

Hoje, o tema da consciência moral está na ordem do dia. Expressões como

“liberdade de consciência”, “direitos da consciência”, “primado da consciência”,

“fidelidade à própria consciência”, etc. estão presentes na linguagem comum. A

Igreja, que está “no mundo”, é também ela portadora desta linguagem.571

O tema da consciência encontra-se no centro de um amplo debate de

múltiplos âmbitos: teológico, filosófico, político, literário, científico. Ao mesmo

tempo, o mundo está vivendo um período de crise moral que poderia ser definido

569 Cf. AUBERT, J-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. IV, Brescia: Queriniana, 1986, p. 208. 570 Id., ibid. 571 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 5.

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221

mais exatamente como uma crise da consciência, entendida como capacidade da

pessoa de distinguir entre o bem e o mal.572

4.1.2. A pluridimensionalidade da noção de consciência moral hoje

O exame do vocábulo “consciência moral” mostra hoje uma

pluridimensionalidade de conceitos, com planos diferentes de uma mesma

realidade. Muitas vezes, ela é identificada com o superego573 freudiano, com todo

um conjunto de doutrinas e normas em relação ao lícito e ilícito, os modelos de

comportamento a praticar ou a evitar, recebidos desde a infância de qualquer

autoridade externa e introjetado no sujeito de modo ainda pré-pessoal. Tudo isso

sem um reexame crítico e uma tomada de posição que surja da liberdade

humana.574

Para outros, a consciência moral está relacionada exclusivamente ao juízo,

tendo em vista o moralmente bom e reto em si, a qualidade moral da própria

atitude e do comportamento. Entende-se aqui comportamento como o simples ato

particular. Já a atitude distingue-se do comportamento pela totalidade no agir. A

distinção “reto/bom” refere-se a dois planos, o objetivo e subjetivo. Uma ação é

reta quando é objetivamente de acordo com a lei moral, é boa quando é

subjetivamente realizada com uma atitude boa, ou seja, altruísta.575

572 Cf. CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori obiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 78; HAAS, J. La crisi della coscienza e della cultura. In: BORGONOVO, G. (a cura di). La coscienza. Città del Vaticano: Editrice Vaticana, 1996, p. 40; JOÃO PAULO II. Carta Enciclica Evangelium vitae. São Paulo: Paulinas, 1995, n. 4. 573 A expressão “super-ego” deriva da psicologia e indica uma espécie de instância presente na pessoa humana, que representa no seu íntimo todas as normas e os valores sociais apreendidos durante a infância e no interior da família. A voz desta instância entra mesmo em conflito com os desejos da busca pessoal e irrepetível de si. 574 Cf. CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. op. cit., 92, p. 89; PRIVITERA, S. La coscienza, Bologna: EDB, 1986, p. 5-18; Idem. Coscienza. Nuvo dizionário di teologia morale. Cinisello Balsamo: Paoline, 1990, p. 200-201; RÖMELT, J. La coscienza: un conflitto delle interpretazioni. Roma: Academiae Alphonsianae, 2001. p. 12. 575 Cf. PRIVITERA, S. Coscienza. Nuvo dizionário di teologia morale. Cinisello Balsamo: Paoline, 1990, p. 203.

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222

Ainda para outros, consciência é simplesmente sinônimo de vontade, ou

melhor, do decidir-se livremente nas escolhas a realizar, em relação ao bem e ao

mal, ao reto e ao errado previamente conhecidos. Estes vêem a consciência como

um órgão que tem a função de exortar e de levar a agir nos confrontos da vontade.

Função que, em relação ao ato já realizado, se traduz em aprovação interior (para o

bem) ou remorso (para o mal).576

Hoje em dia, muitos falam também da sua consciência quando buscam viver

segundo a voz interior que os solicita a tomar pessoalmente em suas mãos a

própria vida, a tornarem-se pessoas autônomas e responsáveis, pessoas maduras. O

termo “auto-realização” tornou-se moda e exprime numa linguagem

universalmente compreensível esta visão.577

Verificamos, portanto, que o termo pode apresentar uma grande variedade de

significados. Isto porque a consciência moral é algo muito complexo. E a razão de

tal complexidade reside no fato de que se trata de algo pessoal e a pessoa é sempre

um mistério imprevisível.578

Sabemos que a consciência é continuamente provocada pelo suceder-se das

situações e das relações concretas nas quais o “eu” vive e se desenvolve. Por isso,

ela deve tomar posição, avaliar, formular um juízo sobre aquilo que deve ser feito

num espaço e num tempo particulares. E quando o termo consciência recebe a

qualificação de “moral” então a referência é ao saber que o sujeito tem de si como

“responsável”, como um “eu” chamado a responder ao apelo do bem, tanto em

geral quanto numa determinada situação.579

576 Cf. PRIVITERA, S. La coscienza, Bologna: EDB, 1986, p. 5-18; CAVALCOLI, G. Il concetto di coscienza in S. Tommaso. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi..., Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 53. 577 Cf. RÖMELT, J. La coscienza: un conflitto delle interpretazioni. Roma: Academiae Alphonsianae, 2001. p. 11. 578 Cf. AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. IV, Brescia: Queriniana, 1986, p. 206; VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental, 4ª. ed., 1977, Madrid: PS Edit., p. 315; PIANA, G. La coscienza nell’attuale contesto culturale. Credere oggi. ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 10. 579 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 9 e 57.

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223

4.1.3. Situando a consciência moral, a partir dos desafios da atualidade

A consciência moral se deve dar como “solidão” consigo mesmo e, ao

mesmo tempo, como possibilidade, necessidade e encontro com o outro. Ou seja,

exige-se a efetiva percepção da nossa vida para dar a tudo sentido e valor. Há uma

imperatividade de valores, princípios e normas, que devem ser descobertos não

arbitrariamente, mas nas tensões de nossa liberdade cotidiana. Frente aos desafios

do mundo atual, a consciência moral tornou-se uma realidade extremamente

dinâmica. Por outro lado, vale a pena ressaltar que não existe uma consciência

moral definitiva, em nenhuma idade. Pois, estamos sempre em processo de

realização humana.580

A partir das nossas experiências, tornamo-nos conhecedores da nossa mais

íntima dignidade. Somos chamados a tomar plenamente em nossas mãos a própria

vida e a plasmá-la na realidade que nos circunda. E assim, por meio da

consciência, somos capazes de avaliar as nossas próprias ações, sob o ponto de

vista moral e de emitir juízos em relação a essas mesmas ações concretamente

realizadas. Para isso, usamos de todo o nosso ser, envolvendo os aspectos

intelectivos, volitivos e emotivos.581

No entanto, falar de consciência moral não significa pressupor uma

consciência “autônoma”, segura de si, emancipada de toda relação com a

alteridade. Mas, significa admitir que o ser humano, esta criatura em constante

devir de humanização, pode, com todos os seus limites, moralizar a sua própria

vida, ou ao menos tentá-la. Pode coletivamente perceber-se dentro de certas regras

de vida comum que abrem um espaço público de concórdia e de justiça, mesmo

sem estar certo da perenidade da sua empreitada. Pode também falir e por fim não

estar à altura daquilo que quer, porque a sua vontade está submersa a impulsos não

dominados e certamente não de tudo domináveis.582

580 Cf. MAJORANO, S. La coscienza: per una lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 22; VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental, 4. e., 1977, Madrid: PS Edit., p. 314. 581 Cf. RÖMELT, J. La coscienza: un conflitto delle interpretazioni. Roma: Academiae Alphonsianae, 2001. p. 13-14; BORGHI, E.; BUZZI, F. La coscienza di essere umani: percorsi biblici e filosofici per un agire ético. Milano: Ancora, 2001. p. 118; VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental, 4ª. ed., 1977, Madrid: PS Edit., p. 322. 582 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995. p. 123.

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224

A partir de uma visão do personalismo cristão, destacamos que a pessoa

humana não “tem” consciência, mas “é” a sua própria consciência. Contudo, a

pessoa é sempre também, de certo modo, uma realidade desconhecida e insondável

nas suas profundidades últimas e mais recônditas. E talvez por isso, o fenômeno

consciência seja um tema nunca desgastado e sempre aberto a ulteriores

aprofundamentos e se compreende porque se torna difícil tentar uma definição

completa. Falar de consciência significa falar da pessoa humana na sua totalidade e

intimidade consigo mesma e, neste sentido, é sempre um mistério. Sobretudo,

diante de um mundo carregado de profundas e rápidas mudanças.583

4.1.3.1. Influências mais significativas na consciência moral

Em razão do ser humano ser sujeito e viver certa autonomia através da

consciência não diminui o fato da sua existência ser condicionada por fatores

genéticos, biológicos, familiares, educacionais, ambientais, psicoafetivos,

sociopolíticos e econômicos. Acrescenta-se aqui a presença dos meios de

comunicação social. Porém, a existência de tais fatores não significa que a

consciência seja determinada por eles. Há, sim, certa influência, mas não uma total

determinação.584

Muitas vezes, vivemos o fenômeno da consciência moral como um eco da

sociedade. E isto é, em parte, inevitável, pois estamos condicionados pela história.

Às vezes cremos que estamos agindo com consciência pessoal e não somos nada

mais que um eco da consciência social. Na verdade, somos devedores de toda a

história humana. A força cultural da humanidade condiciona a nossa consciência.

Não somos nada mais que um eco desta consciência cultural, pois, a consciência

individual nasce dentro dessa consciência coletiva. Ela se alimenta e se desenvolve

583 Cf. CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori obiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 91-92. 584 Cf. AGOSTINI, Nilo. Moral Cristã – temas para o dia-a-dia – nesta hora da graça de Deus. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 30.

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225

a partir da consciência social. E o que os demais esperam de nós se constitui

muitas vezes como voz de nossa consciência.585

Um dos maiores desafios que hoje encontramos é a força e a influência dos

meios de comunicação social em nossas vidas. As possibilidades que se abrem

através destes meios são fascinantes. Consciências que conquistam os horizontes

do mundo todo, atuando-se em reciprocidade entre si. Mas, por outro lado, os

riscos são muito grandes, com uma manipulação das informações, de imagens, de

estilos, a serviço do poder e dos interesses dos mais fortes.586

4.1.4. Ambigüidades do Concilio: tensão entre paradigmas

Os debates medievais falam de consciência como uma função do intelecto

(razão prática) ou da vontade (opções). A era manualista a fez como uma operação

racional que funciona de um modo dedutivo, caindo na casuística. Com o Vaticano

II, sobretudo com a Gaudium et spes, abre-se para nós uma nova era em relação à

reflexão sobre a natureza da consciência moral.587

As palavras da Gaudium et spes, n.16, dão um tom de respeito sincero à

consciência de cada um, anunciando a sua consistência e profundidade. Falam da

interioridade misteriosa da pessoa humana que não somente está diante de Deus

como imagem, mas participa da sua própria vida como filho ou filha. Graças ao

mistério pascoal de Cristo, a consciência é o “lugar” do Espírito que nos abre à

riqueza do Pai, transformando-nos progressivamente no seu Filho.588

À primeira vista, os documentos do Vaticano II enfatizam, de uma forma

geral, a dignidade e autonomia das consciências. No entanto, ao analisarmos mais a

fundo os textos, percebemos que há diferentes visões, até mesmo conflituosas,

sobre a natureza e o papel da consciência. Sendo assim, os ensinamentos do

Concílio podem ser descritos, de certa forma, como ambíguos. O termo

585 VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental, 4. e., 1977, Madrid: PS Edit., p. 316-317. 586 MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 62. 587 Cf. GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press, 2004, p.51. 588 Cf. MAJORANO, S. op. cit., p. 181.

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226

consciência é empregado numa combinação de sentidos, manifestando certa

incoerência.589

A ambigüidade é também extremamente óbvia na Gaudium et spes, n.16. Na

primeira parte do texto, o papel da consciência é descrito simplesmente como o de

obedecer à lei moral objetiva. Já na última parte do mesmo número, o sentido

muda de figura. O paradigma da lei é abandonado. Ao invés, é a voz de Deus que

ecoa nas nossas profundezas e nos orienta a buscar o bem em cada situação. Além

disso, a passagem afirma que esta capacidade para discernir está presente em todas

as pessoas, desconsiderando se são cristãs ou não.590

Isto porque, nos documentos do Concílio, em geral, encontramos um

paradigma já em colapso: o da lei. E um outro paradigma, o do personalismo,

começa a emergir. Na verdade, o Vaticano II iniciou um processo de renovação

que ainda está em curso. O desenvolvimento do paradigma personalista na teologia

moral veio trazer uma nova luz, encorajando-nos a uma vivência mais

comprometida da fé.591

Tendo em vista este novo paradigma personalista, vale a pena destacar as

conquistas mais fundamentais da teologia da consciência moral em Gaudium et

spes n.16: 1) a existência da consciência categorial: “faz isso, evita aquilo”; 2) a

existência da superior consciência transcendental como profunda interioridade

onde o humano se encontra a sós com Deus, numa tensão de amor, que se estende

de Deus para o próximo.592

Para Häring, a Gaudium et spes, n.16, acentua a importância da autonomia e

assim exprime o seu verdadeiro significado: o ser humano se confronta com Deus

na consciência, e nenhum outro pode colocar-se por cima das decisões que a ela

competem. A submissão a Deus não pode nunca tornar-se heteronomia, quando se

pensa que o Senhor procura amigos que conheçam as suas intenções e não escravos

que observem pequenos preceitos, privados de qualquer indicação sobre o seu

significado e motivo de ser.593

589 Cf. HOGAN, L. Conscience in the documents of Vatican II. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.82; GAFFNEY, J. Matters of faith and morals. London: Sheed and Ward, 1987, p. 115-133. 590 Cf. HOGAN, L. op. cit., p.84. 591 Idem, p.87. 592 Cf. CAPONE, D. La teologia della coscienza morale nel Concilio e dopo il Concilio. Studia moralia. Roma, n. XXIV/1, 1986, p. 230-232. 593 Cf. HARING, B. Il peccato in un’epoca di secolarizzazione. Bari: Paoline, 1973, p. 37-38.

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227

Sendo assim, depois do Vaticano II, afirma-se um modelo de ética que

interpreta numa chave antropológica o agir moral como expressão da pessoa no seu

fazer histórico, a partir de um projeto global. Com isso, destaca-se a importância

da categoria “opção fundamental”. Destaca-se também o valor das atitudes, mais

do que os atos particulares. Nesta concepção, cada decisão moral passa através das

relações com os outros, com o mundo e com Deus.594

4.1.5. A consciência moral numa visão personalista

Na Bíblia, o termo nefesh/psyché (alma) significa o eu como ser vivente. O

termo basar/sárx (carne) significa o eu como ser terrestre, frágil, mortal.

Ruah/pneûma (espírito) significa o eu como ser vivificado por uma chama divina.

Soma (corpo) significa o eu como ser relacionado com o mundo, com os outros e

com Deus. Todos estes elementos no curso da história sofreram desvios

interpretativos múltiplos, sendo catalogados, muitas vezes, unicamente com base

ao esquema de inspiração grega numa contraposição dualista entre corpo e alma,

com uma interpretação dicotômica e negativista.595

É importante lembrar que na tradição patrística, Santo Agostinho foi o que

mais tratou da descrição das características fundamentais da consciência moral

como interioridade. Para ele, o ser humano é a sua própria consciência, porque é o

centro interior da pessoa, o abismo onde habita Deus. 596

Por outro lado, na visão do personalismo cristão, a consciência não é uma

simples parte ou uma particular função da pessoa humana, mas, no fundo, a própria

pessoa. Conseqüentemente, cada visão isolada, que a separa da totalidade humana,

torna-se somente um fragmento ou, senão, uma falsificação dos problemas e das

suas soluções.597

594 Cf. PIANA, G. La coscienza nell’attuale contesto culturale. Credere oggi. ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 13. 595 Cf. TRENTIN, G. Struttura e funzioni della coscienza nella teologia morale. Credere oggi. ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 75. 596 Cf. AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. 4, Brescia: Queriniana, 1986, p. 213. 597 Cf. GÜNTHÖR, Anselmo. Coscienza e legge. Seminarium. Città del Vaticano: Sacram Congregationem Pro Institutione Catholica, n. 3, jul.-sept. 1971, p. 563.

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228

Podemos afirmar, portanto, que a consciência é o próprio ser humano

enquanto se dá conta de que existe e é chamado a desenvolver-se numa

determinada direção. É preciso considerar a pessoa integral como o sujeito da vida

moral e ver esse sujeito inserido nas coordenadas do tempo, espaço, grupo, sexo e

caráter.598

A consciência moral não é simplesmente um tribunal interior que acusa ou

aprova, condena ou absolve a pessoa em relação ao seu agir. Ela não indica

somente a dimensão interior da pessoa que deve responder pelas suas escolhas e

ações. Mas, é a própria pessoa, que entrecruza as suas relações com os outros,

diante de Deus.599

Neste sentido, a consciência humana enquanto expressão da totalidade da

pessoa é uma realidade complexa, na qual convergem, numa relação complementar

e dialética, os diversos aspectos ou momentos da experiência pessoal. A vida, o

modo o qual as pessoas permanecem no tempo e no espaço, não é uma simples

presença, mas é, ao invés, conduzida num presente no qual aquilo que provém do

passado se entrecruza com as expectativas em relação ao futuro.600

A realidade da consciência cristã é histórica pelo fato de que se refere a um

sujeito que na história é chamado a conhecer e realizar a sua identidade cristã. É a

pessoa concreta, enquanto ela se encontra conscientemente diante da sua decisão

fundamental de agir e de responder ao chamado de Deus. Ela se refere, portanto, à

totalidade da pessoa humana, na qual inclui-se não somente aspectos cognitivos e

volitivos, mas também afetivos, intuitivos, somáticos e outros mais. Ou seja, numa

visão personalista, a consciência moral é concebida de uma forma holística. Ela é o

todo da pessoa no julgar e avaliar o que fazer, como agir, envolvendo todas as suas

dimensões.601

598 Cf. VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 126; MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas..., p. 160. 599 Cf. FABRIS, R. La coscienza nella riflessione di San Paolo. Credere oggi. ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 53. 600 Cf. MADINIER, G. La coscienza morale. Torino: Elle di Ci, 1982. p. 6; TOMASI, G. Persona, ragioni, coscienza: alcune considerazioni. Credere oggi. ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 35. 601 Cf. GÜNTHÖR, Anselmo. Coscienza e legge. Seminarium. Città del Vaticano: Sacram Congregationem Pro Institutione Catholica, n. 3, jul.-sept. 1971, p. 560; GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.53; MEDUSA, L. Il contributo di A. Gardeil per lo sviluppo della riflessione teologica sulla coscienza morale cristiana. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 258.

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Portanto, a consciência é reflexão, mas é também generosidade. É razão, mas

é também sentimento e paixão. Produz o conhecimento e ao mesmo tempo o amor

ao bem. Certamente, a consciência é muito mais matriz de aspirações e desejos do

que de conhecimentos. Por isso, pode gerar mais angústias do que certezas, mais

interrogações do que respostas. Ou seja, visa sempre o transcender das

possibilidades humanas. Tudo isto a torna, muitas vezes, uma faculdade incômoda

e sui generis.602

É importante destacar as principais dimensões da pessoa humana: o intelecto,

a vontade como capacidade de autodeterminação, o sentimento e toda a esfera

sensitiva. É através do seu intelecto que a pessoa humana compreende o bem. É

através da vontade que decide a atuação e a realiza na sua sensibilidade que

adverte uma alegria pelo bem realizado e remorso pelo mal. Devemos reconhecer

também a dimensão afetiva, pois o coração também tem as suas próprias razões.

Mesmo que nossas intuições e emoções possam errar, elas têm um papel

significativo nas nossas decisões.603

É preciso permanecer fiel a uma visão antropológica integral, sem cortes ou

desequilíbrios. Consciência significa algo de grandioso, uma realidade criativa,

capaz de ver e de atuar qualquer coisa que antes não existia ainda. De gerar, de

certo modo, qualquer coisa de infinito na simples forma limitada de uma ação.

Pois, não somos coisas, mas pessoas, sujeitos morais e, enquanto tais, orientados

para aquilo que é objetivamente bom e justo. Ao mesmo tempo, não somos

chamados somente a assumir uma atitude moralmente boa, mas também a traduzir

tais atitudes numa série de comportamentos moralmente retos.604

Por outro lado, a nossa consciência não é um espelho, que reproduza

simplesmente aquilo que se encontra diante dela. No nosso olhar o mundo está

presente algo de nós mesmos. Com nosso temperamento, com nossos desejos, com

nossos motivos secretos e também evidentes. E assim, modelamos a realidade, de

602 Cf. BACH, J. M. Consciência e identidade moral. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 93; 99-100. 603 Cf. CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori obiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 89-90; CURRAN, C. Conscience in the light of the Catholic Moral Tradition. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.16-17. 604 Cf. GUARDINI, R. La coscienza. 3. ed. Brescia: Morcelliana, 2001, p. 33; MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 183; TRENTIN, G. Struttura e funzioni della coscienza nella teologia morale. Credere oggi. ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 89.

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acordo com o nosso olhar. Não a tomamos como é em si mesma. Não vemos as

coisas como elas são, mas como queremos que elas sejam. Nós desejamos ver na

situação a confirmação daquilo que somos. E assim, interpretamos a situação, de

acordo com os nossos desejos conscientes e incoscientes.605

Enquanto órgão, a consciência é sede interior na qual a pessoa humana dá

sempre a sua livre resposta, se autodetermina em direção à sua opção fundamental

ou contra ela. É, portanto, a sede da sua liberdade, interioridade da qual surge a

validade ou não das ações humanas.606

Podemos então dizer que com a consciência a pessoa humana encontra-se a

si mesma. Ela torna-se conhecedora da sua identidade, numa relação com o próprio

eu. E, neste reportar-se, percebe-se não como já perfeitamente realizada, mas como

portadora de uma vocação à realização humana. Como portadora de um projeto

que traz inscrito em si, que não é ela a dar-se, mas é dado por alguém que a

ultrapassa, o próprio Deus. Um projeto que se faz exigência e que ela deve, na sua

liberdade humana, realizar.607

4.1.6. Dignidade e missão da consciência moral como sacrário inviolável

Como afirma o Concílio, a consciência é o núcleo mais secreto da pessoa

humana. Por isso, ela tem o direito à inviolabilidade. Nenhuma autoridade pode

introduzir na consciência alheia e profanar esse sacrário da intimidade pessoal. Da

consciência recebe a pessoa a sua dignidade, enquanto a abre ao diálogo com Deus.

Violentar a consciência, obrigando-a a agir contra seus próprios princípios, faz

com que esta se manche, ou seja, se enfraqueça e sofra um dano muitas vezes

irreparável.608

605 Cf. GUARDINI, R. La coscienza. 3. ed. Brescia: Morcelliana, 2001, p. 35. 606 Cf. MAJORANO, S. op. cit., p. 77; TREMBLAY, R. La libertà dei figli: saggio di teologia paolina. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 72-73; CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori obiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 90-91. 607 Cf. CASSANI, M. op. cit., p. 90. 608 Cf. VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental, 4. e., 1977, Madrid: PS Edit., p. 300; 327; ALVAREZ VERDES, L. La “sineidesis” en S. Pablo. Studia moralia, Roma, n. 32, 1994, p. 302.

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Vale ressaltar que em Rm 2,14-15 nos é lembrado que a consciência é

patrimônio de cada pessoa humana. A idéia central deste texto encontra-se

expressa e aplicada na constituição pastoral Gaudium et spes, n. 16.609 Vejamos o

texto:

Quando então os gentios, não tendo Lei, fazem naturalmente o que é prescrito pela Lei, eles não tendo Lei, para si mesmos são Lei; eles mostram a obra da lei gravada em seus corações, dando disto testemunho sua consciência e seus pensamentos que alternadamente se acusam ou defendem. Podemos afirmar que a consciência tem em vista a autêntica realização do eu

individual, numa realidade concreta. Realização que inclui, ao mesmo tempo, a

abertura a Deus, às outras pessoas, à coletividade e ao mundo como um todo. Não

tem o sentido de uma simples obediência cega às normas, mas, sobretudo, a

responsável realização do próprio eu no mundo.610

Por meio da consciência, a pessoa é conhecedora de si como ser ético, como

realidade chamada a uma auto-realização na atuação do bem. Como é na

consciência que vem sempre o encontro entre o sujeito e as normas morais, cada

um busca alcançar aquilo que considera como bom e eticamente correto, e a evitar

aquilo que julga como mal, eticamente errado. Agindo em conformidade à sua

convicção de consciência, a pessoa humana se comporta de modo subjetivamente

justo. No entanto, não podemos esquecer de vista o risco do subjetivismo. Para

isto, é preciso evidenciar a importância de uma boa formação moral.611

4.1.7. Conclusão

Hoje, o tema da consciência moral está na ordem do dia. Expressões como

“liberdade de consciência”, “direitos da consciência”, “primado da consciência”,

609 Cf. HÄRING, B. La legge naturale nella luce della legge di Cristo iscritta nei cuori.. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 285-286; MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 77. 610 Cf. CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori obiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 99. 611 Cf. CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea..., Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 103-110.

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“fidelidade à própria consciência”, etc. estão presentes na linguagem comum. O

tema da consciência encontra-se no centro de um amplo debate de múltiplos

âmbitos: teológico, filosófico, político, literário, científico.

No entanto, o exame do vocábulo “consciência moral” nos mostra uma

pluridimensionalidade de conceitos, com planos diferentes de uma mesma

realidade. Isto porque a consciência moral é algo muito complexo. Frente aos

desafios do mundo atual, a consciência moral tornou-se uma realidade

extremamente dinâmica. Por outro lado, vale a pena ressaltar que não existe uma

consciência moral definitiva, em nenhuma idade. Pois, estamos sempre em

processo de realização humana.

A partir de uma visão do personalismo cristão, destacamos que a pessoa

humana não “tem” consciência, mas “é” a sua própria consciência. Falar de

consciência significa falar da pessoa humana na sua totalidade e intimidade

consigo mesma e, neste sentido, é sempre um mistério. Mas, em razão do ser

humano ser sujeito e viver certa autonomia através da consciência não diminui o

fato da sua existência ser condicionada por fatores genéticos, biológicos,

familiares, educacionais, ambientais, psicoafetivos, sociopolíticos e econômicos.

Acrescenta-se aqui a presença dos meios de comunicação social.

As palavras da Gaudium et spes, n.16, dão um tom de respeito sincero à

consciência de cada um, anunciando a sua consistência e profundidade. Falam da

interioridade misteriosa da pessoa humana que não somente está diante de Deus

como imagem, mas participa da sua própria vida como filho ou filha. Graças ao

mistério pascoal de Cristo, a consciência é o “lugar” do Espírito que nos abre à

riqueza do Pai, transformando-nos progressivamente no seu Filho.

Contudo, encontramos uma ambigüidade extremamente óbvia na Gaudium et

spes, n.16. Na primeira parte do texto, o papel da consciência é descrito

simplesmente como o de obedecer à lei moral objetiva. Já na última parte do

mesmo número, o sentido muda de figura. O paradigma da lei é abandonado. Isto

porque, nos documentos do Concílio, em geral, temos um paradigma já em

colapso: o da lei. E, por outro lado, há o desenvolvimento do paradigma

personalista.

Tendo em vista este novo paradigma personalista, vale a pena destacar as

conquistas mais fundamentais da teologia da consciência moral em Gaudium et

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spes n.16: 1) a existência da consciência categorial: “faz isso, evita aquilo”; 2) a

existência da superior consciência transcendental como profunda interioridade

onde o humano se encontra a sós com Deus, numa tensão de amor, que se estende

de Deus para o próximo.

Na visão do personalismo cristão, a consciência não é uma simples parte ou

uma particular função da pessoa humana, mas, no fundo, a própria pessoa.

Conseqüentemente, cada visão isolada, que a separa da totalidade humana, torna-se

somente um fragmento ou, senão, uma falsificação dos problemas e das suas

soluções. É preciso considerar a pessoa integral como o sujeito da vida moral e ver

esse sujeito inserido nas coordenadas do tempo, espaço, grupo, sexo e caráter.

Como afirma o Concílio, a consciência é o núcleo mais secreto da pessoa

humana. Nenhuma autoridade pode introduzir na consciência alheia e profanar esse

sacrário da intimidade pessoal. Da consciência recebe a pessoa a sua dignidade,

enquanto a abre ao diálogo com Deus. A idéia central deste texto encontra-se

expressa e aplicada na constituição pastoral Gaudium et spes, n. 16.

Podemos afirmar que a consciência tem em vista a autêntica realização do eu

individual, numa realidade concreta. Realização que inclui, ao mesmo tempo, a

abertura a Deus, às outras pessoas, à coletividade e ao mundo como um todo. Não

tem o sentido de uma simples obediência cega às normas, mas, sobretudo, a

responsável realização do próprio eu no mundo.

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4.2. Formação da consciência moral

4.2.1. Introdução

O objetivo da formação é educar a pessoa para decidir não num cego impulso

interno ou por mera coação externa, mas, com convicção, buscar a realização do

bem. A formação não tem o sentido de dominar e subjugar a consciência. Busca

sim torná-la capaz de caminhar conforme a própria vontade e decisão para o bem,

para a realização verdadeira da própria vida e a edificação da comunidade humana,

de acordo com a justiça. Ou seja, o objetivo da formação da consciência não é em

primeiro lugar inquirir sobre as coisas certas ou não, mas de se alcançar uma

textura maior de nosso caráter, que se manifesta em atitudes, motivações,

intenções, afeições e perspectivas de vida.612

No seu verdadeiro significado, a educação moral é voltada para o conceito de

maturidade moral. Portanto, ela tende a formar uma consciência sensível aos

valores. Hoje, mais do que nunca, a educação da consciência moral exige a

superação das armadilhas do individualismo moderno, visando uma ética da

solidariedade e o reconhecimento da dignidade de cada pessoa humana. 613

Além disso, na dinâmica da vida atual, somos muito estimulados a ficarmos

apenas na superfície, a nos contentarmos com as aparências, a nos agregarmos aos

modismos de cada época e a nos atermos à concepção de que “todos fazem assim”.

Neste sentido, a formação da consciência moral deve preocupar-se com a busca da

profundidade da vida, em todos os seus aspectos. Daí, o papel da Igreja como

insubstituível educadora, buscando a plenitude da realização humana. Nela, os

612 Cf. HÄRING, B. I religiosi del futuro. Roma: Paoline, 1972, p. 116-117; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 53; SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa. Credere oggi, ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 105; GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.55. 613 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 153; LANDINI, E. Coscienza morale ed evangelizazione. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori obiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 187.

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cristãos são ajudados a não serem levados por “todo vento de doutrina, presos

pelas artimanhas dos homens” (cf. Ef 4,14).614

Pois, é inegável que a vida de fé tem um forte impacto na maturação da

consciência. Do encontro com Cristo e da mensagem do Evangelho se dá um novo

projeto de vida, um novo modo de ver o mundo e a si mesmo. Como cristãos

devemos considerar também, na formação de nossas consciências, o papel

fundamental do Espírito Santo que renova as nossas mentes e corações.615

4.2.2. O processo de amadurecimento da consciência moral

O amadurecimento moral da pessoa é algo que acontece por meio de um

caminho progressivo. São etapas que se sucedem, assinaladas de graduações,

através das experiências do dia-a-dia. Por outro lado, este amadurecimento nunca

se completa em sua forma definitiva. Ou seja, vivemos por toda a vida esta

dialética de crescimento, de desenvolvimento, mas que pode ser também

regressivo. Como humanos, temos sempre um projeto, um algo a mais a realizar.

Daí constantes insatisfações, depois de realizadas as nossas necessidades presentes.

Face mesmo a estas insatisfações, o caminho de formação deve ser sempre tomado.

Sobretudo, na idade adulta na qual se exige um empenho renovado frente às

responsabilidades profissionais, familiares e sociais, com desafios éticos densos de

interrogações.616

Dotados de um poder cognitivo em si mesmo ilimitado, que, todavia, avança

em degraus, nós não conseguimos progredir no nosso caminho pessoal de vida,

614 Cf. MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 130-131; BENETOLLO, O. Il problema della formazione della coscienza retta. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. op. cit., p. 128; Cf. GIOVANNI PAOLO II. Udienza generale dell’Anno Santo, 24 agosto 1983; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 96; VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995. p. 223. 615 Cf. LANDINI, E. Coscienza morale ed evangelizazione. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. op. cit., p. 188-189. 616 Cf. HARING, B. La morale è per la persona. Roma: Paoline, 1973, p. 241; MAJORANO, S. La coscienza...p. 182 e 238-239; GATTI, G. Confessione ed educazione morale. Corso sul Foro Interno. Tribunale della Penitenzieria Apostolica. Roma, 2005, p. 3; GUARDINI, R. La coscienza. 3. e. Brescia: Morcelliana, 2001, p. 54-55; AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. 4, Brescia: Queriniana, 1986, p. 219.

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seja no plano cognitivo como comportamental, sem a ajuda da experiência coletiva

acumulada e conservada pelas gerações precedentes, e sem a ajuda de uma normal

transmissão dos resultados adquiridos no tempo. No entanto, é preciso que

tenhamos em vista o fato de que o agente principal da nossa educação é cada um

de nós mesmos.617

A maturidade moral é a capacidade de penetrar no pleno significado dos

valores morais. Ela não se reduz à simples correspondência com a norma moral,

nem se firma com atos particulares. Ela constitui muito mais numa sensibilidade

que afina, sobretudo na mente renovada do fiel, e que orienta desejos, aspirações,

impulsos e esperanças. A maturidade moral se manifesta na capacidade de

conhecer, de julgar eventos e escolher, numa tensão para o bem.618

No entanto, a educação é um processo delicado, sempre à margem de

transformar-se numa pseudo-educação moral. Não é infreqüente que aqueles que

têm a responsabilidade de formar a pessoa humana, a começar pelos próprios pais,

tendam a não fazer amadurecer a subjetividade moral, mas a produzir alguns

comportamentos éticos conforme às normas impostas pelas autoridades

constituídas, recorrendo a ameaças – mais ou menos sutis e explícitas – de sanções.

Em tal caso, a consciência moral corre o risco de tornar-se um tipo de superego –

para usar a linguagem de S. Freud – mediante o qual a pessoa vem subjugada a

exigências exteriores e alienantes.619

Por isso, mais do que nunca, a consciência precisa ser instruída, educada.

Para o cristão, a formação geral da consciência coincide com a edificação de si

mesmo como pessoa humana, comprometida com Jesus. Isto se dá na vivência

concreta de seguidor de Jesus Cristo, por meio da busca amorosa de Deus, da

abertura interior ao Espírito do Senhor na oração, da escuta fiel da Palavra, da

Eucaristia, da comunhão eclesial e da existência para os outros, na caridade. O

617 Cf. BENETOLLO, O. Il problema della formazione della coscienza retta. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori Obiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 119-120. 618 Cf. DEMMER, K. Christi vestigia sequentes. Pontificia Università Gregoriana, Roma, 1989, p. 241; LANDINI, E. Coscienza morale ed evangelizazione. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi..., p. 185. 619 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 52.

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cristão se forma tornando-se “co-natural” ao Cristo no seu Espírito e de tal modo,

tornando-se sempre mais “co-natural” ao amor e à paz.620

A formação se realiza através da dinâmica da comunhão fraterna (koinonía),

da presença testemunhante de pessoas credíveis (martyria) e do serviço humilde ao

outro (diakonía). Trata-se de formas com as quais o fiel – pense aqui na relação

pedagógica paradigmática entre Jesus e os seus discípulos descrita no Evangelho –

participa de uma dinâmica que estrutura a sua identidade moral. Os ensinamentos

de Jesus também endereçam ao olhar para o exame do coração, fonte dos atos

puros ou impuros, obriga a avaliar as intenções, traz em suma inelutavelmente uma

valorização da interioridade.621

4.2.3. Necessidade da formação

A profundidade e complexidade da consciência e o papel que a compete em

toda a vida moral fazem facilmente intuir a necessidade de uma correta formação.

Tal empenho deve ser considerado, por cada um de nós e pela sociedade inteira,

como o dever ético mais fundamental (cf. Mt 6,22-23). Vigilância e empenho

contínuo de formação são necessários para que a consciência seja clara e luminosa

e dê uma verdadeira qualidade para toda a nossa vida.622

A educabilidade é uma das características da natureza humana. Os animais

não são educáveis, embora possam ser eventualmente “adestrados”.

Universalmente, a educação é considerada a arte, em degraus, que conduz a pessoa

humana, enquanto ser inteligente, a tornar-se adulta. Ou seja, de instintiva para

620 Cf. PAOLO VI. Allocuzione del 12 febbraio 1969; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 69-70 e 89-90. 621 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995. p. 226-227; SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa. Credere oggi. ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 103; JOAO PAULO II. Familiaris consortio, n. 39. 622 Cf. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, n. 1783-1785. São Paulo: Loyola; Petrópolis: Vozes, 1993, p. 482-483; MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 123; GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.54.

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reflexiva, de imatura para madura. Neste sentido, a educação permite a cada pessoa

humana usufruir da herança espiritual da sua civilidade.623

A consciência se forma através de aprendizado e é fruto da educação. Hoje,

mais do que em qualquer outro tempo, é preciso a educação da vontade. É

impossível formar uma vontade que abra concessão a tudo. A educação da vontade

pode dizer-se completa somente quando alcança o pleno domínio de si. É

necessário que a pessoa humana seja decidida a tomar o cuidado de si mesma,

como sujeito moral, e canalize as energias interiores para tal escopo.624

Podemos dizer que existem quatro vias educativas: 1) um amor acolhedor,

capaz de favorecer a autonomia e de dar confiança; 2) uma disciplina amorosa e

firme que forme as regras da vida social; 3) o ensino e o testemunho dos

educadores; 4) a identificação com diversos modelos ideais que se sucedem no

tempo. Dessas quatro vias, é oportuno considerar a grande influência do exemplo

moral oferecido pelos educadores. Pois, o encontro com uma personalidade moral

verdadeira cria “simpatia”, tem qualquer coisa de espiritualmente contagioso.625

O cristão que é dócil ao Espírito não precisa de leis “externas”. Mas, em

razão da fragilidade humana, as leis são meios pedagógicos necessários para

formar a nossa consciência, orientar nossas ações, no aprendizado do

discernimento do bem. A primeira de todas as leis, fundada no amor a Deus, é a do

amor universal, imparcial e concreto para com todas as pessoas humanas. Já os

mandamentos do Decálogo (não matar, não cometer adultério, não furtar...) são

expressões fundamentais desta mesma lei.626

A formação da consciência é necessária. A consciência, de fato, no seu

caminho marcado desde já pelo pecado é exposta a muitas deformações. Pode,

antes de mais nada, relaxar-se e julgar de uma forma leviana aquilo que é grave.

Por outro lado, pode tornar-se farisaica, escrupulosa, ansiosa. Por isso, para nós

623 Cf. BENETOLLO, O. Il problema della formazione della coscienza retta. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori OBiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 119. 624 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 54.BACH, J. M. Consciência e identidade moral. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 83; BENETOLLO, O. op. cit., p. 125-126. 625 Cf. MADINIER, G. La coscienza morale. Torino: Leuman, 1982, p. 88-89; GATTI, G. Educazione morale: ética cristianas. Torino: Leumann, 1985, p. 176-193. 626 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Ética: pessoa e sociedade. Documentos da CNBB, n. 50, Paulinas, São Paulo, n.103.

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cristãos, a formação da consciência deve ter em vista o reconhecer a vontade de

Deus. O querer divino deve ser buscado, para agir conforme este querer. Isto pode

significar sacrifícios e abnegações, já que a pessoa humana é exposta

continuamente às falsas tentações de uma autonomia exclusivista.627

Sem esforço pessoal, não é possível alcançar algum significativo fim moral.

E também não se pode avançar na vida moral. No entanto, o simples esforço não

garante de fato o sucesso, dado a fragilidade e a tendência humana para o mal. É

preciso também considerar a presença da graça, com a respectiva resposta do

esforço humano.628

Numa sociedade em constante e acelerada evolução não é possível limitar-se

a perspectivas e soluções morais recebidas durante a infância e adolescência. É

preciso evoluir-se incessantemente, de acordo com os desafios da vida no dia-a-

dia. A necessidade de um empenho constante pela formação da consciência recebe

hoje uma nova urgência, frente ao crescente poder manipulador de determinados

grupos. As nossas avaliações e os nossos estilos de vida são cada vez mais

influenciados pelas informações e pelas propostas apresentadas, sobretudo pelos

meios de comunicação social, que nos bombardeiam a cada instante.629

Todos nós necessitamos de formação, pois a consciência não é infalível.

Somos configurados e formados pelas circunstâncias nas quais vivemos, pelas

tradições que recebemos, pela comunidade na qual fomos criados e pelas

experiências pessoais de nossas vidas. Quando falamos de consciência, falamos de

uma realidade frágil. Falamos de um aspecto humano que sempre precisa de ajuda

e luz, para caminhar bem. Pois, nem sempre somos capazes de ver com clareza a

realidade e emitir um reto juízo.630

627 Cf. Gaudium et spes, n. 41. In: CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. ed. Petrópolis: Vozes, 1996; .MADINER, G. La coscienza morale. Torino: Leuman, 1982, p. 84; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 50; GÜNTHÖR, Anselmo. Coscienza e legge. Seminarium. Città del Vaticano: Sacram Congregationem Pro Institutione Catholica, n. 3, jul.-sept. 1971, p. 567-568. 628 Cf. PETRÀ, B. op. cit., p. 55. 629 Cf. MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 125. 630 Cf. O’CONNELL, T. An understanding of conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.28; CURRAN, C. Conscience in the light of the Catholic Moral Tradition. In: CURRAN, C. (edit.). op. cit., p.14.

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240

4.2.4. Contribuições da psicologia para a formação da consciência moral

De acordo com a psicologia, a formação da consciência moral é um processo

de interiorização das normas sociais e dos seus valores. Trata-se de um processo

particularmente trabalhoso e cheio de feridas pelo narcisismo ou pelas ilusões de

crer-se o centro de tudo. Por outro lado, cada um traz em si os traços de um

passado sepulto, mas não apagado.631

O suíço Jean Piaget (1896-1980) e depois o americano Lawrence Kohlberg

(1928-1987) buscaram explicar o desenvolvimento do juízo moral, da infância à

idade adulta, abrindo um novo campo para a pesquisa da psicologia, um campo

bem longe de ser exaurido. No início, a consciência é formada e colhe o bem

heteronomamente, ou seja, como norma posta pelo externo do eu. Somente no

desenvolver das várias fases de maturação cognitiva e social do sujeito, ela adquire

uma autonomia e o bem se torna a norma mediante a qual o eu se põe como fiel a

si mesmo e como valor intrínseco da pessoa humana. Não se deve pensar, porém,

que a consciência seja nas suas primeiras fases um pólo puramente passivo da

pressão dos genitores ou, em geral, social. Já, desde o inicio, ela de qualquer modo

interage com o contexto social.632

A pessoa humana é um ser que necessita de uma longa gestação para formar-

se como membro ativo e autônomo. Nas primeiras fases da vida humana, esta

gestação se configura com a pedagogia moral que o mundo dos adultos exerce

sobre a pessoa em formação. Família, escola, Igreja e ambiente de trabalho

constituem os principais meios formativos que se sucedem ou se associam, numa

interação, com aquela “douta ignorância moral” ou aquele sentido do bem que é

patrimônio íntimo de cada pessoa.633

Portanto, na ótica da psicologia, a consciência não se torna madura e

verdadeira através de conteúdos cognitivos objetivos, mas através da integração

psicodinâmica da pessoa humana. A passagem da heteronomia para a autonomia

moral, através dos processos de socialização, implica em regras de cooperação e

631 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995, p. 121. 632 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”..., Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 16-17. 633 Idem., p. 49.

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participação (J. Piaget). Por outro lado, a possibilidade de que o sujeito alcance um

raciocínio moral emancipado dos próprios impulsos e interesses egocêntricos passa

pelo respeito das convenções sociais, da autoridade e da lei. Alcança-se assim, uma

ética da convicção onde uma decisão de consciência nasce de princípios éticos

escolhidos pessoalmente (L. Kohlberg).634

4.2.5. A educação na liberdade

“Educar” – do latim e-ducere, “levar para fora de” – é conduzir ao externo

do coração das pessoas, suas aspirações, ideais, atitudes e potencialidades já

presentes, afim de que crie no seu íntimo e oriente-se para o bem, o belo e o

verdadeiro. A comunidade cristã sempre defendeu e afirmou a sabedoria da interna

capacidade humana para fazer o bem, também quando tal visão foi obscurecida por

um excessivo acento no pecado original e na sua impotência para o bem,

determinada por uma antropologia cristã dualista, com uma separação entre

natureza e graça.635

“Educar” – do latim edere, “nutrir”, segundo uma outra acepção etimológica

– é também capacidade de transmitir ao educando um saber moral, feito de valores

como o amor, a justiça, a honestidade; de normas e regras de vida; de tradições e

modelos de comportamento que definem a cultura moral de um povo.636

A obra educativa é, portanto, uma arte na qual se conjugam aspectos

cognitivos (instruções, ensinamentos críticos, aprendizagem, etc.) com aqueles

vitais (experiências e processos de libertação e de responsabilização, etc.), sendo

acompanhada pela ação do Espírito, o Educador interior. Pois, o Espírito educa a

consciência para a capacidade de discernimento (Cf. Ef 1,9-10; Rm 12,2; Heb

5,14).637

Uma educação da consciência, radicada no fundamento trinitário-histórico-

salvífico da moral, se preocupa não em determinar “que coisa fazer”, mas o

634 Cf. RÖMELT, J. La coscienza: un conflitto delle interpretazioni..., p. 95; SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa. Credere oggi. ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 108. 635 Idem., 104. 636 Id., ibid. 637 Idem.

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“porque vale a pena”, sustentado por cada tomada de posição ética. Ou seja, é

preciso que a via educativa seja acolhedora e confiante nas potencialidades da

pessoa. No entanto, hoje, a verdadeira questão é que para a imensa maioria dos

adultos falta radicalmente uma identidade que seja capaz de transmitir conteúdos e

modelos de valor. Identidade esta que passa pelo “estar com”, “caminhar juntos” e

partilhar sabendo oferecer um testemunho significativo, ou seja, sensato.638

Por outro lado, vivemos uma realidade de pluralismos, ou seja, da

multiplicidade de discordância das concepções e das opiniões, mesmo em relação

às questões éticas. O difundir-se dos meios culturais (o cinema, a imprensa, a

rádio, a televisão, a internet, etc.) tem contribuído notavelmente para a formação

desta mentalidade pluralista e independente. O único caminho que nos resta é o da

educação com liberdade e responsabilidade, lembrando que “a educação da

consciência é uma tarefa de toda a vida” (cf. Catecismo da Igreja Católica, n.

1784). Portanto, a educação fundamental da consciência cristã não é uma educação

para um aperfeiçoamento moral, mas para a responsabilidade diante do

compromisso de colaboradores da história da salvação.639

Ou seja, a educação cristã da consciência é, antes de tudo, uma educação

para a docilidade ao Espírito e para a vivência do amor, no cultivo das virtudes (Cf.

Catecismo da Igreja Católica, 1803-1829). Trata-se de uma educação para atitudes

firmes e estáveis na procura do bem, mais do que procura escrupulosa de

determinar regras e preceitos para todo e qualquer caso. Finalmente, é educação

para o discernimento prudente e criativo, que colhe a oportunidade de contribuir

para a realização de uma nova sociedade humana. 640

638 Cf. SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa..., p. 109-111. 639 Cf. MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 144; ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. ed. Roma: Città Nuova, 2000, p. 21-22; GÜNTHÖR, Anselmo. Coscienza e legge. Seminarium. Città del Vaticano: Sacram Congregationem Pro Institutione Catholica, n. 3, jul.-sept. 1971, p. 570; MOLINARO, A. Libertà e coscienza: saggi etica filosofica e teologica. Roma: PUL/Città Nuova, 1977, p. 153; ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. ed. Roma: Città Nuova, 2000. p. 21-22; VATICANO. Catecismo da Igreja Católica. São Paulo: Loyola; Petrópolis: Vozes, 1993. p. 482. 640 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Ética: pessoa e sociedade. Documentos da CNBB, n. 50, Paulinas, São Paulo, n.108; VATICANO. Catecismo da Igreja Católica, op. cit., p. 485-492.

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243

4.2.6. Formação e Magistério

A busca da vontade de Deus na concreta situação deve nascer num espaço de

comunhão com a Igreja que, conduzida pelo Espírito do Senhor, caminha na

história. A consciência “individual” é sempre e necessariamente, para o cristão,

uma consciência “eclesial”. Por isso, a formação da consciência não pode ser

realizada como aventura privada e individual, que do externo julga tudo o que a

Igreja diz, mas ao contrário como intencional busca da vontade de Deus ao interno

daquele ambiente de comunhão de vida com todos os outros fiéis em Cristo. Neste

contexto pedagógico-formativo, um destaque fundamental é o Magistério da Igreja

que, porém, não chega sempre a afirmações e certezas absolutas, pois há sempre

uma evolução e revisão.641

O Magistério tem um papel muito positivo e importante no sentido de

iluminar as consciências. No exercício de nossas consciências, não temos a posse

da verdade, de uma forma imediata. E precisamos sempre buscar a verdade. Os

valores os quais buscamos são, muitas vezes, frágeis e ambíguos.

Consequentemente, nós precisamos da assistência do Magistério. Isto se torna mais

evidente, quando saímos do nosso olhar pessoal para a complexidade do contexto

cultural em que vivemos. Temos uma esmagadora necessidade de líderes morais

hoje. Ao assumir este papel, a Igreja presta um grande serviço à humanidade.642

Nós não ignoramos a voz de Deus que ressoa em nós. Mas, precisamos de

uma orientação para poder articular bem esta voz com a nossa vivência do dia-a-

dia. Daí a importância do Magistério da Igreja. Os cristãos que são sinceros e têm

uma fé amadurecida percebem o Magistério não como uma imposição, mas como

um meio precioso de se alcançar uma luz.643

Como afirma a Veritatis splendor, n.64:

641 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 78; CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori obiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 104. 642 Cf. O’CONNELL, T. An understanding of conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.32. 643 Cf. GRISEZ, G.; SHAW, R. Conscience: knowledge of moral truth. In: CURRAN, C. (edit.). op. cit., p.46 e 49.

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244

A Igreja põe-se sempre e só ao serviço da consciência, ajudando-a a não se deixar levar cá e lá por qualquer sopro de doutrina, ao sabor da maldade dos homens (cf. Ef 4, 14), a não se desviar da verdade sobre o bem do homem, mas, especialmente nas questões mais difíceis, a alcançar com segurança a verdade e a permanecer nela. Na formação da nossa consciência moral, temos diversas autoridades

consideradas fundamentais: genitores, educadores, catequistas, bons testemunhos.

Todos eles são ao mesmo tempo autoridades através das quais chega o chamado a

querer ser pessoa moral, assinalando o chamado com a sua específica marca afetiva

e intelectual. Mas, dentre estas autoridades, não podemos perder de vista o papel

do Magistério Eclesiástico.644

A Igreja deve se preocupar para que os cristãos atuantes nos âmbitos político,

cultural e social, sejam sempre responsáveis e não se deixem manipular. Para isso,

é preciso uma educação adulta que seja capaz de promover a justiça e de formar

caráter e capacidade crítica.645

Verdadeiramente a Igreja, enquanto comunidade de fiéis promove a

consciência chamando o fiel a ser digno da sua vocação. A autoridade do

Magistério eclesiástico se insere neste contexto. Tem, todavia, uma

responsabilidade específica: o compromisso de recordar ao conjunto da

comunidade de fé as exigências da fidelidade a Cristo. Tem também o

compromisso de indicar onde, como e sob quais pontos a consciência pode hoje

encontrar-se solicitada às fidelidades inovadoras. Deve, portanto, encorajar à

vigilância, anunciando Aquele que vem e que os conformismos, as “sonolências”

morais e as velhacarias fazem esquecer esta fidelidade.646

Contudo, as normas formuladas pela Igreja e pela comunidade humana no

curso dos séculos representam certamente um grande patrimônio de doutrina e

verdade. Mas, elas não se constituem na plenitude da verdade, não a exaurem. Por

isso, a Igreja se encontra continuamente tomada por graves interrogativos éticos,

determinados, sobretudo, pelo progresso da ciência.647

644 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995. p. 242-243. 645 Cf. TRASFERETTI, J. Teologia moral na Pós-Modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade – abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, p. 430. 646 Cf. VALADIER, P. op. cit., p. 243. 647 CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi..., Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 102.

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245

A Igreja deve ser vista, de uma forma positiva, ao longo de toda a história

humana, a partir da sua existência. Não há dúvidas de que a Igreja nem sempre

falou inequivocamente na defesa dos valores morais. Houve determinados

momentos em que ela traiu estes valores. Mas, o fato é que, em geral, ela tem sido

uma grande força para o desenvolvimento humano e para a proteção da dignidade

de todos. Além disso, ela é uma instituição que tem um propósito que ultrapassa

qualquer época, porque é portadora de “palavras eternas”.648

A Igreja é beneficiária de séculos de tradição, de sabedorias acumuladas ao

longo de sua existência. Por isso, ela se encontra especialmente numa boa posição

para avaliar e julgar a realidade em que vivemos. Neste sentido, a consciência e o

Magistério não devem ser vistos em termos de conflito de autoridades. Ao invés,

eles devem ser vistos como suportes mútuos no compromisso e na fidelidade a

Deus.649

Uma outra razão que a Igreja deve ser vista positivamente, deriva da fé no

Deus Uno e Trino. Acreditamos de fato que o Espírito Santo habita em nós, por

isso nos ilumina na nossa caminhada. Não acreditamos arrogantemente que a

Igreja seja o Reino de Deus. Mas, reconhecemos que ao nos deixarmos guiar pelo

Espírito, somos portadores das sementes do Reino. Por outro lado, sendo a Igreja

uma instituição humano-divina, composta de homens e mulheres que são também

pecadores, ela pode ser vista muitas vezes como uma “prostituta da Babilônia”.

Mas, desde o profeta Oséias, tem sido parte da tradição judaico-cristã o fato de que

Deus perdoa as infidelidades da “amada”, sendo a fidelidade divina uma presença

permanente entre nós, pois se trata de uma promessa irrevogável.650

4.2.7. Conclusão

O objetivo da formação é educar a pessoa para decidir não num cego impulso

interno ou por mera coação externa, mas, com convicção, buscar a realização do

648 Cf. O’CONNELL, T. An understanding of conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.32. 649 Ibid., p.33; HOGAN, L. Conscience in the documents of Vatican II. In: GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.87. 650 Cf. O’CONNELL, T. An understanding of conscience. In: CURRAN, C. (edit.). op. cit., p.33.

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246

bem, para a realização verdadeira da própria vida e a edificação da comunidade

humana, de acordo com a justiça.

Hoje, mais do que nunca, a educação da consciência moral exige a superação

das armadilhas do individualismo moderno, visando uma ética da solidariedade e o

reconhecimento da dignidade de cada pessoa humana. Além disso, na dinâmica da

vida atual, somos muito estimulados a ficarmos apenas na superfície, a nos

contentarmos com as aparências, a nos agregarmos aos modismos de cada época e

a nos atermos à concepção de que “todos fazem assim”. Neste sentido, a formação

da consciência moral deve preocupar-se com a busca da profundidade da vida, em

todos os seus aspectos.

Daí, o papel da Igreja como insubstituível educadora, buscando a plenitude

da realização humana. Nela, os cristãos são ajudados a não serem levados por

“todo vento de doutrina, presos pelas artimanhas dos homens” (cf. Ef 4,14). Pois, é

inegável que a vida de fé tem um forte impacto na maturação da consciência.

Como cristãos devemos considerar também, na formação de nossas consciências, o

papel fundamental do Espírito Santo que renova as nossas mentes e corações.

Dotados de um poder cognitivo em si mesmo ilimitado, que, todavia, avança

em degraus, nós não conseguimos progredir no nosso caminho pessoal de vida,

seja no plano cognitivo como comportamental, sem a ajuda da experiência coletiva

acumulada e conservada pelas gerações precedentes, e sem a ajuda de uma normal

transmissão dos resultados adquiridos no tempo.

A educação é um processo delicado, sempre à margem de transformar-se

numa pseudo-educação moral. Por isso, a profundidade e complexidade da

consciência e o papel que a compete em toda a vida moral fazem facilmente intuir

a necessidade de uma correta formação. Hoje, mais do que em qualquer outro

tempo, é preciso a educação da vontade. A educação da vontade pode dizer-se

completa somente quando alcança o pleno domínio de si. De fato, sem esforço

pessoal, não é possível alcançar algum significativo fim moral. E também não se

pode avançar na vida moral. É preciso também considerar a presença da graça,

com a respectiva resposta do esforço humano.

Todos nós necessitamos de formação, pois a consciência não é infalível.

Somos configurados e formados pelas circunstâncias nas quais vivemos, pelas

tradições que recebemos, pela comunidade na qual fomos criados e pelas

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experiências pessoais de nossas vidas. Quando falamos de consciência, falamos de

uma realidade frágil.

De acordo com a psicologia, a formação da consciência moral é um processo

de interiorização das normas sociais e dos seus valores. O suíço Jean Piaget (1896-

1980) e depois o americano Lawrence Kohlberg (1928-1987) buscaram explicar o

desenvolvimento do juízo moral, da infância à idade adulta, abrindo um novo

campo para a pesquisa da psicologia, um campo bem longe de ser exaurido.

A obra educativa é uma arte na qual se conjugam aspectos cognitivos

(instruções, ensinamentos críticos, aprendizagem, etc.) com aqueles vitais

(experiências e processos de libertação e de responsabilização, etc.), sendo

acompanhada pela ação do Espírito, o Educador interior. Pois, o Espírito educa a

consciência para a capacidade de discernimento (Cf. Ef 1,9-10; Rm 12,2; Heb

5,14).

Uma educação da consciência, radicada no fundamento trinitário-histórico-

salvífico da moral, se preocupa não em determinar “que coisa fazer”, mas o

“porque vale a pena”, sustentado por cada tomada de posição ética. Ou seja, é

preciso que a via educativa seja acolhedora e confiante nas potencialidades da

pessoa. O único caminho que nos resta é o da educação com liberdade e

responsabilidade, lembrando que “a educação da consciência é uma tarefa de toda

a vida” (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1784).

A consciência “individual” é sempre e necessariamente, para o cristão, uma

consciência “eclesial”. Por isso, a formação da consciência não pode ser realizada

como aventura privada e individual, que do externo julga tudo o que a Igreja diz,

mas ao contrário como intencional busca da vontade de Deus ao interno daquele

ambiente de comunhão de vida com todos os outros fiéis em Cristo. Neste contexto

pedagógico-formativo, um destaque fundamental é o Magistério da Igreja que,

porém, não chega sempre a afirmações e certezas absolutas, pois há sempre uma

evolução e revisão. Mas, ao assumir este papel, a Igreja presta um grande serviço à

humanidade.

Na formação da nossa consciência moral, temos diversas autoridades

consideradas fundamentais: genitores, educadores, catequistas, bons testemunhos.

A autoridade do Magistério eclesiástico se insere neste contexto. Tem, todavia,

uma responsabilidade específica: o compromisso de recordar ao conjunto da

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comunidade de fé as exigências da fidelidade a Cristo.

A Igreja é beneficiária de séculos de tradição, de sabedorias acumuladas ao

longo de sua existência. Neste sentido, a consciência e o Magistério não devem ser

vistos em termos de conflito de autoridades. Ao invés, eles devem ser vistos como

suportes mútuos no compromisso e na fidelidade a Deus. Uma outra razão que a

Igreja deve ser vista positivamente, deriva da fé no Deus Uno e Trino. Não

acreditamos arrogantemente que a Igreja seja o Reino de Deus. Mas, reconhecemos

que ao nos deixarmos guiar pelo Espírito, somos portadores das sementes do

Reino.

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249

4.3. Liberdade com responsabilidade

4.3.1. Introdução

O propósito deste capítulo é tentar discutir a questão da liberdade e, por

conseguinte, a sua relação com a responsabilidade. Para isso, trazemos à tona dois

processos fundamentais na realização da liberdade, o discernimento e,

consequentemente, a decisão.

Partimos do pressuposto de que o ser humano não é nunca objeto, mas

subjetividade que dispõe de si, em força da sua estrutura auto-reflexiva. Nesta

dinâmica do auto-dispor-se, continuamente busca a superação, o auto-transcender-

se. Isto porque a existência da pessoa humana é originariamente liberdade de

existir. A palavra ex-sistere significa “estar fora”, sair, ter a coragem de

transformar-se, de ser si mesmo na liberdade, com todos os seus riscos. Com a

firme resolução de não viver uma vida de isolamento artificial, busca sair da

solidão individual em direção a Deus, aos outros e às situações e possibilidades

sempre novas. Portanto, a liberdade não é uma característica acidental da pessoa,

mas é aquilo pelo qual a pessoa é pessoa.651

A liberdade é uma das grandes preocupações de Häring. Pois, somente sendo

livre, se pode ser responsável. Porém, a liberdade na qual pensa Häring é uma

liberdade vinculada à fidelidade: é uma liberdade fiel a Deus. Mas, este é um

obstáculo que encontramos hoje, onde há uma idéia muito presente na qual a

liberdade humana é considerada absolutamente autônoma e subjetiva. Ou seja, há

uma forte tendência ao subjetivismo.652

“Vós sois chamados para a liberdade” (Cf. Gal 5,13). Esta afirmação de

Paulo é o manifesto da educação no discernimento moral cristão. Mas, hoje existe

651 Cf. HARING, B. La morale è per la persona, p. 47; VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995; p. 153; MOLINARO, A. Libertà e coscienza: saggi etica filosofica e teologica. Roma: PUL/Città Nuova, 1977, p. 95. 652 Cf. HAAS, J. La crisi della coscienza e della cultura. In: BORGONOVO, G. (a cura di). La coscienza. Città del Vaticano: Editrice Vaticana, 1996, p. 48; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, vol. 74, jul-sep. 1999, p. 484-485.

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a ilusão da liberdade absoluta, da auto-suficiência que nos faz fechar os olhos

frente aos nossos próprios limites. Fato é que a condição da liberdade é no mundo

atual, de qualquer modo, mais trágica do que anteriormente. Ela nos submete a um

“stress decisional” num amontoado de informações e de estímulos e num excesso

de possibilidades de escolha, frente à ausência de um quadro interpretativo unívoco

à nossa disposição. O resultado não é um maior sentido de responsabilidade diante

da própria vida e dos outros, mas uma cultura onde se tem uma visão de que não

importa que uma coisa seja boa ou má. Com isso, o que importa em primeiro lugar

é a escolha pessoal, o gosto que permite eleger um critério objetivo daquilo que

funciona para a realização pessoal e imediata (utilitarismo).653

4.3.2. Liberdade

O ambiente social e cultural, as condições econômicas e, sobretudo

psíquicas, incidem enormemente no comportamento humano. Como elementos

dessa situação, temos: elementos geofísicos (clima, estações, dia e noite, etc.);

biopsicossomáticos (sexo, idade, constituições, temperamento, etc.); culturais

(educação, inteligência, religião, etc.); sociais (família, raça, povo, nação, classe

social, etc.); históricos (a história pessoal de cada um); morais (sensibilidade aos

valores morais que pode ser diferente pela sua pureza, profundidade, intensidade e

extensão; tonalidade emocional ou racional da consciência moral, etc.) e,

elementos conexos com a história da salvação (a graça, os pecados, a vocação e a

eleição em Cristo, o dinamismo das virtudes, a relação com a Igreja, com a

comunidade eclesial local, com outras religiões, etc.). Cada pessoa pode, de

qualquer forma, voltar-se ao bem somente na liberdade. Sabemos, porém que o

agir moral livre se estrutura na interação entre vários destes condicionamentos.654

A nossa liberdade é uma liberdade encarnada, portanto, uma liberdade

profundamente condicionada. Distinguimo-nos do mundo não humano pela nossa

653 Cf. SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa. Credere oggi, ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 105; BAUMAN, Z. Le sfide dell’ettica. Milano: Feltrinelli, 1996. 654 Cf. SCHILLEBEECKX, E. Dio e l’uomo. Roma: Paoline, 1967, p. 396; ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. e. Roma: Città Nuova, 2000, p. 57; SVANERA, O. op. cit., p. 105.

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251

liberdade e pela nossa personalidade, expressões da amplitude do ser enquanto

participação imediata do ser de Deus. É através dela que respondemos pelos nossos

atos individuais. Por outro lado, é importante lembrar que a liberdade do outro é o

limite e, ao mesmo tempo, é a condição para a minha.655

A liberdade não é nunca incondicionada. As suas condições o sujeito moral

não se lhe dá, mas as encontra. A situação impõe a cada pessoa humana

inevitavelmente de ser situado, sem que seja ele a criar tal situação, ao menos

diretamente. Antes mesmo que ele possa tomar livremente posições, a sua situação

o leva a uma direção determinada. É sempre diante do mundo, já ali, onde ele toma

posições. No entanto, o ser humano é um ser situado, mas também se transcende da

sua situação.656

O ato moral, bom ou mal que seja, é tal somente se livre. Mas ele é sempre

marcado pelo passado daquele que o realiza. Toda pessoa tem atrás de si uma

história de vida, a educação recebida e o influxo das escolhas morais já

precedentemente feitas. Na verdade, ser livre é estar libertando-se

incessantemente.657

O cristão deve ser visto inserido na realidade do seu “entorno social”, em sua

dimensão histórico-temporal. Trata-se de uma natureza histórica, que procura viver

a plenitude do compromisso da ética cristã, porque deve fazer de sua história uma

“história de salvação”. E isto se realiza num processo dinâmico, ao longo da sua

vida. Não é algo que se conquista de uma vez por todas, mas que se dá passo a

passo. Por isso, Häring enfatiza o tempo presente como kairós, tempo favorável,

655 Cf. RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé. 2. e., São Paulo: Paulus, 1989, p. 44, 51-52; ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. e. Roma: Città Nuova, 2000, p. 74; CAPONE, D. Antropologia, coscienza e personalitá. Studia Moralia, Roma, 1966, n. IV, p. 107; SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa. Credere oggi, ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 112. 656 Cf. BERGER, P. The heretical imperative: contemporary possibilities of religious affirmation. New York: Anchor Books, 1980, p. 7; SCHILLEBEECKX, E. Dio e l’uomo. Roma: Paoline, 1967, p. 397; VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale, 1995, p. 125. 657 Cf. AZPITARTE, E. L. Fundamentação da ética cristã. São Paulo: Paulus, 1995, p. 292; GATTI, G. Confessione ed educazione morale. Corso sul Foro Interno. Tribunale della Penitenzieria Apostolica. Roma, 2005, p. 1; VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 136.

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252

momento oportuno para a salvação. E também por isso, a Igreja deve avançar, sem

medo das novidades.658

Ocorre ter em conta a grande fragilidade humana, as pressões exercidas pelo

instinto prepotente, pelas condições econômicas ou de saúde, etc. São fatores que

podem reduzir notavelmente a liberdade e a responsabilidade humana. Com efeito,

o cristão é um ser em caminho, um ser no devir, o qual precisa de muito tempo

para conseguir dominar suas tendências negativas. Por isso, sempre há a

possibilidade do pecado, pois são possíveis momentos de incoerências, que podem

ser graves e prolongados. No entanto, não se deve perder de vista o rosto

misericordioso de Deus. Por certo, Jesus não quer que nós sejamos impecáveis.

Mas, que nos empenhemos seriamente. Ao mesmo tempo, nos pede sempre a

humildade para recomeçar sempre e uma infinita confiança na sua misericórdia.659

Há dois modos principais de se renunciar à liberdade: a submissão e a

alienação. Do ponto de vista ético, há freqüentemente no mundo atual um

equívoco: o de pensar a liberdade como simples autonomia da pessoa, que não se

sujeitaria a ninguém. Na realidade, a pessoa humana se torna livre enquanto não

está submetida a outro indivíduo humano, mas principalmente enquanto aceita o

apelo a uma vida ética, em que são reconhecidos direitos e deveres de todos (não

apenas os seus). Além disso, se é verdade que a liberdade humana é uma liberdade

a ser realizada, que pode e deve crescer, ela exige o empenho permanente da

libertação, a luta contra a “alienação”, contra a situação de quem está sendo

impedido de realizar suas possibilidades.660

A liberdade da boa consciência é a liberdade de querer fazer o que se deve

fazer porque é a coisa certa a se fazer. Nossa liberdade para escolher isto ou aquilo,

sem limites, é fundamentalmente uma liberdade para escolher uma identidade, para

se tornar um determinado tipo de pessoa. Na perspectiva cristã, a liberdade criativa

é dom do Espírito, e portanto faz com que se dê respostas criativas, para responder

ao chamado divino. Neste sentido, um traço importante da responsabilidade moral

658 Cf. ARENDT, H. A condição humana. 10 e., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001, p. 17; ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. ed. Roma: Città Nuova, 2000, p. 49; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, vol. 74, jul.-sep. 1999, p. 472-473. 659 Cf. ROCCA, G. op. cit,, p. 51 e 77. 660 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Ética: pessoa e sociedade. Documentos da CNBB, n. 50, São Paulo: Paulinas, n. 75.

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é a sua liberdade criativa. Mas, as formas negativas de liberdade confundem

liberdade com permissividade.661

O discurso teológico moral deve assumir plenamente a dinamicidade da

pessoa humana. O ser humano é um ser histórico, que vai se fazendo ao longo da

existência; chamado a modelar-se de alguma maneira a si mesmo. Ele não nasce

feito, por isso, é preciso se fazer através de um feixe de possibilidades que recebeu

passivamente (seu pathos). Com seu pathos, ele constrói o seu ethos. Neste

sentido, qualquer forma de dominação frustra o processo histórico de

humanização. Por isso, a teologia moral deve assumir a historicidade humana a

nível da reflexão moral. Toda reflexão moral, ao perguntar-se se alguma coisa é

um bem para os homens e mulheres, supõe, como primeiro passo, a leitura da

realidade, entender que valores estão em jogo, etc. Portanto, requer a participação

de todos os que tenham alguma palavra a dizer. Esta participação é muito

importante, a fim de que as diversas sensibilidades que se dão dentro da

comunidade eclesial apresentem uma reflexão. 662

4.3.3. O processo de discernimento

Discernir é “ver através de”. É ver o essencial através da parede maciça das

ilusões e das sombras. É um modo de contatar com a essência das coisas. Podemos

dizer que a consciência revela-se no discernimento da práxis. O discernimento é o

próprio exercício da consciência. É a própria consciência em atuação. Portanto, a

função primordial da consciência é o discernimento. Para nós, cristãos, isto se dá à

luz da fé.663

661 Cf. VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi…, p. 58-59; GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.60. 662 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Ética: pessoa e sociedade..., n.79; PEINADO, J. V. Éticas teológicas ontem e hoje. São Paulo: Paulus, 1996, p. 14; CARRERA, J. C. Em busca del Reino – una moral para o Novo Milênio..., p. 24-26. 663 Cf. BACH, J. M. Consciência e identidade moral. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 100; AGOSTINI, N. Condicionamentos e manipulações: desafios morais. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. O itinerário da fé na “iniciação cristã dos adultos”. Estudo n. 82, p. 113; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana..., p. 171; AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. IV, Brescia: Queriniana, 1986, p. 224-225.

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254

Todos nós começamos com a capacidade básica de conhecer o que é bom e o

que não é. Ao longo de nossas vidas, tomamos consciência das fontes do juízo

moral tornando-nos sensíveis aos valores, descobrindo as virtudes e aquilo que é

bom. Ao agir em sã consciência, precisamos adquirir com sinceridade tudo o que

nos preenche e nos realiza enquanto humanos. Com isso, damos direção às nossas

vidas, respondendo ao chamado de Deus. O discernimento se dá por meio de um

contínuo processo de conversão, na busca daquilo que nós devemos ser e fazer,

enquanto fiéis a este chamado. Nós somos moralmente bons, na medida em que

honestamente buscamos descobrir o que Deus quer de nós. E isso se dá ao longo de

toda a vida.664

A comunidade cristã deve testemunhar de maneira clara e significativa a

centralidade e a fundamentação da Palavra de Deus em todo o caminho de

discernimento moral. É uma palavra viva, que chega à consciência não somente

através da Sagrada Escritura, mas também através da vida da comunidade, em

todas as suas expressões. Por outro lado, a comunidade cristã é chamada a prestar

particular atenção à voz dos pobres e dos últimos da sociedade. O exige uma

sociedade que, enquanto se proclama com júbilo a Palavra, nos fatos se redireciona

para a solidariedade. A consciência não poderá nunca individuar efetivamente o

bem se no caminho do discernimento não dá espaço à escuta atenta das esperanças,

necessidades e denúncias dos últimos e dos pobres. 665

Ao organizar a sua vida no seu dia-a-dia, o ser humano fá-lo compreendendo

as suas relações fundamentais: si mesmo, o mundo, o outro e a transcendência. A

partir destes nós de relações, e desafiados pelas circunstâncias do tempo e do

espaço, ele é capaz de ir compondo o que lhe é próprio, na medida em que vai

organizando o seu viver, escolhendo a melhor resposta ante os desafios,

experimentando e mudando. Aos poucos, ele vai criando um modo habitual e

próprio de habitar e interpretar o mundo, modo este que chamamos de ethos.666

Ao discernir, o ser humano aplica-se todo inteiro, em plena liberdade e

responsabilidade. O Espírito Santo inspira, dirige, impulsiona e engendra. A

664 Cf. GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.54 e 62. 665 Cf. MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 186. 666 Cf. AGOSTINI, Nilo. Ética Cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 18.

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inteligência (noús) renovada e o espírito (pneuma) formam um só princípio de

ação, embora a inteligência seja apenas uma dimensão desse todo. Assim, o

discernimento é um ato global do ser humano, que o engaja na sua totalidade. O

discernimento tem, pois, uma dimensão dialogal humano-divina. A cada um cabe

descobrir a vontade de Deus para cada situação. Cada um tem a responsabilidade

de seus atos (Cf. Gl 6,4-5). Mas isso não é um convite ao individualismo e ao

“cada um por si”. Pois, em cada instante, o ser humano é convidado a caminhar

segundo o desígnio salvífico, discernindo a vontade de Deus (Cf. 1 Ts 5,21; Fl 1,

9-10).667

O discernimento é a categoria central da ética paulina. O cristão tem de

“mudar de mente” para fazer o discernimento ético. Só assim adquirirá nova

capacidade estimativa que lhe permita achar a vontade de Deus. Essa é a doutrina

que Paulo expressa em: “Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-

vos, renovando as vossas mentes, a fim de poderdes discernir qual é a vontade de

Deus, o que é bom, agradável e perfeito” (Rom 12,2). Pois existe em cada um de

nós um tipo de sentido moral que nos leva a discernir aquilo que é bem e o que é

mal. É como um olho interior, uma capacidade de visão do espírito, em grau de

guiar os nossos passos para o caminho do bem. Mas, só é possível discernir qual

seja a vontade de Deus, buscando-se conhecer aquilo “que mais convém” (cf. Fl

1,10).668

O bom discernimento começa quando a pessoa toma consciência do contexto

histórico no qual se encontra, nele sabe se situar, lê os fatos sem ser tendenciosa.

Isto significa que a pessoa se situa não como simples objeto, à mercê dos

acontecimentos, ou mero espectador deles, mas como sujeito. Discernir as

situações comporta acima de tudo um espírito crítico e autocrítico para melhor

reconhecer o que é justo e devedor de fazer no concreto da história pessoal.669

667 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana..., p. 127-128. 668 Cf. Rm 1,28; 2,18; 12,2; 14,22; Fl 1,10; Ef 5,10; VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 99-101; JUNGES, J. R. op. cit., p. 129; JOÃO PAULO II. Audiência de 17 de agosto de 1983. Udienze. Vaticano, mai. 2006. Em: <http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/audiences/1983>; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 90-91. 669 Cf. FRIGATO, S. Vita in Cristo e agire morale: saggio di teologia morale fondamentale. Torino: Elle di Ci, 1994, p. 190; AGOSTINI, Nilo. Condicionamentos e manipulações: desafios morais. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. O itinerário da fé na “iniciação cristã dos adultos”. Estudos da CNBB, n. 82, p. 112-113.

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Na crise ética atual, a necessidade de discernimento é urgente. A pessoa

honesta, o cidadão responsável, o cristão convicto, que quer agir coerentemente, na

busca da solidariedade com a família humana, não pode simplesmente remeter suas

decisões à ciência ou à técnica, que tende a prescindir da ética, nem à opinião

pública, dominada pela incerteza, pelo relativismo e pelo subjetivismo. Ao

contrário, a sociedade precisa, hoje, de indivíduos capazes de ir contra a corrente.

Que defendam, em nome da ética, normas e práticas autênticas. Que superem o

oportunismo, o utilitarismo e o egocentrismo mesquinho. Que estabeleçam

relações mais humanas e que optem pelo interesse de todos.670

4.3.4. O processo de decisão

Sob o ponto de vista cristão, a decisão é a realização finita (no tempo) das

possibilidades pessoais com um peso de transcendência (de eternidade). A decisão

é aquilo que há de definitivo na escolha. Mas ela pode existir também sem escolha,

como na hipótese de que não se dê alternativa. É também verdade que cada única

escolha não exaure a decisão. A escolha, de fato, se atua precisamente no tempo e

também a decisão se torna presente em cada escolha temporal. Mas, enquanto tem

em vista o Absoluto mesmo, a decisão transcende as simples escolhas e o horizonte

histórico dentre o qual elas se atuam. Se nós olharmos o passado da nossa vida,

podemos descobrir nele nossas escolhas morais deste passado, os germes daquilo

que somos agora, as origens da nossa personalidade moral, o percurso através do

qual buscamos o bem ou o mal. Sendo assim, na Familiaris consortio, n.34, João

Paulo II afirma. “O homem... é um ser histórico que se realiza no dia a dia, com as

suas numerosas escolhas: por isso, ele conhece, ama e realiza o bem, segundo

etapas de crescimento”. 671

670 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Ética: pessoa e sociedade. Documentos da CNBB, n. 50, São Paulo: Paulinas, n.104. 671 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza..., p. 3; FORTE, B. L’eternit’a nel tempo: saggio di antropologia ed etica sacramentale. Roma, 1993, p. 303-307; GUIDI, S. La struttura ontologica della decisione della coscienza. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi..., p. 303; JOÃO PAULO II. Enciclica Familiaris consortio. São Paulo: Paulinas, 1981, n. 34; GATTI, G. Confessione ed educazione morale. Corso sul Foro Interno. Tribunale della Penitenzieria Apostolica. Roma, 2005, p. 4; BORGHI, E.; BUZZI, F. La coscienza di essere umani: percorsi biblici e filosofici per un agire ético. Milano: Ancora, 2001. p. 109.

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A pessoa humana é sujeito de si: da sua própria vida, das suas decisões, das

suas próprias ações. Este é um dado decisivo da dignidade humana. A visão cristã

revela que se trata de uma subjetividade da “imagem”, criatural e filial de Deus. É

o “eu” que se torna conhecedor de si (consciência psicológica) e que decide ser

protagonista de si mesmo. Assim, a pessoa que se auto-percebe através da própria

vida, transforma a sua existência de um simples dado (me encontro a viver) em

decisão-projeto (quero viver). A relação com os outros se torna agora

reciprocidade que nos faz incessantemente experimentar a nós mesmos como seres

de necessidades e, ao mesmo tempo, riquezas de doação ao outro.672

Cada compreensão é já sempre também uma decisão, ao menos aquela de

iniciar a compreender assim e não diversamente. Assim, conhecimento e decisão se

colocam no tempo como atos totais e complementares, mas nunca definitivos. Mas,

na consciência não temos somente uma função intelectiva. Temos também uma

função volitiva. Para agir não basta conhecer e discernir, é preciso querer, escolher,

tomar decisões, sendo tudo isso, função que, em última análise, compete à

responsabilidade do eu. Portanto, a consciência moral não é nunca uma consciência

puramente passiva ou especulativa, pois ela consiste sempre em escolhas e

decisões.673

Existe uma estreita relação entre decisão e escolha. Elas são diversas, ou

mesmo não se podem conceber de modo abstrato ou desarticulado, como se fosse

possível para a pessoa realizar uma decisão sem escolhas, ou vice-versa, realizar

escolhas sem uma decisão. A escolha de cada projeto, de cada ação, uma escolha

que se dá num conjunto de possibilidades finitas, se realiza sempre inevitavelmente

ao interno de uma decisão. O número de opções e a amplitude da lista de

características dependem do grau de conhecimento ou de experiência que a pessoa

que decide possui do setor sobre o qual ela deve decidir. Cada escolha concreta é

uma preferência absoluta acordada a uma possibilidade entre tantas. Por outro lado,

ninguém está em grau de experimentar-se meio decidido, mas podemos decidir de

672 Cf. MAJORANO, S. La coscienza: per una lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 26. 673Cf. AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia..., p. 224; PENATI, G. Decisione e origine. Sulla verità della libertà. Brescia: Morcelliana, 1983, p. 49; GUIDI, S. La struttura ontologica della decisione della coscienza. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 316; TRENTIN, G. Struttura e funzioni della coscienza nella teologia morale. Credere oggi, ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 82.

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permanecer indecisos ou de não decidir. A decisão, seja ela positiva ou negativa,

boa ou má, é sempre total, mas nunca definitiva.674

O agir consiste no escolher e decidir-se. Os valores que se oferecem a este

juízo de consciência tem em vista a realização da pessoa por meio do bem que

realiza com os outros. De fato, a pessoa, ser de desejos, ser-no-mundo, é também

ser feito para viver em busca da realização com os outros, na vivência do amor. A

partir da opção fundamental, as escolhas particulares, que constituem a trama da

vida cotidiana, recebem o seu sentido. Pode acontecer, no entanto, que uma

decisão particular a contradiga, como pessoa. Esta é então uma dimensão da pessoa

que se constitui numa culpa moral.675

Decisão ética só tem sentido quando é “responsável”, quando constitui

“resposta” do eu às exigências de sua própria realização. Se expressa a decisão

moral prevalentemente mediante opções e atitudes. Ou seja, ela se instala

preferentemente na opção fundamental da pessoa, que orienta todo o dinamismo

moral humano. Toda decisão ética particular é fruto da resposta à pergunta: “O que

devo fazer nesta situação concreta?” Essa pergunta, porém, inclui e implica uma

outra mais fundamental, geralmente não tematizada: “Quem eu quero ser a partir

desta decisão?” A resposta à primeira vai depender, em grande parte, do modo

como se responde à segunda.676

Cada ser humano no seu agir cumpre uma série inumerável de escolhas,

também se não todos os momentos do agir são frutos de escolhas. Escolher quer

dizer deliberar frente a possibilidades, alternativas de comportamento (exterior,

mas também interior). Trata-se, portanto, sempre de uma avaliação comparativa

frente às diversas possibilidades. Muitas escolhas são seriamente refletidas e

motivadas, mas muitas de nossas escolhas nascem de uma emoção. Uma emoção

pode gerar uma resposta imediata, fulminante e automática. Sendo assim, a

674 Cf. BORGHI, E.; BUZZI, F. La coscienza di essere umani: percorsi biblici e filosofici per un agire ético. Milano: Ancora, 2001. p. 108; RUMIATI, R. Decidir. Coleção “Para saber mais”. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2003, p. 9; GUIDI, S. La struttura ontologica della decisione della coscienza. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). op. cit., p. 314; BORGHI, E.; BUZZI, F. La coscienza di essere umani: percorsi biblici e filosofici per un agire ético. Milano: Ancora, 2001. p. 109. 675 Cf. AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. 4, Brescia: Queriniana, 1986, p. 224. 676 Cf. VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 103; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais da ética teológica. São Leopoldo: UNISINOS, 2001, p. 133.

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resposta que se dá a um estímulo emocional não é fruto de uma apurada reflexão.

Exprime de qualquer forma, por meio do modo com o qual eu reajo a uma emoção

forte e imprevista, aquilo que é uma atitude de fundo.677

Pelo fato de que a decisão cria uma ligação entre aquilo que o sujeito era (o

passado) e aquilo que é e quer ser (presente), não pode ser compreendida como um

ato isolado. É, acima de tudo, uma primeira decisão da razão, mas de uma razão

não unicamente discursiva, porque atenta à experiência. Somente um mínimo de

racionalidade confere a sua coerência a este processo de afirmação de si. Além

disso, cada decisão tem sentido somente se a põe em relação com qualquer coisa de

fundamental que exprime aquilo que é a pessoa na sua originalidade.678

Portanto, a boa decisão exige a intervenção da inteligência também nos

níveis mais elementares. Sem cair no racionalismo moral que faz depender a

qualidade moral de um ato da quantidade de racionalidade que se põe, deve ser

pacífico que nenhuma decisão pode pretender ser reta senão como resultado de

uma reflexão. Um critério para uma boa decisão, capaz de instruir a consciência

sobre a qualidade do seu ato, consiste mesmo na satisfação de ter cumprido aquilo

que deveria cumprir.679

O não ter a possibilidade de escolher pode fazer parecer absurda a própria

liberdade humana. A decisão é, de fato, o sujeito em ato de auto-decidir-se. Ela é

sempre um ato singular do sujeito individual. Portanto, a decisão é sempre

“autêntica”. A decisão é o “eu quero” do “eu sou”, como liberdade pessoal frente à

outra liberdade. Propriamente, como liberdade pessoal nós nos decidimos, mas

sempre também com relação a outra liberdade, mesmo não podendo nunca decidir

por ela. É todo o sujeito que co-envolve no seu histórico e, portanto, limitado, auto-

decidir-se. O eu não poderia verdadeiramente auto-decidir-se se não se percebesse

como tal.680

677 Cf. CHIAVACCI, E. Coscienza, società, diritti umani. Credere oggi..., p. 115-117. 678 Cf. AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, Bernard; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. IV, Brescia: Queriniana, 1986, p. 220. 679 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995. p. 161 e 172. 680 Cf. GUIDI, S. La struttura ontologica della decisione della coscienza. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 310-315.

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260

Na decisão experimento aquela liberdade a qual decido não somente sobre

qualquer coisa, mas também sobre mim mesmo, e a qual não é possível uma

separação entre a escolha e o eu, porque eu mesmo sou a liberdade desta escolha.

Por isso, ninguém pode subtrair-se à sua realidade e às suas próprias

responsabilidades. Mas, também quando o sujeito alcançou a assim chamada

maturidade moral, de fato se podem dar condicionamentos externos e condições

internas tais a diminuir ou cortar por um certo tempo ou para sempre, como no

caso da senilidade esclerótica, a atitude funcional do decidir. Neste sentido,

funcionalmente, a estrutura humana do decidir moral segue os ritmos e a parábola

do desenvolvimento, da maturação e da regressão psicossomática humana.681

4.3.4.1. Critérios da decisão na ótica cristã

A experiência de uma comunidade de fé, as celebrações litúrgicas, os

ensinamentos do Magistério, a vivência do testemunho, tudo isso contribui para

uma boa formação pessoal da consciência e também ajuda no julgamento das

decisões. A decisão última da consciência cristã é sempre da própria pessoa, mas

que se percebe nesta dinâmica de discípula de Jesus, numa relação de irmãos e

irmãs. A comunidade de fé constitui um verdadeiro antídoto para os erros em

nossas decisões pessoais. Contudo, não podemos ver a Igreja simplesmente como

um meio para nos ajudar em nossas necessidades. Ela é, acima de tudo, o lugar

onde sentimos a presença salvífica de Deus em nossas vidas. Embora, a Igreja

também seja pecadora, pois ela não é perfeita.682

A mentalidade social não é sempre clara e coerente. Se de uma parte se

reivindica como fundamental o direito de decidir pessoalmente a própria vida e do

próprio agir, de outra, se adverte como um peso o risco e a responsabilidade

681 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 62; GUIDI, S. La struttura ontologica della decisione della coscienza. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 326; GUIDI, S. La struttura ontologica della decisione della coscienza. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). op. cit., p. 313. 682 Cf. CURRAN, C. Conscience in the light of the Catholic Moral Tradition. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.20-21.

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261

daquilo que se decide. Por outro lado, não há um critério infalível para determinar

se a decisão da consciência é verdadeira. Mas, a paz e a alegria do coração

permanecem como o melhor critério.683

Do ponto de vista cognitivo, nós não decidimos nunca sozinhos. A aquisição

de informações, a formulação dos critérios de valores, os processos avaliativos e as

expressões de juízo são ações que nós realizamos com a ajuda e/ou influência dos

outros, seja presentes ou ausentes. Ou seja, se a decisão é uma ação cognitivo-

avaliativa e se tal operação é sempre um fato cultural humano, então a decisão

aparece sempre também como um processo estruturalmente político.684

É preciso dizer que de decisivo na escolha é que sou eu a escolher. Pois, a

decisão está no próprio sujeito que decide. Não se pode decidir no lugar do outro,

também quando se exprimisse a decisão de um outro. Nem mesmo Deus pode

decidir no nosso lugar, nem nós podemos delegá-lo pela nossa decisão. Podemos e

devemos crer na veracidade de Deus, mas cada um de nós é chamado a decidir-se.

E nisto nós não somos livres de decidir, somos subjetivamente forçados a decidir-

nos pessoalmente. Ou sou eu a decidir, existindo, ou se decidem por mim e, então,

privo da minha existência, torno-me um simples objeto nas mãos de outros.685

Como afirma a Gaudium et spes, n. 17: O homem porém não pode voltar-se para o bem a não ser livremente. Os nossos contemporâneos exaltam e defendem com ardor esta liberdade. E de fato com razão. Contudo, eles a fomentam muitas vezes de maneira viciada, como uma licença de fazer tudo que agrada mesmo o mal. A verdadeira liberdade, porém é um sinal eminente da imagem de Deus no homem. Pois Deus quis “deixar ao homem o poder de decidir”, para que assim procure espontaneamente o seu Criador, a Ele adira livremente e chegue à perfeição plena e feliz.686

683 Cf. CURRAN, C. Conscience in the light of the Catholic Moral Tradition. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience…, p. 22; MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana..., p. 146. 684 Cf. THOMAE, H. Conflitto, decisione, responsabilità. Contributo alla psicologia della decisione. Roma: Città Nuova, 1978, p. 31; GUIDI, S. La struttura ontologica della decisione della coscienza. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 308. 685 Cf. GUIDI, S. La struttura ontologica della decisione della coscienza. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. op. cit., p. 303-304 e p. 307-309. 686 Cf. CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. ed. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 158.

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262

4.3.5. Responsabilidade

Ser responsável é reconhecer que aquilo que fazemos em geral não fica sem

conseqüências. Daí torna-se preciso avaliar o quanto possível as previsíveis

conseqüências dos nossos atos. Mas, alguém só é responsável por aquilo de que é

consciente. Ao mesmo tempo, em todo comportamento responsável é preciso o

“querer”, a atividade volitiva da própria pessoa. Além disso, a vida afetiva também

deve entrar como elemento da responsabilidade humana e, portanto, como

estrutura antropológico-moral.687

Necessitamos de uma ética que aponte os resultados da intervenção prática

do ser humano no mundo e na sociedade, avaliando suas conseqüências sobre a

vida das pessoas e comunidades humanas, o que só é possível tendo, como ponto

de referência, a alteridade e, como princípio fundamental, a responsabilidade. Mas,

a responsabilidade é a relação constitutiva de uma liberdade em relação a outra.

Pois, não podemos esquecer que a consciência tem sempre um caráter comunitário,

reflexo do ambiente sócio-cultural. E é nesta relação entre pessoa e sociedade que

se faz emergir o sentido de responsabilidade. 688

O sentido de responsabilidade se expressa na própria palavra. Sua raiz vem

de “responder”. Ser responsável significa, então, ser “respondente”, isto é, ter o

“poder de responder”. Ora, só se pode responder a um outro – pessoa ou

coletividade. Por isso, a responsabilidade é assumida diante de um outro pessoal ou

coletivo. O acento não recai, em primeiro lugar, sobre aquilo por que alguém é

responsável, mas sobre os efeitos nas pessoas por quem e diante do qual esse

alguém é responsável.689

Responsabilizar-se diante do outro pessoal e coletivo é sopesar os efeitos da

687 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995. p. 168-170; ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. e. Roma: Città Nuova, 2000. p. 47; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais da ética teológica. São Leopoldo: UNISINOS, 2001, p. 143; VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 131-1333. 688 Cf. MOLINARO, A. Libertà e coscienza: saggi etica filosofica e teologica. Roma: PUL/Città Nuova, 1977, p. 137; AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, Bernard; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. IV, Brescia: Queriniana, 1986, p. 221; JUNGES, J. R. op. cit., p. 85. 689 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana – temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 86.

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263

ação sobre as pessoas e o contexto, tendo como critério os direitos humanos e,

como referência última, a dignidade. Por exemplo, os atentados ao meio ambiente

devem ser considerados um desrespeito indireto à dignidade. Responsabilizar-se

diante do outro é responsabilizar-se por sua dignidade. Por outro lado,

responsabilidade inclui sempre valores, porque aponta para uma qualidade da ação

humana, expressa num valor.690

De todas as formas, o outro representa uma proposta que reclama uma

resposta. Deste confronto entre proposta e resposta surge a responsabilidade. Ao

assumir minha responsabilidade ou demitir-me dela, faço de mim um ser ético.

Dou-me conta da conseqüência de meus atos, que podem ser bons ou ruins para o

outro e para mim.691

Ser humano é responder às situações, em cada momento. Esta capacidade

humana de responder implica num voltar-se para uma boa direção. Neste sentido,

toda pessoa tem um senso daquilo que é bom ou não para ela e para os outros. Nós,

cristãos, cremos que Deus se nos revelou e esta revelação espera uma resposta.

Nesta dinâmica, a pessoa humana é responsável pelos próprios atos e é custódio do

seu irmão (cf. Gn 4,9).692

Sendo assim, Häring afirma que a regra fundamental da teologia moral é o

conceito de responsabilidade. Ela é o motor da resposta ao chamado de Deus e se

funda na união do fiel a Cristo. Por isso, torna-se urgente uma educação para a

responsabilidade criativa, a fim de realizar a lei do Espírito que nos dá vida em

Jesus, aquele que nos liberta do pecado e da morte.693

690 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana..., p. 87. 691 Cf. BOFF, L. Do iceberg à Arca de Noé. O nascimento de uma ética planetária. Rio de Janeiro: Garamond, 2002, p. 95. 692 Cf. O’CONNELL, T. An understanding of conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.26; JONES, P. Coscienza e ragione secondo la Grammatica dell’Assenso di John Henry Newman. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 206; SPAEMANN, R. Etica cristiana della responsabilità. In: BORGONOVO, G. (a cura di). Prefácio. La coscienza. Città del Vaticano: Editrice Vaticana, 1996, p. 84-85. 693 Cf. BALOBAN, S. Spirito e vita christiana nella teologia morale di Bernhard Häring. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1988, p. 57; DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 39; SALVODI, V. (Org.). Häring: Uma autobiografia à maneira de entrevista. S. Paulo: Paulinas, 1998, p. 35.

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264

4.3.6. Conclusão

Os atos realmente meus são os que manifestam a minha liberdade, a minha

escolha, como escolha moral, ou seja, consciente e consentida, querida. Logo, eu

sou livre porque sou moralmente responsável. Segundo uma conhecida fórmula, a

liberdade é “o que eu faço daquilo que os outros fizeram de mim”. Por isso, a

liberdade é tanto um dado quanto uma tarefa, uma resposta crescente aos apelos

éticos que emergem na história. Por outro lado, a pessoa humana não é

absolutamente livre, mas é livre de tornar-se livre ou de renunciar à sua

liberdade.694

Essa liberdade sempre se exerce em meio à multiplicidade de atos concretos,

na diversidade de espaço e tempo. Porém, nossa liberdade é encarnada e se realiza

em situações concretas. Ela conta com o substrato espiritual, mas se realiza no

mundo concreto. Não se trata de liberdades puras, mas se efetiva no mundo e nas

condições inerentes à nossa existência. Nossa liberdade está concretizada em meio

aos condicionamentos que encontramos quando agimos. Pois, não existe uma

natureza humana no estado puro, mas apenas aquela liberdade pessoal naquela

situação determinada.695

Ao mesmo tempo, em torno de nossa liberdade, existem outras liberdades.

Ninguém é uma ilha. Somos humanos na medida em que nos inserimos na

realidade dos outros seres humanos. Nós somos aquilo que somos dentro da cultura

em que nos inserimos. Ou seja, a liberdade que é essencialmente a pessoa humana

é coexistencialmente uma liberdade situada no mundo. Neste sentido, não existe

uma natureza humana no estado puro, mas somente aquela liberdade pessoal

naquela determinada situação.696

O uso da liberdade envolve e supõe o senso de responsabilidade. Liberdade e

responsabilidade são termos correlativos. Mas para que isso se torne efetivamente

possível, é preciso uma educação para o uso da liberdade. Esta é a nossa maior

694 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Ética: pessoa e sociedade. Documentos da CNBB, n. 50, São Paulo: Paulinas, n.74. 695 Cf. RAHNER, K. Curso fundamental da fé. 2. e., São Paulo: Paulus, 1989, p. 52-53; SCHILLEBEECKX, E. Dio e l’uomo. Roma: Paoline, 1967, p. 395. 696 Cf. J. FINANCE, J. Etica generale. Roma: Pont. Università Gregoriana, 1997, p. 330.

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265

utopia.697

697 Cf. TRASFERETTI, J. Teologia moral na Pós-Modernidade: o difícil dilema do agir moral. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade – abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, p. 431; KLOPPENBURG, B. O cristão secularizado – o humanismo do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1970, p. 151-152.

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266

4.4. A opção fundamental na reciprocidade das consciências 4.4.1. Introdução

A reciprocidade das consciências é um conceito chave da antropologia

humanista e personalista. De acordo com a Bíblia, a pessoa humana torna-se

completamente humana, somente quando se encontra diante dos outros e de Deus,

nesta relação “tu a tu”, numa abertura dialógica interpessoal. É através deste

encontro que se aflora o conhecimento pessoal de si mesmo. Ou seja, a pessoa se

experimenta em sintonia consigo mesma e como pessoa somente em meio ao

encontro pessoal com o outro. Ela chega à sua integridade e à sua identidade

somente na reciprocidade das consciências. Ela conhece a unicidade do próprio eu

somente diante desta relação “eu-tu” que conduz à experiência de um “nós”.698

O termo, originalmente em grego, syneidesis, vem de syn-oida (infinitivo

syneidenai: conhecimento ocular ou intuitivo) e significa “saber com outro”, ser

testemunha, confidente ou cúmplice de uma mesma coisa. Com a evolução do

significado, se passou a ser também “saber consigo mesmo”, relação da pessoa

humana consigo mesma, num conhecimento auto-reflexivo. Mas, a auto-reflexão

somente é possível a partir da experiência do encontro com o outro. A partir deste

dinamismo de abertura, o ser humano capta a si mesmo, as outras pessoas, a

natureza e a própria transcendência.699

Ou seja, não existe a possibilidade de se compreender a si mesmo no

isolamento. É necessário estar em comunhão com os outros. Somente em

698 Cf. HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Edit., 1990, p. 180; RÖMELT, J. La coscienza: un conflitto delle interpretazioni. Roma: Academiae Alphonsianae, 2001. p. 55; HÄRING, B. La legge naturale nella luce della legge di Cristo. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 287; HÄRING, B. Liberi e fedeli in Cristo: teologia morale per preti e laici, vol. I, Cinisello Balsamo: Paoline, p. 319; RÖMELT, J. La coscienza: un conflitto delle interpretazioni. Roma: Academiae Alphonsianae, 2001. p. 20-21. 699 Cf. GATTI, G. Confessione ed educazione morale. Corso sul Foro Interno. Tribunale della Penitenzieria Apostolica. Roma, 2005, p. 5-6; AGOSTINI, N. Condicionamentos e manipulações: desafios morais. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. O itinerário da fé na “iniciação cristã dos adultos”. Estudos da CNBB, n. 82, p. 110-111.

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267

comunhão, o ser humano pode abrir os seus olhos da razão na busca da verdade e

desenvolver a sua faculdade de comunicação verbal e vital.700

4.4.2. A reciprocidade na visão conciliar

Quem se concentra egoisticamente sobre si mesmo, encontra somente um

“eu vazio”, mal-são, perdido. Segundo a doutrina do Concílio, é próprio da

fidelidade à consciência de se unir os cristãos aos outros para a busca da verdade.

Uma das principais perspectivas da Constituição Gaudium et spes é justamente o

diálogo com todas as pessoas. Um diálogo no qual os cristãos e também o

Magistério devem se distinguir pela capacidade de escuta, na prontidão e na estima

para com aqueles que são de outras igrejas e/ou religiões. É intenção da Gaudium

et spes, n.16 indicar claramente que o diálogo respeitoso e a fome e sede de um

conhecimento melhor da existência constituem o caminho que leva a evitar o

subjetivismo, que muitas vezes se torna intolerância, cego arbítrio privado de

sentido.701

De acordo com a concepção conciliar, na fidelidade da consciência, os

cristãos se unem, uns aos outros, para buscar a verdade e para resolver os diversos

problemas morais, que surgem tanto na vida individual quanto social. É uma

reciprocidade feita de proposta, de anúncio, de estímulo, nunca de imposições, de

passividade, de chantagens. Pois, todos devem respeitar a consciência de cada um e

não buscar impor a sua própria verdade, permanecendo íntegro o direito de

professá-la, sem por isso desprezar quem pensa de uma forma diferente.702

700 Cf. HARING, B. La morale è per la persona. Roma: Paoline, 1973, p. 249-260. 701 Cf. Decreto Christus Dominus, n. 1041; Decreto Ad gentes, n. 887, 934, 1010 e 1583; Decreto Apostolicam actuositatem 1384, 1440 e 1450; Constituição pastoral Gaudium et spes, n. 262, 285, 337, 377, 516, 518 e 519; Decreto Unitatis redintegratio, n. 766, 786, 791-793, 803 e 816; Decreto Nostra aetate, n. 1590. In: CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. ed. Petrópolis: Vozes, 1996; HÄRING, B. La legge naturale nella luce della legge di Cristo. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 287-289. 702 Cf. GIOVANNI PAOLO II. Se vuoi la pace rsipetta la coscienza di ogni uomo. In: Insegnamenti di Giovanni Paolo II, Vol. XIII/2, Vaticano: Editrice Vaticana, 1992, p. 1559; MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 134.

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268

4.4.3. A dinâmica da reciprocidade na formação das consciências

É importante ressaltar que a pessoa nunca é uma mônada isolada, mas faz

parte de uma comunidade humana, incluindo as comunidades naturais como

família, parentes, organizações cívicas e religiosas, bem como muitas outras nas

quais cada um escolhe se associar. Estas relações comunitárias também afetam a

todos.703

A consciência se estrutura por meio de uma experiência originária de boa

relação com os outros que lhe consente de crer na vida e no seu valor promissor.

As relações familiares tornam-se aqui decisivas. Através da experiência genitorial

da responsabilidade de um mútuo dar e receber é que se desenvolve a dedicação ao

outro, bem como o retirar-se para que o outro cresça na sua liberdade. Por esta via

de uma saudável relação familiar, a pessoa humana, no seu desenvolvimento,

saberá alargar o olhar para o mundo inteiro e abrir-se aos deveres da justiça, do

respeito, da reconciliação e da paz. Isto se dá através também da experiência entre

irmãos, buscando acolher a diversidade como uma riqueza e desenvolvendo o

partilhar e o cooperar com os outros.704

Pois, o conhecimento moral é também um fato social. As convicções das

consciências são formadas, as obrigações morais são apreendidas, com as

influências de todo o meio social. A princípio, porque não podemos nunca saber

tudo sozinho, devemos entregar-nos à ajuda do conhecimento e da competência

dos outros. Essencialmente, na maior parte dos casos, buscamos a verdade,

confiando na veracidade dos outros.705

Ao mesmo tempo, o respeito pela consciência do próximo é condição sine

qua non ao respeito pela própria consciência. Não existe uma sadia e verdadeira

consciência do meu “eu” autêntico, fora da essencial relação com os outros.

703 Cf. CURRAN, C. Conscience in the light of the Catholic Moral Tradition. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.14. 704 Cf. SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa. Credere oggi, ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 102; JOAO PAULO II. Encíclica Familiaris consortio. São Paulo: Paulinas, 1981, n. 43. 705 Cf. GUIDI, S. La struttura ontologica della decisione della coscienza. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 308; GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). op. cit., p.54-55.

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269

Encontro-me a mim mesmo na medida em que me abro aos outros e a Deus. No

entanto, é importante ressaltar que sempre que se vivencia o conflito entre atitudes

contrárias, ou quando um desejo e/ou idéia pessoal são contestados pelo “outro”,

existe a possibilidade de se criar uma maior clareza das idéias e, por conseguinte,

uma maior conscientização.706

4.4.4. A importância do testemunho

Acima de tudo, para o fiel, há a palavra de Deus recebida na comunidade

viva. Ocorre não esquecer nunca que ela é sempre o critério fundamental de

interpretação da realidade. Decisivo é também a escuta do Magistério da Igreja,

feita com sinceridade, em razão da missão particular a ele confiado. Vem depois, o

confronto incessante com todos aqueles que podem ajudar-nos para uma

aproximação maior à verdade. Na reciprocidade das consciências, nos

distanciamos do cego arbítrio. Neste contexto, o deixar-se provocar pelos santos e

profetas adquire um valor particular. A busca da verdade advém para Bernhard

Häring e outros, através desta reciprocidade. Daí a importância do testemunho dos

santos e das pessoas exemplares, que tornam de tal modo autoridade moral para a

nossa consciência.707

O caráter emerge dos hábitos que nós formamos, o qual reflete nos nossos

pensamentos, ideais e imagens de vida que internalizamos como resultado de

nossas relações interpessoais. Para se formar um bom caráter, não se dá por meio

de argumentos simplesmente. Talvez, se fôssemos espíritos incorpóreos, análises

abstratas funcionariam. Mas, nós somos pessoas concretas, por isso, aprendemos

muito mais, por meio das experiências concretas da vida. Daí a importância para

706 Cf. Cf. HÄRING, B. La legge naturale nella luce della legge di Cristo iscrita nei cuori. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (cure) La coscienza morale oggi. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 287; EDINGER, E. F. A criação da consciência: o mito de Jung para o homem moderno. São Paulo: Cultrix, 1999, p. 17-18. 707 Cf. PARISI, F. Coscienza ed esperienza morale alla luce della riflessione teologico-morale post conciliare in Italia (1965-1995). Dissertationis ad Doctoratum. Roma: PUL - Academia Alphonsiana, 2002, p. 119-120; MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 155-156.

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270

nós, de estabelecermos boas relações, com pessoas de bom caráter. Pois, o poder

do testemunho é aquilo que mais influencia na nossa formação.708

Portanto, para um amadurecimento e uma boa formação do caráter, não

precisamos simplesmente prestar atenção nas regras de uma instrução moral

explícita, mas também nas comunidades de vida que nos influenciam. Nas imagens

e crenças que estas comunidades reforçam. E as pessoas que personificam o estilo

de vida das mesmas comunidades, de tal forma que ao encontrarmos sinceros

testemunhos, elas capturem a nossa imaginação para que nós sejamos como elas.

Por fim, as decisões que tomamos e as ações que realizamos são função do tipo de

caráter que nós desenvolvemos, na situação em que nos encontramos.709

4.4.5. A necessidade de uma visão crítica e dialogal

A consciência cristã deve ser sempre empenhada não somente nas

individuais relações privadas com os outros, mas também na visão crítica das

estruturas sociais de convivência. Não é somente o dever de aceitar o existente,

mas também o de modificá-lo. É na consciência solidária que repousam as chances

de uma arrancada decisiva para as transformações profundas no campo político,

econômico, social e mesmo religioso.710

A reciprocidade entre as consciências deve constituir hoje uma preocupação

fundamental em todos aqueles que acreditam no futuro da humanidade. Para se

evitar que as diversidades se degenerem em contraposições cegas e violentas,

como o fundamentalismo político e religioso e as suas conseqüentes manipulações,

é indispensável formar uma reciprocidade, na busca do diálogo. As diversidades se

tornam enriquecimentos e a necessária unidade toma o rosto de comunhão. Neste

sentido, a comunidade cristã, em força da sua catolicidade, que significa

708 Cf. GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience. Readings in moral theology n. 14. New York: Paulist press. 2004, p.56. 709 Idem. 710 Cf. CHIAVACCI, E. Coscienza, società, diritti umani. Credere oggi, ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 118-119; MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3a. ed., Petrópolis, Vozes, 1996, p. 147.

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universalidade fruto desta comunhão, pode oferecer uma contribuição preciosa

para toda a humanidade.711

Quando a reciprocidade é vivida com convicção, então acontece uma

verdadeira qualidade humana em todas as relações. Mas, a consciência é chamada

hoje a intensificar a sua reciprocidade também com toda a criação. O exigem não

somente a amplitude e a gravidade da problemática ecológica, como também o

maior conhecimento antropológico que desenvolvemos. Além disso, somos

chamados a pensar com o outro e, especialmente, com o outro que é oprimido.712

Devemos liberar-nos das ilusões de que a pessoa humana moderna seria um

adulto completo. Em termos morais, ninguém pode nunca pretender ter se tornado

um adulto completo, alguém que decide sozinho e sempre na tranqüila certeza das

suas boas intenções. Ao contrário, em moral, o adulto é aquele que sabe ter

necessidade. Deseja que o tenham sempre acordado, sacudido, polido, contestado,

para que nasça nele uma verdadeira exigência moral. É também aquele que sabe do

dever da sua própria vez de contestar e de cobrar, para que as consciências não se

nivelem na rotina ou na cegueira do conformismo. É quem, em suma, sabe que a

exigência das inter-relações é permanente, não somente no tempo da dependência

infantil, mas para conduzir uma vida adulta mais amadurecida.713

A complexidade crescente da nossa sociedade produz interações sempre mais

fortes e numerosas. Assim, malgrado nosso, acabamos por encontrar-nos, muitas

vezes, co-envoltos em manobras eticamente não positivas. Por outro lado, a oração

unida a uma reflexão mais atenta e o aconselhar-se com os outros permitem

individuar uma maneira prática de compor os diversos valores.714

711 Cf. MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 183. 712 Cf. JOHNSTONE, B. V. Solidarity and moral conscience: challenges for our theological and pastoral work. Studia moralia. Roma, n. 31, 1993, p. 71; MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 184-185. 713 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995. p. 145. 714 Cf. MAJORANO, S. op. cit., p. 169 e 175.

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272

4.4.6. A regra de ouro

A pessoa humana, para que comporte sabedoria, habilidade e competência,

tem necessidade de um aprendizado trabalhoso. Para isso, se exercita muito,

caindo, muitas vezes, em erros. Mas, para se construir a própria vida é preciso ter a

habilidade de um artesão: rigor e paciência, ascese e determinação, escuta dos

conselhos do próximo e também solidão nas escolhas, para a busca de realização

de sua obra-prima, a própria vida.715

No entanto, se uma pessoa leva a sua vida fazendo aquilo que a ela é dito

realizar por alguém, simplesmente porque é uma autoridade que diz, ou porque

este é o tipo de conduta esperada pelo grupo, esta pessoa nunca faz escolhas morais

concretamente por si. Para uma maturidade moral não é suficiente seguir aquilo

que os outros nos dizem. Mas, uma pessoa moralmente madura deve ser capaz de

perceber, escolher e identificar como agir. Ou seja, nós criamos o nosso caráter e

damos sentido às nossas vidas por meio da vivência de nossa liberdade humana, ao

não sermos cegos submissos. Não podemos alegar que somos virtuosos, de termos

um forte caráter moral ou de dar direção às nossas próprias vidas se nós agimos

simplesmente com base naquilo que nos dizem fazer. A maturidade se dá por meio

da conquista da liberdade no dia-a-dia.716

O fundamental é sempre a regra de ouro: “Não faças aos outros aquilo que

não gostarias que os outros te fizessem”. Ou seja, ponha-se no lugar dos outros.

Este é um modo prático de assegurar que não se faça exceções fáceis para si

mesmo. Você poderá fazer algo numa determinada situação se você permitir que

outras pessoas, na mesma situação, façam o mesmo.717

715 Cf. BENETOLLO, O. Il problema della formazione della coscienza retta. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori obiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 113-114. 716 Cf. GULA, R. M. The moral conscience. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience…, p.58. 717 Cf. CURRAN, C. Conscience in the light of the Catholic Moral Tradition. In: CURRAN, C. (edit.). Conscience…, p.21.

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273

4.4.7. A “opção fundamental” na vida do cristão

A teologia moral insistiu, durante os últimos anos, em destacar a importância

da categoria “opção fundamental” na estrutura antropológica do dinamismo moral.

Trata-se de uma opção decisiva na qual se põe em jogo a pessoa na sua totalidade,

dando uma orientação radical à sua vida. Para o cristão, a opção fundamental pode

ser identificada com a categoria da “caridade”.718

Quanto à sua profundidade, a opção fundamental implica toda a pessoa. Mas,

pode ser mudada, pois, o ser humano, por suas limitações, não pode determinar sua

vida para sempre. No seu desenvolvimento concreto, a opção fundamental não é

totalmente definitiva, porque existem casos em que se processa uma mudança,

quando, por exemplo, alguém se converte ou muda de orientação de vida. Portanto,

ela pode consolidar-se e aprofundar-se ou, também, debilitar-se e regredir.719

A opção fundamental, como orientação, expressa plenamente a

responsabilidade e a capacidade de fazer da própria vida uma resposta de amor a

Deus. A situação em que a pessoa se encontra face ao projeto de Deus, através da

opção e orientação fundamental, é o espaço ou o âmbito da graça. A graça atua e

manifesta seus efeitos na orientação de vida. Possibilita a conversão, na busca da

realização do amor.720

A opção é fundamental porque constitui o fundamento de todo o edifício

moral do sujeito. Ela é a decisão pela qual a pessoa determina livre e radicalmente

sua relação para com aquilo que a tradição agostiniana e tomista chamam de “fim

último”. Portanto, opção fundamental é a atitude humana primordial na qual a

pessoa assume o seu dado histórico-pessoal e se autodetermina face a um sentido

que, para nós cristãos, é o próprio Deus. Apresenta-se imediatamente como

respeito à dignidade de todo ser humano. Configura a personalidade através de

atitudes morais e confere à própria existência e ao agir uma orientação básica que

718 Cf. REJÓN, F. M. Teología moral desde los pobres. Madrid: Perpetuo Socorro, 1986, p. 115. 719 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais da ética teológica. São Leopoldo: UNISINOS, 2001, p. 144. 720 Ibid., p. 146.

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inspira as decisões concretas, num contexto sociocultural e de acordo com a

evolução histórica. 721

A opção fundamental é a expressão primária da vida moral cristã. Nela, a

pessoa expressa nuclearmente o seu ethos, ou seja, o dinamismo ético de sua vida

como sujeito responsável. A opção fundamental cristã é por isso mesmo opção

pelo seguimento de Jesus, que se concretiza na realização de um leque de

renúncias (Cf. Mt 16,24-28; Lc 14,25-35) e na conformação da vida segundo a

imagem de Jesus (Cf. Rm 15,1-3; 2 Cor 8,9; Fl 2,5ss). O fiel faz esta opção por

Cristo por meio da fé (Cf. Gal 2,16), que se torna operativa somente através da

práxis do amor (Cf. Gal 5,13) sob a guia do Espírito Santo (Cf. Gal 5,25).722

Portanto, a opção fundamental cristã identifica-se com a existência cristã,

numa relação amorosa com Deus, em conformação com Cristo e sob a força do

Espírito. Ela é a verificação da experiência paulina: “Já não sou eu que vivo, pois é

Cristo que vive em mim” (Cf. Gl 2,20). Como decisão fundamental do cristão, a

opção fundamental só pode ser “orientação radical” para Deus. Ora, essa

orientação não é mais que a decisão de viver em relação de amizade com Deus, por

meio da aceitação radical de Jesus Cristo como quem nuclearmente “condiciona” a

compreensão e a realização da existência pessoal.723

Para perceber o alcance da opção fundamental, faz-se mister situar-se no

nível dinâmico da pessoa, ou seja, em sua capacidade de tomar decisões.

Caracteriza-se a vida da pessoa por ser vida “escolhida” e “vocacionada”. É isso

que indicam o substantivo “opção” e o verbo correspondente “optar”. Os dois

termos fazem parte do universo do discernimento entre diversas alternativas e da

decisão, à medida que se implica o sujeito na alternativa escolhida. Por essa

decisão fundamental é que os atos da pessoa ganham sentido. Sendo assim, pode-

se condensar o alcance antropológico da opção fundamental dizendo que ela

representa a orientação e direção de toda a vida rumo ao fim. A noção

721 Cf. VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 144; p. 148-151; JUNGES, J. R. op. cit., p. 147-149. 722 Cf. VIDAL, M. op. cit, p. 146-147; ALVAREZ-VERDES, L. L’ennomia cristica come principio di flessibilità nella prassi morale: approccio ermeneutico a 1 Cor 9, 19-23. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 84. 723 Cf. VIDAL, M. op. cit., p. 144-145.

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275

antropológica de opção fundamental vincula-se ao sentido mais profundo da

liberdade humana.724

Trata-se de uma decisão fundamental que condiciona, como intenção básica,

todos os outros atos. É entrega totalizante de si mesma: é o “sim” ou o “não” da

pessoa. Consiste numa decisão fundamental de entrega (de fé: aceitar o outro) ou

de fechamento (fazer sua própria história, endeusamento; egoísmo; soberba). A

opção por uma ou outra direção não é sem conseqüências para todo o futuro, o

influencia de modo determinante. Não pode ser considerada simples conclusão

racional. Nela age sempre também a liberdade, o “dispor de si” que a pessoa

humana não apóia somente na razão. Em tal processo, é presente e participa de

vários modos, todo o sujeito. Não somente os seus conhecimentos, convicções e

atitudes morais (virtudes ou vícios), mas também as suas possibilidades físicas, as

atitudes psicofísicas ligadas ao caráter ou à evolução da personalidade (p.ex.,

atenção, capacidade de decisão, espírito de iniciativa, força psíquica, resistência ao

cansaço e às tentações, fantasias, etc.) e também a força condicionante das relações

sociais imediatas e as pressões ambientais, etc. 725

4.4.8. Conclusão

Cada pessoa consciente e livre, agindo numa série de escolhas, realiza seus

projetos históricos que o inserem no horizonte de uma decisão fundamental, tida

como pró ou contra Deus. Para o cristão, iluminado pela fé e animado pelo amor-

caridade, a opção fundamental, que deve estar ao fundo de todas as suas decisões

éticas, consiste crer de não poder se salvar sem Cristo, tomando este “poder se

salvar” no sentido pleno de realizar a sua vocação humana. Ela requer o ser

724 Cf. VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p.143. 725 Id., ibid., p. 128; AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, Bernard; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. IV, Brescia: Queriniana, 1986, p. 220; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”..., p. 14-15.

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276

humano como um todo: coração-alma-mente-força. E requer em cada atividade

sua, em cada relação sua, sem excluir alguma.726

Devemos temer não tanto o inferno da culpa, mas o deserto da vida sem

caridade. Pois, Deus tem um projeto de amor para o mundo e nos chama a realizá-

lo. “Se me amais observareis os meus mandamentos” (Cf. Jo 14,15); “se observais

os meus mandamentos permanecereis no meu amor” (Cf. Jo 15,10). “Se me

amais”: eis a escolha, a opção fundamental. Mas ela não tem nem pode ter lugar

outro que nas escolhas, nas opções categoriais, no observar os vários

mandamentos. Contudo, o amor ao próximo não deve ser um mandamento, por

assim dizer, imposto de fora, mas uma conseqüência resultante da fé que se torna

operativa pelo amor (Cf. Gl 5,6). Portanto, a transformação em Cristo exige que a

vontade humana busque concretamente sempre mais a vontade divina.727

A resposta humana ao amor de Deus, o encontro com este não deixa a pessoa

humana sem mudanças, imóvel, mas influencia até a sua relação mais profunda

consigo mesmo, experimentável na consciência. Por isso, a consciência deve ser

sempre movida e inspirada pelo amor. É esta a sua vocação fundamental, enquanto

núcleo central e íntimo da pessoa. E esta deve ser também a sua “opção

fundamental”, que determina todas as outras.728

726 Cf. BORGHI, E.; BUZZI, F. La coscienza di essere umani: percorsi biblici e filosofici per un agire ético..., p. 112; AUBERT, J.-M. Coscienza e legge..., p. 221; GIOVANNI, A. L’opzione fondamentale nella Bibbia. In: ASSOCIAZIONE BIBLICA ITALIANA. Fondamenti biblici della teologia morale: atti della XXII Settimana Biblica. Brescia: Paideia, 1973, p. 69. 727 Cf. BENTO XVI. Carta Encíclica Deus Caritas Est. São Paulo: Paulinas, 2006, n. 28 a, p. 59; GIOVANNI, A. L’opzione fondamentale nella Bibbia. In: ASSOCIAZIONE BIBLICA ITALIANA. Fondamenti biblici della teologia morale: atti della XXII Settimana Biblica..., p. 73; SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa. Credere oggi, ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, n. 40, p. 112; MAZZOCATO, G. Senso di colpa e pentimento. Servitium. n. 137, 2001, p. 79; ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. e. Roma: Città Nuova, 2000. p. 46; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 72. 728 Cf. CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi..., p. 104; RÖMELT, J. La coscienza: un conflitto delle interpretazioni. Roma: Academiae Alphonsianae, 2001. p. 124; MOLINARO, A. Libertà e coscienza: saggi etica filosofica e teologica. Roma: PUL/Città Nuova, 1977, p. 138.

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277

4.5. Desafios atuais para a consciência moral

4.5.1. Introdução

A experiência ética mais original e legítima da consciência é o fato de

deixar-se interpelar. Isso acontece quando a vontade de Deus, o rosto de uma

pessoa, uma determinada situação interpelam a consciência a sair de si e a fazer

algo para responder ao apelo de Deus, para defender e promover a dignidade do

outro ou para transformar uma situação injusta. O que interpela é a vontade de

Deus ou o valor moral que lateja no rosto do outro ou na realidade a ser

transformada e que exige ser realizado. Trata-se de deixar-se tocar pela situação do

outro ou de solidarizar-se com ele. Pois, a emergência da consciência moral está

intimamente ligada à emergência da alteridade. A consciência moral é, antes de

mais nada, lugar de interpelação.729

Neste sentido, não se pode responder à questão da salvação prescindindo-se

da historicidade e da natureza social do homem. É na história que ele deve realizar

sua salvação, à medida em que a encontra ofertada na história e nela a acolhe. Um

diálogo com o mundo pós-cristão pressupõe da parte da Igreja, do cristianismo em

geral, contato em nível sociológico com a realidade do mundo em evolução e uma

reflexão teológica aberta e corajosa, que saiba ler e interpretar o fenômeno

chamado “sinais dos tempos”.730

Ler os “sinais dos tempos” significa entrar em contato com a problemática da

historicidade do ser humano, assumir os valores das realidades terrestres, para

possibilitar um autêntico diálogo entre a religião e o mundo. Como a Igreja é o

lugar teológico da verdade “presente” do Evangelho, ela deve buscar sempre o

testemunho da economia da salvação inserida na história. O tempo lhe oferece

729 JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana. São Leopoldo: UNISINOS, 2001, p. 166. 730 RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé. São Paulo: Paulus, 2. e., 1989, p. 56-57; CHENU, M.-D. Realidade terrestre e mundo do trabalho. In: V.V. A. A. Deus está morto? Religião e ateísmo num mundo em mutação, Petrópolis: Vozes, 1970, p. 57.

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278

“sinais” da expectativa atual do Messias, sinais da coerência do Evangelho com a

esperança do mundo.731

Foi o Papa João XXIII, sobretudo na Encíclica Pacem in terris, a chamar a

atenção da importância desta perspectiva. É esta entre as mais caras à práxis cristã,

depois do Vaticano II. Como afirma a Gaudium et spes, n. 4, “A Igreja, a todo

momento, tem o dever de perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do

Evangelho, de tal modo que possa responder, de maneira adaptada a cada geração, às

interrogações eternas sobre o significado da vida presente e futura e de suas relações

mútuas”.732

Os sinais dos tempos são mesmo recobertos pela ambigüidade e contradição,

porque na história fica sempre presente como ameaça e risco o pecado. Daí a

necessidade de interpretar corretamente à luz do Evangelho os diversos

acontecimentos que indicam a direção da vida pessoal e também comunitária. É

preciso também evidenciar e valorizar com empenho os conteúdos que trazem

esperança.733

Como sinais dos tempos, trazemos a seguir, alguns desafios para a vivência

de uma consciência moral cristã, face à realidade do mundo contemporâneo.

4.5.2. Consciência e justiça social

Podemos criar uma sociedade, um mundo mais justo, mas nem sempre

queremos e não o fazemos apesar dos apelos e instrumentos ao nosso alcance. À

medida que, pela omissão ou indiferença, pelo conformismo ou covardia, nos

rendemos a esta situação ou com ela tacitamente pactuamos, nos tornamos co-

responsáveis dessa injustiça que oprime e provoca violências. A América Latina

731 CHENU, M.-D. Realidade terrestre e mundo do trabalho. In: V.V. A. A. Deus está morto? Religião e ateísmo num mundo em mutação, Petrópolis: Vozes, 1970, p. 58; 67. 732 Cf. Constituição pastoral Gaudium et spes, n. 4 e 11. In: CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. ed. Petrópolis: Vozes, 1996; ; Carta encíclica Pacem in terris, n. 39-45; 75-79; 125-128 e 141-144. In: JOÃO XXIII. Documentos de João XXIII (1958-1963). Coleção Documentos da Igreja. São Paulo: Paulus, 1998; MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 158-159; BACH, J. M. Consciência e identidade moral. Petrópolis: Vozes, 1985, p. 107 e 161. 733 Cf. MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 160-161.

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279

tem hoje, ao lado de uma faixa modernizante da população, uma imensa maioria

que vive em um contexto pré-moderno de analfabetismo e ignorância, pobreza,

falta de saúde, desemprego e fome. Estes fenômenos encontram suas causas

profundas e estruturais na inaceitável estratificação de nossa sociedade,

conseqüência em parte do próprio modelo de modernização vigente entre nós. Esta

foi uma das temáticas centrais tanto em Medellín quanto em Puebla.734

A realização do Reino está necessariamente relacionada com a luta contra a

injustiça. Por isso, a Igreja precisa marcar sua presença e atuação profética de

acordo com opções evangélicas dentro dessa situação de gritante injustiça social,

oferecendo seu serviço e sua efetiva participação na transformação da sociedade

pelo bem dos empobrecidos e excluídos.735

Como afirma o Papa Bento XVI, na Encíclica Deus caritas est, n. 28:

A Igreja não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política

para realizar a sociedade mais justa possível. Não pode, nem deve colocar-se no lugar do Estado. Mas também não pode, nem deve ficar à margem na luta pela justiça. Deve inserir-se nela pela via da argumentação racional e deve despertar as forças espirituais, sem as quais a justiça, que sempre requer renúncias também, não poderá afirmar-se, nem prosperar. A sociedade justa não pode ser obra da Igreja; deve ser realizada pela política. Mas toca à Igreja, e profundamente, o empenhar-se pela justiça trabalhando para a abertura da inteligência e da vontade às exigências do bem.736

O ponto de partida deve ser a pessoa humana mutilada, oprimida, excluída

por uma situação gritante de injustiça, fruto de um sistema sócio-econômico e

político-cultural que concentra a riqueza nas mãos de poucos. A luta deve ser não

apenas contra a dor, o sofrimento, o fracasso e a morte, mas contra as forças do

mal que penetram nos corações e produzem no mundo de hoje sempre novas

formas de escravidão, exploração, falsidade e violência.737

A pobreza é um fator desumanizador, tanto do indivíduo como da família e

do grupo social. Por isso, João Paulo II, na Encíclica Redemptor hominis, n. 8,

constata que a nossa realidade, o mundo da nova época, “o mundo dos vôos

734 Cf. AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques... São Paulo: Loyola, 1991, p. 63 e 77. 735 Cf. SOBRINO, J. Cristologia a partir da América Latina. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 144; SOUZA, N. Evolução histórica para uma análise da pós-modernidade. In: TRASFERETTI, J.; GONÇALVES, P. S. L. (Orgs.) Teologia na pós-modernidade – abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. Paulinas: São Paulo, p. 138-139. 736 Cf. BENTO XVI. Carta Encíclica Deus Caritas Est. São Paulo: Paulinas, 2006, n. 28 a, p. 49-50. 737 Cf. MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 177.

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280

cósmicos, o mundo das conquistas científicas e técnicas, jamais alcançadas

anteriormente” é um mundo que geme e sofre. Mas, a Modernidade parece ignorar

as grandes maiorias empobrecidas.738

O inimigo contra o qual precisamos hoje combater, no continente latino-

americano, não é o ateísmo e o problema do “não-Deus”. Mas aquele ainda mais

elementar, o problema do “não-homem”. Por outro lado, a ciência hoje dispõe de

um conceito limitado da vida humana, apenas no sentido biológico, reduzindo-o a

uma visão funcional dos órgãos. Dessa forma, o ser humano passou a ser

concebido simplesmente como matéria-prima, como um produto biológico

manipulável. A visão que se tem hoje é de que a dignidade da vida não é mais

inviolável. Daí, a missão da Igreja em mostrar que ser pessoa é um mistério que

todos devem respeitar na sua transcendência.739

Toda forma de violência contra o ser humano e de dominação abusiva contra

as demais criaturas é um tipo de injustiça. Neste sentido, somos confrontados com

dois tipos de injustiças: a social e a ambiental. A injustiça social afeta diretamente

as pessoas e as instituições sociais. A injustiça ambiental as afeta indiretamente,

mas com conseqüências perversas imediatas, já que a deterioração da qualidade de

vida ambiental gera tensões sociais, violência, enfermidades, desnutrição e até a

morte. Um mínimo de justiça ambiental é imprescindível para haver uma justiça

social mínima. No entanto, não há nada de mais antiecológico e que ecoe tão forte

em nossos ouvidos do que o grito da miséria, da fome e da pobreza humana.740

738 Cf. JOÃO PAULO II. Encíclica Redemptor hominis. São Paulo: Loyola, 1979, n. 8; DUSSEL, E. Caminhos da libertação latino-americana. São Paulo: Paulinas, 1989, p. 59; VIDAL, M. La solidaridad: nueva frontera de la teologia moral. Studia moralia. Roma, vol. I, n. 23, p. 106. 739 Cf. SANNA, I. L’antropologia della postmodernità e la coscienza cristiana. Studia moralia, Roma, n. 40, 2002, p. 335. 740 Cf. ARAUJO, J. W. C. Exigências éticas de uma co-responsabilidade com a criação – uma proposta de ética ecológica. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2001, p. 74 e 91; PEGORARO, O. A. Ética e justiça. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 127.

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281

4.5.3.

Consciência e crise ecológica∗ O debate sobre a agressão ao meio ambiente é uma questão ética

fundamental nos dias de hoje. Como afirma B. Häring:

A ecologia é inserida no âmbito dos grandes problemas da humanidade. E os cristãos devem sentir-se diretamente responsáveis em relação ao futuro das gerações vencendo esta autêntica batalha em curso contra o ambiente. Não pode existir uma paz entre os homens se estes não vivem em paz com toda a criação, e vice-versa.741 Por trás de nossos problemas ambientais, não estão apenas a ação de

poluidores ou a falta de consciência ambiental. Estão também atitudes e valores de

quem julga natural explorar o meio-ambiente e os nossos semelhantes somente

para acumular lucros crescentes, sem se importar com as agressões ambientais e os

problemas sociais que gera. Ou seja, atrás de cada agressão à natureza, estão

interesses socioeconômicos, como reflexos da injustiça e da desarmonia das

relações entre os indivíduos da própria espécie. Portanto, a atual relação de nossa

espécie com a natureza é apenas um reflexo do estágio de desenvolvimento das

relações humanas. Não existe coerência em quem ama os animais e as plantas, mas

explora, humilha e discrimina os semelhantes.742

A crise ecológica aponta para a decadência do atual paradigma de

intervenção no meio ambiente e de convivência entre os seres humanos e destes

com a natureza. A situação de fome, pobreza e injustiça de multidões de seres

humanos é a face social da crise ecológica. Trata-se de uma crise de civilização, de

valores e das relações humanas entre as pessoas, os povos, e das relações entre

estes com a natureza. Ela não diz respeito apenas às várias formas de poluição,

∗ Para maior elucidação do tema, ver: ARAUJO, J. W. C. Exigências éticas de uma co-responsabilidade com a criação... Dissertação de Mestrado, PUC-Rio, 2001, 130 p. Veja também do mesmo autor: Por uma nova ética. Revista Eclesiástica Brasileira. Petrópolis, 2004, p. 128-140; Criação: sacramento de Deus. Grande Sinal. Petrópolis, 2002/4, jul.-ag., p. 423-437; Francisco de Assis e as criaturas. Grande Sinal. Petrópolis, 2003/3, p. 271-277. 741 Cf. HÄRING, B. Mi experiencia con la Iglesia. Madrid: PS Edit., 1990, p. 186. 742 Cf. BERNA, V. S. D. Pensamento ecológico: reflexões, críticas sobre meio ambiente, desenvolvimento sustentável e responsabilidade social. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 17-21 e 25-26.

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282

nem mostra apenas o fracasso das relações seres humanos - criação, mas o fracasso

dos sistemas econômicos, políticos e sociais vigentes. O estilo de desenvolvimento

atual se caracteriza por não reconhecer na natureza valores que não sejam os que

sirvam ao ser humano. Coloca-se a ênfase na utilidade que determinados recursos

podem ter ou não.743

O que nós temos feito com a natureza é uma demonstração clara de um

domínio irresponsável e de uma arrogância e orgulho que se colocam no extremo

oposto do que significa ser imagem de Deus. O domínio depredador, abusivo,

meramente instrumentalizador do mundo, não constitui uma administração

responsável. O progresso obtido tem beneficiado somente a uma minoria em

detrimento da maioria. Um progresso de tipo mecanicista e tecnocrático que

ameaça a sobrevivência mesma da espécie humana. Trata-se de uma sociedade na

qual o ser humano é visto essencialmente como um ser de necessidades que devem

ser satisfeitas e, por isso, um ser de consumo que prima pela valorização do

provisório e do descartável. Se quisermos frear a destruição da natureza, teremos

que modificar as relações econômicas e sociais da sociedade humana.744

Como afirma Häring: O ser humano cientifico, tecnológico dos dias de hoje é o mais hábil manipulador da natureza. Enquanto acumula um enorme capital monetário e constrói sempre novos maquinários industriais e novas auto-estradas, ele esquece de administrar sabiamente o que lhe é fornecido pela natureza... Por outro lado, a exploração bárbara dos recursos indispensáveis e não renováveis acontece da mesma forma que a exploração de um ser humano pelo outro. E assim, o mundo industrial moderno supera o limite de tolerância da natureza e da subsistência humana. Explora a natureza de uma maneira tal que bloqueia o caminho em direção a um futuro vivível pela humanidade.745

743 Cf. ARAUJO, J. W. C. Exigências éticas de uma co-responsabilidade com a criação – uma proposta de ética ecológica. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2001, p. 74-76 e 79; JUNGES, J. R. Ética ecológica: antropocentrismo ou biocentrismo? Perspectiva Teológica , Belo Horizonte, n. 89, jan. / abr. – 2001, p. 48; MOSER, A. Teologia moral – desafios atuais. Ed. Vozes, Petrópolis, 1991, p. 153; Id. A ecologia a partir de uma perspectiva ética. In: BEOZZO, J. O. (Org.). Vida, clamor e esperança. São Paulo: Loyola, 1992, p. 250; REGIDOR, J. R. Ressarcir os povos e a natureza – em busca de uma reconversão sócio-ecológica da sociedade. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, n. 52, fasc. 205, março de 1992, p. 39; TORRE, M. A. Ecología y moral – la irrupción de la instancia ecológica en la ética de Occidente. Bilbao: Desclée de Brower, 1993, p. 25- 38. 744 Cf. ARAUJO, J. W. C., op. cit., p. 80-81; SIQUEIRA, J. C. Ética e meio ambiente. São Paulo: Loyola, 1998, p. 20; BERNA, V. S. D. Pensamento ecológico: reflexões, críticas sobre meio ambiente, desenvolvimento sustentável e responsabilidade social. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 12; RUBIO, A. G. Unidade na Pluralidade. São Paulo: Paulinas, 1989, p. 452; MOLTMANN, Jurgen. Deus na criação: doutrina ecológica da criação. Petrópolis: Vozes, 1993, p. 47. 745 Cf. HÄRING, B. Livres e fiéis em Cristo: teologia moral para sacerdotes e leigos. Vol. III. São Paulo: Paulinas, 1984, p. 169.

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283

Nada vive isolado na natureza. Assim como exercemos influência sobre o

meio, somos influenciados por ele. Um ser depende do outro para sobreviver.

Para o conjunto de vida do planeta, não existem seres mais ou menos

importantes. O que realmente importa é a rede de relações mantidas por todos

os seres vivos entre si e com o meio em que vivem. Rompida esta "teia", ou

diminuída em sua capacidade, a vida corre perigo. Portanto, o ser humano é

mais um membro do ecossistema global, um cidadão do planeta. As outras

criaturas possuem também um “valor reconhecível”, em função do “todo biótico”.

Ele ocupa o cume da pirâmide do real, mas os demais seres ostentam também um

valor próprio.746

Cada pessoa é plasmada nas mãos de Deus, pela argila da história e recebe

um sopro divino. Por outro lado, a realidade humana é “existência-com” seus

semelhantes humanos, vegetais e animais e com toda a natureza. Se nós somos

seres-no-mundo, integrados na realidade global que nos rodeia, a deterioração do

entorno natural afeta gravemente a nossa estrutura pessoal. Somos um ser de

relações ilimitadas, juntamente com outros no mesmo mundo e no mesmo Cosmos;

somente nos realizamos na medida em que somos “para os outros”, saímos de nós

mesmos e nos relacionamos com os demais.747

Por isso, o ser humano vive eticamente quando renuncia estar sobre os outros

para estar junto com os outros. Quando se faz capaz de entender as exigências do

equilíbrio ecológico e quando, em nome do equilíbrio, impõe limites a seus

próprios desejos. O ser humano é ético somente enquanto a vida, como tal, é

746 Cf. ARAUJO, J. W. C. Exigências éticas de uma co-responsabilidade com a criação – uma proposta de ética ecológica. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2001, p. 93; TORRE, M. A. Ecología y mora – la irrupción de la instancia ecológica en la ética de Occidente. Bilbao: Desclée de Brower, 1993, p. 94; PEÑA, J. L. R. de la. Teologia da criação. Ed. Loyola, São Paulo, 1989, p. 175 – 177; SOSA, N. M. Ecología e ética. In: VIDAL, Marciano. Ética teológica – conceitos fundamentais. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 789; BERNA, V. S. D. Pensamento ecológico: reflexões, críticas sobre meio ambiente, desenvolvimento sustentável e responsabilidade social. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 25. 747 Cf. ARAUJO, J. W. C. op. cit., p. 94; PEGORARO, O. A. Ética e justiça. Petrópolis: Vozes, 1995, p. 126; JUNGES, J. R. Ética ecológica: antropocentrismo ou biocentrismo? Perspectiva Teológica , Belo Horizonte, n. 89, jan. / abr. – 2001, p. 52; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 29.

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sagrada para ele, a das plantas e a dos animais tanto quanto a dos seus

companheiros e enquanto se devota a toda forma de vida que necessita de ajuda.748

4.5.4. O desafio do individualismo e das suas manipulações

Na cultura moderno-contemporânea, há uma centralidade do indivíduo,

considerada como sujeito de direitos, decisões e ações. O indivíduo é visto com a

sua inteligibilidade e legitimação sem necessária referência ao grupo ou

dependência dele. Há, pois, uma ênfase sobre a formação da consciência individual

e a responsabilidade pessoal. Mas, o contraste entre atitudes e interesses

individuais pode levar à competitividade, à falta de solidariedade, no contexto da

“ideologia do individualismo”.749

Além disso, o ser humano é um ser manipulável, sendo que as principais

formas manipuladoras são: manipulação da cultura, da arte, da educação e de todos

os processos culturais; manipulação da comunicação social, opinião pública,

propaganda e publicidade; manipulação social em suas várias vertentes:

econômica, política e ideológica e manipulação da atitude religiosa. Todas estas

formas se unificam na elaboração de um “tipo de homem” que melhor se acomode

para os fins que o manipulador persegue. No contexto contemporâneo, a forma

privilegiada de manipulação é a de caráter social. A “unidimensionalidade”

socialmente manipulada vem a ser o núcleo originário de todas as forças

manipuladoras do ser humano atual. A consciência moral manipulada é uma

consciência acrítica ou heterônoma, seu centro de decisão está fora dela mesma. A

formação moral é o pressuposto indispensável para imunizar a consciência frente

aos ataques manipuladores.750

Ao mesmo tempo, o pecado maior e mais comum hoje talvez seja o de que,

mesmo podendo conhecer a Deus, as pessoas não querem adorar a Deus como

Deus e não reconhecem isso. Neste sentido, há algo de desconcertante na

748 Cf. ARAUJO, J. W. C. op. cit., p. 74-75; SOBRINHO, J. Vasconcelos. Catecismo da Ecologia. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1982, p. 133. 749 Cf. AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques. São Paulo: Loyola, 1991, p. 106. 750 Cf. VIDAL, M. El discernimiento etico: hacia una estimativa moral cristiana. Madrid: Cristiandad. 1980, p. 111-113; 118-121.

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existência humana, pois, mesmo desejando o bem, eis que buscamos praticar o mal

(Cf. Rm 7, 25; 12, 17.21; 1 Cor 10,6). Há uma preferência pela auto-suficiência,

uma rejeição ao diálogo com Deus e com os irmãos e uma deturpação do

relacionamento com a própria natureza. No nosso orgulho, quereremos uma

autonomia total, viramos as costas para Deus, até cairmos em si e nos

descobrirmos impotentes, indigentes, desamparados, nus (cf. Gn 3), enfim

entregues às próprias fraquezas.751

O individualismo surge antes de tudo da falta de vontade de conversão e da

resistência contra a renovação da vida eclesial e social. Ele não somente diminui a

dignidade da consciência pessoal, como também cria estruturas pecaminosas. E

ninguém é imune da contaminação que irrompe das estruturas e condições sociais e

culturais corrompidas. É sempre mais difícil a conversão individual do coração sob

as pressões de um universo envolvente que não se converte. Os vincos ideológicos

e a manipulação da informação em macroescala debilitam e deformam, quando não

totalmente anestesiam a consciência do indivíduo. Daí a necessidade de se buscar

uma firme decisão na solidariedade da salvação.752

Diante do outro, ninguém pode ficar indiferente. Tem que tomar posição.

Mesmo não tomando posição, silenciando e mostrando-se indiferente, isto já é uma

posição. Pode fechar-se ou abrir-se ao outro, pode querer dominar o outro, pode

entrar numa aliança com ele, pode negar o outro como alteridade, não o

respeitando, mas incorporando-o, submetendo-o ou, simplesmente, destruindo-o. E

a nossa conversão significa abrir os olhos da consciência para as diversas situações

de privações pelas quais passam muitos de nossos irmãos.753

Numa época em que o individualismo e a mentalidade de “cada um por si”

crescem na medida em que crescem as posses e o status social, também o

751 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 36; VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 151-152; HÄRING, B. La legge naturale nella luce della legge di Cristo iscritta nei cuori.. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 284; AGOSTINI, N. Ética Cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 127-133. 752 Cf. HÄRING, B. La legge naturale nella luce della legge di Cristo. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 291; AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques – vivendo a fé em um mundo plural. São Paulo: Loyola, 1991, 232 p., p. 59-60. 753 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Roteiro para as celebrações da Quaresma e Tríduo Pascal 2003. Brasília: Scala, 2003, p. 14.

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compromisso corre o perigo de definhar-se num espiritualismo egocêntrico e

estéril. Tal egoísmo fechado forma uma contradição flagrante com o compromisso

de Jesus com seu Pai, dedicando sua vida ao serviço dos irmãos e libertando-os de

todos os males.754

A pergunta do Senhor “que fizeste?”, à qual Caim não se pode esquivar (Cf.

Gn 4), é dirigida também a nós hoje, para que tomemos consciência da amplitude e

gravidade dos atentados à vida que continuam a registrar-se na história da

humanidade. É preciso que tomemos consciência das múltiplas causas que geram e

alimentam estes atentados a fim de refletirmos com extrema seriedade sobre as

conseqüências que derivam para a existência das pessoas e dos povos.755

A mentalidade individualista e utilitarista obscurece a solidariedade e a

gratuidade. Reforçada pelo consumismo, pela busca do prazer hedonista, essa

mentalidade se torna dificilmente permeável ao Evangelho. E assim, o ser humano

entregue à própria sorte padece as conseqüências do pecado como estrutura pessoal

e social, provocando sofrimento, opressão, morte e ficando impedido de realizar a

vocação de amor para a qual Deus o chamou.756

Como afirma João Paulo II, na Encíclica Evangelium vitae, n. 10:

Como não pensar na violência causada à vida de milhões de seres humanos, especialmente crianças, constrangidos à miséria, à subnutrição e à fome, por causa da iníqua distribuição das riquezas entre os povos e entre as classes sociais? Ou na violência inerente às guerras, e ainda antes delas, ao escandaloso comércio de armas, que favorece o torvelinho de tantos conflitos armados que ensangüentam o mundo? Ou então na sementeira de morte que se provoca coma imprudente alteração dos equilíbrios ecológicos, com a criminosa difusão da droga, ou com a promoção do uso da sexualidade segundo modelos que, além de serem moralmente inaceitáveis, acarretam ainda graves riscos para a vida? É impossível registrar de modo completo a vasta gama das ameaças à vida humana, tantas são as formas, abertas ou camufladas, de que se revestem no nosso tempo!757

754 Cf. MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 184-185. 755 Cf. JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Evangelium vitae, São Paulo: Paulinas, 1995, n.10. 756 Cf. JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana – temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 97; MOSER, A. Moral e cultura: entre o diálogo e o etnocentrismo. In: ANJOS, M. F. (Coord.) Teologia moral e cultura. Aparecida: Santuário,1992, p. 77. 757 Cf. JOÃO PAULO II. Carta Encíclica Evangelium vitae, São Paulo: Paulinas, 1995, n. 10.

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4.5.5. Consciência e Evangelização

Evangelizar é primeiramente ajudar a pessoa ou a sociedade a pôr-se no

caminho do encontro profundo consigo, com o próximo, com a natureza e com

Deus. A evangelização confere ao fiel uma nova e mais profunda consciência de

si, da própria identidade e vocação centradas em Cristo. Mostrando-lhe o

indicativo da sua salvação, confere novo significado e novas dimensões também ao

imperativo do seu agir moral.758

A evangelização põe a pessoa humana frente a Cristo, apresentado e

proposto como pessoa por excelência, o protótipo de toda a humanidade. Um

modelo que com as suas palavras e, sobretudo com os seus gestos e atitudes,

provoca, questiona, faz refletir. E que se acolhido na fé exige do fiel e

incessantemente o força a buscar uma conversão e santificação.759

Hoje, a vida eclesial é tomada por um número significativo de “pertencentes

parciais”. Daí, a necessidade de uma nova evangelização, com o objetivo de se

alcançar uma maior maturidade das consciências cristãs, tornando os conteúdos do

Evangelho mais eficazes. O problema não é simplesmente o de se enfatizar o

conhecimento das leis morais. Aquilo que se torna sempre mais indispensável é o

efetivo resplandecer das consciências, tendo em vista o centro pascoal do anúncio

cristão. Pois, o compromisso dos cristãos encontra a sua forma real no fazer o que

Jesus fez. Mas, o compromisso depende da maturidade de cada um, conforme os

parâmetros de sua responsabilidade e força de decisão. 760

A evangelização conscientizadora implica numa ação evangelizadora que

propicie o despertar do ser humano para um nível crítico e responsável, criativo e

aberto, sempre pronto a redescobrir o seu lugar e o sentido dos acontecimentos.

Isto requer um engajamento lúcido a favor da vida, fazendo da opção pelos pobres

758 Cf. CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori boiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 111; AZEVEDO, M. Entroncamentos e entrechoques. São Paulo: Loyola, 1991, p. 84. 759 Cf. CASSANI, M. op. cit., p. 112. 760 Cf. MANICARDI, E. Legge, coscienza e grazia nell’insegnamento paolino. MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. op. cit., p. 46; MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral.., p. 186 e 192.

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ao mesmo tempo seu desafio primordial e a condição de sua conversão. No

entanto, esta opção, que funde seus valores no Evangelho, deve ser interpretada

como uma opção preferencial, porém não exclusiva, nem excludente, entendendo

os pobres como um grupo humano ministerial, não como uma classe social em

luta, nem como uma Igreja paralela.761

4.5.6. A relação entre fé, moral e secularização

A Pós-modernidade pôs em crise não somente a fé, coisa que já havia feito a

Modernidade, mas também a razão. Desta maneira, os princípios morais ficam na

arbitrariedade de cada um. E assim, as preferências e/ou os sentimentos se

convertem em referentes éticos, quebrando o universalismo da ética. Com isso, o

mais forte se impõe, o vulnerável sofre, o liberalismo econômico selvagem impera.

No contexto contemporâneo, a fé se torna cada vez mais fluida, intimista,

finalizada pelo eu, como atesta a atração pelas técnicas de meditação espiritual

vindas do Oriente, pelas culturas para-religiosas e esotéricas da Nova Era.

Sincretismo mais ou menos narcisista de um lado, extremista e dogmático de

outro.762

Há uma perda de sentido da síntese e do mistério e, além disso, também uma

perda do sentido de pecado. Neste mundo secularizado, a fé não tem mais uma

sustentação sólida, como no passado onde havia um consenso social em relação à

vivência dos valores cristãos. Hoje, a fé é minada pela indiferença, pela

mentalidade científica, por uma cultura que muitas vezes rejeita a dimensão

religiosa. Por isso, mais do que nunca, hoje a fé precisa ser cuidadosamente

cultivada, sempre novamente redescoberta.763

761 Cf. VIDAL, M. La solidaridad: nueva frontera de la teologia moral. Studia moralia. Roma, vol. I, n. 23, p. 124; AGOSTINI, N. Nova evangelização e opção comunitária: conscientização e movimentos populares. Petrópolis: Vozes, 1990, p. 21-40; Id. Ética cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 108; Id., 762 Cf. CARRERA, J. C. Em busca del Reino – una moral para o Novo Milênio. Barcelona: Cristianisme i Justicia, 2000, p. 29; LIPOVETSKY, G. A era do vazio – ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Barueri: Manole, 2005, p. 195. 763 Cf. HÄRING, B . Etica cristiana in un’epoca di secolarizzazione. Roma: Paoline, 1974. p. 24; GATTI, G. Confessione ed educazione morale. Corso sul Foro Interno. Tribunale della Penitenzieria Apostolica. Roma, 2005, p. 8.

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A vida cristã constitui um todo unitário. O que dá corpo a esta unidade é a

dimensão religiosa. Religião é o diálogo com Deus, como uma resposta a Ele. Na

revelação cristã, Jesus Cristo é a expressão concreta de Deus Pai, no seu amor para

com a humanidade. O diálogo entre Deus e as pessoas acontece por meio de Jesus,

porque ele é a mensagem do amor eterno de Deus, e em virtude de sua

humanidade, a resposta a este amor. A pessoa humana é capaz de dialogar com

Deus porque criada à Sua imagem e semelhança é aberta à comunicação de Deus e,

ao mesmo tempo, tem a capacidade de responder, por meio dos dons do Espírito

Santo. Mas, quando se esquece de Deus, quando se cancela em si a necessidade e o

sentido de Deus, então a cidade terrestre se torna um gigantesco bezerro de ouro:

uma nova e terrível divindade que impõe à pessoa humana o sacrifício da própria

dignidade. Frente à falta de consciência do pecado, um moralismo superficial é

absolutamente insuficiente. Por isso, é preciso lançar com mais profundidade e

clareza os valores cristãos.764

Bernhard Häring enfatiza uma ética do seguimento, na qual o seguidor de

Cristo não se dá a si mesmo a norma de seu agir (autonomia pura), já que esta

norma brilha na pessoa do Mestre a quem segue. Por outro lado, em relação a Deus

e a Cristo, não há nenhum tipo de heteronomia. Esta é a falsa interpretação dada

pelo deísmo. Para a compreensão correta dialógica da experiência religiosa, Deus

não é um heteros (estranho) senão Aquele que está no mais íntimo da pessoa.

Superando as limitações da heteronomia e da autonomia, a ética do seguimento se

concretiza positivamente na “obediência amorosa” e no “amor obediente”.765

Porém, para Häring, este seguimento não deve ser entendido simplesmente

como princípio moral, como uma idéia. Porque se trata de uma experiência de fé.

A ética cristã é uma ética mística, que se concretiza por meio da fé. É uma ética de

resposta, de responsabilidade e testemunho, não de leis com suas aplicações. Pois,

o Evangelho não é um “código” de prescrições concretas para todas as situações da

764 Cf. HÄRING, B. Etica cristiana in un’epoca di secolarizzazione. Roma: Paoline, 1974. p. 25; Id. Problemi attuali di teologia morale e pastorale. Vol. I, Roma: Paoline, 1965, p. 413; VIDAL, M. Bernhard Häring y la renovación de la moral fundamental. Estudios eclesiásticos, vol. 74, jul-sep. 1999, p. 465; VALLATE, M. “The inner voice”: a study of conscience in Bernhard Häring and Mahatma Gandhi. Dissertatio ad doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2000, p. 56. 765 Cf. VIDAL, M. op. cit., p. 467.

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vida humana, mas acontecimento de salvação que investe a pessoa humana para a

sua responsabilidade.766

A fé é o elemento primeiro e principal que dá frutos no amor e na justiça. Por

isso, a moral não pode colocar-se à margem da dogmática. Ela nasce e recebe o seu

vigor da fé. Portanto, a espiritualidade não é alheia ao projeto moral da vida cristã.

Para a meta da realização humana como filhos e filhas de Deus convergem

espiritualidade e moral num empenho comum. A moral como reflexão e práxis, se

vincula ao mistério salvífico amoroso de Deus em Cristo, e deixa de ser uma

realidade de caráter jurídico.767

A fé é uma relação dialógica, responsorial, entre Deus e o ser humano. A

moral cristã se baseia na fé, pela qual o ser humano é justificado. Mediante a nossa

aceitação da verdade salvífica e a nossa total resposta no abandono a Deus, a fé

traz frutos na justiça e no amor. Por isso, a religião deve tornar-se a experiência

vital da presença de Deus pelas pessoas de hoje, uma mensagem comunicada e

referida a estas pessoas, na linguagem segundo esquemas de comportamento

atuais.768

4.5.7. Conclusão

Frente a toda essa situação, é preciso que busquemos mudanças em prol de

uma relação mais harmônica e menos predatória e poluidora com o planeta. Em

especial, estas mudanças começam por meio de dois movimentos distintos: um em

direção a nosso íntimo, com a adoção de novos hábitos, comportamentos, atitudes

e valores; e outro visando à sociedade em torno de nós, a partir da busca da união

766 Idem., ; MOLINARO, A. Libertà e coscienza: saggi etica filosofica e teologica. Roma: PUL/Città Nuova, 1977, p. 169-170. 767 Cf. BERETTA, P. Sintesi e sviluppo della teologia di Bernhard Häring. In: V.V.A.A. Chiamati alla libertà: sagi di teologia morale in onore di Bernhard Häring. Roma: Paoline, 1980, p. 383; QUEREJAZU, J. La moral social y el Concilio Vaticano II. Votoria: ESET, 1993, p. 57. 768 Cf. HARING, B. La morale è per la persona, p. 22 e 319-322; HÄRING, B. I religiosi del futuro. Roma: Paoline, 1972, p. 120-121.

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291

com outros cidadãos, para influir em políticas públicas e empresariais que

ressaltem a importância do planeta, a qualidade de vida e a justiça social.769

Hoje, em nossa cultura, há uma ideologia na qual a natureza é concebida

como ilimitada provedora de recursos, sempre a serviço dos seres humanos, sem

direito próprio. Esta dominação se estende também sobre as pessoas ou grupos

mais enfraquecidos. Faz-se necessário uma ética onde se reconheça os valores

intrínsecos de todos os seres, vivos e não vivos. Pois, para nós cristãos, existe um

compromisso que nasce da dinâmica da fé, com a conseqüente valorização das

realidades terrestres.770

Nós não somos donos da natureza, somos parte dela e, portanto, co-

responsáveis pela manutenção do equilíbrio ecológico. Vivemos melhor quando

renunciamos ao “estar sobre” para o “estar juntos” com os outros, quando

impomos limites aos nossos próprios desejos em nome do equilíbrio e harmonia.

Só assim descobrimos que não somos apenas um ser de desejos egoístas, mas

também um ser de solidariedade e comunhão. Poderemos conservar a natureza

somente se agirmos impulsionados por um amor alimentado pelo reconhecimento

de seu valor autônomo, que não seja o “valor de mercado”. Para isso, é preciso

uma revolução cultural da consciência.771

O agravamento da pobreza, da degradação do ambiente e do desemprego

estrutural, demanda um novo pacto ético da humanidade, sem o qual o futuro pode

ser ameaçador para todos. A preocupação ecológica não traz apenas novos

problemas que exigem solução. Introduz um novo paradigma civilizacional e, por

conseguinte, uma nova ética. A sensibilidade cuidadosa pela vida precisa

impregnar a personalidade moral das pessoas e manifestar-se como atitude pessoal,

constituindo-se como cultura ética da sociedade e tendo assim força para fazer

frente à atual crise ecológica e social.772

769 Cf. BERNA, V. S. D. Pensamento ecológico: reflexões, críticas sobre meio ambiente, desenvolvimento sustentável e responsabilidade social. São Paulo: Paulinas, 2005, p. 26. 770 Cf. ARAUJO, J. W. C. Exigências éticas de uma co-responsabilidade com a criação – uma proposta de ética ecológica. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2001, p. 74-77; GUARDINI, R. La coscienza. 3. e. Brescia: Morcelliana, 2001, p. 33; MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 58; GUDYNAS, E.; EVIA, G. Ecología social, manual de metodologías para educadores populares. Madrid: Editorial Popular, 1993. 771 Cf. ARAUJO, J. W. C. op. cit., p. 97; TORRE, M. A. Ecología y mora – la irrupción de la instancia ecológica en la ética de Occidente. Bilbao: Desclée de Brower, 1993, p. 86; SUNG, J. M.; SILVA, J. C. Conversando sobre ética e sociedade. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 92.

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O que distingue a nós humanos dos outros seres do ecossistema é que somos

os únicos agentes morais e, por causa dessa diferença, somos responsáveis e temos

o papel de administradores e custódios do planeta: não como donos e proprietários,

mas a serviço dos outros seres. Por isso, precisamos construir um novo ethos, uma

nova identidade que nos permita resgatar o senso de cordialidade e de respeito. Tal

ética somente poderá surgir a partir da superação da visão de mundo que tenta

reduzir todos os seres à condição de objetos cujo valor reside no lucro que podem

produzir. Isso implica uma mudança de mentalidade em nossa maneira de

compreender a nossa identidade enquanto humanos e o nosso lugar no Cosmos.773

772 Cf. ARAUJO, J. W. C. op. cit., p. 98; JUNGES, J. R. Ética ecológica: antropocentrismo ou biocentrismo? Perspectiva Teológica , B. Horizonte, n. 89, jan. / abr. – 2001, p. 33 – 34 e 64 – 65. 773 Cf. ARAUJO, J. W. C. Exigências éticas de uma co-responsabilidade com a criação – uma proposta de ética ecológica. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2001, p. 86, 99-101 e 104; REGIDOR, J. R. Ressarcir os povos e a natureza – em busca de uma reconversão sócio-ecológica da sociedade. Revista Eclesiástica do Brasil, Petrópolis, vol. 52, fasc. 205, 1992, p. 41; UNGER, N. M. O encantamento do humano: ecologia e espiritualidade. São Paulo: Loyola, 1991, p. 71.

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293

4.6. A configuração trinitária da consciência moral 4.6.1. Introdução

No sentido cristão, crer é se co-envolver em toda a sua pessoa numa

comunhão de vida com o Pai, o Filho e o Espírito Santo. O ato de fé, portanto,

brota na acolhida a Deus que se revelando, se doa, e doando-se liberta e salva. É o

encontro de duas totalidades: de Deus que se revela como o Pai de Jesus Cristo e

doador do Espírito, e da pessoa humana que se firma na obediência (ob-audiere). É

em Cristo que nos conhecemos e nos percebemos co-envolvidos na economia da

salvação. Em Cristo, alcançamos um sentido para a nossa vida. E para atualizar no

tempo a identidade percebida e conhecida, o Espírito nos torna possível a

realização da missão de Cristo. Por isso, a relação da pessoa humana com Deus,

por Cristo e no Espírito se configura como comunhão. Todo este dinamismo de

conformação se realiza através da nossa consciência. Na dignidade de pessoas

humanas somos a imagem mais profunda da Trindade divina.774

Diante de nossa participação na morte e ressurreição de Cristo,

compreendemos que não estamos mais sob o regime “da lei, mas sob a graça” (Cf.

Rm 6,14). Graça (charis) quer dizer, sobretudo, amor atraente de Deus Pai. Ele que

nos deu o seu Verbo que é doador da vida e que nos concede o Espírito também

doador da vida, volta para nós a sua face e abençoa-nos. É desta forma que ele nos

faz participantes da aliança e grava a sua vontade amorosa em nossos corações. E

assim como as Três Pessoas em Deus são constituídas pessoas exclusivamente por

suas relações mútuas, somos criados à imagem de Deus, como “pessoas”, por 774 Cf. HARING, B. Liberi e fedeli in Cristo, Vol. I, 2. ed., Roma: Paoline, 1980, p. 282; MALI, M. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 17; MEDUSA, L. Il contributo di A. Gardeil per lo sviluppo della riflessione teologica sulla coscienza morale cristiana. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 245, 254 e 256-257.

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nossas relações com os outros. Quanto mais intensificamos as relações tanto mais

fortalecemos a nossa “personalidade”, realizando-nos enquanto humanos.775

Todas as pessoas são criadas em vista do Verbo encarnado, que nos

manifesta a plenitude do amor do Pai santo e misericordioso. Portanto, a moral

cristã é uma resposta ao chamado de Deus. É a moral do seguimento de Cristo, que

nos chama a sair de nós mesmos, como condição indispensável para crescer no

amor. A preocupação da moral é o empenho humano que deve configurar-se acima

de tudo como “vida de oração”, como busca constante da união com o Pai,

permanecendo em Cristo, por meio do Espírito, para que, conduzidos pelo mesmo

Espírito, sejamos de fato filhos de Deus (cf. Rom 8,14).776

No encontro com a palavra de Deus, a pessoa humana se faz dom de uma

salvação, como uma resposta ao amor do Deus trinitário. Na escuta da Palavra,

somos voltados para Deus. Somente na dedicação a Deus, no abandono gratuito

nas mãos de Deus é que encontramos a nossa própria plenitude. Deus não nega a

sua aproximação, nem mesmo nas mais profundas contradições do coração

humano. Com a vida, morte e ressurreição de Jesus, ele se introduz em meio a

estas situações paradoxais. A recusa e o ódio ao homem Jesus não contrapõe outro

que não a solidariedade amante. Na morte de cruz, Deus mesmo suporta em Cristo,

as experiências limites da nossa existência. E aqueles que reconhecem com fé que

Jesus é o Ungido (o Cristo) são também eles “ungidos” pelo Espírito.777

O modo de ser de Deus é essencialmente o amor. Este modo constitui

ontologicamente o ser humano, feito “à imagem” de Deus (cf. Gn 1,26-27), criado

para participar e comunicar a vida trinitária e pessoal de Deus. Mas, ser imagem de

Deus é um compromisso, num dinâmico realizar-se. Enquanto pessoas humanas

possuímos o privilégio de sermos uma imagem da Trindade. Esta dinâmica de

775 Cf. HARING, B. Liberi e fedeli in Cristo, Vol. I, 2. ed., Roma: Paoline, 1980, p. 300-301; KLOPPENBURG, B. O cristão secularizado – o humanismo do Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1970, p. 172. 776 Cf. HÄRING, B. La legge naturale nella luce della legge di Cristo iscrita nei cuori. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di) La coscienza morale oggi. Roma: Edit. Academiae Alphonsianae, 1987, p. 285; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 72-73; ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. e. Roma: Città Nuova, 2000, p. 119. 777 Cf. RÖMELT, J. La coscienza: un conflitto delle interpretazioni. Roma: Academiae Alphonsianae, 2001. p. 25-26 e 123; NALEPA, M. La configurazione trinitaria della coscienza morale cristiana. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di), op. cit., p. 413.

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fazer-se imagem se dá por meio das relações com a criação, com o outro, com

Deus e consigo mesmo, na historicidade humana.778

A ética cristã é ética de um discípulo que segue o modelo do seu mestre. Não

se dá ética cristã senão em referência à ação de Deus, à pessoa de Jesus Cristo, aos

seus apelos, ao seu modelo e ao seu Espírito. Trata-se de unir-se à pessoa concreta

de Cristo e de separar-se do pecado e não, do mundo e da sua história na qual Deus

entrou e participa. Dessa forma, a bondade moral deriva do fato que a pessoa

humana explicita dinâmica e progressivamente, através dos seus atos, a sua

semelhança com Deus, tendendo a Ele. Bondade moral é atitude global da pessoa

que se orienta ao bem moral e à verdade nas ações concretas. É, portanto,

intencionalidade. 779

O chamado de Deus que ressoa em nosso coração é ao mesmo tempo

experiência religiosa e experiência de consciência, sempre marcada pela totalidade

do humano. A pessoa toda é chamada por Deus, para Deus e para o bem. Portanto,

só podemos estar em paz se respondermos com todo o nosso coração a este

chamado. Sendo assim, quanto mais descobrimos a riqueza da graça e misericórdia

de Deus em nossa vida, tanto mais lutamos e enfrentamos a nossa missão de

realizar a justiça e a paz de Deus neste mundo.780

O que Jesus de Nazaré fez e falou fornece um amplo leque de atitudes e

posicionamentos no compromisso com Deus. Pelo batismo, estamos inseridos

neste mistério. Jesus está dentro de nós e opera na intimidade de cada um, de todas

as comunidades cristãs, como voz e luz no sacrário de nossas consciências. Trata-

778 Cf. NALEPA, M. La configurazione trinitaria della coscienza morale cristiana. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di), op. cit., p. 412; APPI, F. Competenza storica e conscienza. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori boiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 139; SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa. Credere oggi, ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 100; YANNARA, C. La libertà dell’ethos: alle radici della crisi morale in occidente. Bologna: Dehoniane, 1984, p. 11-12. 779 Cf. CONGAR, Y. Sull’originalità dell’etica cristiana. In: V.V.A.A. Chiamati alla libertà: saggi di teologia morale in onori di Bernhard Häring. Roma: Paoline, 1980. p. 32; Cf. PETRÀ, B. Cristo Salvatore della veritá personale dell’uomo nella riflessione ortodossa contemporanea. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 376; APPI, F. Competenza storica e conscienza. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori boiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 139. 780 Cf. MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 180.

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se de uma Aliança de amor no qual Deus nos convida a participar como parceiros

na construção de uma história que é, ao mesmo tempo, divina e humana.781

Portanto, como seguidores de Jesus somos chamados a reproduzir, com a

ajuda da graça, o modo de amar de Deus. Concretizar esse modo de amar é a

maneira de tornar presente a proposta do Reino. Assim, o valor moral fundamental

genérico para o seguidor de Jesus está em realizar o Reino de Deus, a justiça e a

fraternidade, tornando-se ele, ao mesmo tempo, parte deste Reino. O espírito de

Deus age em nós, suscitando em nossas consciências a busca do bem e a

participação na gigantesca luta pela justiça e pela libertação do pecado, que

atravessa toda a história humana. Uma história em que todas as pessoas, cristãs ou

não, são chamadas a ser solidárias: tanto no sofrimento que a injustiça traz, quanto

no empenho pela libertação.782

4.6.2. Deus Pai

A consciência cristã está de frente ao Deus vivo, ao Deus que continua a

operar no mundo, na Igreja e no nosso coração. Portanto, a consciência cristã é

sempre a pessoa viva, a pessoa que ama, a confrontar-se com Deus, o nosso Tu. O

Deus que nos chama na originalidade irrepetível de cada um, a experimentar da sua

plenitude e do seu amor, por meio do Mistério Pascal.783

No encontro com a liberdade de Deus nos traz uma gratificação, um sentido

de plenitude. Trata-se de um chamado, um encontro interpessoal que exige de nós

uma resposta. No encontro com o tu de Deus que nos chama em meio à história,

que é também história da salvação, o mundo se torna a criação confiada por Deus,

a nós pessoas humanas. E a nossa regra suprema deve ser como a de Maria: “faça-

781 Cf. Gaudium et spes, n. 16. In: CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. e. Petrópolis: Vozes, 1996; MOSER, A.; LEERS, B. Teologia Moral: Impasses e Alternativas. Coleção Teologia e Libertação. 3. e., Petrópolis: Vozes, 1996, p. 62 e 186-187. 782 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Ética: pessoa e sociedade. Documentos da CNBB, n. 50, São Paulo: Paulinas, n.119; SOBRINO, J. Cristologia a partir da América Latina. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 142; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana – temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 96-97. 783 Cf. HÄRING, B. I religiosi del futuro. Roma: Paoline, 1972, p. 121; CAPONE, D. Antropologia, coscienza e personalitá. Studia Moralia. 1966, n. IV, Roma: Academia Alfonsiana, p. 108; CURRAN, C. E. Catholic moral theology in dialogue. London: Univ. of Notre Dame Press, 1976, p. 31.

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se em mim segundo a tua palavra” (Cf. Lc 1,38). Por outro lado, dizer sim, mas

não ser conseqüente nas ações, não é cumprir a vontade do Pai (Cf. Mt 21, 28-

32).784

Esta é a verdadeira santidade do cristão: pôr-se a caminho com os outros,

incentivar o desejo de nos tornarmos misericordiosos como o Pai que “está nos

céus”. A santidade da Igreja consiste na vontade de viver como povo de Deus em

contínua peregrinação. Para isso, a meditação das Escrituras põe o fiel frente aos

desígnios de Deus, frente a um Deus o qual toda a intenção é criar e suscitar na

pessoa humana como seu parceiro, que deve co-responder na sua liberdade.785

A consciência cristã como existência de fé, vive e reflete em si mesma a

tensão geral da história da salvação, que se desenrola na dinâmica do “já” e “ainda

não”. Portanto, a consciência cristã é a consciência que toma as suas decisões em

conformidade com o Evangelho no conhecimento da história da salvação e com a

responsabilidade de quem é chamado a colaborar na sua concretização. Mas, o ser

humano solitário e inseguro da sociedade pós-moderna, muitas vezes, rompe a sua

relação com Deus e torna-se privado de um encorajamento transcendente. Este

enfraquecimento da concepção de Deus traz diretamente o enfraquecimento da

concepção de pessoa humana. O primeiro efeito é que ela se torna reduzida de uma

criatura de Deus a um simples exemplar da condição humana.786

Enquanto criatura, a pessoa humana, com toda a complexidade de sua

natureza, como todas as criaturas, é expressão da vontade de Deus e, portanto

expressão de sua Palavra criadora. A pessoa humana é criada à imagem de Deus, e

enquanto imagem de Deus é capaz de saber ler esta vontade criadora em sua

784 Cf. SANNA, I. L’antropologia della postmodernità e la coscienza cristiana. Studia moralia, 2002, p. 334; AZPITARTE, E. L. Fundamentação da ética cristã. São Paulo: Paulus, 1995, p. 309; RÖMELT, J. La coscienza: un conflitto delle interpretazioni. Roma: Academiae Alphonsianae, 2001. p. 24 e 122; BALTHASAR, H. U. Nove tesi sull’etica cristiana. Prospettive di morale cristiana: sul problema del cotenuto e del fondamento dell’ethos cristiano. (Contributi di Teologia 3). Roma, 1986, p. 68; REY-MERMET, T. A moral de Santo Afonso. Aparecida: Santuário, 1991, p. 56. 785 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995. p. 240; SALVODI, Valentino (Org.). Häring.Uma autobiografia à maneira de entrevista. S. Paulo: Paulinas, 1998, 228 p. 45. 786 Cf. MOLINARO, A. Riflessioni teologiche sulle coscienza. Rivista di teologia morale, ano 3, fasc. 10, 1971, p. 188; Gaudium et spes n. 24,3; SANNA, I. L’antropologia della postmodernità e la coscienza cristiana. Studia moralia, 2002, p. 325.

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natureza e na criação. Quando a pessoa vivencia a si mesma como imagem de

Deus, então a consciência adquire toda a sua dignidade.787

4.6.2.1. Deus Pai e o Reino de Deus

A ética do cristão identifica-se com uma pessoa. Assim, o agir de Jesus é o

próprio conteúdo da sua ética e diretriz para o cristão. Para atualizar a proposta

ética no seguimento de Cristo, exige-se discernir a maneira de efetivar a justiça do

Reino, no mundo de hoje, e o modo de tornar os seus valores eficazes e relevantes

para os homens e as mulheres dos nossos dias. A atitude cristã é necessariamente

empenho perseverante pela transformação da sociedade rumo à realização dos

autênticos valores humanos e invocação constante – como na oração de Jesus – da

vinda do Reino.788

Portanto, a realização do reino de Deus constitui o princípio e a meta da

opção do cristão. O anúncio da proximidade do Reino, ponto central do kerigma de

Jesus, proporciona a moldura totalizante e a orientação decisiva do comportamento

moral: “O tempo está realizado e o Reino de Deus está próximo. Convertei-vos e

crede no Evangelho” (Cf. Mc 1,15). Se o reino de Deus é a meta da opção cristã, o

seguimento de Jesus é seu caminho. O seguimento é categoria bíblica de grande

densidade teológica. Expressa a nova forma de vida de quem se decide a aceitar o

chamado e transformar-se em discípulo.789

O Reino é de Deus. A expressão inclui um genitivo possessivo. O Reino

pertence a Deus, ou melhor, é de sua iniciativa absoluta. A intervenção salvífica é

uma decisão absoluta de Deus. O Reino é a manifestação histórica da plena

soberania e misericórdia divinas. Face a essa oferta gratuita e absoluta da parte de

Deus, o ser humano só pode deixar-se presentear. A única atitude correspondente

face a um dom gratuito é a acolhida agradecida. Porém, o Reino de Deus não

787 Cf. VIDAL, M. Moral de actitudes. Vol. I: moral fundamental, 4ª. ed., 1977, Madrid: PS Edit., p. 300. 788 Cf. CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (1999-2002). 2. e., São Paulo: Paulinas, 1999, n. 120; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais da ética teológica. São Leopoldo: UNISINOS, 2001, p. 104 e 119. 789 Cf. VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 146.

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suprime a necessidade de agir, e a ação em favor do Reino não nega a sua

gratuidade. É um dom que deve ser acolhido construtivamente. Quem acolhe em

sua vida o amor gratuito de Deus, manifestado em gestos por Jesus, dispõe-se a

tornar presente esse amor através de ações concretas. Em outras palavras, quer que

a mensagem do Reino seja eficaz: aconteça na história humana e torne-se boa nova

para os homens e mulheres do nosso tempo. Por certo, este mundo é o lugar onde

se luta pela concretização do Reino. Porém, o Reino de Deus, pelo fato de não ser

deste mundo, exige que o reino dos homens no mundo não se transforme nunca

numa ideologia ilusória.790

O convite para entrar no Reino proveniente do Mensageiro de Deus solicita a

livre resposta de quem é convidado para as bodas. A resposta não é condicionada

por pertencer a um povo, uma etnia, um sexo ou a uma classe social. Não é nem

mesmo condicionada pelo comportamento virtuoso ou ética e religiosamente

conforme, visto que os mais reticentes a responder são mesmo os mais

“impecáveis” (escribas e fariseus), enquanto os mais disponíveis a dizer sim são,

ao contrário, os pecadores e pagãos. A resposta depende acima de tudo da livre

disposição de quem se sente interpelado pela Palavra. Depende das suas atitudes e

do seu desejo de fazer-se discípulo. Em suma, de por os seus passos sobre as

pegadas daquele que o guia para as estradas do Deus próximo e do encontro para

com o outro. Ou seja, de acolher a Boa Nova da vida proposta por Deus.791

A moral cristã parte do princípio do Reino de Deus. Um reino que propõe

toda uma constelação de valores. Portanto, tudo aquilo que a pessoa humana faz

não é indiferente porque pode estar a favor ou contra o Reino. Uma proposta ética

cristã para o século XXI deve ser ao mesmo tempo, defensora da autonomia da

subjetividade humana e da objetividade dos valores evangélicos. Deve se constituir

com a participação de todos, enfrentando com coragem as novas questões surgidas.

Além disso, a Igreja não pode se limitar a dar uma orientação ética. Sua palavra

deve ser evangélica, portadora de uma Boa Nova que não se reduz a uma pauta de

avaliação moral, mas deve estimular e acompanhar a humanidade que se encontra a

790 Cf. MOLTMANN, J. Teologia política, ética política. Salamanca: Sígueme, 1987, p. 109; MOLINARO, A. Libertà e coscienza: saggi etica filosofica e teologica. Roma: PUL/Città Nuova, 1977, p. 163; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana..., p. 98-99. 791 Cf. VALADIER, P. Elogio della coscienza. Torino: Società Editrice Internazionale. 1995. p. 224-225.

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caminho, na busca da plenitude. Trata-se de buscar fazer presente, vitalmente,

como desejável humano não qualquer utopia, mas a utopia que Deus tem para a

humanização de nós, pessoas, e de seu mundo, tal como se percebe na fé e no

seguimento de Jesus, vivido na comunidade eclesial.792

4.6. 3. Jesus Cristo

Para a vida moral, não se trata somente de pôr-se à escuta de um

ensinamento e acolher na obediência um mandamento. Trata-se, mais

radicalmente, de aderir à própria pessoa de Jesus. E assim, gradualmente, a

consciência torna-se, no fiel que vive a conversão e o seguimento, a voz de Cristo.

O cristão é direcionado para uma intersubjetividade radical e constitutiva com

Cristo e com o próximo. A liberdade e a responsabilidade tornam-se respostas a

Cristo e ao próximo e a consciência assume intrinsecamente o caráter de

comunhão, cuja etimologia (cum-scientia) enuncia um “saber-com”, em dialogo e

em comunidade. 793

Como afirma a Dignitatis humanae, n.14:

Pois o discípulo se compromete por um grave dever para com Cristo Mestre a conhecer sempre mais cabalmente a verdade d’Ele recebida, a anunciá-la com fidelidade e a defendê-la com coragem, excluídos os meios contrários ao espírito do Evangelho. Ao mesmo tempo, porém, anima-o a caridade de Cristo a tratar com amor, prudência e paciência os homens que vivem no erro ou na ignorância acerca da fé.794

792 Cf. CARRERA, J. C. Em busca del Reino – una moral para o Novo Milênio. Barcelona: Cristianisme i Justicia, 2000, p. 4; PEINADO, J. V. Éticas teológicas ontem e hoje. São Paulo: Paulus, 1996, p. 23. 793 Cf. JOÃO PAULO II. Encíclica Veritatis Splendor, n. 19. Documentos Pontifícios n. 255, Petrópolis: Vozes, 1993; MEDUSA, L. Il contributo di A. Gardeil per lo sviluppo della riflessione teologica sulla coscienza morale cristiana. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 258; CASSANI, M. La coscienza morale nella riflessione teologica contemporanea. In: MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori boiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 110; MOLINARO, A. Riflessioni teologiche sulle coscienza. Rivista di teologia morale, ano 3, fasc. 10, 1971, p. 189. 794 Cf. Dignitatis humanae, n.14. In: CONCILIO ECUMÊNICO VATICANO II. Compêndio do Vaticano II: Constituições, Decretos e Declarações (Organizado por VIER, F.; KLOPPENBURG, B.). 25. ed. Petrópolis: Vozes, 1996.

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Convidado a entrar numa vida nova, iniciativa amorosa e gratuita de Deus, o

ser humano mergulha num dinamismo divino que abraça o humano. Cristo, pela

sua ressurreição, é garantia desta realização plena ao alcance de todo ser humano.

Como filho no Filho, cada cristão é chamado a fazer suas as palavras do Senhor

Jesus: “o meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou” (Cf. Jo 4,34); “e

faço como o Pai me ordenou” (Cf. Jo 14,31). Somente quem faz a vontade do Pai

pode, na verdade, dizer-se filho e rezar a oração dos filhos: “seja realizada a tua

vontade” (Cf. Mt 6,10).795

A eficácia transformante, própria de cada sacramento, se manifesta

especialmente no Batismo e na Eucaristia. Na Eucaristia, o fiel se torna realmente

partícipe da vida de Cristo, mais “um em Cristo” e experimenta profundamente a

familiaridade com Deus, o calor da presença do seu Espírito. Ao mesmo tempo,

torna-se “em Cristo” realmente partícipe da vida dos outros, crescendo no

conhecimento da unidade que intimamente o une aos irmãos. Isso explica porque a

Eucaristia constitui também o critério decisivo de autenticidade da experiência

cristã. De fato, quanto mais a pessoa humana nas fibras íntimas do seu ser torna-se

Cristo, tanto mais a liturgia torna-se a sua morada, o seu ambiente vital, a

expressão perfeita da sua fé. E as palavras e os gestos da Eucaristia tornam-se

sempre mais vida celebrada e celebração da vida, na unidade crescente e

indissolúvel entre a vida de Cristo, a vida individual e a vida da Igreja.796

A salvação de Deus é operada por meio de Jesus que veio para redimir a

todos e para mostrar a verdade da fraternidade divina. Cristo não fez outra coisa

que revelar o humano ao próprio ser humano, desvelando o sentido mais profundo

da nossa existência. Neste sentido, a lei nova, que constitui a estrutura normativa

do cristão, é a transformação da pessoa humana em Jesus Cristo pela presença do

Espírito. O encontro com Jesus é um encontro com sua prática, que se constitui em

795 Cf. AGOSTINI, N. Ética Cristã e desafios atuais. Petrópolis: Vozes, 2002, p. 68-70; PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 72. 796 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 71.

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desafio existencial que estimula, impulsiona e encoraja o cristão para uma ação

concreta na história em sintonia com a prática de Jesus.797

Para sermos livres em Cristo e libertados por Cristo, devemos fazer a escolha

fundamental de seguir o Mestre e de ouvir a sua voz. A escolha da liberdade

implica, intrínseca e fortemente, a fidelidade à opção fundamental: colocar Cristo

no centro da nossa vida. Mas, a fidelidade ao Senhor não é um ato de fé abstrato,

passa pelo amor, pela fidelidade às pessoas com as quais partilhamos esta nossa

existência. Pois, a “lei de Cristo” (Cf. Gal 6,2; Rm 8,2), ou seja, a lei do Espírito

que dá vida em Cristo, é a lei de solidariedade no carregar os fardos uns dos outros.

Ela se revela como elemento fundante de uma ética que combina sadiamente a

liberdade criadora humana e o seu enraizamento no evento Cristo. Portanto, como

cristãos, somos chamados a viver uma vida de resposta à vida do Cristo Jesus

Senhor (cf. 2 Cor 4,5).798

O que está no centro da Sagrada Escritura é o próprio Cristo, Filho Unigênito

do Pai, que se fez homem para ser um de nós! Nele temos a vida. É o seu Espírito

que nos dá alegria, tornando-nos livres. A nossa relação com Cristo não é algo

exterior, baseada na simples imitação. Aquilo que transforma a nossa vida é o fato

de que Jesus nos dá o seu Espírito, porque quer continuar a sua vida conosco, ou

melhor, em nós.799

797 Cf. MALI, Mateus. La portata teologico-pastorale in “Liberi e fedeli in Cristo” de Bernhard Häring: una ricerca storico-critica alla luce della sua partecipazione nella stesura della “Gaudium et spes”. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 2003, p. 17; ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. ed. Roma: Città Nuova, 2000. p. 171; VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 108; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana: temas fundamentais da ética teológica. São Leopoldo: UNISINOS, 2001, p. 108. 798 Cf. HÄRING, B. La legge naturale nella luce della legge di Cristo iscritta nei cuori.. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 281; SALVODI, Valentino (Org.). Häring: Uma autobiografia à maneira de entrevista. S. Paulo: Paulinas, 1998, 228 p. 44; ALVAREZ-VERDES, L. L’ennomia cristica come principio di flessibilità nella prassi morale: approccio ermeneutico a 1 Cor 9, 19-23. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 105. 799 Cf. SALVODI, Valentino (Org.). op. cit., p. 42.

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4.6.4. Espírito Santo

Cremos que Cristo é o Redentor e Senhor de todos, e que seu Espírito

trabalha em todos, através de todos e para todos. Na totalidade e na abertura de

nossa consciência somos um sinal real das inspirações do Espírito que renova

nosso coração e, por meio de nós, a terra. Por isso, importa abrir-nos às sugestões

do Espírito que nos impulsiona a elaborar novas respostas para os problemas novos

do mundo atual. Pois, os pedidos e os apelos do Espírito ressoam também nos

acontecimentos da história.800

Na visão neotestamentária, o princípio da atividade moral cristã é a

transformação operada no interior do Espírito. Por isso, a “lei” cristã é a lei do

Espírito, que não se deve confundir nem com a lei mosaica nem com uma espécie

de indeterminação sujeita à ilusão ou ao subjetivismo. As funções do Espírito com

referência à atividade moral podem-se reduzir a três: santificar (fazer o sujeito

moral), iluminar (propor o objeto moral) e dar forças para cumprir o que se deve

fazer (é a dinâmica da ação do Espírito entendido como “dom do Pai”). A

consciência cristã é assinalada pela fé no Espírito Santo e por uma gratidão que

abraça tudo, a qual nos mantém ao nível do Espírito e nos liberta da armadilha do

egoísmo “encarnado”. A abertura ao Espírito guia a nossa consciência cristã na

avaliação de cada situação. 801

Portanto, o cristão é alguém que deveria deixar-se guiar sempre pelo Espírito

(Cf. Rm 8,14; Jo 16,13). E nós somos continuamente chamados a confrontar a

nossa conduta, com a Palavra de Deus. O Espírito Santo, porém, não nos é dado

privadamente, separadamente, mas enquanto membros de um Corpo, a própria

Igreja. Ou seja, a reflexão e a resposta, que somos chamados a dar à Palavra de

800 Cf. HARING, . Liberi e fedeli in Cristo, Vol. I, 2. e., Roma: Paoline, 1980, p. 282 e 297; JOAO PAULO II. Exortação Apostólica Vita consecrata, n. 73. Documentos Pontifícios n. 269. Petrópolis: Vozes, 1996; JOÃO PAULO II, Encíclica Familiaris consortio. n. 4. 3. e., São Paulo: Loyola, 1982; AGOSTINI, N. Introdução à teologia moral: o grande sim de Deus à vida. Petrópolis: Vozes, 2004. p. 83. 801 Cf. VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 29; HARING, . Liberi e fedeli in Cristo, Vol. I, 2. e., Roma: Paoline, 1980, p. 249-250.

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Deus, não podem ser cumpridas individualmente, mas em união com toda a

comunidade eclesial.802

O dom do Espírito no sujeito renascido pela Páscoa de Cristo, devolve ao

itinerário moral do cristão um processo dinâmico, um caminho de conversão

gradualmente chamado a integrar na vida as exigências radicais e absolutas da

vontade de Deus (Cf. Ef 4,23-24; Col 3,9-15). A consciência é fecundada pelo

germe do Espírito. Os sinais do pecado, porém, não estão totalmente cancelados

nem mesmo do dom batismal. Por isso, para que o germe amadureça e cresça, deve

ser sempre de novo acolhido na fidelidade amorosa da liberdade humana. O

Espírito, de fato, não busca escravos mas filhos fiéis e amantes da vontade do Pai,

filhos à imagem do Filho. 803

Segundo Paulo, somente a presença do Espírito oferece à pessoa humana a

possibilidade concreta de viver como a lei requer. Como ele diz em Rm 7,14, a lei

é “espiritual”, enquanto a pessoa humana é “carnal”. A lei do Espírito é a lei da

liberdade (enquanto liberta de ter de obedecer de maneira servil à lei, seja qual for

esta lei), lei interior (enquanto está escrita nos corações e constitui como que uma

segunda natureza), lei da graça, lei da caridade, etc. Portanto, a moral cristã

resume-se na atualização do seguimento de Jesus.804

4.6.5. Conclusão

A Igreja é seguramente o lugar essencial onde a consciência fundamental do

cristão deve amadurecer, formar-se e atingir a sua energia espiritual para dar o seu

testemunho que se realiza por meio da responsabilidade, do estilo de vida, do modo

802 Cf. ROCCA, G. Coscienza, libertà e morale: risposte ai giovani e agli educatori. 4. e. Roma: Città Nuova, 2000. p. 28. 803 Cf. PETRÀ, B. La coscienza “nello Spirito”: per una comprensione cristiana della coscienza morale. Milano: O. R. Edizioni, 1993, p. 80; SVANERA, O. La formazione della coscienza nella Chiesa. Credere oggi, ano XXII, n. 2, vol. 128, 2002, p. 108. 804 Cf. MANICARDI, E. Legge, coscienza e grazia nell’insegnamento paolino. MANICARDI, E.; CAVALCOLI, G.; CASSANI, M.; BENETOLLO, O.; APPI, F.; BARZAGHI, G. La coscienza morale e l’evangelizzazione oggi: tra valori boiettivi e tecniche di persuasione. Collana “Claustrum” 11. Bologna: Studio Domenicano, 1992, p. 42; VIDAL, M. Moral de opção fundamental e atitudes. São Paulo: Paulus, 1999, p. 29.

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305

de comportar-se e de cumprir os deveres que tem em comum com os outros. Neste

compromisso, deve se predominar o amor e o respeito entre as pessoas.805

Por isso, na consciência de todas as pessoas de boa-vontade ressoa a lei do

amor. Ama o próximo como a ti mesmo, ou seja, a regra de ouro: “Tudo aquilo que

quereis que os homens vos façam, fazei-o vós a eles; porque isto é a Lei e os

Profetas” (cf. Mt 7,12). Paulo afirma o mesmo, com ênfase maior: “Toda a Lei está

contida numa só palavra: amarás a teu próximo como a ti mesmo” (cf. Gal 5,14).806

Os mandamentos são apelos para uma responsável atuação do grande

mandamento do amor recíproco, tornando-se possível o permanecer em Cristo. O

amor e a graça divina já nos estão garantidos, de antemão, abrindo a possibilidade

da conversão como fruto da experiência existencial. Ao mesmo tempo, a bondade

divina sempre será fiel em sua solidariedade com a humanidade. Pois, o amor de

Deus revelado em Jesus é essencialmente salvífico: é amar o ser humano pra que

tenha vida e vida em abundância. E, por ser gratuito e regenerador, o amor de Deus

manifesta-se, preferencialmente em relação aos pobres e pequenos. Isso aparece,

claramente, no modo como Jesus ama.807

A consciência cristã só é autêntica quando vivida na caridade.

Consequentemente, todo o agir do fiel é verdadeiro somente se é efetivamente

inspirado pela caridade. Qualquer ação à qual sou chamado a realizar não é nunca

somente esta ação considerada em si mesma: é um gesto com o qual exprimo e me

construo a mim mesmo, chego às pessoas concretamente, num contexto histórico e

social preciso, com conseqüências que vão além dos resultados imediatos da

mesma ação.808

805 Cf. AUBERT, J.-M. Coscienza e legge. In: LAURET, B.; REFOULÉ, F. Iniziazione alla pratica della teologia. Vol. 4, Brescia: Queriniana, 1986, p. 223. 806 Cf. HÄRING, B. La legge naturale nella luce della legge di Cristo iscritta nei cuori.. In: NALEPA, M.; KENNEDY, T. (a cura di). La coscienza morale oggi: omaggio al prof. Domenico Capone. Roma: Academiae Alphonsianae, 1987, p. 285. 807 Cf. DOLDI, M. Fondamenti cristologici della teologia morale in alcuni autori italiani. Dissertatio ad Doctoratum. Roma: Academia Alfonsiana, 1996, p. 40; JUNGES, J. R. Evento Cristo e ação humana – temas fundamentais de ética teológica. São Leopoldo: Unisinos, 2001, p. 97. 808 Cf. MAJORANO, S. La coscienza: per uma lettura cristiana. Milano: San Paolo, 1994, p. 77 e 148.

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306

4.7. Conclusão do Capítulo IV

Em nosso mundo interdependente, emerge sempre mais clara a consciência

da negação, perversão ou destruição do projeto evangélico, através da organização

social, econômica e política em escala mundial, geradoras de injustiça e pobreza,

de opressão e violência. Somos conscientes de que podemos criar hoje uma

sociedade, um mundo mais justo. À medida que, pela omissão ou indiferença, pelo

conformismo ou covardia e pela preservação de posições institucionais alcançadas

em nossa história, nos rendemos a esta situação ou com ela tacitamente pactuamos,

inclusive como Igreja, fazemo-nos co-responsáveis dessa injustiça e pobreza, dessa

opressão e violência estrutural nas sociedades e nas culturas. Isto é incompatível

com a fé que professamos, em um Deus que é Pai e quer o bem de todos.

O que Jesus de Nazaré fez e falou fornece um amplo leque de atitudes e

posicionamentos em que o compromisso com Deus se pode incorporar, tornar-se

história humana neste mundo. Todavia, a força exemplar de Jesus e sua atração não

formam um simples paradigma a seguir. Pelo batismo, os cristãos mesmos estão

inseridos no mistério de Deus, cuja epifania completa no mundo é condicionada

pela cooperação daqueles que, em Cristo, descobrem sua própria dignidade e base

de ação. Jesus está dentro de nós e opera na intimidade de cada um, de todas as

comunidades cristãs, como voz e luz no sacrário das nossas consciências morais.

É importante que a compreensão dos conteúdos e dos alcances da fé cristã

revele a dinâmica interna de seus imperativos éticos de verdade e de justiça, de

amor e de liberdade, de igualdade e de participação em comunhão. É fundamental

que esta inspiração seja vivida em um nível pessoal e profundo de cada um, mas

sem um caráter intimista e exclusivista. É igualmente indispensável que o potencial

da fé seja descoberto e atuado na busca da transformação do que na sociedade e na

cultura são estruturas de violência e opressão, de marginalização e discriminação,

de pobreza absoluta e de formas de injustiça radical.

Responsabilizar-se diante do outro pessoal e coletivo é sopesar os efeitos da

ação sobre as pessoas e o contexto, tendo como critério os direitos humanos e

como referência última a dignidade humana. Dessa forma, o seguidor de Jesus

tenta reproduzir, com a ajuda da graça, o modo de amar de Jesus. E concretizar

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esse modo de amar é a maneira de tornar presente a proposta do Reino. O valor

moral fundamental genérico para o seguidor de Jesus está em realizar o Reino de

Deus tornando-se ele, ao mesmo tempo, parte deste. Pois, o Reino é um evento

futuro que já está acontecendo e qualificando o presente.

O amor de Deus revelado em Jesus é essencialmente salvífico: é amar o ser

humano para que tenha vida e vida em abundância. Por ser gratuito e regenerador,

o amor de Deus manifesta-se, preferencialmente em relação aos pobres e pequenos.

Isto aparece claramente no modo como Jesus ama. Embora o amor divino seja

universal, Deus privilegia os mais abandonados em conseqüência da própria

dinâmica libertadora e regeneradora da sua bondade salvífica. O amor destina-se

preferencialmente àqueles diminuídos em sua dignidade e em suas condições de

vida. Neste sentido, os pobres são os protagonistas do Reino porque são

privilegiados pelo amor de Deus.

Na verdade, a formulação geral da exigência moral não é “fazer o bem e

evitar o mal”, mas “fazer o bem e lutar contra o mal para eliminá-lo”. Trata-se de,

antes de tudo, dar prioridade efetiva às exigências do ser humano. Estas, não são

apenas as necessidades materiais relativas à sobrevivência, mas também as

aspirações profundas, voltadas para a realização da dignidade e do destino

transcendente das pessoas. Neste sentido, “agir bem” é procurar o bem de todos os

seres humanos em todas as suas dimensões.

O que forma todas as disposições morais, o que dá amplitude total à

consciência e firmeza à opção fundamental do cristão, é a atitude profunda de fé e

sua responsividade. A fé, como relacionamento em profundidade com Cristo,

desperta em nós forte anseio por conhecer Cristo e tudo o que ele nos ensinou e

espera de nós. Esta fé é caracterizada pela gratidão e pela alegria que dão

orientação e força a toda a nossa vida. A fé é uma relação dialógica, responsorial,

entre Deus e o ser humano. A moral cristã se baseia na fé, pela qual o ser humano é

justificado. Mediante a nossa aceitação da verdade salvífica e a nossa total resposta

no abandono a Deus, a fé traz frutos na justiça e no amor.

A dissociação de fé e vida esvazia ou relativiza as exigências de uma

projeção ética da fé. A desvinculação de fé e vida explica a contradição de pessoas,

instituições e sociedades que professam de público a fé cristã, mas convivem com

a injustiça e a violência, com a pobreza e a opressão quando não, as promovem. Na

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consciência, o sujeito fiel avalia a interna coerência entre a sua adesão de fé a

Cristo pela vida e pelas condutas individuais. Assim descrita, a consciência

exprime, de um lado, a profundidade do coração, lá onde a pessoa humana se doa

ou se recusa ao Senhor. E, por outro lado, a capacidade de formular juízos

particulares coerentes com a vocação em Cristo.

A virtude da caridade dá finalidade a toda as atividades éticas do cristão,

iluminado pela fé. O critério fundamental é de que frente às escolhas éticas

particulares, o discernimento cristão deverá sempre tender a optar pela decisão que

leva maior amor, maior unidade entre as pessoas e, ao mesmo tempo, respeita

melhor a soberana dignidade da pessoa humana. Este maior amor deve ter em vista

a felicidade, no sentido de beatitude, superando as dificuldades do dia-a-dia, na

busca de uma maior justiça, no compromisso de ser “sal da terra”. Pois, a opção

fundamental da consciência não tem sentido senão for um encarnar-se nas decisões

pessoais.

O seguimento da prática história de Jesus aponta em todas as latitudes e

longitudes para a libertação do pecado, tanto pessoal, quanto social. Para isso, é

preciso se lançar na profundidade da religião, e reconhecer de maneira mais clara

os valores cristãos. Pois, a ética cristã é uma ética mística, que se concretiza por

meio da fé. É uma ética de resposta, não de asceses. Portanto, é uma ética de

responsabilidade e testemunho, não de leis e suas aplicações. Isto porque o

Evangelho não é um “código” de prescrições concretas para todas as situações da

vida humana, mas acontecimento de salvação que investe o fiel para a sua

responsabilidade.

No mundo secularizado como o nosso, a fé não tem mais uma sustentação

sólida como no passado, onde havia um consenso social em relação à vivência dos

valores cristãos. Hoje, a fé é minada pela indiferença, pela mentalidade cientifica,

por uma cultura que muitas vezes rejeita a dimensão religiosa. Mas, para o cristão,

iluminado pela fé e animado pelo amor-caridade, a opção fundamental, que deve

estar ao fundo de todas as suas decisões éticas, consiste crer de não poder se salvar

sem Cristo, tomando este “poder se salvar” no sentido pleno de realizar a sua

vocação humana. Por isso, mais do que nunca, hoje a fé precisa ser acuradamente

cultivada, sempre novamente redescoberta.

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5. Conclusão geral 5.1. O contexto da Modernidade e da Pós-Modernidade

A Modernidade, enquanto momento histórico, caracteriza-se pela

antitradição, pela derrubada das convenções, dos costumes e das crenças, pela

entrada da idade da razão. Mas, muitas combinações do moderno e do tradicional

podem ainda ser encontradas nos cenários sociais concretos.

O apelo ao mercado, a concentração do capital e a racionalização dos

métodos de produção subordinaram a idéia de sociedade moderna ou mesmo

industrial à de economia capitalista. E assim, o império do mercado refletiu na

crescente comercialização das relações humanas. O industrialismo se tornou o eixo

principal da interação dos seres humanos com a natureza.

A idéia de progresso é reforçada com a promessa da libertação das

“irracionalidades” do mito, da religião, da superstição e com a liberação do uso

arbitrário do poder. O progresso da técnica é um elemento essencial da

Modernidade, com o desenvolvimento do instrumentalismo. Verificamos, hoje, um

verdadeiro culto à técnica e à eficiência. Não existe nenhum setor da vida e da

sociedade que não tenha sido tocado pelo saber desenvolvido pela razão técnica.

É preciso considerar que a mudança cultural proporcionada pela

Modernidade trouxe uma valorização da subjetividade, da livre escolha pessoal, da

liberdade e da consciência dos direitos fundamentais, decisivos para uma autêntica

promoção humana. Mas, a Modernidade significou a emergência do sujeito

autônomo, que se posiciona ativamente diante do mundo e transforma a natureza e

a sociedade a serviço dos seus interesses, movido por uma construção mental que

orienta esta transformação. A crescente autonomia humana em todos os setores da

vida buscou livrar-se das forças do divino, caindo numa certa auto-suficiência.

Na esfera do Estado, buscou-se a realização da igualdade de direitos, na

formação da vontade coletiva, com certo bem-estar econômico e social, por meio

da democracia política. No entanto, na esteira da ideologia e da competição

individualista e das dinâmicas seletivas do poder econômico e político, a igualdade

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entre as pessoas ficou perdida em meio à injustiça estrutural no plano dos

indivíduos e dos povos.

Ao abandonar o império da tradição e da superstição para abraçar as luzes do

mundo moderno, a humanidade deixou para trás a suposta obscuridade da era

medieval. O mundo moderno do trabalho racional é o mundo do consumo, do

exercício do poder e acima de tudo, do triunfo da razão. Nela, a razão buscou

dominar toda a realidade, dirigindo e animando todo o processo civilizatório

ocidental.

Com a Modernidade, surgiu também o desafio da secularização, ou seja, a

libertação do ser humano de todas as explicações religiosas, sobrenaturais, míticas

e metafísicas do mundo. A secularização não significa a negação total da religião,

mas antes o fim dos monopólios religiosos e expulsão da religião do espaço

público. O esquema da história da salvação perdeu o seu conteúdo religioso. Ou

seja, na concepção da Modernidade, se alguma salvação existe, deve estar no

próprio ser humano.

Com o processo histórico, caiu-se num secularismo, exacerbando a tendência

legítima da secularização e conduzindo à inaceitável negação e exclusão do

religioso e do transcendente e à afirmação exclusiva do imanente. Pois, as

ideologias do mundo moderno são contra-religiosas, sendo, muitas vezes,

substitutas da religião, sobretudo nas populações jovens e urbanas. A sociedade

moderna caracteriza-se por essa ausência de religião. As Igrejas tornam-se “ilhas

de religião” no mar da secularização.

A Modernidade não aceita a interferência da religião, o poder das Igrejas no

mundo político, público. É intolerável para uma mentalidade moderna a religião

regular, tutelar o conjunto das estruturas sociais. A secularização transformou-se

no grande desafio do mundo moderno. Mas, o mundo moderno, secularizado, está

repleto de ídolos e deuses não divinos, como a ideologia moderna do trabalho, do

progresso e do êxito.

A Pós-Modernidade se revela como o esgotamento e superação da

Modernidade. Trata-se da busca de uma nova época, que seria libertada dos efeitos

perversos da época anterior. No entanto, hoje reinam o pluralismo e o

individualismo, o hedonismo do prazer imediato e fácil, o permissivismo

comportamental e ético, e o consumismo oferecido pela nova ordem econômica

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mundial fundada na hegemonia do livre mercado globalizado.

O individualismo que grassa na esfera econômica invadiu a esfera religiosa.

O horizonte pragmático do cidadão moderno restringiu-se, passando da

consideração abrangente do bem comum de sua sociedade para acentuar de

preferência as ambições e necessidades estritamente individuais.

De um lado, cada um se fecha na sua subjetividade, o que conduz no melhor

dos casos ao esquecimento do outro, mais amiúde à rejeição do estranho. Hoje, a

questão que parece mais urgente não é a da luta contra o despotismo e a violência,

da manutenção da tolerância e do reconhecimento do outro. No entanto,

dialeticamente, percebe-se também hoje uma busca do respeito e de compreensão

das diferenças, por meio dos diversos movimentos sociais (mulheres, gays, negros,

ecologistas, etc.).

A razão moderna afirmou a autonomia da liberdade, em busca de uma

felicidade individualista. A historicidade é esvaziada com esta busca do viver só no

presente e não em função do passado e do futuro, com uma perda do sentido de

continuidade histórica. As questões do corpo e da psique ocupam um lugar central

na preocupação das pessoas. Tanto na Modernidade quanto na Pós-Modernidade,

predomina largamente uma fortíssima orientação para o individualismo que tende a

imperar em todos os setores da vida, com fortes doses de subjetivismo e

utilitarismo. Além disso, a nova religiosidade é ingênua, narcisista, sem uma

vivência do amor, da doação, da abertura para o outro.

Dessa forma, a emergência da Pós-Modernidade suscita para a teologia

questões relativas ao seu escopo fundamental: o sentido último da vida,

especialmente do ser humano. No campo específico da moral proposta pelo

Magistério da Igreja, o quadro tem-se agravado com a moral do “faz de conta”,

sinal de divórcio entre a prática vivida por católicos e o ensinamento magisterial.

Está aí o decidir por conta própria sem considerar a postura da Igreja, e a

indiferença, mais do que a oposição, diante da moral proposta pelo Magistério.

A perspectiva pós-moderna identifica o ser feliz com toda forma de prazer,

com a liberação e a satisfação do desejo, com a fuga do sofrimento. A dimensão

ética e espiritual da felicidade é subordinada à dimensão sensível e psíquica. Isso

leva à passagem da cultura dos direitos do homem à cultura do homem dos

direitos, dos quais o mais reivindicado é o do prazer, enquanto fonte e base da

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felicidade, e substituto do cultivo das virtudes. A ética do sucesso continua

reinando em muitas mentalidades e ações sociais.

Essa crise social também se manifesta na política, através da corrupção, do

clientelismo, do autoritarismo, do oportunismo e de tantas outras práticas de abuso

de poder e ganância irresponsável.

As ameaças ecológicas resultam do impacto do industrialismo crescente

sobre o meio ambiente material. Fazem parte de um novo perfil de risco

introduzido pelo advento da Modernidade, característico da vida social de hoje.

O pensamento pós-moderno entende a si mesmo como um processo de

libertação do uno, do imutável e do eterno para a diferença, a pluralidade, a

mudança e o contingente. Tudo é considerado como produto do tempo e do acaso.

Dessa forma, o pensamento das essências cede lugar ao pensamento de uma

estratégia inteligente para lidar com a contingência. No clima cultural de Pós-

Modernidade, o ritmo das mudanças e o caráter efêmero das contínuas novidades

tornaram-se exasperados. Agora, tanto a vida como o mundo tornaram-se

perecíveis, mortais, fúteis.

A sociedade de hoje valoriza a liberdade individual e incentiva o indivíduo a

buscar os critérios do seu comportamento a partir de si mesmo, da sua razão e

liberdade, assumindo uma atitude autônoma e crítica face aos valores tradicionais.

Os conceitos morais dos tempos modernos estão adaptados ao reconhecimento da

liberdade subjetiva da pessoa humana. Fundam-se, por um lado, no direito do

indivíduo de discernir como válido o que ele deve fazer. A vontade subjetiva ganha

autonomia em relação às leis universais.

Assistimos hoje a uma forte contribuição de dois fenômenos: o

enfraquecimento do sentido do pecado e a força e a influência dos Meios de

Comunicação Social na vida das pessoas que ditam novos modos de agir. O

fenômeno mais grave, na atualidade, é a a-moralidade, a perda do sentido ético. Ao

mesmo tempo, há um descontrole do vício das drogas e da criminalidade, além dos

escândalos na política, na economia, no sindicato e na sociedade. Vive-se no

relativismo de valores. Há um enfraquecimento da consciência diante do

fortalecimento das paixões (desejo e prazer) e do privilégio destas de intencionar o

verdadeiro.

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Chama-nos a atenção, neste momento histórico, o grande pluralismo de

valores, numa proliferação do relativismo, sob a égide do “não existe nada de

absoluto”, do “vale tudo”. Com isso, mergulhamos no campo do efêmero, do

instável, do banal, do “viver cada instante”, do “viver o aqui e agora” à margem de

toda moral.

5.2. A consciência moral, em Bernhard Häring

Na perspectiva da moral manualística, a consciência é um juízo de liceidade

ou iliceidade dos atos individuais, descuidando-se do fato de que a consciência

moral reflete a complexidade da pessoa em diálogo com o mundo e com Deus.

Nela, a moral é desligada da dogmática, sobretudo da espiritualidade. No entanto,

dentro da própria casuística encontramos exceções de destaque como Santo

Alfonso (1696-1787) que, por razões pastorais, é sensível, sobretudo a uma moral

que leva em conta o primado da liberdade na pessoa humana. A sua teologia moral

é um exemplo claro da teologia da graça, que é o distintivo característico da vida e

obra alfonsiana: o amor de Deus é superabundante, próximo e operante. O sistema

manualístico de Santo Alfonso ressalta o chamado radical do Evangelho à

santidade com o chamado de Deus nos sinais dos tempos.

Também no sentido de uma renovação histórica, há que se considerar a

importância da Escola de Tübingen, que representou uma séria tentativa de

reformular a teologia moral de maneira coerente. Do ponto de vista dos livros de

moral, vários teólogos moralistas, seguiram o exemplo desta Escola, buscaram

estruturar uma teologia moral mais positiva da vida cristã e não apenas uma moral

de confessionário, para ver como deve agir o cristão a fim de ser fiel à graça e ao

compromisso de seu batismo. A renovação do pensamento católico alemão

apresentado pela Escola de Tübingen vai influenciar decisivamente nas obras de

Bernhard Häring.

Além disso, a abertura ao mundo moderno em todas as direções caracterizou

o trabalho do Concílio Vaticano II, ao tratar de temas como liberdade de

consciência, ecumenismo, diálogo inter-religioso, atenção às ciências e à dimensão

política, etc. Reconhece-se facilmente, nos documentos conciliares, a influência

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dos grandes movimentos de renovação que surgiram anteriormente: movimentos

de renovação bíblica, litúrgica e patrística, voltados, sobretudo para o apostolado

leigo. Häring foi um dos personagens-chave do Concílio e de seu desenvolvimento

teológico posterior. O seu nome ficará definitivamente associado à renovação da

teologia moral segundo o espírito do Vaticano II.

Um dos elementos característicos da Gaudium et spes é a leitura da história

humana através do uso do termo “pastoral”, pois o Concílio quis enfrentar os

problemas do mundo que interpelam a vida contemporânea. No n. 16 da Gaudium

et spes, o Concílio Vaticano II trata especificamente da consciência moral. Este

parágrafo concernente à “dignidade da consciência moral” se insere organicamente

na síntese antropológica do primeiro capítulo da primeira parte da Constituição. Na

primeira parte, a consciência é vista como a transcendência da pessoa humana, na

sua interioridade, onde se verifica o encontro pessoal com Deus. A segunda parte

da citação descreve o nível de juízo da consciência, ou seja, da capacidade

cognoscitiva, avaliativa e decisional direcionado para o “agir moral” verdadeiro e

bom.

Tanto na Gaudium et spes quanto em outros documentos conciliares é dado

um amplo espaço à centralidade da consciência moral e à sua dinâmica

experiencial. As categorias utilizadas são: o encontro pessoal, as relações íntimas

com Deus e a descoberta progressiva da lei divina inscrita no coração humano.

Sobretudo pelo tema da consciência moral, amplamente descrita no n. 16, o

Concílio é considerado pelos historiadores da teologia moral um verdadeiro ponto

de não retorno.

Para a história da teologia moral, uma importância decisiva reveste a

colaboração oferecida por Häring no decorrer da redação definitiva do decreto

sobre formação sacerdotal Optatam totius. Concretamente, a ele se deve a redação

do n. 16 deste documento, no qual se manifesta abertamente a escolha do Concílio

em favor da renovação da teologia moral.

A pastoralidade é um traço característico tanto da moral de Santo Alfonso

como da moral de Häring. Trata-se de uma mudança de ênfase e de perspectiva,

particularmente, da lei ao Evangelho. Por isso, Häring é considerado um dos

maiores inspiradores e líderes do período da renovação da Teologia Moral na

Igreja Católica.

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O cristocentrismo é o princípio teológico da Moral Renovada, fundada sobre

as implicações éticas do evento Cristo. O Filho é o lugar de encontro do chamado

de Deus e da resposta humana. Vivendo desse Espírito, participamos plenamente

da vida do Salvador e da sua missão libertadora. Por outro lado, o personalismo é o

princípio antropológico da Moral Renovada.

Para Häring, a moral cristã não culmina no antropocentrismo, nem no

teocentrismo estranho ao mundo e sim na união sobrenatural do homem com Deus,

no diálogo, na “responsabilidade”. A perspectiva básica da teologia moral de

Häring está na integração da atitude religiosa e da atitude ética na existência cristã.

Neste sentido, a linha principal da teologia moral de Häring é sempre

cristocêntrica, eclesial e sacramental. Häring desenvolve a sua reflexão moral

baseada na existência concreta da pessoa humana, na responsabilidade e no amor.

Trata-se da atitude do cristão frente à sua existência no mundo e frente às

estruturas e instituições.

A Lei de Cristo é considerado um divisor de águas, um manual de nova

concepção que recolhe e funde juntas, velhas e novas instâncias, sendo da primeira

fase do pensamento de Häring. Mesmo ainda preso aos esquemas tradicionais, o

autor opta seguramente por uma vocação cristã concebida como resposta concreta

da pessoa humana ao apelo de Deus em Cristo Jesus. A moral não é nada mais que

a resposta humana ao chamado de Deus e à Lei de Cristo, ou seja, uma moral da

responsabilidade em Cristo. A lei de Cristo é lei da graça que infunde e condiciona

a vida e o comportamento do fiel.

Para Häring, o problema fundamental da Moral cristã é sempre o mesmo:

“Como poderemos corresponder ao imenso amor que Deus nos demonstrou em

Jesus Cristo?” A única resposta adequada da parte da pessoa humana é um amor

adorador e obediente, uma adoração amorosa. Ou seja, na Moral de Bernhard

Häring, fé e vida sempre se encontram e se complementam. Sua Teologia Moral

tem muito de existencial. Superando uma Moral dos atos humanos, centrada no

objeto, Häring prefere centrar-se na pessoa, na complexa realidade do ser humano.

Cristo nos chama e escutamos o seu chamado não pela lei exterior

(legalismo), mas no interior da consciência (personalismo). Neste contexto

cristológico-dialogal, o tema do pecado se apresenta não tanto como a fria

transgressão da lei, mas como a negação ou a debilidade na resposta-seguimento

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responsável a Cristo. A conversão, tema novo com relação aos manuais anteriores,

realiza de modo positivo a recuperação da graça no contexto do dinamismo da vida

cristã com suas vicissitudes de infidelidade e recuperação.

O eixo central da obra A lei de Cristo, de Bernhard Häring, é o seguimento

de Jesus Cristo. Häring parte do mistério da salvação, que se resume na palavra

central da Bíblia: basiléia – o “Reino do amor de Deus”. A liberdade cristã,

particularmente como descrita pelo Apóstolo dos Gentios, é a chave de leitura

bíblica da Teologia Moral de Häring. Neste sentido, o manual A lei de Cristo foi

escrito, buscando valorizar o dom do discernimento e a leitura dos sinais dos

tempos, com uma Moral que deve ser expressa nas atitudes do dia-a-dia.

A Lei de Cristo foi o primeiro manual completo de Teologia Moral que

propõs responder tanto à “insatisfação” produzida pela moral casuística, como às

aspirações de renovação. Ao converter-se em texto-base de Teologia Moral, foi um

fator decisivo de mudança da mentalidade católica no campo da Moral. À luz do

esquema de chamado-resposta, as realidades básicas da vida moral cristã

(responsabilidade, consciência, pecado, conversão) trazem uma dimensão nova,

que estava ausente na moral casuística. O autor, Häring, e a obra são símbolos da

Moral Renovada. Pois, significam uma mudança de orientação na Teologia Moral

antes, inclusive, do Concilio.

Em Livres e fiéis em Cristo, a Teologia Moral de Häring acentua mais o

enfoque na pessoa humana que responde do seu coração, numa liberdade criativa e

numa fidelidade ao chamado de Deus. Fica definitivamente superada uma visão da

Moral baseada na exterioridade dos atos, para adentrar-se numa antropologia de

pretensão mais integrada e integral da pessoa humana.

A liberdade na qual pensa Häring é vinculada à fidelidade. A uma obediência

cega às normas, Bernhard Häring contrapõe uma moral da consciência livre e fiel.

É uma liberdade fiel a Cristo, que é a liberdade encarnada e nosso libertador. A

minha liberdade demonstra ser um dom de Cristo somente quando se torna fiel à

lei da vida: a vida em Cristo; quando é fiel à herança do passado; quando é fiel à

sua responsabilidade pelo momento presente de salvação, ou seja, pelos sinais dos

tempos; quando é fiel à aspiração de todas as pessoas para a mesma liberdade.

Antes de tudo, a liberdade é um dom de Deus e a obra de Cristo consiste na

libertação total da pessoa humana.

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A liberdade nasce então e se realiza no interior do amor entre Deus e o ser

humano. A fé é um “sim” livre do ser humano a Deus. Somente podemos viver em

paz quando respondemos a este chamado: a lei do amor de Deus e do próximo que

é inscrita no coração humano. À luz da relação concreta entre Deus e a pessoa

humana, a responsabilidade é pressuposta como característica fundamental e

inseparável, como resposta ao chamado de Deus. Portanto, a fidelidade responsável

é a resposta justa.

A opção fundamental brota do núcleo da pessoa e orienta basicamente todas

as suas decisões. Frente ao reducionismo da moral de atos, em Livres e fiéis em

Cristo, Häring oferece a alternativa da moral de opção fundamental. A pessoa

humana está na profunda dependência de Deus, como criatura, e é chamada a dar

uma resposta a Deus, por meio da orientação básica da sua vida que envolve toda a

liberdade individual.

No mundo, se verificam duas linhas de responsabilidade humana:

solidariedade de perdição num mundo decaído ou solidariedade da salvação em

Cristo, Deus feito homem e, como tal, parte do mundo. O mistério de Cristo revela

a ambigüidade do mundo através do mistério da cruz. Häring fundamenta a moral

do cristão por meio da vivência como discípulo de Jesus. Cristo é palavra, verdade

e amor encarnados. Na redenção é reconhecida a própria origem do amor de Deus.

A pessoa humana livremente corresponde a Deus no seu amor. Sucessivamente,

Häring, tratando do amor, fala do serviço, um primado do amor para com o

próximo.

Quanto à eclesiologia, Häring aceita a estrutura da hierarquia da Igreja, mas

insiste numa igreja como Povo de Deus, uma koinonia dos seguidores de Jesus,

pela força do Espírito. A Igreja, em sua vida e prática, deve ser um sinal do mundo

da liberdade. A Igreja mesma é chamada a ser o grande sacramento de conversão.

Ela é o sinal e o instrumento desta progressiva inserção da humanidade na vida

trinitária.

Também em Livres e fiéis em Cristo, Häring propõe uma teoria holística da

consciência como oposição às noções incompletas que vêem a consciência como

uma faculdade particular do intelecto ou vontade, ou tendências reducionistas que

vêem a consciência do ponto de vista de fatores sociológicos e/ou psicológicos. Na

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totalidade e na abertura da nossa consciência nós somos um sinal real da força do

Espírito que renova o nosso coração e, através de nós, toda a terra.

Uma consciência autenticamente cristã é assinalada pela liberdade criativa e

fidelidade que brota da fé em Cristo. Uma consciência cristã madura não

considerará a fé como um catálogo de coisas e fórmulas. Pois, a fé como relação

íntima com Cristo desperta em nós o desejo ardente de conhecê-Lo.

A nova situação da sociedade pluralista, e por vezes confusa, faz da virtude

da crítica um imperativo. Todos os que não estão dispostos a cooperar na

corporificação da liberdade, da fidelidade, da bondade e da não-violência no

mundo que os cerca, não buscam viver o espírito de Deus. Segundo Häring, a

nossa consciência é um grito, uma aspiração à integridade pessoal e, portanto, à

nossa salvação.

5.3. Pistas de ação

A proposta da Parte III da Tese é de, a partir das reflexões em relação à

consciência moral feitas por Bernhard Häring, apresentar algumas considerações

no tocante a este tema, tendo em vista os desafios suscitados pela

Modernidade/Pós-Modernidade.

Hoje, o tema da consciência moral está na ordem do dia. A afirmação dos

direitos da consciência individual, da sua liberdade fundamental, frente a todos os

despotismos e a todas as opressões, é um elemento essencial do nosso moderno

patrimônio cultural.

No entanto, o exame do vocábulo “consciência moral” mostra-nos hoje uma

pluridimensionalidade de conceitos, com planos diferentes de uma mesma

realidade. Muitas vezes, ela é identificada com o superego freudiano, com todo um

conjunto de doutrinas e normas em relação ao lícito e ilícito, os modelos de

comportamento a praticar ou a evitar, recebidos desde a infância de qualquer

autoridade externa e introjetado no sujeito de modo ainda pré-pessoal. Para outros,

a consciência moral está relacionada exclusivamente ao juízo, tendo em vista o

moralmente bom e reto em si, a qualidade moral da própria atitude e do

comportamento.

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Percebemos, assim, que o fenômeno da consciência moral é algo muito

complexo. Além disso, frente aos desafios do mundo atual, a consciência moral

tornou-se uma realidade extremamente dinâmica. Por outro lado, vale a pena

ressaltar que não existe uma consciência moral definitiva, em nenhuma idade.

Muitas vezes, vivemos o fenômeno da consciência moral como um eco da

sociedade. A força cultural da humanidade condiciona a nossa consciência. Não

somos nada mais que um eco desta consciência cultural, pois, a consciência

individual nasce dentro dessa consciência coletiva. Ela se alimenta e se desenvolve

a partir da consciência social.

Na visão do personalismo cristão, a consciência não é uma simples parte ou

uma particular função da pessoa humana, mas, no fundo, a própria pessoa.

Conseqüentemente, cada visão isolada, que a separa da totalidade humana, torna-se

somente um fragmento ou, senão, uma falsificação dos problemas e das suas

soluções. É preciso considerar a pessoa integral como o sujeito da vida moral e ver

esse sujeito inserido nas coordenadas do tempo, espaço, grupo, sexo e caráter.

Falar de consciência significa falar da pessoa humana na sua totalidade e

intimidade consigo mesma e, neste sentido, é sempre um mistério. Pois, a

consciência humana enquanto expressão da totalidade da pessoa é uma realidade

complexa, na qual convergem, numa relação complementar e dialética, os diversos

aspectos ou momentos da experiência pessoal.

Tendo em vista este novo paradigma personalista, vale a pena destacar as

conquistas mais fundamentais da teologia da consciência moral em Gaudium et

spes n.16, ou seja, a existência da consciência categorial: “faz isso, evita aquilo” e

a existência da superior consciência transcendental como profunda interioridade

onde o humano se encontra a sós com Deus, numa tensão de amor, que se estende

de Deus para o próximo.

A realidade da consciência cristã é histórica pelo fato de que se refere a um

sujeito que na história é chamado a conhecer e realizar a sua identidade cristã. É a

pessoa concreta, enquanto ela se encontra conscientemente diante da sua decisão

fundamental de agir e de responder ao chamado de Deus.

Como afirma o Concílio, a consciência é o núcleo mais secreto da pessoa

humana. Nenhuma autoridade pode introduzir na consciência alheia e profanar esse

sacrário da intimidade pessoal. Da consciência recebe a pessoa a sua dignidade,

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enquanto a abre ao diálogo com Deus. Podemos afirmar que a consciência tem em

vista a autêntica realização do eu individual, numa realidade concreta. Por meio

dela, a pessoa é conhecedora de si como ser ético, como realidade chamada a uma

auto-realização na atuação do bem.

Hoje, mais do que nunca, a educação da consciência moral exige a superação

das armadilhas do individualismo moderno, visando uma ética da solidariedade e o

reconhecimento da dignidade de cada pessoa humana. Neste sentido, a formação da

consciência moral deve preocupar-se com a busca da profundidade da vida, em

todos os seus aspectos. Daí, o papel da Igreja como insubstituível educadora,

buscando a plenitude da realização humana. Pois, é inegável que a vida de fé tem

um forte impacto na maturação da consciência.

No entanto, a educação é um processo delicado. Neste sentido, a formação se

realiza através da dinâmica da comunhão fraterna (koinonía), da presença

testemunhante de pessoas credíveis (martyria) e do serviço humilde ao outro

(diakonía).

A profundidade e complexidade da consciência e o papel que a compete em

toda a vida moral fazem facilmente intuir a necessidade de uma correta formação.

Hoje, mais do que em qualquer outro tempo, é preciso a educação da vontade. É

preciso também considerar a presença da graça, com a respectiva resposta do

esforço humano.

O único caminho que nos resta é o da educação com liberdade e

responsabilidade, lembrando que “a educação da consciência é uma tarefa de toda

a vida” (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 1784). No entanto, a educação

fundamental da consciência cristã não é uma educação para um aperfeiçoamento

moral, mas para a responsabilidade diante do compromisso de colaboradores da

história da salvação.

Ou seja, a educação cristã da consciência é, antes de tudo, uma educação

para a docilidade ao Espírito e para a vivência do amor, no cultivo das virtudes (Cf.

Catecismo da Igreja Católica, 1803-1829). Trata-se de uma educação para atitudes

firmes e estáveis na procura do bem, mais do que procura escrupulosa de

determinar regras e preceitos para todo e qualquer caso.

Na formação da nossa consciência moral, temos diversas autoridades

consideradas fundamentais: genitores, educadores, catequistas, bons testemunhos.

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A autoridade do Magistério eclesiástico se insere neste contexto. Tem, todavia uma

responsabilidade específica: o compromisso de recordar ao conjunto da

comunidade de fé as exigências da fidelidade a Cristo.

“Vós sois chamados para a liberdade” (Cf. Gal 5,13). Esta afirmação de

Paulo é o manifesto da educação no discernimento moral cristão. Mas, hoje existe

a ilusão da liberdade absoluta, da auto-suficiência que nos faz fechar os olhos

frente aos nossos próprios limites. As formas negativas de liberdade confundem

liberdade com permissividade. Ao mesmo tempo, como a nossa liberdade é uma

liberdade encarnada, é profundamente condicionada. O cristão deve ser visto

sempre inserido na realidade do seu “entorno social”, em sua dimensão histórico-

temporal.

A comunidade cristã deve testemunhar de maneira clara e significativa a

centralidade e a fundamentação da Palavra de Deus em todo o caminho de

discernimento moral. É uma palavra viva, que chega à consciência não somente

através da Sagrada Escritura, mas também através da vida da comunidade, em

todas as suas expressões. Por outro lado, a comunidade cristã é chamada a prestar

particular atenção à voz dos pobres e dos últimos da sociedade. A consciência não

poderá nunca individuar efetivamente o bem se no caminho do discernimento não

dá espaço à escuta atenta das esperanças, necessidades e denúncias dos últimos e

dos pobres.

A pessoa humana é sujeito de si: da sua própria vida, das suas decisões, das

suas próprias ações. Este é um dado decisivo da dignidade humana. O agir consiste

no escolher e decidir-se. A partir da opção fundamental, as escolhas particulares,

que constituem a trama da vida cotidiana, recebem o seu sentido. Pode acontecer,

no entanto, que uma decisão particular a contradiga, como pessoa.

Toda decisão ética particular é fruto da resposta à pergunta: “O que devo

fazer nesta situação concreta?” Pois, decisão ética só tem sentido quando é

“responsável”, quando constitui “resposta” do eu às exigências de sua própria

realização. Expressa-se a decisão moral prevalentemente mediante opções e

atitudes. Ou seja, ela se instala preferentemente na opção fundamental da pessoa,

que orienta todo o dinamismo moral humano.

Cada ser humano no seu agir cumpre uma série inumerável de escolhas,

também se não todos os momentos do agir são frutos de escolhas. É, acima de

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tudo, uma primeira decisão da razão, mas de uma razão não unicamente discursiva,

porque atenta à experiência. Sem cair no racionalismo moral que faz depender a

qualidade moral de um ato da quantidade de racionalidade que se põe, deve ser

pacífico que nenhuma decisão pode pretender ser reta senão como resultado de

uma reflexão.

A experiência de uma comunidade de fé, as celebrações litúrgicas, os

ensinamentos do Magistério, a vivência do testemunho, tudo isso contribui para

uma boa formação pessoal da consciência e também ajuda no julgamento das

decisões. A decisão última da consciência cristã é sempre da própria pessoa, mas

que se percebe nesta dinâmica de discípula de Jesus, numa relação de irmãos e

irmãs.

A verdadeira liberdade, porém é um sinal eminente da imagem de Deus na

pessoa humana. Daí torna-se preciso avaliar o quanto possível as previsíveis

conseqüências dos nossos atos. No confronto entre proposta de Deus e resposta

humana surge a responsabilidade. Nesta dinâmica, a pessoa humana é responsável

pelos próprios atos e é custódio do seu irmão.

Também a reciprocidade das consciências é um conceito chave da

antropologia humanista e personalista. É através deste encontro que se aflora o

conhecimento pessoal de si mesmo. Somente em comunhão, o ser humano pode

abrir os seus olhos da razão na busca da verdade e desenvolver a sua faculdade de

comunicação verbal e vital. Na fidelidade da consciência, os cristãos se unem, uns

aos outros, para buscar a verdade e para resolver os diversos problemas morais,

que surgem tanto na vida individual quanto social.

A princípio, porque não podemos nunca saber tudo sozinho, devemos

entregar-nos à ajuda do conhecimento e da competência dos outros.

Essencialmente, na maior parte dos casos, buscamos a verdade, confiando na

veracidade dos outros. Ao mesmo tempo, o respeito pela consciência do próximo é

condição sine qua non ao respeito pela própria consciência. Não existe uma sadia e

verdadeira consciência do meu “eu” autêntico, fora da essencial relação com os

outros.

Decisivo é também a escuta do Magistério da Igreja, feita com sinceridade,

em razão da missão particular a ele confiado. Na reciprocidade das consciências

nos distanciamos do cego arbítrio. O poder do testemunho é aquilo que mais

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323

influencia na nossa formação. Portanto, para um amadurecimento e uma boa

formação do caráter, não precisamos simplesmente prestar atenção nas regras de

uma instrução moral explícita, mas também nas comunidades de vida que nos

influenciam. Nas imagens e crenças que estas comunidades reforçam.

A pessoa humana, para que comporte sabedoria, habilidade e competência é

preciso um aprendizado trabalhoso. Não podemos alegar que somos virtuosos, de

termos um forte caráter moral, ou de dar direção às nossas próprias vidas se nós

agimos simplesmente com base naquilo que nos dizem fazer. A maturidade se dá

por meio da conquista da liberdade no dia-a-dia.

A teologia moral insistiu, durante os últimos anos, em destacar a importância

da categoria “opção fundamental” na estrutura antropológica do dinamismo moral.

A opção fundamental, como orientação, expressa plenamente a responsabilidade e

a capacidade de fazer da própria vida uma resposta de amor a Deus. A situação em

que a pessoa se encontra face ao projeto de Deus, através da opção e orientação

fundamental, é o espaço ou o âmbito da graça. A opção fundamental é a expressão

primária da vida moral cristã. O fiel faz esta opção por Cristo por meio da fé (Cf.

Gal 2,16), que se torna operativa somente através da práxis do amor (Cf. Gal 5,13)

sob a guia do Espírito Santo (Cf. Gal 5,25).

Como decisão fundamental do cristão, a opção fundamental só pode ser

“orientação radical” para Deus. Caracteriza-se a vida da pessoa por ser vida

“escolhida” e “vocacionada”. Por essa decisão fundamental é que os atos da pessoa

ganham sentido. Sendo assim, pode-se condensar o alcance antropológico da opção

fundamental dizendo que ela representa a orientação e direção de toda a vida rumo

ao fim. A noção antropológica de opção fundamental vincula-se ao sentido mais

profundo da liberdade humana.

Por outro lado, ler os “sinais dos tempos” significa entrar em contato com a

problemática da historicidade do ser humano, assumir os valores das realidades

terrestres, para possibilitar um autêntico diálogo entre a religião e o mundo. O

tempo lhe oferece “sinais” da expectativa atual do Messias, sinais da coerência do

Evangelho com a esperança do mundo.

A realização do Reino está necessariamente relacionada com a luta contra a

injustiça. Por isso, a Igreja precisa marcar sua presença e atuação profética de

acordo com opções evangélicas dentro dessa situação de gritante injustiça social,

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324

oferecendo seu serviço e sua efetiva participação na transformação da sociedade

pelo bem dos empobrecidos e excluídos.

A pobreza é um fator desumanizador, tanto do indivíduo como da família e

do grupo social. A sociedade justa não pode ser obra da Igreja; deve ser realizada

pela política. Mas toca a Igreja, e profundamente, o empenhar-se pela justiça

trabalhando para a abertura da inteligência e da vontade às exigências do bem.

Além das injustiças, a crise ecológica aponta para a decadência do atual

paradigma de intervenção no meio ambiente e de convivência entre os seres

humanos e destes com a natureza. Trata-se de uma crise de civilização, de valores

e das relações humanas entre as pessoas, os povos, e das relações entre estes com a

natureza. Ela não diz respeito apenas às várias formas de poluição, nem mostra

apenas o fracasso das relações seres humanos - criação, mas o fracasso dos

sistemas econômicos, políticos e sociais vigentes.

O domínio depredador, abusivo, meramente instrumentalizador do mundo,

não constitui uma administração responsável. O progresso de tipo mecanicista e

tecnocrático ameaça a sobrevivência mesma da espécie humana. Se quisermos

frear a destruição da natureza, teremos que modificar as relações econômicas e

sociais da sociedade humana.

Nada vive isolado na natureza. Um ser depende do outro para sobreviver.

Para o conjunto de vida do planeta, não existem seres mais ou menos

importantes. Se nós somos seres-no-mundo, integrados na realidade global que

nos rodeia, a deterioração do entorno natural afeta gravemente a nossa estrutura

pessoal.

Hoje, em nossa cultura, há uma ideologia na qual a natureza é concebida

como ilimitada provedora de recursos, sempre a serviço dos seres humanos, sem

direito próprio. Mas, nós não somos donos da natureza, somos parte dela e,

portanto, co-responsáveis pela manutenção do equilíbrio ecológico. Para isso, é

preciso uma revolução cultural da consciência.

Na cultura moderno-contemporânea, há uma centralidade do indivíduo,

considerada como sujeito de direitos, decisões e ações. Há, pois, uma ênfase sobre

a formação da consciência individual e a responsabilidade pessoal. Mas, o

contraste entre atitudes e interesses individuais pode levar à competitividade, à

falta de solidariedade, no contexto da “ideologia do individualismo”. O

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325

agravamento da pobreza, da degradação do ambiente e do desemprego estrutural,

demanda um novo pacto ético da humanidade, sem o qual o futuro pode ser

ameaçador para todos.

A evangelização confere ao fiel uma nova e mais profunda consciência de si,

da própria identidade e da vocação centradas em Cristo. Daí, a necessidade de uma

nova evangelização, com o objetivo de se alcançar uma maior maturidade das

consciências cristãs, tornando os conteúdos do Evangelho mais eficazes. Pois, o

compromisso dos cristãos encontra a sua forma real no fazer o que Jesus fez. Isto

requer um engajamento lúcido a favor da vida, fazendo da opção pelos pobres ao

mesmo tempo seu desafio primordial e a condição de sua conversão.

Na revelação cristã, Jesus Cristo é a expressão concreta de Deus Pai, no seu

amor para com a humanidade. A pessoa humana é capaz de dialogar com Deus

porque criada à Sua imagem e semelhança é aberta à comunicação de Deus e, ao

mesmo tempo, tem a capacidade de responder, por meio dos dons do Espírito

Santo. Superando as limitações da heteronomia e da autonomia, a ética do

seguimento se concretiza positivamente na “obediência amorosa” e no “amor

obediente”. Portanto, a ética cristã é uma ética mística, que se concretiza por meio

da fé.

A consciência cristã está de frente ao Deus vivo, ao Deus que continua a

operar no mundo, na Igreja e no nosso coração. O Deus que nos chama na

originalidade irrepetível de cada um, a experimentar da sua plenitude e do seu

amor, por meio do Mistério Pascal. A santidade da Igreja consiste na vontade de

viver como povo de Deus nesta contínua peregrinação.

A atitude cristã é necessariamente empenho perseverante pela transformação

da sociedade rumo à realização dos autênticos valores humanos e invocação

constante – como na oração de Jesus – da vinda do Reino. Portanto, a realização do

reino de Deus constitui o princípio e a meta da opção do cristão.

O anúncio da proximidade do Reino, ponto central do kerigma de Jesus,

proporciona a moldura totalizante e a orientação decisiva do comportamento

moral. A moral cristã parte do princípio do Reino de Deus. Uma proposta ética

cristã para o século XXI deve ser ao mesmo tempo, defensora da autonomia da

subjetividade humana e da objetividade dos valores evangélicos.

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326

Jesus Cristo não fez outra coisa que revelar o humano ao próprio ser

humano, desvelando o sentido mais profundo da nossa existência. Neste sentido, a

lei nova, que constitui a estrutura normativa do cristão, é a transformação da

pessoa humana em “outro Cristo”, pela presença do Espírito. Portanto, a moral

cristã resume-se na atualização do seguimento de Jesus.

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6. Referências Bibliográficas 6.1. Referências Bibliográficas de Bernhard Häring

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ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II.

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ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II.

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Vol. II, Pars VI, Vaticano: Typis polyglottis vaticanis, 1973. 578 p.

ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II.

Vol. III, pars I, Vaticano: Typis polyglottis vaticanis, 1973. 804 p.

ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II.

Vol. III, pars V, Vaticano: Typis polyglottis vaticanis, 1975. 924 p.

ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II.

Vol. III, pars VII, Vaticano: Typis polyglottis vaticanis, 1975. 984 p.

ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II.

vol. III, Pars VIII, Vaticano: Typis polyglottis vaticanis, 1976. 1192 p.

ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II.

Vol. IV, pars I, Vaticano: Typis polyglottis vaticanis, 1976. 892 p.

ACTA SYNODALIA SACROSANCTI CONCILII OECUMENICI VATICANI II.

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