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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO Instituto de Filosofia e Ciências Sociais Departamento de Filosofia DOUGLAS VIEIRA RAMALHO A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES RIO DE JANEIRO 2017

A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES

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Page 1: A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

Instituto de Filosofia e Ciecircncias Sociais

Departamento de Filosofia

DOUGLAS VIEIRA RAMALHO

A NOCcedilAtildeO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTOacuteTELES

RIO DE JANEIRO

2017

DOUGLAS VIEIRA RAMALHO

A NOCcedilAtildeO DE ALMA NO DE ANIMA ARISTOacuteTELES

Monografia apresentada ao Departamento de

Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciecircncias

Sociais da Universidade Federal do Rio de

Janeiro como parte dos requisitos para

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Licenciado em Filosofia

Orientadora Profordf Drordf Carolina de Melo Bomfim Arauacutejo

RIO DE JANEIRO

2017

DOUGLAS VIEIRA RAMALHO

A NOCcedilAtildeO DE ALMA NO DE ANIMA ARISTOacuteTELES

Monografia apresentada ao Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciecircncias

Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para obtenccedilatildeo do

tiacutetulo de Licenciado em Filosofia

Aprovada por

__________________________________________

Profordf Drordf Carolina de Melo Bomfim Arauacutejo UFRJ Orientadora

__________________________________________

Prof Dr Raphael Zillig UFRGS

__________________________________________

Profordf Drordf Carla Francalanci UFRJ

RIO DE JANEIRO

Janeiro de 2017

Ao Luan

Agradecimentos

A Carolina Arauacutejo por ter me apresentado o De Anima em um curso de 20141 pela

disponibilidade ao meu interesse em aprofundar o estudo na psicologia aristoteacutelica pela

atenta orientaccedilatildeo na iniciaccedilatildeo cintiacutefica e na escrita desta monografia e mais que tudo pelo

paradigma intelectual que eacute para quem tem o prazer de dialogar com suas hipoacuteteses e

objeccedilotildees Ao Raphael Zillig pela orientaccedilatildeo durante a missatildeo de estudos realizada na UFRGS

em agosto e setembro de 2016 e cujos comentaacuterios luacutecidos sobre a obra e exegese aristoteacutelica

foram fundamentais para que eu descortinasse uma visatildeo de caminhos intelectuais e

acadecircmicos Agrave Carla Francalanci pelo seminaacuterio sobre o De Anima e Ivana Costa pelo

minicurso Psicologiacutea Antigua que ampliaram meu horizonte de compreensatildeo da psicologia

aristoteacutelica Agrave Inara Zanuzzi e Priscilla Spinelli pelo curso tri sobre phantasiacutea na UFRGS

igualmente aos colegas Pedro Capra Filipe Oliveira e Mariano Arauacutejo pela interlocuccedilatildeo

constante Ao Rodrigo Guerizoli pela presteza e sensibilidade na viabilizaccedilatildeo da minha ida e

estadia em Porto Alegre Agraves comentadoras e comentadores da filosofia aristoteacutelica sem os

quais dificilmente pensaria o que pensei entenderia o que entendi argumentaria o que

argumentei em especial ao Eli Diamond que gentilmente me enviou uma coacutepia de seu

instigante livro Mortal Imitations of Divine Life The Nature of the Soul in Aristotlersquos De

Anima no qual me baseei vaacuterias vezes para a interpretaccedilatildeo que assumi nesta monografia

igualmente ao Matt Wood por ter feito estabelecido a ponte de comunicaccedilatildeo Ao Luan

Reboredo pela cumplicidade entre ladrotildees pela impiedosa revisatildeo dos textos ndash todo e

qualquer erro distraccedilatildeo ou falta de clareza eacute pela minha teimosia com suas notas ndash pela

criteriosa percepccedilatildeo intelectual pelo cuidado e pelos cafeacutes da manhatilde ndash vamos lembrar de

comprar mais tapioca Aos philoacutei Edil Carvalho Claacuteudia Barbosa Matt Wood Esther

Santos Luan Reboredo Flora Mangini Felipe Ayres Nelson M Neto Luciana Shontag

George Matias Andreacute Braga e Camila Rauber pelo diaacutelogo e praacutetica filosoacutefica no Seminaacuterio

de Estudos Claacutessicos ndash vamos cultivar este precioso espaccedilo gente Aos amigos pela procura

na ausecircncia e acolhida na presenccedila Agrave minha famiacutelia pelas quizumbas quiziacutelias otaacutes e

tapurus Ao teatro pela caixa de areia e efemeridade em especial a Andreacutea Terra e Casa Maria

de Magdala Agrave cidade de Porto Alegre pelo frio insuportaacutevel pelo vento interminaacutevel pelas

ruas floridas pelo sol laranja pelo ceacuteu anil pela carne saborosiacutessima pelo fandango pelo

chimarratildeo pela Housing pela Casa Frasca pela Casa de Pelotas pela gente de um

comunitarismo valentatildeo pelos amigos e amigas e vizinhos pela discriminaccedilatildeo pela dor de

dente e infecccedilatildeo pela solidatildeo pelo silecircncio pelo esvaziamento e pela saudade que hoje sinto

sempre que sonho perder o aviatildeo de volta para o Rio A Paquetaacute pelo sentido de lugar Ao Rio

pelo sentido de sentir A Niteroacutei pelo sentido de lar Agrave Hannah Arendt pela Condiccedilatildeo

Humana que determinou minha compreensatildeo de poliacutetica Ao Aristoacuteteles pelo De Anima que

determinou minha incompreensatildeo da vida

Esta monografia eacute resultado da pesquisa de iniciaccedilatildeo cientiacutefica Substacircncia enquanto Forma

psycheacute no De Anima II de Aristoacuteteles inserida no projeto PROCAD 2013 PPGLMUFRJ-

UFG-UFRGS entitulado Substacircncia evoluccedilatildeo e formulaccedilatildeo de uma noccedilatildeo filosoacutefica sob

financiamento da Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal do Niacutevel Superior (CAPES)

Este agradecimento costuma ser meramente formal Poreacutem em tempos de ataques temeraacuterios

a direitos duramente conquistados reconhecer a importacircncia do financiamento puacuteblico da

inovaccedilatildeo cientiacutefica e da pesquisa acadecircmica para o desenvolvimento justiccedila e soberania de

uma naccedilatildeo grande como a brasileira se torna um dever poliacutetico a ser exercido

o que estremecia em mim terreno do corpo onde estaacute a raiz da alma

Joatildeo Guimaratildees Rosa

RESUMO

Esta monografia trata da noccedilatildeo de alma que Aristoacuteteles desenvolve ao longo do De Anima II

1-3 Em DA II 1 Aristoacuteteles enuncia uma definiccedilatildeo geral de alma como forma do corpo

Nessa definiccedilatildeo pela forma seu objetivo eacute formular uma noccedilatildeo dos vaacuterios tipos de alma (a

vegetativa a animal e a humana) Poreacutem ela natildeo enuncia a alma como causa de vida nos

seres viventes Diante disso eacute enunciado em DA II 2 a definiccedilatildeo pelas capacidades na qual a

alma eacute princiacutepio das capacidades que denotam o viver Nela as capacidades determinam os

diversos tipos de vida a vida vegetativa que decorre da nutriccedilatildeo a animal da percepccedilatildeo e a

humana da razatildeo Com isso em DA II 3 Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo seriada na qual os

tipos de alma se dispotildeem em seacuteries ordenadas hierarquizadas em que a anterior subsiste na

posterior em potecircncia mas natildeo o contraacuterio Como se vecirc haacute um conflito entre a primeira e as

outras duas definiccedilotildees pois a definiccedilatildeo pela forma eacute uma noccedilatildeo geral que nem enuncia a alma

como causa de vida nem sua disposiccedilatildeo seriada Assim enquanto os comentaacuterios de Putman

Ackrill Bolton Nussbaum Everson CodeampMoravicsik interpretam a definiccedilatildeo pelas

capacidades como a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma em detrimento da definiccedilatildeo pela forma

Polansky e Diamond enxergam unidade teoacuterica e argumentativa entre as trecircs A hipoacutetese

sustentada nesta monografia se alinha com o segundo grupo argumentando que a definiccedilatildeo

pela forma eacute insuficiente para enunciar os tipos especiacuteficos de vida e sua disposiccedilatildeo seriada

poreacutem eacute a fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica das outras duas definiccedilotildees

Palavras Chave Aristoacuteteles Alma Definccedilatildeo Forma Capacidades

Lista de Abreviaturas das Obras de Aristoacuteteles Utilizadas

Cat ndash Categorias

DA ndash De Anima

Fiacutes ndash Fiacutesica

Met ndash Metafiacutesica

Sumaacuterio

Apresentaccedilatildeo 11

1 A taacutebua de definiccedilatildeo 13

2 A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles 19

21 Definiccedilatildeo pela Forma 19

22 Definiccedilatildeo pelas Capacidade 29

23 Definiccedilatildeo Seriada 34

3 Conclusatildeo 37

4 Bibliografia 39

i

12

APRESENTACcedilAtildeO

O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute

causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram

do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo

explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto

psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De

Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de

suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles

sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade

Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios

termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4

Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma

Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-

3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da

alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo

do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo

pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo

enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a

definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a

definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro

enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas

a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de

alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na

posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma

noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem

em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela

capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em

disposiccedilatildeo seriada

Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de

alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz

da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como

consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem

no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste

13

sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente

necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico

Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o

qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita

tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em

seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair

das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as

trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz

duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva

tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo

pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra

nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida

apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico

como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser

evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em

DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos

comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo

em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de

Aristoacuteteles

14

1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO

A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de

investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os

elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles

circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o

meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que

compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser

2 e por fim sua unidade

3 Jaacute

como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia

das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e

finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6

Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de

seu projeto investigativo

ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα

συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην

καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν

Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus

atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros

parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)

Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute

conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que

1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ

ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos

gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade

uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos

Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou

antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει

διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute

de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1

402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ

καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um

todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil

investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον

αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se

haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

15

nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns

parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao

corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a

determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo

comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria

mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que

atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim

nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da

alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam

elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia

Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer

πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε

τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν

Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute

ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma

quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25

(Trad de Gomes dos Reis)

O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da

alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates

para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10

7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas

implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo

obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem

mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ

τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι

λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν

ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ

διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam

sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero

movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo

distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em

meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma

atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma

proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade

pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece

controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε

ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ

πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em

sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por

exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as

que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)

16

Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e

forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em

Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11

que eacute priorizada em

relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade

que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que

da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo

ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112

Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber

se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo

se predica de outrem

Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma

ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις

e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I

1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)

A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute

sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute

em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa

atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13

observa que atualidade

eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz

sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de

um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x

Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade

σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ

μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει

Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer

alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de

espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)

11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου

οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute

justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)

εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua

substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου

γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ

ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles

elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute

elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo

quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da

quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149

17

Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo

psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma

forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie

Segundo Polansky14

Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser

vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes

divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute

de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em

gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a

indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim

Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos

tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas

Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo

εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ

καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι

οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο

Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma

uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a

de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado

universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro

atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)

Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo

de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular

esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma

pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo

gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15

a

existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um

universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um

gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo

geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem

necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de

definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo

enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute

mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema

consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie

14 2007 34-35 15 2008 45

18

ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ

τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον

τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro

investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre

estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou

suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)

Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas

capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como

um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam

distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal

ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ

ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς

Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que

possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1

403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma

Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou

de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente

Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a

tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16

Isto faria desta parte do intelecto uma

afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17

comenta que este eacute

um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees

proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo

contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve

conter o corpo em seu enunciado

O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que

investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a

16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]

quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς

τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς

εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ

ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς

ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer

necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash

mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter

ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute

necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo

PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)

19

alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e

portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a

definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por

fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo

20

2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES

A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro

ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando

argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de

um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas

capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto

visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo

geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de

vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das

capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses

distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I

1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia

21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA

Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees

relativas agrave alma que ela eacute una18

e imoacutevel19

Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1

ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)

que abarque as vaacuterias formas de vida

18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ

εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ

μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ

τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ

χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ

ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης

ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a

viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes

tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois

natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da

alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes

satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas

plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe

separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a

alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad

Gomes dos Reis)

ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ

ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute

claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)

φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ

κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer

subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute

movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)

21

Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ

ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος

αὐτῆς

Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos

predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e

qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)

A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma

comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo

a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes

(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as

formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira

parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute

enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo

formuladas nos outros capiacutetulos

Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento

λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ

οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον

τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ

μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν

Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no

sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido

de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim

no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a

forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II

1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica

Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para

um soacute20

O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a

substacircncia21

(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de

ambas ( tograve ek touacutetoon) 22

Apesar da mateacuteria ser indeterminada23

permanece na mudanccedila e eacute

20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν

τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de

muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas

Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE

sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a

substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν

ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι

ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν

γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por

todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o

substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas

22

objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser

determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria

determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa

definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24

Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma

assim como o composto de ambas

A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente

relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na

filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em

potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser

em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja

por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25

A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio

de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute

algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo

determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de

forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das

substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani

Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ

κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας

κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ

αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo

determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da

qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das

categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada

da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra

categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3

1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ

δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ

εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας

ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para

proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem

ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro

que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos

elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava

elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)

φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια

ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute

por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H

2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον

(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν

πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de

movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o

princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12

1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)

23

relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26

Na medida em que as coisas satildeo

constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da

accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem

em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a

parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja

enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa

a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas

estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo

Ser apto a caminhar e estar caminhando

οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν

ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν

δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς

οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη

E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram

os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm

vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o

decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido

de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre

as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27

por serem mais evidentes aos sentidos O que

26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον

εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ

δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ

ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se

potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo

facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se

natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo

impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas

por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf

26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ

τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ

ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por

exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas

a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque

natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani

Reale)

Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι

καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου

τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι

τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como

estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de

um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias

Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que

indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas

natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)

24

Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo

origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo

satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que

deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam

entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os

corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo

tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles

conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia

compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e

forma (alma) tendo como atividade o viver

ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ

ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον

ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος

E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a

alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute

como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como

forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)

Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de

alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar

qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um

corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria

(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode

ser corpo pois ela que o predica

Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas

enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28

Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o

substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato

determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as

determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado

ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια

αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας

λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra

aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em

funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H

1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)

28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de

que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash

1029a1 (Trad Giovani Reale)

25

acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da

qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado

que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo

podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto

metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que

este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo

Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se

necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido

enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente

vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com

este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem

abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma

Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute

dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o

princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio

e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo

Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a

partir e em vista do que a vida se daacute

Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A

primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de

inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se

atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a

alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o

ser vivente

Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas

caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute

que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo

potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida

ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ

μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ

ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ

θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ

ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν

ἔχοντος

E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute

atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o

26

inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma

haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir

a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute

a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-

28 (Trad Gomes dos Reis)

Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a

atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)

estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem

executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo

Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira

(enteleacutekheia proteacute) Charlton29

propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no

primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto

aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)

Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre

um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade

διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ

αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ

ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν

ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον

δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς

θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως

ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες

ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ

πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν

γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον

Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute

agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no

sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e

possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor

por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira

o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir

nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade

conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo

conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar

vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por

passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em

exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)

O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a

percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam

realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra

em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a

capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o

29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84

27

que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade

da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na

primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta

disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade

dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso

eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado

de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente

Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de

atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute

adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua

disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente

Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto

princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a

forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9

εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος

φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν

κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ

εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν

Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira

atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se

alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem

se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser

de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)

O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades

proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade

entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a

unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio

agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara

οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι

τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία

αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ

ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ

ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ

Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um

corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o

machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma

Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na

verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um

corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio

28

de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo

proacutepria)

Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em

412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio

organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo

natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de

alma e o que era para ser31

(tograve tiacute ecircn eicircnai)

Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu

princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser

vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32

sustenta que a determinaccedilatildeo da

essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a

funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver

31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos

pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni

tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com

o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai

toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas

constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo

etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras

expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +

dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser

enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32

1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal

como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o

interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a

discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89

nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora

estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria

perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a

essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora

estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada

como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a

origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the

surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without

which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body

as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he

goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This

is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not

being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os

coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou

essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos

Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a

Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente

entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um

machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN

1993 85) (Trad proacutepria)

29

e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33

pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que

lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida

Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final

do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo

de definiccedilatildeo34

Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto

psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de

definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da

alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e

argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que

denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles

se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a

alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute

princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos

para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador

das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das

capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo

o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo

proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo

correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo

pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de

vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o

curso da investigaccedilatildeo sobre a alma

33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por

exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a

locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um

verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado

como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de

definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)

30

22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES

DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas

natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma

revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de

definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico

Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον

γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ

τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν

αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων

εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι

ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ

τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον

E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior

inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente

discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor

esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e

expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O

que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um

retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua

vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA

II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)

Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais

manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras

(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao

contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos

que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros

eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma

como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida

nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro

Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo

apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e

tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o

porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo

enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e

ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois

ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade

de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa

menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo

31

Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o

corpo e a vida

λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ

ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό

φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ

τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις

Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do

inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive

se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento

local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o

crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor

[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive

[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento

local e repouso decaimento e crescimento

Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades

mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35

Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias

διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ

ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους

οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ

τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν

Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si

mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham

crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para

cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute

para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter

alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)

Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo

τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν

πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα

λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον

O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se

primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo

apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas

possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)

Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico

[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados

E desta uma outra

35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16

32

[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos

Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com

um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto

uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas

premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo

aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que

Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus

predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela

percepccedilatildeo36

Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam

a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse

pressuposto

Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo

a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37

e que a nutriccedilatildeo eacute

a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38

e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo

satildeo uma forma de movimento39

somos levados a crer que o argumento consiste em

[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento

[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)

[P3] tudo o que se move por si eacute animado

[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento

[C1] logo tudo o que vive eacute animado

36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ

καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do

inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos

esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη

καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do

alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum

potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ

οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται

φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento

existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo

participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois

nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA

II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)

E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν

συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser

afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes

dos Reis)

33

Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria

dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da

anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de

onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo

movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40

nos indica que esta eacute

uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel

parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo

Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves

noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3

corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo

atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente

Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de

enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute

explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este

pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale

lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da

coisa sejam previamente conhecidosrdquo41

e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma

coisa pertence a outrardquo42

Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos

vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor

que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta

digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da

psicologia aristoteacutelica

Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade

de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como

40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν

ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ

ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja

movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o

princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada

parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos

animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)

ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ

καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο

συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se

movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos

que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes

vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como

parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26

34

conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as

capacidades que denotam o viver

νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ

τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει

Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades

mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute

definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)

Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles

conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma

explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de

comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela

substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43

reduzem a definiccedilatildeo de alma

agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente

equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa

pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia

como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio

organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade

primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista

do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e

determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)

e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que

caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade

nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana

Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo

pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua

noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das

capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma

que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar

mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta

Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute

que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se

particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles

43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik

(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das

discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)

35

trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas

formas de vida

23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA

A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3

Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um

enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo

permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo

dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica

Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que

precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta

seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma

enunciada em DA II 1

DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de

414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA

II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de

anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas

de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a

uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida

vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-

se a vida humana44

Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite

que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas

avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo

δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ

ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς

εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν

πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ

γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν

ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον

(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς

44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν

ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς

ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις

ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι

τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas

subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como

potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste

somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que

entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e

devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se

locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se

houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)

36

ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν

τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον

ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ

αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν

οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς

Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de

figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e

daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A

respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique

a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por

isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash

pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a

forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as

coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto

no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste

naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no

de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma

de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve

ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo

existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da

perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)

A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a

relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana

mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo

de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira

que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste

em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave

vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida

vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se

faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se

buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a

alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que

decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em

uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no

ser vivente como se segue

ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον

Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais

apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)

Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima

investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma

37

podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma

definiccedilatildeo de alma

Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma

das questotildees elencadas em DA I 145

a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto

tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma

resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto

Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e

homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos

itens

Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as

outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto

vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do

corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a

definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por

concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada

Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1

natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de

alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo

de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica

para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste

corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades

satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente

atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende

logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado

em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual

esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar

45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)

38

3 CONCLUSAtildeO

Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em

momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o

que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois

atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do

corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das

capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como

disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se

mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor

corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser

vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma

das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor

compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas

capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute

princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante

como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser

vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma

noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem

que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo

pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela

seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a

atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e

movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas

definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o

horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige

Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de

Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a

inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o

segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos

capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades

Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do

tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das

definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante

39

do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a

interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute

definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond

comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados

definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo

do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas

diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles

Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele

problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima

Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo

exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que

fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma

que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua

funccedilatildeo

40

4 BIBLIOGRAFIA

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Page 2: A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES

DOUGLAS VIEIRA RAMALHO

A NOCcedilAtildeO DE ALMA NO DE ANIMA ARISTOacuteTELES

Monografia apresentada ao Departamento de

Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciecircncias

Sociais da Universidade Federal do Rio de

Janeiro como parte dos requisitos para

obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Licenciado em Filosofia

Orientadora Profordf Drordf Carolina de Melo Bomfim Arauacutejo

RIO DE JANEIRO

2017

DOUGLAS VIEIRA RAMALHO

A NOCcedilAtildeO DE ALMA NO DE ANIMA ARISTOacuteTELES

Monografia apresentada ao Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciecircncias

Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para obtenccedilatildeo do

tiacutetulo de Licenciado em Filosofia

Aprovada por

__________________________________________

Profordf Drordf Carolina de Melo Bomfim Arauacutejo UFRJ Orientadora

__________________________________________

Prof Dr Raphael Zillig UFRGS

__________________________________________

Profordf Drordf Carla Francalanci UFRJ

RIO DE JANEIRO

Janeiro de 2017

Ao Luan

Agradecimentos

A Carolina Arauacutejo por ter me apresentado o De Anima em um curso de 20141 pela

disponibilidade ao meu interesse em aprofundar o estudo na psicologia aristoteacutelica pela

atenta orientaccedilatildeo na iniciaccedilatildeo cintiacutefica e na escrita desta monografia e mais que tudo pelo

paradigma intelectual que eacute para quem tem o prazer de dialogar com suas hipoacuteteses e

objeccedilotildees Ao Raphael Zillig pela orientaccedilatildeo durante a missatildeo de estudos realizada na UFRGS

em agosto e setembro de 2016 e cujos comentaacuterios luacutecidos sobre a obra e exegese aristoteacutelica

foram fundamentais para que eu descortinasse uma visatildeo de caminhos intelectuais e

acadecircmicos Agrave Carla Francalanci pelo seminaacuterio sobre o De Anima e Ivana Costa pelo

minicurso Psicologiacutea Antigua que ampliaram meu horizonte de compreensatildeo da psicologia

aristoteacutelica Agrave Inara Zanuzzi e Priscilla Spinelli pelo curso tri sobre phantasiacutea na UFRGS

igualmente aos colegas Pedro Capra Filipe Oliveira e Mariano Arauacutejo pela interlocuccedilatildeo

constante Ao Rodrigo Guerizoli pela presteza e sensibilidade na viabilizaccedilatildeo da minha ida e

estadia em Porto Alegre Agraves comentadoras e comentadores da filosofia aristoteacutelica sem os

quais dificilmente pensaria o que pensei entenderia o que entendi argumentaria o que

argumentei em especial ao Eli Diamond que gentilmente me enviou uma coacutepia de seu

instigante livro Mortal Imitations of Divine Life The Nature of the Soul in Aristotlersquos De

Anima no qual me baseei vaacuterias vezes para a interpretaccedilatildeo que assumi nesta monografia

igualmente ao Matt Wood por ter feito estabelecido a ponte de comunicaccedilatildeo Ao Luan

Reboredo pela cumplicidade entre ladrotildees pela impiedosa revisatildeo dos textos ndash todo e

qualquer erro distraccedilatildeo ou falta de clareza eacute pela minha teimosia com suas notas ndash pela

criteriosa percepccedilatildeo intelectual pelo cuidado e pelos cafeacutes da manhatilde ndash vamos lembrar de

comprar mais tapioca Aos philoacutei Edil Carvalho Claacuteudia Barbosa Matt Wood Esther

Santos Luan Reboredo Flora Mangini Felipe Ayres Nelson M Neto Luciana Shontag

George Matias Andreacute Braga e Camila Rauber pelo diaacutelogo e praacutetica filosoacutefica no Seminaacuterio

de Estudos Claacutessicos ndash vamos cultivar este precioso espaccedilo gente Aos amigos pela procura

na ausecircncia e acolhida na presenccedila Agrave minha famiacutelia pelas quizumbas quiziacutelias otaacutes e

tapurus Ao teatro pela caixa de areia e efemeridade em especial a Andreacutea Terra e Casa Maria

de Magdala Agrave cidade de Porto Alegre pelo frio insuportaacutevel pelo vento interminaacutevel pelas

ruas floridas pelo sol laranja pelo ceacuteu anil pela carne saborosiacutessima pelo fandango pelo

chimarratildeo pela Housing pela Casa Frasca pela Casa de Pelotas pela gente de um

comunitarismo valentatildeo pelos amigos e amigas e vizinhos pela discriminaccedilatildeo pela dor de

dente e infecccedilatildeo pela solidatildeo pelo silecircncio pelo esvaziamento e pela saudade que hoje sinto

sempre que sonho perder o aviatildeo de volta para o Rio A Paquetaacute pelo sentido de lugar Ao Rio

pelo sentido de sentir A Niteroacutei pelo sentido de lar Agrave Hannah Arendt pela Condiccedilatildeo

Humana que determinou minha compreensatildeo de poliacutetica Ao Aristoacuteteles pelo De Anima que

determinou minha incompreensatildeo da vida

Esta monografia eacute resultado da pesquisa de iniciaccedilatildeo cientiacutefica Substacircncia enquanto Forma

psycheacute no De Anima II de Aristoacuteteles inserida no projeto PROCAD 2013 PPGLMUFRJ-

UFG-UFRGS entitulado Substacircncia evoluccedilatildeo e formulaccedilatildeo de uma noccedilatildeo filosoacutefica sob

financiamento da Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal do Niacutevel Superior (CAPES)

Este agradecimento costuma ser meramente formal Poreacutem em tempos de ataques temeraacuterios

a direitos duramente conquistados reconhecer a importacircncia do financiamento puacuteblico da

inovaccedilatildeo cientiacutefica e da pesquisa acadecircmica para o desenvolvimento justiccedila e soberania de

uma naccedilatildeo grande como a brasileira se torna um dever poliacutetico a ser exercido

o que estremecia em mim terreno do corpo onde estaacute a raiz da alma

Joatildeo Guimaratildees Rosa

RESUMO

Esta monografia trata da noccedilatildeo de alma que Aristoacuteteles desenvolve ao longo do De Anima II

1-3 Em DA II 1 Aristoacuteteles enuncia uma definiccedilatildeo geral de alma como forma do corpo

Nessa definiccedilatildeo pela forma seu objetivo eacute formular uma noccedilatildeo dos vaacuterios tipos de alma (a

vegetativa a animal e a humana) Poreacutem ela natildeo enuncia a alma como causa de vida nos

seres viventes Diante disso eacute enunciado em DA II 2 a definiccedilatildeo pelas capacidades na qual a

alma eacute princiacutepio das capacidades que denotam o viver Nela as capacidades determinam os

diversos tipos de vida a vida vegetativa que decorre da nutriccedilatildeo a animal da percepccedilatildeo e a

humana da razatildeo Com isso em DA II 3 Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo seriada na qual os

tipos de alma se dispotildeem em seacuteries ordenadas hierarquizadas em que a anterior subsiste na

posterior em potecircncia mas natildeo o contraacuterio Como se vecirc haacute um conflito entre a primeira e as

outras duas definiccedilotildees pois a definiccedilatildeo pela forma eacute uma noccedilatildeo geral que nem enuncia a alma

como causa de vida nem sua disposiccedilatildeo seriada Assim enquanto os comentaacuterios de Putman

Ackrill Bolton Nussbaum Everson CodeampMoravicsik interpretam a definiccedilatildeo pelas

capacidades como a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma em detrimento da definiccedilatildeo pela forma

Polansky e Diamond enxergam unidade teoacuterica e argumentativa entre as trecircs A hipoacutetese

sustentada nesta monografia se alinha com o segundo grupo argumentando que a definiccedilatildeo

pela forma eacute insuficiente para enunciar os tipos especiacuteficos de vida e sua disposiccedilatildeo seriada

poreacutem eacute a fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica das outras duas definiccedilotildees

Palavras Chave Aristoacuteteles Alma Definccedilatildeo Forma Capacidades

Lista de Abreviaturas das Obras de Aristoacuteteles Utilizadas

Cat ndash Categorias

DA ndash De Anima

Fiacutes ndash Fiacutesica

Met ndash Metafiacutesica

Sumaacuterio

Apresentaccedilatildeo 11

1 A taacutebua de definiccedilatildeo 13

2 A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles 19

21 Definiccedilatildeo pela Forma 19

22 Definiccedilatildeo pelas Capacidade 29

23 Definiccedilatildeo Seriada 34

3 Conclusatildeo 37

4 Bibliografia 39

i

12

APRESENTACcedilAtildeO

O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute

causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram

do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo

explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto

psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De

Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de

suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles

sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade

Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios

termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4

Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma

Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-

3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da

alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo

do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo

pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo

enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a

definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a

definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro

enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas

a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de

alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na

posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma

noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem

em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela

capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em

disposiccedilatildeo seriada

Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de

alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz

da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como

consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem

no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste

13

sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente

necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico

Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o

qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita

tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em

seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair

das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as

trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz

duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva

tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo

pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra

nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida

apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico

como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser

evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em

DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos

comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo

em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de

Aristoacuteteles

14

1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO

A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de

investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os

elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles

circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o

meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que

compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser

2 e por fim sua unidade

3 Jaacute

como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia

das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e

finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6

Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de

seu projeto investigativo

ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα

συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην

καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν

Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus

atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros

parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)

Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute

conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que

1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ

ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos

gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade

uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos

Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou

antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει

διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute

de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1

402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ

καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um

todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil

investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον

αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se

haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

15

nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns

parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao

corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a

determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo

comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria

mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que

atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim

nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da

alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam

elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia

Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer

πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε

τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν

Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute

ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma

quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25

(Trad de Gomes dos Reis)

O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da

alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates

para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10

7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas

implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo

obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem

mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ

τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι

λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν

ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ

διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam

sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero

movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo

distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em

meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma

atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma

proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade

pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece

controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε

ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ

πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em

sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por

exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as

que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)

16

Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e

forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em

Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11

que eacute priorizada em

relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade

que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que

da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo

ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112

Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber

se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo

se predica de outrem

Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma

ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις

e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I

1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)

A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute

sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute

em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa

atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13

observa que atualidade

eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz

sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de

um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x

Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade

σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ

μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει

Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer

alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de

espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)

11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου

οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute

justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)

εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua

substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου

γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ

ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles

elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute

elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo

quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da

quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149

17

Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo

psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma

forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie

Segundo Polansky14

Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser

vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes

divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute

de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em

gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a

indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim

Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos

tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas

Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo

εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ

καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι

οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο

Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma

uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a

de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado

universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro

atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)

Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo

de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular

esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma

pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo

gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15

a

existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um

universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um

gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo

geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem

necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de

definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo

enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute

mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema

consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie

14 2007 34-35 15 2008 45

18

ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ

τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον

τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro

investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre

estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou

suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)

Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas

capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como

um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam

distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal

ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ

ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς

Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que

possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1

403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma

Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou

de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente

Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a

tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16

Isto faria desta parte do intelecto uma

afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17

comenta que este eacute

um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees

proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo

contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve

conter o corpo em seu enunciado

O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que

investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a

16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]

quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς

τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς

εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ

ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς

ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer

necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash

mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter

ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute

necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo

PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)

19

alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e

portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a

definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por

fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo

20

2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES

A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro

ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando

argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de

um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas

capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto

visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo

geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de

vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das

capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses

distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I

1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia

21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA

Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees

relativas agrave alma que ela eacute una18

e imoacutevel19

Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1

ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)

que abarque as vaacuterias formas de vida

18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ

εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ

μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ

τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ

χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ

ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης

ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a

viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes

tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois

natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da

alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes

satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas

plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe

separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a

alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad

Gomes dos Reis)

ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ

ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute

claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)

φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ

κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer

subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute

movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)

21

Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ

ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος

αὐτῆς

Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos

predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e

qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)

A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma

comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo

a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes

(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as

formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira

parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute

enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo

formuladas nos outros capiacutetulos

Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento

λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ

οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον

τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ

μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν

Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no

sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido

de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim

no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a

forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II

1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica

Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para

um soacute20

O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a

substacircncia21

(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de

ambas ( tograve ek touacutetoon) 22

Apesar da mateacuteria ser indeterminada23

permanece na mudanccedila e eacute

20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν

τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de

muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas

Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE

sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a

substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν

ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι

ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν

γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por

todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o

substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas

22

objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser

determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria

determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa

definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24

Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma

assim como o composto de ambas

A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente

relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na

filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em

potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser

em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja

por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25

A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio

de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute

algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo

determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de

forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das

substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani

Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ

κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας

κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ

αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo

determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da

qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das

categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada

da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra

categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3

1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ

δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ

εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας

ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para

proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem

ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro

que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos

elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava

elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)

φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια

ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute

por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H

2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον

(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν

πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de

movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o

princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12

1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)

23

relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26

Na medida em que as coisas satildeo

constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da

accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem

em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a

parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja

enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa

a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas

estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo

Ser apto a caminhar e estar caminhando

οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν

ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν

δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς

οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη

E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram

os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm

vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o

decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido

de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre

as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27

por serem mais evidentes aos sentidos O que

26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον

εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ

δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ

ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se

potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo

facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se

natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo

impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas

por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf

26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ

τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ

ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por

exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas

a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque

natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani

Reale)

Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι

καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου

τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι

τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como

estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de

um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias

Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que

indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas

natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)

24

Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo

origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo

satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que

deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam

entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os

corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo

tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles

conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia

compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e

forma (alma) tendo como atividade o viver

ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ

ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον

ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος

E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a

alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute

como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como

forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)

Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de

alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar

qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um

corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria

(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode

ser corpo pois ela que o predica

Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas

enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28

Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o

substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato

determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as

determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado

ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια

αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας

λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra

aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em

funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H

1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)

28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de

que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash

1029a1 (Trad Giovani Reale)

25

acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da

qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado

que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo

podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto

metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que

este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo

Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se

necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido

enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente

vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com

este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem

abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma

Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute

dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o

princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio

e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo

Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a

partir e em vista do que a vida se daacute

Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A

primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de

inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se

atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a

alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o

ser vivente

Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas

caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute

que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo

potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida

ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ

μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ

ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ

θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ

ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν

ἔχοντος

E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute

atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o

26

inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma

haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir

a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute

a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-

28 (Trad Gomes dos Reis)

Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a

atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)

estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem

executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo

Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira

(enteleacutekheia proteacute) Charlton29

propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no

primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto

aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)

Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre

um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade

διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ

αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ

ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν

ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον

δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς

θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως

ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες

ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ

πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν

γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον

Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute

agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no

sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e

possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor

por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira

o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir

nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade

conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo

conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar

vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por

passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em

exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)

O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a

percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam

realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra

em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a

capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o

29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84

27

que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade

da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na

primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta

disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade

dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso

eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado

de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente

Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de

atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute

adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua

disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente

Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto

princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a

forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9

εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος

φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν

κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ

εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν

Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira

atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se

alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem

se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser

de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)

O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades

proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade

entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a

unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio

agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara

οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι

τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία

αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ

ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ

ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ

Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um

corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o

machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma

Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na

verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um

corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio

28

de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo

proacutepria)

Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em

412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio

organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo

natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de

alma e o que era para ser31

(tograve tiacute ecircn eicircnai)

Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu

princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser

vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32

sustenta que a determinaccedilatildeo da

essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a

funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver

31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos

pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni

tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com

o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai

toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas

constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo

etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras

expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +

dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser

enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32

1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal

como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o

interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a

discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89

nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora

estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria

perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a

essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora

estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada

como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a

origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the

surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without

which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body

as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he

goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This

is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not

being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os

coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou

essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos

Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a

Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente

entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um

machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN

1993 85) (Trad proacutepria)

29

e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33

pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que

lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida

Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final

do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo

de definiccedilatildeo34

Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto

psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de

definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da

alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e

argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que

denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles

se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a

alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute

princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos

para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador

das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das

capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo

o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo

proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo

correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo

pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de

vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o

curso da investigaccedilatildeo sobre a alma

33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por

exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a

locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um

verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado

como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de

definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)

30

22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES

DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas

natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma

revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de

definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico

Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον

γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ

τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν

αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων

εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι

ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ

τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον

E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior

inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente

discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor

esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e

expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O

que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um

retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua

vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA

II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)

Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais

manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras

(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao

contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos

que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros

eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma

como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida

nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro

Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo

apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e

tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o

porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo

enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e

ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois

ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade

de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa

menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo

31

Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o

corpo e a vida

λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ

ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό

φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ

τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις

Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do

inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive

se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento

local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o

crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor

[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive

[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento

local e repouso decaimento e crescimento

Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades

mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35

Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias

διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ

ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους

οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ

τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν

Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si

mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham

crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para

cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute

para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter

alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)

Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo

τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν

πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα

λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον

O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se

primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo

apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas

possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)

Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico

[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados

E desta uma outra

35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16

32

[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos

Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com

um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto

uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas

premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo

aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que

Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus

predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela

percepccedilatildeo36

Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam

a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse

pressuposto

Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo

a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37

e que a nutriccedilatildeo eacute

a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38

e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo

satildeo uma forma de movimento39

somos levados a crer que o argumento consiste em

[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento

[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)

[P3] tudo o que se move por si eacute animado

[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento

[C1] logo tudo o que vive eacute animado

36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ

καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do

inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos

esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη

καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do

alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum

potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ

οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται

φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento

existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo

participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois

nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA

II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)

E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν

συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser

afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes

dos Reis)

33

Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria

dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da

anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de

onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo

movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40

nos indica que esta eacute

uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel

parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo

Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves

noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3

corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo

atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente

Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de

enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute

explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este

pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale

lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da

coisa sejam previamente conhecidosrdquo41

e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma

coisa pertence a outrardquo42

Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos

vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor

que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta

digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da

psicologia aristoteacutelica

Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade

de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como

40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν

ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ

ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja

movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o

princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada

parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos

animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)

ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ

καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο

συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se

movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos

que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes

vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como

parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26

34

conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as

capacidades que denotam o viver

νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ

τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει

Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades

mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute

definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)

Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles

conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma

explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de

comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela

substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43

reduzem a definiccedilatildeo de alma

agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente

equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa

pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia

como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio

organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade

primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista

do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e

determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)

e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que

caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade

nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana

Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo

pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua

noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das

capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma

que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar

mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta

Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute

que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se

particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles

43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik

(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das

discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)

35

trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas

formas de vida

23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA

A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3

Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um

enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo

permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo

dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica

Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que

precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta

seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma

enunciada em DA II 1

DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de

414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA

II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de

anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas

de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a

uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida

vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-

se a vida humana44

Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite

que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas

avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo

δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ

ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς

εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν

πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ

γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν

ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον

(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς

44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν

ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς

ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις

ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι

τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas

subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como

potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste

somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que

entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e

devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se

locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se

houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)

36

ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν

τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον

ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ

αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν

οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς

Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de

figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e

daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A

respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique

a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por

isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash

pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a

forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as

coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto

no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste

naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no

de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma

de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve

ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo

existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da

perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)

A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a

relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana

mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo

de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira

que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste

em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave

vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida

vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se

faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se

buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a

alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que

decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em

uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no

ser vivente como se segue

ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον

Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais

apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)

Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima

investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma

37

podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma

definiccedilatildeo de alma

Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma

das questotildees elencadas em DA I 145

a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto

tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma

resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto

Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e

homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos

itens

Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as

outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto

vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do

corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a

definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por

concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada

Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1

natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de

alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo

de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica

para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste

corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades

satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente

atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende

logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado

em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual

esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar

45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)

38

3 CONCLUSAtildeO

Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em

momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o

que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois

atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do

corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das

capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como

disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se

mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor

corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser

vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma

das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor

compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas

capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute

princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante

como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser

vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma

noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem

que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo

pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela

seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a

atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e

movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas

definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o

horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige

Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de

Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a

inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o

segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos

capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades

Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do

tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das

definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante

39

do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a

interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute

definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond

comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados

definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo

do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas

diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles

Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele

problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima

Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo

exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que

fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma

que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua

funccedilatildeo

40

4 BIBLIOGRAFIA

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Page 3: A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES

DOUGLAS VIEIRA RAMALHO

A NOCcedilAtildeO DE ALMA NO DE ANIMA ARISTOacuteTELES

Monografia apresentada ao Departamento de Filosofia do Instituto de Filosofia e Ciecircncias

Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro como parte dos requisitos para obtenccedilatildeo do

tiacutetulo de Licenciado em Filosofia

Aprovada por

__________________________________________

Profordf Drordf Carolina de Melo Bomfim Arauacutejo UFRJ Orientadora

__________________________________________

Prof Dr Raphael Zillig UFRGS

__________________________________________

Profordf Drordf Carla Francalanci UFRJ

RIO DE JANEIRO

Janeiro de 2017

Ao Luan

Agradecimentos

A Carolina Arauacutejo por ter me apresentado o De Anima em um curso de 20141 pela

disponibilidade ao meu interesse em aprofundar o estudo na psicologia aristoteacutelica pela

atenta orientaccedilatildeo na iniciaccedilatildeo cintiacutefica e na escrita desta monografia e mais que tudo pelo

paradigma intelectual que eacute para quem tem o prazer de dialogar com suas hipoacuteteses e

objeccedilotildees Ao Raphael Zillig pela orientaccedilatildeo durante a missatildeo de estudos realizada na UFRGS

em agosto e setembro de 2016 e cujos comentaacuterios luacutecidos sobre a obra e exegese aristoteacutelica

foram fundamentais para que eu descortinasse uma visatildeo de caminhos intelectuais e

acadecircmicos Agrave Carla Francalanci pelo seminaacuterio sobre o De Anima e Ivana Costa pelo

minicurso Psicologiacutea Antigua que ampliaram meu horizonte de compreensatildeo da psicologia

aristoteacutelica Agrave Inara Zanuzzi e Priscilla Spinelli pelo curso tri sobre phantasiacutea na UFRGS

igualmente aos colegas Pedro Capra Filipe Oliveira e Mariano Arauacutejo pela interlocuccedilatildeo

constante Ao Rodrigo Guerizoli pela presteza e sensibilidade na viabilizaccedilatildeo da minha ida e

estadia em Porto Alegre Agraves comentadoras e comentadores da filosofia aristoteacutelica sem os

quais dificilmente pensaria o que pensei entenderia o que entendi argumentaria o que

argumentei em especial ao Eli Diamond que gentilmente me enviou uma coacutepia de seu

instigante livro Mortal Imitations of Divine Life The Nature of the Soul in Aristotlersquos De

Anima no qual me baseei vaacuterias vezes para a interpretaccedilatildeo que assumi nesta monografia

igualmente ao Matt Wood por ter feito estabelecido a ponte de comunicaccedilatildeo Ao Luan

Reboredo pela cumplicidade entre ladrotildees pela impiedosa revisatildeo dos textos ndash todo e

qualquer erro distraccedilatildeo ou falta de clareza eacute pela minha teimosia com suas notas ndash pela

criteriosa percepccedilatildeo intelectual pelo cuidado e pelos cafeacutes da manhatilde ndash vamos lembrar de

comprar mais tapioca Aos philoacutei Edil Carvalho Claacuteudia Barbosa Matt Wood Esther

Santos Luan Reboredo Flora Mangini Felipe Ayres Nelson M Neto Luciana Shontag

George Matias Andreacute Braga e Camila Rauber pelo diaacutelogo e praacutetica filosoacutefica no Seminaacuterio

de Estudos Claacutessicos ndash vamos cultivar este precioso espaccedilo gente Aos amigos pela procura

na ausecircncia e acolhida na presenccedila Agrave minha famiacutelia pelas quizumbas quiziacutelias otaacutes e

tapurus Ao teatro pela caixa de areia e efemeridade em especial a Andreacutea Terra e Casa Maria

de Magdala Agrave cidade de Porto Alegre pelo frio insuportaacutevel pelo vento interminaacutevel pelas

ruas floridas pelo sol laranja pelo ceacuteu anil pela carne saborosiacutessima pelo fandango pelo

chimarratildeo pela Housing pela Casa Frasca pela Casa de Pelotas pela gente de um

comunitarismo valentatildeo pelos amigos e amigas e vizinhos pela discriminaccedilatildeo pela dor de

dente e infecccedilatildeo pela solidatildeo pelo silecircncio pelo esvaziamento e pela saudade que hoje sinto

sempre que sonho perder o aviatildeo de volta para o Rio A Paquetaacute pelo sentido de lugar Ao Rio

pelo sentido de sentir A Niteroacutei pelo sentido de lar Agrave Hannah Arendt pela Condiccedilatildeo

Humana que determinou minha compreensatildeo de poliacutetica Ao Aristoacuteteles pelo De Anima que

determinou minha incompreensatildeo da vida

Esta monografia eacute resultado da pesquisa de iniciaccedilatildeo cientiacutefica Substacircncia enquanto Forma

psycheacute no De Anima II de Aristoacuteteles inserida no projeto PROCAD 2013 PPGLMUFRJ-

UFG-UFRGS entitulado Substacircncia evoluccedilatildeo e formulaccedilatildeo de uma noccedilatildeo filosoacutefica sob

financiamento da Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal do Niacutevel Superior (CAPES)

Este agradecimento costuma ser meramente formal Poreacutem em tempos de ataques temeraacuterios

a direitos duramente conquistados reconhecer a importacircncia do financiamento puacuteblico da

inovaccedilatildeo cientiacutefica e da pesquisa acadecircmica para o desenvolvimento justiccedila e soberania de

uma naccedilatildeo grande como a brasileira se torna um dever poliacutetico a ser exercido

o que estremecia em mim terreno do corpo onde estaacute a raiz da alma

Joatildeo Guimaratildees Rosa

RESUMO

Esta monografia trata da noccedilatildeo de alma que Aristoacuteteles desenvolve ao longo do De Anima II

1-3 Em DA II 1 Aristoacuteteles enuncia uma definiccedilatildeo geral de alma como forma do corpo

Nessa definiccedilatildeo pela forma seu objetivo eacute formular uma noccedilatildeo dos vaacuterios tipos de alma (a

vegetativa a animal e a humana) Poreacutem ela natildeo enuncia a alma como causa de vida nos

seres viventes Diante disso eacute enunciado em DA II 2 a definiccedilatildeo pelas capacidades na qual a

alma eacute princiacutepio das capacidades que denotam o viver Nela as capacidades determinam os

diversos tipos de vida a vida vegetativa que decorre da nutriccedilatildeo a animal da percepccedilatildeo e a

humana da razatildeo Com isso em DA II 3 Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo seriada na qual os

tipos de alma se dispotildeem em seacuteries ordenadas hierarquizadas em que a anterior subsiste na

posterior em potecircncia mas natildeo o contraacuterio Como se vecirc haacute um conflito entre a primeira e as

outras duas definiccedilotildees pois a definiccedilatildeo pela forma eacute uma noccedilatildeo geral que nem enuncia a alma

como causa de vida nem sua disposiccedilatildeo seriada Assim enquanto os comentaacuterios de Putman

Ackrill Bolton Nussbaum Everson CodeampMoravicsik interpretam a definiccedilatildeo pelas

capacidades como a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma em detrimento da definiccedilatildeo pela forma

Polansky e Diamond enxergam unidade teoacuterica e argumentativa entre as trecircs A hipoacutetese

sustentada nesta monografia se alinha com o segundo grupo argumentando que a definiccedilatildeo

pela forma eacute insuficiente para enunciar os tipos especiacuteficos de vida e sua disposiccedilatildeo seriada

poreacutem eacute a fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica das outras duas definiccedilotildees

Palavras Chave Aristoacuteteles Alma Definccedilatildeo Forma Capacidades

Lista de Abreviaturas das Obras de Aristoacuteteles Utilizadas

Cat ndash Categorias

DA ndash De Anima

Fiacutes ndash Fiacutesica

Met ndash Metafiacutesica

Sumaacuterio

Apresentaccedilatildeo 11

1 A taacutebua de definiccedilatildeo 13

2 A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles 19

21 Definiccedilatildeo pela Forma 19

22 Definiccedilatildeo pelas Capacidade 29

23 Definiccedilatildeo Seriada 34

3 Conclusatildeo 37

4 Bibliografia 39

i

12

APRESENTACcedilAtildeO

O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute

causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram

do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo

explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto

psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De

Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de

suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles

sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade

Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios

termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4

Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma

Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-

3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da

alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo

do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo

pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo

enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a

definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a

definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro

enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas

a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de

alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na

posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma

noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem

em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela

capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em

disposiccedilatildeo seriada

Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de

alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz

da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como

consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem

no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste

13

sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente

necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico

Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o

qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita

tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em

seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair

das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as

trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz

duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva

tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo

pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra

nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida

apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico

como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser

evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em

DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos

comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo

em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de

Aristoacuteteles

14

1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO

A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de

investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os

elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles

circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o

meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que

compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser

2 e por fim sua unidade

3 Jaacute

como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia

das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e

finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6

Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de

seu projeto investigativo

ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα

συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην

καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν

Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus

atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros

parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)

Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute

conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que

1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ

ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos

gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade

uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos

Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou

antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει

διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute

de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1

402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ

καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um

todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil

investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον

αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se

haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

15

nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns

parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao

corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a

determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo

comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria

mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que

atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim

nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da

alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam

elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia

Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer

πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε

τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν

Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute

ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma

quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25

(Trad de Gomes dos Reis)

O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da

alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates

para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10

7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas

implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo

obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem

mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ

τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι

λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν

ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ

διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam

sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero

movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo

distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em

meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma

atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma

proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade

pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece

controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε

ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ

πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em

sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por

exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as

que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)

16

Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e

forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em

Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11

que eacute priorizada em

relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade

que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que

da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo

ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112

Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber

se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo

se predica de outrem

Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma

ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις

e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I

1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)

A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute

sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute

em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa

atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13

observa que atualidade

eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz

sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de

um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x

Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade

σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ

μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει

Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer

alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de

espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)

11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου

οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute

justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)

εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua

substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου

γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ

ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles

elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute

elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo

quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da

quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149

17

Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo

psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma

forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie

Segundo Polansky14

Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser

vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes

divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute

de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em

gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a

indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim

Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos

tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas

Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo

εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ

καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι

οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο

Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma

uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a

de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado

universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro

atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)

Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo

de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular

esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma

pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo

gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15

a

existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um

universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um

gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo

geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem

necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de

definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo

enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute

mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema

consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie

14 2007 34-35 15 2008 45

18

ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ

τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον

τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro

investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre

estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou

suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)

Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas

capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como

um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam

distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal

ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ

ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς

Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que

possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1

403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma

Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou

de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente

Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a

tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16

Isto faria desta parte do intelecto uma

afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17

comenta que este eacute

um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees

proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo

contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve

conter o corpo em seu enunciado

O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que

investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a

16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]

quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς

τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς

εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ

ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς

ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer

necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash

mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter

ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute

necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo

PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)

19

alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e

portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a

definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por

fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo

20

2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES

A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro

ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando

argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de

um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas

capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto

visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo

geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de

vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das

capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses

distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I

1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia

21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA

Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees

relativas agrave alma que ela eacute una18

e imoacutevel19

Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1

ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)

que abarque as vaacuterias formas de vida

18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ

εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ

μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ

τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ

χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ

ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης

ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a

viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes

tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois

natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da

alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes

satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas

plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe

separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a

alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad

Gomes dos Reis)

ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ

ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute

claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)

φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ

κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer

subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute

movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)

21

Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ

ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος

αὐτῆς

Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos

predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e

qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)

A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma

comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo

a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes

(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as

formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira

parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute

enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo

formuladas nos outros capiacutetulos

Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento

λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ

οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον

τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ

μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν

Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no

sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido

de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim

no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a

forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II

1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica

Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para

um soacute20

O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a

substacircncia21

(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de

ambas ( tograve ek touacutetoon) 22

Apesar da mateacuteria ser indeterminada23

permanece na mudanccedila e eacute

20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν

τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de

muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas

Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE

sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a

substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν

ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι

ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν

γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por

todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o

substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas

22

objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser

determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria

determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa

definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24

Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma

assim como o composto de ambas

A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente

relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na

filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em

potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser

em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja

por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25

A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio

de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute

algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo

determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de

forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das

substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani

Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ

κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας

κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ

αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo

determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da

qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das

categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada

da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra

categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3

1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ

δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ

εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας

ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para

proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem

ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro

que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos

elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava

elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)

φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια

ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute

por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H

2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον

(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν

πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de

movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o

princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12

1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)

23

relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26

Na medida em que as coisas satildeo

constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da

accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem

em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a

parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja

enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa

a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas

estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo

Ser apto a caminhar e estar caminhando

οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν

ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν

δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς

οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη

E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram

os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm

vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o

decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido

de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre

as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27

por serem mais evidentes aos sentidos O que

26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον

εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ

δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ

ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se

potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo

facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se

natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo

impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas

por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf

26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ

τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ

ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por

exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas

a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque

natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani

Reale)

Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι

καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου

τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι

τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como

estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de

um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias

Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que

indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas

natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)

24

Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo

origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo

satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que

deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam

entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os

corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo

tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles

conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia

compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e

forma (alma) tendo como atividade o viver

ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ

ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον

ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος

E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a

alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute

como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como

forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)

Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de

alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar

qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um

corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria

(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode

ser corpo pois ela que o predica

Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas

enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28

Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o

substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato

determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as

determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado

ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια

αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας

λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra

aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em

funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H

1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)

28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de

que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash

1029a1 (Trad Giovani Reale)

25

acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da

qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado

que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo

podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto

metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que

este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo

Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se

necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido

enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente

vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com

este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem

abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma

Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute

dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o

princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio

e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo

Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a

partir e em vista do que a vida se daacute

Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A

primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de

inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se

atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a

alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o

ser vivente

Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas

caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute

que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo

potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida

ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ

μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ

ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ

θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ

ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν

ἔχοντος

E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute

atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o

26

inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma

haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir

a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute

a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-

28 (Trad Gomes dos Reis)

Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a

atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)

estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem

executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo

Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira

(enteleacutekheia proteacute) Charlton29

propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no

primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto

aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)

Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre

um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade

διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ

αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ

ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν

ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον

δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς

θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως

ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες

ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ

πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν

γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον

Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute

agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no

sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e

possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor

por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira

o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir

nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade

conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo

conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar

vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por

passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em

exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)

O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a

percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam

realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra

em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a

capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o

29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84

27

que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade

da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na

primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta

disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade

dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso

eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado

de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente

Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de

atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute

adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua

disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente

Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto

princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a

forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9

εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος

φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν

κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ

εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν

Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira

atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se

alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem

se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser

de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)

O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades

proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade

entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a

unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio

agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara

οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι

τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία

αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ

ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ

ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ

Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um

corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o

machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma

Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na

verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um

corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio

28

de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo

proacutepria)

Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em

412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio

organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo

natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de

alma e o que era para ser31

(tograve tiacute ecircn eicircnai)

Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu

princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser

vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32

sustenta que a determinaccedilatildeo da

essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a

funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver

31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos

pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni

tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com

o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai

toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas

constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo

etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras

expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +

dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser

enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32

1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal

como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o

interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a

discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89

nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora

estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria

perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a

essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora

estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada

como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a

origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the

surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without

which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body

as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he

goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This

is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not

being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os

coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou

essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos

Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a

Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente

entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um

machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN

1993 85) (Trad proacutepria)

29

e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33

pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que

lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida

Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final

do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo

de definiccedilatildeo34

Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto

psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de

definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da

alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e

argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que

denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles

se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a

alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute

princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos

para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador

das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das

capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo

o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo

proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo

correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo

pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de

vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o

curso da investigaccedilatildeo sobre a alma

33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por

exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a

locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um

verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado

como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de

definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)

30

22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES

DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas

natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma

revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de

definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico

Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον

γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ

τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν

αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων

εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι

ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ

τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον

E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior

inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente

discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor

esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e

expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O

que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um

retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua

vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA

II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)

Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais

manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras

(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao

contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos

que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros

eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma

como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida

nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro

Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo

apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e

tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o

porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo

enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e

ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois

ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade

de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa

menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo

31

Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o

corpo e a vida

λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ

ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό

φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ

τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις

Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do

inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive

se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento

local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o

crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor

[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive

[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento

local e repouso decaimento e crescimento

Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades

mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35

Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias

διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ

ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους

οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ

τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν

Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si

mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham

crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para

cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute

para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter

alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)

Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo

τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν

πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα

λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον

O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se

primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo

apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas

possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)

Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico

[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados

E desta uma outra

35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16

32

[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos

Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com

um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto

uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas

premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo

aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que

Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus

predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela

percepccedilatildeo36

Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam

a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse

pressuposto

Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo

a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37

e que a nutriccedilatildeo eacute

a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38

e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo

satildeo uma forma de movimento39

somos levados a crer que o argumento consiste em

[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento

[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)

[P3] tudo o que se move por si eacute animado

[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento

[C1] logo tudo o que vive eacute animado

36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ

καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do

inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos

esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη

καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do

alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum

potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ

οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται

φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento

existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo

participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois

nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA

II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)

E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν

συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser

afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes

dos Reis)

33

Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria

dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da

anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de

onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo

movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40

nos indica que esta eacute

uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel

parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo

Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves

noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3

corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo

atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente

Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de

enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute

explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este

pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale

lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da

coisa sejam previamente conhecidosrdquo41

e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma

coisa pertence a outrardquo42

Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos

vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor

que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta

digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da

psicologia aristoteacutelica

Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade

de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como

40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν

ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ

ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja

movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o

princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada

parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos

animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)

ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ

καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο

συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se

movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos

que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes

vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como

parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26

34

conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as

capacidades que denotam o viver

νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ

τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει

Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades

mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute

definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)

Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles

conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma

explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de

comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela

substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43

reduzem a definiccedilatildeo de alma

agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente

equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa

pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia

como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio

organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade

primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista

do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e

determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)

e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que

caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade

nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana

Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo

pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua

noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das

capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma

que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar

mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta

Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute

que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se

particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles

43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik

(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das

discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)

35

trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas

formas de vida

23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA

A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3

Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um

enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo

permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo

dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica

Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que

precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta

seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma

enunciada em DA II 1

DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de

414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA

II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de

anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas

de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a

uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida

vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-

se a vida humana44

Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite

que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas

avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo

δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ

ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς

εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν

πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ

γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν

ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον

(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς

44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν

ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς

ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις

ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι

τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas

subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como

potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste

somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que

entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e

devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se

locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se

houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)

36

ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν

τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον

ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ

αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν

οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς

Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de

figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e

daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A

respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique

a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por

isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash

pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a

forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as

coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto

no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste

naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no

de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma

de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve

ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo

existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da

perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)

A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a

relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana

mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo

de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira

que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste

em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave

vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida

vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se

faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se

buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a

alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que

decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em

uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no

ser vivente como se segue

ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον

Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais

apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)

Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima

investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma

37

podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma

definiccedilatildeo de alma

Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma

das questotildees elencadas em DA I 145

a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto

tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma

resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto

Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e

homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos

itens

Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as

outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto

vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do

corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a

definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por

concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada

Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1

natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de

alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo

de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica

para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste

corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades

satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente

atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende

logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado

em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual

esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar

45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)

38

3 CONCLUSAtildeO

Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em

momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o

que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois

atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do

corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das

capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como

disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se

mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor

corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser

vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma

das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor

compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas

capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute

princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante

como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser

vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma

noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem

que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo

pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela

seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a

atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e

movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas

definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o

horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige

Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de

Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a

inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o

segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos

capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades

Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do

tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das

definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante

39

do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a

interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute

definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond

comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados

definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo

do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas

diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles

Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele

problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima

Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo

exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que

fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma

que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua

funccedilatildeo

40

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Page 4: A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES

Ao Luan

Agradecimentos

A Carolina Arauacutejo por ter me apresentado o De Anima em um curso de 20141 pela

disponibilidade ao meu interesse em aprofundar o estudo na psicologia aristoteacutelica pela

atenta orientaccedilatildeo na iniciaccedilatildeo cintiacutefica e na escrita desta monografia e mais que tudo pelo

paradigma intelectual que eacute para quem tem o prazer de dialogar com suas hipoacuteteses e

objeccedilotildees Ao Raphael Zillig pela orientaccedilatildeo durante a missatildeo de estudos realizada na UFRGS

em agosto e setembro de 2016 e cujos comentaacuterios luacutecidos sobre a obra e exegese aristoteacutelica

foram fundamentais para que eu descortinasse uma visatildeo de caminhos intelectuais e

acadecircmicos Agrave Carla Francalanci pelo seminaacuterio sobre o De Anima e Ivana Costa pelo

minicurso Psicologiacutea Antigua que ampliaram meu horizonte de compreensatildeo da psicologia

aristoteacutelica Agrave Inara Zanuzzi e Priscilla Spinelli pelo curso tri sobre phantasiacutea na UFRGS

igualmente aos colegas Pedro Capra Filipe Oliveira e Mariano Arauacutejo pela interlocuccedilatildeo

constante Ao Rodrigo Guerizoli pela presteza e sensibilidade na viabilizaccedilatildeo da minha ida e

estadia em Porto Alegre Agraves comentadoras e comentadores da filosofia aristoteacutelica sem os

quais dificilmente pensaria o que pensei entenderia o que entendi argumentaria o que

argumentei em especial ao Eli Diamond que gentilmente me enviou uma coacutepia de seu

instigante livro Mortal Imitations of Divine Life The Nature of the Soul in Aristotlersquos De

Anima no qual me baseei vaacuterias vezes para a interpretaccedilatildeo que assumi nesta monografia

igualmente ao Matt Wood por ter feito estabelecido a ponte de comunicaccedilatildeo Ao Luan

Reboredo pela cumplicidade entre ladrotildees pela impiedosa revisatildeo dos textos ndash todo e

qualquer erro distraccedilatildeo ou falta de clareza eacute pela minha teimosia com suas notas ndash pela

criteriosa percepccedilatildeo intelectual pelo cuidado e pelos cafeacutes da manhatilde ndash vamos lembrar de

comprar mais tapioca Aos philoacutei Edil Carvalho Claacuteudia Barbosa Matt Wood Esther

Santos Luan Reboredo Flora Mangini Felipe Ayres Nelson M Neto Luciana Shontag

George Matias Andreacute Braga e Camila Rauber pelo diaacutelogo e praacutetica filosoacutefica no Seminaacuterio

de Estudos Claacutessicos ndash vamos cultivar este precioso espaccedilo gente Aos amigos pela procura

na ausecircncia e acolhida na presenccedila Agrave minha famiacutelia pelas quizumbas quiziacutelias otaacutes e

tapurus Ao teatro pela caixa de areia e efemeridade em especial a Andreacutea Terra e Casa Maria

de Magdala Agrave cidade de Porto Alegre pelo frio insuportaacutevel pelo vento interminaacutevel pelas

ruas floridas pelo sol laranja pelo ceacuteu anil pela carne saborosiacutessima pelo fandango pelo

chimarratildeo pela Housing pela Casa Frasca pela Casa de Pelotas pela gente de um

comunitarismo valentatildeo pelos amigos e amigas e vizinhos pela discriminaccedilatildeo pela dor de

dente e infecccedilatildeo pela solidatildeo pelo silecircncio pelo esvaziamento e pela saudade que hoje sinto

sempre que sonho perder o aviatildeo de volta para o Rio A Paquetaacute pelo sentido de lugar Ao Rio

pelo sentido de sentir A Niteroacutei pelo sentido de lar Agrave Hannah Arendt pela Condiccedilatildeo

Humana que determinou minha compreensatildeo de poliacutetica Ao Aristoacuteteles pelo De Anima que

determinou minha incompreensatildeo da vida

Esta monografia eacute resultado da pesquisa de iniciaccedilatildeo cientiacutefica Substacircncia enquanto Forma

psycheacute no De Anima II de Aristoacuteteles inserida no projeto PROCAD 2013 PPGLMUFRJ-

UFG-UFRGS entitulado Substacircncia evoluccedilatildeo e formulaccedilatildeo de uma noccedilatildeo filosoacutefica sob

financiamento da Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal do Niacutevel Superior (CAPES)

Este agradecimento costuma ser meramente formal Poreacutem em tempos de ataques temeraacuterios

a direitos duramente conquistados reconhecer a importacircncia do financiamento puacuteblico da

inovaccedilatildeo cientiacutefica e da pesquisa acadecircmica para o desenvolvimento justiccedila e soberania de

uma naccedilatildeo grande como a brasileira se torna um dever poliacutetico a ser exercido

o que estremecia em mim terreno do corpo onde estaacute a raiz da alma

Joatildeo Guimaratildees Rosa

RESUMO

Esta monografia trata da noccedilatildeo de alma que Aristoacuteteles desenvolve ao longo do De Anima II

1-3 Em DA II 1 Aristoacuteteles enuncia uma definiccedilatildeo geral de alma como forma do corpo

Nessa definiccedilatildeo pela forma seu objetivo eacute formular uma noccedilatildeo dos vaacuterios tipos de alma (a

vegetativa a animal e a humana) Poreacutem ela natildeo enuncia a alma como causa de vida nos

seres viventes Diante disso eacute enunciado em DA II 2 a definiccedilatildeo pelas capacidades na qual a

alma eacute princiacutepio das capacidades que denotam o viver Nela as capacidades determinam os

diversos tipos de vida a vida vegetativa que decorre da nutriccedilatildeo a animal da percepccedilatildeo e a

humana da razatildeo Com isso em DA II 3 Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo seriada na qual os

tipos de alma se dispotildeem em seacuteries ordenadas hierarquizadas em que a anterior subsiste na

posterior em potecircncia mas natildeo o contraacuterio Como se vecirc haacute um conflito entre a primeira e as

outras duas definiccedilotildees pois a definiccedilatildeo pela forma eacute uma noccedilatildeo geral que nem enuncia a alma

como causa de vida nem sua disposiccedilatildeo seriada Assim enquanto os comentaacuterios de Putman

Ackrill Bolton Nussbaum Everson CodeampMoravicsik interpretam a definiccedilatildeo pelas

capacidades como a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma em detrimento da definiccedilatildeo pela forma

Polansky e Diamond enxergam unidade teoacuterica e argumentativa entre as trecircs A hipoacutetese

sustentada nesta monografia se alinha com o segundo grupo argumentando que a definiccedilatildeo

pela forma eacute insuficiente para enunciar os tipos especiacuteficos de vida e sua disposiccedilatildeo seriada

poreacutem eacute a fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica das outras duas definiccedilotildees

Palavras Chave Aristoacuteteles Alma Definccedilatildeo Forma Capacidades

Lista de Abreviaturas das Obras de Aristoacuteteles Utilizadas

Cat ndash Categorias

DA ndash De Anima

Fiacutes ndash Fiacutesica

Met ndash Metafiacutesica

Sumaacuterio

Apresentaccedilatildeo 11

1 A taacutebua de definiccedilatildeo 13

2 A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles 19

21 Definiccedilatildeo pela Forma 19

22 Definiccedilatildeo pelas Capacidade 29

23 Definiccedilatildeo Seriada 34

3 Conclusatildeo 37

4 Bibliografia 39

i

12

APRESENTACcedilAtildeO

O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute

causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram

do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo

explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto

psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De

Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de

suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles

sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade

Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios

termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4

Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma

Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-

3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da

alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo

do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo

pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo

enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a

definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a

definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro

enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas

a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de

alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na

posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma

noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem

em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela

capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em

disposiccedilatildeo seriada

Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de

alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz

da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como

consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem

no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste

13

sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente

necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico

Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o

qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita

tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em

seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair

das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as

trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz

duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva

tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo

pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra

nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida

apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico

como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser

evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em

DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos

comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo

em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de

Aristoacuteteles

14

1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO

A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de

investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os

elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles

circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o

meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que

compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser

2 e por fim sua unidade

3 Jaacute

como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia

das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e

finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6

Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de

seu projeto investigativo

ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα

συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην

καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν

Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus

atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros

parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)

Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute

conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que

1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ

ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos

gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade

uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos

Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou

antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει

διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute

de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1

402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ

καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um

todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil

investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον

αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se

haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

15

nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns

parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao

corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a

determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo

comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria

mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que

atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim

nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da

alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam

elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia

Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer

πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε

τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν

Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute

ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma

quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25

(Trad de Gomes dos Reis)

O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da

alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates

para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10

7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas

implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo

obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem

mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ

τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι

λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν

ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ

διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam

sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero

movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo

distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em

meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma

atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma

proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade

pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece

controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε

ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ

πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em

sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por

exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as

que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)

16

Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e

forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em

Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11

que eacute priorizada em

relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade

que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que

da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo

ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112

Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber

se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo

se predica de outrem

Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma

ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις

e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I

1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)

A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute

sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute

em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa

atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13

observa que atualidade

eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz

sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de

um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x

Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade

σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ

μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει

Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer

alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de

espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)

11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου

οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute

justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)

εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua

substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου

γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ

ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles

elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute

elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo

quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da

quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149

17

Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo

psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma

forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie

Segundo Polansky14

Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser

vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes

divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute

de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em

gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a

indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim

Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos

tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas

Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo

εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ

καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι

οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο

Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma

uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a

de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado

universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro

atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)

Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo

de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular

esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma

pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo

gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15

a

existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um

universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um

gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo

geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem

necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de

definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo

enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute

mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema

consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie

14 2007 34-35 15 2008 45

18

ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ

τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον

τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro

investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre

estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou

suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)

Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas

capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como

um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam

distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal

ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ

ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς

Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que

possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1

403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma

Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou

de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente

Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a

tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16

Isto faria desta parte do intelecto uma

afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17

comenta que este eacute

um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees

proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo

contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve

conter o corpo em seu enunciado

O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que

investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a

16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]

quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς

τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς

εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ

ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς

ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer

necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash

mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter

ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute

necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo

PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)

19

alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e

portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a

definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por

fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo

20

2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES

A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro

ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando

argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de

um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas

capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto

visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo

geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de

vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das

capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses

distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I

1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia

21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA

Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees

relativas agrave alma que ela eacute una18

e imoacutevel19

Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1

ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)

que abarque as vaacuterias formas de vida

18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ

εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ

μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ

τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ

χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ

ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης

ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a

viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes

tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois

natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da

alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes

satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas

plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe

separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a

alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad

Gomes dos Reis)

ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ

ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute

claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)

φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ

κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer

subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute

movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)

21

Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ

ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος

αὐτῆς

Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos

predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e

qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)

A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma

comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo

a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes

(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as

formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira

parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute

enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo

formuladas nos outros capiacutetulos

Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento

λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ

οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον

τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ

μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν

Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no

sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido

de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim

no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a

forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II

1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica

Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para

um soacute20

O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a

substacircncia21

(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de

ambas ( tograve ek touacutetoon) 22

Apesar da mateacuteria ser indeterminada23

permanece na mudanccedila e eacute

20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν

τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de

muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas

Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE

sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a

substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν

ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι

ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν

γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por

todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o

substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas

22

objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser

determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria

determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa

definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24

Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma

assim como o composto de ambas

A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente

relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na

filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em

potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser

em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja

por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25

A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio

de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute

algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo

determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de

forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das

substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani

Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ

κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας

κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ

αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo

determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da

qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das

categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada

da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra

categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3

1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ

δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ

εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας

ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para

proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem

ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro

que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos

elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava

elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)

φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια

ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute

por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H

2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον

(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν

πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de

movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o

princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12

1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)

23

relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26

Na medida em que as coisas satildeo

constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da

accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem

em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a

parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja

enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa

a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas

estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo

Ser apto a caminhar e estar caminhando

οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν

ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν

δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς

οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη

E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram

os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm

vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o

decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido

de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre

as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27

por serem mais evidentes aos sentidos O que

26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον

εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ

δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ

ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se

potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo

facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se

natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo

impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas

por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf

26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ

τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ

ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por

exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas

a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque

natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani

Reale)

Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι

καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου

τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι

τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como

estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de

um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias

Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que

indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas

natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)

24

Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo

origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo

satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que

deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam

entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os

corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo

tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles

conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia

compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e

forma (alma) tendo como atividade o viver

ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ

ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον

ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος

E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a

alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute

como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como

forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)

Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de

alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar

qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um

corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria

(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode

ser corpo pois ela que o predica

Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas

enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28

Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o

substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato

determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as

determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado

ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια

αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας

λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra

aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em

funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H

1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)

28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de

que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash

1029a1 (Trad Giovani Reale)

25

acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da

qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado

que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo

podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto

metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que

este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo

Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se

necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido

enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente

vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com

este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem

abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma

Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute

dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o

princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio

e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo

Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a

partir e em vista do que a vida se daacute

Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A

primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de

inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se

atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a

alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o

ser vivente

Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas

caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute

que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo

potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida

ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ

μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ

ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ

θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ

ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν

ἔχοντος

E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute

atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o

26

inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma

haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir

a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute

a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-

28 (Trad Gomes dos Reis)

Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a

atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)

estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem

executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo

Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira

(enteleacutekheia proteacute) Charlton29

propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no

primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto

aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)

Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre

um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade

διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ

αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ

ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν

ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον

δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς

θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως

ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες

ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ

πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν

γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον

Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute

agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no

sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e

possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor

por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira

o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir

nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade

conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo

conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar

vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por

passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em

exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)

O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a

percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam

realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra

em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a

capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o

29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84

27

que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade

da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na

primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta

disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade

dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso

eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado

de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente

Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de

atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute

adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua

disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente

Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto

princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a

forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9

εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος

φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν

κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ

εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν

Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira

atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se

alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem

se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser

de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)

O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades

proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade

entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a

unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio

agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara

οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι

τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία

αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ

ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ

ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ

Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um

corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o

machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma

Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na

verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um

corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio

28

de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo

proacutepria)

Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em

412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio

organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo

natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de

alma e o que era para ser31

(tograve tiacute ecircn eicircnai)

Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu

princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser

vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32

sustenta que a determinaccedilatildeo da

essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a

funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver

31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos

pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni

tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com

o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai

toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas

constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo

etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras

expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +

dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser

enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32

1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal

como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o

interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a

discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89

nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora

estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria

perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a

essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora

estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada

como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a

origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the

surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without

which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body

as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he

goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This

is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not

being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os

coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou

essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos

Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a

Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente

entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um

machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN

1993 85) (Trad proacutepria)

29

e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33

pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que

lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida

Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final

do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo

de definiccedilatildeo34

Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto

psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de

definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da

alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e

argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que

denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles

se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a

alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute

princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos

para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador

das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das

capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo

o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo

proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo

correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo

pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de

vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o

curso da investigaccedilatildeo sobre a alma

33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por

exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a

locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um

verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado

como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de

definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)

30

22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES

DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas

natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma

revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de

definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico

Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον

γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ

τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν

αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων

εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι

ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ

τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον

E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior

inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente

discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor

esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e

expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O

que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um

retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua

vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA

II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)

Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais

manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras

(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao

contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos

que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros

eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma

como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida

nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro

Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo

apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e

tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o

porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo

enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e

ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois

ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade

de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa

menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo

31

Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o

corpo e a vida

λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ

ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό

φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ

τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις

Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do

inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive

se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento

local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o

crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor

[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive

[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento

local e repouso decaimento e crescimento

Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades

mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35

Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias

διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ

ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους

οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ

τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν

Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si

mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham

crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para

cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute

para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter

alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)

Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo

τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν

πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα

λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον

O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se

primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo

apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas

possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)

Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico

[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados

E desta uma outra

35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16

32

[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos

Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com

um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto

uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas

premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo

aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que

Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus

predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela

percepccedilatildeo36

Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam

a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse

pressuposto

Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo

a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37

e que a nutriccedilatildeo eacute

a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38

e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo

satildeo uma forma de movimento39

somos levados a crer que o argumento consiste em

[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento

[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)

[P3] tudo o que se move por si eacute animado

[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento

[C1] logo tudo o que vive eacute animado

36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ

καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do

inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos

esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη

καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do

alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum

potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ

οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται

φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento

existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo

participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois

nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA

II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)

E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν

συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser

afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes

dos Reis)

33

Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria

dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da

anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de

onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo

movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40

nos indica que esta eacute

uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel

parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo

Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves

noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3

corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo

atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente

Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de

enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute

explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este

pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale

lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da

coisa sejam previamente conhecidosrdquo41

e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma

coisa pertence a outrardquo42

Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos

vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor

que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta

digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da

psicologia aristoteacutelica

Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade

de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como

40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν

ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ

ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja

movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o

princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada

parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos

animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)

ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ

καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο

συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se

movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos

que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes

vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como

parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26

34

conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as

capacidades que denotam o viver

νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ

τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει

Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades

mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute

definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)

Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles

conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma

explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de

comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela

substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43

reduzem a definiccedilatildeo de alma

agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente

equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa

pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia

como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio

organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade

primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista

do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e

determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)

e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que

caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade

nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana

Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo

pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua

noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das

capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma

que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar

mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta

Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute

que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se

particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles

43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik

(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das

discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)

35

trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas

formas de vida

23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA

A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3

Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um

enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo

permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo

dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica

Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que

precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta

seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma

enunciada em DA II 1

DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de

414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA

II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de

anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas

de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a

uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida

vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-

se a vida humana44

Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite

que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas

avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo

δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ

ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς

εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν

πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ

γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν

ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον

(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς

44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν

ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς

ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις

ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι

τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas

subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como

potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste

somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que

entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e

devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se

locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se

houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)

36

ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν

τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον

ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ

αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν

οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς

Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de

figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e

daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A

respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique

a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por

isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash

pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a

forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as

coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto

no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste

naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no

de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma

de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve

ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo

existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da

perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)

A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a

relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana

mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo

de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira

que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste

em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave

vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida

vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se

faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se

buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a

alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que

decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em

uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no

ser vivente como se segue

ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον

Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais

apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)

Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima

investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma

37

podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma

definiccedilatildeo de alma

Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma

das questotildees elencadas em DA I 145

a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto

tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma

resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto

Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e

homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos

itens

Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as

outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto

vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do

corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a

definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por

concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada

Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1

natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de

alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo

de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica

para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste

corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades

satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente

atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende

logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado

em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual

esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar

45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)

38

3 CONCLUSAtildeO

Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em

momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o

que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois

atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do

corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das

capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como

disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se

mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor

corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser

vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma

das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor

compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas

capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute

princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante

como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser

vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma

noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem

que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo

pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela

seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a

atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e

movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas

definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o

horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige

Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de

Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a

inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o

segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos

capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades

Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do

tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das

definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante

39

do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a

interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute

definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond

comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados

definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo

do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas

diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles

Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele

problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima

Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo

exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que

fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma

que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua

funccedilatildeo

40

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Page 5: A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES

Agradecimentos

A Carolina Arauacutejo por ter me apresentado o De Anima em um curso de 20141 pela

disponibilidade ao meu interesse em aprofundar o estudo na psicologia aristoteacutelica pela

atenta orientaccedilatildeo na iniciaccedilatildeo cintiacutefica e na escrita desta monografia e mais que tudo pelo

paradigma intelectual que eacute para quem tem o prazer de dialogar com suas hipoacuteteses e

objeccedilotildees Ao Raphael Zillig pela orientaccedilatildeo durante a missatildeo de estudos realizada na UFRGS

em agosto e setembro de 2016 e cujos comentaacuterios luacutecidos sobre a obra e exegese aristoteacutelica

foram fundamentais para que eu descortinasse uma visatildeo de caminhos intelectuais e

acadecircmicos Agrave Carla Francalanci pelo seminaacuterio sobre o De Anima e Ivana Costa pelo

minicurso Psicologiacutea Antigua que ampliaram meu horizonte de compreensatildeo da psicologia

aristoteacutelica Agrave Inara Zanuzzi e Priscilla Spinelli pelo curso tri sobre phantasiacutea na UFRGS

igualmente aos colegas Pedro Capra Filipe Oliveira e Mariano Arauacutejo pela interlocuccedilatildeo

constante Ao Rodrigo Guerizoli pela presteza e sensibilidade na viabilizaccedilatildeo da minha ida e

estadia em Porto Alegre Agraves comentadoras e comentadores da filosofia aristoteacutelica sem os

quais dificilmente pensaria o que pensei entenderia o que entendi argumentaria o que

argumentei em especial ao Eli Diamond que gentilmente me enviou uma coacutepia de seu

instigante livro Mortal Imitations of Divine Life The Nature of the Soul in Aristotlersquos De

Anima no qual me baseei vaacuterias vezes para a interpretaccedilatildeo que assumi nesta monografia

igualmente ao Matt Wood por ter feito estabelecido a ponte de comunicaccedilatildeo Ao Luan

Reboredo pela cumplicidade entre ladrotildees pela impiedosa revisatildeo dos textos ndash todo e

qualquer erro distraccedilatildeo ou falta de clareza eacute pela minha teimosia com suas notas ndash pela

criteriosa percepccedilatildeo intelectual pelo cuidado e pelos cafeacutes da manhatilde ndash vamos lembrar de

comprar mais tapioca Aos philoacutei Edil Carvalho Claacuteudia Barbosa Matt Wood Esther

Santos Luan Reboredo Flora Mangini Felipe Ayres Nelson M Neto Luciana Shontag

George Matias Andreacute Braga e Camila Rauber pelo diaacutelogo e praacutetica filosoacutefica no Seminaacuterio

de Estudos Claacutessicos ndash vamos cultivar este precioso espaccedilo gente Aos amigos pela procura

na ausecircncia e acolhida na presenccedila Agrave minha famiacutelia pelas quizumbas quiziacutelias otaacutes e

tapurus Ao teatro pela caixa de areia e efemeridade em especial a Andreacutea Terra e Casa Maria

de Magdala Agrave cidade de Porto Alegre pelo frio insuportaacutevel pelo vento interminaacutevel pelas

ruas floridas pelo sol laranja pelo ceacuteu anil pela carne saborosiacutessima pelo fandango pelo

chimarratildeo pela Housing pela Casa Frasca pela Casa de Pelotas pela gente de um

comunitarismo valentatildeo pelos amigos e amigas e vizinhos pela discriminaccedilatildeo pela dor de

dente e infecccedilatildeo pela solidatildeo pelo silecircncio pelo esvaziamento e pela saudade que hoje sinto

sempre que sonho perder o aviatildeo de volta para o Rio A Paquetaacute pelo sentido de lugar Ao Rio

pelo sentido de sentir A Niteroacutei pelo sentido de lar Agrave Hannah Arendt pela Condiccedilatildeo

Humana que determinou minha compreensatildeo de poliacutetica Ao Aristoacuteteles pelo De Anima que

determinou minha incompreensatildeo da vida

Esta monografia eacute resultado da pesquisa de iniciaccedilatildeo cientiacutefica Substacircncia enquanto Forma

psycheacute no De Anima II de Aristoacuteteles inserida no projeto PROCAD 2013 PPGLMUFRJ-

UFG-UFRGS entitulado Substacircncia evoluccedilatildeo e formulaccedilatildeo de uma noccedilatildeo filosoacutefica sob

financiamento da Coordenaccedilatildeo de Aperfeiccediloamento de Pessoal do Niacutevel Superior (CAPES)

Este agradecimento costuma ser meramente formal Poreacutem em tempos de ataques temeraacuterios

a direitos duramente conquistados reconhecer a importacircncia do financiamento puacuteblico da

inovaccedilatildeo cientiacutefica e da pesquisa acadecircmica para o desenvolvimento justiccedila e soberania de

uma naccedilatildeo grande como a brasileira se torna um dever poliacutetico a ser exercido

o que estremecia em mim terreno do corpo onde estaacute a raiz da alma

Joatildeo Guimaratildees Rosa

RESUMO

Esta monografia trata da noccedilatildeo de alma que Aristoacuteteles desenvolve ao longo do De Anima II

1-3 Em DA II 1 Aristoacuteteles enuncia uma definiccedilatildeo geral de alma como forma do corpo

Nessa definiccedilatildeo pela forma seu objetivo eacute formular uma noccedilatildeo dos vaacuterios tipos de alma (a

vegetativa a animal e a humana) Poreacutem ela natildeo enuncia a alma como causa de vida nos

seres viventes Diante disso eacute enunciado em DA II 2 a definiccedilatildeo pelas capacidades na qual a

alma eacute princiacutepio das capacidades que denotam o viver Nela as capacidades determinam os

diversos tipos de vida a vida vegetativa que decorre da nutriccedilatildeo a animal da percepccedilatildeo e a

humana da razatildeo Com isso em DA II 3 Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo seriada na qual os

tipos de alma se dispotildeem em seacuteries ordenadas hierarquizadas em que a anterior subsiste na

posterior em potecircncia mas natildeo o contraacuterio Como se vecirc haacute um conflito entre a primeira e as

outras duas definiccedilotildees pois a definiccedilatildeo pela forma eacute uma noccedilatildeo geral que nem enuncia a alma

como causa de vida nem sua disposiccedilatildeo seriada Assim enquanto os comentaacuterios de Putman

Ackrill Bolton Nussbaum Everson CodeampMoravicsik interpretam a definiccedilatildeo pelas

capacidades como a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma em detrimento da definiccedilatildeo pela forma

Polansky e Diamond enxergam unidade teoacuterica e argumentativa entre as trecircs A hipoacutetese

sustentada nesta monografia se alinha com o segundo grupo argumentando que a definiccedilatildeo

pela forma eacute insuficiente para enunciar os tipos especiacuteficos de vida e sua disposiccedilatildeo seriada

poreacutem eacute a fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica das outras duas definiccedilotildees

Palavras Chave Aristoacuteteles Alma Definccedilatildeo Forma Capacidades

Lista de Abreviaturas das Obras de Aristoacuteteles Utilizadas

Cat ndash Categorias

DA ndash De Anima

Fiacutes ndash Fiacutesica

Met ndash Metafiacutesica

Sumaacuterio

Apresentaccedilatildeo 11

1 A taacutebua de definiccedilatildeo 13

2 A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles 19

21 Definiccedilatildeo pela Forma 19

22 Definiccedilatildeo pelas Capacidade 29

23 Definiccedilatildeo Seriada 34

3 Conclusatildeo 37

4 Bibliografia 39

i

12

APRESENTACcedilAtildeO

O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute

causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram

do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo

explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto

psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De

Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de

suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles

sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade

Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios

termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4

Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma

Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-

3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da

alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo

do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo

pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo

enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a

definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a

definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro

enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas

a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de

alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na

posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma

noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem

em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela

capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em

disposiccedilatildeo seriada

Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de

alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz

da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como

consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem

no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste

13

sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente

necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico

Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o

qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita

tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em

seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair

das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as

trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz

duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva

tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo

pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra

nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida

apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico

como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser

evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em

DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos

comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo

em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de

Aristoacuteteles

14

1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO

A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de

investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os

elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles

circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o

meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que

compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser

2 e por fim sua unidade

3 Jaacute

como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia

das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e

finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6

Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de

seu projeto investigativo

ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα

συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην

καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν

Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus

atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros

parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)

Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute

conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que

1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ

ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos

gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade

uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos

Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou

antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει

διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute

de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1

402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ

καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um

todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil

investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον

αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se

haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

15

nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns

parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao

corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a

determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo

comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria

mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que

atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim

nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da

alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam

elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia

Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer

πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε

τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν

Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute

ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma

quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25

(Trad de Gomes dos Reis)

O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da

alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates

para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10

7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas

implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo

obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem

mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ

τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι

λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν

ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ

διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam

sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero

movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo

distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em

meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma

atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma

proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade

pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece

controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε

ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ

πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em

sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por

exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as

que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)

16

Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e

forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em

Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11

que eacute priorizada em

relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade

que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que

da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo

ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112

Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber

se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo

se predica de outrem

Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma

ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις

e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I

1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)

A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute

sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute

em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa

atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13

observa que atualidade

eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz

sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de

um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x

Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade

σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ

μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει

Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer

alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de

espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)

11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου

οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute

justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)

εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua

substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου

γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ

ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles

elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute

elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo

quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da

quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149

17

Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo

psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma

forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie

Segundo Polansky14

Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser

vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes

divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute

de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em

gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a

indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim

Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos

tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas

Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo

εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ

καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι

οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο

Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma

uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a

de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado

universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro

atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)

Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo

de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular

esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma

pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo

gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15

a

existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um

universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um

gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo

geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem

necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de

definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo

enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute

mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema

consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie

14 2007 34-35 15 2008 45

18

ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ

τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον

τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro

investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre

estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou

suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)

Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas

capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como

um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam

distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal

ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ

ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς

Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que

possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1

403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma

Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou

de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente

Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a

tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16

Isto faria desta parte do intelecto uma

afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17

comenta que este eacute

um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees

proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo

contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve

conter o corpo em seu enunciado

O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que

investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a

16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]

quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς

τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς

εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ

ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς

ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer

necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash

mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter

ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute

necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo

PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)

19

alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e

portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a

definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por

fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo

20

2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES

A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro

ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando

argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de

um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas

capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto

visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo

geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de

vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das

capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses

distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I

1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia

21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA

Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees

relativas agrave alma que ela eacute una18

e imoacutevel19

Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1

ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)

que abarque as vaacuterias formas de vida

18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ

εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ

μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ

τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ

χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ

ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης

ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a

viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes

tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois

natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da

alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes

satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas

plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe

separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a

alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad

Gomes dos Reis)

ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ

ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute

claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)

φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ

κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer

subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute

movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)

21

Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ

ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος

αὐτῆς

Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos

predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e

qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)

A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma

comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo

a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes

(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as

formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira

parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute

enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo

formuladas nos outros capiacutetulos

Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento

λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ

οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον

τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ

μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν

Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no

sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido

de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim

no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a

forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II

1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica

Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para

um soacute20

O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a

substacircncia21

(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de

ambas ( tograve ek touacutetoon) 22

Apesar da mateacuteria ser indeterminada23

permanece na mudanccedila e eacute

20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν

τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de

muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas

Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE

sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a

substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν

ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι

ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν

γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por

todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o

substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas

22

objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser

determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria

determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa

definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24

Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma

assim como o composto de ambas

A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente

relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na

filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em

potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser

em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja

por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25

A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio

de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute

algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo

determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de

forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das

substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani

Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ

κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας

κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ

αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo

determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da

qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das

categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada

da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra

categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3

1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ

δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ

εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας

ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para

proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem

ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro

que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos

elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava

elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)

φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια

ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute

por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H

2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον

(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν

πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de

movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o

princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12

1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)

23

relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26

Na medida em que as coisas satildeo

constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da

accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem

em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a

parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja

enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa

a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas

estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo

Ser apto a caminhar e estar caminhando

οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν

ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν

δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς

οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη

E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram

os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm

vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o

decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido

de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre

as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27

por serem mais evidentes aos sentidos O que

26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον

εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ

δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ

ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se

potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo

facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se

natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo

impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas

por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf

26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ

τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ

ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por

exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas

a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque

natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani

Reale)

Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι

καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου

τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι

τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como

estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de

um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias

Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que

indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas

natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)

24

Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo

origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo

satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que

deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam

entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os

corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo

tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles

conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia

compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e

forma (alma) tendo como atividade o viver

ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ

ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον

ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος

E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a

alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute

como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como

forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)

Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de

alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar

qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um

corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria

(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode

ser corpo pois ela que o predica

Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas

enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28

Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o

substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato

determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as

determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado

ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια

αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας

λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra

aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em

funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H

1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)

28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de

que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash

1029a1 (Trad Giovani Reale)

25

acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da

qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado

que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo

podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto

metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que

este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo

Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se

necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido

enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente

vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com

este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem

abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma

Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute

dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o

princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio

e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo

Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a

partir e em vista do que a vida se daacute

Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A

primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de

inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se

atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a

alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o

ser vivente

Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas

caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute

que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo

potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida

ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ

μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ

ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ

θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ

ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν

ἔχοντος

E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute

atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o

26

inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma

haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir

a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute

a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-

28 (Trad Gomes dos Reis)

Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a

atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)

estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem

executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo

Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira

(enteleacutekheia proteacute) Charlton29

propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no

primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto

aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)

Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre

um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade

διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ

αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ

ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν

ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον

δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς

θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως

ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες

ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ

πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν

γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον

Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute

agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no

sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e

possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor

por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira

o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir

nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade

conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo

conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar

vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por

passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em

exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)

O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a

percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam

realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra

em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a

capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o

29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84

27

que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade

da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na

primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta

disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade

dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso

eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado

de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente

Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de

atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute

adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua

disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente

Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto

princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a

forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9

εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος

φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν

κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ

εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν

Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira

atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se

alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem

se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser

de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)

O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades

proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade

entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a

unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio

agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara

οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι

τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία

αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ

ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ

ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ

Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um

corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o

machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma

Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na

verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um

corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio

28

de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo

proacutepria)

Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em

412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio

organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo

natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de

alma e o que era para ser31

(tograve tiacute ecircn eicircnai)

Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu

princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser

vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32

sustenta que a determinaccedilatildeo da

essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a

funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver

31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos

pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni

tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com

o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai

toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas

constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo

etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras

expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +

dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser

enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32

1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal

como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o

interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a

discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89

nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora

estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria

perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a

essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora

estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada

como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a

origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the

surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without

which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body

as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he

goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This

is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not

being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os

coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou

essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos

Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a

Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente

entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um

machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN

1993 85) (Trad proacutepria)

29

e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33

pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que

lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida

Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final

do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo

de definiccedilatildeo34

Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto

psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de

definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da

alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e

argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que

denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles

se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a

alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute

princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos

para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador

das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das

capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo

o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo

proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo

correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo

pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de

vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o

curso da investigaccedilatildeo sobre a alma

33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por

exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a

locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um

verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado

como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de

definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)

30

22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES

DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas

natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma

revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de

definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico

Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον

γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ

τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν

αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων

εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι

ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ

τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον

E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior

inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente

discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor

esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e

expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O

que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um

retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua

vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA

II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)

Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais

manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras

(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao

contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos

que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros

eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma

como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida

nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro

Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo

apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e

tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o

porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo

enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e

ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois

ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade

de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa

menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo

31

Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o

corpo e a vida

λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ

ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό

φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ

τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις

Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do

inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive

se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento

local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o

crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor

[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive

[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento

local e repouso decaimento e crescimento

Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades

mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35

Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias

διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ

ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους

οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ

τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν

Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si

mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham

crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para

cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute

para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter

alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)

Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo

τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν

πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα

λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον

O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se

primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo

apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas

possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)

Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico

[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados

E desta uma outra

35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16

32

[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos

Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com

um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto

uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas

premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo

aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que

Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus

predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela

percepccedilatildeo36

Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam

a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse

pressuposto

Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo

a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37

e que a nutriccedilatildeo eacute

a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38

e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo

satildeo uma forma de movimento39

somos levados a crer que o argumento consiste em

[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento

[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)

[P3] tudo o que se move por si eacute animado

[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento

[C1] logo tudo o que vive eacute animado

36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ

καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do

inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos

esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη

καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do

alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum

potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ

οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται

φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento

existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo

participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois

nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA

II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)

E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν

συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser

afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes

dos Reis)

33

Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria

dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da

anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de

onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo

movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40

nos indica que esta eacute

uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel

parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo

Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves

noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3

corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo

atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente

Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de

enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute

explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este

pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale

lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da

coisa sejam previamente conhecidosrdquo41

e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma

coisa pertence a outrardquo42

Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos

vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor

que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta

digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da

psicologia aristoteacutelica

Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade

de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como

40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν

ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ

ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja

movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o

princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada

parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos

animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)

ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ

καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο

συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se

movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos

que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes

vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como

parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26

34

conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as

capacidades que denotam o viver

νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ

τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει

Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades

mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute

definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)

Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles

conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma

explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de

comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela

substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43

reduzem a definiccedilatildeo de alma

agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente

equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa

pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia

como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio

organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade

primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista

do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e

determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)

e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que

caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade

nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana

Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo

pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua

noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das

capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma

que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar

mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta

Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute

que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se

particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles

43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik

(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das

discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)

35

trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas

formas de vida

23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA

A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3

Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um

enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo

permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo

dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica

Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que

precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta

seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma

enunciada em DA II 1

DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de

414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA

II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de

anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas

de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a

uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida

vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-

se a vida humana44

Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite

que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas

avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo

δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ

ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς

εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν

πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ

γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν

ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον

(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς

44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν

ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς

ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις

ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι

τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas

subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como

potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste

somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que

entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e

devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se

locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se

houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)

36

ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν

τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον

ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ

αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν

οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς

Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de

figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e

daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A

respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique

a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por

isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash

pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a

forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as

coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto

no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste

naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no

de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma

de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve

ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo

existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da

perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)

A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a

relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana

mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo

de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira

que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste

em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave

vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida

vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se

faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se

buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a

alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que

decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em

uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no

ser vivente como se segue

ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον

Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais

apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)

Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima

investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma

37

podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma

definiccedilatildeo de alma

Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma

das questotildees elencadas em DA I 145

a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto

tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma

resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto

Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e

homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos

itens

Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as

outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto

vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do

corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a

definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por

concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada

Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1

natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de

alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo

de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica

para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste

corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades

satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente

atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende

logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado

em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual

esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar

45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)

38

3 CONCLUSAtildeO

Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em

momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o

que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois

atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do

corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das

capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como

disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se

mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor

corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser

vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma

das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor

compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas

capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute

princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante

como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser

vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma

noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem

que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo

pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela

seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a

atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e

movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas

definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o

horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige

Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de

Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a

inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o

segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos

capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades

Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do

tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das

definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante

39

do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a

interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute

definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond

comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados

definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo

do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas

diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles

Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele

problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima

Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo

exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que

fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma

que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua

funccedilatildeo

40

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Page 6: A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES

o que estremecia em mim terreno do corpo onde estaacute a raiz da alma

Joatildeo Guimaratildees Rosa

RESUMO

Esta monografia trata da noccedilatildeo de alma que Aristoacuteteles desenvolve ao longo do De Anima II

1-3 Em DA II 1 Aristoacuteteles enuncia uma definiccedilatildeo geral de alma como forma do corpo

Nessa definiccedilatildeo pela forma seu objetivo eacute formular uma noccedilatildeo dos vaacuterios tipos de alma (a

vegetativa a animal e a humana) Poreacutem ela natildeo enuncia a alma como causa de vida nos

seres viventes Diante disso eacute enunciado em DA II 2 a definiccedilatildeo pelas capacidades na qual a

alma eacute princiacutepio das capacidades que denotam o viver Nela as capacidades determinam os

diversos tipos de vida a vida vegetativa que decorre da nutriccedilatildeo a animal da percepccedilatildeo e a

humana da razatildeo Com isso em DA II 3 Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo seriada na qual os

tipos de alma se dispotildeem em seacuteries ordenadas hierarquizadas em que a anterior subsiste na

posterior em potecircncia mas natildeo o contraacuterio Como se vecirc haacute um conflito entre a primeira e as

outras duas definiccedilotildees pois a definiccedilatildeo pela forma eacute uma noccedilatildeo geral que nem enuncia a alma

como causa de vida nem sua disposiccedilatildeo seriada Assim enquanto os comentaacuterios de Putman

Ackrill Bolton Nussbaum Everson CodeampMoravicsik interpretam a definiccedilatildeo pelas

capacidades como a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma em detrimento da definiccedilatildeo pela forma

Polansky e Diamond enxergam unidade teoacuterica e argumentativa entre as trecircs A hipoacutetese

sustentada nesta monografia se alinha com o segundo grupo argumentando que a definiccedilatildeo

pela forma eacute insuficiente para enunciar os tipos especiacuteficos de vida e sua disposiccedilatildeo seriada

poreacutem eacute a fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica das outras duas definiccedilotildees

Palavras Chave Aristoacuteteles Alma Definccedilatildeo Forma Capacidades

Lista de Abreviaturas das Obras de Aristoacuteteles Utilizadas

Cat ndash Categorias

DA ndash De Anima

Fiacutes ndash Fiacutesica

Met ndash Metafiacutesica

Sumaacuterio

Apresentaccedilatildeo 11

1 A taacutebua de definiccedilatildeo 13

2 A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles 19

21 Definiccedilatildeo pela Forma 19

22 Definiccedilatildeo pelas Capacidade 29

23 Definiccedilatildeo Seriada 34

3 Conclusatildeo 37

4 Bibliografia 39

i

12

APRESENTACcedilAtildeO

O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute

causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram

do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo

explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto

psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De

Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de

suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles

sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade

Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios

termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4

Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma

Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-

3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da

alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo

do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo

pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo

enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a

definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a

definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro

enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas

a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de

alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na

posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma

noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem

em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela

capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em

disposiccedilatildeo seriada

Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de

alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz

da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como

consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem

no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste

13

sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente

necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico

Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o

qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita

tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em

seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair

das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as

trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz

duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva

tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo

pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra

nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida

apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico

como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser

evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em

DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos

comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo

em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de

Aristoacuteteles

14

1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO

A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de

investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os

elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles

circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o

meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que

compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser

2 e por fim sua unidade

3 Jaacute

como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia

das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e

finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6

Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de

seu projeto investigativo

ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα

συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην

καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν

Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus

atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros

parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)

Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute

conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que

1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ

ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos

gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade

uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos

Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou

antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει

διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute

de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1

402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ

καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um

todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil

investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον

αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se

haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

15

nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns

parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao

corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a

determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo

comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria

mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que

atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim

nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da

alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam

elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia

Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer

πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε

τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν

Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute

ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma

quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25

(Trad de Gomes dos Reis)

O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da

alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates

para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10

7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas

implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo

obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem

mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ

τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι

λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν

ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ

διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam

sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero

movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo

distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em

meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma

atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma

proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade

pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece

controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε

ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ

πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em

sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por

exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as

que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)

16

Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e

forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em

Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11

que eacute priorizada em

relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade

que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que

da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo

ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112

Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber

se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo

se predica de outrem

Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma

ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις

e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I

1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)

A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute

sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute

em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa

atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13

observa que atualidade

eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz

sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de

um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x

Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade

σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ

μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει

Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer

alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de

espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)

11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου

οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute

justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)

εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua

substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου

γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ

ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles

elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute

elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo

quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da

quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149

17

Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo

psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma

forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie

Segundo Polansky14

Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser

vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes

divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute

de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em

gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a

indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim

Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos

tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas

Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo

εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ

καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι

οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο

Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma

uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a

de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado

universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro

atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)

Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo

de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular

esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma

pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo

gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15

a

existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um

universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um

gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo

geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem

necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de

definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo

enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute

mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema

consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie

14 2007 34-35 15 2008 45

18

ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ

τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον

τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro

investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre

estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou

suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)

Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas

capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como

um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam

distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal

ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ

ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς

Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que

possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1

403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma

Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou

de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente

Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a

tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16

Isto faria desta parte do intelecto uma

afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17

comenta que este eacute

um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees

proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo

contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve

conter o corpo em seu enunciado

O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que

investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a

16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]

quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς

τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς

εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ

ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς

ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer

necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash

mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter

ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute

necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo

PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)

19

alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e

portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a

definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por

fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo

20

2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES

A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro

ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando

argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de

um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas

capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto

visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo

geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de

vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das

capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses

distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I

1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia

21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA

Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees

relativas agrave alma que ela eacute una18

e imoacutevel19

Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1

ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)

que abarque as vaacuterias formas de vida

18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ

εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ

μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ

τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ

χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ

ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης

ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a

viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes

tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois

natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da

alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes

satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas

plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe

separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a

alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad

Gomes dos Reis)

ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ

ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute

claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)

φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ

κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer

subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute

movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)

21

Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ

ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος

αὐτῆς

Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos

predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e

qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)

A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma

comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo

a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes

(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as

formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira

parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute

enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo

formuladas nos outros capiacutetulos

Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento

λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ

οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον

τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ

μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν

Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no

sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido

de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim

no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a

forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II

1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica

Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para

um soacute20

O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a

substacircncia21

(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de

ambas ( tograve ek touacutetoon) 22

Apesar da mateacuteria ser indeterminada23

permanece na mudanccedila e eacute

20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν

τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de

muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas

Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE

sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a

substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν

ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι

ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν

γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por

todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o

substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas

22

objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser

determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria

determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa

definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24

Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma

assim como o composto de ambas

A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente

relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na

filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em

potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser

em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja

por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25

A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio

de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute

algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo

determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de

forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das

substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani

Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ

κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας

κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ

αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo

determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da

qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das

categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada

da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra

categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3

1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ

δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ

εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας

ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para

proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem

ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro

que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos

elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava

elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)

φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια

ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute

por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H

2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον

(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν

πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de

movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o

princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12

1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)

23

relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26

Na medida em que as coisas satildeo

constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da

accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem

em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a

parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja

enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa

a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas

estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo

Ser apto a caminhar e estar caminhando

οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν

ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν

δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς

οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη

E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram

os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm

vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o

decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido

de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre

as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27

por serem mais evidentes aos sentidos O que

26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον

εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ

δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ

ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se

potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo

facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se

natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo

impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas

por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf

26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ

τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ

ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por

exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas

a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque

natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani

Reale)

Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι

καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου

τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι

τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como

estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de

um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias

Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que

indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas

natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)

24

Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo

origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo

satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que

deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam

entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os

corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo

tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles

conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia

compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e

forma (alma) tendo como atividade o viver

ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ

ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον

ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος

E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a

alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute

como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como

forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)

Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de

alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar

qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um

corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria

(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode

ser corpo pois ela que o predica

Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas

enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28

Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o

substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato

determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as

determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado

ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια

αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας

λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra

aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em

funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H

1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)

28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de

que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash

1029a1 (Trad Giovani Reale)

25

acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da

qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado

que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo

podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto

metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que

este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo

Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se

necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido

enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente

vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com

este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem

abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma

Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute

dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o

princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio

e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo

Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a

partir e em vista do que a vida se daacute

Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A

primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de

inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se

atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a

alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o

ser vivente

Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas

caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute

que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo

potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida

ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ

μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ

ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ

θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ

ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν

ἔχοντος

E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute

atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o

26

inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma

haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir

a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute

a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-

28 (Trad Gomes dos Reis)

Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a

atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)

estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem

executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo

Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira

(enteleacutekheia proteacute) Charlton29

propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no

primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto

aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)

Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre

um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade

διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ

αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ

ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν

ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον

δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς

θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως

ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες

ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ

πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν

γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον

Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute

agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no

sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e

possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor

por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira

o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir

nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade

conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo

conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar

vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por

passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em

exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)

O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a

percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam

realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra

em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a

capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o

29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84

27

que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade

da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na

primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta

disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade

dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso

eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado

de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente

Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de

atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute

adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua

disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente

Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto

princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a

forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9

εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος

φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν

κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ

εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν

Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira

atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se

alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem

se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser

de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)

O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades

proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade

entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a

unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio

agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara

οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι

τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία

αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ

ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ

ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ

Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um

corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o

machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma

Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na

verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um

corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio

28

de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo

proacutepria)

Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em

412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio

organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo

natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de

alma e o que era para ser31

(tograve tiacute ecircn eicircnai)

Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu

princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser

vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32

sustenta que a determinaccedilatildeo da

essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a

funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver

31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos

pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni

tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com

o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai

toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas

constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo

etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras

expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +

dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser

enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32

1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal

como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o

interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a

discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89

nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora

estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria

perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a

essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora

estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada

como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a

origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the

surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without

which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body

as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he

goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This

is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not

being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os

coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou

essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos

Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a

Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente

entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um

machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN

1993 85) (Trad proacutepria)

29

e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33

pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que

lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida

Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final

do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo

de definiccedilatildeo34

Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto

psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de

definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da

alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e

argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que

denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles

se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a

alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute

princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos

para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador

das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das

capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo

o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo

proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo

correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo

pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de

vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o

curso da investigaccedilatildeo sobre a alma

33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por

exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a

locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um

verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado

como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de

definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)

30

22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES

DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas

natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma

revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de

definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico

Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον

γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ

τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν

αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων

εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι

ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ

τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον

E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior

inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente

discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor

esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e

expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O

que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um

retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua

vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA

II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)

Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais

manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras

(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao

contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos

que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros

eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma

como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida

nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro

Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo

apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e

tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o

porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo

enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e

ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois

ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade

de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa

menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo

31

Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o

corpo e a vida

λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ

ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό

φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ

τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις

Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do

inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive

se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento

local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o

crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor

[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive

[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento

local e repouso decaimento e crescimento

Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades

mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35

Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias

διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ

ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους

οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ

τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν

Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si

mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham

crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para

cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute

para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter

alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)

Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo

τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν

πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα

λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον

O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se

primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo

apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas

possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)

Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico

[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados

E desta uma outra

35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16

32

[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos

Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com

um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto

uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas

premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo

aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que

Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus

predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela

percepccedilatildeo36

Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam

a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse

pressuposto

Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo

a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37

e que a nutriccedilatildeo eacute

a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38

e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo

satildeo uma forma de movimento39

somos levados a crer que o argumento consiste em

[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento

[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)

[P3] tudo o que se move por si eacute animado

[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento

[C1] logo tudo o que vive eacute animado

36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ

καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do

inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos

esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη

καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do

alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum

potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ

οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται

φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento

existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo

participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois

nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA

II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)

E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν

συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser

afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes

dos Reis)

33

Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria

dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da

anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de

onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo

movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40

nos indica que esta eacute

uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel

parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo

Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves

noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3

corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo

atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente

Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de

enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute

explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este

pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale

lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da

coisa sejam previamente conhecidosrdquo41

e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma

coisa pertence a outrardquo42

Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos

vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor

que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta

digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da

psicologia aristoteacutelica

Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade

de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como

40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν

ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ

ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja

movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o

princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada

parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos

animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)

ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ

καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο

συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se

movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos

que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes

vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como

parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26

34

conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as

capacidades que denotam o viver

νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ

τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει

Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades

mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute

definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)

Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles

conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma

explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de

comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela

substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43

reduzem a definiccedilatildeo de alma

agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente

equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa

pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia

como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio

organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade

primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista

do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e

determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)

e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que

caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade

nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana

Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo

pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua

noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das

capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma

que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar

mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta

Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute

que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se

particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles

43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik

(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das

discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)

35

trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas

formas de vida

23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA

A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3

Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um

enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo

permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo

dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica

Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que

precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta

seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma

enunciada em DA II 1

DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de

414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA

II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de

anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas

de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a

uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida

vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-

se a vida humana44

Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite

que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas

avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo

δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ

ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς

εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν

πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ

γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν

ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον

(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς

44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν

ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς

ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις

ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι

τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas

subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como

potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste

somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que

entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e

devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se

locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se

houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)

36

ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν

τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον

ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ

αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν

οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς

Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de

figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e

daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A

respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique

a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por

isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash

pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a

forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as

coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto

no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste

naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no

de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma

de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve

ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo

existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da

perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)

A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a

relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana

mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo

de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira

que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste

em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave

vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida

vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se

faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se

buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a

alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que

decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em

uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no

ser vivente como se segue

ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον

Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais

apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)

Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima

investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma

37

podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma

definiccedilatildeo de alma

Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma

das questotildees elencadas em DA I 145

a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto

tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma

resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto

Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e

homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos

itens

Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as

outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto

vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do

corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a

definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por

concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada

Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1

natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de

alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo

de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica

para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste

corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades

satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente

atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende

logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado

em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual

esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar

45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)

38

3 CONCLUSAtildeO

Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em

momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o

que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois

atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do

corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das

capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como

disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se

mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor

corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser

vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma

das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor

compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas

capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute

princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante

como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser

vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma

noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem

que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo

pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela

seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a

atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e

movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas

definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o

horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige

Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de

Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a

inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o

segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos

capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades

Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do

tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das

definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante

39

do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a

interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute

definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond

comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados

definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo

do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas

diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles

Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele

problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima

Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo

exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que

fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma

que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua

funccedilatildeo

40

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Page 7: A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES

RESUMO

Esta monografia trata da noccedilatildeo de alma que Aristoacuteteles desenvolve ao longo do De Anima II

1-3 Em DA II 1 Aristoacuteteles enuncia uma definiccedilatildeo geral de alma como forma do corpo

Nessa definiccedilatildeo pela forma seu objetivo eacute formular uma noccedilatildeo dos vaacuterios tipos de alma (a

vegetativa a animal e a humana) Poreacutem ela natildeo enuncia a alma como causa de vida nos

seres viventes Diante disso eacute enunciado em DA II 2 a definiccedilatildeo pelas capacidades na qual a

alma eacute princiacutepio das capacidades que denotam o viver Nela as capacidades determinam os

diversos tipos de vida a vida vegetativa que decorre da nutriccedilatildeo a animal da percepccedilatildeo e a

humana da razatildeo Com isso em DA II 3 Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo seriada na qual os

tipos de alma se dispotildeem em seacuteries ordenadas hierarquizadas em que a anterior subsiste na

posterior em potecircncia mas natildeo o contraacuterio Como se vecirc haacute um conflito entre a primeira e as

outras duas definiccedilotildees pois a definiccedilatildeo pela forma eacute uma noccedilatildeo geral que nem enuncia a alma

como causa de vida nem sua disposiccedilatildeo seriada Assim enquanto os comentaacuterios de Putman

Ackrill Bolton Nussbaum Everson CodeampMoravicsik interpretam a definiccedilatildeo pelas

capacidades como a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma em detrimento da definiccedilatildeo pela forma

Polansky e Diamond enxergam unidade teoacuterica e argumentativa entre as trecircs A hipoacutetese

sustentada nesta monografia se alinha com o segundo grupo argumentando que a definiccedilatildeo

pela forma eacute insuficiente para enunciar os tipos especiacuteficos de vida e sua disposiccedilatildeo seriada

poreacutem eacute a fundamentaccedilatildeo ontoloacutegica das outras duas definiccedilotildees

Palavras Chave Aristoacuteteles Alma Definccedilatildeo Forma Capacidades

Lista de Abreviaturas das Obras de Aristoacuteteles Utilizadas

Cat ndash Categorias

DA ndash De Anima

Fiacutes ndash Fiacutesica

Met ndash Metafiacutesica

Sumaacuterio

Apresentaccedilatildeo 11

1 A taacutebua de definiccedilatildeo 13

2 A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles 19

21 Definiccedilatildeo pela Forma 19

22 Definiccedilatildeo pelas Capacidade 29

23 Definiccedilatildeo Seriada 34

3 Conclusatildeo 37

4 Bibliografia 39

i

12

APRESENTACcedilAtildeO

O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute

causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram

do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo

explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto

psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De

Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de

suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles

sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade

Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios

termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4

Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma

Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-

3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da

alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo

do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo

pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo

enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a

definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a

definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro

enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas

a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de

alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na

posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma

noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem

em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela

capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em

disposiccedilatildeo seriada

Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de

alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz

da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como

consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem

no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste

13

sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente

necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico

Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o

qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita

tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em

seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair

das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as

trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz

duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva

tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo

pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra

nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida

apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico

como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser

evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em

DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos

comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo

em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de

Aristoacuteteles

14

1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO

A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de

investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os

elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles

circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o

meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que

compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser

2 e por fim sua unidade

3 Jaacute

como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia

das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e

finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6

Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de

seu projeto investigativo

ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα

συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην

καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν

Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus

atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros

parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)

Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute

conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que

1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ

ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos

gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade

uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos

Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou

antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει

διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute

de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1

402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ

καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um

todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil

investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον

αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se

haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

15

nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns

parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao

corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a

determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo

comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria

mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que

atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim

nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da

alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam

elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia

Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer

πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε

τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν

Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute

ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma

quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25

(Trad de Gomes dos Reis)

O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da

alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates

para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10

7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas

implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo

obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem

mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ

τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι

λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν

ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ

διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam

sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero

movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo

distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em

meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma

atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma

proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade

pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece

controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε

ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ

πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em

sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por

exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as

que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)

16

Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e

forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em

Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11

que eacute priorizada em

relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade

que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que

da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo

ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112

Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber

se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo

se predica de outrem

Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma

ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις

e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I

1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)

A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute

sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute

em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa

atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13

observa que atualidade

eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz

sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de

um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x

Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade

σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ

μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει

Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer

alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de

espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)

11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου

οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute

justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)

εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua

substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου

γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ

ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles

elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute

elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo

quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da

quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149

17

Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo

psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma

forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie

Segundo Polansky14

Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser

vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes

divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute

de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em

gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a

indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim

Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos

tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas

Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo

εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ

καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι

οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο

Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma

uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a

de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado

universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro

atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)

Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo

de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular

esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma

pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo

gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15

a

existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um

universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um

gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo

geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem

necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de

definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo

enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute

mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema

consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie

14 2007 34-35 15 2008 45

18

ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ

τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον

τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro

investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre

estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou

suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)

Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas

capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como

um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam

distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal

ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ

ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς

Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que

possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1

403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma

Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou

de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente

Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a

tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16

Isto faria desta parte do intelecto uma

afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17

comenta que este eacute

um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees

proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo

contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve

conter o corpo em seu enunciado

O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que

investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a

16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]

quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς

τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς

εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ

ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς

ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer

necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash

mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter

ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute

necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo

PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)

19

alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e

portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a

definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por

fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo

20

2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES

A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro

ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando

argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de

um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas

capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto

visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo

geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de

vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das

capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses

distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I

1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia

21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA

Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees

relativas agrave alma que ela eacute una18

e imoacutevel19

Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1

ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)

que abarque as vaacuterias formas de vida

18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ

εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ

μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ

τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ

χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ

ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης

ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a

viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes

tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois

natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da

alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes

satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas

plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe

separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a

alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad

Gomes dos Reis)

ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ

ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute

claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)

φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ

κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer

subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute

movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)

21

Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ

ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος

αὐτῆς

Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos

predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e

qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)

A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma

comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo

a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes

(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as

formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira

parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute

enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo

formuladas nos outros capiacutetulos

Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento

λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ

οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον

τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ

μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν

Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no

sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido

de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim

no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a

forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II

1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica

Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para

um soacute20

O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a

substacircncia21

(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de

ambas ( tograve ek touacutetoon) 22

Apesar da mateacuteria ser indeterminada23

permanece na mudanccedila e eacute

20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν

τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de

muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas

Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE

sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a

substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν

ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι

ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν

γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por

todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o

substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas

22

objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser

determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria

determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa

definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24

Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma

assim como o composto de ambas

A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente

relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na

filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em

potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser

em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja

por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25

A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio

de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute

algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo

determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de

forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das

substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani

Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ

κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας

κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ

αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo

determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da

qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das

categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada

da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra

categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3

1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ

δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ

εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας

ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para

proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem

ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro

que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos

elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava

elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)

φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια

ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute

por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H

2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον

(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν

πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de

movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o

princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12

1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)

23

relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26

Na medida em que as coisas satildeo

constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da

accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem

em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a

parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja

enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa

a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas

estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo

Ser apto a caminhar e estar caminhando

οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν

ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν

δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς

οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη

E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram

os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm

vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o

decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido

de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre

as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27

por serem mais evidentes aos sentidos O que

26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον

εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ

δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ

ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se

potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo

facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se

natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo

impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas

por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf

26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ

τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ

ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por

exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas

a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque

natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani

Reale)

Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι

καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου

τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι

τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como

estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de

um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias

Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que

indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas

natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)

24

Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo

origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo

satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que

deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam

entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os

corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo

tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles

conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia

compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e

forma (alma) tendo como atividade o viver

ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ

ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον

ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος

E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a

alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute

como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como

forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)

Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de

alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar

qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um

corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria

(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode

ser corpo pois ela que o predica

Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas

enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28

Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o

substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato

determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as

determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado

ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια

αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας

λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra

aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em

funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H

1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)

28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de

que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash

1029a1 (Trad Giovani Reale)

25

acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da

qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado

que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo

podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto

metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que

este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo

Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se

necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido

enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente

vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com

este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem

abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma

Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute

dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o

princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio

e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo

Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a

partir e em vista do que a vida se daacute

Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A

primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de

inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se

atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a

alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o

ser vivente

Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas

caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute

que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo

potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida

ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ

μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ

ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ

θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ

ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν

ἔχοντος

E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute

atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o

26

inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma

haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir

a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute

a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-

28 (Trad Gomes dos Reis)

Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a

atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)

estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem

executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo

Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira

(enteleacutekheia proteacute) Charlton29

propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no

primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto

aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)

Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre

um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade

διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ

αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ

ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν

ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον

δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς

θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως

ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες

ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ

πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν

γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον

Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute

agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no

sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e

possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor

por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira

o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir

nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade

conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo

conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar

vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por

passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em

exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)

O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a

percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam

realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra

em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a

capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o

29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84

27

que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade

da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na

primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta

disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade

dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso

eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado

de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente

Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de

atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute

adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua

disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente

Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto

princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a

forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9

εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος

φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν

κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ

εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν

Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira

atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se

alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem

se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser

de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)

O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades

proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade

entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a

unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio

agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara

οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι

τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία

αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ

ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ

ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ

Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um

corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o

machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma

Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na

verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um

corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio

28

de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo

proacutepria)

Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em

412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio

organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo

natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de

alma e o que era para ser31

(tograve tiacute ecircn eicircnai)

Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu

princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser

vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32

sustenta que a determinaccedilatildeo da

essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a

funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver

31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos

pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni

tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com

o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai

toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas

constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo

etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras

expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +

dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser

enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32

1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal

como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o

interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a

discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89

nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora

estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria

perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a

essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora

estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada

como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a

origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the

surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without

which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body

as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he

goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This

is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not

being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os

coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou

essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos

Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a

Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente

entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um

machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN

1993 85) (Trad proacutepria)

29

e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33

pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que

lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida

Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final

do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo

de definiccedilatildeo34

Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto

psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de

definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da

alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e

argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que

denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles

se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a

alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute

princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos

para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador

das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das

capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo

o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo

proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo

correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo

pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de

vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o

curso da investigaccedilatildeo sobre a alma

33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por

exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a

locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um

verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado

como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de

definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)

30

22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES

DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas

natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma

revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de

definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico

Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον

γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ

τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν

αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων

εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι

ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ

τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον

E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior

inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente

discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor

esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e

expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O

que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um

retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua

vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA

II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)

Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais

manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras

(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao

contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos

que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros

eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma

como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida

nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro

Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo

apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e

tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o

porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo

enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e

ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois

ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade

de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa

menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo

31

Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o

corpo e a vida

λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ

ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό

φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ

τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις

Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do

inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive

se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento

local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o

crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor

[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive

[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento

local e repouso decaimento e crescimento

Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades

mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35

Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias

διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ

ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους

οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ

τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν

Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si

mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham

crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para

cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute

para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter

alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)

Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo

τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν

πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα

λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον

O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se

primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo

apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas

possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)

Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico

[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados

E desta uma outra

35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16

32

[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos

Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com

um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto

uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas

premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo

aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que

Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus

predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela

percepccedilatildeo36

Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam

a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse

pressuposto

Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo

a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37

e que a nutriccedilatildeo eacute

a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38

e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo

satildeo uma forma de movimento39

somos levados a crer que o argumento consiste em

[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento

[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)

[P3] tudo o que se move por si eacute animado

[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento

[C1] logo tudo o que vive eacute animado

36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ

καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do

inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos

esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη

καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do

alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum

potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ

οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται

φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento

existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo

participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois

nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA

II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)

E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν

συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser

afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes

dos Reis)

33

Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria

dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da

anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de

onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo

movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40

nos indica que esta eacute

uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel

parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo

Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves

noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3

corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo

atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente

Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de

enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute

explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este

pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale

lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da

coisa sejam previamente conhecidosrdquo41

e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma

coisa pertence a outrardquo42

Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos

vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor

que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta

digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da

psicologia aristoteacutelica

Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade

de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como

40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν

ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ

ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja

movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o

princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada

parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos

animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)

ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ

καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο

συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se

movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos

que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes

vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como

parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26

34

conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as

capacidades que denotam o viver

νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ

τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει

Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades

mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute

definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)

Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles

conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma

explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de

comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela

substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43

reduzem a definiccedilatildeo de alma

agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente

equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa

pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia

como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio

organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade

primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista

do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e

determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)

e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que

caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade

nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana

Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo

pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua

noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das

capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma

que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar

mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta

Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute

que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se

particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles

43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik

(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das

discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)

35

trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas

formas de vida

23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA

A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3

Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um

enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo

permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo

dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica

Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que

precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta

seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma

enunciada em DA II 1

DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de

414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA

II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de

anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas

de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a

uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida

vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-

se a vida humana44

Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite

que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas

avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo

δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ

ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς

εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν

πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ

γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν

ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον

(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς

44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν

ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς

ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις

ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι

τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas

subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como

potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste

somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que

entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e

devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se

locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se

houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)

36

ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν

τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον

ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ

αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν

οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς

Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de

figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e

daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A

respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique

a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por

isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash

pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a

forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as

coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto

no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste

naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no

de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma

de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve

ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo

existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da

perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)

A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a

relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana

mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo

de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira

que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste

em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave

vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida

vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se

faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se

buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a

alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que

decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em

uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no

ser vivente como se segue

ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον

Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais

apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)

Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima

investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma

37

podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma

definiccedilatildeo de alma

Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma

das questotildees elencadas em DA I 145

a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto

tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma

resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto

Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e

homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos

itens

Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as

outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto

vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do

corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a

definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por

concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada

Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1

natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de

alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo

de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica

para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste

corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades

satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente

atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende

logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado

em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual

esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar

45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)

38

3 CONCLUSAtildeO

Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em

momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o

que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois

atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do

corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das

capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como

disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se

mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor

corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser

vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma

das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor

compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas

capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute

princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante

como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser

vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma

noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem

que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo

pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela

seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a

atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e

movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas

definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o

horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige

Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de

Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a

inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o

segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos

capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades

Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do

tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das

definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante

39

do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a

interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute

definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond

comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados

definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo

do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas

diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles

Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele

problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima

Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo

exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que

fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma

que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua

funccedilatildeo

40

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Page 8: A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES

Lista de Abreviaturas das Obras de Aristoacuteteles Utilizadas

Cat ndash Categorias

DA ndash De Anima

Fiacutes ndash Fiacutesica

Met ndash Metafiacutesica

Sumaacuterio

Apresentaccedilatildeo 11

1 A taacutebua de definiccedilatildeo 13

2 A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles 19

21 Definiccedilatildeo pela Forma 19

22 Definiccedilatildeo pelas Capacidade 29

23 Definiccedilatildeo Seriada 34

3 Conclusatildeo 37

4 Bibliografia 39

i

12

APRESENTACcedilAtildeO

O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute

causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram

do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo

explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto

psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De

Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de

suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles

sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade

Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios

termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4

Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma

Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-

3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da

alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo

do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo

pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo

enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a

definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a

definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro

enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas

a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de

alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na

posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma

noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem

em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela

capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em

disposiccedilatildeo seriada

Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de

alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz

da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como

consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem

no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste

13

sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente

necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico

Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o

qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita

tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em

seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair

das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as

trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz

duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva

tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo

pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra

nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida

apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico

como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser

evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em

DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos

comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo

em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de

Aristoacuteteles

14

1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO

A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de

investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os

elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles

circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o

meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que

compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser

2 e por fim sua unidade

3 Jaacute

como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia

das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e

finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6

Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de

seu projeto investigativo

ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα

συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην

καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν

Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus

atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros

parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)

Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute

conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que

1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ

ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos

gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade

uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos

Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou

antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει

διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute

de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1

402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ

καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um

todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil

investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον

αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se

haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

15

nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns

parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao

corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a

determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo

comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria

mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que

atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim

nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da

alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam

elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia

Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer

πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε

τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν

Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute

ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma

quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25

(Trad de Gomes dos Reis)

O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da

alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates

para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10

7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas

implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo

obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem

mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ

τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι

λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν

ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ

διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam

sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero

movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo

distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em

meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma

atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma

proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade

pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece

controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε

ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ

πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em

sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por

exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as

que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)

16

Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e

forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em

Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11

que eacute priorizada em

relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade

que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que

da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo

ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112

Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber

se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo

se predica de outrem

Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma

ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις

e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I

1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)

A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute

sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute

em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa

atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13

observa que atualidade

eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz

sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de

um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x

Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade

σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ

μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει

Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer

alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de

espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)

11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου

οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute

justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)

εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua

substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου

γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ

ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles

elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute

elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo

quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da

quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149

17

Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo

psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma

forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie

Segundo Polansky14

Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser

vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes

divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute

de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em

gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a

indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim

Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos

tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas

Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo

εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ

καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι

οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο

Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma

uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a

de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado

universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro

atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)

Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo

de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular

esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma

pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo

gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15

a

existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um

universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um

gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo

geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem

necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de

definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo

enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute

mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema

consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie

14 2007 34-35 15 2008 45

18

ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ

τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον

τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro

investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre

estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou

suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)

Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas

capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como

um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam

distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal

ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ

ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς

Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que

possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1

403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma

Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou

de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente

Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a

tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16

Isto faria desta parte do intelecto uma

afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17

comenta que este eacute

um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees

proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo

contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve

conter o corpo em seu enunciado

O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que

investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a

16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]

quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς

τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς

εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ

ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς

ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer

necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash

mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter

ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute

necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo

PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)

19

alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e

portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a

definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por

fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo

20

2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES

A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro

ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando

argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de

um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas

capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto

visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo

geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de

vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das

capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses

distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I

1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia

21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA

Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees

relativas agrave alma que ela eacute una18

e imoacutevel19

Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1

ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)

que abarque as vaacuterias formas de vida

18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ

εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ

μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ

τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ

χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ

ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης

ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a

viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes

tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois

natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da

alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes

satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas

plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe

separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a

alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad

Gomes dos Reis)

ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ

ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute

claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)

φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ

κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer

subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute

movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)

21

Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ

ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος

αὐτῆς

Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos

predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e

qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)

A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma

comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo

a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes

(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as

formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira

parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute

enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo

formuladas nos outros capiacutetulos

Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento

λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ

οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον

τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ

μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν

Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no

sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido

de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim

no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a

forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II

1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica

Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para

um soacute20

O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a

substacircncia21

(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de

ambas ( tograve ek touacutetoon) 22

Apesar da mateacuteria ser indeterminada23

permanece na mudanccedila e eacute

20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν

τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de

muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas

Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE

sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a

substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν

ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι

ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν

γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por

todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o

substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas

22

objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser

determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria

determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa

definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24

Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma

assim como o composto de ambas

A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente

relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na

filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em

potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser

em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja

por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25

A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio

de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute

algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo

determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de

forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das

substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani

Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ

κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας

κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ

αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo

determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da

qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das

categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada

da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra

categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3

1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ

δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ

εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας

ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para

proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem

ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro

que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos

elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava

elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)

φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια

ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute

por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H

2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον

(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν

πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de

movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o

princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12

1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)

23

relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26

Na medida em que as coisas satildeo

constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da

accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem

em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a

parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja

enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa

a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas

estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo

Ser apto a caminhar e estar caminhando

οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν

ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν

δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς

οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη

E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram

os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm

vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o

decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido

de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre

as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27

por serem mais evidentes aos sentidos O que

26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον

εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ

δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ

ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se

potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo

facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se

natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo

impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas

por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf

26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ

τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ

ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por

exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas

a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque

natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani

Reale)

Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι

καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου

τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι

τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como

estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de

um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias

Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que

indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas

natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)

24

Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo

origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo

satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que

deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam

entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os

corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo

tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles

conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia

compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e

forma (alma) tendo como atividade o viver

ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ

ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον

ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος

E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a

alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute

como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como

forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)

Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de

alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar

qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um

corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria

(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode

ser corpo pois ela que o predica

Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas

enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28

Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o

substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato

determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as

determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado

ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια

αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας

λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra

aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em

funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H

1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)

28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de

que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash

1029a1 (Trad Giovani Reale)

25

acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da

qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado

que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo

podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto

metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que

este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo

Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se

necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido

enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente

vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com

este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem

abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma

Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute

dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o

princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio

e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo

Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a

partir e em vista do que a vida se daacute

Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A

primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de

inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se

atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a

alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o

ser vivente

Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas

caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute

que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo

potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida

ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ

μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ

ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ

θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ

ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν

ἔχοντος

E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute

atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o

26

inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma

haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir

a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute

a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-

28 (Trad Gomes dos Reis)

Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a

atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)

estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem

executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo

Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira

(enteleacutekheia proteacute) Charlton29

propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no

primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto

aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)

Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre

um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade

διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ

αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ

ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν

ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον

δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς

θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως

ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες

ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ

πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν

γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον

Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute

agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no

sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e

possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor

por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira

o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir

nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade

conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo

conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar

vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por

passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em

exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)

O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a

percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam

realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra

em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a

capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o

29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84

27

que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade

da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na

primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta

disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade

dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso

eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado

de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente

Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de

atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute

adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua

disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente

Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto

princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a

forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9

εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος

φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν

κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ

εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν

Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira

atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se

alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem

se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser

de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)

O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades

proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade

entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a

unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio

agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara

οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι

τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία

αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ

ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ

ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ

Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um

corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o

machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma

Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na

verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um

corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio

28

de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo

proacutepria)

Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em

412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio

organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo

natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de

alma e o que era para ser31

(tograve tiacute ecircn eicircnai)

Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu

princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser

vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32

sustenta que a determinaccedilatildeo da

essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a

funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver

31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos

pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni

tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com

o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai

toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas

constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo

etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras

expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +

dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser

enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32

1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal

como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o

interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a

discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89

nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora

estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria

perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a

essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora

estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada

como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a

origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the

surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without

which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body

as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he

goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This

is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not

being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os

coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou

essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos

Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a

Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente

entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um

machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN

1993 85) (Trad proacutepria)

29

e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33

pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que

lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida

Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final

do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo

de definiccedilatildeo34

Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto

psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de

definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da

alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e

argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que

denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles

se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a

alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute

princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos

para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador

das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das

capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo

o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo

proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo

correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo

pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de

vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o

curso da investigaccedilatildeo sobre a alma

33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por

exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a

locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um

verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado

como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de

definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)

30

22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES

DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas

natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma

revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de

definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico

Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον

γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ

τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν

αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων

εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι

ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ

τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον

E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior

inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente

discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor

esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e

expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O

que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um

retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua

vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA

II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)

Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais

manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras

(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao

contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos

que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros

eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma

como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida

nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro

Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo

apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e

tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o

porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo

enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e

ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois

ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade

de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa

menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo

31

Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o

corpo e a vida

λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ

ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό

φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ

τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις

Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do

inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive

se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento

local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o

crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor

[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive

[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento

local e repouso decaimento e crescimento

Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades

mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35

Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias

διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ

ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους

οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ

τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν

Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si

mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham

crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para

cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute

para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter

alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)

Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo

τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν

πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα

λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον

O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se

primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo

apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas

possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)

Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico

[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados

E desta uma outra

35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16

32

[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos

Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com

um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto

uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas

premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo

aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que

Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus

predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela

percepccedilatildeo36

Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam

a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse

pressuposto

Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo

a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37

e que a nutriccedilatildeo eacute

a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38

e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo

satildeo uma forma de movimento39

somos levados a crer que o argumento consiste em

[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento

[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)

[P3] tudo o que se move por si eacute animado

[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento

[C1] logo tudo o que vive eacute animado

36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ

καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do

inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos

esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη

καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do

alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum

potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ

οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται

φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento

existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo

participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois

nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA

II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)

E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν

συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser

afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes

dos Reis)

33

Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria

dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da

anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de

onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo

movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40

nos indica que esta eacute

uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel

parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo

Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves

noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3

corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo

atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente

Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de

enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute

explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este

pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale

lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da

coisa sejam previamente conhecidosrdquo41

e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma

coisa pertence a outrardquo42

Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos

vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor

que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta

digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da

psicologia aristoteacutelica

Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade

de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como

40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν

ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ

ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja

movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o

princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada

parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos

animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)

ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ

καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο

συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se

movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos

que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes

vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como

parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26

34

conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as

capacidades que denotam o viver

νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ

τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει

Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades

mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute

definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)

Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles

conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma

explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de

comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela

substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43

reduzem a definiccedilatildeo de alma

agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente

equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa

pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia

como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio

organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade

primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista

do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e

determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)

e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que

caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade

nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana

Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo

pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua

noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das

capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma

que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar

mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta

Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute

que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se

particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles

43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik

(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das

discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)

35

trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas

formas de vida

23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA

A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3

Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um

enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo

permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo

dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica

Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que

precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta

seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma

enunciada em DA II 1

DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de

414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA

II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de

anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas

de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a

uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida

vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-

se a vida humana44

Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite

que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas

avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo

δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ

ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς

εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν

πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ

γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν

ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον

(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς

44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν

ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς

ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις

ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι

τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas

subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como

potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste

somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que

entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e

devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se

locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se

houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)

36

ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν

τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον

ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ

αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν

οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς

Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de

figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e

daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A

respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique

a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por

isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash

pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a

forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as

coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto

no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste

naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no

de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma

de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve

ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo

existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da

perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)

A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a

relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana

mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo

de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira

que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste

em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave

vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida

vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se

faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se

buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a

alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que

decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em

uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no

ser vivente como se segue

ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον

Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais

apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)

Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima

investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma

37

podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma

definiccedilatildeo de alma

Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma

das questotildees elencadas em DA I 145

a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto

tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma

resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto

Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e

homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos

itens

Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as

outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto

vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do

corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a

definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por

concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada

Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1

natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de

alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo

de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica

para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste

corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades

satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente

atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende

logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado

em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual

esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar

45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)

38

3 CONCLUSAtildeO

Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em

momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o

que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois

atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do

corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das

capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como

disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se

mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor

corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser

vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma

das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor

compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas

capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute

princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante

como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser

vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma

noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem

que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo

pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela

seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a

atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e

movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas

definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o

horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige

Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de

Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a

inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o

segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos

capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades

Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do

tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das

definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante

39

do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a

interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute

definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond

comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados

definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo

do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas

diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles

Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele

problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima

Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo

exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que

fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma

que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua

funccedilatildeo

40

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Page 9: A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES

Sumaacuterio

Apresentaccedilatildeo 11

1 A taacutebua de definiccedilatildeo 13

2 A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles 19

21 Definiccedilatildeo pela Forma 19

22 Definiccedilatildeo pelas Capacidade 29

23 Definiccedilatildeo Seriada 34

3 Conclusatildeo 37

4 Bibliografia 39

i

12

APRESENTACcedilAtildeO

O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute

causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram

do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo

explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto

psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De

Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de

suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles

sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade

Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios

termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4

Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma

Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-

3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da

alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo

do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo

pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo

enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a

definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a

definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro

enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas

a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de

alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na

posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma

noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem

em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela

capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em

disposiccedilatildeo seriada

Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de

alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz

da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como

consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem

no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste

13

sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente

necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico

Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o

qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita

tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em

seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair

das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as

trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz

duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva

tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo

pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra

nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida

apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico

como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser

evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em

DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos

comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo

em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de

Aristoacuteteles

14

1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO

A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de

investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os

elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles

circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o

meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que

compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser

2 e por fim sua unidade

3 Jaacute

como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia

das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e

finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6

Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de

seu projeto investigativo

ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα

συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην

καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν

Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus

atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros

parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)

Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute

conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que

1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ

ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos

gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade

uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos

Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou

antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει

διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute

de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1

402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ

καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um

todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil

investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον

αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se

haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

15

nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns

parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao

corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a

determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo

comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria

mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que

atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim

nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da

alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam

elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia

Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer

πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε

τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν

Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute

ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma

quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25

(Trad de Gomes dos Reis)

O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da

alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates

para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10

7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas

implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo

obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem

mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ

τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι

λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν

ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ

διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam

sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero

movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo

distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em

meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma

atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma

proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade

pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece

controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε

ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ

πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em

sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por

exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as

que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)

16

Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e

forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em

Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11

que eacute priorizada em

relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade

que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que

da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo

ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112

Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber

se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo

se predica de outrem

Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma

ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις

e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I

1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)

A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute

sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute

em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa

atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13

observa que atualidade

eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz

sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de

um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x

Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade

σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ

μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει

Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer

alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de

espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)

11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου

οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute

justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)

εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua

substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου

γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ

ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles

elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute

elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo

quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da

quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149

17

Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo

psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma

forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie

Segundo Polansky14

Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser

vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes

divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute

de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em

gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a

indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim

Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos

tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas

Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo

εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ

καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι

οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο

Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma

uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a

de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado

universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro

atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)

Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo

de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular

esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma

pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo

gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15

a

existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um

universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um

gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo

geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem

necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de

definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo

enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute

mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema

consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie

14 2007 34-35 15 2008 45

18

ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ

τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον

τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro

investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre

estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou

suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)

Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas

capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como

um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam

distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal

ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ

ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς

Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que

possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1

403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma

Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou

de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente

Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a

tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16

Isto faria desta parte do intelecto uma

afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17

comenta que este eacute

um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees

proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo

contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve

conter o corpo em seu enunciado

O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que

investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a

16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]

quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς

τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς

εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ

ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς

ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer

necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash

mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter

ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute

necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo

PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)

19

alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e

portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a

definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por

fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo

20

2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES

A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro

ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando

argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de

um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas

capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto

visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo

geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de

vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das

capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses

distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I

1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia

21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA

Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees

relativas agrave alma que ela eacute una18

e imoacutevel19

Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1

ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)

que abarque as vaacuterias formas de vida

18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ

εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ

μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ

τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ

χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ

ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης

ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a

viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes

tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois

natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da

alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes

satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas

plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe

separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a

alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad

Gomes dos Reis)

ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ

ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute

claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)

φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ

κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer

subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute

movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)

21

Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ

ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος

αὐτῆς

Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos

predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e

qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)

A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma

comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo

a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes

(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as

formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira

parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute

enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo

formuladas nos outros capiacutetulos

Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento

λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ

οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον

τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ

μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν

Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no

sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido

de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim

no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a

forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II

1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica

Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para

um soacute20

O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a

substacircncia21

(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de

ambas ( tograve ek touacutetoon) 22

Apesar da mateacuteria ser indeterminada23

permanece na mudanccedila e eacute

20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν

τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de

muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas

Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE

sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a

substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν

ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι

ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν

γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por

todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o

substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas

22

objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser

determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria

determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa

definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24

Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma

assim como o composto de ambas

A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente

relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na

filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em

potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser

em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja

por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25

A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio

de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute

algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo

determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de

forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das

substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani

Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ

κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας

κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ

αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo

determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da

qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das

categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada

da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra

categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3

1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ

δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ

εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας

ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para

proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem

ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro

que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos

elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava

elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)

φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια

ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute

por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H

2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον

(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν

πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de

movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o

princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12

1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)

23

relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26

Na medida em que as coisas satildeo

constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da

accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem

em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a

parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja

enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa

a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas

estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo

Ser apto a caminhar e estar caminhando

οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν

ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν

δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς

οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη

E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram

os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm

vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o

decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido

de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre

as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27

por serem mais evidentes aos sentidos O que

26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον

εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ

δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ

ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se

potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo

facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se

natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo

impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas

por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf

26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ

τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ

ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por

exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas

a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque

natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani

Reale)

Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι

καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου

τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι

τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como

estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de

um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias

Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que

indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas

natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)

24

Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo

origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo

satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que

deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam

entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os

corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo

tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles

conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia

compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e

forma (alma) tendo como atividade o viver

ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ

ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον

ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος

E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a

alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute

como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como

forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)

Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de

alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar

qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um

corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria

(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode

ser corpo pois ela que o predica

Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas

enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28

Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o

substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato

determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as

determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado

ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια

αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας

λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra

aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em

funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H

1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)

28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de

que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash

1029a1 (Trad Giovani Reale)

25

acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da

qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado

que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo

podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto

metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que

este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo

Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se

necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido

enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente

vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com

este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem

abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma

Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute

dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o

princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio

e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo

Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a

partir e em vista do que a vida se daacute

Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A

primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de

inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se

atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a

alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o

ser vivente

Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas

caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute

que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo

potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida

ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ

μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ

ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ

θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ

ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν

ἔχοντος

E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute

atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o

26

inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma

haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir

a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute

a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-

28 (Trad Gomes dos Reis)

Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a

atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)

estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem

executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo

Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira

(enteleacutekheia proteacute) Charlton29

propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no

primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto

aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)

Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre

um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade

διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ

αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ

ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν

ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον

δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς

θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως

ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες

ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ

πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν

γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον

Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute

agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no

sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e

possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor

por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira

o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir

nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade

conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo

conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar

vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por

passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em

exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)

O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a

percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam

realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra

em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a

capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o

29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84

27

que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade

da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na

primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta

disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade

dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso

eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado

de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente

Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de

atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute

adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua

disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente

Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto

princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a

forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9

εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος

φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν

κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ

εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν

Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira

atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se

alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem

se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser

de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)

O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades

proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade

entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a

unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio

agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara

οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι

τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία

αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ

ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ

ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ

Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um

corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o

machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma

Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na

verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um

corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio

28

de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo

proacutepria)

Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em

412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio

organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo

natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de

alma e o que era para ser31

(tograve tiacute ecircn eicircnai)

Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu

princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser

vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32

sustenta que a determinaccedilatildeo da

essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a

funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver

31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos

pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni

tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com

o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai

toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas

constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo

etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras

expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +

dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser

enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32

1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal

como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o

interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a

discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89

nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora

estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria

perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a

essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora

estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada

como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a

origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the

surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without

which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body

as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he

goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This

is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not

being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os

coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou

essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos

Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a

Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente

entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um

machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN

1993 85) (Trad proacutepria)

29

e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33

pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que

lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida

Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final

do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo

de definiccedilatildeo34

Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto

psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de

definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da

alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e

argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que

denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles

se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a

alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute

princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos

para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador

das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das

capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo

o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo

proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo

correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo

pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de

vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o

curso da investigaccedilatildeo sobre a alma

33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por

exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a

locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um

verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado

como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de

definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)

30

22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES

DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas

natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma

revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de

definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico

Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον

γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ

τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν

αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων

εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι

ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ

τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον

E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior

inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente

discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor

esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e

expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O

que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um

retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua

vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA

II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)

Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais

manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras

(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao

contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos

que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros

eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma

como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida

nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro

Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo

apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e

tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o

porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo

enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e

ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois

ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade

de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa

menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo

31

Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o

corpo e a vida

λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ

ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό

φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ

τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις

Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do

inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive

se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento

local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o

crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor

[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive

[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento

local e repouso decaimento e crescimento

Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades

mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35

Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias

διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ

ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους

οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ

τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν

Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si

mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham

crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para

cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute

para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter

alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)

Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo

τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν

πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα

λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον

O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se

primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo

apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas

possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)

Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico

[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados

E desta uma outra

35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16

32

[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos

Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com

um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto

uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas

premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo

aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que

Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus

predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela

percepccedilatildeo36

Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam

a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse

pressuposto

Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo

a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37

e que a nutriccedilatildeo eacute

a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38

e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo

satildeo uma forma de movimento39

somos levados a crer que o argumento consiste em

[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento

[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)

[P3] tudo o que se move por si eacute animado

[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento

[C1] logo tudo o que vive eacute animado

36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ

καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do

inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos

esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη

καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do

alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum

potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ

οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται

φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento

existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo

participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois

nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA

II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)

E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν

συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser

afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes

dos Reis)

33

Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria

dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da

anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de

onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo

movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40

nos indica que esta eacute

uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel

parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo

Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves

noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3

corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo

atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente

Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de

enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute

explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este

pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale

lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da

coisa sejam previamente conhecidosrdquo41

e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma

coisa pertence a outrardquo42

Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos

vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor

que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta

digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da

psicologia aristoteacutelica

Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade

de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como

40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν

ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ

ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja

movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o

princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada

parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos

animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)

ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ

καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο

συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se

movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos

que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes

vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como

parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26

34

conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as

capacidades que denotam o viver

νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ

τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει

Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades

mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute

definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)

Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles

conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma

explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de

comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela

substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43

reduzem a definiccedilatildeo de alma

agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente

equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa

pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia

como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio

organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade

primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista

do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e

determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)

e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que

caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade

nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana

Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo

pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua

noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das

capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma

que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar

mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta

Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute

que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se

particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles

43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik

(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das

discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)

35

trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas

formas de vida

23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA

A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3

Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um

enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo

permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo

dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica

Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que

precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta

seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma

enunciada em DA II 1

DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de

414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA

II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de

anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas

de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a

uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida

vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-

se a vida humana44

Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite

que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas

avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo

δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ

ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς

εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν

πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ

γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν

ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον

(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς

44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν

ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς

ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις

ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι

τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas

subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como

potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste

somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que

entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e

devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se

locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se

houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)

36

ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν

τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον

ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ

αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν

οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς

Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de

figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e

daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A

respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique

a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por

isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash

pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a

forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as

coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto

no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste

naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no

de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma

de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve

ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo

existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da

perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)

A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a

relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana

mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo

de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira

que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste

em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave

vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida

vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se

faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se

buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a

alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que

decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em

uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no

ser vivente como se segue

ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον

Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais

apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)

Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima

investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma

37

podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma

definiccedilatildeo de alma

Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma

das questotildees elencadas em DA I 145

a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto

tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma

resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto

Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e

homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos

itens

Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as

outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto

vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do

corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a

definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por

concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada

Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1

natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de

alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo

de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica

para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste

corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades

satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente

atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende

logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado

em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual

esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar

45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)

38

3 CONCLUSAtildeO

Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em

momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o

que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois

atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do

corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das

capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como

disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se

mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor

corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser

vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma

das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor

compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas

capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute

princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante

como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser

vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma

noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem

que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo

pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela

seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a

atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e

movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas

definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o

horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige

Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de

Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a

inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o

segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos

capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades

Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do

tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das

definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante

39

do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a

interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute

definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond

comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados

definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo

do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas

diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles

Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele

problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima

Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo

exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que

fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma

que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua

funccedilatildeo

40

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Page 10: A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES

12

APRESENTACcedilAtildeO

O De Anima eacute o tratado no qual Aristoacuteteles investiga a natureza da alma e como ela eacute

causa de vida nos seres viventes Para esse fim Aristoacuteteles discute com aqueles que trataram

do assunto antes dele enuncia a sua proacutepria noccedilatildeo de alma e por fim como esta noccedilatildeo

explica cada uma das capacidades que denotam o viver Para dar conta deste projeto

psicoloacutegico Aristoacuteteles elabora sua noccedilatildeo em trecircs grandes momentos O primeiro em De

Anima I 2-5 Aristoacuteteles levanta as endoacutexai dos seus predecessores discutindo a validade de

suas teses e apontando o que considera inconsistente Como resultado disso Aristoacuteteles

sustenta que a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento nos seres viventes e uma unidade

Mas eacute soacute no segundo momento em DA II 1-3 que Aristoacuteteles enuncia em seus proacuteprios

termos o que considera ser a alma Por fim num terceiro momento a partir de DA II 4

Aristoacuteteles teoriza sobre cada uma das capacidades da alma

Nesta monografia proponho me debruccedilar sobre a noccedilatildeo de alma presente no DA II 1-

3 Como veremos em DA I 1 satildeo elencadas as aporias proacuteprias agrave investigaccedilatildeo e definiccedilatildeo da

alma A partir daiacute Aristoacuteteles apresenta gradualmente a sua proacutepria noccedilatildeo de alma ao longo

do De Anima Especificamente em DA II 1 e 2 satildeo enunciadas duas definiccedilotildees uma definiccedilatildeo

pela forma e outra pela capacidade A primeira caracteriza a alma como forma do corpo

enquanto a segunda atribui agrave alma o princiacutepio das capacidades que denotam vida Enquanto a

definiccedilatildeo pela forma nos oferece uma noccedilatildeo geral que enuncia o gecircnero de ser da alma a

definiccedilatildeo pela capacidade explica como a alma eacute princiacutepio de vida Entretanto haacute um terceiro

enunciado em DA II 3 que parece eliminar a validade da definiccedilatildeo pela forma e validar apenas

a definiccedilatildeo pela capacidade Trata-se da definiccedilatildeo seriada segundo a qual haacute diversos tipos de

alma que se dispotildeem em uma seacuterie hierarquicamente ordenada na qual a anterior subsiste na

posterior mas natildeo o contraacuterio Aristoacuteteles declara que a definiccedilatildeo pela forma enquanto uma

noccedilatildeo geral de alma eacute absurda Pois ela natildeo explica os tipos de alma e a causa de se disporem

em sucessatildeo Isto levou uma seacuterie de comentadores a compreenderem a definiccedilatildeo pela

capacidade como a noccedilatildeo aniacutemica de Aristoacuteteles jaacute que ela enunciaria os tipos de alma em

disposiccedilatildeo seriada

Diante disso argumento que a definiccedilatildeo pela forma eacute tatildeo relevante para a noccedilatildeo de

alma quanto a noccedilatildeo pela capacidade Como se veraacute na seccedilatildeo 2a) a definiccedilatildeo pela forma faz

da alma a atualidade primeira do corpo e princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees vitais Como

consequecircncia do seu caraacuteter atual a alma eacute aquilo a partir do qual as capacidades se dispotildeem

no corpo Ao entrarem em atividade atraveacutes dos oacutergatildeos do corpo elas se atualizam Neste

13

sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente

necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico

Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o

qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita

tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em

seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair

das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as

trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz

duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva

tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo

pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra

nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida

apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico

como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser

evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em

DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos

comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo

em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de

Aristoacuteteles

14

1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO

A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de

investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os

elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles

circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o

meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que

compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser

2 e por fim sua unidade

3 Jaacute

como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia

das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e

finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6

Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de

seu projeto investigativo

ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα

συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην

καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν

Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus

atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros

parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)

Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute

conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que

1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ

ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos

gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade

uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos

Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou

antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει

διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute

de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1

402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ

καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um

todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil

investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον

αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se

haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

15

nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns

parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao

corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a

determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo

comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria

mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que

atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim

nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da

alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam

elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia

Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer

πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε

τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν

Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute

ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma

quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25

(Trad de Gomes dos Reis)

O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da

alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates

para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10

7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas

implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo

obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem

mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ

τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι

λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν

ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ

διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam

sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero

movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo

distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em

meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma

atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma

proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade

pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece

controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε

ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ

πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em

sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por

exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as

que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)

16

Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e

forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em

Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11

que eacute priorizada em

relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade

que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que

da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo

ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112

Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber

se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo

se predica de outrem

Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma

ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις

e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I

1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)

A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute

sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute

em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa

atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13

observa que atualidade

eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz

sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de

um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x

Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade

σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ

μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει

Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer

alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de

espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)

11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου

οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute

justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)

εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua

substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου

γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ

ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles

elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute

elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo

quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da

quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149

17

Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo

psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma

forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie

Segundo Polansky14

Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser

vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes

divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute

de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em

gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a

indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim

Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos

tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas

Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo

εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ

καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι

οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο

Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma

uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a

de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado

universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro

atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)

Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo

de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular

esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma

pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo

gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15

a

existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um

universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um

gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo

geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem

necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de

definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo

enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute

mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema

consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie

14 2007 34-35 15 2008 45

18

ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ

τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον

τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro

investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre

estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou

suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)

Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas

capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como

um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam

distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal

ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ

ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς

Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que

possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1

403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma

Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou

de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente

Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a

tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16

Isto faria desta parte do intelecto uma

afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17

comenta que este eacute

um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees

proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo

contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve

conter o corpo em seu enunciado

O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que

investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a

16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]

quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς

τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς

εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ

ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς

ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer

necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash

mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter

ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute

necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo

PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)

19

alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e

portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a

definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por

fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo

20

2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES

A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro

ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando

argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de

um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas

capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto

visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo

geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de

vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das

capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses

distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I

1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia

21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA

Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees

relativas agrave alma que ela eacute una18

e imoacutevel19

Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1

ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)

que abarque as vaacuterias formas de vida

18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ

εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ

μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ

τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ

χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ

ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης

ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a

viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes

tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois

natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da

alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes

satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas

plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe

separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a

alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad

Gomes dos Reis)

ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ

ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute

claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)

φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ

κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer

subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute

movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)

21

Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ

ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος

αὐτῆς

Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos

predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e

qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)

A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma

comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo

a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes

(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as

formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira

parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute

enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo

formuladas nos outros capiacutetulos

Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento

λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ

οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον

τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ

μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν

Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no

sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido

de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim

no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a

forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II

1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica

Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para

um soacute20

O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a

substacircncia21

(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de

ambas ( tograve ek touacutetoon) 22

Apesar da mateacuteria ser indeterminada23

permanece na mudanccedila e eacute

20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν

τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de

muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas

Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE

sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a

substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν

ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι

ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν

γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por

todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o

substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas

22

objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser

determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria

determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa

definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24

Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma

assim como o composto de ambas

A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente

relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na

filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em

potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser

em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja

por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25

A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio

de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute

algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo

determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de

forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das

substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani

Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ

κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας

κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ

αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo

determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da

qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das

categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada

da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra

categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3

1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ

δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ

εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας

ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para

proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem

ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro

que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos

elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava

elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)

φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια

ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute

por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H

2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον

(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν

πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de

movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o

princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12

1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)

23

relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26

Na medida em que as coisas satildeo

constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da

accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem

em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a

parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja

enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa

a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas

estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo

Ser apto a caminhar e estar caminhando

οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν

ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν

δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς

οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη

E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram

os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm

vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o

decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido

de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre

as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27

por serem mais evidentes aos sentidos O que

26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον

εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ

δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ

ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se

potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo

facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se

natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo

impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas

por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf

26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ

τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ

ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por

exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas

a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque

natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani

Reale)

Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι

καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου

τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι

τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como

estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de

um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias

Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que

indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas

natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)

24

Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo

origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo

satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que

deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam

entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os

corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo

tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles

conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia

compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e

forma (alma) tendo como atividade o viver

ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ

ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον

ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος

E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a

alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute

como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como

forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)

Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de

alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar

qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um

corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria

(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode

ser corpo pois ela que o predica

Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas

enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28

Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o

substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato

determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as

determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado

ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια

αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας

λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra

aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em

funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H

1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)

28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de

que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash

1029a1 (Trad Giovani Reale)

25

acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da

qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado

que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo

podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto

metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que

este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo

Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se

necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido

enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente

vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com

este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem

abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma

Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute

dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o

princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio

e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo

Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a

partir e em vista do que a vida se daacute

Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A

primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de

inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se

atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a

alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o

ser vivente

Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas

caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute

que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo

potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida

ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ

μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ

ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ

θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ

ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν

ἔχοντος

E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute

atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o

26

inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma

haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir

a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute

a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-

28 (Trad Gomes dos Reis)

Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a

atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)

estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem

executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo

Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira

(enteleacutekheia proteacute) Charlton29

propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no

primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto

aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)

Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre

um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade

διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ

αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ

ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν

ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον

δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς

θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως

ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες

ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ

πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν

γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον

Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute

agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no

sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e

possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor

por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira

o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir

nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade

conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo

conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar

vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por

passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em

exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)

O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a

percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam

realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra

em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a

capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o

29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84

27

que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade

da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na

primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta

disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade

dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso

eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado

de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente

Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de

atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute

adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua

disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente

Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto

princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a

forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9

εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος

φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν

κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ

εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν

Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira

atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se

alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem

se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser

de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)

O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades

proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade

entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a

unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio

agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara

οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι

τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία

αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ

ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ

ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ

Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um

corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o

machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma

Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na

verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um

corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio

28

de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo

proacutepria)

Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em

412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio

organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo

natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de

alma e o que era para ser31

(tograve tiacute ecircn eicircnai)

Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu

princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser

vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32

sustenta que a determinaccedilatildeo da

essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a

funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver

31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos

pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni

tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com

o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai

toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas

constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo

etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras

expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +

dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser

enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32

1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal

como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o

interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a

discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89

nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora

estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria

perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a

essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora

estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada

como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a

origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the

surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without

which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body

as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he

goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This

is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not

being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os

coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou

essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos

Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a

Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente

entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um

machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN

1993 85) (Trad proacutepria)

29

e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33

pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que

lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida

Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final

do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo

de definiccedilatildeo34

Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto

psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de

definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da

alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e

argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que

denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles

se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a

alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute

princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos

para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador

das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das

capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo

o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo

proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo

correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo

pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de

vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o

curso da investigaccedilatildeo sobre a alma

33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por

exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a

locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um

verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado

como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de

definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)

30

22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES

DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas

natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma

revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de

definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico

Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον

γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ

τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν

αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων

εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι

ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ

τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον

E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior

inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente

discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor

esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e

expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O

que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um

retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua

vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA

II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)

Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais

manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras

(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao

contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos

que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros

eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma

como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida

nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro

Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo

apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e

tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o

porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo

enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e

ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois

ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade

de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa

menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo

31

Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o

corpo e a vida

λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ

ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό

φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ

τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις

Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do

inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive

se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento

local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o

crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor

[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive

[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento

local e repouso decaimento e crescimento

Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades

mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35

Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias

διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ

ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους

οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ

τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν

Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si

mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham

crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para

cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute

para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter

alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)

Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo

τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν

πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα

λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον

O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se

primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo

apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas

possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)

Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico

[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados

E desta uma outra

35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16

32

[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos

Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com

um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto

uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas

premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo

aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que

Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus

predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela

percepccedilatildeo36

Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam

a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse

pressuposto

Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo

a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37

e que a nutriccedilatildeo eacute

a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38

e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo

satildeo uma forma de movimento39

somos levados a crer que o argumento consiste em

[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento

[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)

[P3] tudo o que se move por si eacute animado

[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento

[C1] logo tudo o que vive eacute animado

36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ

καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do

inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos

esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη

καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do

alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum

potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ

οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται

φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento

existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo

participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois

nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA

II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)

E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν

συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser

afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes

dos Reis)

33

Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria

dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da

anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de

onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo

movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40

nos indica que esta eacute

uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel

parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo

Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves

noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3

corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo

atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente

Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de

enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute

explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este

pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale

lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da

coisa sejam previamente conhecidosrdquo41

e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma

coisa pertence a outrardquo42

Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos

vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor

que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta

digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da

psicologia aristoteacutelica

Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade

de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como

40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν

ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ

ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja

movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o

princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada

parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos

animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)

ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ

καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο

συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se

movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos

que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes

vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como

parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26

34

conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as

capacidades que denotam o viver

νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ

τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει

Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades

mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute

definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)

Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles

conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma

explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de

comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela

substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43

reduzem a definiccedilatildeo de alma

agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente

equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa

pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia

como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio

organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade

primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista

do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e

determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)

e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que

caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade

nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana

Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo

pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua

noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das

capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma

que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar

mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta

Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute

que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se

particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles

43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik

(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das

discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)

35

trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas

formas de vida

23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA

A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3

Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um

enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo

permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo

dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica

Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que

precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta

seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma

enunciada em DA II 1

DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de

414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA

II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de

anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas

de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a

uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida

vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-

se a vida humana44

Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite

que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas

avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo

δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ

ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς

εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν

πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ

γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν

ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον

(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς

44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν

ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς

ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις

ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι

τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas

subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como

potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste

somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que

entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e

devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se

locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se

houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)

36

ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν

τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον

ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ

αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν

οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς

Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de

figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e

daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A

respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique

a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por

isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash

pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a

forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as

coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto

no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste

naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no

de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma

de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve

ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo

existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da

perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)

A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a

relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana

mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo

de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira

que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste

em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave

vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida

vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se

faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se

buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a

alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que

decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em

uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no

ser vivente como se segue

ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον

Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais

apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)

Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima

investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma

37

podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma

definiccedilatildeo de alma

Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma

das questotildees elencadas em DA I 145

a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto

tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma

resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto

Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e

homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos

itens

Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as

outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto

vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do

corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a

definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por

concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada

Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1

natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de

alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo

de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica

para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste

corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades

satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente

atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende

logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado

em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual

esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar

45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)

38

3 CONCLUSAtildeO

Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em

momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o

que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois

atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do

corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das

capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como

disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se

mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor

corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser

vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma

das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor

compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas

capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute

princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante

como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser

vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma

noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem

que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo

pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela

seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a

atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e

movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas

definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o

horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige

Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de

Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a

inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o

segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos

capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades

Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do

tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das

definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante

39

do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a

interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute

definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond

comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados

definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo

do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas

diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles

Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele

problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima

Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo

exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que

fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma

que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua

funccedilatildeo

40

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Page 11: A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES

13

sentido tanto a definiccedilatildeo pela forma quanto a definiccedilatildeo pela capacidade satildeo mutuamente

necessaacuterias para uma noccedilatildeo de alma que atenda ao projeto psicoloacutegico aristoteacutelico

Para tanto apresento na primeira seccedilatildeo o horizonte conceitual e teoacuterico mediante o

qual Aristoacuteteles investiga a alma Atraveacutes das vaacuterias aporiacuteai elencadas em DA I 1 se delimita

tanto o fim que a investigaccedilatildeo persegue quanto a seus limites conceituais de teorizaccedilatildeo Em

seguida trato das endoxai presentes em DA I 2-5 como recurso metodoloacutegico para se extrair

das teses predecessoras algumas noccedilotildees miacutenimas sobre a alma Na seccedilatildeo seguinte abordo as

trecircs noccedilotildees jaacute apresentadas acima Como se veraacute ao iniacutecio de DA I 1 e 2 Aristoacuteteles ainda faz

duas revisotildees metodoloacutegicas deixando bem claro qual aspecto da investigaccedilatildeo se objetiva

tratar Especificamente em 2a) sobre DA II 1 remonto o argumento que resulta na definiccedilatildeo

pela forma comentando qual sua implicaccedilatildeo ontoloacutegica para a alma e como ela se desdobra

nas noccedilotildees aniacutemicas de atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo Em seguida

apresento a definiccedilatildeo pelas capacidades como princiacutepio de vida em DA II 2 Com isso indico

como a noccedilatildeo de vida e alma estatildeo associadas e como Aristoacuteteles argumenta para uma ser

evidecircncia da outra fazendo desta a causa daquela Adiante apresento a definiccedilatildeo seriada em

DA II 3 e como ela potildee em crise a definiccedilatildeo pela forma Por fim explicito como muitos

comentadores se localizaram em meio ao problema e argumento como as trecircs definiccedilotildees estatildeo

em uma unidade conceitual na qual todas satildeo relevantes para o projeto psicoloacutegico de

Aristoacuteteles

14

1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO

A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de

investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os

elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles

circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o

meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que

compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser

2 e por fim sua unidade

3 Jaacute

como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia

das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e

finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6

Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de

seu projeto investigativo

ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα

συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην

καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν

Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus

atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros

parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)

Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute

conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que

1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ

ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos

gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade

uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos

Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou

antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει

διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute

de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1

402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ

καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um

todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil

investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον

αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se

haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

15

nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns

parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao

corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a

determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo

comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria

mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que

atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim

nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da

alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam

elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia

Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer

πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε

τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν

Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute

ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma

quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25

(Trad de Gomes dos Reis)

O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da

alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates

para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10

7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas

implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo

obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem

mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ

τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι

λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν

ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ

διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam

sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero

movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo

distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em

meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma

atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma

proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade

pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece

controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε

ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ

πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em

sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por

exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as

que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)

16

Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e

forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em

Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11

que eacute priorizada em

relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade

que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que

da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo

ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112

Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber

se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo

se predica de outrem

Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma

ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις

e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I

1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)

A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute

sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute

em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa

atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13

observa que atualidade

eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz

sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de

um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x

Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade

σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ

μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει

Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer

alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de

espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)

11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου

οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute

justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)

εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua

substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου

γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ

ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles

elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute

elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo

quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da

quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149

17

Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo

psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma

forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie

Segundo Polansky14

Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser

vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes

divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute

de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em

gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a

indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim

Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos

tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas

Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo

εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ

καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι

οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο

Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma

uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a

de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado

universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro

atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)

Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo

de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular

esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma

pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo

gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15

a

existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um

universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um

gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo

geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem

necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de

definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo

enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute

mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema

consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie

14 2007 34-35 15 2008 45

18

ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ

τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον

τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro

investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre

estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou

suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)

Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas

capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como

um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam

distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal

ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ

ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς

Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que

possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1

403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma

Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou

de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente

Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a

tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16

Isto faria desta parte do intelecto uma

afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17

comenta que este eacute

um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees

proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo

contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve

conter o corpo em seu enunciado

O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que

investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a

16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]

quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς

τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς

εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ

ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς

ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer

necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash

mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter

ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute

necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo

PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)

19

alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e

portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a

definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por

fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo

20

2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES

A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro

ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando

argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de

um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas

capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto

visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo

geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de

vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das

capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses

distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I

1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia

21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA

Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees

relativas agrave alma que ela eacute una18

e imoacutevel19

Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1

ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)

que abarque as vaacuterias formas de vida

18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ

εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ

μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ

τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ

χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ

ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης

ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a

viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes

tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois

natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da

alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes

satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas

plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe

separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a

alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad

Gomes dos Reis)

ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ

ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute

claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)

φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ

κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer

subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute

movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)

21

Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ

ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος

αὐτῆς

Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos

predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e

qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)

A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma

comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo

a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes

(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as

formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira

parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute

enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo

formuladas nos outros capiacutetulos

Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento

λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ

οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον

τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ

μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν

Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no

sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido

de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim

no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a

forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II

1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica

Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para

um soacute20

O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a

substacircncia21

(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de

ambas ( tograve ek touacutetoon) 22

Apesar da mateacuteria ser indeterminada23

permanece na mudanccedila e eacute

20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν

τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de

muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas

Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE

sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a

substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν

ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι

ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν

γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por

todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o

substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas

22

objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser

determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria

determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa

definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24

Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma

assim como o composto de ambas

A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente

relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na

filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em

potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser

em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja

por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25

A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio

de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute

algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo

determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de

forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das

substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani

Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ

κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας

κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ

αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo

determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da

qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das

categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada

da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra

categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3

1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ

δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ

εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας

ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para

proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem

ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro

que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos

elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava

elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)

φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια

ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute

por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H

2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον

(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν

πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de

movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o

princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12

1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)

23

relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26

Na medida em que as coisas satildeo

constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da

accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem

em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a

parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja

enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa

a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas

estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo

Ser apto a caminhar e estar caminhando

οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν

ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν

δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς

οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη

E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram

os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm

vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o

decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido

de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre

as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27

por serem mais evidentes aos sentidos O que

26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον

εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ

δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ

ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se

potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo

facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se

natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo

impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas

por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf

26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ

τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ

ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por

exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas

a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque

natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani

Reale)

Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι

καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου

τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι

τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como

estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de

um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias

Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que

indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas

natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)

24

Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo

origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo

satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que

deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam

entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os

corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo

tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles

conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia

compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e

forma (alma) tendo como atividade o viver

ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ

ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον

ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος

E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a

alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute

como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como

forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)

Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de

alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar

qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um

corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria

(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode

ser corpo pois ela que o predica

Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas

enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28

Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o

substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato

determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as

determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado

ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια

αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας

λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra

aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em

funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H

1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)

28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de

que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash

1029a1 (Trad Giovani Reale)

25

acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da

qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado

que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo

podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto

metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que

este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo

Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se

necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido

enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente

vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com

este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem

abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma

Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute

dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o

princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio

e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo

Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a

partir e em vista do que a vida se daacute

Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A

primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de

inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se

atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a

alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o

ser vivente

Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas

caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute

que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo

potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida

ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ

μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ

ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ

θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ

ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν

ἔχοντος

E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute

atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o

26

inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma

haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir

a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute

a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-

28 (Trad Gomes dos Reis)

Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a

atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)

estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem

executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo

Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira

(enteleacutekheia proteacute) Charlton29

propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no

primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto

aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)

Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre

um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade

διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ

αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ

ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν

ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον

δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς

θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως

ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες

ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ

πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν

γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον

Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute

agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no

sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e

possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor

por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira

o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir

nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade

conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo

conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar

vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por

passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em

exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)

O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a

percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam

realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra

em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a

capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o

29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84

27

que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade

da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na

primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta

disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade

dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso

eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado

de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente

Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de

atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute

adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua

disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente

Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto

princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a

forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9

εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος

φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν

κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ

εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν

Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira

atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se

alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem

se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser

de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)

O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades

proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade

entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a

unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio

agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara

οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι

τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία

αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ

ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ

ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ

Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um

corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o

machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma

Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na

verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um

corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio

28

de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo

proacutepria)

Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em

412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio

organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo

natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de

alma e o que era para ser31

(tograve tiacute ecircn eicircnai)

Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu

princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser

vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32

sustenta que a determinaccedilatildeo da

essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a

funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver

31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos

pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni

tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com

o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai

toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas

constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo

etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras

expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +

dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser

enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32

1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal

como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o

interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a

discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89

nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora

estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria

perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a

essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora

estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada

como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a

origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the

surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without

which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body

as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he

goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This

is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not

being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os

coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou

essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos

Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a

Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente

entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um

machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN

1993 85) (Trad proacutepria)

29

e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33

pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que

lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida

Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final

do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo

de definiccedilatildeo34

Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto

psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de

definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da

alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e

argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que

denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles

se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a

alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute

princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos

para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador

das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das

capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo

o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo

proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo

correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo

pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de

vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o

curso da investigaccedilatildeo sobre a alma

33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por

exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a

locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um

verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado

como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de

definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)

30

22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES

DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas

natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma

revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de

definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico

Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον

γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ

τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν

αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων

εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι

ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ

τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον

E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior

inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente

discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor

esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e

expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O

que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um

retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua

vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA

II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)

Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais

manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras

(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao

contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos

que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros

eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma

como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida

nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro

Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo

apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e

tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o

porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo

enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e

ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois

ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade

de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa

menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo

31

Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o

corpo e a vida

λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ

ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό

φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ

τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις

Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do

inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive

se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento

local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o

crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor

[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive

[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento

local e repouso decaimento e crescimento

Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades

mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35

Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias

διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ

ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους

οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ

τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν

Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si

mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham

crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para

cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute

para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter

alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)

Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo

τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν

πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα

λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον

O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se

primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo

apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas

possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)

Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico

[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados

E desta uma outra

35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16

32

[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos

Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com

um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto

uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas

premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo

aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que

Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus

predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela

percepccedilatildeo36

Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam

a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse

pressuposto

Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo

a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37

e que a nutriccedilatildeo eacute

a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38

e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo

satildeo uma forma de movimento39

somos levados a crer que o argumento consiste em

[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento

[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)

[P3] tudo o que se move por si eacute animado

[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento

[C1] logo tudo o que vive eacute animado

36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ

καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do

inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos

esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη

καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do

alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum

potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ

οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται

φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento

existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo

participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois

nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA

II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)

E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν

συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser

afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes

dos Reis)

33

Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria

dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da

anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de

onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo

movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40

nos indica que esta eacute

uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel

parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo

Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves

noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3

corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo

atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente

Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de

enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute

explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este

pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale

lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da

coisa sejam previamente conhecidosrdquo41

e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma

coisa pertence a outrardquo42

Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos

vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor

que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta

digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da

psicologia aristoteacutelica

Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade

de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como

40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν

ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ

ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja

movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o

princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada

parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos

animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)

ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ

καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο

συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se

movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos

que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes

vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como

parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26

34

conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as

capacidades que denotam o viver

νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ

τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει

Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades

mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute

definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)

Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles

conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma

explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de

comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela

substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43

reduzem a definiccedilatildeo de alma

agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente

equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa

pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia

como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio

organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade

primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista

do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e

determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)

e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que

caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade

nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana

Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo

pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua

noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das

capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma

que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar

mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta

Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute

que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se

particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles

43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik

(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das

discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)

35

trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas

formas de vida

23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA

A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3

Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um

enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo

permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo

dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica

Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que

precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta

seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma

enunciada em DA II 1

DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de

414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA

II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de

anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas

de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a

uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida

vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-

se a vida humana44

Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite

que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas

avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo

δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ

ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς

εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν

πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ

γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν

ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον

(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς

44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν

ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς

ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις

ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι

τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas

subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como

potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste

somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que

entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e

devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se

locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se

houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)

36

ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν

τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον

ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ

αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν

οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς

Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de

figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e

daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A

respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique

a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por

isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash

pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a

forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as

coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto

no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste

naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no

de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma

de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve

ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo

existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da

perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)

A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a

relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana

mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo

de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira

que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste

em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave

vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida

vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se

faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se

buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a

alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que

decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em

uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no

ser vivente como se segue

ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον

Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais

apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)

Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima

investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma

37

podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma

definiccedilatildeo de alma

Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma

das questotildees elencadas em DA I 145

a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto

tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma

resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto

Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e

homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos

itens

Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as

outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto

vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do

corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a

definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por

concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada

Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1

natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de

alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo

de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica

para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste

corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades

satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente

atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende

logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado

em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual

esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar

45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)

38

3 CONCLUSAtildeO

Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em

momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o

que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois

atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do

corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das

capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como

disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se

mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor

corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser

vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma

das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor

compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas

capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute

princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante

como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser

vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma

noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem

que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo

pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela

seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a

atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e

movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas

definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o

horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige

Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de

Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a

inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o

segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos

capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades

Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do

tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das

definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante

39

do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a

interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute

definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond

comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados

definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo

do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas

diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles

Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele

problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima

Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo

exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que

fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma

que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua

funccedilatildeo

40

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Page 12: A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES

14

1 A TAacuteBUA DA DEFINICcedilAtildeO

A fim de apresentar os problemas proacuteprios ao estudo da alma e delimitar seu campo de

investigaccedilatildeo Aristoacuteteles apresenta em DA I 1 uma taacutebua de definiccedilatildeo onde elenca os

elementos para definir a alma e a abordagem para a sua pesquisa Primeiro Aristoacuteteles

circunscreve em que paracircmetros conceituais a noccedilatildeo se estabelece Em seguida se apresenta o

meacutetodo que orienta a busca por esse enunciado Deste modo os elementos de definiccedilatildeo que

compotildeem a lista satildeo o gecircnero de ser da alma1 o seu modo de ser

2 e por fim sua unidade

3 Jaacute

como abordagem decide-se pela ordem loacutegica da definiccedilatildeo4 para se analisar a independecircncia

das suas partes5 de modo a determinar o primeiro passo a se investigar em cada uma e

finalmente conhecer sobre a sua separabilidade6

Logo ao iniacutecio de De Anima I 1 Aristoacuteteles enuncia qual o objetivo geral de

seu projeto investigativo

ἐπιζητοῦμεν δὲ θεωρῆσαι καὶ γνῶναι τήν τε φύσιν αὐτῆς καὶ τὴν οὐσίαν εἶθ ὅσα

συμβέβηκε περὶ αὐτήν ὧν τὰ μὲν ἴδια πάθη τῆς ψυχῆς εἶναι δοκεῖ τὰ δὲ δι ἐκείνην

καὶ τοῖς ζῴοις ὑπάρχειν

Buscamos considerar e conhecer sua natureza e substacircncia bem como todos os seus

atributos dentre os quais uns parecem ser afecccedilotildees proacuteprias da alma enquanto outros

parecem subsistir nos animais graccedilas a ela DA I 1 402a7-10 (Trad Gomes dos Reis)

Investigar a natureza (phyacutesis) da alma consiste em pesquisar seu gecircnero de ser Jaacute

conhecer sua substacircncia (ousiacutea) eacute conhecer seus atributos (symbeacutebekos) as caracteriacutesticas que

1 πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ

ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν ldquoEm todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos

gecircneros a alma pertence e o que eacute ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade

uma quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidasrdquo DA I 1 402a22-25 (Trad de Gomes dos

Reis) 2 ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις ldquoe ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou

antes se eacute uma certa atualidaderdquo DA I 1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis) 3 σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει

διαφέρουσα ἢ γένει ldquoEacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer alma eacute

de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de espeacutecie ou de gecircnerordquo DA I 1

402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis) 4 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο ldquoEacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis) 5 ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ

καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

ldquoAleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro investigar a alma como um

todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil

investigar primeiro as partes ou suas funccedilotildeesrdquo DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis) 6 ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον

αὐτῆς ldquoHaacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que possui alma ou se

haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somenterdquo DA I 1 403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

15

nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns

parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao

corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a

determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo

comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria

mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que

atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim

nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da

alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam

elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia

Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer

πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε

τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν

Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute

ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma

quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25

(Trad de Gomes dos Reis)

O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da

alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates

para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10

7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas

implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo

obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem

mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ

τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι

λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν

ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ

διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam

sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero

movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo

distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em

meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma

atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma

proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade

pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece

controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε

ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ

πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em

sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por

exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as

que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)

16

Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e

forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em

Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11

que eacute priorizada em

relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade

que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que

da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo

ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112

Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber

se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo

se predica de outrem

Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma

ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις

e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I

1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)

A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute

sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute

em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa

atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13

observa que atualidade

eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz

sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de

um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x

Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade

σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ

μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει

Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer

alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de

espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)

11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου

οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute

justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)

εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua

substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου

γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ

ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles

elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute

elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo

quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da

quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149

17

Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo

psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma

forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie

Segundo Polansky14

Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser

vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes

divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute

de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em

gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a

indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim

Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos

tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas

Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo

εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ

καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι

οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο

Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma

uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a

de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado

universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro

atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)

Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo

de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular

esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma

pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo

gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15

a

existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um

universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um

gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo

geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem

necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de

definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo

enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute

mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema

consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie

14 2007 34-35 15 2008 45

18

ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ

τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον

τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro

investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre

estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou

suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)

Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas

capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como

um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam

distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal

ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ

ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς

Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que

possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1

403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma

Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou

de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente

Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a

tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16

Isto faria desta parte do intelecto uma

afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17

comenta que este eacute

um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees

proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo

contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve

conter o corpo em seu enunciado

O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que

investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a

16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]

quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς

τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς

εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ

ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς

ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer

necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash

mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter

ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute

necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo

PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)

19

alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e

portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a

definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por

fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo

20

2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES

A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro

ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando

argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de

um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas

capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto

visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo

geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de

vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das

capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses

distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I

1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia

21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA

Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees

relativas agrave alma que ela eacute una18

e imoacutevel19

Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1

ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)

que abarque as vaacuterias formas de vida

18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ

εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ

μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ

τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ

χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ

ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης

ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a

viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes

tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois

natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da

alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes

satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas

plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe

separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a

alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad

Gomes dos Reis)

ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ

ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute

claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)

φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ

κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer

subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute

movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)

21

Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ

ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος

αὐτῆς

Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos

predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e

qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)

A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma

comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo

a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes

(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as

formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira

parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute

enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo

formuladas nos outros capiacutetulos

Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento

λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ

οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον

τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ

μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν

Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no

sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido

de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim

no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a

forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II

1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica

Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para

um soacute20

O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a

substacircncia21

(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de

ambas ( tograve ek touacutetoon) 22

Apesar da mateacuteria ser indeterminada23

permanece na mudanccedila e eacute

20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν

τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de

muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas

Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE

sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a

substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν

ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι

ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν

γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por

todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o

substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas

22

objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser

determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria

determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa

definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24

Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma

assim como o composto de ambas

A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente

relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na

filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em

potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser

em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja

por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25

A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio

de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute

algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo

determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de

forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das

substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani

Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ

κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας

κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ

αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo

determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da

qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das

categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada

da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra

categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3

1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ

δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ

εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας

ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para

proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem

ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro

que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos

elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava

elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)

φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια

ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute

por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H

2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον

(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν

πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de

movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o

princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12

1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)

23

relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26

Na medida em que as coisas satildeo

constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da

accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem

em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a

parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja

enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa

a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas

estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo

Ser apto a caminhar e estar caminhando

οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν

ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν

δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς

οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη

E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram

os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm

vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o

decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido

de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre

as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27

por serem mais evidentes aos sentidos O que

26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον

εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ

δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ

ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se

potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo

facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se

natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo

impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas

por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf

26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ

τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ

ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por

exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas

a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque

natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani

Reale)

Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι

καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου

τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι

τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como

estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de

um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias

Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que

indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas

natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)

24

Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo

origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo

satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que

deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam

entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os

corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo

tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles

conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia

compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e

forma (alma) tendo como atividade o viver

ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ

ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον

ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος

E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a

alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute

como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como

forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)

Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de

alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar

qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um

corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria

(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode

ser corpo pois ela que o predica

Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas

enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28

Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o

substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato

determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as

determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado

ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια

αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας

λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra

aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em

funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H

1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)

28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de

que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash

1029a1 (Trad Giovani Reale)

25

acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da

qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado

que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo

podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto

metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que

este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo

Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se

necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido

enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente

vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com

este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem

abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma

Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute

dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o

princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio

e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo

Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a

partir e em vista do que a vida se daacute

Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A

primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de

inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se

atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a

alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o

ser vivente

Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas

caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute

que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo

potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida

ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ

μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ

ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ

θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ

ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν

ἔχοντος

E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute

atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o

26

inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma

haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir

a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute

a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-

28 (Trad Gomes dos Reis)

Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a

atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)

estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem

executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo

Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira

(enteleacutekheia proteacute) Charlton29

propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no

primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto

aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)

Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre

um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade

διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ

αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ

ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν

ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον

δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς

θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως

ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες

ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ

πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν

γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον

Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute

agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no

sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e

possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor

por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira

o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir

nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade

conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo

conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar

vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por

passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em

exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)

O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a

percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam

realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra

em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a

capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o

29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84

27

que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade

da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na

primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta

disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade

dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso

eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado

de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente

Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de

atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute

adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua

disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente

Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto

princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a

forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9

εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος

φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν

κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ

εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν

Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira

atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se

alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem

se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser

de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)

O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades

proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade

entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a

unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio

agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara

οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι

τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία

αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ

ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ

ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ

Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um

corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o

machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma

Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na

verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um

corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio

28

de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo

proacutepria)

Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em

412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio

organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo

natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de

alma e o que era para ser31

(tograve tiacute ecircn eicircnai)

Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu

princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser

vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32

sustenta que a determinaccedilatildeo da

essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a

funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver

31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos

pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni

tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com

o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai

toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas

constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo

etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras

expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +

dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser

enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32

1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal

como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o

interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a

discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89

nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora

estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria

perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a

essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora

estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada

como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a

origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the

surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without

which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body

as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he

goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This

is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not

being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os

coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou

essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos

Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a

Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente

entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um

machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN

1993 85) (Trad proacutepria)

29

e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33

pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que

lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida

Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final

do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo

de definiccedilatildeo34

Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto

psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de

definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da

alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e

argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que

denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles

se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a

alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute

princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos

para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador

das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das

capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo

o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo

proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo

correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo

pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de

vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o

curso da investigaccedilatildeo sobre a alma

33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por

exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a

locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um

verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado

como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de

definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)

30

22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES

DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas

natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma

revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de

definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico

Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον

γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ

τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν

αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων

εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι

ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ

τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον

E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior

inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente

discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor

esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e

expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O

que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um

retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua

vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA

II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)

Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais

manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras

(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao

contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos

que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros

eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma

como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida

nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro

Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo

apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e

tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o

porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo

enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e

ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois

ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade

de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa

menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo

31

Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o

corpo e a vida

λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ

ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό

φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ

τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις

Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do

inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive

se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento

local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o

crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor

[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive

[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento

local e repouso decaimento e crescimento

Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades

mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35

Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias

διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ

ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους

οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ

τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν

Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si

mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham

crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para

cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute

para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter

alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)

Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo

τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν

πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα

λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον

O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se

primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo

apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas

possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)

Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico

[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados

E desta uma outra

35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16

32

[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos

Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com

um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto

uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas

premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo

aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que

Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus

predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela

percepccedilatildeo36

Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam

a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse

pressuposto

Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo

a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37

e que a nutriccedilatildeo eacute

a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38

e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo

satildeo uma forma de movimento39

somos levados a crer que o argumento consiste em

[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento

[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)

[P3] tudo o que se move por si eacute animado

[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento

[C1] logo tudo o que vive eacute animado

36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ

καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do

inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos

esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη

καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do

alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum

potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ

οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται

φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento

existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo

participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois

nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA

II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)

E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν

συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser

afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes

dos Reis)

33

Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria

dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da

anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de

onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo

movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40

nos indica que esta eacute

uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel

parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo

Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves

noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3

corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo

atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente

Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de

enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute

explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este

pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale

lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da

coisa sejam previamente conhecidosrdquo41

e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma

coisa pertence a outrardquo42

Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos

vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor

que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta

digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da

psicologia aristoteacutelica

Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade

de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como

40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν

ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ

ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja

movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o

princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada

parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos

animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)

ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ

καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο

συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se

movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos

que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes

vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como

parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26

34

conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as

capacidades que denotam o viver

νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ

τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει

Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades

mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute

definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)

Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles

conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma

explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de

comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela

substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43

reduzem a definiccedilatildeo de alma

agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente

equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa

pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia

como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio

organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade

primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista

do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e

determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)

e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que

caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade

nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana

Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo

pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua

noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das

capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma

que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar

mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta

Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute

que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se

particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles

43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik

(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das

discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)

35

trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas

formas de vida

23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA

A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3

Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um

enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo

permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo

dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica

Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que

precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta

seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma

enunciada em DA II 1

DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de

414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA

II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de

anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas

de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a

uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida

vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-

se a vida humana44

Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite

que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas

avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo

δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ

ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς

εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν

πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ

γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν

ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον

(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς

44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν

ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς

ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις

ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι

τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas

subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como

potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste

somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que

entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e

devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se

locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se

houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)

36

ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν

τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον

ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ

αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν

οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς

Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de

figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e

daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A

respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique

a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por

isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash

pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a

forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as

coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto

no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste

naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no

de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma

de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve

ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo

existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da

perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)

A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a

relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana

mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo

de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira

que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste

em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave

vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida

vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se

faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se

buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a

alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que

decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em

uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no

ser vivente como se segue

ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον

Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais

apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)

Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima

investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma

37

podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma

definiccedilatildeo de alma

Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma

das questotildees elencadas em DA I 145

a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto

tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma

resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto

Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e

homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos

itens

Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as

outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto

vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do

corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a

definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por

concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada

Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1

natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de

alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo

de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica

para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste

corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades

satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente

atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende

logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado

em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual

esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar

45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)

38

3 CONCLUSAtildeO

Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em

momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o

que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois

atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do

corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das

capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como

disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se

mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor

corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser

vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma

das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor

compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas

capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute

princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante

como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser

vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma

noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem

que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo

pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela

seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a

atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e

movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas

definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o

horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige

Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de

Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a

inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o

segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos

capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades

Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do

tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das

definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante

39

do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a

interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute

definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond

comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados

definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo

do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas

diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles

Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele

problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima

Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo

exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que

fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma

que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua

funccedilatildeo

40

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Page 13: A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES

15

nos datildeo uma noccedilatildeo da alma segundo suas afecccedilotildees (patheacute) Entre os seus atributos alguns

parecem ser exclusivamente afecccedilotildees da alma jaacute outros parecem ser comuns agrave alma e ao

corpo portanto atributos um ser animado (zoacuteois) Por afecccedilatildeo devemos compreender a

determinaccedilatildeo na mateacuteria (loacutegoi eacutenyloi)7 de maneira que os atributos da alma e do corpo seratildeo

comuns a ambos Jaacute a afecccedilatildeo proacutepria agrave alma eacute a que natildeo se daacute pela determinaccedilatildeo na mateacuteria

mas por si mesma Entre os atributos da alma a capacidade de pensamento parece ser a que

atende esse requisito A menos poreacutem que dependa de imagens para sua atividade Assim

nem mesmo o pensamento seria uma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma8 Em suma a investigaccedilatildeo da

alma consiste em saber sua natureza sua essecircncia e as afecccedilotildees que lhe satildeo atribuiacutedas sejam

elas proacuteprias ou comuns ao corpo no qual ela se instancia

Aristoacuteteles parte entatildeo para o primeiro elemento da definiccedilatildeo a se estabelecer

πρῶτον δ ἴσως ἀναγκαῖον διελεῖν ἐν τίνι τῶν γενῶν καὶ τί ἐστι λέγω δὲ πότερον τόδε

τι καὶ οὐσία ἢ ποιὸν ἢ ποσόν ἢ καί τις ἄλλη τῶν διαιρεθεισῶν κατηγοριῶν

Em todo caso eacute preciso decidir primeiro a qual dos gecircneros a alma pertence e o que eacute

ndash quero dizer se ela eacute algo determinado e substacircncia ou se eacute uma qualidade uma

quantidade ou mesmo alguma outra das categorias jaacute distinguidas DA I 1 402a22-25

(Trad de Gomes dos Reis)

O primeiro dos pressupostos sobre os quais se deveraacute responder eacute o gecircnero de ser da

alma Filopono9 comenta que Aristoacuteteles tem em vista platocircnicos pitagoacutericos e Xenoacutecrates

para os quais a alma eacute substacircncia harmonia e nuacutemero respectivamente Nas Categorias10

7 εἰ δ οὕτως ἔχει δῆλον ὅτι τὰ πάθη λόγοι ἔνυλοί εἰσιν ldquoSe assim eacute as afecccedilotildees satildeo evidentemente formas

implicadas na mateacuteriardquo DA I 1 403a24 (Trad Gomes dos Reis) 8 εἰ δ ἐστὶ καὶ τοῦτο φαντασία τις ἢ μὴ ἄνευ φαντασίας οὐκ ἐνδέχοιτ ἂν οὐδὲ τοῦτ ἄνευ σώματος εἶναιldquoNatildeo

obstante se tambeacutem o pensar eacute um tipo de imaginaccedilatildeo ou se ele natildeo pode ocorrer sem a imaginaccedilatildeo entatildeo nem

mesmo o pensar poderia existir sem o corpordquo DA I 1 403a8-10 (Trad Gomes dos Reis) 9 ὧν ἐστι καὶ Ξενοκράτης ἀριθμὸς γάρ φησί κινῶν ἑαυτόν ἐστιν ἡ ψυχή ὁ δὲ ἀριθμὸς ὑπὸ τὸ ποσόν εἰ δὴ

τοῦτο ἔλεγεν ἐκεῖνος καὶ μὴ ἄλλο τι διὰ τούτου ᾐνίττετο οἱ δὲ ὑπὸ τὸ ποιόν ὧν εἰσιν καὶ οἱ ἰατροὶ κρᾶσιν εἶναι

λέγοντες τοιοῦτοι δ ἂν εἶεν καὶ οἱ ἐντελέχειαν λέγοντες τοιαύτην μαθησόμεθα γάρ πῶς φησιν αὐτὴν

ἐντελέχειαν ὁ Ἀριστοτέλης οἱ δὲ λόγον λέγοντες τῶν στοιχείων δόξαιεν ἂν ὑπὸ τὸ πρός τι ἀνάγειν τὸ γὰρ

διπλάσιον ἢ ἡμιόλιον ὑπὸ τὸ πρός τι τινὸς γὰρ διπλάσιον ἀμφίβολον οὖν τέως τὸ γένος ldquoAlguns a classificam

sob o tiacutetulo de substacircncia outros sob quantidade Dentre eles Xenoacutecrates que afirma que a alm eacute o nuacutemero

movendo por si mesmo e o nuacutemero eacute dado sob quantidade se for isto que ele quer dizer ao inveacutes de algo

distinto do que por essas palavras ele se refere obscuramente Outros dizem que isto pertence a qualidade Em

meio a isto estatildeo os meacutedicos que dizem que eacute a mistura dentre os quais haacute tambeacutem os que dizem que eacute uma

atualidade pois aprenderemos com Aristoacuteteles chama a alma de atualidade Aqueles que dizem que eacute uma

proporccedilatildeo dos elementos pareceriam entitulaacute-la sob a ltcategoria dogt relativo pelo duplo ou a metade

pertencerem agrave categoria do relativo pois o duplo eacute de algo Assim sendo entatildeo o gecircnero permanece

controversordquo PHILOPONUS Com DA 32 32 ndash 337 (Trad da traduccedilatildeo de P J Eijk) 10Οὐσία δέ ἐστιν ἡ κυριώτατά τε καὶ πρώτως καὶ μάλιστα λεγομένη ἣ μήτε καθ ὑποκειμένου τινὸς λέγεται μήτε

ἐν ὑποκειμένῳ τινί ἐστιν οἷον ὁ τὶς ἄνθρωπος ἢ ὁ τὶς ἵππος δεύτεραι δὲ οὐσίαι λέγονται ἐν οἷς εἴδεσιν αἱ

πρώτως οὐσίαι λεγόμεναι ὑπάρχουσιν ταῦτά τε καὶ τὰ τῶν εἰδῶν τούτων γένη ldquoSubstacircncia entendida em

sentido proacuteprio primeiro e supremo eacute a que natildeo se predica de um sujeito e natildeo existe nalgum sujeito por

exemplo um homem um cavalo Substacircncias segundas satildeo as formas (ou espeacutecies) nas quais estatildeo incluiacutedas as

que satildeo ditas substacircncias primeiras e tambeacutem os gecircneros destasrdquo Cat 5 2a11 (Trad Lucas Angioni)

16

Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e

forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em

Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11

que eacute priorizada em

relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade

que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que

da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo

ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112

Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber

se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo

se predica de outrem

Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma

ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις

e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I

1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)

A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute

sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute

em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa

atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13

observa que atualidade

eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz

sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de

um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x

Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade

σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ

μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει

Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer

alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de

espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)

11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου

οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute

justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)

εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua

substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου

γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ

ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles

elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute

elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo

quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da

quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149

17

Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo

psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma

forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie

Segundo Polansky14

Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser

vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes

divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute

de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em

gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a

indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim

Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos

tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas

Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo

εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ

καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι

οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο

Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma

uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a

de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado

universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro

atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)

Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo

de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular

esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma

pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo

gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15

a

existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um

universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um

gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo

geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem

necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de

definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo

enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute

mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema

consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie

14 2007 34-35 15 2008 45

18

ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ

τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον

τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro

investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre

estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou

suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)

Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas

capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como

um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam

distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal

ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ

ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς

Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que

possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1

403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma

Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou

de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente

Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a

tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16

Isto faria desta parte do intelecto uma

afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17

comenta que este eacute

um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees

proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo

contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve

conter o corpo em seu enunciado

O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que

investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a

16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]

quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς

τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς

εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ

ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς

ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer

necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash

mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter

ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute

necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo

PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)

19

alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e

portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a

definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por

fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo

20

2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES

A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro

ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando

argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de

um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas

capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto

visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo

geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de

vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das

capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses

distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I

1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia

21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA

Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees

relativas agrave alma que ela eacute una18

e imoacutevel19

Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1

ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)

que abarque as vaacuterias formas de vida

18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ

εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ

μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ

τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ

χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ

ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης

ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a

viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes

tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois

natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da

alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes

satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas

plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe

separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a

alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad

Gomes dos Reis)

ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ

ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute

claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)

φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ

κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer

subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute

movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)

21

Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ

ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος

αὐτῆς

Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos

predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e

qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)

A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma

comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo

a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes

(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as

formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira

parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute

enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo

formuladas nos outros capiacutetulos

Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento

λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ

οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον

τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ

μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν

Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no

sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido

de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim

no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a

forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II

1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica

Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para

um soacute20

O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a

substacircncia21

(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de

ambas ( tograve ek touacutetoon) 22

Apesar da mateacuteria ser indeterminada23

permanece na mudanccedila e eacute

20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν

τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de

muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas

Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE

sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a

substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν

ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι

ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν

γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por

todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o

substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas

22

objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser

determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria

determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa

definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24

Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma

assim como o composto de ambas

A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente

relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na

filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em

potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser

em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja

por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25

A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio

de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute

algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo

determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de

forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das

substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani

Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ

κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας

κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ

αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo

determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da

qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das

categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada

da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra

categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3

1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ

δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ

εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας

ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para

proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem

ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro

que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos

elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava

elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)

φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια

ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute

por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H

2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον

(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν

πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de

movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o

princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12

1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)

23

relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26

Na medida em que as coisas satildeo

constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da

accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem

em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a

parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja

enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa

a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas

estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo

Ser apto a caminhar e estar caminhando

οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν

ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν

δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς

οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη

E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram

os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm

vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o

decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido

de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre

as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27

por serem mais evidentes aos sentidos O que

26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον

εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ

δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ

ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se

potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo

facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se

natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo

impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas

por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf

26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ

τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ

ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por

exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas

a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque

natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani

Reale)

Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι

καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου

τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι

τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como

estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de

um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias

Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que

indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas

natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)

24

Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo

origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo

satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que

deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam

entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os

corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo

tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles

conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia

compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e

forma (alma) tendo como atividade o viver

ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ

ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον

ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος

E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a

alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute

como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como

forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)

Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de

alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar

qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um

corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria

(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode

ser corpo pois ela que o predica

Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas

enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28

Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o

substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato

determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as

determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado

ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια

αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας

λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra

aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em

funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H

1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)

28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de

que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash

1029a1 (Trad Giovani Reale)

25

acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da

qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado

que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo

podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto

metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que

este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo

Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se

necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido

enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente

vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com

este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem

abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma

Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute

dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o

princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio

e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo

Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a

partir e em vista do que a vida se daacute

Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A

primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de

inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se

atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a

alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o

ser vivente

Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas

caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute

que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo

potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida

ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ

μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ

ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ

θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ

ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν

ἔχοντος

E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute

atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o

26

inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma

haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir

a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute

a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-

28 (Trad Gomes dos Reis)

Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a

atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)

estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem

executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo

Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira

(enteleacutekheia proteacute) Charlton29

propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no

primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto

aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)

Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre

um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade

διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ

αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ

ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν

ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον

δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς

θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως

ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες

ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ

πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν

γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον

Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute

agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no

sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e

possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor

por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira

o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir

nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade

conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo

conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar

vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por

passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em

exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)

O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a

percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam

realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra

em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a

capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o

29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84

27

que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade

da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na

primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta

disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade

dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso

eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado

de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente

Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de

atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute

adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua

disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente

Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto

princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a

forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9

εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος

φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν

κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ

εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν

Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira

atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se

alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem

se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser

de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)

O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades

proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade

entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a

unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio

agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara

οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι

τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία

αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ

ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ

ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ

Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um

corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o

machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma

Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na

verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um

corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio

28

de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo

proacutepria)

Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em

412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio

organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo

natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de

alma e o que era para ser31

(tograve tiacute ecircn eicircnai)

Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu

princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser

vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32

sustenta que a determinaccedilatildeo da

essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a

funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver

31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos

pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni

tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com

o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai

toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas

constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo

etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras

expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +

dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser

enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32

1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal

como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o

interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a

discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89

nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora

estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria

perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a

essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora

estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada

como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a

origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the

surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without

which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body

as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he

goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This

is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not

being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os

coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou

essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos

Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a

Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente

entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um

machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN

1993 85) (Trad proacutepria)

29

e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33

pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que

lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida

Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final

do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo

de definiccedilatildeo34

Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto

psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de

definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da

alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e

argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que

denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles

se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a

alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute

princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos

para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador

das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das

capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo

o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo

proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo

correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo

pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de

vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o

curso da investigaccedilatildeo sobre a alma

33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por

exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a

locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um

verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado

como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de

definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)

30

22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES

DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas

natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma

revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de

definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico

Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον

γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ

τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν

αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων

εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι

ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ

τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον

E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior

inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente

discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor

esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e

expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O

que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um

retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua

vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA

II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)

Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais

manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras

(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao

contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos

que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros

eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma

como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida

nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro

Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo

apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e

tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o

porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo

enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e

ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois

ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade

de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa

menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo

31

Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o

corpo e a vida

λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ

ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό

φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ

τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις

Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do

inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive

se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento

local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o

crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor

[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive

[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento

local e repouso decaimento e crescimento

Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades

mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35

Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias

διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ

ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους

οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ

τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν

Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si

mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham

crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para

cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute

para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter

alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)

Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo

τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν

πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα

λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον

O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se

primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo

apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas

possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)

Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico

[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados

E desta uma outra

35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16

32

[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos

Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com

um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto

uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas

premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo

aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que

Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus

predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela

percepccedilatildeo36

Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam

a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse

pressuposto

Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo

a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37

e que a nutriccedilatildeo eacute

a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38

e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo

satildeo uma forma de movimento39

somos levados a crer que o argumento consiste em

[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento

[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)

[P3] tudo o que se move por si eacute animado

[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento

[C1] logo tudo o que vive eacute animado

36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ

καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do

inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos

esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη

καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do

alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum

potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ

οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται

φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento

existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo

participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois

nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA

II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)

E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν

συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser

afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes

dos Reis)

33

Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria

dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da

anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de

onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo

movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40

nos indica que esta eacute

uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel

parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo

Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves

noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3

corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo

atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente

Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de

enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute

explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este

pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale

lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da

coisa sejam previamente conhecidosrdquo41

e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma

coisa pertence a outrardquo42

Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos

vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor

que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta

digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da

psicologia aristoteacutelica

Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade

de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como

40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν

ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ

ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja

movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o

princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada

parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos

animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)

ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ

καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο

συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se

movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos

que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes

vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como

parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26

34

conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as

capacidades que denotam o viver

νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ

τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει

Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades

mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute

definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)

Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles

conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma

explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de

comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela

substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43

reduzem a definiccedilatildeo de alma

agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente

equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa

pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia

como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio

organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade

primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista

do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e

determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)

e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que

caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade

nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana

Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo

pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua

noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das

capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma

que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar

mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta

Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute

que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se

particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles

43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik

(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das

discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)

35

trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas

formas de vida

23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA

A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3

Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um

enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo

permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo

dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica

Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que

precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta

seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma

enunciada em DA II 1

DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de

414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA

II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de

anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas

de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a

uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida

vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-

se a vida humana44

Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite

que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas

avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo

δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ

ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς

εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν

πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ

γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν

ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον

(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς

44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν

ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς

ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις

ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι

τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas

subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como

potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste

somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que

entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e

devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se

locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se

houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)

36

ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν

τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον

ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ

αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν

οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς

Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de

figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e

daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A

respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique

a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por

isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash

pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a

forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as

coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto

no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste

naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no

de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma

de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve

ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo

existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da

perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)

A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a

relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana

mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo

de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira

que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste

em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave

vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida

vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se

faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se

buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a

alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que

decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em

uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no

ser vivente como se segue

ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον

Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais

apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)

Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima

investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma

37

podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma

definiccedilatildeo de alma

Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma

das questotildees elencadas em DA I 145

a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto

tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma

resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto

Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e

homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos

itens

Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as

outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto

vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do

corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a

definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por

concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada

Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1

natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de

alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo

de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica

para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste

corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades

satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente

atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende

logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado

em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual

esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar

45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)

38

3 CONCLUSAtildeO

Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em

momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o

que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois

atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do

corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das

capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como

disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se

mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor

corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser

vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma

das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor

compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas

capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute

princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante

como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser

vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma

noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem

que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo

pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela

seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a

atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e

movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas

definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o

horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige

Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de

Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a

inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o

segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos

capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades

Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do

tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das

definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante

39

do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a

interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute

definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond

comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados

definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo

do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas

diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles

Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele

problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima

Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo

exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que

fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma

que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua

funccedilatildeo

40

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Page 14: A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES

16

Aristoacuteteles compreende a substacircncia primeira como entes particulares enquanto o gecircnero e

forma satildeo substacircncias segundas Sabe-se que Aristoacuteteles inverte esta noccedilatildeo de substacircncia em

Metafiacutesica Z onde substacircncia primeira eacute identificada com a forma11

que eacute priorizada em

relaccedilatildeo ao composto e agrave mateacuteria Portanto as noccedilotildees de substacircncia quantidade e qualidade

que Aristoacuteteles trabalha na definiccedilatildeo de alma no DA I 1 estariam mais proacuteximas das Cat que

da Met Z Eacute o que somos levados a acreditar se considerarmos que esta mesma formulaccedilatildeo

ocorre mais adiante em DA I 5 410a16-2112

Nesta e naquela passagem Aristoacuteteles quer saber

se a alma eacute uma substacircncia particular e determinada ou seja um objeto de predicaccedilatildeo que natildeo

se predica de outrem

Passemos para o segundo elemento que deve estar presente numa definiccedilatildeo de alma

ἔτι δὲ πότερον τῶν ἐν δυνάμει ὄντων ἢ μᾶλλον ἐντελέχειά τις

e ainda se estaacute entre os seres em potecircncia ou antes se eacute uma certa atualidade DA I

1 402a27 (Trad de Gomes dos Reis)

A diferenccedila que os conceitos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (entelekheacuteia) fazem eacute

sobre o estatuto material ou formal da alma Pois se a alma for de natureza material entatildeo eacute

em potecircncia e sujeita ao movimento Entretanto se for de natureza formal seraacute uma certa

atualidade e princiacutepio de determinaccedilatildeo e atividade Gomes dos Reis13

observa que atualidade

eacute colocada em termos vagos (ldquouma certa atualidaderdquoenteleacutekheia tiacutes) o que indica que soacute faz

sentido falar em atualidade enquanto forma especiacutefica quando instanciada em uma mateacuteria de

um tipo uma alma x que se instancia em um corpo de um tipo x

Outro elemento de definiccedilatildeo da alma eacute sua unidade

σκεπτέον δὲ καὶ εἰ μεριστὴ ἢ ἀμερής καὶ πότερον ὁμοειδὴς ἅπασα ψυχὴ ἢ οὔ εἰ δὲ

μὴ ὁμοειδής πότερον εἴδει διαφέρουσα ἢ γένει

Eacute preciso examinar tambeacutem se ela eacute divisiacutevel em partes ou natildeo e se toda e qualquer

alma eacute de mesma forma e no caso de natildeo ser de mesma forma se a diferenccedila eacute de

espeacutecie ou de gecircnero DA I 1 402b1-3 (Trad de Gomes dos Reis)

11 ἕκαστόν τε γὰρ οὐκ ἄλλο δοκεῖ εἶναι τῆς ἑαυτοῦ οὐσίας καὶ τὸ τί ἦν εἶναι λέγεται εἶναι ἡ ἑκάστου

οὐσίαldquoCom efeito a coisa individual natildeo parece ser diferente da proacutepria substacircncia e dizemos que a essecircncia eacute

justamente a substacircncia da coisa individualrdquo Met Z 6 1031ordf17-18 (Trad Giovanni Reale)

εἶδος δὲ λέγω τὸ τί ἦν εἶναι ἑκάστου καὶ τὴν πρώτην οὐσίαν ldquoPor forma entendo a essecircncia de cada coisa e sua

substacircncia primeirardquo Met Z 7 1032b1-2 (Trad Giovanni Reale) 12 ἆρ οὖν ὅσα τῶν οὐσιῶν ἐκ τούτων μόνον πῶς οὖν γινώσκει καὶ τῶν ἄλλων ἕκαστον ἢ φήσουσιν ἑκάστου

γένους εἶναι στοιχεῖα καὶ ἀρχὰς ἰδίας ἐξ ὧν τὴν ψυχὴν συνεστάναι ἔσται ἄρα ποσὸν καὶ ποιὸν καὶ οὐσία ἀλλ

ἀδύνατον ἐκ τῶν τοῦ ποσοῦ στοιχείων οὐσίαν εἶναι καὶ μὴ ποσόνldquoOra seraacute a alma composta somente daqueles

elementos que satildeo comuns agraves substacircncias Como entatildeo conhece ainda cada um dos outros Ou se diraacute que haacute

elementos e princiacutepios particulares a cada gecircnero e que a alma eacute constituiacuteda de todos eles A alma seria entatildeo

quantidade qualidade e substacircncia Mas eacute impossiacutevel que a substacircncia seja composta dos elementos da

quantidade e natildeo seja quantidade ela mesmardquo DA I 5 410a16-21 (Trad Gomes dos Reis) 13 2006 148-149

17

Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo

psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma

forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie

Segundo Polansky14

Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser

vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes

divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute

de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em

gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a

indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim

Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos

tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas

Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo

εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ

καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι

οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο

Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma

uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a

de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado

universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro

atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)

Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo

de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular

esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma

pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo

gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15

a

existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um

universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um

gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo

geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem

necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de

definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo

enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute

mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema

consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie

14 2007 34-35 15 2008 45

18

ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ

τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον

τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro

investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre

estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou

suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)

Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas

capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como

um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam

distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal

ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ

ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς

Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que

possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1

403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma

Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou

de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente

Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a

tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16

Isto faria desta parte do intelecto uma

afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17

comenta que este eacute

um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees

proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo

contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve

conter o corpo em seu enunciado

O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que

investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a

16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]

quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς

τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς

εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ

ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς

ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer

necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash

mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter

ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute

necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo

PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)

19

alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e

portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a

definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por

fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo

20

2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES

A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro

ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando

argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de

um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas

capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto

visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo

geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de

vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das

capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses

distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I

1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia

21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA

Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees

relativas agrave alma que ela eacute una18

e imoacutevel19

Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1

ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)

que abarque as vaacuterias formas de vida

18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ

εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ

μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ

τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ

χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ

ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης

ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a

viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes

tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois

natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da

alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes

satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas

plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe

separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a

alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad

Gomes dos Reis)

ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ

ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute

claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)

φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ

κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer

subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute

movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)

21

Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ

ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος

αὐτῆς

Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos

predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e

qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)

A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma

comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo

a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes

(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as

formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira

parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute

enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo

formuladas nos outros capiacutetulos

Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento

λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ

οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον

τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ

μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν

Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no

sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido

de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim

no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a

forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II

1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica

Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para

um soacute20

O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a

substacircncia21

(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de

ambas ( tograve ek touacutetoon) 22

Apesar da mateacuteria ser indeterminada23

permanece na mudanccedila e eacute

20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν

τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de

muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas

Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE

sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a

substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν

ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι

ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν

γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por

todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o

substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas

22

objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser

determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria

determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa

definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24

Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma

assim como o composto de ambas

A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente

relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na

filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em

potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser

em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja

por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25

A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio

de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute

algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo

determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de

forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das

substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani

Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ

κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας

κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ

αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo

determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da

qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das

categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada

da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra

categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3

1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ

δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ

εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας

ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para

proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem

ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro

que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos

elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava

elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)

φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια

ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute

por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H

2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον

(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν

πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de

movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o

princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12

1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)

23

relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26

Na medida em que as coisas satildeo

constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da

accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem

em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a

parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja

enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa

a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas

estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo

Ser apto a caminhar e estar caminhando

οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν

ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν

δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς

οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη

E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram

os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm

vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o

decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido

de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre

as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27

por serem mais evidentes aos sentidos O que

26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον

εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ

δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ

ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se

potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo

facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se

natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo

impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas

por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf

26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ

τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ

ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por

exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas

a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque

natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani

Reale)

Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι

καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου

τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι

τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como

estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de

um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias

Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que

indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas

natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)

24

Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo

origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo

satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que

deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam

entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os

corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo

tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles

conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia

compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e

forma (alma) tendo como atividade o viver

ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ

ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον

ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος

E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a

alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute

como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como

forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)

Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de

alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar

qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um

corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria

(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode

ser corpo pois ela que o predica

Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas

enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28

Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o

substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato

determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as

determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado

ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια

αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας

λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra

aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em

funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H

1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)

28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de

que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash

1029a1 (Trad Giovani Reale)

25

acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da

qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado

que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo

podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto

metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que

este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo

Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se

necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido

enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente

vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com

este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem

abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma

Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute

dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o

princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio

e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo

Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a

partir e em vista do que a vida se daacute

Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A

primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de

inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se

atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a

alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o

ser vivente

Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas

caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute

que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo

potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida

ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ

μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ

ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ

θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ

ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν

ἔχοντος

E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute

atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o

26

inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma

haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir

a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute

a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-

28 (Trad Gomes dos Reis)

Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a

atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)

estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem

executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo

Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira

(enteleacutekheia proteacute) Charlton29

propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no

primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto

aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)

Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre

um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade

διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ

αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ

ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν

ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον

δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς

θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως

ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες

ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ

πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν

γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον

Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute

agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no

sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e

possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor

por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira

o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir

nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade

conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo

conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar

vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por

passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em

exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)

O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a

percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam

realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra

em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a

capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o

29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84

27

que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade

da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na

primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta

disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade

dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso

eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado

de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente

Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de

atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute

adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua

disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente

Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto

princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a

forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9

εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος

φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν

κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ

εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν

Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira

atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se

alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem

se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser

de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)

O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades

proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade

entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a

unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio

agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara

οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι

τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία

αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ

ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ

ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ

Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um

corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o

machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma

Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na

verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um

corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio

28

de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo

proacutepria)

Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em

412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio

organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo

natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de

alma e o que era para ser31

(tograve tiacute ecircn eicircnai)

Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu

princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser

vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32

sustenta que a determinaccedilatildeo da

essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a

funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver

31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos

pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni

tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com

o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai

toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas

constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo

etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras

expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +

dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser

enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32

1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal

como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o

interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a

discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89

nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora

estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria

perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a

essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora

estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada

como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a

origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the

surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without

which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body

as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he

goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This

is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not

being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os

coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou

essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos

Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a

Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente

entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um

machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN

1993 85) (Trad proacutepria)

29

e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33

pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que

lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida

Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final

do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo

de definiccedilatildeo34

Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto

psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de

definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da

alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e

argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que

denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles

se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a

alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute

princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos

para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador

das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das

capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo

o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo

proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo

correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo

pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de

vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o

curso da investigaccedilatildeo sobre a alma

33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por

exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a

locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um

verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado

como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de

definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)

30

22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES

DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas

natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma

revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de

definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico

Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον

γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ

τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν

αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων

εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι

ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ

τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον

E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior

inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente

discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor

esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e

expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O

que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um

retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua

vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA

II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)

Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais

manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras

(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao

contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos

que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros

eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma

como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida

nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro

Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo

apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e

tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o

porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo

enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e

ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois

ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade

de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa

menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo

31

Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o

corpo e a vida

λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ

ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό

φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ

τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις

Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do

inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive

se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento

local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o

crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor

[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive

[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento

local e repouso decaimento e crescimento

Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades

mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35

Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias

διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ

ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους

οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ

τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν

Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si

mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham

crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para

cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute

para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter

alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)

Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo

τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν

πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα

λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον

O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se

primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo

apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas

possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)

Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico

[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados

E desta uma outra

35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16

32

[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos

Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com

um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto

uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas

premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo

aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que

Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus

predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela

percepccedilatildeo36

Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam

a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse

pressuposto

Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo

a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37

e que a nutriccedilatildeo eacute

a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38

e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo

satildeo uma forma de movimento39

somos levados a crer que o argumento consiste em

[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento

[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)

[P3] tudo o que se move por si eacute animado

[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento

[C1] logo tudo o que vive eacute animado

36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ

καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do

inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos

esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη

καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do

alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum

potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ

οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται

φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento

existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo

participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois

nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA

II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)

E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν

συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser

afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes

dos Reis)

33

Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria

dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da

anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de

onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo

movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40

nos indica que esta eacute

uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel

parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo

Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves

noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3

corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo

atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente

Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de

enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute

explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este

pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale

lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da

coisa sejam previamente conhecidosrdquo41

e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma

coisa pertence a outrardquo42

Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos

vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor

que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta

digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da

psicologia aristoteacutelica

Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade

de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como

40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν

ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ

ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja

movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o

princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada

parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos

animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)

ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ

καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο

συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se

movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos

que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes

vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como

parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26

34

conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as

capacidades que denotam o viver

νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ

τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει

Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades

mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute

definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)

Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles

conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma

explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de

comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela

substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43

reduzem a definiccedilatildeo de alma

agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente

equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa

pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia

como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio

organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade

primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista

do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e

determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)

e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que

caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade

nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana

Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo

pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua

noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das

capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma

que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar

mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta

Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute

que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se

particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles

43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik

(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das

discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)

35

trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas

formas de vida

23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA

A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3

Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um

enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo

permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo

dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica

Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que

precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta

seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma

enunciada em DA II 1

DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de

414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA

II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de

anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas

de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a

uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida

vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-

se a vida humana44

Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite

que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas

avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo

δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ

ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς

εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν

πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ

γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν

ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον

(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς

44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν

ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς

ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις

ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι

τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas

subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como

potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste

somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que

entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e

devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se

locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se

houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)

36

ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν

τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον

ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ

αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν

οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς

Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de

figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e

daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A

respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique

a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por

isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash

pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a

forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as

coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto

no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste

naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no

de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma

de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve

ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo

existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da

perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)

A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a

relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana

mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo

de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira

que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste

em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave

vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida

vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se

faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se

buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a

alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que

decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em

uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no

ser vivente como se segue

ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον

Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais

apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)

Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima

investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma

37

podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma

definiccedilatildeo de alma

Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma

das questotildees elencadas em DA I 145

a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto

tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma

resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto

Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e

homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos

itens

Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as

outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto

vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do

corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a

definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por

concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada

Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1

natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de

alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo

de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica

para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste

corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades

satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente

atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende

logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado

em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual

esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar

45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)

38

3 CONCLUSAtildeO

Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em

momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o

que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois

atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do

corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das

capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como

disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se

mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor

corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser

vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma

das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor

compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas

capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute

princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante

como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser

vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma

noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem

que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo

pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela

seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a

atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e

movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas

definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o

horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige

Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de

Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a

inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o

segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos

capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades

Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do

tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das

definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante

39

do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a

interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute

definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond

comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados

definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo

do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas

diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles

Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele

problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima

Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo

exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que

fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma

que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua

funccedilatildeo

40

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Page 15: A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES

17

Aqui reside um dos problemas mais comprometedores sobre a investigaccedilatildeo

psicoloacutegica aristoteacutelica a) A alma eacute divisiacutevel ou indivisiacutevel b) cada parte da alma teria uma

forma proacutepria c) Caso seja divisiacutevel as almas se diferenciam em gecircnero ou espeacutecie

Segundo Polansky14

Aristoacuteteles resolve esta bateria de problemas supondo que um ser

vivente tem sua proacutepria alma cujas partes correspondam agraves funccedilotildees sendo estas partes

divisiacuteveis pelos tipos de vida (vegetativa animal humana) A divisibilidade das partes se daacute

de acordo com a capacidade aniacutemica que eacute viver segundo uma atividade e se distinguiria em

gecircnero (a vida perceptiva) ou espeacutecie (catildees cavalos e homem) Isto que garantiraacute a

indivisibilidade da alma ao longo dos tipos de vida segundo suas capacidades Assim

Aristoacuteteles consegue ter um enunciado formal que garanta a unidade geneacuterica fazendo dos

tipos de vida como espeacutecies de seres vivos e as capacidades suas diferenccedilas especiacuteficas

Definido isto deve-se inquirir sobre a amplitude da definiccedilatildeo

εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ

καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι

οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν ἄλλο κατηγοροῖτο

Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma

uacutenica definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a

de cavalo catildeo homem divindade sendo neste caso o animal considerado

universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo ocorrendo para qualquer outro

atributo comum que for predicado DA I 1 402b4-9 (Trad de Gomes dos Reis)

Ateacute aqui Aristoacuteteles se debruccedilava sobre os elementos que devem compor a definiccedilatildeo

de alma Daqui adiante a questatildeo passa a ser qual a abordagem de pesquisa para se formular

esta definiccedilatildeo E um primeiro ponto se refere agrave abrangecircncia da definiccedilatildeo Dado que a alma

pode ter partes sendo estas partes divisiacuteveis ou natildeo a definiccedilatildeo deve ser geral e abranger todo

gecircnero de alma ou deve haver uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie de alma Para Polansky15

a

existecircncia de gecircneros eacute questionaacutevel pois parecem ser universais Noacutes natildeo encontramos um

universal tal qual Soacutecrates e Caacutelias pois estes satildeo particulares Tambeacutem natildeo encontramos um

gecircnero de alma tal qual catildees e cavalos pois estes satildeo espeacutecies Deste modo uma definiccedilatildeo

geneacuterica ofereceria apenas uma noccedilatildeo comum segundo as espeacutecies de alma sem

necessariamente enunciar suas as espeacutecies Portanto esta questatildeo contrasta duas noccedilotildees de

definiccedilatildeo da alma a particular (kathrsquo hekaacutesten) e universal (tograve kathoacutelou) Esta tensatildeo

enunciada aqui persistiraacute nas questotildees posteriores ainda neste capiacutetulo mas se evidenciaraacute

mais fortemente nos enunciados de alma presentes em DA II 1-3 Em siacutentese o problema

consiste em saber se a definiccedilatildeo de alma deve ser pelo seu gecircnero ou sua espeacutecie

14 2007 34-35 15 2008 45

18

ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ

τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον

τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro

investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre

estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou

suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)

Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas

capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como

um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam

distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal

ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ

ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς

Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que

possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1

403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma

Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou

de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente

Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a

tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16

Isto faria desta parte do intelecto uma

afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17

comenta que este eacute

um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees

proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo

contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve

conter o corpo em seu enunciado

O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que

investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a

16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]

quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς

τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς

εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ

ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς

ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer

necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash

mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter

ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute

necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo

PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)

19

alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e

portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a

definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por

fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo

20

2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES

A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro

ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando

argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de

um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas

capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto

visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo

geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de

vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das

capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses

distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I

1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia

21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA

Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees

relativas agrave alma que ela eacute una18

e imoacutevel19

Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1

ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)

que abarque as vaacuterias formas de vida

18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ

εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ

μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ

τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ

χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ

ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης

ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a

viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes

tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois

natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da

alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes

satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas

plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe

separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a

alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad

Gomes dos Reis)

ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ

ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute

claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)

φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ

κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer

subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute

movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)

21

Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ

ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος

αὐτῆς

Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos

predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e

qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)

A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma

comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo

a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes

(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as

formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira

parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute

enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo

formuladas nos outros capiacutetulos

Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento

λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ

οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον

τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ

μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν

Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no

sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido

de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim

no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a

forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II

1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica

Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para

um soacute20

O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a

substacircncia21

(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de

ambas ( tograve ek touacutetoon) 22

Apesar da mateacuteria ser indeterminada23

permanece na mudanccedila e eacute

20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν

τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de

muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas

Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE

sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a

substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν

ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι

ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν

γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por

todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o

substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas

22

objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser

determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria

determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa

definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24

Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma

assim como o composto de ambas

A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente

relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na

filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em

potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser

em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja

por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25

A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio

de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute

algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo

determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de

forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das

substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani

Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ

κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας

κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ

αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo

determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da

qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das

categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada

da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra

categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3

1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ

δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ

εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας

ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para

proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem

ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro

que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos

elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava

elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)

φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια

ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute

por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H

2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον

(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν

πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de

movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o

princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12

1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)

23

relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26

Na medida em que as coisas satildeo

constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da

accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem

em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a

parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja

enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa

a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas

estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo

Ser apto a caminhar e estar caminhando

οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν

ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν

δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς

οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη

E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram

os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm

vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o

decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido

de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre

as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27

por serem mais evidentes aos sentidos O que

26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον

εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ

δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ

ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se

potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo

facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se

natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo

impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas

por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf

26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ

τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ

ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por

exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas

a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque

natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani

Reale)

Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι

καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου

τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι

τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como

estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de

um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias

Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que

indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas

natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)

24

Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo

origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo

satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que

deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam

entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os

corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo

tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles

conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia

compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e

forma (alma) tendo como atividade o viver

ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ

ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον

ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος

E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a

alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute

como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como

forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)

Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de

alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar

qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um

corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria

(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode

ser corpo pois ela que o predica

Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas

enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28

Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o

substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato

determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as

determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado

ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια

αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας

λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra

aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em

funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H

1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)

28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de

que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash

1029a1 (Trad Giovani Reale)

25

acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da

qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado

que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo

podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto

metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que

este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo

Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se

necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido

enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente

vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com

este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem

abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma

Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute

dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o

princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio

e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo

Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a

partir e em vista do que a vida se daacute

Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A

primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de

inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se

atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a

alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o

ser vivente

Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas

caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute

que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo

potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida

ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ

μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ

ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ

θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ

ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν

ἔχοντος

E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute

atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o

26

inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma

haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir

a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute

a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-

28 (Trad Gomes dos Reis)

Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a

atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)

estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem

executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo

Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira

(enteleacutekheia proteacute) Charlton29

propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no

primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto

aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)

Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre

um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade

διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ

αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ

ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν

ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον

δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς

θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως

ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες

ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ

πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν

γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον

Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute

agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no

sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e

possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor

por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira

o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir

nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade

conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo

conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar

vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por

passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em

exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)

O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a

percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam

realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra

em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a

capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o

29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84

27

que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade

da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na

primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta

disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade

dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso

eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado

de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente

Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de

atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute

adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua

disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente

Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto

princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a

forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9

εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος

φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν

κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ

εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν

Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira

atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se

alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem

se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser

de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)

O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades

proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade

entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a

unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio

agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara

οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι

τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία

αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ

ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ

ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ

Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um

corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o

machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma

Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na

verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um

corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio

28

de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo

proacutepria)

Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em

412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio

organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo

natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de

alma e o que era para ser31

(tograve tiacute ecircn eicircnai)

Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu

princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser

vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32

sustenta que a determinaccedilatildeo da

essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a

funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver

31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos

pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni

tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com

o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai

toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas

constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo

etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras

expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +

dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser

enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32

1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal

como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o

interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a

discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89

nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora

estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria

perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a

essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora

estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada

como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a

origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the

surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without

which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body

as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he

goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This

is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not

being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os

coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou

essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos

Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a

Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente

entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um

machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN

1993 85) (Trad proacutepria)

29

e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33

pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que

lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida

Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final

do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo

de definiccedilatildeo34

Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto

psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de

definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da

alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e

argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que

denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles

se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a

alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute

princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos

para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador

das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das

capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo

o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo

proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo

correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo

pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de

vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o

curso da investigaccedilatildeo sobre a alma

33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por

exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a

locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um

verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado

como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de

definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)

30

22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES

DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas

natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma

revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de

definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico

Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον

γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ

τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν

αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων

εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι

ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ

τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον

E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior

inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente

discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor

esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e

expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O

que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um

retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua

vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA

II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)

Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais

manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras

(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao

contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos

que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros

eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma

como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida

nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro

Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo

apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e

tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o

porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo

enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e

ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois

ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade

de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa

menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo

31

Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o

corpo e a vida

λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ

ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό

φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ

τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις

Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do

inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive

se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento

local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o

crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor

[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive

[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento

local e repouso decaimento e crescimento

Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades

mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35

Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias

διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ

ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους

οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ

τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν

Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si

mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham

crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para

cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute

para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter

alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)

Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo

τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν

πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα

λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον

O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se

primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo

apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas

possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)

Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico

[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados

E desta uma outra

35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16

32

[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos

Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com

um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto

uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas

premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo

aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que

Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus

predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela

percepccedilatildeo36

Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam

a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse

pressuposto

Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo

a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37

e que a nutriccedilatildeo eacute

a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38

e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo

satildeo uma forma de movimento39

somos levados a crer que o argumento consiste em

[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento

[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)

[P3] tudo o que se move por si eacute animado

[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento

[C1] logo tudo o que vive eacute animado

36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ

καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do

inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos

esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη

καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do

alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum

potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ

οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται

φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento

existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo

participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois

nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA

II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)

E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν

συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser

afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes

dos Reis)

33

Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria

dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da

anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de

onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo

movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40

nos indica que esta eacute

uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel

parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo

Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves

noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3

corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo

atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente

Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de

enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute

explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este

pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale

lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da

coisa sejam previamente conhecidosrdquo41

e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma

coisa pertence a outrardquo42

Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos

vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor

que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta

digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da

psicologia aristoteacutelica

Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade

de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como

40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν

ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ

ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja

movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o

princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada

parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos

animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)

ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ

καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο

συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se

movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos

que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes

vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como

parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26

34

conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as

capacidades que denotam o viver

νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ

τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει

Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades

mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute

definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)

Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles

conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma

explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de

comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela

substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43

reduzem a definiccedilatildeo de alma

agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente

equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa

pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia

como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio

organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade

primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista

do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e

determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)

e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que

caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade

nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana

Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo

pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua

noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das

capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma

que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar

mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta

Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute

que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se

particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles

43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik

(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das

discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)

35

trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas

formas de vida

23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA

A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3

Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um

enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo

permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo

dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica

Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que

precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta

seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma

enunciada em DA II 1

DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de

414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA

II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de

anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas

de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a

uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida

vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-

se a vida humana44

Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite

que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas

avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo

δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ

ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς

εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν

πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ

γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν

ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον

(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς

44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν

ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς

ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις

ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι

τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas

subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como

potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste

somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que

entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e

devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se

locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se

houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)

36

ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν

τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον

ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ

αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν

οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς

Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de

figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e

daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A

respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique

a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por

isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash

pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a

forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as

coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto

no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste

naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no

de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma

de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve

ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo

existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da

perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)

A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a

relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana

mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo

de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira

que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste

em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave

vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida

vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se

faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se

buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a

alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que

decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em

uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no

ser vivente como se segue

ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον

Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais

apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)

Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima

investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma

37

podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma

definiccedilatildeo de alma

Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma

das questotildees elencadas em DA I 145

a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto

tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma

resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto

Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e

homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos

itens

Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as

outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto

vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do

corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a

definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por

concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada

Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1

natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de

alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo

de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica

para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste

corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades

satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente

atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende

logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado

em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual

esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar

45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)

38

3 CONCLUSAtildeO

Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em

momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o

que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois

atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do

corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das

capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como

disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se

mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor

corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser

vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma

das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor

compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas

capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute

princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante

como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser

vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma

noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem

que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo

pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela

seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a

atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e

movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas

definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o

horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige

Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de

Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a

inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o

segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos

capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades

Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do

tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das

definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante

39

do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a

interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute

definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond

comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados

definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo

do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas

diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles

Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele

problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima

Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo

exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que

fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma

que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua

funccedilatildeo

40

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Page 16: A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES

18

ἔτι δέ εἰ μὴ πολλαὶ ψυχαὶ ἀλλὰ μόρια πότερον δεῖ ζητεῖν πρότερον τὴν ὅλην ψυχὴν ἢ

τὰ μόρια χαλεπὸν δὲ καὶ τούτων διορίσαι ποῖα πέφυκεν ἕτερα ἀλλήλων καὶ πότερον

τὰ μόρια χρὴ ζητεῖν πρότερον ἢ τὰ ἔργα αὐτῶν

Aleacutem disso no caso de serem muitas as partes e natildeo as almas deve-se primeiro

investigar a alma como um todo ou suas partes Tambeacutem eacute difiacutecil definir quais dentre

estas satildeo por natureza distintas entre si e se eacute uacutetil investigar primeiro as partes ou

suas funccedilotildees DA I 1 402b9-12 (Trad de Gomes dos Reis)

Na medida em que a alma eacute composta de partes que correspondem agraves suas

capacidades se decide se a investigaccedilatildeo abordaraacute primeiramente suas partes ou a alma como

um todo aleacutem de como investigar a capacidade ou a funccedilatildeo caso as capacidades sejam

distintas Ou seja eacute preciso decidir se a investigaccedilatildeo se inicia pela percepccedilatildeo ou pelo animal

ἀπορίαν δ ἔχει καὶ τὰ πάθη τῆς ψυχῆς πότερόν ἐστι πάντα κοινὰ καὶ τοῦ ἔχοντος ἢ

ἔστι τι καὶ τῆς ψυχῆς ἴδιον αὐτῆς

Haacute ainda a dificuldade de saber se as afecccedilotildees da alma satildeo todas comuns agravequilo que

possui alma ou se haacute tambeacutem alguma afecccedilatildeo proacutepria agrave alma tatildeo somente DA I 1

403a3-5 (Trad de Gomes dos Reis)

Apoacutes uma exaustiva exposiccedilatildeo do que deve compor a definiccedilatildeo de alma

Aristoacuteteles elenca o uacuteltimo requisito de sua investigaccedilatildeo o grau de separabilidade da alma ou

de alguma de suas partes As capacidades de movimento reproduccedilatildeo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo e

imaginaccedilatildeo parecem ter sua ocorrecircncia no composto de corpo e alma que eacute o ser vivente

Entretanto haacute na teoria aristoteacutelica do intelecto sua face passiva e ativa conforme formulou a

tradiccedilatildeo sendo a ativa de natureza separada e imortal16

Isto faria desta parte do intelecto uma

afecccedilatildeo proacutepria da alma sem ocorrecircncia conjunta com o corpo Filopono17

comenta que este eacute

um problema determinante para a composiccedilatildeo da definiccedilatildeo de alma Se a alma tem afecccedilotildees

proacuteprias e separadas do corpo a definiccedilatildeo dispensaraacute o corpo de seu enunciado Se pelo

contraacuterio as afecccedilotildees aniacutemicas tecircm ocorrecircncia corpoacuterea entatildeo a definiccedilatildeo de alma deve

conter o corpo em seu enunciado

O que se conquista enfim com esta taacutebua de definiccedilatildeo em De Anima I 1 Que

investigar a natureza da alma eacute responder a seu gecircnero de ser o que implica em saber se a

16χωρισθεὶς δ ἐστὶ μόνον τοῦθ ὅπερ ἐστί καὶ τοῦτο μόνον ἀθάνατον καὶ ἀΐδιον ldquoSomente isto [o intelecto]

quando separado eacute propriamente o que eacute e somente isto eacute imortal e eternordquo DA III 5 (Trad Gomes dos Reis) 17 εἰ μὲν οὖν ὡς ὀργάνῳ χρῆται τῷ σώματι ἰδίᾳ ἔχουσα τὰς ἐνεργείας οὐ δεῖ προσχρήσασθαι τῷ σώματι πρὸς

τὸν ὁρισμόν οὐ γὰρ συμπληροῖ τὴν οὐσίαν τοῦ τέκτονος τὸ σκέπαρνον εἰ δὲ ἐν τῷ σώματι ἔχει τὸ εἶναι ὡς

εἶναι τὰς ἐνεργείας τοῦ συναμφοτέρου ἀνάγκη προσχρήσασθαι ἐν τῷ ὁρισμῷ τῷ σώματι ὥσπερ ἐπὶ τοῦ θυμοῦ

ἐλέγομεν ἀναγκαία οὖν ἡ τούτων λῆψις οὐκ εὐχερὴς δέ ltπάθηgt δὲ κοινότερον τὰς ἐνεργείας τῆς ψυχῆς

ἐκάλεσε ldquoSe usa o corpo como instrumento e tem suas atividades peculiares a si mesmo natildeo haacute qualquer

necessidade de se remeter ao corpo na definiccedilatildeo ndash pois um machado natildeo completa a essecircncia de um carpinteiro ndash

mas se a alma tem seu ser no corpo e suas atividades pertencem ao composto eacute necessaacuterio tambeacutem se remeter

ao corpo na definiccedilatildeo tal qual como nos referimos em relaccedilatildeo ao iacutempeto Estabelecer essas coisas entatildeo eacute

necessaacuterio poreacutem natildeo eacute faacutecil Afecccedilatildeo eacute o termo mais geral que ele usa para as atividades da almardquo

PHILOPONUS Com DA 4429-35 (Trad da trad de P J Eijk)

19

alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e

portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a

definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por

fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo

20

2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES

A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro

ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando

argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de

um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas

capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto

visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo

geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de

vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das

capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses

distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I

1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia

21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA

Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees

relativas agrave alma que ela eacute una18

e imoacutevel19

Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1

ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)

que abarque as vaacuterias formas de vida

18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ

εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ

μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ

τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ

χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ

ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης

ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a

viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes

tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois

natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da

alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes

satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas

plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe

separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a

alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad

Gomes dos Reis)

ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ

ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute

claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)

φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ

κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer

subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute

movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)

21

Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ

ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος

αὐτῆς

Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos

predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e

qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)

A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma

comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo

a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes

(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as

formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira

parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute

enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo

formuladas nos outros capiacutetulos

Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento

λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ

οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον

τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ

μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν

Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no

sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido

de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim

no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a

forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II

1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica

Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para

um soacute20

O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a

substacircncia21

(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de

ambas ( tograve ek touacutetoon) 22

Apesar da mateacuteria ser indeterminada23

permanece na mudanccedila e eacute

20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν

τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de

muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas

Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE

sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a

substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν

ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι

ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν

γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por

todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o

substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas

22

objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser

determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria

determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa

definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24

Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma

assim como o composto de ambas

A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente

relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na

filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em

potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser

em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja

por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25

A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio

de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute

algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo

determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de

forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das

substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani

Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ

κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας

κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ

αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo

determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da

qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das

categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada

da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra

categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3

1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ

δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ

εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας

ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para

proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem

ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro

que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos

elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava

elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)

φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια

ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute

por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H

2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον

(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν

πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de

movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o

princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12

1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)

23

relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26

Na medida em que as coisas satildeo

constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da

accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem

em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a

parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja

enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa

a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas

estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo

Ser apto a caminhar e estar caminhando

οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν

ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν

δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς

οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη

E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram

os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm

vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o

decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido

de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre

as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27

por serem mais evidentes aos sentidos O que

26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον

εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ

δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ

ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se

potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo

facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se

natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo

impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas

por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf

26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ

τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ

ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por

exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas

a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque

natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani

Reale)

Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι

καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου

τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι

τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como

estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de

um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias

Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que

indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas

natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)

24

Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo

origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo

satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que

deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam

entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os

corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo

tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles

conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia

compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e

forma (alma) tendo como atividade o viver

ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ

ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον

ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος

E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a

alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute

como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como

forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)

Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de

alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar

qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um

corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria

(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode

ser corpo pois ela que o predica

Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas

enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28

Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o

substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato

determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as

determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado

ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια

αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας

λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra

aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em

funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H

1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)

28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de

que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash

1029a1 (Trad Giovani Reale)

25

acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da

qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado

que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo

podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto

metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que

este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo

Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se

necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido

enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente

vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com

este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem

abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma

Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute

dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o

princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio

e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo

Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a

partir e em vista do que a vida se daacute

Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A

primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de

inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se

atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a

alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o

ser vivente

Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas

caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute

que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo

potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida

ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ

μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ

ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ

θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ

ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν

ἔχοντος

E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute

atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o

26

inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma

haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir

a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute

a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-

28 (Trad Gomes dos Reis)

Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a

atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)

estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem

executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo

Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira

(enteleacutekheia proteacute) Charlton29

propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no

primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto

aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)

Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre

um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade

διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ

αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ

ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν

ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον

δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς

θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως

ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες

ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ

πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν

γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον

Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute

agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no

sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e

possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor

por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira

o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir

nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade

conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo

conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar

vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por

passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em

exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)

O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a

percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam

realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra

em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a

capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o

29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84

27

que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade

da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na

primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta

disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade

dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso

eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado

de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente

Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de

atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute

adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua

disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente

Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto

princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a

forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9

εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος

φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν

κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ

εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν

Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira

atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se

alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem

se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser

de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)

O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades

proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade

entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a

unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio

agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara

οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι

τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία

αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ

ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ

ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ

Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um

corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o

machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma

Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na

verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um

corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio

28

de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo

proacutepria)

Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em

412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio

organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo

natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de

alma e o que era para ser31

(tograve tiacute ecircn eicircnai)

Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu

princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser

vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32

sustenta que a determinaccedilatildeo da

essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a

funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver

31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos

pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni

tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com

o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai

toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas

constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo

etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras

expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +

dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser

enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32

1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal

como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o

interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a

discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89

nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora

estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria

perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a

essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora

estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada

como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a

origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the

surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without

which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body

as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he

goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This

is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not

being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os

coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou

essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos

Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a

Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente

entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um

machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN

1993 85) (Trad proacutepria)

29

e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33

pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que

lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida

Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final

do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo

de definiccedilatildeo34

Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto

psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de

definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da

alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e

argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que

denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles

se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a

alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute

princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos

para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador

das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das

capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo

o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo

proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo

correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo

pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de

vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o

curso da investigaccedilatildeo sobre a alma

33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por

exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a

locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um

verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado

como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de

definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)

30

22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES

DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas

natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma

revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de

definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico

Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον

γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ

τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν

αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων

εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι

ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ

τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον

E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior

inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente

discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor

esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e

expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O

que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um

retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua

vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA

II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)

Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais

manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras

(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao

contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos

que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros

eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma

como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida

nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro

Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo

apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e

tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o

porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo

enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e

ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois

ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade

de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa

menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo

31

Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o

corpo e a vida

λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ

ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό

φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ

τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις

Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do

inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive

se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento

local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o

crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor

[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive

[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento

local e repouso decaimento e crescimento

Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades

mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35

Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias

διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ

ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους

οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ

τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν

Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si

mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham

crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para

cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute

para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter

alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)

Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo

τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν

πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα

λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον

O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se

primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo

apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas

possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)

Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico

[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados

E desta uma outra

35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16

32

[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos

Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com

um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto

uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas

premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo

aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que

Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus

predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela

percepccedilatildeo36

Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam

a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse

pressuposto

Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo

a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37

e que a nutriccedilatildeo eacute

a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38

e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo

satildeo uma forma de movimento39

somos levados a crer que o argumento consiste em

[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento

[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)

[P3] tudo o que se move por si eacute animado

[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento

[C1] logo tudo o que vive eacute animado

36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ

καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do

inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos

esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη

καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do

alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum

potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ

οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται

φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento

existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo

participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois

nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA

II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)

E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν

συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser

afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes

dos Reis)

33

Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria

dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da

anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de

onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo

movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40

nos indica que esta eacute

uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel

parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo

Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves

noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3

corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo

atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente

Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de

enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute

explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este

pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale

lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da

coisa sejam previamente conhecidosrdquo41

e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma

coisa pertence a outrardquo42

Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos

vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor

que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta

digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da

psicologia aristoteacutelica

Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade

de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como

40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν

ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ

ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja

movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o

princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada

parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos

animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)

ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ

καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο

συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se

movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos

que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes

vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como

parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26

34

conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as

capacidades que denotam o viver

νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ

τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει

Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades

mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute

definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)

Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles

conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma

explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de

comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela

substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43

reduzem a definiccedilatildeo de alma

agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente

equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa

pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia

como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio

organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade

primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista

do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e

determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)

e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que

caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade

nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana

Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo

pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua

noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das

capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma

que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar

mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta

Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute

que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se

particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles

43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik

(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das

discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)

35

trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas

formas de vida

23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA

A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3

Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um

enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo

permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo

dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica

Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que

precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta

seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma

enunciada em DA II 1

DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de

414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA

II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de

anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas

de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a

uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida

vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-

se a vida humana44

Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite

que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas

avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo

δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ

ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς

εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν

πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ

γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν

ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον

(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς

44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν

ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς

ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις

ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι

τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas

subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como

potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste

somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que

entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e

devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se

locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se

houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)

36

ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν

τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον

ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ

αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν

οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς

Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de

figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e

daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A

respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique

a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por

isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash

pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a

forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as

coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto

no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste

naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no

de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma

de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve

ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo

existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da

perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)

A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a

relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana

mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo

de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira

que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste

em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave

vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida

vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se

faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se

buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a

alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que

decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em

uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no

ser vivente como se segue

ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον

Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais

apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)

Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima

investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma

37

podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma

definiccedilatildeo de alma

Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma

das questotildees elencadas em DA I 145

a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto

tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma

resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto

Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e

homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos

itens

Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as

outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto

vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do

corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a

definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por

concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada

Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1

natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de

alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo

de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica

para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste

corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades

satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente

atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende

logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado

em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual

esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar

45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)

38

3 CONCLUSAtildeO

Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em

momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o

que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois

atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do

corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das

capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como

disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se

mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor

corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser

vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma

das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor

compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas

capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute

princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante

como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser

vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma

noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem

que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo

pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela

seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a

atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e

movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas

definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o

horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige

Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de

Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a

inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o

segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos

capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades

Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do

tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das

definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante

39

do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a

interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute

definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond

comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados

definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo

do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas

diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles

Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele

problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima

Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo

exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que

fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma

que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua

funccedilatildeo

40

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Page 17: A NOÇÃO DE ALMA NO DE ANIMA DE ARISTÓTELES

19

alma eacute potencialmente ou em atualidade Isto posto se a alma eacute como uma substacircncia e

portanto una ou separaacutevel e caso seja em partes se satildeo divisiacuteveis ou natildeo Aleacutem disso se a

definiccedilatildeo deve abranger diversos tipos de alma ou se haacute uma definiccedilatildeo para cada espeacutecie Por

fim se sua investigaccedilatildeo parte das partes ou do todo

20

2 A NOCcedilAtildeO DE ALMA EM ARISTOacuteTELES

A noccedilatildeo de alma em Aristoacuteteles obedece trecircs momentos de elaboraccedilatildeo Um primeiro

ao longo da discussatildeo das endoxai de seus predecessores em DA I 2-5 Em outro quando

argumenta por conceitos metafiacutesicos e formula a noccedilatildeo geral de alma em DA II 1 Aleacutem de

um uacuteltimo a partir de DA II 2 quando se formula uma outra noccedilatildeo de alma pelas

capacidades Esta trajetoacuteria visa (i) levantar as teses que foram elaboradas sobre o assunto

visando extrair certos princiacutepios verdadeiros Com estes princiacutepios (ii) se expotildee a noccedilatildeo

geral Mas esta noccedilatildeo que responde sobre o ser da alma natildeo indica os tipos especiacuteficos de

vida Portanto (iii) eacute preciso inquirir por outra abordagem e provar que a alma eacute princiacutepio das

capacidades que manifestam vida no ser pois atraveacutes dessas capacidades explicamos esses

distintos modos de viver Como se veraacute esta travessia responde agrave taacutebua de definiccedilatildeo de DA I

1 e Aristoacuteteles ara todo o terreno sobre o qual ele ergue sua psicologia

21 A DEFINICcedilAtildeO PELA FORMA

Aristoacuteteles conclui seu levantamento das endoxai em DA I 2-5 com duas noccedilotildees

relativas agrave alma que ela eacute una18

e imoacutevel19

Somente no iniacutecio do livro seguinte em DA II 1

ele apresenta sua noccedilatildeo onde o objetivo traccedilar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos)

que abarque as vaacuterias formas de vida

18 φαίνεται δὲ καὶ τὰ φυτὰ διαιρούμενα ζῆν καὶ τῶν ζῴων ἔνια τῶν ἐντόμων ὡς τὴν αὐτὴν ἔχοντα ψυχὴν τῷ

εἴδει εἰ καὶ μὴ ἀριθμῷ ἑκάτερον γὰρ τῶν μορίων αἴσθησιν ἔχει καὶ κινεῖται κατὰ τόπον ἐπί τινα χρόνον εἰ δὲ

μὴ διατελοῦσιν οὐθὲν ἄτοπον ὄργανα γὰρ οὐκ ἔχουσιν ὥστε σώζειν τὴν φύσιν ἀλλ οὐδὲν ἧττον ἐν ἑκατέρῳ

τῶν μορίων ἅπαντ ἐνυπάρχει τὰ μόρια τῆς ψυχῆς καὶ ὁμοειδῆ ἐστιν ἀλλήλοις καὶ τῇ ὅλῃ ἀλλήλοις μὲν ὡς οὐ

χωριστὰ ὄντα τῇ δ ὅλῃ ψυχῇ ὡς οὐ διαιρετῇ οὔσῃ ἔοικε δὲ καὶ ἡ ἐν τοῖς φυτοῖς ἀρχὴ ψυχή τις εἶναι μόνης γὰρ

ταύτης κοινωνεῖ καὶ ζῷα καὶ φυτά καὶ αὕτη μὲν χωρίζεται τῆς αἰσθητικῆς ἀρχῆς αἴσθησιν δ οὐθὲν ἄνευ ταύτης

ἔχει ldquoEacute manifesto ainda que as plantas ndash e dentre os animais alguns insetos ndash quando secionadas continuam a

viver como se tivessem a mesma alma especificamente ainda que natildeo numericamente pois cada uma das partes

tem sensaccedilatildeo e move-se localmente por algum tempo Se natildeo sobrevivem natildeo resulta em absurdo algum pois

natildeo mantecircm oacutergatildeos aponto de conservar a sua natureza Em cada uma das partes poreacutem estatildeo todas as partes da

alma e nenhuma a menos E elas satildeo da mesma espeacutecie entre si e em relaccedilatildeo agrave alma inteira ndash as diversas partes

satildeo inseparaacuteveis uma das outras embora a alma inteira seja divisiacutevel Parece que o princiacutepio encontrado nas

plantas eacute tambeacutem um certo tipo de alma pois eacute apenas compartilhada por animais e plantas e ela existe

separada do princiacutepio perceptivo embora sem ela nada possa ter percepccedilatildeordquo 411b19-411b30 19ὅτι μὲν οὖν οὔθ ἁρμονίαν οἷόν τ εἶναι τὴν ψυχὴν οὔτε κύκλῳ περιφέρεσθαι δῆλον ἐκ τῶν εἰρημένων ldquoQue a

alma natildeo pode ser harmonia nem locomover-se em ciacuterculo fica claro a partir do que foi ditordquo 408ordf29-30 (Trad

Gomes dos Reis)

ὅτι μὲν οὖν οὐχ οἷόν τε κινεῖσθαι τὴν ψυχήν φανερὸν ἐκ τούτων εἰ δ ὅλως μὴ κινεῖται δῆλον ὡς οὐδ ὑφ

ἑαυτῆς Eacute evidente a partir disso tudo que natildeo eacute possiacutevel que a alma se mova ldquoE se de todo modo natildeo se move eacute

claro tambeacutem que natildeo se move por si mesmardquo 408b30-31 (Trad Gomes dos Reis)

φανερὸν οὖν ἐκ τῶν εἰρημένων ὡς οὔτε τὸ γινώσκειν ὑπάρχει τῇ ψυχῇ διὰ τὸ ἐκ τῶν στοιχείων εἶναι οὔτε τὸ

κινεῖσθαι αὐτὴν καλῶς οὐδ ἀληθῶς λέγεται ldquoEacute manifesto entatildeo a partir do que foi dito que nem o conhecer

subsite na alma por ela ser composta dos elementos nem eacute uma maneira certa ou verdadeira dizer qua a alma eacute

movidardquo 411a24-26 (Trad Gomes dos Reis)

21

Τὰ μὲν δὴ ὑπὸ τῶν πρότερον παραδεδομένα περὶ ψυχῆς εἰρήσθω πάλιν δ ὥσπερ ἐξ

ὑπαρχῆς ἐπανίωμεν πειρώμενοι διορίσαι τί ἐστι ψυχὴ καὶ τίς ἂν εἴη κοινότατος λόγος

αὐτῆς

Tendo dito o suficiente sobre as opiniotildees a respeito da alma fornecida por nossos

predecessores retomemos como que do comeccedilo e tentemos definir o que eacute a alma e

qual seria seu enunciado mais geral 412a1-6 (Trad Gomes dos Reis)

A busca pelo enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) visa uma definiccedilatildeo de alma

comum agraves diversas formas de vida Em meio agrave pluralidade de modos de vida a alma eacute aquilo

a partir do qual essa pluralidade se unifica num gecircnero de ser ndash o dos seres viventes

(empsykhon) Aristoacuteteles compreende que uma noccedilatildeo puramente geneacuterica natildeo explica as

formas especiacuteficas do objeto de estudo Entretanto o enunciado geral responde agrave primeira

parte da taacutebua de definiccedilatildeo como notaremos no decorrer da definiccedilatildeo pela forma que seraacute

enunciada Com eles Aristoacuteteles alicerccedila conceitualmente as outras definiccedilotildees que seratildeo

formuladas nos outros capiacutetulos

Assim entatildeo Aristoacuteteles inicia seu argumento

λέγομεν δὴ γένος ἕν τι τῶν ὄντων τὴν οὐσίαν ταύτης δὲ τὸ μέν ὡς ὕλην ὃ καθ αὑτὸ

οὐκ ἔστι τόδε τι ἕτερον δὲ μορφὴν καὶ εἶδος καθ ἣν ἤδη λέγεται τόδε τι καὶ τρίτον

τὸ ἐκ τούτων ἔστι δ ἡ μὲν ὕλη δύναμις τὸ δ εἶδος ἐντελέχεια καὶ τοῦτο διχῶς τὸ

μὲν ὡς ἐπιστήμη τὸ δ ὡς τὸ θεωρεῖν

Dizemos que um dos gecircneros dos seres eacute a substacircncia E substacircncia primeiro no

sentido de mateacuteria ndash que por si mesmo natildeo eacute algo determinado ndash e ainda no sentido

de figura e forma ndash em virtude do que jaacute se diz que eacute algo determinado ndash e por fim

no sentido de composto de ambas A mateacuteria por sua vez eacute potecircncia ao passo que a

forma eacute atualidade e isto de dois modos seja como ciecircncia seja como inquirir DA II

1 412a6-11(Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles parte de teses presentes em seu tratado de filosofia primeira a Metafiacutesica

Laacute ele investiga o ser enquanto ser que tem muitos significados mas todos convergem para

um soacute20

O que responde a estes diversos significados do que eacute o ser ao ti estiacute eacute a

substacircncia21

(ousiacutea) Satildeo substacircncias a mateacuteria (hyacutele) a forma (morpheacute) e o composto de

ambas ( tograve ek touacutetoon) 22

Apesar da mateacuteria ser indeterminada23

permanece na mudanccedila e eacute

20 διὸ καὶ ἡμῖν τοῦ ὄντος ᾗ ὂν τὰς πρώτας αἰτίας ληπτέον Τὸ δὲ ὂν λέγεται μὲν πολλαχῶς ἀλλὰ πρὸς ἓν καὶ μίαν

τινὰ φύσιν Por isso tambeacutem noacutes devemos apreender as causas primeiras do ente enquanto ente ldquoEnterdquo se diz de

muitas maneiras mas em relaccedilatildeo a algo uacutenico e a uma natureza uacutenicardquo Met G 1-2 1003ordf31-32 (Trad Lucas

Angioni) 21τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν ldquoE

sendo o ente dito de muitos modos eacute evidente que o ente primeiro eacute o que eacute entre todos o que designa a

substacircnciardquo Met Z 2 1028b13-15 (Trad Lucas Angioni) 22 αὗται δ εἰσὶν αἱ αἰσθηταί αἱ δ αἰσθηταὶ οὐσίαι πᾶσαι ὕλην ἔχουσιν ἔστι δ οὐσία τὸ ὑποκείμενον ἄλλως μὲν

ἡ ὕλη (ὕλην δὲ λέγω ἣ μὴ τόδε τι οὖσα ἐνεργείᾳ δυνάμει ἐστὶ τόδε τι) ἄλλως δ ὁ λόγος καὶ ἡ μορφή ὃ τόδε τι

ὂν τῷ λόγῳ χωριστόν ἐστιν τρίτον δὲ τὸ ἐκ τούτων οὗ γένεσις μόνου καὶ φθορά ἐστι καὶ χωριστὸν ἁπλῶς τῶν

γὰρ κατὰ τὸν λόγον οὐσιῶν αἱ μὲν αἱ δ οὔ ldquoE agora devemos reexaminar as substacircncias que satildeo admitidas por

todos E essas satildeo as substacircncias sensiacuteveis Todas as substacircncias sensiacuteveis tecircm mateacuteria E substacircncia eacute o

substrato o qual em certo sentido significa a mateacuteria (chamo mateacuteria o que natildeo eacute algo determinado em ato mas

22

objeto de predicaccedilatildeo caracteriza-se como o substrato (hypokeiacutemenon) do composto Para ser

determinada a mateacuteria depende da forma que lhe confere ser (ti estiacute) Assim toda mateacuteria

determinada pela forma seraacute um composto Por isso Aristoacuteteles defende que uma boa

definiccedilatildeo das substacircncias compostas eacute a que enuncie a determinaccedilatildeo da forma na mateacuteria24

Em suma a substacircncia eacute o gecircnero primeiro de ser sendo esta tanto mateacuteria quanto forma

assim como o composto de ambas

A indeterminaccedilatildeo da mateacuteria e a determinaccedilatildeo da forma estatildeo intrinsecamente

relacionadas aos conceitos correlatos de potecircncia (dyacutenamis) e atualidade (enteleacutekheia) na

filosofia primeira de Aristoacuteteles A mateacuteria eacute indeterminada pois natildeo eacute algo em ato mas em

potecircncia na medida que eacute passiacutevel de determinaccedilatildeo pela forma Aristoacuteteles assinala que ser

em potecircncia significa ter o princiacutepio de movimento (kiacutenesis) ou de modicaccedilatildeo (metaboleacute) seja

por causa extriacutenseca ou intriacutenseca25

A mateacuteria portanto eacute potecircncia pois traz em si o princiacutepio

de ser movida ou modificada por si mesma ou por um outro isto Potecircncia tambeacutem estaacute

algo determinado soacute em potecircncia) num segundo sentido significa a essecircncia e a forma (a qual sendo algo

determinado pode ser separada pelo pensamento) e num terceiro sentido significa o composto de mateacuteria e de

forma (e soacute este estaacute submetido agrave geraccedilatildeo e agrave corrupccedilatildeo e eacute separado em sentido proacuteprio enquanto das

substacircncias entendidas segundo a forma algumas satildeo separadas outras natildeo satildeo)rdquo H 1042a24-31 (Trad Giovani

Reale) 23 λέγω δ ὕλην ἣ καθ αὑτὴν μήτε τὶ μήτε ποσὸν μήτε ἄλλο μηδὲν λέγεται οἷς ὥρισται τὸ ὄν ἔστι γάρ τι καθ οὗ

κατηγορεῖται τούτων ἕκαστον ᾧ τὸ εἶναι ἕτερον καὶ τῶν κατηγοριῶν ἑκάστῃ (τὰ μὲν γὰρ ἄλλα τῆς οὐσίας

κατηγορεῖται αὕτη δὲ τῆς ὕλης) ὥστε τὸ ἔσχατον καθ αὑτὸ οὔτε τὶ οὔτε ποσὸν οὔτε ἄλλο οὐδέν ἐστιν οὐδὲ δὴ

αἱ ἀποφάσεις καὶ γὰρ αὗται ὑπάρξουσι κατὰ συμβεβηκός ldquoChamo mateacuteria aquilo que por si natildeo eacute algo

determinado nem uma quantidade nem qualquer outra das determinaccedilotildees do ser Existe de fato alguma coisa da

qual cada uma dessas determinaccedilotildees eacute predicada alguma coisa cujo ser eacute diferente do ser de cada uma das

categorias Todas as outras categorias com efeito satildeo predicadas da substacircncia e esta por sua vez eacute predicada

da mateacuteria Assim este termo por si natildeo eacute nem algo determinado nem quantidade nem qualquer outra

categoria e natildeo eacute nem sequer as negaccedilotildees destas porque as negaccedilotildees soacute existem de modo acidentalrdquo Met Z 3

1029ordf20-26 (Trad Giovani Reale) 24 οἱ δὲ ἀγγεῖον σκεπαστικὸν χρημάτων καὶ σωμάτων ἤ τι ἄλλο τοιοῦτον προτιθέντες τὴν ἐνέργειαν λέγουσιν οἱ

δ ἄμφω ταῦτα συντιθέντες τὴν τρίτην καὶ τὴν ἐκ τούτων οὐσίαν (ἔοικε γὰρ ὁ μὲν διὰ τῶν διαφορῶν λόγος τοῦ

εἴδους καὶ τῆς ἐνεργείας εἶναι ὁ δ ἐκ τῶν ἐνυπαρχόντων τῆς ὕλης μᾶλλον) ὁμοίως δὲ καὶ οἵους Ἀρχύτας

ἀπεδέχετο ὅρους τοῦ συνάμφω γάρ εἰσιν ldquoAo contraacuterio os que a definem dizendo que eacute um refuacutegio para

proteger coisas e corpos ou alguma outra coisa desse tipo dizendo o que eacute a casa em ato enfim os que unem

ambas as definiccedilotildees experimenta substacircncia no terceiro significado como composto de mateacuteria e forma Eacute claro

que a definiccedilatildeo dada pelas diferenccedilas refere-se agrave forma e ao ato enquanto a definiccedilatildeo dada a partir dos

elementos refere-se prioritariamente agrave mateacuteria Semelhantes a estas eram as definiccedilotildees que Arquita aprovava

elas referiam-se ao conjunto de mateacuteria e formardquo H 2 1043ordf17-21 (Trad Giovani Reale)

φανερὸν δὴ ἐκ τῶν εἰρημένων τίς ἡ αἰσθητὴ οὐσία ἐστὶ καὶ πῶς ἡ μὲν γὰρ ὡς ὕλη ἡ δ ὡς μορφὴ καὶ ἐνέργεια

ἡ δὲ τρίτη ἡ ἐκ τούτων ldquoDo que foi dito fica claro o que eacute a substacircncia sensiacutevel e qual eacute seu modo de ser ela eacute

por um lado mateacuteria por outro forma e ato e num terceiro sentido o conjunto de mateacuteria e de formardquo Met H

2 1043a26-28 (Trad Giovani Reale) 25 ἡ μὲν οὖν ὅλως ἀρχὴ μεταβολῆς ἢ κινήσεως λέγεται δύναμις ἐν ἑτέρῳ ἢ ᾗ ἕτερον ἡ δ ὑφ ἑτέρου ἢ ᾗ ἕτερον

(καθ ἣν γὰρ τὸ πάσχον πάσχει τι ὁτὲ μὲν ἐὰν ὁτιοῦν δυνατὸν αὐτό φαμεν εἶναι παθεῖν ὁτὲ δ οὐ κατὰ πᾶν

πάθος ἀλλ ἂν ἐπὶτὸ βέλτιον) ldquoPotecircncia portanto significa em primeiro lugar esse princiacutepio de mudanccedila ou de

movimento que se encontra em outra coisa ou na propria coisa enquanto outra e em segundo lugar significa o

princiacutepio pelo qual uma coisa eacute mudada ou movida por outra ou por si mesma enquanto outrardquo Met Δ 12

1019ordf19-23 (Trad Giovani Reale)

23

relacionada ao princiacutepio de geraccedilatildeo e corrupccedilatildeo26

Na medida em que as coisas satildeo

constituiacutedas de um determinado modo elas trazem em potecircncia a manutenccedilatildeo de si diante da

accedilatildeo de outra coisa como a parede que natildeo quebra se batida com um copo de vidro ou trazem

em potecircncia a degeneraccedilatildeo tal qual um copo de vidro que quebra quando lanccedilado contra a

parede Jaacute a forma eacute atualidade (enteleacutekheia) tanto como ciecircncia quanto inquirir ou seja

enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) e atividade (energeia) Atualidade enquanto disposiccedilatildeo significa

a jaacute detenccedilatildeo de determinada capacidade mas sem sua atividade Ser apto a caminhar mas

estar sentado por exemplo Jaacute ato enquanto atividade significa o exerciacutecio dessa disposiccedilatildeo

Ser apto a caminhar e estar caminhando

οὐσίαι δὲ μάλιστ εἶναι δοκοῦσι τὰ σώματα καὶ τούτων τὰ φυσικά ταῦτα γὰρ τῶν

ἄλλων ἀρχαί τῶν δὲ φυσικῶν τὰ μὲν ἔχει ζωήν τὰ δ οὐκ ἔχει ζωὴν δὲ λέγομεν τὴν

δι αὑτοῦ τροφήν τε καὶ αὔξησιν καὶ φθίσιν ὥστε πᾶν σῶμα φυσικὸν μετέχον ζωῆς

οὐσία ἂν εἴη οὐσία δ οὕτως ὡς συνθέτη

E haacute a opiniatildeo de que sobretudo os corpos satildeo substacircncia entre os quais se encontram

os corpos naturais que satildeo princiacutepios dos demais Dos corpos naturais alguns tecircm

vida outros natildeo e dizemos que a vida eacute a nutriccedilatildeo por si mesmo o crescimento e o

decaimento Assim todo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido

de substacircncia composta DA II 1 412a11-16 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles retorna a uma tese geral amplamente adotada por ele segundo a qual dentre

as substacircncias as sensiacuteveis satildeo as mais aceitas27

por serem mais evidentes aos sentidos O que

26 ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ τοῦ πάσχειν ἔτι ὅσαι ἕξεις καθ ἃς ἀπαθῆ ὅλως ἢ ἀμετάβλητα ἢ μὴ ῥᾳδίως ἐπὶ τὸ χεῖρον

εὐμετακίνητα δυνάμεις λέγονται κλᾶται μὲν γὰρ καὶ συντρίβεται καὶ κάμπτεται καὶ ὅλως φθείρεται οὐ τῷ

δύνασθαι ἀλλὰ τῷ μὴ δύνασθαι καὶ ἐλλείπειν τινός ἀπαθῆ δὲ τῶν τοιούτων ἃ μόλις καὶ ἠρέμα πάσχει διὰ δύ

ναμιν καὶ τῷ δύνασθαι καὶ τῷ ἔχειν πώς ldquoO mesmo vale para a potecircncia passiva Aleacutem disso chamam-se

potecircncias todos os estados em virtude dos quais as coisas satildeo absolutamente impassiacuteveis ou imutaacuteveis ou natildeo

facilmente mutaacuteveis para pior De fato as coisas quebram-se degeneram-se dobram-se e em geral destroem-se

natildeo porque tecircm potecircncia mas porque natildeo tecircm potecircncia a e porque carecem de alguma coisa ao contraacuterio satildeo

impassiacuteveis relativamente a todo estes tipos de afecccedilotildees as coisas que dificilmente ou pouco satildeo afetadas por elas

por causa de sua potecircncia e de seu poder e por determinadas condiccedilotildees em que se encontremrdquo Met Δ 12 1019ordf

26-32 (Trad Giovani Reale) 27 Οὐσία λέγεται τά τε ἁπλᾶ σώματα οἷον γῆ καὶ πῦρ καὶ ὕδωρ καὶ ὅσα τοιαῦτα καὶ ὅλως σώματα καὶ τὰ ἐκ

τούτων συνεστῶτα ζῷά τε καὶ δαιμόνια καὶ τὰ μόρια τούτων ἅπαντα δὲ ταῦτα λέγεται οὐσία ὅτι οὐ καθ

ὑποκειμένου λέγεται ἀλλὰ κατὰ τούτων τὰ ἄλλα ldquoSubstacircncia em certo sentido se diz dos corpos simples por

exemplo o fogo a terra a aacutegua e todos os corpos como estes e em geral todos os corpos e as coisas compostas

a partir deles como os animais e os seres divinos e suas partes Todas essas coisas satildeo ditas substacircncias porque

natildeo satildeo predicadas de um substrato mas tudo o mais eacute predicado delasrdquo Met Δ 1017b10ndash14 (Trad Giovani

Reale)

Τὸ ὂν λέγεται πολλαχῶς καθάπερ διειλόμεθα πρότερον ἐν τοῖς περὶ τοῦ ποσαχῶς σημαίνει γὰρ τὸ μὲν τί ἐστι

καὶ τόδε τι τὸ δὲ ποιὸν ἢ ποσὸν ἢ τῶν ἄλλων ἕκαστον τῶν οὕτω κατηγορουμένων τοσαυταχῶς δὲ λεγομένου

τοῦ ὄντος φανερὸν ὅτι τούτων πρῶτον ὂν τὸ τί ἐστιν ὅπερ σημαίνει τὴν οὐσίαν (ὅταν μὲν γὰρ εἴπωμεν ποῖόν τι

τόδε ἢ ἀγαθὸν λέγομεν ἢ κακόν ἀλλ οὐ τρίπηχυ ἢ ἄνθρωπον ldquoO ser tem muitos signficados como

estabelecemos anteriormente no livro dedicado aos diversos significados dos termos De fato o ser signfica de

um lado essecircncia e algo determinado de outro qualidade ou quantidade e cada uma das outras categorias

Mesmo sendo dito em tantos signficados eacute evidente que o primeiro dos significados do ser eacute a essecircncia que

indica a substacircncia (De fato quando perguntamos a qualidade de alguma coisa dizemos que eacute boa ou maacute mas

natildeo que tem trecircs cocircvados ou que eacute homemrdquo 1028a10ndash16 (Trad Giovani Reale)

24

Aristoacuteteles chama aqui de corpos naturais (physikoacuten) corresponde aos compostos que datildeo

origem aos artificiais e com a abstraccedilatildeo das suas unidades a objetos matemaacuteticos Mas natildeo

satildeo elementos ou partes sem unidade como o olho ou a raiz da aacutervore Pois eacute o animal que

deteacutem o olho e a aacutervore que deteacutem a raiacutez Sendo assim os corpos naturais se diferenciam

entre os que vivem e os que natildeo vivem Estes que natildeo vivem satildeo os corpos artificiais os

corpos celestes e o cadaacutever Um corpo morto seraacute de animal senatildeo por homoniacutemia pois natildeo

tem como atividade o viver E o viver eacute nutrir-se eacute crescer e eacute decair Donde Aristoacuteteles

conclui que ldquotodo corpo natural que participa da vida eacute substacircncia no sentido de substacircncia

compostardquo Os seres viventes (empsykhon) satildeo substacircncias compostas de mateacuteria (corpo) e

forma (alma) tendo como atividade o viver

ἐπεὶ δ ἐστὶ καὶ σῶμα καὶ τοιόνδε ζωὴν γὰρ ἔχον οὐκ ἂν εἴη σῶμα ἡ ψυχή οὐ γάρ

ἐστι τῶν καθ ὑποκειμένου τὸ σῶμα μᾶλλον δ ὡς ὑποκείμενον καὶ ὕλη ἀναγκαῖον

ἄρα τὴν ψυχὴν οὐσίαν εἶνα ὡς εἶδος σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν ἔχοντος

E uma vez que essa substacircncia tambeacutem eacute um corpo de tal tipo ndash que tem vida ndash a

alma natildeo eacute corpo pois o corpo natildeo eacute um dos predicados do substrato antes ele eacute

como o substrato e a mateacuteria Necessariamente entatildeo a alma eacute substacircncia como

forma de um corpo natural potencialmente vivo 412ordf16-21 (Trad Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo proacutepria)

Finalmente Aristoacuteteles tece sua uacuteltima premissa e enuncia uma primeira definiccedilatildeo de

alma Dado que os corpos naturais dotados de vida satildeo compostos hilemoacuterficos cabe eliminar

qualquer possibilidade da alma ser corpo O argumento eacute conciso Haacute substacircncias que satildeo um

corpo dotado de vida Este corpo vivo natildeo eacute alma Mas substrato (hypokeimeacutenon) e mateacuteria

(hyacutele) do composto E como tal eacute objeto de predicaccedilatildeo da forma Portanto a alma natildeo pode

ser corpo pois ela que o predica

Em Met Z 3 escreve Aristoacuteteles que o substrato eacute aquilo que eacute predicado pelas coisas

enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outra28

Jaacute a substacircncia eacute aquilo que predica o

substrato mas que natildeo eacute predicada pelas outras coisas Sendo assim inerem no substrato

determinaccedilotildees como quantidade afecccedilotildees accedilotildees e potecircncias Poreacutem raspadas as

determinaccedilotildees o que resta eacute o substrato primeiro mateacuteria Contudo como jaacute enunciado

ὁμολογούμεναι μὲν αἱ φυσικαί οἷον πῦρ γῆ ὕδωρ ἀὴρ καὶ τἆλλα τὰ ἁπλᾶ σώματα ἔπειτα τὰ φυτὰ καὶ τὰ μόρια

αὐτῶν καὶ τὰ ζῷα καὶ τὰ μόρια τῶν ζῴων καὶ τέλος ὁ οὐρανὸς καὶ τὰ μόρια τοῦ οὐρανοῦ ἰδίᾳ δέ τινες οὐσίας

λέγουσιν εἶναι τά τ εἴδη καὶ τὰ μαθηματικά ldquoSubstacircncias admitidas por todos satildeo as fiacutesicas como fogo terra

aacutegua ar e os outros corpos simples ademais as plantas e suas partes do ceacuteu Alguns filoacutesofos ao contraacuterio em

funccedilatildeo de suas opiniotildees particulares afirmaram que substacircncias satildeo as Formas e os Entes matemaacuteticosrdquo Met H

1042a7ndash11(Trad Giovani Reale)

28 τὸ δ ὑποκείμενόν ἐστι καθ οὗ τὰ ἄλλα λέγεται ἐκεῖνο δὲ αὐτὸ μηκέτι κατ ἄλλου ldquoO Substrato eacute aquilo de

que satildeo predicadas todas as outras coisas enquanto ele natildeo eacute predicado de nenhuma outrardquo Met Z 3 1028b36 ndash

1029a1 (Trad Giovani Reale)

25

acima Aristoacuteteles compreende a mateacuteria como algo indeterminado Apesar disso haacute algo da

qual todas as outras determinaccedilotildees satildeo predicadas E sendo a substacircncia um algo separado

que predica a mateacuteria ou seja que referencia e determina a mateacuteria substacircncia e mateacuteria natildeo

podem ser idecircnticas O que este argumento nos ajuda a compreender eacute o pressuposto

metafiacutesico sobre o qual Aristoacuteteles identifica o corpo com o substrato impossibilitando que

este seja identificado com a alma Ou seja a substacircncia que predica o corpo

Portanto se o corpo eacute substrato material do composto orgacircnico vivo segue-se

necessariamente que a alma eacute a substacircncia formal Aristoacuteteles enuncia entatildeo seu perseguido

enunciado mais geral a alma eacute substacircncia como forma de um corpo natural potencialmente

vivo A alma enquanto substacircncia do composto vivo eacute substacircncia no sentido de forma Com

este enunciado Aristoacuteteles responde o primeiro ponto do elenco de questotildees a serem

abordadas numa investigaccedilatildeo da alma a saber a qual gecircnero de ser pertence a alma

Para a alma ser forma de um corpo potencialmente vivo ndash e ser potencialmente vivo eacute

dispor de oacutergatildeos passiacuteveis de realizaccedilatildeo das atividades proacuteprias ao viver ndash significa ser o

princiacutepio estruturante e configurador das funccedilotildees (eacutergon) de vida Assim a alma eacute o princiacutepio

e causa determinante do ser atraveacutes das atividades proacuteprias ao viver em um corpo de tal tipo

Portanto a alma configura a realidade das substacircncias compostas viventes sendo aquilo a

partir e em vista do que a vida se daacute

Aristoacuteteles abre caminho para a responder sua taacutebua de definiccedilotildees de DA I 1 A

primeira delas eacute configurar a relaccedilatildeo entre a alma e o corpo fundamentando a noccedilatildeo de

inseparabilidade entre uma e outro Pois ser a forma de um composto demanda que a alma se

atualize apenas se instanciada em um estofo material e seja seu princiacutepio de ser Em siacutentese a

alma eacute como a substacircncia e o corpo eacute como o substrato da substacircncia composta viva que eacute o

ser vivente

Seguindo as noccedilotildees jaacute traccediladas anteriormente Aristoacuteteles desdobraraacute outras duas

caracteriacutesticas proacuteprias agrave alma atualidade primeira e princiacutepio de determinaccedilatildeo do corpo Jaacute

que a alma eacute forma e forma eacute atualidade entatildeo a alma eacute atualidade deste corpo

potencialmente vivo como se lecirc logo em seguida

ἡ δ οὐσία ἐντελέχεια τοιούτου ἄρα σώματος ἐντελέχεια αὕτη δὲ λέγεται διχῶς ἡ

μὲν ὡς ἐπιστήμη ἡ δ ὡς τὸ θεωρεῖν φανερὸν οὖν ὅτι ὡς ἐπιστήμη ἐν γὰρ τῷ

ὑπάρχειν τὴν υχὴν καὶ ὕπνος καὶ ἐγρήγορσίς ἐστιν ἀνάλογον δ ἡ μὲν ἐγρήγορσις τῷ

θεωρεῖν ὁ δ ὕπνος τῷ ἔχειν καὶ μὴ ἐνεργεῖν προτέρα δὲ τῇ γενέσει ἐπὶ τοῦ αὐτοῦ ἡ

ἐπιστήμη διὸ ἡ ψυχή ἐστιν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος φυσικοῦ δυνάμει ζωὴν

ἔχοντος

E a substacircncia eacute atualidade Portanto eacute de um corpo de tal tipo que a alma eacute

atualidade Mas esta se diz de dois modos ndash primeiro como ciecircncia segundo como o

26

inquirir Eacute claro entatildeo que a alma eacute atualidade como ciecircncia pois ao subsistir a alma

haacute tanto o sono como a vigiacutelia e a vigiacutelia eacute algo anaacutelogo ao inquirir o sono a possuir

a ciecircncia mas natildeo a exercecirc-la e no que concerne a um mesmo indiviacuteduo a ciecircncia eacute

a primeira atualidade de um corpo natural que tem em potecircncia vida DA II 1 412a21-

28 (Trad Gomes dos Reis)

Como jaacute estabelecido em 401a6-11 a atualidade se diz segundo a disposiccedilatildeo e a

atividade Aqui disposiccedilatildeo (heacutexis) estaacute para a ciecircncia (epistecircme) como atividade (energeacuteia)

estaacute para inquirir (theoreicircn) Portanto disposiccedilatildeo eacute a obtenccedilatildeo de dada capacidade sem

executaacute-la enquanto atividade eacute sua execuccedilatildeo

Aristoacuteteles conclui seu argumento especificando a alma como uma atualidade primeira

(enteleacutekheia proteacute) Charlton29

propotildee que o termo ldquoprimeirordquo (proteacute) se refira agrave atualidade no

primeiro sentido ou seja enquanto disposiccedilatildeo (heacutexis) O que parece plausiacutevel pois o texto

aristoteacutelico nos diz que a alma eacute atualidade como ciecircncia (phanerograven oucircn hoacuteti hocircs episteme)

Aleacutem disso nas discussotildees preliminares sobre a capacidade perceptiva Aristoacuteteles discorre

um pouco mais sobre as diferenccedilas entre atualidade em termos de disposiccedilatildeo e atividade

διαιρετέον δὲ καὶ περὶ δυνάμεως καὶ ἐντελεχείας νῦν γὰρ ἁπλῶς ἐλέγομεν περὶ

αὐτῶν ἔστι μὲν γὰρ οὕτως ἐπιστῆμόν τι ὡς ἂν εἴποιμεν ἄνθρωπον ἐπιστήμονα ὅτι ὁ

ἄνθρωπος τῶν ἐπιστημόνων καὶ ἐχόντων ἐπιστήμην ἔστι δ ὡς ἤδη λέγομεν

ἐπιστήμονα τὸν ἔχοντα τὴν γραμματικήν ἑκάτερος δὲ τούτων οὐ τὸν αὐτὸν τρόπον

δυνατός ἐστιν ἀλλ ὁ μὲν ὅτι τὸ γένος τοιοῦτον καὶ ἡ ὕλη ὁ δ ὅτι βουληθεὶς δυνατὸς

θεωρεῖν ἂν μή τι κωλύσῃ τῶν ἔξωθεν ὁ δ ἤδη θεωρῶν ἐντελεχείᾳ ὢν καὶ κυρίως

ἐπιστάμενος τόδε τὸ Α ἀμφότεροι μὲν οὖν οἱ πρῶτοι κατὰ δύναμιν ἐπιστήμονες

ltὄντες ἐνεργείᾳ γίνονται ἐπιστήμονεςgtἀλλ ὁ μὲν διὰ μαθήσεως ἀλλοιωθεὶς καὶ

πολλάκις ἐξ ἐναντίας μεταβαλὼν ἕξεως ὁ δ ἐκ τοῦ ἔχειν τὴν ἀριθμητικὴν ἢ τὴν

γραμματικήν μὴ ἐνεργεῖν δέ εἰς τὸ ἐνεργεῖν ἄλλον τρόπον

Eacute preciso ainda fazer distinccedilotildees no que diz respeito agrave potecircncia e agrave atualidade Pois ateacute

agora falaacutevamos disso de maneira simples Por um lado haacute aquele que conhece no

sentido em que diriacuteamos ser o homem conhecedor por estar entre os que conhecem e

possuem conhecimento e haacute em outro sentido aquele que dizemos ser conhecedor

por jaacute saber a gramaacutetica (e cada um deles eacute em potecircncia mas natildeo da mesma maneira

o primeiro por que eacute de tal gecircnero e mateacuteria o outro porque se quiser pode inquirir

nada externo o impedindo) E haacute por fim aquele que estaacute inquirindo e em atualidade

conhecendo em sentido proacuteprio este ldquoArdquo determinado Os dois primeiros satildeo

conhecedores em potecircncia um por ter-se alterado via aprendizagem e por passar

vaacuterias vezes de uma das disposiccedilotildees contraacuterias a outra o outro de outro modo por

passar do ter a percepccedilatildeo sensiacutevel30 ou a gramaacutetica sem exercitaacute-lo ao estar em

exerciacutecio DA II 5 417a21-b2 (Trad Gomes dos Reis)

O ser humano eacute configurado de modo a realizar certas atividades como a nutriccedilatildeo a

percepccedilatildeo e a inquiriccedilatildeo Entretanto a pura organizaccedilatildeo fiacutesica natildeo basta para que elas sejam

realizadas Assim somente quando a funccedilatildeo proacutepria de determinada disposiccedilatildeo fiacutesica entra

em atividade eacute que aquilo que eacute em potecircncia se torna uma atualidade No caso acima a

capacidade de inquirir Mas toda capacidade exige um objeto para entrar em atividade E o

29 1980 p 174 30 A tradutora optou por substituir o termo ldquoarithmetikegravenrdquo por ldquoaiacutesthesinrdquo Cf GOMES DOS REIS 2012 p 84

27

que era uma potecircncia de aprendizado para o inquiridor torna-se uma atualidade pela atividade

da sua inquiriccedilatildeo Deste modo haacute trecircs instacircncias que vatildeo da potecircncia agrave atualidade Na

primeira o ser vivente eacute dotado da capacidade de aprender a inquirir Na segunda esta

disposiccedilatildeo eacute posta em atividade tendo um objeto para se inquirir Na terceira eacute a atividade

dessa capacidade aprendida ou adquirida que se tem uma atualidade plena No primeiro caso

eacute claramente uma capacidade segundo uma disposiccedilatildeo No segundo caso jaacute temos um estado

de atualidade na medida em que haacute o exerciacutecio dessa capacidade proacutepria ao ser vivente

Aristoacuteteles chama isso de potecircncia pois em relaccedilatildeo agrave terceira instacircncia aquele modo de

atualidade eacute ainda suscetiacutevel de alteraccedilatildeo E quando essa nova capacidade a gramaacutetica eacute

adquirida pela atividade desta nova capacidade de inquirir possiacutevel apenas pela sua

disposiccedilatildeo na fisiologia do ser vivente a capacidade se atualiza plenamente

Assim a alma eacute atualidade primeira de um corpo potencialmente vivo enquanto

princiacutepio de atividade das capacidades proacuteprias ao viver presentes como disposiccedilatildeo que a

forma engendra neste corpo Isto fica mais evidente em DA II 1 412b5-9

εἰ δή τι κοινὸν ἐπὶ πάσης ψυχῆς δεῖ λέγειν εἴη ἂν ἐντελέχεια ἡ πρώτη σώματος

φυσικοῦ ὀργανικοῦ διὸ καὶ οὐ δεῖ ζητεῖν εἰ ἓν ἡ ψυχὴ καὶ τὸ σῶμα ὥσπερ οὐδὲ τὸν

κηρὸν καὶ τὸ σχῆμα οὐδ ὅλως τὴν ἑκάστου ὕλην καὶ τὸ οὗ ἡ ὕλη τὸ γὰρ ἓν καὶ τὸ

εἶναι ἐπεὶ πλεοναχῶς λέγεται τὸ κυρίως ἡ ἐντελέχειά ἐστιν

Se eacute preciso enunciar algo comum a toda e qualquer alma seria que eacute a primeira

atualidade do corpo natural orgacircnico E por isso inclusive natildeo eacute preciso investigar se

alma e corpo satildeo uma unidade ndash tampouco se a cera e a figura o satildeo e em suma nem

se a mateacuteria de cada coisa e aquilo de que eacute mateacuteria ndash pois jaacute que se diz unidade ser

de muitos modos o mais apropriado deles eacute a atualidade (Trad Gomes dos Reis)

O corpo eacute dotado de oacutergatildeos partes que viabilizam a atividade das capacidades

proacuteprias ao viver E eacute a atividade das capacidades atraveacutes dos oacutergatildeos que se confere unidade

entre corpo e alma nesse composto orgacircnico vivo Assim Aristoacuteteles responde sobre a

unidade entre alma e corpo enunciada na taacutebua de definiccedilotildees Natildeo por acaso como corolaacuterio

agraves noccedilotildees de alma como forma e atualidade Aristoacuteteles declara

οὐσία γὰρ ἡ κατὰ τὸν λόγον τοῦτο δὲ τὸ τί ἦν εἶναι τῷ τοιῳδὶ σώματι καθάπερ εἴ τι

τῶν ὀργάνων φυσικὸν ἦν σῶμα οἷον πέλεκυς ἦν μὲν γὰρ ἂν τὸ πελέκει εἶναι ἡ οὐσία

αὐτοῦ καὶ ἡ ψυχὴ τοῦτο χωρισθείσης δὲ ταύτης οὐκ ἂν ἔτι πέλεκυς ἦν ἀλλ ἢ ὁμ

ωνύμως νῦν δ ἔστι πέλεκυς οὐ γὰρ τοιούτου σώματος τὸ τί ἦν εἶναι καὶ ὁ λόγος ἡ

ψυχή ἀλλὰ φυσικοῦ τοιουδί ἔχοντος ἀρχὴν κινήσεως καὶ στάσεως ἐν ἑαυτῷ

Pois ela eacute a substacircncia segundo a determinaccedilatildeo ou seja o que era para ser de um

corpo de tal tipo Se um instrumento fosse um corpo natural ndash por exemplo o

machado ndash a sua substacircncia seria a que eacute ser para o machado e isto seria a sua alma

Separado disso ele natildeo seria mais um machado exceto por homoniacutemia Mas na

verdade eacute um machado pois a alma natildeo eacute a determinaccedilatildeo e o que eacute o que eacute para um

corpo desse tipo mas sim um corpo natural tal que tenha em si mesmo um princiacutepio

28

de movimento e repouso DA II 1 412b10-17 (Trad Gomes dos Reis com adaptaccedilatildeo

proacutepria)

Como jaacute explicitado no enunciado de alma enquanto substacircncia como forma em

412a20 a alma eacute este princiacutepio determinante do ser do composto Ou seja o princiacutepio

organizador das suas disposiccedilotildees e propriedades que determinaratildeo o ser proacuteprio de um corpo

natural capaz de viver A identificaccedilatildeo entre alma e forma se desdobraraacute na identificaccedilatildeo de

alma e o que era para ser31

(tograve tiacute ecircn eicircnai)

Dado que a alma eacute forma e atualidade do corpo Aristoacuteteles estabelece que ela eacute seu

princiacutepio de determinaccedilatildeo das propriedades relevantes que daratildeo o caraacuteter essencial do ser

vivente E eacute evidente como o texto nos mostra e Hamilyn32

sustenta que a determinaccedilatildeo da

essecircncia se daacute segundo sua funccedilatildeo (eacutergon) O ser do machado eacute cortar na medida em que a

funccedilatildeo proacutepria do machado eacute cortar assim como a do olho eacute ver O ser do ser vivente eacute viver

31 A locuccedilatildeo eacute razatildeo de grande controveacutersia na tradiccedilatildeo de comentaacuterios ao texto aristoteacutelico Natildeo entrarei nos

pormenores da discussatildeo mas tomarei a traduccedilatildeo o que era para ser em sua literalidade assim como Angioni

tendo em vista o contexto no qual se pretende compreender seu emprego ldquoTrata-se de uma substantivaccedilatildeo com

o artigo neutro (lsquotorsquo) da pergunta lsquoo que afinal era o ser para tal coisarsquo (lsquoti en to einai toutoirsquo lsquotiacute ecircn tograve eicircnai

toutoirsquo) ndash Aristoacuteteles frequentemente substantiva segmentos de sentenccedilas e expressotildees que em si mesmas

constituem perguntas gramaticalmente completas isso ocorre na designaccedilatildeo das categorias (ldquoo qualrdquo ldquotograve poicirconrdquo

etc) na designaccedilatildeo de algumas das quatro causas (lsquoo que moveu primeirorsquo lsquoo em vista de quersquo) e em outras

expressotildees lsquo(lsquoo por quecircrsquo lsquotograve diagrave tiacutersquo ou lsquotograve dioacutetirsquo) O infinitivo lsquoserrsquo eacute o mesmo que consta na expressatildeo lsquoser +

dativorsquo e que designa a essecircncia da coisa isto eacute o conjunto de propriedades e caracteriacutesticas que deveriam ser

enumeradas no enunciado que define o que a coisa eacute Trata-se do mesmo infinitivo que comparece em 1041a32

1041b28 e 1042b27 (e natildeo se trata do infinitivo que poderia eventualmente ser entendido como existencial tal

como em 1041a15) O imperfeito ldquoerardquo por sua vez consiste num resquiacutecio de um uso dialeacutetico pelo qual o

interlocutor remetia a alguma definiccedilatildeo anteriormente dada destinada a funcionar como paracircmetro para a

discussatildeo ulterior (para referecircncias quanto ao uso desse imperfeito ver nossa dissertaccedilatildeo de mestrado p 89

nota 208) A pergunta original seria lsquoo quecirc era o ser para tal coisarsquo mas isso quer apenas dizer lsquoo quecirc fora

estabelecido (anteriormente na presente discussatildeo) como ser para tal coisarsquo Com o haacutebito a expressatildeo teria

perdido o significado interrogativo que originalmente possuiacutea e teria se tornado um jargatildeo para designar a

essecircncia Em vista disso lsquoto ti en einairsquo poderia ser traduzido ou parafraseado como lsquoaquilo que fora

estabelecido como caracteriacutesticas essenciais de tal coisarsquo A lsquoanterioridade causal da formarsquo muita vez alegada

como chave para a compreensatildeo do jargatildeo eacute compatiacutevel com o significado da expressatildeo mas natildeo explica a

origem do imperfeitordquo (Angioni 2005 102) 32 ldquoAristotlersquos selection of a tool an axe to provide an analogy with the ensouled body reveals how close to the

surface in this discussion is the notion of function The substance or essence of an axe is its function without

which it would not be an axe Like the Greeks in general Aristotle had no difficulty in thinking of a natural body

as having a function too (cf Nicomachean Ethics 1097b22ff) this is part of his general teleology But as he

goes on to point out there are differences also between an axe and a natural body which spoil the analogy This

is the force of the words lsquoBut as it is an axersquo ndash the essence of a axe is not its soul since it does not have one not

being a living thingrdquo ldquoA seleccedilatildeo do Aristoacuteteles de um instrumento um machado prova um analogia com os

coporpos animados revela como o que estaacute em voga eacute a discussatildeo eacute a noccedilatildeo de funccedilatildeo A substacircncia ou

essecircncia de um machado eacute sua funccedilatildeo sem a qual ele natildeo seria um machado Assim como os Gregos

Aristoacuteteles natildeo teve dificuldades em pensar o corpo natural como tambeacutem dotado de funccedilatildeo (cf Eacutetica a

Nicocircmaco 1097b22ss) isto eacute parte da sua teleologia Mas como ele segue pontuando haacute diferenccedilas igualmente

entre um machado e um corpo natural que prejudicam a analogia Eacute o que sugerem as palavras Mas eacute como um

machadorsquo - a essecircncia do machado natildeo eacute sua alma jaacute que ele natildeo tem uma natildeo eacute um ser viventerdquo (HAMLYN

1993 85) (Trad proacutepria)

29

e isto eacute garantido pela alma A locuccedilatildeo o que era para ser como indica Gomes dos Reis33

pode ser compreendida como uma continuidade da forma do ser vivente perante o devir que

lhe eacute proacuteprio ao longo da sua vida

Com isso Aristoacuteteles traccedila suas noccedilotildees preliminares da alma em DA II 1 Haacute ao final

do capiacutetulo algo digno de nota Aristoacuteteles se refere a tudo isto como um rascunho e esboccedilo

de definiccedilatildeo34

Poderiacuteamos entender que estas proposiccedilotildees satildeo insuficientes para o projeto

psicoloacutegico aristoteacutelico E satildeo mesmo em certa medida Pois em relaccedilatildeo agrave taacutebua de

definiccedilatildeo Aristoacuteteles soacute respondeu as noccedilotildees relativas agrave substacircncia atualidade e unidade da

alma Apesar disso como argumentarei na sessatildeo seguinte todo o arcabouccedilo conceitual e

argumentativo aqui esboccedilado sustentaraacute a noccedilatildeo de alma como princiacutepio das capacidades que

denotam vida Aleacutem do mais se lembrarmos que nas primeiras linhas do capiacutetulo Aristoacuteteles

se comprometia tatildeo somente em buscar um enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) para a

alma eacute inegaacutevel que ele foi bem sucedido Se ao fim de DA I ele tem claro que a alma eacute

princiacutepio imoacutevel de movimento e una em DA II 1 satildeo apresentados os argumentos positivos

para estas duas teses A alma eacute de estatuto formal portanto imoacutevel e princiacutepio organizador

das propriedades do ser Enquanto forma eacute atualidade e assim o princiacutepio de atividade das

capacidades proacuteprias ao ser Enquanto substacircncia eacute o que era para ser do ser vivente e entatildeo

o princiacutepio determinante do que este ser vivente eacute E esta determinaccedilatildeo seraacute dada pela funccedilatildeo

proacutepria das suas capacidades que soacute seratildeo plenificadas com as atividades no oacutergatildeo

correspondente Este enunciado e o que se desdobra dele eacute um rascunho e esboccedilo de definiccedilatildeo

pois natildeo nos explica satisfatoriamente por que a alma eacute princiacutepio das formas especiacuteficas de

vida Aristoacuteteles reconhece isso e segundo um paracircmetro geomeacutetrico de definiccedilatildeo mudaraacute o

curso da investigaccedilatildeo sobre a alma

33 ldquoA expressatildeo to ti ecircn einai pode ser a generalizaccedilatildeo de uma construccedilatildeo com ocorrecircncias nos tratados por

exemplo to [pelekei] einai o ser [para o machado] o ser [para a carne] que seraacute traduzida por sua vez como a

locuccedilatildeo ldquoo que eacute ser para o machadordquo e assim por diante Como reconstruiacute-la eacute um assunto polecircmico Haacute um

verbo no imperfeito (a expressatildeo literalmente diz algo como o lsquoo que era a serrsquo) que poderia ser interpretado

como uma ecircnfase na continuidade da forma a despeito do devirrdquo 2012 208 34τύπῳ μὲν οὖν ταύτῃ διωρίσθω καὶ ὑπογεγράφθω περὶ ψυχῆς ldquoE isto basta como um esquema do esboccedilo de

definiccedilatildeo de almardquo DA II 1 413a10-11 (Trad Gomes dos Reis)

30

22 A DEFINICcedilAtildeO PELAS CAPACIDADES

DA II 2 se inicia com um impasse a noccedilatildeo geral oferece o gecircnero de ser da alma mas

natildeo a enuncia como causa de vida nos seres viventes Diante disso Aristoacuteteles faz uma

revisatildeo metodoloacutegica na investigaccedilatildeo de alma tomando como paradigma o exemplo de

definiccedilatildeo pela causa de um objeto geomeacutetrico

Ἐπεὶ δ ἐκ τῶν ἀσαφῶν μὲν φανερωτέρων δὲ γίνεται τὸ σαφὲς καὶ κατὰ τὸν λόγον

γνωριμώτερον πειρατέον πάλιν οὕτω γ ἐπελθεῖν περὶ αὐτῆς οὐ γὰρ μόνον τὸ ὅτι δεῖ

τὸν ὁριστικὸν λόγον δηλοῦν ὥσπερ οἱ πλεῖστοι τῶν ὅρων λέγουσιν ἀλλὰ καὶ τὴν

αἰτίαν ἐνυπάρχειν καὶ ἐμφαίνεσθαι νῦν δ ὥσπερ συμπεράσμαθ οἱ λόγοι τῶν ὅρων

εἰσίν οἷον τί ἐστιν ὁ τετραγωνισμός τὸ ἴσον ἑτερομήκει ὀρθογώνιον εἶναι

ἰσόπλευρον ὁ δὲ τοιοῦτος ὅρος λόγος τοῦ συμπεράσματος ὁ δὲ λέγων ὅτι ἐστὶν ὁ

τετραγωνισμὸς μέσης εὕρεσις τοῦ πράγματος λέγει τὸ αἴτιον

E jaacute que a partir de coisas natildeo claras embora mais manifestas advecircm clareza e maior

inteligibilidade segundo o enunciado deve-se tentar desta maneira novamente

discorrer sobre a alma pois natildeo somente eacute preciso que o enunciado definidor

esclareccedila os fatos ndash como o faz a maioria das definiccedilotildees ndash mas ainda conter e

expressar a causa Os enunciados das definiccedilotildees na verdade satildeo como conclusotildees O

que eacute por exemplo a quadratura Eacute fazer equivaler um retacircngulo equilaacutetero a um

retacircngulo qualquer Mas tal definiccedilatildeo eacute o enunciado da conclusatildeo e o que diz por sua

vez que a quadratura eacute a descoberta de uma meacutedia proporcional enuncia a causa DA

II 2 413a11-20 (Trad Gomes dos Reis)

Novamente Aristoacuteteles nos relembra a ideia de que as apreensotildees sensiacuteveis satildeo mais

manifestas (phaneroteacuteron) que as apreensotildees inteligiacuteveis As inteligiacuteveis satildeo mais claras

(sophoacutes) pois satildeo formas apreendidas com a razatildeo e menos suscetiacuteveis ao engano Ao

contraacuterio das apreensotildees sensiacuteveis que satildeo mais manifestas Muito embora os pressupostos

que permitiram deduzir o estatuto ontoloacutegico da alma no capiacutetulo anterior sejam mais claros

eles enunciam o vivente como um ser animado enquanto um fato mas natildeo enunciam a alma

como causa do viver Portanto DA II 2 se dedicaraacute a investigar a alma como causa de vida

nos seres viventes a partir do que eacute mais manifesto ao que eacute mais claro

Aristoacuteteles se utiliza de um teorema para explicar que o termo meacutedio de um silogismo

apresenta a causa de um fato Num silogismo dado uma premissa maior que enuncie o fato e

tem como outro fato a conclusatildeo a premissa menor enuncia a causa pois eacute onde se encontra o

porquecirc da conclusatildeo Responder que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois ldquoTodo homem eacute mortalrdquo natildeo

enuncia a causa da mortalidade de Soacutecrates soacute o mero fato de coincidentemente ldquoSoacutecratesrdquo e

ldquoTodo homemrdquo serem mortais Poreacutem se respondemos que ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo pois

ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo e ldquoTodo homem eacute mortalrdquo entatildeo foi enunciado a causa da mortalidade

de Soacutecrates Em sua estrutura claacutessica a premissa maior ldquoTodo homem eacute mortalrdquo a premissa

menor ldquoSoacutecrates eacute homemrdquo a conclusatildeo ldquoSoacutecrates eacute mortalrdquo

31

Fica a questatildeo de como este novo criteacuterio se aplica agrave definiccedilatildeo E sobre a alma o

corpo e a vida

λέγομεν οὖν ἀρχὴν λαβόντες τῆς σκέψεως διωρίσθαι τὸ ἔμψυχον τοῦ ἀψύχου τῷ

ζῆν πλεοναχῶς δὲ τοῦ ζῆν λεγομένου κἂν ἕν τι τούτων ἐνυπάρχῃ μόνον ζῆν αὐτό

φαμεν οἷον νοῦς αἴσθησις κίνησις καὶ στάσις ἡ κατὰ τόπον ἔτι κίνησις ἡ κατὰ

τροφὴν καὶ φθίσις τε καὶ αὔξησις

Retomando o princiacutepio da investigaccedilatildeo digamos entatildeo que o animado se distingue do

inanimado pelo viver E de muitos modos se diz o viver pois dizemos que algo vive

se nele subsiste pelo menos um destes ndash intelecto percepccedilatildeo sensiacutevel movimento

local e repouso e ainda o movimento segundo a nutriccedilatildeo o decaimento e o

crescimento DA II 2 413a20-24 (Trad Gomes dos Reis)

Aristoacuteteles enuncia uma premissa maior e outra menor

[premissa maior] Todo ser dotado de alma vive

[premissa menor] Viver eacute ser dotado de intelecto percepccedilatildeo nutriccedilatildeo movimento

local e repouso decaimento e crescimento

Eacute proacuteprio agrave alma atribuir vida Viver eacute ser dotado de uma das capacidades

mencionadas Assim todo corpo natural que apresente uma dessas capacidades vive35

Portanto as plantas vivem pois se nutrem crescem e decaem por si proacuteprias

διὸ καὶ τὰ φυόμενα πάντα δοκεῖ ζῆν φαίνεται γὰρ ἐν αὑτοῖς ἔχοντα δύναμιν καὶ

ἀρχὴν τοιαύτην δι ἧς αὔξησίν τε καὶ φθίσιν λαμβάνουσι κατὰ τοὺς ἐναντίους τόπους

οὐ γὰρ ἄνω μὲν αὔξεται κάτω δ οὔ ἀλλ ὁμοίως ἐπ ἄμφω καὶ πάντῃ ὅσα ἀεὶ

τρέφεταί τε καὶ ζῇ διὰ τέλους ἕως ἂν δύνηται λαμβάνειν τροφήν

Por isso parece inclusive que todas as plantas vivem pois eacute manifesto que tecircm em si

mesmas uma potecircncia e um princiacutepio deste tipo por meio do qual ganham

crescimento e decaimento segundo direccedilotildees contraacuterias pois natildeo crescem apenas para

cima e natildeo para baixo mas similarmetne em ambas e em todas as direccedilotildees e assim eacute

para as que se nutrem constantemente e vivem ateacute o fim enquanto puderem obter

alimento DA II 2 413a25-31 (Trad Gomes dos Reis)

Assim como os animais vivem jaacute que satildeo dotados de nutriccedilatildeo e percepccedilatildeo

τὸ μὲν οὖν ζῆν διὰ τὴν ἀρχὴν ταύτην ὑπάρχει τοῖς ζῶσι τὸ δὲ ζῷον διὰ τὴν αἴσθησιν

πρώτως καὶ γὰρ τὰ μὴ κινούμενα μηδ ἀλλάττοντα τόπον ἔχοντα δ αἴσθησιν ζῷα

λέγομεν καὶ οὐ ζῆν μόνον

O viver subsiste nos seres vivos por conta deste princiacutepio e o animal constitui-se

primordialmente pela percepccedilatildeo sensiacutevel Pois dizemos que satildeo animais ndash e natildeo

apenas que vivem ndash tambeacutem os que natildeo se movem nem mudam de lugar mas

possuem percepccedilatildeo DA II 2 413b1-4 (Trad Gomes dos Reis)

Com isso temos a conclusatildeo do silogismo psicoloacutegico aristoteacutelico

[conclusatildeo a] Plantas e animais satildeo animados

E desta uma outra

35 Como jaacute antecipara em DA II 1 412a11-16 citado na paacutegina 16

32

[conclusatildeo b] Plantas e animais satildeo vivos

Portanto assim como todo retacircngulo teraacute quadratura por causa da sua proporccedilatildeo com

um retacircngulo quadrilaacutetero todo corpo seraacute um ser vivente por ser dotado de alma Entretanto

uma ldquoquestatildeo de aluno bobordquo seria perguntar para Aristoacuteteles de onde vecircm essas duas

premissas Ao conectar alma e vida sem explicar esta uacuteltima poderia levar a investigaccedilatildeo

aristoteacutelica agrave obscuridade precisamente onde se deveria ter mais clareza Entatildeo para que

Aristoacuteteles garanta a alma como causa da vida mortal ele endossaria os pressupostos dos seus

predecessores e portanto distinguiria o animado do inanimado pelo movimento e pela

percepccedilatildeo36

Polansky apesar disso natildeo esclarece afinal quais os argumentos que sustentam

a associaccedilatildeo entre alma e vida Se limitando apenas agraves implicaccedilotildees argumentativas desse

pressuposto

Contudo se assumirmos que Aristoacuteteles endossa a tese de seus predecessores segundo

a qual o animado se distingue do inanimado pelo movimento e percepccedilatildeo37

e que a nutriccedilatildeo eacute

a capacidade mais baacutesica entre os seres animados38

e por fim que a nutriccedilatildeo e a percepccedilatildeo

satildeo uma forma de movimento39

somos levados a crer que o argumento consiste em

[P1] viver eacute ao menos nutriccedilatildeo crescimento e decaimento

[P2] nutriccedilatildeo crescimento e decaimento satildeo um tipo de movimento (do tipo por si)

[P3] tudo o que se move por si eacute animado

[P4] a alma eacute um princiacutepio imoacutevel de movimento

[C1] logo tudo o que vive eacute animado

36 Cf Nota seguinte 37 τὸ ἔμψυχον δὴ τοῦ ἀψύχου δυσὶ μάλιστα διαφέρειν δοκεῖ κινήσει τε καὶ τῷ αἰσθάνεσθαι παρειλήφαμεν δὲ

καὶ παρὰ τῶν προγενεστέρων σχεδὸν δύο ταῦτα περὶ ψυχῆς ldquoOra haacute a opiniatildeo de que o animado difere do

inanimado em dois aspectos o movimento e a percepccedilatildeo sensiacutevel E em relaccedilatildeo agrave alma satildeo mais ou menos

esses dois que recebemos de nossos predecessoresrdquo DA I 1 403b25-28 (Trad Gomes dos Reis) 38 ὥστε πρῶτον περὶ τροφῆς καὶ γεννήσεως λεκτέον ἡ γὰρ θρεπτικὴ ψυχὴ καὶ τοῖς ἄλλοις ὑπάρχει καὶ πρώτη

καὶ κοινοτάτη δύναμίς ἐστι ψυχῆς καθ ἣν ὑπάρχει τὸ ζῆν ἅπασιν ldquoPor conseguinte deve-se primeiro tratar do

alimento e da geraccedilatildeo pois a alma nutritiva subsiste tambeacutem com as outras sendo a primeira e a mais comum

potecircncia da alma segundo a qual subsiste em todos o viverrdquo DA II 4 415A22-25 (Trad Gomes dos Reis) 39 ἔστι δὲ καὶ ἀλλοίωσις καὶ αὔξησις κατὰ ψυχήν ἡ μὲν γὰρ αἴσθησις ἀλλοίωσίς τις εἶναι δοκεῖ αἰσθάνεται δ

οὐθὲν ὃ μὴ μετέχει ψυχῆς ὁμοίως δὲ καὶ περὶ αὐξήσεώς τε καὶ φθίσεως ἔχει οὐδὲν γὰρ φθίνει οὐδ αὔξεται

φυσικῶς μὴ τρεφόμενον τρέφεται δ οὐθὲν ὃ μὴ κοινωνεῖ ζωῆς ldquoMas inclusive a alteraccedilatildeo e o crecimento

existem segundo a alma pois haacute a opiniatildeo de que a percepccedilatildeo sensiacutevel eacute uma certa alteraccedilatildeo e aquele que natildeo

participa da alma nada percebe de maneira similar ocorre tambeacutem em relaccedilatildeo ao crescimento e decaimento pois

nem decai nem cresce naturalmente aquele que natildeo eacute nutrido e nada que natildeo compartilhe da vida se nutrerdquo DA

II 4 415b23-28 (Trad Gomes dos Reis)

E mais adiante enunciando a percepccedilatildeo Aristoacuteteles eacute categoacuterico ἡ δ αἴσθησις ἐν τῷ κινεῖσθαί τε καὶ πάσχειν

συμβαίνει καθάπερ εἴρηται δοκεῖ γὰρ ἀλλοίωσίς τις εἶναι ldquoA percepccedilatildeo sensiacutevel consiste em ser movido e ser

afetado como dissemos pois haacute a opiniatildeo de que ela eacute uma certa alteraccedilatildeordquo DA II 4 416b35-36 (Trad Gomes

dos Reis)

33

Note que [P1] e [P2] seriam premissas autoevidentes Em [P3] Aristoacuteteles partiria

dos mesmos pressupostos que as endoxai de seus predecessores enquanto [P4] resultaria da

anaacutelise criacutetica dessas endoxai ao longo de DA I 3-5 Aristoacuteteles natildeo nos elucida claramente de

onde ele tira as evidecircncias de [P1] e [P2] ou seja por que essas capacidades tais satildeo

movimentos por si e portanto denotam vida Quanto a [P3] Fiacutes VIII40

nos indica que esta eacute

uma tese que Aristoacuteteles abraccedila mas tambeacutem sem explicar suas razotildees O mais plausiacutevel

parece ser que este eacute um fenocircmeno autoevidente amplamente aceito que dispense justificaccedilatildeo

Diferentemente eacute o caso de [P4] cuja justificativa pode se sustentar na criacutetica aristoteacutelica agraves

noccedilotildees democritianas de que a alma eacute um princiacutepio de movimento que se move em DA I 3

corroborada pela noccedilatildeo de alma enunciada em DA II 1 segundo a qual a alma eacute forma logo

atualidade e portanto princiacutepio de determinaccedilatildeo das funccedilotildees proacuteprias ao ser vivente

Olhando por essas lacunas que o argumento aristoteacutelico conteacutem sua tentativa de

enunciar a alma como causa de vida parece fragilizada Entretanto fato eacute que a vida eacute

explicada pela alma no contexto do pensamento helecircnico Entatildeo conceder a Aristoacuteteles este

pressuposto parece um miacutenimo que o leitor contemporacircneo precise fazer Aleacutem disso vale

lembrar que em Met Z 17 Aristoacuteteles defende ser ldquonecessaacuterio que o dado e a existecircncia da

coisa sejam previamente conhecidosrdquo41

e que portanto o que se investiga eacute ldquopor que alguma

coisa pertence a outrardquo42

Deste modo cabem aqui questotildees como ldquopor que os corpos

vivemrdquo ou ainda ldquopor que se atribui vida a corpos dotados de capacidades taisrdquo E natildeo ldquopor

que o animado se diferencia do inanimado pelo viverrdquo como o formulado no iniacutecio desta

digressatildeo Talvez a fragilidade aparente se decirc pois aqui se toque as Colunas de Heacutercules da

psicologia aristoteacutelica

Retomando a braccedilada dos remos se a tese de que a vida se manifesta pela capacidade

de movimento eacute confirmada quando Aristoacuteteles enuncia uma nova noccedilatildeo de alma como

40 οὐδεμιᾶς γὰρ ἐν ἡμῖν ἐνούσης κινήσεως ἐνίοτε ἀλλ ἡσυχάζοντες ὅμως κινούμεθά ποτε καὶ ἐγγίγνεται ἐν ἡμῖν

ἐξ ἡμῶν αὐτῶν ἀρχὴ κινήσεως κἂν μηθὲν ἔξωθεν κινήσῃ τοῦτο γὰρ ἐπὶ τῶν ἀψύχων οὐχ ὁρῶμεν ὁμοίως ἀλλ

ἀεὶ κινεῖ τι αὐτὰ τῶν ἔξωθεν ἕτερον τὸ δὲ ζῷον αὐτό φαμεν ἑαυτὸ κινεῖν ldquoPor vezes acontece que natildeo haja

movimento em noacutes [entes animados] e que de nosso repouso noacutes sejamos postos em movimento e agraves vezes o

princiacutepio do movimento surge em noacutes e de noacutes sem que nada de outro nos mova de fora Natildeo vemos nada

parecido no caso dos seres inanimados pois eles sempre satildeo movidos por algo outro que reside fora deles Dos

animais noacutes dizemos que eles movem a si mesmosrdquo Fiacutes VIII 2 252b18-23 (Trad Daniel Nascimento)

ὁρῶμεν δὲ καὶ φανερῶς ὄντα τοιαῦτα ἃ κινεῖ αὐτὰ ἑαυτά οἷον τὸ τῶν ἐμψύχων καὶ τὸ τῶν ζῴων γένος ταῦτα δὲ

καὶ δόξαν παρεῖχε μή ποτε ἐνδέχεται κίνησιν ἐγγίγνεσθαι μὴ οὖσαν ὅλως διὰ τὸ ἐν τούτοις ὁρᾶν ἡμᾶς τοῦτο

συμβαῖνον (ἀκίνητα γάρ ποτε ὄντα κινεῖται πάλιν ὡς δοκεῖ) ldquoVemos claramente que existem coisas que se

movem a si mesmas como por exemplo os entes animados e o gecircnero dos animais e por causa disso pensamos

que pode ser possiacutevel que o movimento seja gerado sem que antes tenha existido de qualquer forma pois noacutes

vemos isso acontecer com eles (estarem imoacuteveis em determinado momento e moverem-se novamanete tal como

parece)rdquo Fis VIII 6 259b1-6 (Trad Daniel Nascimento) 41 δεῖ γὰρ τὸ ὅτι καὶ τὸ εἶναι ὑπάρχειν δῆλα ὄντα Met 17 1041a15 42ἄλλο γὰρ οὕτω κατ ἄλλου ἐστὶ τὸ ζητούμενον Met 17 1041a25-26

34

conclusatildeo do raciociacutenio iniciado em DA II 2 temos esta nova formulaccedilatildeo segundo as

capacidades que denotam o viver

νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον εἰρήσθω μόνον ὅτι ἐστὶν ἡ ψυχὴ τῶν εἰρημένων τούτων ἀρχὴ καὶ

τούτοις ὥρισται θρεπτικῷ αἰσθητικῷ διανοητικῷ κινήσει

Por ora eacute suficiente dizer apenas isto que a alma eacute princiacutepio das capacidades

mencionadas ndash nutritiva perceptiva raciocinativa e de movimento ndash e que por elas eacute

definida DA II 2 413b11-13 (Trad Gomes dos Reis)

Esta noccedilatildeo eclode como corolaacuterio da argumentaccedilatildeo anterior Com ela Aristoacuteteles

conquista um importante ponto do seu projeto psicoloacutegico a saber que a noccedilatildeo de alma

explique as distintas formas de vida atraveacutes das capacidades Isto levaraacute a uma gama de

comentadores contemporacircneos a valorizarem esta definiccedilatildeo em detrimento da definiccedilatildeo pela

substacircncia apresentada em DA II 1 Os que assim interpretam43

reduzem a definiccedilatildeo de alma

agrave noccedilatildeo de princiacutepio das funccedilotildees que denotam vida Esta interpretaccedilatildeo natildeo eacute totalmente

equivocada na medida em que textualmente Aristoacuteteles afirma isto Poreacutem ela eacute imprecisa

pois ignora o estatuto ontoloacutegico da alma Como vimos na seccedilatildeo anterior a alma eacute substacircncia

como forma (tegraves psycheacutes ousiacutean eicircnai hocircs eicircdos) do corpo e portanto seu princiacutepio

organizador que lhe confere o viver E enquanto forma do corpo a alma eacute sua atualidade

primeira (enteleacutekheia proteacute) Ou seja princiacutepio formal o qual o corpo se desenvolve em vista

do viver Pois a alma de um lado traz em si as disposiccedilotildees (heacutexeis) necessaacuterias agrave vida e

determina o que este corpo orgacircnico era para ser (tograve tiacute ecircn eicircnai) mediante suas funccedilotildees (eacuterga)

e atividades (eneacutergeiai) de viver Essas funccedilotildees satildeo as capacidades (dynaacutemeis) que

caracterizam os tipos de vida nos seres seu modo proacuteprio de viver Sendo assim a capacidade

nutritiva eacute proacutepria agrave vida vegetativa a perceptiva proacutepria agrave animal e a intelectiva agrave humana

Como se vecirc a definiccedilatildeo pelas capacidades tem sua origem e fundamento na definiccedilatildeo

pela forma Por outro lado esta soacute ganha capilaridade na definiccedilatildeo pela capacidade jaacute que sua

noccedilatildeo geral natildeo define a alma como causa de cada tipo de vida nem princiacutepio das

capacidades proacuteprias ao viver Deste modo uma interpretaccedilatildeo da noccedilatildeo aristoteacutelica de alma

que ignore como ambas noccedilotildees se sustentam mutuamente eacute parcial e suscetiacutevel de engendrar

mais problema que o proacuteprio texto jaacute apresenta

Com isso concluiacutemos De Anima II 2 compreendendo que a alma eacute causa de vida jaacute

que eacute princiacutepio das atividades proacuteprias ao viver Diante da noccedilatildeo geral e como ela se

particulariza nas distintas capacidades resta ainda observar um uacuteltimo ponto que Aristoacuteteles

43Putman (1975) Ackrill (1975-6) Bolton (1978) Nussbaum (1978) Everson (1995) CodeampMoravicsik

(1992) Para uma noccedilatildeo geral das diversas correntes de interpretaccedilatildeo da psicologia aristoteacutelica no seio das

discussotildees de filosofia da mente ver Diamond (2015) Caston (2006) e Irwin (1991)

35

trabalharaacute no capiacutetulo seguinte a saber a disposiccedilatildeo seriada hierarquicamente das diversas

formas de vida

23 A DEFINICcedilAtildeO SERIADA

A tese geral de que a alma eacute forma do corpo sofre uma nova reavaliaccedilatildeo em DA II 3

Como se veraacute adiante Aristoacuteteles surpreendentemente declara que toda busca por um

enunciado mais geral (koinoacutetatos loacutegos) de alma eacute ridiacuteculo (geloicircon) jaacute que esta noccedilatildeo natildeo

permite a compreensatildeo de que as diversas espeacutecies de vida (vegetativa animal e humana) satildeo

dispostas em uma seacuterie ordenada e hierarquizada de acordo com sua capacidade especiacutefica

Como a leitura das formas de vida dispostas em uma seacuterie ordenada eacute um problema que

precisa ser respondido por quem quer que se debruce sobre a noccedilatildeo aristoteacutelica de alma esta

seccedilatildeo argumentaraacute como a noccedilatildeo de almas seriadas natildeo invalida a noccedilatildeo formal de alma

enunciada em DA II 1

DA II 3 poderia ser tematicamente dividido em duas partes Numa primeira de

414ordf29-414b20 Aristoacuteteles dispotildee a hierarquia das capacidades que denotam vida Se em DA

II 2 ele enunciou as capacidades aqui se argumenta como uma estaacute em relaccedilatildeo de

anterioridade agrave outra e portanto disposta hierarquicamente de modo coextensivo agraves formas

de vida Assim se o movimento segundo nutriccedilatildeo crescimento e decaimento seraacute proacuteprio a

uma forma de vida a vegetativa a adiccedilatildeo da capacidade perceptiva seraacute proacutepria agrave vida

vegetativa e animal Agrave medida que se adicione outras capacidades como o intelecto abrange-

se a vida humana44

Esta hierarquizaccedilatildeo suplementar das capacidades a seu enunciado permite

que Aristoacuteteles encampe a tese de que os tipos de vida satildeo dispostos em seacuteries ordenadas

avanccedilando para a segunda parte do capiacutetulo

δῆλον οὖν ὅτι τὸν αὐτὸν τρόπον εἷς ἂν εἴη λόγος ψυχῆς τε καὶ σχήματος οὔτε γὰρ

ἐκεῖ σχῆμα παρὰ τὸ τρίγωνον ἔστι καὶ τὰ ἐφεξῆς οὔτ ἐνταῦθα ψυχὴ παρὰ τὰς

εἰρημένας γένοιτο δ ἂν καὶ ἐπὶ τῶν σχημάτων λόγος κοινός ὃς ἐφαρμόσει μὲν

πᾶσιν ἴδιος δ οὐδενὸς ἔσται σχήματος ὁμοίως δὲ καὶ ἐπὶ ταῖς εἰρημέναις ψυχαῖς διὸ

γελοῖον ζητεῖν τὸν κοινὸν λόγον καὶ ἐπὶ τούτων καὶ ἐφ ἑτέρων ὃς οὐδενὸς ἔσται τῶν

ὄντων ἴδιος λόγος οὐδὲ κατὰ τὸ οἰκεῖον καὶ ἄτομον εἶδος ἀφέντας τὸν τοιοῦτον

(παραπλησίως δ ἔχει τῷ περὶ τῶν σχημάτων καὶ τὰ κατὰ ψυχήν ἀεὶ γὰρ ἐν τῷ ἐφεξῆς

44 Τῶν δὲ δυνάμεων τῆς ψυχῆς αἱ λεχθεῖσαι τοῖς μὲν ὑπάρχουσι πᾶσαι καθάπερ εἴπομεν τοῖς δὲ τινὲς αὐτῶν

ἐνίοις δὲ μία μόνη διασαφητέον δὲ περὶ αὐτῶν ὕστερον νῦν δ ἐπὶ τοσοῦτον () εἰρήσθω ὅτι τῶν ζώντων τοῖς

ἔχουσιν ἁφὴν καὶ ὄρεξις ὑπάρχει περὶ δὲ φαντασίας ἄδηλον ὕστερον δ ἐπισκεπτέον ἐνίοις δὲ πρὸς τούτοις

ὑπάρχει καὶ τὸ κατὰ τόπον κινητικόν ἑτέροις δὲ καὶ τὸ διανοητικόν τε καὶ νοῦς οἷον ἀνθρώποις καὶ εἴ τι

τοιοῦτον ἕτερον ἔστιν ἢ τιμιώτερον ldquoDentre as potecircncias da alma como dissemos todas as mencionadas

subsitem em alguns seres em outros soacute algumas delas e em alguns apenas uma E mencionamos como

potecircncias a nutritiva a perceptiva a desiderativa a locomotiva e a raciocinativa Ora nas plantas subsiste

somente a nutritiva mas em outros seres tanto esta como a perceptiva () Por ora eacute suficiente dizer isto que

entre os seres vivos que possuem tato tambeacutem subsiste desejo No que se refere agrave imaginaccedilatildeo natildeo estaacute claro e

devemos examinaacute-la posteriormente Em alguns seres vivos aleacutem disso subsiste tambeacutem a capacidade de se

locomover e em outros ainda a de raciocinar e o intelecto ndash por exemplo nos homens e em algum outro se

houver de tal qualidade ou mais valiosordquo DA II 3 414a29-414b20 (Trad Gomes dos Reis)

36

ὑπάρχει δυνάμει τὸ πρότερον ἐπί τε τῶν σχημάτων καὶ ἐπὶ τῶν ἐμψύχων οἷον ἐν

τετραγώνῳ μὲν τρίγωνον ἐν αἰσθητικῷ δὲ τὸ θρεπτικόν) ὥστε καθ ἕκαστον

ζητητέον τίς ἑκάστου ψυχή οἷον τίς φυτοῦ καὶ τίς ἀνθρώπου ἢ θηρίου διὰ τίνα δ

αἰτίαν τῷ ἐφεξῆς οὕτως ἔχουσι σκεπτέον ἄνευ μὲν γὰρ τοῦ θρεπτικοῦ τὸ αἰσθητικὸν

οὐκ ἔστιν τοῦ δ αἰσθητικοῦ χωρίζεται τὸ θρεπτικὸν ἐν τοῖς φυτοῖς

Eacute claro que poderia da mesma maneira haver entatildeo um enunciado uacutenico tanto de

figura como de alma Pois nem no primeiro caso existe figura aleacutem do triacircngulo e

daquelas que o sucedem nem neste caso existe alma aleacutem das mencionadas A

respeito das figuras tambeacutem eacute possiacutevel formular um enunciado comum que se aplique

a todas sem ser proacuteprio a nenhuma e o mesmo ocorre com as almas mencionadas Por

isso tanto neste como em outros casos eacute ridiacuteculo procurar um enunciado comum ndash

pois a nenhum dos seres seraacute um enunciado proacuteprio nem estaraacute de acordo com a

forma apropriada e indivisiacutevel ndash deixando-se de lado o enunciado deste tipo (E as

coisas concernentes agrave alma estatildeo em situaccedilatildeo parecida agravequela das figuras pois tanto

no caso das figuras como no caso dos seres animados o anterior sempre subsiste

naquilo que o sucede por exemplo o triacircngulo no quadrado o poder de nutrir-se no

de perceber) Assim deve ser investigado de acordo com cada caso o que eacute a alma

de cada um ndash por exemplo o que eacute a alma da planta do homem ou da besta E deve

ser examinado a causa de ser disposto assim em sucessatildeo Pois sem a nutritiva natildeo

existe a capacidade perceptiva embora nas plantas a nutritiva exista separada da

perceptiva DA II 3 414b20-415a6 (Trad Gomes dos Reis)

A analogia entre figura do triacircngulo e a alma vegetativa permite esclarecer qual a

relaccedilatildeo de sucessatildeo entre uma capacidade e outra O triacircngulo eacute a figura geomeacutetrica plana

mais baacutesica de todas A composiccedilatildeo de dois triacircngulos forma um quadrilaacutetero A composiccedilatildeo

de trecircs triacircngulos forma um pentaacutegono e assim sucessivamente Ou seja da mesma maneira

que o triacircngulo subsiste em potecircncia no quadrilaacutetero e este no pentaacutegono a nutriccedilatildeo subsiste

em potecircncia na percepccedilatildeo e esta no intelecto Portanto se a capacidade nutritiva eacute proacutepria agrave

vida vegetativa a perceptiva agrave animal e a intelectiva agrave humana entatildeo igualmente a vida

vegetativa subsiste na animal e a animal na humana Sendo assim da mesma maneira que se

faz necessaacuteria uma definiccedilatildeo proacutepria ao triacircngulo ao quadrilaacutetero e ao pentaacutegono deve-se

buscar um enunciado proacuteprio a cada uma dessas formas de vida para que se sustente como a

alma eacute princiacutepio de cada tipo de vida e natildeo somente da vida em geral Pois um enunciado que

decirc a noccedilatildeo da alma que cubra todas as formas de vida mas que natildeo toque particularmente em

uma natildeo cumpre seu fim argumentativo que eacute explicar a razatildeo da alma ser causa de vida no

ser vivente como se segue

ὅτι μὲν οὖν ὁ περὶ τούτων ἑκάστου λόγος οὗτος οἰκειότατος καὶ περὶ ψυχῆς δῆλον

Eacute claro entatildeo que o enunciado de cada uma destas capacidades eacute tambeacutem o mais

apropriado a respeito da alma DA II 3 415a13-14 (Trad Gomes dos Reis)

Levando-se em conta que Aristoacuteteles se dedicaraacute em todo o restante do De Anima

investigando cada uma das capacidades e seus desdobramentos para uma noccedilatildeo de alma

37

podemos ser levados a crer que Aristoacuteteles elege este como o melhor criteacuterio para uma

definiccedilatildeo de alma

Haacute portanto um grande problema a ser encarado aqui que consiste na resposta a uma

das questotildees elencadas em DA I 145

a saber se eacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma enquanto

tal ou uma para cada tipo de ser vivente Pelo caminho que segue a discussatildeo tende-se a uma

resposta de que seraacute necessaacuterio uma definiccedilatildeo de alma para cada forma de vida Entretanto

Aristoacuteteles jaacute problematizara se mesmo que haja uma noccedilatildeo uacutenica para catildees cavalos e

homens a de animal esta noccedilatildeo uacutenica eacute universal posterior anterior ou nada em relaccedilatildeo aos

itens

Seguindo o texto de DA II 3 a nutriccedilatildeo eacute a capacidade sobre a qual se erguem todas as

outras ateacute a capacidade de pensamento Dado que um corpo eacute dotado de nutriccedilatildeo e portanto

vivente por causa da alma e a seu turno dado que a alma eacute forma e atualidade primeira do

corpo e portanto princiacutepio organizador das capacidades que denotam o viver novamente a

definiccedilatildeo pela forma sustenta ontologicamente a definiccedilatildeo pelas capacidades e por

concomitacircncia a definiccedilatildeo seriada

Assim a criacutetica que Aristoacuteteles faz agrave noccedilatildeo mais geral de alma enunciada em DA II 1

natildeo eacute razatildeo suficiente para seu descarte no seu projeto psicoloacutegico Com efeito se a noccedilatildeo de

alma como forma eacute insuficiente para explicar por que a alma eacute princiacutepio de vida em cada tipo

de ser vivente como sustentado ao iniacutecio de DA II 2-3 ela eacute justamente a noccedilatildeo ontoloacutegica

para que responde pela sua atualidade e determinaccedilatildeo das propriedades relevantes do ser deste

corpo dotado de oacutergatildeos Assim se as noccedilotildees de alma como forma e princiacutepio das capacidades

satildeo intercambiantes como argumentei anteriormente e se a definiccedilatildeo estaacute diretamente

atrelada agrave hierarquia dessas capacidades entatildeo a proacutepria noccedilatildeo de alma seriada depende

logicamente da noccedilatildeo de alma como forma Sendo assim o enunciado geral eacute redimensionado

em DA II 3 pela disposiccedilatildeo seriada da alma a um princiacutepio loacutegico-ontoloacutegico mediante o qual

esta ciecircncia comum a muitas coisas pode se realizar

45 εὐλαβητέον δ ὅπως μὴ λανθάνῃ πότερον εἷς ὁ λόγος αὐτῆς ἐστι καθάπερ ζῴου ἢ καθ ἕκαστον ἕτερος οἷον

ἵππου κυνός ἀνθρώπου θεοῦ τὸ δὲ ζῷον τὸ καθόλου ἤτοι οὐθέν ἐστιν ἢ ὕστερον ὁμοίως δὲ κἂν εἴ τι κοινὸν

ἄλλο κατηγοροῖτο Eacute preciso tomar cuidado tambeacutem poreacutem para que natildeo passe despercebido se haacute uma uacutenica

definiccedilatildeo de alma (tal como de animal) ou se haacute diversas como por exemplo a de cavalo catildeo homem

divindade sendo neste caso o animal considerado universalmente ou nada ou algo posterior o mesmo

ocorrendo para qualquer outro atributo comum que for predicadordquo DA I 1 402b4-9 (Trad Gomes dos Reis)

38

3 CONCLUSAtildeO

Como se apresentou nesta monografia Aristoacuteteles enuncia sua noccedilatildeo de alma em

momentos distintos Um primeiro a partir da discussatildeo com as teses predecessoras Nela o

que se conquista eacute que a alma eacute imoacutevel e origem de movimento nos seres viventes Depois

atraveacutes de um enunciado geral para os diversos tipos de vida que a define como forma do

corpo Um terceiro que enuncia a alma como causa de vida e a define como princiacutepio das

capacidades que denotam o viver E por fim um quarto enunciado que a apresenta como

disposta em seacuterie ordenada segundo suas capacidades Na medida que o enunciado geral se

mostra insuficiente para o projeto psicoloacutegico traccedilado e as outras definiccedilotildees parecem melhor

corresponder a este objetivo a unidade enunciativa entre as diversas definiccedilotildees aparenta ser

vulneraacutevel Natildeo por menos como foi abordado ao longo deste texto tende-se a salientar uma

das definiccedilotildees e desconsiderar a outra Esta natildeo parece ser a interpretaccedilatildeo que melhor

compreenda a psicologia aristoteacutelica Como argumentado observar a definiccedilatildeo pelas

capacidades sem a definiccedilatildeo pela forma esvazia ontologicamente a noccedilatildeo de que a alma eacute

princiacutepio de vida A alma como forma do corpo eacute o enunciado mediante o qual a garante

como atualidade primeira e portanto princiacutepio das caracteriacutesticas e funccedilotildees proacuteprias ao ser

vivente Por outro lado como o proacuteprio Aristoacuteteles enuncia a definiccedilatildeo pela forma daacute uma

noccedilatildeo que abarca todas as formas de vida mas natildeo enuncia a alma como causa do viver nem

que as diversas almas satildeo dispostas em seacuterie ordenada Satildeo nestes dois pontos que a definiccedilatildeo

pela capacidade se torna igualmente relevante para o projeto psicoloacutegico aristoteacutelico Sem ela

seriam inviaacuteveis todos os outros capiacutetulos nos quais Aristoacuteteles enuncia discorre e formula a

atividade das capacidades proacuteprias ao ser vivo nutriccedilatildeo percepccedilatildeo imaginaccedilatildeo intelecto e

movimento segundo deslocamento Por estas razotildees uma interpretaccedilatildeo que conjugue as duas

definiccedilotildees no interior do projeto psicoloacutegico aristoteacutelico parece ser a que contemple melhor o

horizonte teoacuterico que a investigaccedilatildeo erige

Haacute um alguns aspectos que esta monografia deixa pelo caminho Na seccedilatildeo 1 Taacutebua de

Definiccedilatildeo foram elencados os diversos elementos de definiccedilatildeo da alma e como se faria a

inquiriccedilatildeo O primeiro grupo foi respondido ao longo da seccedilatildeo 2 A Noccedilatildeo de Alma mas o

segundo natildeo O segundo grupo de elementos da taacutebua seraacute dissertado por Aristoacuteteles nos

capiacutetulos posteriores ao DA II 3 quando ele se debruccedila sobre cada uma das capacidades

Como esta monografia pretende abordar apenas as definiccedilotildees sem dar interpretaccedilatildeo total do

tratado entatildeo soacute pode responder parte da taacutebua das definiccedilotildees Aleacutem disso a interpretaccedilatildeo das

definiccedilotildees de um modo consistente precisaria ser verificada na sua aplicaccedilatildeo sobre o restante

39

do tratado Em outras palavras eacute preciso verificar se esta interpretaccedilatildeo dificulta ou facilita a

interpretaccedilatildeo das outras teses da psicologia aristoteacutelica por exemplo a tese da percepccedilatildeo que eacute

definida como a recepccedilatildeo das formas sem mateacuteria Nas interpretaccedilotildees de Polanski e Diamond

comentadores paradigmaacuteticos para a abordagem adotada a coordenaccedilatildeo dos enunciados

definitoacuterios daacute conta das diversas formulaccedilotildees de capacidades e suas funcionalidades ao longo

do tratado Fico devendo portanto explicitar como a posiccedilatildeo que assumo se aplica nas

diversas capacidades enunciadas pelo Aristoacuteteles

Com isso conclui-se este trabalho com a compreensatildeo que ele eacute limitado Haacute nele

problemas proacuteprios agrave interpretaccedilatildeo de um texto conciso e arrojado como eacute o De Anima

Ainda assim espera-se que os erros ou imprecisotildees eventuais natildeo comprometam seu escopo

exegeacutetico Espera-se tambeacutem que esta monografia possa se converter em trabalhos futuros que

fomente a discussatildeo relativa ao De Anima no contexto filosoacutefico brasileiro Da mesma forma

que ela foi provocada pela traduccedilatildeo e comentaacuterios da Professora Doutora Maria Ceciacutelia

Gomes dos Reis Se este trabalho for bem sucedido nessas pretensotildees jaacute teraacute cumprido sua

funccedilatildeo

40

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