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A NOVA CLASSE TRABALHADORA DE GOIÂNIA GOIÁS (2010-2016) Renatha Cândida da Cruz [email protected] Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal de Goiás Marcelo Rodrigues Mendonça [email protected] Doutor em Geografia pela Universidade Federal de Goiás INTRODUÇÃO A cidade de Goiânia, desde a década de 1930, vem apresentando um importante aumento populacional, sobretudo de famílias expropriadas do campo no contexto da modernização do território goiano. Essas famílias promoveram a reterritorialização na cidade, por intermédio da moradia e assumiram postos de trabalho para os quais eram considerados inaptos ou sem qualificação, dada a interrupção de sua trajetória camponesa. Nesse processo, as “famílias chegantes” à capital goianiense não encontraram políticas públicas destinadas à moradia popular, e a saída foi residir em áreas incompatíveis com a habitação. Movimentos urbanos pela moradia ocorreram durante todo o histórico goianiense, mas em 1979 concentraram-se a Noroeste do Centro da cidade, dando origem à Região Noroeste. No esforço de compreender o processo de ocupação da Região Noroeste, entre 1979 e 2010, apresenta-se uma periodização a partir dos seus eventos importantes, atribuindo a cada etapa o nome de um bairro: Esperança (1979 a 1981), Finsocial (1982 a 1987), Vitória (1988 a 2001), Triunfo (2002 a 2010) e Tremendão (1979 a 2010). As ocupações perduraram durante toda fase Esperança, e mesmo com a criminalização do movimento pela moradia a necessidade de residir suscitou uma defesa das famílias por diferentes segmentos da sociedade. Essa defesa exigiu do Estado uma mudança de postura, e a partir da fase Finsocial foram criados bairros destinados aos moradores das ocupações, como uma estratégia para desarticular o movimento social e direcionar a população de baixa ou nenhuma renda para as periferias.

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A NOVA CLASSE TRABALHADORA DE GOIÂNIA – GOIÁS (2010-2016)

Renatha Cândida da Cruz

[email protected]

Doutoranda em Geografia pela Universidade Federal de Goiás

Marcelo Rodrigues Mendonça

[email protected]

Doutor em Geografia pela Universidade Federal de Goiás

INTRODUÇÃO

A cidade de Goiânia, desde a década de 1930, vem apresentando um importante

aumento populacional, sobretudo de famílias expropriadas do campo no contexto da

modernização do território goiano. Essas famílias promoveram a reterritorialização na

cidade, por intermédio da moradia e assumiram postos de trabalho para os quais eram

considerados inaptos ou sem qualificação, dada a interrupção de sua trajetória

camponesa. Nesse processo, as “famílias chegantes” à capital goianiense não

encontraram políticas públicas destinadas à moradia popular, e a saída foi residir em

áreas incompatíveis com a habitação. Movimentos urbanos pela moradia ocorreram

durante todo o histórico goianiense, mas em 1979 concentraram-se a Noroeste do

Centro da cidade, dando origem à Região Noroeste.

No esforço de compreender o processo de ocupação da Região Noroeste, entre

1979 e 2010, apresenta-se uma periodização a partir dos seus eventos importantes,

atribuindo a cada etapa o nome de um bairro: Esperança (1979 a 1981), Finsocial (1982

a 1987), Vitória (1988 a 2001), Triunfo (2002 a 2010) e Tremendão (1979 a 2010). As

ocupações perduraram durante toda fase Esperança, e mesmo com a criminalização do

movimento pela moradia a necessidade de residir suscitou uma defesa das famílias por

diferentes segmentos da sociedade. Essa defesa exigiu do Estado uma mudança de

postura, e a partir da fase Finsocial foram criados bairros destinados aos moradores das

ocupações, como uma estratégia para desarticular o movimento social e direcionar a

população de baixa ou nenhuma renda para as periferias.

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Nos primeiros anos do século XXI, inúmeros estudos e reportagens sobre as

classes sociais no país passaram a chamar a atenção para o que se denominou a "nova

classe média", da qual fariam parte as famílias com perfil de renda per capita

semelhante às famílias residentes na Região Noroeste. No entanto, o uso de tal termo

para essa parcela da população começou a ser questionado, em função do emprego da

renda como critério para definição da estrutura social e da discrepância existente entre

as faixas de rendimentos adotadas. Em substituição a esse termo Souza (2010),

Pochmann (2010), Scalon e Salata (2012) e Luce (2013) propõem a denominação "nova

classe trabalhadora", por entenderem que as mudanças sociais do país são decorrentes

de mérito próprio dos trabalhadores e trabalhadoras em suas trajetórias individuais ou

coletivas.

Assim, neste artigo, apresenta-se um estudo acerca da classe trabalhadora

goianiense. O contexto é o das mudanças socioeconômicas percebidas no país nos

primeiros anos do século XXI, ou seja, do aquecimento da economia à crise. O trabalho

apresenta resultados preliminares. Objetiva-se apontar os critérios para a definição da

estrutura social a partir do estudo da classe trabalhadora goianiense e relacionar o

aumento das políticas públicas de transferência de renda e outros programas sociais com

as mudanças socioeconômicas percebidas na classe trabalhadora. Em uma etapa

posterior busca-se identificar o perfil, os comportamentos, as condições de vida e

trabalho da classe trabalhadora, problematizando a questão da renda, do consumo e do

endividamento.

Como caminho metodológico, a pesquisa teórica baseou-se em diversas

publicações, como livros, periódicos, teses, dissertações, monografias, publicações de

anais de eventos, revistas especializada, jornais e revistas, visto que a temática tem sido

amplamente divulgada. A pesquisa de dados inicia-se no Instituto Brasileiro de

Geografia e Estatística (IBGE), a partir do Censo de 2000 e 2010 e da malha digital para

Goiânia no referido período. Nessa etapa da pesquisa, os documentos e dados foram

analisados, organizados e tabulados, sistematizando informações relevantes para o

estudo. Destaca-se ainda a elaboração de mapas, tabelas, gráficos e quadros visando

proporcionar maior clareza no entendimento e na análise proposta.

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A etapa posterior será de elaboração dos questionários e entrevistas, seguida da

pesquisa de campo, cujo instrumento será a coleta de dados e de informações por meio

da aplicação de questionários e da realização das entrevistas. Com as entrevistas

procura-se obter dados e informações não contempladas nas estatísticas, principalmente

no que tange ao perfil, aos comportamentos e às condições de vida e de trabalho do

grupo. Após a pesquisa de campo, os dados coletados serão analisados, organizados e

tabulados com o objetivo de sistematizar informações relevantes sobre a realidade

pesquisada. Desse modo, a partir das entrevistas, será possível diagnosticar, por

intermédio da análise do discurso, as especificidades que permeiam mudanças

socioeconômicas discutidas sobre uma nova classe, assim como as contradições

existentes, a partir da posição e da realidade vivenciada pelos diversos sujeitos.

RESULTADOS PRELIMINARES

A Região Noroeste de Goiânia: um exemplo da nova classe trabalhadora

A população urbana brasileira cresceu principalmente a partir do processo de

industrialização, ampliado a partir da década de 1950. Com o modelo de agricultura

empresarial (produção de commodities) adotado no país e a consequente expropriação

das famílias do campo intensificou-se a migração de pequenos agricultores camponeses

com destino aos centros urbanos e as áreas de fronteira. Nesse contexto, Goiânia se

tornou um dos polos de atração de migrantes, em virtude de sua trajetória histórica, da

localização geográfica (centro do país) da proposição em ser a capital do Estado de

Goiás e de seu vínculo à dinâmica de concentração de atividades econômicas e de

serviços, visto que a “concentração da população acompanha a [concentração] dos

meios de produção” (LEFEBVRE, 1999, p. 17).

Os fluxos migratórios que se intensificaram a partir da década de 1950 podem

ser explicados por diferenciados fatores: as constantes propagandas sobre as

oportunidades goianienses quando da criação de Goiânia, a construção de Brasília, a

evolução do sistema de transportes no Estado, bem como sua concentração na Região

Metropolitana de Goiânia. Com base na figura 1, percebe-se que, entre as décadas de

1970 e 1990, os fluxos migratórios advinham de quase todos os Estados brasileiros, mas

principalmente do interior de Goiás, do Nordeste e do Sudeste. Além de se manter, os

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fluxos migratórios ampliaram. Santos e Silveira (2001) atribuem o aumento da migração

dos trabalhadores à modernização do território a partir da agricultura e à expansão da

fronteira agrícola.

Para compreender o processo de ocupação que deu origem à chamada Região

Noroeste de Goiânia, elaborou-se uma cronologia, e a cada etapa atribuiu-se o nome de

um bairro da região, a saber: Esperança (de 1979 a 1981); Finsocial (de 1982 a 1987);

Vitória (de 1988 a 2001) e Triunfo (de 2002 a 2010); além de uma fase intermediária,

que chamamos de Tremendão (de 1979 a 2010) (Figura 2).

Figura 1 - População residente em Goiânia proveniente de migração nos anos 1970, 1980 e 1990

por lugar de nascimento

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Figura 2 - Mapa de Goiânia por localização da Região Noroeste

A primeira fase, chamada de Esperança, é a etapa embrionária da Região

Noroeste, definida entre os anos de 1979 e 1981. É a fase originada pela ocupação

urbana por um grupo de pessoas que se fixou numa área entre a Vila João Vaz, o Setor

Cândida de Morais e o Bairro Jardim Balneário Meia Ponte. E assim surge a Esperança.

A luta coletiva pela terra, iniciada em julho de 1979 com a ocupação de uma área de

pouco mais de vinte e seis alqueires, deu origem ao atual bairro Jardim Nova Esperança,

mesmo com a ação repressiva do Estado e a criminalização da luta por um direito na

cidade.

A fase Finsocial, que compreende o período entre 1983 e 1987, é marcada pelo

discurso da necessidade em desenvolver programas de acesso à moradia em face das

crescentes ocupações urbanas. Por trás do discurso havia a estratégia de desarticular o

movimento pela moradia e direcionar os grupos de trabalhadores e trabalhadoras de

baixa ou nenhuma renda às periferias da cidade, privilegiando a valorização dos

empreendimentos imobiliários das áreas de moradias da elite goianiense (OLIVEIRA,

2002). O primeiro assentamento urbano foi a Vila Finsocial (1982), que dá nome à fase.

Esse bairro foi destinado às famílias da ocupação Jardim Boa Vista, realizada em uma

área da Fazenda Caveiras. O segundo assentamento foi a Vila Mutirão (1983), onde

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foram construídas mil casas em um dia. As construções eram de placas de concreto

entremeadas com estruturas também de concreto, em sua maioria com dois quartos,

sala, cozinha, sem contrapiso e sem banheiro. O terceiro bairro foi o Jardim Curitiba

(1987), que se iniciou em uma área adquirida pela Companhia de Habitação de Goiás

(Cohab), atual Secretaria Goiana de Habitação, e pela Companhia de Saneamento de

Goiás (Saneago), ambas empresas estatais.

Na fase Vitória, o comércio da região se fortalece, mas ainda não se diversifica.

A partir da luta coletiva e da ação estatal com a criação de assentamentos urbanos,

outros bairros foram surgindo na Região Noroeste, principalmente a partir de 1992. Os

loteamentos foram se estabelecendo mais por uma pressão visando à regularidade, do

que por uma intenção do poder público, voltada para uma ação pela moradia popular,

em que se destaca o fator eleitoreiro das ações governamentais (FREITAS, 2007). A fase

Triunfo equivale também à conurbação entre as cidades de Goiânia e Goianira, como

estudado por Anjos (2009). Com o deslocamento dos interesses imobiliários para a

Região Noroeste, um fator semelhante se verifica na área de expansão de Goianira,

equivalente também as mudanças sociais e econômicas percebidas no Brasil a partir,

por exemplo, dos programas Bolsa Família e Minha Casa Minha Vida.

A fase Tremendão é uma etapa intermediária no processo de ocupação da Região

Noroeste e permeada pelo imaginário e estigma social, vinculados a criminalização do

movimento de luta pela moradia e a associação entre pobreza e marginalidade. Esse

imaginário se fixou nos nomes dos bairros. No caso do Bairro Tremendão, surgiu como

uma homenagem ao álbum do cantor Erasmo Carlos, bastante conhecido durante a

Jovem Guarda. Já no contexto da Região Noroeste, os habitantes foram associados a

criminalidade. A Vila Finsocial recebeu o nome de um programa social federal

destinado à moradia, para fins sociais, divulgado como “fim da sociedade” (esse ponto

fica como sugestão para futuras pesquisas).

Como referido anteriormente, no contexto mais recente da história brasileira, as

mudanças sociais e econômicas suscitaram estudos sobre uma nova classe, o que, de

acordo com Marx (1955), exige compreender o trabalho, ou seja, nos estudos sobre a

nova classe média as classes sociais são na verdade classes de rendimento. No caso dos

trabalhadores e trabalhadoras de Goiânia, analisa-se o perfil das famílias, no percurso

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dissertativo, o que auxiliou na proposição do estudo sobre uma nova classe

trabalhadora. Os resultados preliminares obtidos possibilitam saber como vivem, o que

estudam e se estudam, quantas horas trabalham e como se deslocam pela cidade no

recorte temporal de 2010. Acerca das moradias, verificou-se que a maioria dos

domicílios das famílias da Região Noroeste era de alvenaria e com revestimento externo

(83,13%), mas ainda há um percentual de moradias sem revestimento externo e de

barracos de madeira e demais materiais improvisados que remetem aos tempos das

ocupações.

O percentual de moradores da Região que nunca frequentaram escola ou creche

é pouco maior que 10%. Destaca-se a quantidade de pessoas que não estudam. Mais de

50% dos moradores já frequentaram escola ou creche, mas em 2010 não se encontravam

vinculados a nenhuma instituição de ensino. A maioria dos frequentes estava

matriculada no ensino fundamental (54,72%) e uma pequena parcela (21,9%) no ensino

médio. O percentual de 7,3% de moradores que frequentam o curso superior e de 3,39%

que o concluíram é resultado, certamente, do aumento das vagas das universidades

públicas e das possibilidades de ingresso financeiro e financiado a cursos particulares de

formação superior. Aqui percebe-se a tendência, entre os trabalhadores e trabalhadoras

da Região Noroeste, de um aumento na média de anos de estudo superior, em

comparação com as décadas anteriores, conforme estudos de Oliveira (1999) e Moysés

(2004). Vale ressaltar que a baixa escolaridade implica baixa renda ou mesmo longas

jornadas de trabalho, visto que se observa no país uma relação quase intrínseca entre a

média de anos de estudo e o potencial de recebimento de proventos, fato que também é

percebido na Região Noroeste.

No estudo “Região Noroeste de Goiânia: de grande bolsão de pobreza à nova

classe trabalhadora”, Cruz (2015) identificou que o número de pessoas com vínculo

empregatício com carteira assinada era inexpressivo. Em 2010 o percentual de

trabalhadores e trabalhadoras com carteira assinada é maior que dos trabalhadores sem

carteira. O quantitativo de pessoas que estavam ocupadas por conta própria ou sendo

empregadoras é considerável, porém não permite problematizar a questão da seguridade

do trabalhador nem mesmo discutir a relação com a aposentadoria. A maioria desses

trabalhadores e trabalhadoras realizava em 2010 atividades ligadas aos setores da

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indústria e de serviços, o que é perceptível pelas jornadas de trabalho, visto que uma

expressiva parcela (43,79%) trabalhava entre 40 e 44 horas semanas, 9% trabalhavam

até 14 horas por semana, 16% trabalhavam entre 15 e 39 horas e 44% trabalhavam entre

40 e 44 horas semanais. Há ainda um grupo expressivo de pessoas (31%) que exercia

suas atividades laborais por mais de 45 horas semanais. Acerca desse último dado,

vemos que o quantitativo de horas trabalhadas é superior ao que é permitido por lei. E

como se trata de dados do trabalho principal, é possível inferir que desempenham

trabalhos secundários para assegurar um aumento da renda familiar.

Mesmo que a maioria realiza suas atividades laborais na cidade de Goiânia

(71,58%), o tempo de deslocamento casa-trabalho ou casa-escola necessita ser

repensado e discutido amplamente. No ponto mais distante das áreas centrais e da maior

disponibilidade de postos de trabalho encontram-se os trabalhadores e trabalhadoras que

destinam um maior quantitativo de horas para o deslocamento ao trabalho. Isso equivale

dizer que, quanto mais periférico for o local de moradia, mais distante será seu tempo de

deslocamento na cidade. Cabe assinalar que 49% da população destinavam acima de

uma hora diária no deslocamento para o trabalho e parte desse universo destinava quatro

horas diárias para deslocamento ao trabalho, ou seja, um sexto do dia. Em um cálculo

rápido, essa pessoa destina em média quatro horas por dia durante seis dias por semana,

se considerarmos que a maior parte desses trabalhadores tem jornada acima de 40 horas

semanais. Assim, com jornada de 24 horas semanais num total de 44 dias por ano, são

gastas mais de 1.050 horas para deslocar-se ao local de trabalho.

Outro dado importante foi o considerável aumento na renda das famílias da

Região Noroeste. Quando analisou-se a renda mensal domiciliar per capita, a situação

chama ainda mais a atenção. O percentual de domicílios sem renda apresenta um índice

mais reduzido e quase equivalente à de Goiânia. Verificou-se que, para a maioria

(66,38%), dos domicílios da Região Noroeste, a renda das famílias está entre meio e

dois salários mínimos, realidade próxima a de Goiânia, para 51,36% de sua população.

Na outra extremidade, 4,57% da população da Região Noroeste recebiam mais de três

salários mínimos, enquanto que para a totalidade de Goiânia esse percentual é cinco

vezes maior (23,02%). Nesses parâmetros, a população da Região Noroeste pode ser

considerada como um grupo de emergentes (BRASIL, 2012), com salários variando

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entre R$ 291 e R$ 1.024 per capita. Em 2010, para 78,25% dos domicílios, a renda era

maior que meio salário mínimo per capita (bem próximo dos R$ 255 reais, que na

época era equivalente a meio salário), fato que reacende o debate sobre o critério renda

como definidor das classes sociais. Acerca do acesso a bens de consumo e serviços

antes inviabilizados pela baixa renda, notou-se que a televisão está presente em 96,06%

dos lares, a geladeira em 96,46%, revelando um alto índice de segurança alimentar,

76,25% possuíam rádio, 61, 31% tinham acesso à internet, 94,88% dos domicílios

tinham acesso a algum tipo de serviço telefônico, 51,99% tinham aparelhos celulares. O

percentual de famílias que possuíam motocicletas e automóveis também se aproximava

dos 50%.

Esses resultados mostram uma tendência de amadurecimento das áreas de

ocupação mais antiga. As áreas onde há mais domicílios com geladeira e televisão, por

exemplo, são aquelas onde as famílias residem há mais tempo no local. Assim, pode-se

inferir que são áreas cujas famílias tiveram acesso a casa própria há mais tempo,

permitindo-lhes certa estabilidade e o acesso a bens de consumo que atendam às

necessidades da família. Nesse debate, apresentou-se os resultados alcançados com o

estudo feito sobre as famílias da Região Noroeste como representação de uma nova

classe média. Pretende-se estender esse estudo sobre a cidade de Goiânia, buscando na

trajetória dos sujeitos os subsídios que possibilitam compreender as mudanças sociais e

econômicas do país nos primeiros anos do século XXI e distanciá-las do debate de renda

e de consumo como preponderante no conhecimento das classes sociais.

O recorte permite um debate sobre o aumento dos anos de estudos por uma

parcela da população da cidade de Goiânia. O número de pessoas com baixa ou

nenhuma escolaridade aumentou, sobretudo, no primeiro trimestre de 2016, o que nos

leva a inferir que a cidade de Goiânia recebe um grande percentual de famílias que se

encontram em situação de vulnerabilidade social e que políticas públicas destinadas ao

grupo necessitam ser continuadas, mesmo em contexto de crise econômica.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos resultados percebidos na pesquisa pode-se afirmar que a Região

Noroeste apresentava, em 2010, uma dinâmica muito diferenciada daquela de sua

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ocupação iniciada em 1979. É inegável que houve mudanças, sobretudo quando

percebemos o critério renda nas discussões. Contudo, como afirma Pochmann (2010),

tal relação ainda está muito distante da classe trabalhadora. A escolaridade da

população, o aumento dos postos de trabalho formal e o aumento considerável do

consumo não conseguiram diminuir as desigualdades sociais na cidade, mas, sem

dúvida, permitiram descortinar um novo universo de mudanças socioeconômicas. De

acordo com dados oficiais (BRASIL, 2012, p. 24), "[...] mais da metade da classe

trabalhadora brasileira, hoje, está na classe média". Essa informação indica que há sim

um novo perfil a ser estudado. A melhoria na renda permite o acesso a diferentes bens e

serviços na cidade, mas a análise necessita ir além da renda e do padrão de consumo. A

relação entre a renda, o trabalho e a escolaridade possibilita uma análise um pouco mais

ampla. Vale o registro de que os dados do IBGE (2010) não permitiram discutir o

endividamento das famílias como forma de problematizar, por exemplo, o peso do

consumo nas famílias da Região Noroeste. Os dados também não informaram acerca do

percentual de pessoas com mais de um emprego, ou mesmo outras formas de

complementação da renda familiar, como o recebimento de pensões ou de programas

sociais.

Diante do novo perfil da população da Região Noroeste, constatou-se que o

marketing da nova classe média ofusca, na verdade, uma nova classe trabalhadora,

como assegura Pochmann (2010), pois a renda melhorou principalmente em função do

aumento dos postos de trabalho formais e do aumento do salário mínimo, mas sobretudo

por conta das longas jornadas de trabalho. Isso justifica a afirmação de Souza (2010), de

que esses grupos têm sua ascensão por mérito individual. Como exposto por Oliveira

(1999), Oliveira (2002), Moysés (2004) e Silva (2014), verificou-se que a questão da

renda se destaca, em comparação com as primeiras décadas da Região. O fato de que a

renda é em média de meio salário mínimo para essa população e de que não há

representantes com renda superior a cinco salários mínimos revela uma discrepância

com as demais regiões de Goiânia. Entende-se que os números apresentados neste artigo

vão além de uma categorização como nova classe média. Os parâmetros definidores do

conceito se aplicam à Região Noroeste, mas se analisados com profundidade, os dados

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nos mostram claramente de que se trata realmente de uma classe nova, mas não a

tradicional classe média, mas uma classe trabalhadora renovada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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