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A noite em que me apaixonei por Soko

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Ela estava com um casaco verde escuro que dançava no começo da coxa, rendado de branco quando envolvia o pescoço com aquele decote em “V” cheio de cordões marrons e delicados. Ela é Soko, e estava um pouco acanhada naquela noite, falava baixo e o rouco da voz por vezes soava um sussurro. Soko nasceu em Bordeaux, há dois anos vive em Los Angeles mas já está de malas prontas para Nova York. Ela transita. Sequer possui um disco, apenas um EP para o qual empresta um pouco da contração que a nomeia, “Not Sokute”.

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Ela estava com um casaco verde escuro que dançava no começo da coxa, rendado de branco quando envolvia o pescoço com aquele decote em “V” cheio de cordões marrons e delicados. Ela é Soko, e estava um pouco acanhada naquela noite, falava baixo e o rouco da voz por vezes soava um sussurro. Soko nasceu em Bordeaux, há dois anos vive em Los Angeles mas já está de malas prontas para Nova York. Ela transita. Sequer possui um disco, apenas um EP para o qual empresta um pouco da contração que a nomeia, “Not Sokute”.

A noite estava agradável e apesar das curvas perfeitas da Lapa em que o vento costuma deslizar acelerando, nada mais que uma brisa suave soprava cadenciada. Eu estava cansado, essa vida de proletário da informação pode ser muito mais massacrante que os românticos imaginam. E eu fui romântico, um dia. Mas naquela noite eu só queria beber um copo de vinho até que aquilo acabasse, o mais rápido possível. Era a primeira edição do Na Cozinha Ou No Jardim que a Tiê, cantora de verve e sutileza, produzia em sua casa. Ela finalmente descobrira como fazer aquilo dar certo, e a solução foi ligar o MAC, acionar a Twitcam e ver o público multiplicar ao redor do país. Simples e moderno.

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Os que estavam ali eram amigos e conhecidos de Tiê, além deste jornalista que adoraria estar em casa com aqueles que são seus amigos e conhecidos, cerveja gelada na mão e um beck queimando aquele dia duro, problemas, paixões e nenhum puto. Mas de alguma forma a noite parecia agradável, talvez o vinho, que tratei de conseguir assim que cheguei, estivesse amortecendo a tensão, ou o clima aconchegante do lugar que a simpatia da anfitriã lapidava numa bonita noite de segunda-feira.

Soko caminhava pela sala, mas não tocava nas uvas, ameixas, pêssegos e queijos da mesa que emprestavam seus cheiros ao lugar. Ela não parece lidar muito bem com pressão, quando sua música estourou ao ser trilha do desfile de Stella McCartney, e a ansiedade mercadológica ferveu as veias atrás de mais e mais, ela simplesmente desapareceu por um ano. Na época ainda estava na Europa, mas voltou à cena em Los Angeles, morando com Alex Ebert, da Edward Sharpe and the Magnetic Zeroes. Assim, Soko apenas caminhava pela sala com seu ondulado cabelo negro amarrado e sorrindo para aqueles que ainda chegavam. Em breve estaria no jardim, com seu pequeno violão e algumas luzes quentes e baixas rebatendo em seu rosto. Eu gostaria de entrevistá-la,

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por isso um colega jornalista, daqueles que entendem a arte da coisa, indicou o caminho: “ela é vegan, aproveita que você é vegetariano, dá pra pegar esse lado dela”.

Olá, Soko. Perdão por interromper seu ensaio, prometo que isso será rápido. Enfim, soube que você é vegana, já faz algum tempo?Sou vegetariana desde os cinco anos de idade, mas há cinco anos sou vegana.

E mudou-se para Los Angeles por conta dessa opção? Soube que lá há várias opções para veganos.Mais ou menos, eu não sei ao certo, tento não viver muito tempo nos mesmos lugares, gosto de me renovar bastante. Eu tinha um sonho e quando acordei senti que precisava ir para Los Angeles, não sei ao certo o motivo. Eu nunca havia estado lá antes, não conhecia ninguém. Mas imaginei que teria sol e seria bacana. Faz dois anos que estou lá, então já vivo no mesmo lugar há dois anos.

E ficará por lá ainda muito tempo?Não, vou mudar para Nova York.

Me contaram que você gosta muito dos filmes do

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Woody Allen, além do mais, você é atriz. Como é sua relação com esses filmes e com o velhinho?Eu amo Woody Allen, acho que ele tem um ótimo senso de humor, acredito que seus filmes têm boas sacadas, possuem um bom olhar para a sociedade, uma forma própria de evidenciar relacionamentos, e eu gosto disso. Eu estive num cinema em Nova York, cinco anos atrás, e estavam sendo exibidos filmes do Woody Allen que eu ainda não tinha visto, como “Radio Days” e “Sleeper”e revi tudo de novo

Você é atriz (foi indicada no começo do ano ao César, o mais prestigiado prêmio do cinema francês, de melhor atriz pela atuação em L’Origine, de Xavier Giannol); e é cantora também. Como lida com essa duplicidade artística?Não acredito que tudo na vida seja tudo ou nada, não gosto de colocar as pessoas em caixas. As vezes você prefere dormir no hamak e outras na cama; as vezes você quer comer batatas e em outras cenouras. Ou seja, sim, eu escrevo canções, e sim, eu canto canções, e eu toco guitarra e bateria, eu toco o que estiver ao meu redor e lido com as coisas que estão ao meu redor, se isso for divertido. Eu cozinho comidas deliciosas e faço outras coisas, não

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sou apenas atriz e não sou apenas cantora. Eu quero fazer milhares de coisas na vida, não me vejo apenas como cantora ou apenas como atriz.

Tudo junto, misturado e ao mesmo tempo?Yeah.

Quando escuto suas músicas sinto alguma melancolia, e isso soa bonito. De onde vem a melancolia e a inspiração?Isso é inspiração, e depressão, falta de sorte no amor, falta de sorte em relacionamentos no geral, e falta de sorte por não ter as pessoas certas ao meu redor. Isso tudo me te faz triste e solitária, então escrevo canções sobre isso.

E qual seria a história por trás de “I’ll Kill Her”?Eu não gosto dessa música, eu não gosto de falar sobre isso, escrevi essa música há três anos, tenho milhares de outras músicas parecidas e melhores.

Ok, e qual é sua música favorita?Acredito que a última música que escrevi, chamada “Everybody is someone slave”. Na verdade não é minha favorita, eu não costumo escutar minhas músicas, não gosto de escutar minhas músicas.

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Sério? Por quê?Porque gosto de escutar coisas boas.

Droga, eu gosto das suas músicas.Obrigada. Bem, mas eu também não gosto de me ver nos filmes, é muito difícil.

Acho que entendo, detesto ler meus textos depois de publicados, tenho vontade de editar tudo, é uma merda. Mas vamos para a pergunta praxe: está gostando do Brasil?Sim, bastante. Estou muito feliz por ter conhecido a Tiê, é muito bom.

É sua primeira vez por aqui?Sim, foram duas semanas no total, tivemos cinco dias aqui em São Paulo, com a Tiê. Mas viajamos pelo Coquetel Molotov, passamos por Recife, Salvador e Porto Alegre.

E sobre o futuro, pretende lançar um novo EP, um novo disco?Eu ainda não tenho um álbum, estou tentando gravar um. Na verdade está quase pronto, tenho 55 canções gravadas e farei um disco duplo. Isso está me tomando um pouco de tempo, por que não gosto de pressão e sou muito perfeccionista, então quero

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que tudo soe como eu gostaria que soasse.

E no meio de tudo isso, o que você tem escutado e gostaria de mencionar?Gosto das coisas mais antigas, como Donovan, Bert Jansch, cantores com canções de amor, gosto de escutar as histórias, o que está por trás das palavras, entender o que as pessoas estão tentando dizer com aquela música. E eu amo Leonard Cohen.

Então ela sentou-se na entrada no jardim e segurou o pequeno violão, cruzou as pernas balançando levemente o pé como um metrônomo, o sapato marrom imitando o couro com alguns detalhes brancos refletindo um pouco as luzes quentes, amarelas e baixas postadas entre nós e Soko, a poucos metros de todos. Ela sabe jogar quando está no centro das atenções, além de cantora é atriz, consciente ao postar a voz e contrair o rosto assim delicado, buscando a sinceridade do dia que escreveu cada verso. Alcançando ou não. Mas o olhar de tigre ferido, no meio do peito, no miocárdio das histórias que canta, esse não há interpretação que possa forjar falsas cicatrizes.

Eu já havia esquecido o cansaço, acendi um palheiro e pitei sossegando meus monstros naquelas

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partituras. Logo eu estaria em casa e queria lembrar em detalhes aquela que seria a trilha de um pedacinho do meu passado. Soko carregava um chapéu marrom com uma fita quase negra na base, quando balançava a cabeça e fechava os olhos para chegar àquela nota dura, distante para uma voz um pouco rouca e tão doce, um cacho negro se insinuava levemente pelo rosto, escondendo e desvendando a pinta sutil logo acima da bochecha. Mas mesmo nestes momentos ela não canta com raiva, com força ou fúria, parece que na música, assim como na poesia que versa sua alma, o silêncio é tão importante quanto qualquer nota de qualquer instrumento em qualquer estrofe. Por isso, se Soko fosse uma palavra, acredito na melancolia.

Mas Soko parece ser uma garota doce, e apesar de suas letras ritmarem um amor agressivo, infantil e verdadeiro, pois todos somos infantis, imbecis e verdadeiros quando verdadeiro também é o amor, Soko é doce. Doce e suave como o balé quase imperceptível de sua longa saia marrom. Ela ventava com a brisa, leve, tão leve que ninguém temia que as flores azuis, detalhes desenhados em meio a tanto marrom, despetalassem pelo azul. Pois azuis também eram suas unhas, azuis claro como a maior das pedras que carregava nos cordões ao

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redor do pescoço, como a guitarra que plugou no final do show para tocar as últimas canções. Assim como tudo é mais azul e mais e mais colorido quando ela sorri. Soko deveria sorrir mais.

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