16
5fl rrcva f siolog'ia do p'osto

A Nova Fisiologia do Gosto

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A Nova Fisiologia do Gosto

5fl rrcva f siolog'iado p'osto

Page 2: A Nova Fisiologia do Gosto

A PRÉ-H|STóRÌA Dos Gosros

Ânres de âtâcâr o prâro principal - os modos de prcpârâção , façamosum pequeno desvìo útil para saber como comemos, pois coziúaremos melhor sesoubermos distinguir as diversas sensações que os pratos susciram: gostos e sabo-res, cores, aromas e perÂ.Ìmes,.. Estâ será a ordem deste capítulo.

ÂristóteÌes sabiâ tLÌdo, mas que sabia ele dos gostos? Confiemos neste velhofìlósofor perconendo incansâvelmenre o liceu com seus discípulos, seu apetite seabria... e dispunha seu espírito metafísico a meditações gulosas: [há] "nos saborescomo nas cores, de um lado, as espécies simples que são também os contrários, asaber o doce e o amargo; de outro lado, as espécies derivadas tanto do primeiro,como o untuoso, quânto do segundo, como o saléÌado; eÍÌfim, intemediários en-tre estes dois últìmos saborcs, o âcrc, o áspero, o âdstringenre e o ácido, aproximâdamente, tâis parccem ser com eleito os diferentes sabores".

ÁrìstóteÌes flão é â única autoridade que avaliou as sensações dâ boca. NosécuÌo XVIII, notacÌamence, o grande Carl Lineu exerceu rambém seus talentossobre os sabofes, mâs, paradoxâlmente, o mais célebre dos sistemâtizadores, o paida classificação botânicâ, não teve espífito sistemático, já que miscurou o úmido,oseco,oácido,oamargo,ogorduroso,oâdsrr ingente,odoce,oacre,oviscoso,osaÌgado. Sem a menor cerimôÍria, ele pôs no mesmo saco os sabores e âs impres-sões mecânicas!

Cabe a um fnncês o mérito de cef posro um pouco de ordem na paisagemdas imptessões da boca: o grande químico Chevreul, célebre sobretudo por seustrabalhos sobre as gorduras; disringue em 182,1 âs sensações oÌfativas, gustativase tácteis: reconhece que a percepção do quente ou do frio é distinta da do doce edo âmargo; sepnm as sensâções tácteis do canal bucal, assim como as sensâçõesproprioceptivâs (a dufezâ ). Com Chevreul, o gosto dos fisiologistas - os sâbo-res - se sepâra do gosto "<Ìiátio", qrÌe conftrnde todas as sensações associadas àabsorção dos aÌimentos ou das bebidas.

Na mesma época, rnas num outro círculo, o dos gowtantk reu:niàos em tor-no de BrilÌat-Savârin, a confusão só rcina agora enrre os sâborcs e os aromâs. Sabe-se que a línguâ percebe os sabores, mas acrecÌirâ-se qLÌe o nariz também é um rc-ceptot deles- Com aÌguns poucos etros benignos, âs idéias expressâs no Tratado dafì:ìologìa do gatta são de uma perspicácia iguaÌ ao amor que seu autor dedicava à

l6

Page 3: A Nova Fisiologia do Gosto

cozinhâ: "O número dos sabores é infinito, pois todo corpo solúvel tem um saborespeciâl, que não se parece ioteiramente com nenh!Ìm outro [...]. Ora, como atéaqui aìnda não se apresentoLÌ nenhuma citcunstância na qual algum sabor teve deser apreciado com uma exâtidão rigotosa, fomos forçados a nos limitâr a um pc-queno nírmero de expressões gerais, cais como doce, açucarado, ácido, acerbo, eoutras semeÌhantes, que se exprimem, em última análise, pelas duas seguintes:agradável ou desagradável ao paladat".

Em compensação, um pouco mais à frente, Brìllat Savarin âcrescentâ que"todo corpo sápidoÌ é necessariamente odorânte". Ele tinhâ esquecido que certasmolécuÌâs muito pouco voláteis nas cemperaturas ambientes, portanto sem odor,se ligam porém eficazmente aos receptores da língua e do palato e assim têm sa-bor: o sal, por exemplo, é sápido mas inodoro.

DIVAGAçõES MoDERNAS E REVELAÇõES RECENTES

Tendo procutado saber como saboreamos os pratos, os frsioÌogistas descobri-ram primeiramente que são as papilâs*, isco é, grupos de células seÍÌsíveis, que

assegurâm â detecção das molécL as sápidas. Em todos os mamíferos, o gosto éassegurado por estes receptores, distribuídos pela boca, no véu do palato, na epiglote, pela faringe e, sobretudo, na língua. A nossa tem cerca de 9.000 papilâs,reunidas em grupos de 50 â 100, ticas em terminações nervosâs. O nírmero depapitas parece diminujr com â idâde, sobretÌrdo após os 4! anos.

Por outro lado, os trabâIhos ântigos têm sido teexplorados. Os alquimistasdrzram do gov{, c do ol l " to: L.ryala núa dglt ! nt , t "n/k!a los (oÍpo5 5d rem r!áôno estado dividido). Pensâvâm em termos macroscópicos: a noz-moscada só temgosto reduzida â pó. Em termos mictoscópicos, â lei dos alquimistas deve ser pre-

cisada da maneira seguinte: uma moléculâ só é sápida se for volátil e solúvel naágua. Volátil, ela se destaca do alimento que a contém; solúvel na água, ela sedifunde através da saliva até as "borlas nervosas e sensitivâs" de Gtimod de laReynìèrc2, âs papilâs.

O óleo de vâselina não tem gosto porque seus compostos não se dissoÌvemna saliva. ,{parentemente, â sâpidez resultâ do estabelecimento de ligações entreas moléculas sápidas e os receptores das papìIas: uma molécuÌa só tem gosto se ela

Ì Sápidos são os allmeotos gue têú ebôi.2 Grimod de la Retnière, sue tundú

^ llemúra gtrundt, nd RcvolÌrção Fnn.esr, ern 1ìlho de.ol.Ío. de

imlosos. É conhecido ptìn.içalmenrc par seü Alndutl ,12\ 3,ú74,ú, no qul proFõe un tAseio Fo.?aÍls abodo de umâ mesx, e!üú MaÌtel d{ a },bnrya,i, no qual indicâ .ono .orar õ .arnej- .omoconljor rm.ârdáFn,.omo sc comlortar.omr dlìhlão de cla$e ou.orÍidado !oli.lo, e de forma nangehl .ômô se .ônpodú à mesa Su6 lropoÍas não envellÌeceam, e é lameflrível gue 16 ob6 nàorjan ndn ieeditúas.

9tt

Page 4: A Nova Fisiologia do Gosto

se lrgar a receprofes presentes nâ superlície dâs células güsrârivâs da boca. EstaÌìgâção se efetua por um sistema cbave-fecha<ìura: em razão de uma complementarìdade de forma ou de cargas elétricas, a motécüla sápida pode ligar-se à moléculâ de um receptor especíÊco e esrjmular os nervos que indicam ao cétebro apercepção de LÌrn gosto.  ftaqueza destas ligações rem a vaotâgem de podermossentìr sabores diferentes em poucos intervaos: um gos.o expursâ o oucfo.

Compreendeu-se igualmeÍÌre por que nossos aflcestrais tinham ranrâ dificul-dade em dr"t ingurr or çabore,. us.tromr( e rs sen\.r \òeç fropr io, .epÍ ivr( .e.radiversas percepções são asseguradas por vìâs nervosas que se misturam desde aentrada no cérebro; a pefcepção de um perfume pode modiÍìcar a sensâção quetemos dâ percepção de um sabot, por exemplo. O sabor de um prato pode depen-def de sua tempefâtura.

Para estudar a percepção dos sabotes puros, os Íìsiologisrâs sensoriais Ìrtili-zam hoje protocolos experimentais padronizados e dispositivos que suâvemencesopram af no nariz dos sujeìtos testados: como os aromas não sobem mais pelasàberturas retroÍÌasais (âs comunicações enrre â boca e o rariz), os sujeitos percebemo verdadeiro sabor dos alirnentos, a quintessência da sapìdez, de alguma maneira.

Âpesar dos resultados indubitáveìs obtidos recentemenre. o oúblico e mes-mo alguns drrrrnror eruditos arnJa arrediram que o,.rbores,;n apena. qudrrolEçre erro dara de lo lb. quanJo o, luími,ú M. Henni . rg propos

-" , .o"u a,

locâÌìzação dos receptores": â boca só teria percebido quatro sâbores (o saÌgado, oácido, o doce, o amargo), por papitas especiaiizadas e conjìnâdas â ceraas reqiõesJa ì ingur. O go*u do, e rrrra s,do pcn cbitJo por papi lo . i r . raJar n, punr a da t in-guâ, o gosto âmargo por papìlas do fundo da língua, o gosto salgado pelas bordasânteriores e o gosco ácido pelas bordas postenores.

Ás ânálises fisiológicâs recentes têm revelado a que ponto esta teoria cÌássi-ca" é bâstânte âproxjmativa. Primeìrâmente, ainda que seiaÍn mais numerososnas bordas anceriores da língua, os receprores do salgado, por exemplo, estão pre-senaes por toda a boca e na língua; da mesma forma, os receptores do doce, do áci-clo e clo amafgo estão presentes em todâ parte, airÌda que em proporções vafiáveis.ÂÌém disso, o alcaçuz, por exemplo, oão é nem doce, nem arnargo, nem salgado,nem ácìdo... E as moléculas que servem de receprores gustâtìvos parecem bemmâis variadâs do que se supunha, ligando-se fracamence â moléculas por vezesmuito diferentes umas das outras.

Os estüos recenres não questionarâm a rcalidade do sabor salgado, que efe-tivamerìre só se deve âos íons sódior, nem â do gosto ácido, que se deve âos íonshidrogênio, mas têm mostrado a imensidão da paisagem dos goscos e confirmado

, (\ íons sódiô e hìdrogê.ìô são átônos,le sódio e de hjdrósê,io que lerderah um eléüor. O íÒn.Loreco.parcerrc de um ion sódio nô sal de <,inha, age FriftildÌnÉnre e$inuÌrìdó Õs rKeptores.

18

Page 5: A Nova Fisiologia do Gosto

as visões de Brillât-Sâvârin. Com as proteínas dos alimentos, o sal lorma constru-

ções moleculares, estáveis no frio mas destruídas peÌo calor. O sal, tendo assimformado o que os químicos chamam um complexo, não pode estimulâr as papilâs:eis por que uma parte dessa substância somente dá o gosto salgado, no frio, e porque, com amesma concentração em sal, os produtos crus parecem menos salgadosque os produtos cozidos e quentes.

Por ortro lado, a gordura parece muitas vezes pouco saigada, porque ela dis-solve pouco o saÌ e contém pouca água capaz de dissolvê-lo. Em compensação, e1adissolve bem numetosas moléculas aromáticasr é sobretudo a gordurâ da carne*que dá a estâ seu gosto característico. Faça a experiência de cozinhar uma peça

magra de porco com gorduta de cârneìro: não diga nada a seus convìdados e per-gunte a eles o que âcham que estão comendo...

O alcaçuz, com seu ácido glicirrízico, não é a únicâ substâociâ cujo sabornão figura na lista consagradâ pela ignorânciâ. FisioloSistas japoneses demonstrâ-ram a necessidâde de acrescentar também o gosto tm.rni, qne coÍrcsponde ao sâ-bor do glutamato e se encontra com todos os amìnoácidos (as moléculas cujo en-cadeamento forma as proteínas). Então, quatro ou cinco sabores? Nem um nemoütro: numerosas moléculâs como a D leucina, a quinina (o protótipo de molécu-la amarga), etc. têm sabores originais, irÍedutíveìs â misturas de outros sabores.

Mesmo o doce é mais complexo cìo que se imagjnava antigamente: todos osdivetsos edulcorantes* modernos cumprem seu papel, mas nem todos têm o mesmo sabor doce. Qrnnto às relações entre o doce e o amârgo, eÌas são espaÍÌtosas:certas moléculas, como o metilmanopiranósido, têm, conforme os indivíduos, umsabor ao mesmo tempo doce e amargo, ou somente doce, ou someÍÌte amargo, Porquê? Não se sabe, mas trabalhos cientíÍìcos tecentes nos fazem entrever fenôme-

Proponho a você um pequeno desvio (mais um, meu caro "gastronômade")

na direção de dois destes estudos: o dos sabores doces e o das estranhas molécuÌasem forrna de L que são âo mesmo tempo âmaÍgâs e doces.

UM PROGRESSO RECENTE NA QUIMICA DOS ADOçANTES

Visto que os estudos científrcos dos receptores gustativos são dificultadosem razão da poucâ afinidade destes receptores para com as moléculas sápidas, aÌ-gufls Êsiologistas ânalisâm indìretamente os fenôrnenos gustativos fazendo comque pessoas provem dìversas molécuÌas doces, por exemplo, todos os djas durantevários meses. Num laboratório de Massn mais de cem pessoas testaram âssimumas vinte motéculas sápidâs por meio do dispositivo de corrente de âr no nâriz,

evocâdo ânterlormente,

0rs

Page 6: A Nova Fisiologia do Gosto

No início dos anos 1980, descobriu-se que o patâmâr de dececção dâ sâcaro-se* isto é, a meflor qlÌântidade de açúcar de mesa percepaível numa quantida-de fixa de água - varìa segundo os indivíduos; da mesma forma, os diversos ado-çantes são percebidos com patamâres pafticulares segundo âs pessoas. Em ourraspalavras, a quantida<Ìe de açúcar que colocamos em nosso café depende não so-mente dâ sensação que gostamos de rer, mas também de nossa sensibilidade pes-soal à moÌécula adoçante. Âlém disso, o patamar de sensibilidade depende dessasmoléculas: certos indivíduos são mais sensíveis à sacarose (o açúcar de mesa), ou-tros à glicose* (o açúcar do mel e da uvâ)-

O que é fascinante, ainda que talvez não sufpreendenre, é que os paramaresde detecção evoluem por "âprendizagem": no cu$o dos testes, estes pâtamârcs di-mirìuem, isto é, a sensibilidade aurnenta. Âlém disso, quando a aprendizagem deurìâ moÌécula termina, isto é, quando o paramar de detecção não varia mâis, elâcontinua com âs oLrtras moléculas. Que sorte! Este ripo de observação mosrrâ que,se qulsermos, poclemos ir treinando até adquìrir um Êno pâÌâdâr.

Enfim, comparações de dìversas moléculas em diferentes conceflrrações rêmrevelado uma complexidade suplementar do sisremâ gustativo: o sabor doce deuma molécula adoçante depende de sua concentração. Eis um efeito que devere-mos levâr em conta no dia em que tivemos atingido o estádio último em quecontrolaremos a menor vafiação de sabor ros praros que preparamos.

Que relação existe entre â esrrurLÌra e o sabor de uma molécula? Os estudosindiretos de Massy ou de outros lugares não responderâm â esrâpergunta de inre-resse gâstronômico slÌperior. No entanto, se conhecêssemos esras reÌâções que oscìentistas châmâm relações estrutura-ativìdade, poderíamos sinretizâr moléculassob medidâ aos gosros originais!

Em razão do ìmenso mercado de adoçanres sinréticos, este assunro tem sidoâbordado sobretÌÌdo a propósito das moléculas doces. Perspecrivâs âtmentes apa-receram enqlÌânto Murrây coodman e seus colegas da Universidade de San Die-go faziam algumas pessoas testar adoçantes de ripo peptídico (os peptídeos sãopequenas moléculas formadas pelo encadeamento de alguns aminoácidos). Estasmoléculas, como numerosos adoçantes artìficiais, a exemplo clo aspaftame*, con-têm clois ciclos de átomos*, dos quâis um só pode-se tigar a moléculas de água,reÌigados entre si por uma curta câdeia de áromos em forma de cocovelo em ângulo reto. Os ciclos são quase coplanares, e a molécuÌa compÌeta forma algo

Modificando tais moÌéculas, de sorte que os dois cicios não seiam mâiscoplanares, os químicos de Sao Diego obtiverâm primeiramenre moléculâs semgosto; em seguida, colocando uma parte molecular flexível entre os ciclos, cfìâ-ram moléculas em que os ciclos podiam girâr um em relâção ao outto (em talcâso, os movlmentos incessânces das molécul^s fâzem com oue os cìclos sircm

,0Õ

Page 7: A Nova Fisiologia do Gosto

efetivamente sem cessâr, muito rapldameflte, numavelocidâde que varia segundo

â orientação relativa dos ciclos).

O sabor destas moléculas é... imprevisível: algLrmas parecem a princíPio

amargas, depois doces, enquanto outtas são prjmeiro doces, depois amargas. Estâ

propriedade esttanha resuÌtaria do lato de algumas moÌéculas estarem por mais

tempo numa conÍormação doce, e se ligarem ptimeiro aos receptores do doce,

enqu.rnto d\ ouLrrs. majs tsmpo numz Lon[ormrçáo amarga. 'e ì igam mri ' ao'

receptores do amargo. Quando virão as oscilâções gustatìvas que farão irìtervlr

igualmente os oucros sabores?

Na aventura gustativa, â palavra final não foi dita. Como Brillat Savarin

pressentia, os sabores são de uma surpteendente cornplexidade. Mesmo se não rc-

pertoriarmos os sabores "intetmitentes" do tipo precedente, os estudos patecem

indicar que o espaço dos gostos possui dez climensões. Em outras pâìavrâs, os gos-

ro' .er iam de numero inÍni to, e d.z dc< r i rore. ao mtnu. 'er iam nF, essir ios Pârafalar detes. Só com ácìdo, amargo, doce e salgado estamos longe da conta final.

O GOSTO SE ATENUA QUANDO COMEMOS?

Percebe-se menos bem o gosto de tm praco oLr de uma bebida após têJos con-

sumido em abundância? Â questão merecia ser estudada, pois Brillat-Savarìn tinha

afrtmado com tânta autorjdâde quanto r z ão, parece nos que â raridâde mâis

saborosâ perde sua infÌuência quando não existe em propoÍção er.:uberante "

Orâ,

qual seriâ o interesse de consümir um Prato em abundânciâ se â Percepção que te

rnos dele e o prazer que nos proporciona desaparecessem âpós aìguos instântes?

Coloquemos a qìÌestão concretamente: o Sosto da mostardâ desaparece

quando abusamos deste contlimento2 Petdemos nossa sensibilidade ao vinho

quando nos demoramos a saboreálo e â buscar-lhe todos os aromas? Ou, ao con-

rrário, a prática da percepção dos gostos aumenta a sensibilìdade por um fenôme-

no de aprendizagem ?

Esclareçâmos as idéias compreefldendo primeiro que o termo "fâdigâ" tem

várias acepções. Â primeira é umâ modificação do escado Êsiológico dos mús-

.rr lo ' . qrre 'o o, orre nor ra 'o ' muito râroç cm que,omemo. Pro,Juro' duro" ou

ásperos. Uma segunda ladiga corresponde a uma incapacidade progressiva do sis

tema nervoso em analisar os sinais que ll,e chegam. É a fadiga mental das tarefas

psicomotoras (por exemplo, o bloqueio datilogtáfico) ou intelectuais (c'ìso dos

controladores de vôo). Se âdmitirmos que o exercício da percepção gustiÌtìva e

olíativa é um reconhecimento de formas, como a datilografia ou o controÌe aéreo.

podemos supor que esta íadiga possa igualmente iÍÌtervk durante a âva1iação sen

sorial dos ptodutos aÌimentates.

9r '

Page 8: A Nova Fisiologia do Gosto

Em terceìrc Ìugar, chamâ se iguaÌmenre fadiga o enfraquecimento do inte_resse que dedicamos àqurilo que fazemos, porque nossâ atividade é monótona ouporque a juÌgamos difícil demais. Esta foÍna de íadiqa seria mais bem definida(omu lô, id;o. É>re Lrpo de ladiga njo pare, e ,Jrzer rr iperto "o, Nakrnrü!: tomopodeflâm se cânsar dâs boas coisas?

Enlìm, o cansaço pode ser um erÌfraquecimento de uma sensação em fâzãoda exposição â um estímulo constanre: não sentimos mâis o cheiro de mofo de LÌmquarto alguns mìnuros depois de termos entrado nele. Isce fenômeno é uma''âdâptação" inevitávsl, mas como ele inteftém tanto no início quanro no íìm deuma degustâção, pârece abusivo consideráJo uma verdadeira fadica. Álém disso.nào F \Fguro que umd rd,pra5io aos esrrmulos n;o aumenre, qr l l id,d. d, pe.-.ep\;o: o. Jegu.rddorc. de vinho lavan

" bu,.r ,om um pou.o Je uinho ioolan-ro. .e adaprrm a eler ,nre, de .omeç"r uma se.. :o d. arJial ;o. porqu. , , r i rn . t . .têm uma referência, tal como os músicos lazem afinâções no inícjo do concerto.Este fenômeno é bem conhecido dos fisiologistas do gosto, que têm observadoque o patamar de percepção dâ sâcdose (o âçúcar de mesa) na água é inferior (so_mos maÌs sensíveis a ela) quando a boca é lavada com uma solução de sacarose an_tes da prova do que qrando não é Ìavada ou lavada com ásua oura.

Paru tonhecer a , have do problema. Fran.oi . Sauu",geoL ( çeu. coleg.r, d-Ensbana de Dijon submeterâm pessoâs â testes de avaliação sensorial, em que adificuldade da carefa proposta a cadâ indivíduo, num determinado momento, de_pendia da qualidâde da fesposra no momento precedentej quando umâpessoâ dâ-va umâ rcsposta correta, complicava-se a prova que ela devia cumprir em seguida;quaÍÌdo se engânava, propunham-lhe uma prova mais fácil. Ás provas duraram dequâtro a crnco horâs, com ì.rma pausâ de l0 minutos no meio da sessão. Em mé_dia, os resultados de degLrstação não se dererionram âo Ìongo dâs sessões; o gostonão se âtenuou. Boa notíci^ pafi os gohmanà que, mesmo não conhecendo o te_'r .r l rado desra. experrenL ia. . j j o e.perrvem...

Dos GosTos E DAs coRES

Costuma-se dizer às vezes que âs cofes, mrmâ mesa, são a metade da refeição.Nâo deixa de ser exato: não experimentâmos o mesmo prazer se entramos numasala brìlhante de velas, de cristais e de prataria, or se somos levados a comer sobreuma toalha de Ìona encerada de cores gritantes. Manifestamente, as cores contriDuem pârâ o pÌazef cta mesa,

. Elas determinam o gosto dos pratos da rnesmâ mâneirâ como a remperaru_

râ de um âlimenro modifica seu sabor? Responder se-á facilmente a esta perqunLa. oor. o praze. da boca nun, r pode ser reduzrdo a um ún ir u facor. Scndo " grsttonomra preclsamente a arte de associâr os prazeres) comereríamos üm qrave, onL t ,- .er.o se i ,ol i , 'emo\ somenÍe ds , ore\ prrr inresr rgar

"eu pocler hedónrrn.

22 q,

Page 9: A Nova Fisiologia do Gosto

MeÌhor, poftânto, é nos concentrarmos nâ estrânlìa reÌação que pârece ìns-taurar-se entfe a cof de um prato e a fome que ela provoca. Intuitivamente, os cozinheiros se empeÍÌham em conservar â cor frescâ dos legumes, üm cerro rom ró-seo dâs cârnes, o bmnco dos peixes... Os confeiteiros dedicam se com galhardia acoloflf seus cfemes com cofes atfaentes,

O célebte livro de cozinha de Curnonskya apresentava as façanhas premìadasde confeiteiros que utilizavam o azul de metileno para colorir seus bolos. Â cozi-flheiÌa raÌameÍÌte se aplica em tais coÌorações, mas eÌa sabe que uma carne cinzen-ta ou um alho-poró amarelado são porÌco sedutores.

No seu Gunle rJìcìonário da rozinha, Alexanàte Dumas cita alquns comntes"inofensivos" que podem avivar os pratos:

azul; índigo mistÌrrado com águâ;amarelo: goma-atábica ou açafrão;verde: suco de folhas de espinafte ou de trigo verde pilado, cozido no fogo,

peneirado, misturado com água e adoçado;vermelho: cochonilha e alúmen em pó fervidos na água;púrpura: pólen de flores de cenourâs selvagens seco e rnistutado com água,

ur, 'uco de sabugue,ro mistur"do .om jgu".

violetar cochonilhâ e azul da Prússia:alaranjado: açafrão e cochonilha.Estas colorações são realmente inofensivas? E, sobrerÌÌdo, ser.í que dão vontade

de comer? A anedota a seguir mostra que CumorÌsk]' rinha acertado ao lembrâr que''as coisas são boas quando têm o élosto (e â cor, âcrescenremos) daquilo que elassão": num jantar tornado célebre, o anfìtrião quisera que todos os pratos fossem vet-des, assim como todos os objetos da mesa e da salâ de jancar: toalhâ, guâÍdanapos,talhefes... Os convivas tiveram grande difìculdade em engolir algÌrns bocados, e al-guns partiram deixando com seLÌs ânfitriões o Pouco qLÌe tinìam corÌsrunido! Maisrecentemente, júris de degustação, embora competentes, tomârâm por suco de mirtilo um suco de lamnja qÈe forâ colorido de azuÌ. Não forcemos a natureza, mas su-plementemo-Ìa quafido a tivermos degmdâdo; certamente podemos devolver coresa Ìegumes passados, rnas por que não utilizar legumes bem frescos ou bem-cozidos?

COMO EVITAR UM ESCURECIMENTO INDESEJÁVEL?

Servidos sem precaução, cogumelos que forâm âtiados cedo demais antes datefeição lazem pouca honra à mesa: frcam escurecidos, em llrto de frescum. Da

aO príncile dôs Érâ$rô.ônos, Maurie Ednond SaillaÌd (Ánae6, 1872 Pdis, Ì916), {a egtoÍ e jo.nalìstâi sêu psêudôdimo heiíìô lhÉ fôì s+Éridô lor Âlphonse ÂIan qE, havendo na época um dima d€âmizrde fran.o ru$a, lhe havia pe.suf,Ìãdo, Pôrquenãôskya',oqüen larimrtomou "Cur f,on stÍ_

f la

Page 10: A Nova Fisiologia do Gosto

mesmaforma, quem ia quercr comer bananas, abricós, cerejâs, bataras, mâçãs, pêssegos ou abacates que loram corcados cedo demais e depois deixâdos âo âr livre?

É que todos estes frntos ou legumes contêm moléculas ativas, as enzimas*,que oxidam os compostos fenólicoss dos fruros e legumes em polímefos* mâfronsou cjnzentos. Quândo cortamos uma fruta ou um Ìegume, rompemos as células*da borda do corte, lançândo as enzimas que escurecem na superfície cortada. Naptesença do oxigênio do âr, estâs enzimas fazem seu lamentável trabâlho.

Como evìtâr o escurecimento? Inibindo ou destruindo as enzimas liberadas-Você iá notou que os limões, os melões e os tomates escapam à lei seveÍâ do escu-recimentoT É porque sua acidez* natural bloqueia as enzimas. Da mesma forma,o vinâéÌre, aindâ mais ácido*, preserva os pepinos de conserva, as alcaparras, ospicles ou os funchos-mârinhos.

O resfriamenco e o cozimenco têm o mesmo efeico. Pelo fesfriâmenro, a oxidação se torna mais lenrâ (um resfiìamento de dez graus divide por dois a velocidade de ação das enzimas); e o cozimento 'desnâtürâ" âs enzimas, estes são pro-teínâs*, isto é, loogas moléculas lineares enroÌadas <Ìe maneira específica sobre simesmâs por ligâções químicas fracas. Este enrolamento lhes dá propriedades fun-cionâis peculiares, mâs o calor, fompendo âs ligações fracas, suprime tais proprie-dades. Os novelos moleculares ficam inativados.

O sâlx também bloqueia as enzimas: aquele sal que freqüentemenre coloca-mos nos condimentos favorece a conseÍvação. Â vitamina C, enfim, torna maislento o trabalho das enzimas: na sua obra intitlJatla On fool ancl coak;ng (Eà.Scribner and Sons), Harold Mccee reÌata que ela foi isolada grâças jusrâmente aestâ particulâridâde. Por volrâ de 1925, o bioquímico húngaro Âlberr Szent-Gyòrgyi interessou-se pela química dos vegetais porque tinha observado umasemelhançâ entre o escurecimento dos frutos escragados e uma doença das glân-dulas supra-renais do homem. Analisou os vegetais que não escurecem e obser-vou que seu suco âtrâsâva o escurecimento dos demais vegerais. Purificando asubstância ativa, ele descobriu que esta era um ácido, que chamou ácido ignósico. E a vitaminâ C, composto indispensável à vida.

UM POUCO DE LAGOSTA NO SALMÃO?

O capítuÌo das cores à mesa é infinito- Nós o encerraremos aqui com umacuriosidade: por que o cârânÉÌuejo, o camarão, a lagosta ou o lagostirn Íicam vermelhos quando os fervemosi'

I O ferol* é umamóìé.ula fo.m&ld de sn áromos de caòono (C) em ciclo lìexaso'al, tisadós, todÒs úe.osum, r un átomo de hidrÒsênio (H)ì Ò últiúó dtomo de .2rbono é lisado a um grupo ícool, isto é, uÕát,mo de oxiaênio (O), eÌê mesnÌo Ìigddô I rd ,tohÒ de hidró!Íênn, (H).

24 ç,

Page 11: A Nova Fisiologia do Gosto

O misrério não é grande: a casca destes crustáceos contém uma motéculacom quatro átomos de oxigênio, â âstrtu\aflcina C4oHt2O4, cuja cor não apârecenestes animais vivos, pois a molécula está ligada a uma proteína, formando umcompÌexo escuro. Ao cozinhá-los, o compÌexo se dissocia (como no caso das enzi_mas, as ligâções químicas frâcâs são rompidâs) e a cor vermelha da astrâxântinâ semanifesta. No salmão, a âstrâxantina está nâturalmente presente sob forma disso-ciada: daí a cor rosada tão asradável.

PERFUMES E AROMAS

Digno de pena é aqueÌe que percelxsse os sabores e as cores mâs não os aromâsl Pois degustâmos sobretudo com o nariz. Drz se àe tm gtumand 1ue ele éum 'fino patadat", mas deveríamos dizer, como nâ PertÌrmâriâ, que ele é um"grande nariz (ou, quem sabe, um Cytano?).

Como o cozinìeiro pode jogar com os âromâs? Embora o jargão das cozinhaschame de piano* o fogão sobre o qual o chefe trabalha, este é mais um otganista que

um pianista: tem de tocat vúios registros ao mesmo tempo, e cada registro deve Pro-duzir sua harmonia própria, qte se harmoniza com a harmonia dos outros regiscros.

Não tenìo a pretensão de dar em algumas Ììnhâs âs receitas do vinuosismo, mâs

somente de deixar entrever pistâs que poderemos aproveitar para melhor cozinhar'

O jogo dos aromas e dos odores não é o mais fácil de se executar, mas é o que

se percebe em primeiro lugaç junto com as cores, e taÌvez com mais intensi<ìadeaìnda. Os convivas aìndâ não estão à mesâ e já seus próprios perlumes se misturaram aos da châminé, das velas que consomem sua luz quente e vacilante. A Portada sala de jantar se abre, o prato chega, é destampado e os perfumes jonam Co-mo fazer este prande momento dar certo?

CoMO UÏILIZAR OS AROMAS?

Com precarção! Ás moléculâs odotarìtes são geralmente molécuÌas orgâÍÌi-

câs voláteis e frágeis: rÌma esquencadinha exagerada, e os atomas sabiameÍÌte reLLnicÌos abandonam o ptato ou são degradados em molécuÌas eventuaÌmente âcr€s

ou amargas- Portanto, a regrâ seria limitâr âs temperaturas, ou pÌanejat o acréscimo ou a criação dos âromas no fim do cozimento.  pimenta do reino, Por exem-plo, não se <ìeve cozê-lâ tempo demais sob pena de se tornar acre; a salsa tambémdev€riâ chegar no {inâÌ do cozimento.

Enrão, como LÌtilizaÍ os arcmâs? Com ptecaüção, iá disse. Tal como os prin

cípios âtivos dos medicamentos, estas moléculâs têm tântâ forçâ que a dose Pres-crita" não deve em caso algum ser ultrapassada: o pó obtido pela moagem de uma

9.t

Page 12: A Nova Fisiologia do Gosto

noz-moscada inteirâ contém moléculas róxicas suficientes pâra matâr o mais fo-busto de nós; em concentÈção sÌÌperior a quarro pâftes por milhão, o paraetilfe-ool não dá mais aos vinhos da Bourgogne seu aroma de couro velho, mas um odordesagradável de produto qúmico".

Como utiÌizar os aromas? Com precâução, mas também com discernimento:é preciso saber que os aromâs, geralmente orgânicos, são moléculas que se dissol-vem bem nos solventes* orgânicos, mas às vezes se dissolvem mal na água. Nacarfle, por exemplo, já vimos que é prìncipalmenr€ a gordurâ que coflcém os aro_mâs1 Polque â cârne é toda água, ao passo que a gordura é toda orgânica.

Explìquemo-nos: as moléculas se dissolvem num meio oorque estabelecem, om outra. de.rc meio l igd\òe. quimi.JS dirx\ rrrr ; . . tsras i rgafoes. jo mar. oumenos dâ mesmâ íorça dâs que Ìigam âs molécuÌas de um líquido* entre si im-pedindo-as de se volatìlizar rrípido demais à tempefatura ambiente. São bem inferiores às que tornam sólido* o sal de cozinhâ, composto de umâ rede requìarondr o\ / romo. de .odio Nj \e alrernam , ôm o\ ; rumo\ dF . toro Cl.

No saÌ, os átomos de sódio cederam um de seus elérrons aos átomos decloro; como as cargâs elétricas de sinal oposto se affâem, os átomos de cloro ede sódio são fortemente ligados, e formam um sólìdo. Na água, em contrapartida,as moléculas de água, composcas de um átomo de oxigênio* O e de dois átomos dehidrogênio+ H, formam esrrÌÌturâs que ÍÌão rentâm intercambiâr elétrons; âs ligâ\òe, qu im iL"s e,r ;Õ no incerior da. molê. ul l . dc jgua, m* não enrre a. molé, ul" , :

Por que as moléculas de água se âssociâm então num líquido (a água) que sóferve à ternperatura bastante alta2 Porque os átomos de oígênio são ávidos porelétrons: põem elétrons em comum com os áromos de hìdrogênio, para estabelecera moÌécula, mâs "puxam a coberta para si". No total, a molécula de água possuium leve desequilíbrio eletrônico do Ìado do oxjgênio: âs câr8âs negativas do oxi-gênìo de uma molécuia atmem as cargas posìtivas de um átomo de hidrogênio deuma outm moléclrla de água, o que ligâ âs moléculas entre si. Esta ligâção menosfoÍe que uma ligação químìcâ intrâmolecular é chamada ponte de hidroqênio_

26 qt

Page 13: A Nova Fisiologia do Gosto

E os nossos aromas nisso tudo? Orâ. eles são muìtas vezes molécuÌas de constiruição eletrônjcâ equilibtada, sem muitos átomos ávidos de elétrons. Assim,

muitas moléculas corn odor de menta ou de resina são terpenosx, isto é, estrutÌr-ras moleculâres compostas por rcunião de vários motivos isoprenos (Ììm gruPoquímico de cinco átomos de carbono em forma de Y, com três átomos de cârbonona haste central, e um átomo de carbono na extremìdade de cada forquilha). Por

essa razão não estabelecem ponte'de hidrogênio, e os teçenos, iguâlmente, sãopouco solúveis na água, porque não estabelecem ponte de hidrogênio. Melhorainda, são exctuídos dela, tal como a gordura não é miscível na água, pois "cada

quaÌ com seu igual": a ágLìâ se agrupa com â água e exclui as moléculas que nãotêm em comum com ela a possibilidade de estabeÌecer uma ponte de hidrogênio(o álcool etílico, ao contrário, comportâ um átomo de oxigêflio que permite o estabelecimento de ponte de hidrogênio: o áÌcool é solúvel na água).

Em suma, os aromas terpênicos dissolvem-se muito pouco rÌa carne, que éum meio sobretudo âquoso (as células da carne são cheias de águâ); eles se distri-buem sobretudo na gotdura. Já enfatizâmos, rnas o Preceito é tão imPortânte que

não hesitamos em nos repetir: a gordurâ designa o tipo dâ carne que n âcomPanha;

é pela gordura que o carneìro tem seu gosto e seu cheito de carneiro, pela gorduraque o boi tem seu gosto e seu cheiro de boi. Â tal ponto que se pode, cozinhando

filé de boi rnagro na gordura de pato, prepamr uma espécie de quimera cuÌiflária,

cruzarnento de boì com pato... Áqui também escá a expÌicação do ditado aÍÌcesrrâl i "Seégordoébom".Enãoéàtoa! É a gordurâ que dá o gosto aos al imentossem disfarces. O que virnos pata os terpenos, as moléculas da sensualidade, larga-mente utilizadas pela indústria do perfume, vale tâmbém para os alcanos e osalcenos, duas classes de moléculas que só comportnm átomos de carbono e de

hidrogênio, e que dão freqúentemente atomas de frutos, mâs tâmbém pârâ nüme-

rosas molécúâs orgânicas, aquelâs que as pÌantâs e os animâis âcümulâm e sinte-

tizam. O cozinheiro tem o dever de respeitá-Ias, de adrnìnistrálas e de ret'lecir

sobre a fase - gordura ou ágÌrâ - onde eÌas se discribuirão preletencialmente

Este preâmbuÌo explica o ìnteresse pelo cozimento em papelotes ou em es-

tampa: a temperâtura não ultrapassa a da ebulição da água, de sone que os aromas

oão se degÍadâm; além disso, eles são capturados e teciclados no alimento do qual

teriam tendê:rcia a escapar. Eis também por que a flova técnica de cozimento avácuo à baixa temperatura é um dorn abençoz<lo para os goumands: os alimentos,após uma rápidâ âssadura e uma injeçao de substâncìas aromáticas, são embaladosnum saco plástico cujo ar é aspirâdo. Depois, o cozimento ocorre perto dos 65graus somente: as proteínas coagulam, o que é próprio de todo cozimento, rnas

flão perdem sua águâ de hidratação: o caldo fica no alimento, clue conserva assim

sua suculência. Como ptêrnio, os aromas ficam no alimento, porqüe não são

expulsos pelo calor. Tenras e perfumaclas, as carnes cozidas por estâ técnica são

delíciâs cujâ simples lembrança me dá água na boca...

€l"

Page 14: A Nova Fisiologia do Gosto

Uma palavra, finalmente, sobre estes âromas que escaDam durante o cozi-menro: àbrd n porrd dd ( ozinha enquanro a rozinheira of i r L e o praro ìhe chega asnariflas. Um praro difefenre dâquele que será servido, no entânto, já que as molé-cuÌas orgânicas aquecidas cendem a reagir com o oxigênio do ar: este é muitoagressivo; não é ele que também oxida o ferro2 Assim, rìão é mais o aroma natu-râl que se percebe, mas uma mistum complexa de moléculas mais ou menos deri-vadas dele. Por isso é quase sempre preferível cozinhar de porta fecìÌada: à surpre-sâ que feserya a seus convidados você acresceÍÌrará o confofto de não fazêlosrespirar "dejetos âromáricos" da preparâção.

TEMPERo oU ARoMA?

Tempero ou aroma, o açafrão? É odorante, mâs não picante: serve pâra

lesenvoJver d fragrrn. ia de um pt;ro\dol n Jta1hft . the,rcr"I rrazendo per-fumes, E, portanto, um aroma6.

Os temperos tra:em umaponta de malícia pata os pratos; os aromâs rêm porobierroreavlaraslembran5as.ralconoa,et .6renad.írz,- , : leProu.r .qu. lhelez um dia rer i rer sua inËnr ia na ca.a dr "rcj maÍeÍna (05 perlumes san rrarado.,como todos os sinais olfativos, pelo sistema límbico do cérebro, que gera igualmente as Ìembranças e as emoções).

Distinguir os temperos dos aromas é üm exercício âo quâl todo cozinheirodeve-se dedicar pam dominar sua Âfte. Não é um exercício fácil: o alho. ooteyemplo. é l iLrnre e odordnrel .er\e pard ex. i rar o sabor e pam desenuolr .r . u i rr-grânciâ; é ao mesmo tempo um tempero e um aromâ_

Você quer brincar de classificar os âcessórios aromáticos da cozinha? Res-pondaentãoàperguf l ta ' ternperoouaroma?"p a estes, a seguú: â canela, o gergelim, o âgrião, o fabanete, o anis, o fúncho, o coentro, o cominho, o romilho, omânjer icão,âsalva,oaÌect im,ahortelã,amanjerona,amostarda,âcebola.asal-sa, o cremoço, o cârdamomo, o orégaÍÌo, o louro, a cebolinha, o cebolinho, oabsinto,oalho-poró,apimenra,âchicór ia,oâipo,oaçúcar*,omel,ovinagre,agenebra, o gengibre, o cravo-da-índia, as alcaparras, as azeitonas, o cereíõlio, apimpineÌa, â noz-moscada, as azedas-miúdas, o estragão, a mina, o rábano, a râiz-forte,anigela,abeldroegâ,oÍÌardo,aarruda,amaÌagueta,oievíst ico,abadiana,o hlssope, o mâcis, o poeio...

6 O autor cenra fazer una <lis rjnçãt ente tut)lEn l4bi.e) e rfo,ra í2l,urr,/, qne à matuia dos djcioftíriôs.tefr,ocês e de poftuguês nãô reAistrâ, .of,sideFndo os termÒs sinônimos. Há em poftuguês o t€.mo z/ne,r,, Fmene usado. (N.T.)

1 ná&kì"e: 6n onidú en lú na dê .ohcha infl&lar !o rôman.e de Mârcel prôuÍ ( Ì 871- 1922.), tu .tté de.h* Sud,Ì,

^ petsonagem. n moÀeÍ tnà,ad.lei"., seìrc \okâr a si rod6 6 sensâções e se,tlme.tos de

280

Page 15: A Nova Fisiologia do Gosto

PoR aUE A cAscA DO PÃO TEM MAIS SABOR AUE O MIOLO?

Por que a casca do pão tem mais sabor que o mioloz Por que é preciso pâssâr

manteiga'k nas cârnes quando se prepara LÌrn fundo* de molho, uma ra&ce aúagna-

/e, por exemplo? Por que é preciso untar de óleo uma perna de catneiro antes de

colocá-la no forno? Pot que a ceweja é dourada? Por que o café e o cacau cheimm

tão bem quando os toffâmos?

Âs perguntas deste tipo são inúmeras, na cozinha, mâs a resposta a muitâs

delas poderia ser, taconicamenter "a reâção de Maillard". E estâ reâção quírnica*,

de fato, que engendra os compostos malrons, aromáticos e sáPidos do cozimento.

UniverúI, esta famosa reação é ft€qúentemente invocada, mas ainda pouco

conhecìda. Seu princípio, no entanto, é simples: quando âquecidâs em presença de

açúcar, moléculas contendo um grupo amina* NH, (um átomo de nicrogênio Ìiga-

do a dois átornos de hidrogênio, como os aminoácidos de todas as Proteínas) elimì-

nam uma molécula de água* e os dois reâgentes são ligados numa "base de Schiff";

não nos demoremos muito neste composto, já que mais ou menos rapidarnente eÌe

é sübstituído por urrr prod!Ìto de Amado.i, que reâgirá com outros comPonentes

oara formar moléculas cíclicas. aromáticas"'

Base de Schiíi

Ora, estes cìclos atomátìcos, como seu nome indica, conferem propriedâ-

des aromáticas aos compostos que os contêm; alguns lêm aÌém disso uma cor

ürs

Page 16: A Nova Fisiologia do Gosto

Os produtos da teação de Maillard são inurneráveis e aiflda insuficienremen_te conhecidos. Em 1990, uma revista célebre de químìca consagrou um aÍtigo desíflrese de mâis de vinte páginas â ela, descrevendo numerosos âromas formâdos. cor douradâ escura que o cozjnheiro buscâ obter fazendo saltar seus nacos numcorpo gordüroso é assim uma cor produzida por essa reação: nas altas cemperatu_ras aLingida. pelo corpo gorduro'o a fe, jç;o dronre.e. ao pa*o que eL ,e eleruaPouco qüando se f^z lerver os alimentos, estando então a temperatura limicada àda ebulição da água: 100 .C.

Como melhorar nossâ cozinha agora que conhecemos o podef dâ reaeão deM.i l lard: t r i l jzando-al Pro,uremor.duranreo.,ozimenro.,r i ,*orraçóe.acúca.res proreind,: lembremo-nos do paro laquea<Jo. Aque5amo. r i ramenr. pr imerro,p"rd que J redçàô de Mai l lard â.onre\d. e md15 prudenremente.. , .gu;ar. a.manerra que o cozlmento propdamente dito se efetue sem que os compostosrolarer. sejam elrmirur loq. Queremo\ roTrnhrr a (drne no tornode miLroon, lâs*.Não nos esqueçamos de virar a carne antes do cozimento e untemos de óleo oumanteiga as superlícies a serem esquentadas, de sorte que o caÌor lhes seia trâns_m ir rdo ef i razmenLç. como volrrremos a !er no t"oÍtulo do rozimenro.

E ALGUMAS cuRIostDADEs.. .

Não vamos deixar este reino dos pefumes sem descobrir aÌgumas curiosida-deç e'panroça, a. reze, r<leladoras.

O cheiro das laranjas, antes de mais nada, é devido principalmente a um ter_peno. o l imoneno. que e um, mol;r Lr la \ imi lcr a da moìe.u1.1 qLr6 .6. ,r ;6r; , r . , ,r heiro do j im;o. A ", rr lez , omum a L ' rrs dur" rrura e der ida ro jc ido cir nr o rde-signâdo por E J30 nos condicionamentos alimentares), e sua cor âlaraniâda Dro-vém not:damente clo r-roreno. que di à. ccnuura. a , or . , ra, , .n.ncc. Ora, o . . rru-teflo está igualmenre presente no capim; quando conâmos o câpim e ele seca aosol, as moléculas de caroteno são decompostas em moléculas de ionona, com chei_ro de feno (CÌrHroO), um componente do óleo essencìal de violeta.

Moral: os gostos e os perfumes, que inrerâgem quando degustamos umprato, resultam cla coexistência complexa e dinâmica de moléculas sápjdas e demoléL ula r olur i , L ' . que e bem J i r , i i t r ta, . , f rrar e ronr roJrr. Cabe ao , o: inherroleconhecer os bons produtos e harmonizá-los. Lembre-se do órAãos...

3 O rnsâo aqui é o isÍnn6ro musicat, ú iìul o au.or conprj o fogão, que dêve ser nDnej,.to con aftêFel{,.o2nnìeirô. (N.T.)