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Rev. Nutr., Campinas, 24(5):743-763, set./out., 2011 Revista de Nutrição ENSAIO | ESSAY A nutrição clínica ampliada e a humanização da relação nutricionista-paciente: contribuições para reflexão The extended nutritional clinic and humanization of patient-nutritionist relationship: contribution to reflection Franklin DEMÉTRIO 1 Janaína Braga de PAIVA 2 Ana América Gonçalves FRÓES 3 Maria do Carmo Soares de FREITAS 4 Lígia Amparo da Silva SANTOS 4 R E S U M O A concepção da clínica nutricional ampliada é uma temática nova para o campo da nutrição, sobretudo da nutrição clínica. Diante do processo de reformulações nos cenários de práticas em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, esse tema instiga substancial interesse na produção científica, na formação e na prática clínica do nutricionista com a aplicação de competências comunicacionais e a ampliação do olhar técnico-nutricional perante o processo saúde-doença-cuidado, que podem contribuir para a reconfiguração da relação nutricionista- -paciente a fim de ampliar sua humanização. Este ensaio mostra como a concepção de nutrição clínica ampliada pode contribuir para refletir sobre a ampliação da humanização da relação nutricionista-paciente no âmbito dos serviços de saúde. O ensaio é delineado em duas partes: o ponto de partida e o ponto de continuação. No ponto de partida, analisam-se publicações oficiais sobre a conformação sócio-histórica do modelo biomédico e sua repercussão na prática clínica. No ponto de continuação, observa-se a clínica nutricional como prática social e utiliza-se a concepção da clínica ampliada para discutir as possibilidades de reestruturar a nutrição clínica e ampliar seus saberes e suas técnicas para além de um modelo biomédico restrito e restritivo. Por fim, discute-se a nutrição clínica ampliada como possibilidade para repensar a relação nutricionista-paciente e propor, nesse sentido, sua humanização, a incorporação de conteúdos não biomédicos, a valorização da sabedoria prática e da escuta, a articulação de saberes e a exploração da dimensão dialógica no exercício legítimo da nutrição clínica na contemporaneidade. Termos de indexação: Competência clínica. Humanização da assistência. Interdisciplinaridade. Nutricionista. Relação profissional-paciente. 1 Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Centro de Ciências da Saúde. Av. Carlos Amaral, nº 1015, Cajueiro, 44570-000, Santo Antônio de Jesus, BA, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: F. DEMÉTRIO. E-mails: <[email protected]>; <[email protected]>. 2 Universidade Federal da Bahia, Escola da Nutrição, Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação e Cultura. Salvador, BA, Brasil. 3 Hospital Geral do Estado. Salvador, BA, Brasil. 4 Universidade Federal da Bahia, Escola de Nutrição, Departamento de Ciência da Nutrição. Salvador, BA, Brasil.

A nutrição clínica ampliada e a humanização da relação ... · -paciente a fim de ampliar sua humanização. Este ensaio mostra como a concepção de nutrição clínica ampliada

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NUTRIÇÃO CLÍNICA AMPLIADA E HUMANIZAÇÃO | 743

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ENSAIO | ESSAY

A nutrição clínica ampliada e a humanizaçãoda relação nutricionista-paciente:contribuições para reflexão

The extended nutritional clinic and humanization

of patient-nutritionist relationship:

contribution to reflection

Franklin DEMÉTRIO1

Janaína Braga de PAIVA2

Ana América Gonçalves FRÓES3

Maria do Carmo Soares de FREITAS4

Lígia Amparo da Silva SANTOS4

R E S U M O

A concepção da clínica nutricional ampliada é uma temática nova para o campo da nutrição, sobretudo danutrição clínica. Diante do processo de reformulações nos cenários de práticas em saúde no âmbito do SistemaÚnico de Saúde, esse tema instiga substancial interesse na produção científica, na formação e na prática clínicado nutricionista com a aplicação de competências comunicacionais e a ampliação do olhar técnico-nutricionalperante o processo saúde-doença-cuidado, que podem contribuir para a reconfiguração da relação nutricionista--paciente a fim de ampliar sua humanização. Este ensaio mostra como a concepção de nutrição clínica ampliadapode contribuir para refletir sobre a ampliação da humanização da relação nutricionista-paciente no âmbitodos serviços de saúde. O ensaio é delineado em duas partes: o ponto de partida e o ponto de continuação. Noponto de partida, analisam-se publicações oficiais sobre a conformação sócio-histórica do modelo biomédicoe sua repercussão na prática clínica. No ponto de continuação, observa-se a clínica nutricional como práticasocial e utiliza-se a concepção da clínica ampliada para discutir as possibilidades de reestruturar a nutriçãoclínica e ampliar seus saberes e suas técnicas para além de um modelo biomédico restrito e restritivo. Por fim,discute-se a nutrição clínica ampliada como possibilidade para repensar a relação nutricionista-paciente epropor, nesse sentido, sua humanização, a incorporação de conteúdos não biomédicos, a valorização dasabedoria prática e da escuta, a articulação de saberes e a exploração da dimensão dialógica no exercíciolegítimo da nutrição clínica na contemporaneidade.

Termos de indexação: Competência clínica. Humanização da assistência. Interdisciplinaridade. Nutricionista.Relação profissional-paciente.

1 Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Centro de Ciências da Saúde. Av. Carlos Amaral, nº 1015, Cajueiro,44570-000, Santo Antônio de Jesus, BA, Brasil. Correspondência para/Correspondence to: F. DEMÉTRIO. E-mails:<[email protected]>; <[email protected]>.

2 Universidade Federal da Bahia, Escola da Nutrição, Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação e Cultura. Salvador, BA,Brasil.

3 Hospital Geral do Estado. Salvador, BA, Brasil.4 Universidade Federal da Bahia, Escola de Nutrição, Departamento de Ciência da Nutrição. Salvador, BA, Brasil.

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A B S T R A C T

The extended clinical nutrition conception is a new theme for the field of nutrition, especially clinical nutrition.Given the process of reformulation of the health practice scenarios within the Unified Healthcare System, thistheme instigates a substantial interest in scientific production, in the formation and clinical practice of thedietician with the use of communication competencies and the magnification of the technical and nutritionallook on the process health-disease-care, which may contribute to the reconfiguration of the relationship dietician-patient with the purpose of amplifying its humanization. This trial shows how the conception of an extendedclinical nutrition can contribute for the reflection on broadening the humanization of the relationship dietician-patient in health services. The trial is designed in two parts: the starting point and the continuation point. Atthe starting point, official publications on the social, historical and political conformations of the biomedicalmodel and its repercussion on the clinical practice are analyzed. At the continuation point, nutritional clinic isobserved as a social practice and the extended clinical conception is used for discussing the possibilities ofrestructuring clinical nutrition and broadening its knowledge and techniques beyond a restricted and restrictivebiomedical model. Finally, extended clinical nutrition is discussed, with the possibility of rethinking the relationshipdietician-patient and proposing, in this sense, its humanization, the incorporation of non-biomedical contents,valuing practical knowledge and listening skills, the organization of knowledge and exploration of dialogue inthe current practice of clinical nutrition.

Indexing terms: Clinical competence. Humanization of assistance. Interdisciplinary. Nutritionist. Profissional-patient-relations.

I N T R O D U Ç Ã O

Nas duas últimas décadas, tem-se obser-vado grande número de publicações dedicadas àrelação médico-paciente. O modelo tradicionalque caracteriza essa relação tem sido descrito poralguns estudiosos1-9 como aquele centralizado nomédico, na doença e na medicalização, pautan-do-se em uma relação que tende a ser mais auto-ritária, na qual o paciente e suas necessidadestêm papel passivo e o médico passa a ser o deten-tor de toda expertise e conhecimento. Essa formade relação baseia-se no modelo biomédico dedoença - que define o cuidado médico como trata-mento dos sinais e sintomas físicos em termosquantificáveis -, no qual a cura é definida por indi-cadores médicos objetivos1,2,6-9. Esse modusoperandi em saúde, que negligencia outras con-textualizações dos elementos semiológicos doprocesso saúde-doença-cuidado, confere desvan-tagem para o setor e seus usuários3,4.

Ao contrário do que se observa para a áreamédica, são poucos os estudos teóricos e empí-ricos no campo da nutrição voltados para o debatesobre a relação nutricionista-paciente na práticaclínica. Entretanto, as publicações identificadas naliteratura específica sinalizam a influência episte-mológica da biomedicina na constituição do mo-

delo vigente de relação nutricionista-paciente nocuidado clínico-nutricional na contemporaneida-de10-14.

A complexidade inerente ao sistema desaúde e os progressos da medicina e nutrição têmsuscitado discussões acerca da relação profissionalde saúde-paciente na prática clínica10-15. Por umlado, não se deve desprezar a relevância de taisprogressos para o campo da saúde; por outro,constata-se que a dimensão humana, vivencial epsicossociocultural da doença bem como os pa-drões e as variabilidades na comunicação verbale não verbal precisam ser considerados no pro-cesso relacional entre o profissional da saúde eos usuários11,15. Assim, o estabelecimento de rela-ções de confiança, respeito e reciprocidade entrenutricionista e paciente deve permear as práticasde atenção à nutrição e à saúde no intuito deampliar a sua humanização e o vínculo terapêutico.

No contexto da política de humanizaçãodas práticas em saúde, a aplicação de tecnologiasdo cuidado humanizado ainda esbarra em umacultura técnica que carece de revisão sobre os mar-

cos do poder, da verticalização das relações e dapromoção de um ambiente mais favorável à criati-vidade e ao acolhimento15-17. É nesse contexto que

a concepção de clínica ampliada, apresentada por

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Campos & Amaral3, Campos4 e Cunha17, propõe--se à tarefa de (re)pensar mecanismos que recon-figurem a relação singular profissional de saúde--usuário e de sugerir uma análise crítico-reflexivasobre os modelos biomédico e hospitalocêntrico,que têm sustentado epistemologicamente a clíni-ca contemporânea.

Nesse sentido, discute-se a possibilidadede ampliar a clínica nutricional para uma inovaçãoda prática profissional em nutrição clínica não maispensada somente com base em um a priori indi-vidual, mas na perspectiva da dialética entre su-jeitos, perspectiva singular e coletividade: chama-mento provocado pelos usuários dos serviços desaúde e de nutrição a um alargamento do olhartécnico-nutricional, da escuta e dos modos de tra-balhar com as demandas e expectativas.

No presente ensaio, focaliza-se como aconcepção de nutrição clínica ampliada pode con-tribuir para uma reflexão sobre a ampliação dahumanização da relação nutricionista-paciente noâmbito dos serviços de saúde. Pretende-se abarcaralguns elementos dessa concepção a fim de su-gerir caminhos para reformulação do modelo declínica nutricional vigente, podendo estender-seà reflexão de outros profissionais de saúde sobresuas práticas e competência relacional com o pa-ciente. Assim, o ensaio é delineado em duas par-tes, a saber: ponto de partida e ponto de conti-nuação. No ponto de partida, reúnem-se algunsapontamentos que abrangem a conjuntura sócio--histórica conformadora do modelo biomédicopor meio da trajetória de construção da medicinasocial e da clínica, para demonstrar que o movi-mento contemporâneo tem suas raízes em séculospassados, e chega-se ao Relatório Flexner, com suasconsequências para a prática clínica. No pontode continuação, resgatam-se alguns aspectoshistóricos do surgimento do nutricionista e danutrição clínica no Brasil e se discute em quesentido a concepção da nutrição clínica ampliadapode contribuir para dilatar a visão humanísticana prática clínica nutricional.

Para tanto, tomou-se como constructocentral um repertório de publicações de teóricos

do campo da saúde coletiva, filosofia, nutrição eantropologia da alimentação, que sustenta o arca-bouço argumentativo necessário para incitar essareflexão, a saber: Caprara & Franco1, Caprara &Rodrigues2, Campos & Amaral3, Campos4, Castiel& Diaz9, Deslandes & Mitre16, Cunha17, Ayres18,Foucault19-21, Luz6,8,22, Onfray23, Schraiber24,Bosi14,25, Freitas26, Freitas et al.10,11,27, Santos et al.28,Santos29-30, Diez-Garcia31, Boog32, Rodrigues et al.33,Rodrigues & Boog34, Scagliusi et al.35, Alvarenga& Scagliusi36, Vasconcelos37, Canesqui38, Fischler39,Poulain & Proença40, dentre outros que orientamesses campos de estudos ou campos científicoscorrelatos.

Ponto de partida

Da conformação do modelo biomédico, damedicina social e do hospital ao relatórioFlexner: consequênciaspara a prática clínica

Nos últimos dois séculos, a medicina seafastou do paciente (sujeito) e de seu sofrimentocomo objetos de ação e legitimou seu foco nadoença, na lesão e na incorporação e valorizaçãode uma tecnologia instrumental, diagnóstica eterapêutica, que representou o que Luz6,8 deno-minou de “medicina centrada no procedimento”.

O paradigma cartesiano do organismohumano levou a uma abordagem tecnobiocien-tífica da saúde, na qual a doença é reduzida àavaria mecânica, e a terapia médica, à manipula-ção técnica. A tecnociência médica desenvolveumétodos altamente sofisticados para remover ouconsertar diversas “peças” (partes) do corpo, comimportantes êxitos6-8,41. No campo do saber médi-co, a influência desse paradigma sobre a raciona-lidade médica resultou no chamado modelo biomé-dico, base consensual da moderna medicina cien-tífica6,22,41. Esse modelo concebe o corpo humanocomo uma máquina complexa, que obedece aleis naturais e psicologicamente “perfeitas” e quenecessite constantemente de inspeção por partede um especialista6,7,22,41.

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Koifman41 destaca que, dentro desse mo-delo, os fenômenos biológicos são explicados pelaquímica e pela física. Para essa autora, parece nãohaver espaço para os aspectos sociais, culturais,psicológicos e para as dimensões comportamen-tais do processo de adoecimento. Assim, as doen-ças são resultados ou de processo degenerativodentro do corpo, ou de agentes químicos, físicosou biológicos que o invadem, ou, ainda, da falhade algum mecanismo regulatório do organismo.De acordo com essa visão, as doenças podem seridentificadas somente pela ciência, e os trata-mentos médicos consistem em esforços para rees-truturar o funcionamento normal do corpo, paraintervir nos processos degenerativos ou para eli-minar invasores6,22,41.

A epistemologia de Canguilhem42 sobre onormal e o patológico torna mais complexa aabordagem da prática médica, que, impregnadade reducionismo organicista, colaborou para afragmentação do indivíduo. A consequência maisvisível dessa fragmentação foi o distanciamentomédico-paciente. Canguilhem42 sinaliza ainda quea racionalidade anatomoclínica, imanente ao mo-delo biomédico, revelou-se insuficiente, pois ex-cluiu da prática clínica aspectos psicossociocul-turais relacionados ao processo de adoecimento.

A incorporação excessiva da tecnociênciabiomédica na prática clínica dos profissionais desaúde passou a produzir, em graus variáveis,efeitos colaterais, tais como interferência na rela-ção profissional-paciente; culpabilização dos su-jeitos pelo seu adoecimento; novos riscos; iatro-genia; graus exagerados de especialização;institucionalização dos cuidados de saúde;elevação nos custos dos serviços; comprometi-mento na alocação de recursos no sistema desaúde7-9,41.

A medicina social, entendida como possívelalternativa para a tecnobiociência, não emergeapenas no século XX em função da especializaçãoe da tecnificação da medicina e dos problemasdecorrentes dessa fragmentação19,41. Em tangên-cia com a consolidação do capitalismo no finaldo século XVIII e início do século XIX, a medicinasocial legitimou o corpo como biológico, força de

Estado, produção e trabalho. Nesse contexto, amedicina social nasce como estratégia biopolíticapara controle do corpo, e as vertentes humanasrelacionadas à comunicabilidade e subjetividadesão postas de lado7-9,19.

Por volta de 1850, na Inglaterra e na Ale-manha, a medicina já concebia que as relaçõesentre saúde e doença e condições socioeconô-micas deveriam ser investigadas pela ciência. Taisbases científicas e ideológicas corroboraram paraapresentação de diversas leis, dentre elas a Lei deSaúde Pública na Alemanha: o Estado deveria pro-videnciar um número de médicos bem treinadospara atuar no combate à doença43. Já na Ingla-terra, criou-se a Lei dos Pobres, que favoreceu,consubstancialmente, o surgimento de uma me-dicina social em que a base fundamentadora erao controle médico do pobre: “os pobres encon-trando a possibilidade de se tratarem gratuita-mente ou sem grande despesa e os ricos garan-tindo não serem vítimas de fenômenos epidêmicosoriginários da classe pobre”19.

Cabe resgatar aqui, também, como ocor-reu o processo de embriogênese hospitalar nessespaíses. Segundo Foucault20, o hospital, antes doséculo XVIII, era regido por pessoal religioso,caritativo ou leigo, que, ao realizar uma obra decaridade, estava assegurado da salvação eterna.O hospial, nesse período, era considerado ummorredouro. Somente na metade do século XVIII,perante uma nova maneira de pensar o hospitalcomo aparelho de cura, a distribuição de seuespaço passou a ser instrumento terapêutico: aordem religiosa responsável, até então, por as-segurar a vida cotidiana hospitalar, a salvação e aassistência alimentar das pessoas foi substituídapela figura do médico20.

A partir desse momento, instalou-se no in-terior do hospital uma hierarquia em que enfer-meiros, assistentes e alunos estavam subordinadosà ordem médica. Dessa maneira, ficou balizadoque o saber médico passaria a ter sua configu-ração centrada não mais nos grandes tratadosclássicos de medicina, como era no início do séculoXVIII, mas no que era cotidianamente registradono hospital20. Nasceu, assim, dentro dessa lógica

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hospitalocêntrica, o que Foucault21 denominou de“clínica médica”, que passou a ser dimensão es-sencial de construção e transmissão do saber mé-dico hospitalar, em que a formação normativa deum médico deveria ser consolidada. Estava lança-do o desafio para a formulação de um projeto noqual o ensino teórico e sistematizado das doençasestivesse atrelado à prática à beira do leito dodoente. Esse projeto poderia ser sintetizado empoucas palavras: experiência clínica21,44.

Para Foucault21, a clínica - por um prismahistórico-cultural, “incessantemente invocada porseu empirismo, pela modéstia de sua atenção epelo cuidado com que permite que as coisas silen-ciosamente se apresentem ao olhar, sem perturbá--las com algum discurso - deve sua real importân-cia ao fato de ser uma reorganização em profun-didade não só dos conhecimentos médicos, masda própria possibilidade de um discurso sobre adoença”.

Até os dias atuais, as instituições hospita-lares ocupam na sociedade ocidental lugar centrale quase naturalizado no que diz respeito à presta-ção de serviços voltados à saúde, à doença e àmorte. Não apenas o médico passa a ter sua for-mação clínica centrada nessa instituição, mas osdemais profissionais de saúde, incluindo o nutri-cionista22.

Já no cenário dos países das Américas,tem-se no chamado Relatório Flexner o marcocentral para a estruturação do modelo biomédicona formação médica. Proposto, em 1910, peloprofessor Abraham Flexner, da Universidade JohnsHopkins, esse relatório foi produto da primeiragrande avaliação do ensino médico realizada nosEstados Unidos e no Canadá, e se constitui odocumento responsável pela mais importantereforma das escolas médicas desses dois países,influenciando profundamente a formação médicae a medicina moderna41,45.

De acordo com Pagliosa & Da Ros45, como propósito de fundamentar cientificamente a for-mação médica, o Relatório Flexner apresentouuma série de recomendações, tais como a expan-são do ensino clínico, valorizando o espaço hospi-talar como meio para o ensino prático, a ênfase

na pesquisa biológica e o incentivo à especiali-zação. A partir da análise desses autores, a medi-cina deve ter como foco a doença, que se apre-senta como um processo natural e meramentebiológico, corroborando, assim, a concepção domodelo biomédico, negligenciando os aspectossocioculturais e psicológicos. Embora tenha contri-buído para reformulação e modernização do cur-rículo de medicina, nele imprimiu característicasreducionistas, biologicistas, individualizantes e deespecialização médica, com ênfase na medicinacurativa e exclusão das medicinas integrativas ecomplementares. Essa proposta de organizaçãocurricular da formação médica, bem como da for-mação de outros profissionais de saúde, mostrou--se em evidência ao longo do século XX nos paísesamericanos até a atualidade22,41,45.

O resultado mais expressivo de uma práticaclínica, conformada na biomedicina e no modeloflexneriano, seria o que Campos4 denomina de“clínica clínica” (ou a clínica oficial), em que osprofissionais de saúde atuariam no sentido deimplementar a racionalidade tecnobiocientíficaem sua totalidade. Por sua vez, a medicina, a nutri-ção e outros cursos da área da saúde operam comobjeto de estudo e de trabalho reduzido aos as-pectos biomédicos e epidemiológicos, o que re-dunda em insuficiência tanto para seu campo desaberes quanto para seus métodos e técnicas deintervenção. Dessa forma, a clínica oficial, ao seresponsabilizar pela doença, deixando em segun-do plano o doente, desresponsabiliza-se peladimensão integral dos sujeitos3-5,8,9,18,46.

Nas duas últimas décadas, a clínica temsido influenciada por novos contextos e expecta-tivas de atenção à saúde, provocados pelas trans-formações estruturais no modelo assistencial doSistema Único de Saúde (SUS), a exemplo dasmudanças que vêm ocorrendo na atenção primá-ria e em seus novos arranjos e cenários de prá-

ticas8,17,18,46. Em face desse cenário, Schraiber24

afirma que, ao mesmo tempo em que experimen-tam notável desenvolvimento tecno-científico, as

práticas em saúde vêm enfrentando, já por algumtempo, uma sensível crise de legitimação. Desse

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modo, os novos problemas e necessidades na áreada saúde geraram contradições, principalmente,entre o paradigma biomédico e o paradigma daconstrução social da saúde, construção essa calca-da no fortalecimento do cuidado e da promoçãoà saúde, na ação intersetorial, na interdiscipli-naridade e na crescente autonomia dos sujeitosem relação à saúde, visando à reorientação dasrelações entre profissionais de saúde eusuário3,4,8,10,11,18,28.

Estudiosos como Caprara & Franco1 cor-roboram essa discussão na medida em que apon-tam para a necessidade de a atuação do médiconeste início de século XXI ser repensada a partirde novas perspectivas. Para esses autores, a rela-ção médico-paciente, sustentada no modelobiomédico, não é mais suficiente para organizaros sistemas de saúde de forma efetiva, pois comtodos os recursos tecnológicos existentes paralidar com cada fragmento do ser humano, faltaao médico a habilidade para lidar com o indivíduoem sua integralidade.

Para Boltanski47, a relação médico-pa-ciente é marcada por elevada verticalidade e baixadensidade comunicacional: o médico, fazendo--se de seu discurso tecnobiocientífico, impõe sobreo paciente um ideal de um saber intelectualizado,tecnicista e detentor da cura, alheio a sua reali-dade. Nessa direção, vincula-se entre ambos umarelação de distanciamento, opondo-se, portanto,à perspectiva de humanização do atendimentomédico e do direito do paciente ao entendimentoda informação e à participação no seu processoterapêutico1,2,4,17.

Há de se considerar que os profissionaisde saúde e pacientes, mesmo pertencendo a umamesma macrocultura, apresentam - devido àsvisões e aos sentidos simbólicos construídos poresses atores sociais em consonância com os seusdistintos contextos microssocioculturais1-4,11,18 -interpretações semânticas diferentes acerca doprocesso saúde-doença-cuidado. Dessa forma,a relação profissional de saúde e paciente temsido enfocada como um aspecto-chave para amelhoria da qualidade do serviço de saúde pres-tado, de modo que a personalização da assistên-cia, a humani-zação do atendimento e o direito à

informação de qualidade têm sido levados emconsideração como grau de satisfação do usuáriodo serviço de saúde1-4.

A construção do modelo biomédico, que,inicialmente, foi adotado nas escolas de medicinae influenciou todo o desenho das disciplinas ensi-nadas no campo das ciências da saúde, incluindoa nutrição, de certo modo, explica a dificuldadeencontrada até os dias atuais na implementaçãode abordagem mais humanista na prática clí-nica10,11,22,25,28. Os estudantes da área de saúde,quando em contato com disciplinas fundamentais,como anatomia, por exemplo, são apresentadosa peças, pedaços do corpo humano, raramenteao corpo inteiro. Há, assim, uma objetação docorpo jamais encontrada posteriormente peloaluno48, o que gera uma relação objetal com ooutro, que incidirá numa crise de ajustamentoquando os estudantes se depararem com o pa-ciente como corpo de desejo, corpo de opinião,corpo de dor ou de prazer48. Vale ressaltar quenão estão os profissionais da nutrição isentos detal experiência. Perante essa problemática, Ayres18

vislumbra a assistência clínica como processo ca-paz de integrar o outro e sua alteridade, no entan-to considera que para alcançar esse propósito éessencial o desenvolvimento de novos saberes.

Observa-se, nesse contexto, a necessidadede rompimento com paradigmas na perspectivada construção de outras racionalidades no quediz respeito às experiências comunicacionais entreprofissionais de saúde e paciente, de forma queeles estejam em harmonia com os valores subje-tivos do indivíduo, sua autonomia e vivências so-cioculturais, assim como com os princípios quenorteiam as práticas em saúde, sobretudo, noâmbito do SUS1,2,8,10,11,15,49.

Ponto de continuação

Da configuração do nutricionista àespecialização em nutrição clínica:as raízes da problemática

A emergência do campo da nutrição, sejacomo prática social e/ou profissão no panorama

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mundial, é um fenômeno recente que data doinício do século XX. Segundo evidências históricas,foi com o advento da revolução industrial euro-peia, entremeada pela Primeira Guerra Mundialno século XX, que se começou a pensar na consti-tuição desse campo científico37.

No período entre as duas Guerras Mun-diais, tanto em países europeus (Inglaterra, Françaentre outros) como em norte-americanos (EstadosUnidos e Canadá) e, posteriormente, latino-ameri-canos (Argentina e Brasil), foram fundados os pri-meiros centros de estudos e pesquisas, cursos paraformação de profissionais especialistas e agênciascondutoras de medidas de intervenção nutri-cional37.

Nos países latino-americanos, a nutriçãose estrutura sob a forte influência do médico ar-gentino Pedro Escudero, criador do Instituto Na-cional de Nutrição em 1926, da Escola Nacionalde Dietistas da Universidade de Buenos Aires, queoferecia o curso de médicos “dietólogos”, e dasleis que regem a nutrição (lei da qualidade, quanti-dade, harmonia e adequação)37.

No Brasil, a nutrição, de acordo com algunsestudos37,50, teria surgido, no emanar dos anos1930-1940, como parte integrante do plano demodernização da economia brasileira, dirigidopelo chamado Estado Nacional Populista, cujaconjuntura histórica demarcou a implantação dasbases para a consolidação de uma sociedade capi-talista urbano-industrial no país. Nasce, assim, a“figura do nutricionista” em um contexto socialcom modo de produção capitalista e com funçõesvoltadas para as determinações estatais.

Relatos históricos dos primeiros anos dadécada de 1930 confirmam que tanto no Rio deJaneiro como em São Paulo e, posteriormente,em Salvador e no Recife, duas correntes bem defi-nidas e conspícuas do saber médico corrobora-ram para a constituição do campo da nutrição37.Em um extremo, encontravam-se os adeptos dacorrente com perspectiva biológica - cuja atuaçãoera voltada para o individual, o doente, a clínica,a fisiologia e o laboratório -, preocupados es-sencialmente com aspectos clínico-fisiológicos

associados ao consumo e à utilização biológicados nutrientes e influenciados por pontos de vistadas escolas de nutrição e dietética norte-ameri-canas e de centros europeus37. A partir de 1940,essa vertente deu origem à nutrição clínica (dieto-terapia) - considerada a especialização matriz docampo da nutrição dentro do cenário mundial,direcionada para ações nutricionais de caráterindividual, focalizadas no “alimento como agentede tratamento de doenças” - e à nutrição básicae experimental. Em outro extremo, encontravam--se os partidários das ideias da corrente de pers-pectiva social, preocupados, particularmente, comaspectos relacionados à produção, à distribuiçãoe ao consumo de alimentos pela população brasi-leira e influenciados, principalmente, pelas con-cepções de Pedro Escudero e Josué de Castro. Nadécada de 1940, essa última vertente deu origemà alimentação institucional (alimentação coletiva):outra especialização da nutrição também consi-derada matriz37.

Os aspectos históricos sobre a configu-ração do nutricionista e da nutrição clínica permi-tem salientar ainda que, a partir da década detrinta e nas duas seguintes, com o desenvolvi-mento e consolidação do capitalismo na AméricaLatina, despontou também a capitalização do se-tor saúde, que culminou com a necessidade daespecialização na formação profissional. Dessamaneira, a especialização em saúde tem sido umdos aspectos marcantes no panorama históricode países com significativo desenvolvimento so-cioeconômico ao longo desse século, a exemplodo Brasil24,50.

Na década de 1950, as escolas de nutriçãoproduziam dietistas cujo trabalho era restrito àadministração de serviços de alimentação e dieto-terapia hospitalar: era o começo do desenvolvi-

mento tecnológico e científico na área37. SegundoVasconcelos37, ao médico nutrólogo, por contada sua especialidade na moderna nutrologia e

conhecimento de fisiopatologia, competiria aorientação clínica e dietoterápica em relação aodoente, enquanto “as dietistas” seriam suas auxi-liares diretas, cabendo-lhes apenas o papel de

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executante da prescrição médica por meio defunções de auxiliar ou chefia de serviços dietéticoshospitalares.

Por volta de 1960, observa-se a preocu-pação com o diagnóstico nutricional, sendo talprática enfatizada a partir desse período no país.Há, então, avanços nas perspectivas preventiva ecurativa, o que eleva o profissional da categoriadietista para a de nutricionista37. Portanto, comoconsequência das transformações na divisãotécnica do trabalho na saúde, novos especialistassurgiram nesse setor, dentre eles o nutricionistaclínico, cujos primeiros passos contornavam odesenvolvimento da prática hospitalar de assistên-cia nutricional ao paciente enfermo. Nesse cená-rio, o nutricionista clínico emerge no Brasil sob aégide de uma perspectiva biologicista esta-belecida por interesses estatais e mercantis bur-gueses e na condição de subalterno aos médicosnutrólogos, concernente ao modelo hospitalo-cêntrico predominante ao longo desses anos25,37,50.

A partir de 1970 houve uma crescente soli-dificação dos cursos de nutrição no Brasil devidoà demanda crescente de nutricionistas bem comodo processo de expansão da área de ensino su-perior, esta última sendo muito impulsionada pelacriação do II Programa Nacional de Alimentaçãoe Nutrição (II Pronan), que continha em suas dire-trizes o estímulo à formação de recursos huma-nos em nutrição25.

O currículo estabelecido em 1964, e predo-minante até o engendramento das reformas cur-riculares nas décadas de 1970 e 1980, era consti-tuído por dois grupos de disciplinas: as básicas(anatomia, fisiologia humana, histologia, bioquí-mica, bromatologia, dietética, psicologia e micro-biologia) e as profissionalizantes (fisiopatologiados distúrbios nutricionais, técnica dietética, arteculinária, administração dos serviços de refeições,sociologia e economia aplicadas, dietoterapia,puericultura e dietética infantil, higiene e adminis-tração de saúde pública, pedagogia aplicada ànutrição, estatística e inquéritos alimentares).Criada em Bogotá em 1973, a Comissão de Estu-dos e Programas Acadêmicos de Nutrição e Dieté-

tica na América Latina (CEPANDAL) passou, então,a servir de referência para as discussões curricu-lares que se sucederiam na década seguinte25.

A conferência de Alma Ata (1978) foi ummarco importante na redefinição das políticas dosetor saúde, assumindo como princípio funda-mental o processo de reorganização dos serviçosde saúde centrados na atenção primária. Assim,novos temas têm emergido no campo da saúde,tais como o enfoque biopsicossocial, a interdisci-plinaridade, o respeito à diversidade cultural, asnovas tecnologias em saúde, a releitura da bioéti-ca e o impacto das novas tendências econômicasnas políticas de saúde18,25,51. A partir desse ponto,há então uma discussão aprofundada sobre oprocesso de formação dos profissionais de saúde,sendo discutidas as necessidades de mudançassubstanciais no processo formativo, sobretudo norelacionado ao perfil profissional desejado e àadaptação do modelo pedagógico para o alcancedos objetivos. São definidas estratégias para inte-gração entre o mundo do ensino e do trabalho,ênfase na formação generalista, trabalho multi-profissional, diversificação dos cenários de práticae adoção de metodologias ativas de aprendiza-gem25. Embora tenham ocorrido avanços na tra-dução dessas demandas em conteúdos e ativida-des curriculares, esses ainda são incipientes28,51.

Obviamente que são notáveis os avançosconquistados pela categoria ao longo dessas oitodécadas de mobilização, organização e luta embusca de legitimidade, autonomia e identidadeprofissional37. No entanto, observa-se ainda queos cursos de nutrição, compreendidos na lógicafragmentada dos saberes em saúde, em suamaioria conjecturada dentro do modelo biomé-dico, têm dado pouca ou nenhuma importânciaàs dimensões humana e social dos sujeitos na tra-jetória de formação acadêmico-profissional donutricionista25,28,50, bem como não têm tratadodevidamente o tema “alimentação” como fenô-meno psicobiossociocultural10,11,13,28,35,36,38. Issopassa a ser preocupante na medida em que oselementos de trabalho desse profissional são ohomem e sua comida: um processo relacional de-masiadamente complexo11,28,33-36,38-40.

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Bosi25, ao realizar uma avaliação dos cur-sos de nutrição no Brasil na década de 1980,identificou grande desproporção entre as dis-ciplinas biológicas (predominantes) e sociais. Se-gundo a autora, tal desproporção entre as áreascontribui para uma insuficiente compreensão dosocial na formação do nutricionista, originandoprofissionais com olhar fragmentado no cuidadonutricional.

Motta et al.51, por meio de pesquisas emsites da Internet, analisaram o posicionamento de71 cursos de nutrição sobre sua missão e obser-varam escassas menções sobre o caráter crítico eo compromisso com as transformações sociais. Aformação ética e humanística foi um dos itensmais desvalorizados na divulgação dos cursos;prevaleceu a identificação do nutricionista comoprofissional de saúde e, acima de tudo, a valori-zação do mercado de trabalho.

Estudiosos como Bosi25 e Santos et al.28

reconhecem que, embora tenham sido realizadosesforços para tentar equilibrar o currículo de cur-sos de nutrição, ainda persiste desarticulação im-portante entre o biológico e o sociocultural naformação e prática clínica do nutricionista.

Considerando a revisão de literatura e osaspectos abordados, foi possível perceber que,no campo da nutrição, há certa escassez de refe-rências sobre o histórico da nutrição clínica noBrasil e seus fundamentos epistemológicos. Ospoucos estudos identificados na literatura sinali-zam a influência da racionalidade biomédica naconformação da nutrição clínica10-14,25,35. Em quepese a influência na construção histórica da nutri-ção clínica ser marcada pela história da conforma-ção do campo da clínica médica, esta não podeser tomada apenas como uma mera consequênciada primeira. Urgem estudos que aprofundem suasparticularidades, explicitando questões como oquanto o modelo biomédico é capaz de responderàs demandas referentes à alimentação e à nutri-ção do corpo humano. Em outras palavras, aoconsiderar as múltiplas funções da dieta no corpohumano, seria possível reduzi-la a uma prescriçãomedicamentosa tal como ocorre na medicinaespecializada, que foca a doença e não o pacien-

te? Em suma, essa problemática ilustra que o eloentre o corpo (do sujeito) e a dieta é mais amploe precisa ser aprofundado.

Da nutrição clínica ampliada comopossibilidade para reflexão acercada humanização da relaçãonutricionista-paciente

Dentre as diversas áreas de prática donutricionista como profissional de saúde, destaca--se a nutrição clínica. Essa área pode ser ca-racterizada como aquela que se desenvolve emhospitais, clínicas, consultórios e outros, na qualo nutricionista clínico realiza atenção dietoterápicaao paciente baseada, principalmente, no seu qua-dro clínico e diagnóstico nutricional52.

A Associação Americana de Diabetes(ADA)53 define a atenção dietoterápica como umprocesso que vai ao encontro às diferentes neces-sidades nutricionais de um indivíduo, o que incluia avaliação do seu estado nutricional, a identi-ficação das suas necessidades ou problemas nutri-cionais, o planejamento de objetivos de cuidadonutricional que preencham essas necessidades, aimplementação de ações dietéticas e a avaliaçãoda atenção dietoterápica. Boog32, Freitas et al.10,11

e Freitas26 assinalam que os aspectos sensoriais,psicológicos e socioculturais também devem estarenvolvidos na atenção dietoterápica. Sousa &Proença54 afirmam que, para a efetivação daconduta dietoterápica no âmbito hospitalar, sãonecessárias ações articuladas entre os setores deprodução de refeições e de atendimento clínico--nutricional.

Pesquisa nacional realizada pelo ConselhoFederal de Nutricionistas (CFN)52, envolvendo2.434 nutricionistas, com o propósito de identi-ficar o perfil de atuação profissional no mercadode trabalho, revelou que 44,9% atuavam na áreade nutrição clínica, estando 52,9% desses distri-

buídos entre hospitais, e 38,8% em ambulatóriose consultórios.

Na atualidade, observa-se que a NutriçãoClínica tem se fragmentado em subáreas de

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atuação conforme o modelo biomédico organi-cista. Assim, encontram-se nutricionistas clínicosatuando por grupos biologicamente vulneráveisou outras especializações médicas, por exemplo,nutricionista clínico atuando em Obstetrícia, Pe-diatria, Geriatria, Gastroenterologia, Hepatologia,Cardiologia, Endocrinologia (principalmente,obesidade e diabetes), Nefrologia, Cirurgia, Onco-logia e em Saúde Mental (Transtornos alimen-tares). Vale antecipar que não é intenção destetrabalho desconsiderar a importância dos espe-cialistas em nutrição clínica para o campo danutrição e saúde, bem como os benefícios queeste grupo profissional tem gerado para a so-ciedade. Parte-se do pressuposto que a incorpo-ração tecnológica e especialização exageradas emnutrição e saúde, ao deixar de abarcar as subje-tividades, dilui a responsabilidade pela atençãonutricional e dificulta o desenvolvimento de rela-ção nutricionista-paciente comprometida com adimensão humana e projetos socialmente trans-formadores. Esses fatos primam por uma discus-são acerca do modo de atuação do nutricionistaem nutrição clínica, sobretudo, nos espaços doSUS, considerando que as práticas nestes espaçosdevem se pautar no cuidado integral do serhumano49.

Historicamente, o nutricionista clínico, aoprestar atendimento a pacientes portadores deproblemas nutricionais e de saúde, vem minimi-zando seus valores subjetivos e a promoção desua autonomia, reduzindo-o praticamente à suadoença (“o obeso”, por exemplo), não o vendo,portanto, como um ser (sujeito) que possui histo-ricidade, culturalidade e temporalidade10,34-36,55.Freitas et al.11 sinalizam para certo distanciamentoexistente na relação nutricionista-paciente, esta-belecido na prática clínica, que se opõe ao queos autores denominam de perspectiva herme-nêutica de humanização.

A partir de um prisma epistemológico so-bre a prática clínica do nutricionista, nota-se queela não tem sido plenamente fundamentada nosprincípios humanísticos, conforme orienta a Po-lítica Nacional de Humanização (PNH) doSUS10,13,15,22,49. Evidentemente que nessa afirma-tiva não se considera que o encontro terapêutico

entre nutricionistas e pacientes seja marcado porpráticas “desumanas”. A crítica que se faz é sobrea forma de humanização vigente na prática clínicanutricional, a qual não deve se firmar apenas noplano humanista-assistencialista, mas integrar osprincípios técnicos e tecnológicos com os princí-pios éticos e relacionais no cuidado clínico-nutri-cional em saúde.

O debate sobre a humanização no âmbitoda saúde teve início em cenário no qual ele erasecundarizado e/ou banalizado por grande partedos gestores e trabalhadores e reivindicado tantopelos usuários quanto por trabalhadores, bus-cando uma atenção com acolhimento, de formaresolutiva e lutando por melhores condições detrabalho. Assim, o conceito se expressava emações fragmentadas, frágeis e imprecisas, atrela-das ao voluntarismo, assistencialismo, paterna-lismo ou mesmo ao tecnicismo de um geren-ciamento alicerçado na racionalidade administra-tiva e na qualidade total. Para que ocorresse umprocesso de mudança intenso, respondendo aosanseios dos usuários e trabalhadores da saúde noâmbito do SUS, foi necessário enfrentar desafiosconceituais e metodológicos15,16,56, que represen-taram um marco para a formulação e conso-lidação da PNH49. Como política, a humanizaçãodeve, portanto, traduzir princípios e modos deoperar no conjunto das relações entre traba-lhadores e usuários, entre os diferentes trabalha-dores, entre diversas unidades e serviços de saúdee entre instâncias que constituem o SUS15,49,56.

É nesse sentido que diferentes autores,como Luz8, Freitas et al.10,11, Amorim et al.12,Solymos13, Bosi14,25, Goulart & Chiari15, Deslandes& Mitre16, Diez-Garcia31 e Scagliusi et al.35, expres-sam a necessidade de um processo de huma-nização da nutrição, em particular da relação entrenutricionistas e pacientes, reconhecendo a neces-sidade de uma maior sensibilidade e densidadecomunicacional diante do sofrimento do pacienteportador de enfermidade. Essa proposta inspirauma nova identidade profissional, responsávelpela efetiva promoção da saúde ao considerar opaciente em sua integridade física, psíquica esociocultural, e não somente de um ponto de vista

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biológico. O desenvolvimento dessa sensibilidadee sua aplicação na prática clínica constituem im-portante desafio para a nutrição clínica do séculoXXI.

Assim, entende-se o processo de huma-nização da nutrição como a capacidade de ofere-cer cuidado nutricional de forma integral e qua-lificado, valorizando o diálogo e a escuta em sufi-ciência na relação profissional-usuário e articu-lando o conhecimento tecnocientífico das áreasde alimentação, nutrição e saúde com princípiosético-humanísticos, com aspectos psicossociocul-turais do ser humano, acolhimento, melhoria doambiente de cuidado nutricional e das condiçõesde trabalho dos nutricionistas. Segundo Boff57, ocuidado humanizado não deve ser tratado comouma intervenção sobre o paciente: “[...] a relaçãonão é sujeito-objeto, mas sujeito-sujeito. Experi-mentamos os seres como sujeitos, como valores,como símbolos”. “A relação do cuidado não é dedomínio sobre, mas de convivência, não é puraintervenção, mas interação”.

Onfray23, filósofo francês, em sua obra Oventre dos filósofos - crítica da razão dietética,retrata, sob a forma de autobiografia alimentar,a relação estabelecida com uma nutricionista noâmbito do cuidado nutricional hospitalar, após tersido acometido por infarto agudo do miocárdio,a saber:

[...] Os pesares da existência se evaporam

quando nos encontramos, entre amigos,

ao redor de uma mesa [...]. Para ame-

drontar todos eles, veio-me a impertinente

e má ideia de um enfarte no final do ano

de 1987. Essa pilhéria teve sua conveniên-

cia pois graças a esse delírio das artérias

que devo as páginas que se seguem. To-

dos se espantaram: as estatísticas não me

tinham previsto, achavam a insolência um

pouco absurda. Um enfarte aos 28 anos

[...]. Entre dois eletrocardiogramas, uma

injeção de Calciparine e um exame de

sangue, o destino manifestou-se na forma

de uma nutricionista [...]. Ela me deu um

curso chato sobre uso da alimentação

para monge do deserto. Na véspera do

acidente cardíaco, uma refeição a seis ou

sete me permitira preparar um carneiro

com cogumelos. E eu precisava rezar pela

alma de tudo isso para me dedicar ao

regime hipocalórico, hipoglicêmico e

hipocolesterólico. Era o mesmo que eu

trocar meu livro de receitas por um di-

cionário de medicina [...]. A funcionária

das calorias me fez uma conferência sobre

os méritos dos cremes e leites desnatados

e dos cozimentos em água. Nada de mo-

lhos borbulhantes e engrossados fa-

rinhentos! Era preciso me converter às

ervas e às verduras [...]. Num sobressalto

de heroísmo declarei, como última palavra

antes de passar dessa para melhor, que

preferia morrer comendo manteiga do

que economizar minha existência à custa

de margarina. Psicóloga como ela só, mas

medíocre dialetóloga, ela retorquiu, em

desprezo a qualquer lógica elementar, que

a manteiga e a margarina eram a mesma

coisa [...]. Ela era mais hábil nos oligoele-

mentos do que na dialética, eu lhe disse

do fundo da cama que eu preferia a

manteiga [...] já que era a mesma coisa.

Basta! A discussão tornava-se azeda. Ela

declarou que me abandonava à obesida-

de - eu acabara de perder sete quilos -,

ao colesterol e à morte próxima [...].

Algum tempo depois da dietética dos

centros hospitalares e de readaptação,

voltei à vida normal [...] isto é, à cozinha

normal. Para preparar a minha nutricionis-

ta espertinha um prato ao meu lado, lem-

brei-me que um conjunto de receitas para

uma gaia ciência alimentar não seria de-

mais. Era preciso à policial uma lição dehedonismo. Eis por que estas páginas exis-

tem [...].

O exemplo aqui trazido, de relação nutri-cionista-paciente, ilustra uma humanização as-sistencialista na abordagem nutricional hospitalarna medida em que se observa desarticulação entreos saberes científicos (não biomédico e biomédico)e os saberes do senso comum e artísticos, na aten-ção dietoterápica com o paciente, na qual a nutri-

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cionista em questão não leva em consideração,por exemplo, aspectos da “nutrosofia” e filosofiado gosto, como a gastronomia e o hedonismo. Odiscurso normativo e restrito sobre a alimentaçãoapregoado na clínica nutricional atua como umimperativo para o “bem-estar” do corpo. Nessaperspectiva moral e racional, negam-se a tradiçãodas sensações e dos temperos, os padrõesculinários mais antigos e domésticos, para adotaroutros modelos baseados em uma moral estéticaou clínica27. Conforme referido por alguns auto-res9,55,58, o paciente é culpabilizado pelo nutri-cionista por seu adoecimento, bem como pela nãoadesão ao plano nutricional proposto, como tam-bém ficou evidente na situação apresentada. Estefato pode acarretar problemas ligados ao precon-ceito social e estigma55. Ruiz-Moral5 alerta para anecessidade de se reconhecer as implicaçõespsicológicas que, em qualquer relação humana,podem ocorrer, tais como: decepção com o pro-fissional, culpabilização, depressão e objeções àsalternativas sugeridas. Nota-se ainda que a nutri-cionista utiliza atitudes e discursos consideradosracionais e de controle na relação profissional--paciente, deixando, assim, de humanizar de mo-do integral essa relação, tornando-a uma relaçãodesinteressada, com insuficiência de diálogo,sensibilidade e afeto, que por seu turno dificultaque o paciente consiga estabelecer uma verda-deira relação de confiança com esse profissional.

Diante disso, torna-se necessário repensaresse modelo vigente na clínica nutricional. Scagliusiet al.35 trazem uma importante contribuição paraessa reflexão. Segundo essas autoras, a aborda-gem clássica da nutrição tem se pautado em umavisão biológica ou “pós-deglutição”. Nessa dire-ção, o foco clínico-nutricional se encontra no quese come e não em como se come, ou seja, umaalimentação que não segue as diretrizes nutri-cionais é vista como inadequada (ou, pior ainda,como errada), e não como outra racionalidadepossível e, por isso, interessante, haja vista queela carrega consigo uma história a ser narrada.Portanto, não se pretende com essa discussãodesconsiderar a relevância de uma alimentaçãobalanceada que atenda as necessidades nutri-cionais. A nutrição adequada das células e a “boa

saúde” são objetivos nutricionais importantes,entretanto não devem ser tomadas como obje-tivos plenos, uma vez que a abordagem biológicada nutrição apresenta limitações significativas epremissas que precisam ser discutidas35.

A abordagem biológica da clínica-nutri-cional está intimamente relacionada ao processode medicalização, o qual pode ser compreendidocomo a incorporação de terminologia e aborda-gem médica ou nutricional para questões que nãosão apenas médicas ou nutricionais, mas, tambémsocioculturais, políticas e econômicas9,35. Dessaforma, não só a comida desaparece do cenárioclínico-nutricional, como também o alimento (seu“substituto melhorado”) é tratado como remédio.Esta visão enquadra-se na “ideologia de saúde”ou healthism, na qual a saúde é vista como valorhumano primário, devendo o ser humano viverpara ser saudável9,35. Castiel & Diaz9 e Scagliusi etal.35 corroboram essa discussão ao afirmarem quenessa ideologia é coerente que o paciente aban-done seus sentimentos, valores e significadossobre a comida, para incorporar os novos ali-mentos apregoados pela racionalidade científicamoderna, que podem ser sem história, sem graça,sem gosto e desprovido de memória, mas que oafastam do risco de “doenças futuras”, tornadoisso como o aspecto mais importante na sua vida.Emerge, a partir dessa visão, a figura do nutri-cionista policial que assume a incumbência deafastar o paciente do “mau caminho”9,23,35.

Nesse sentido, Freitas et al.27 fazem umareflexão relevante para o campo da nutrição,especialmente para a área de nutrição clínica. Osautores discutem o processo de mudanças dehábitos alimentares e os sentidos atribuídos aocomer diante dos problemas nutricionais. To-mando como exemplo o problema da obesidade,doença de prevalência crescente no Brasil, osautores discutem cuidadosamente sobre a com-plexidade atrelada ao processo de mudança dehábitos alimentares. Desse modo, colocam que aobesidade não é uma questão somente do indiví-duo (do corpo biológico), mas trata-se de umaenfermidade que também comporta determi-nantes psicossocioculturais. Afirmam ainda queo corpo obeso, originário, fundamentalmente, da

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formação de hábitos alimentares e estilos de vidamodernos, vincula-se aos interesses da indústriae do mercado de alimentos. O contexto do indiví-duo é obesogênico e, portanto, deve ser trans-formado.

Para exemplificar ainda que a prática clí-nica nutricional baseada apenas na racionalidadecientífica moderna ou biomédica pode levar àineficácia das prescrições nutricionais e inefetivi-dade do processo de mudança de hábitos ali-mentares e estilos de vida, são apresentados aseguir resultados de alguns estudos internacionaise nacionais.

Estudo epidemiológico realizado no Méxi-co com indivíduos portadores de Diabetes Mellitustipo 2 identificou que 62% deles não aderem aoplano nutricional recomendado59. Outro estudo,realizado no Brasil nessa mesma perspectiva, po-rém, envolvendo indivíduos portadores de obesi-dade, revelou que um grande número deles aban-dona o plano dietético de reeducação alimen-tar60. Menéndez61 destaca que a maioria dos estu-dos epidemiológicos sobre os problemas nutri-cionais e de saúde caracteriza-se pela ausênciatotal das discussões socioculturais ou pela presen-ça de poucas notas, sem aprofundamentos. Poroutro ângulo, resultados de investigação quali-tativa62 realizada em uma unidade básica de saúdede Ribeirão Preto (São Paulo, Brasil), envolvendomulheres portadoras de diabetes tipo 2, eviden-ciaram dificuldade no seguimento da dieta pres-crita, em função dos múltiplos significados as-sociados, tais como a perda do prazer de comere beber, da autonomia e da liberdade para se ali-mentar. De acordo com essas mulheres, seguir oplano dietético recomendado revelou caráterextremamente aversivo e cerceador, e, portanto,realizá-lo implica prejuízos à saúde, além de o atode comer, muitas vezes, vir acompanhado de me-do, tristeza, culpa e revolta62.

Outro estudo qualitativo realizado em SãoPaulo por Diez-Garcia31, com indivíduos de doishospitais (um público e outro privado) envolvidos

no planejamento e produção da dieta hospitalar,revelou que as representações sobre a alimenta-ção oferecida no hospital refletiam, de um lado,

o caráter da hospitalização no que diz respeito àcondição de controle e disciplina, da pouca auto-nomia e poder de voz do paciente, e, de outro,

uma importância limitada da dieta hospitalar porparte dos atores que participavam, efetivamente,do atendimento e do gerenciamento hospitalar.

Os resultados evidenciaram, também, as condi-ções ainda incipientes do cuidado nutricional emnível hospitalar e dicotomia entre dieta e comida,representando a ruptura entre o prazer, o gostoe o aspecto nutricional, de modo a predominar aqualificação positiva da dieta por seu papel noatendimento às demandas biológicas que tam-pouco são efetivas na prática, sobretudo, quandose trata de alimentação via oral. Nesse sentido, aautora do estudo enfatiza que a alimentação hos-pitalar não deve oferecer somente as respostasnutricionais adaptadas ao tratamento do paciente;deve assegurar, além da função nutricional ehigiênico-sanitária, outras funções, tais como asígnica e hedônica.

Demário et al.63, ao estudarem as per-cepções de pacientes sobre a alimentação forne-cida em um hospital com proposta de atendimen-to humanizado, observaram que o comer bemno hospital depende do que os pacientes podemou não se alimentar devido a sua doença, reve-lando ser ausente a identificação da alimentaçãohospitalar com sua história alimentar, preferên-cias ou hábitos adquiridos ao longo de sua vida.

Pontieri & Bachion58 analisaram as crençasde pacientes portadores de Diabetes Mellitus tipo2, atendidos em um ambulatório de referênciado sistema público de saúde de uma cidade doEstado de Goiás, a respeito da terapia nutricionale sua influência na adesão dietética. Os resultadosfornecidos por esse estudo remetem a um pano-rama atual sugestivo de certa massificação daprescrição e terapia nutricional. Para as autorasdesse estudo, os nutricionistas estão restritos aconceitos e valores tecno-científicos, que não faci-litam o processo de conhecimento pelos pa-cientes a respeito da terapia que está sendo insti-tuída. Os pacientes recebem as orientações nutri-cionais de forma unilateral, deixando uma lacunana qual caberiam a educação nutricional, o diálo-

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go alimentar e a construção coparticipativa doconhecimento.

Corroborando as discussões anteriormenteapresentadas, Freitas et al.10 destacam que a pres-crição dietética, traduzida sob a forma de orien-tação nutricional, é concebida pelo paciente comouma receita medicamentosa. Os nutrientes orga-nizados como um receituário nutricional fazemoposição à tradição, aos hábitos e aos valoresculturais do comer. A elaboração do receituáriodietético na clínica sem a incorporação dos as-pectos socioculturais da alimentação pode resultarno sofrimento do paciente, em desgostos e ruptu-ras do cotidiano com seus valores e crenças culiná-rias. Assim, uma proposta humanizadora da rela-ção nutricionista-paciente é a compreensão porparte do terapeuta nutricional quanto ao signifi-cado da alimentação para o paciente, a interpre-tação que ele faz sobre sua dieta, seu corpo emseu mundo10. Sabe-se que, na concepção biomé-dica, os nutrientes possuem diversas funções orgâ-nicas e atuam sinergicamente no corpo não ape-nas em uma célula ou órgão específico, comoocorre, por exemplo, com um fármaco que a prioripossui sítio-alvo de atuação no organismo. Dessamaneira, os alimentos não devem ser tratadosapenas do seu ponto de vista nutricional, nutra-cêutico, nutrigenômico e funcional nas especifi-cidades patológicas, mas também na sua plurali-dade de sentidos e significados que assumem.

Pelo exposto, o entendimento da comple-xidade imanente a esses problemas remete ànecessidade do nutricionista considerar tambémoutros elementos semiológicos do paciente (emo-ções, sentidos, significados, valores, memória ali-mentar etc.) na elaboração do plano dietético. Adesconsideração desses fatores por parte do pro-fissional pode interferir negativamente na adesãoao tratamento nutricional10,11,26,33,36,58,60.

Nessa perspectiva, é necessário entenderainda que o ser humano não come apenas quan-tidades de nutrientes e calorias para manter ofuncionamento do corpo em nível adequado. Ocomer não satisfaz apenas as necessidades nutri-cionais e biológicas, mas preenche tambémdimensões sócio-históricas, culturais e ecoló-

gicas27,30,31,40,64. Fischler39 ressalta que se o homem“come tudo”, ele “não come de tudo”. Segundoesse autor, nem todo alimento biologicamenteingerível é culturamente comestível. O ato de sealimentar envolve seleção, escolhas, ocasiões erituais, imbrica-se com a sociabilidade, com ideiase significados, com as interpretações de expe-riências e/ou interações cotidianas, não permi-tindo à sua abordagem visões unidimen-sionais27,30,31,38,40,64. O comer, de acordo comPoulain & Proença40, desenrola-se em consonânciacom regras impostas pela sociedade, influen-ciando a escolha alimentar. Essas regras “sãorepresentadas pelas maneiras de preparo dosalimentos, pela montagem dos pratos e pelosrituais das refeições (como, por exemplo, osmodos e as posições das pessoas à mesa, a divisãoda comida entre os indivíduos, os horáriosestipulados, entre outros), contribuindo para queo homem se identifique com o alimento e porsua representação simbólica”. Nesse sentido, onutricionista deve assumir a alimentação comoresultado da pluralidade e singularidade das inte-rações entre o sociocultural e o biológico.

Tendo em vista a complexidade da abor-dagem em nutrição clínica e saúde11,15, Pedrosoet al.65 argumentam que os serviços de saúdeestão sendo direcionados no sentido de considerarnão apenas a patologia, mas também as prefe-rências, hábitos e aversões do indivíduo no atendi-mento nutricional. Entretanto, reconhecem queainda há muito que avançar nesse sentido, sobre-tudo no que diz respeito à formação e práticaclínica do nutricionista, pautadas na humanizaçãoe interdisciplinaridade. A despeito disso, as dife-rentes abordagens e significados que circundama alimentação podem permitir ao nutricionistaclínico aproximação maior e conhecimento cadavez mais profundo do indivíduo hospitalizado ouacompanhado ambulatorialmente, na sua totali-dade, valorizando sua essência e respeitando suaindividualidade na programação da terapia nutri-cional.

É valido ressaltar que o papel terapêuticodos alimentos tem evoluído devido ao avançoconsiderável dos conhecimentos relacionados àdietética e à nutrição. As pesquisas nessas áreas

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contribuíram com novos pontos de vista acercada terapia nutricional, ficando cada vez mais evi-dente que a nutrição pode, de fato, apresentarfunção importante no processo saúde-doença66.Contudo, Fischler39 assinala que para melhor com-preender as implicações das intervenções dieté-

ticas nos hábitos alimentares a partir de razõessanitária, médica, nutricional, econômica e comer-cial, entre outras, deve-se levar em consideração

as dificuldades e as consequências desconhecidasdecorrentes do conhecimento ainda embrionáriosobre a construção do comportamento alimentar.A tentativa de moldar o comportamento alimen-tar, segundo avanços e flutuações do conhe-cimento em alimentação e nutrição, não podedeixar de abarcar suas implicações técnicas, meto-dológicas, éticas e epistemológicas39.

Concernente aos fatos mencionados, co-mo (re)pensar a relação nutricionista-paciente naprática clínica nutricional contemporânea nosentido de ampliar sua humanização?

Para suscitar esse debate, traz-se a contri-buição da concepção da clínica ampliada, pro-posta por Campos & Amaral3, Campos4 e Cunha17,para sugerir a ampliação do modelo de nutriçãoclínica biomédica a fim de contribuir para reflexãoacerca da humanização da relação nutricionista--paciente na contemporaneidade.

Segundo Cunha17, a clínica ampliada é en-tendida como a “transformação da atenção in-

dividual e coletiva, de forma que possibilite queoutros aspectos do sujeito, que não apenas obiológico, possam ser compreendidos e trabalha-

dos pelos profissionais de saúde”. O propósitodessa concepção e a produção de saúde nos dife-rentes espaços de promoção, prevenção, cura,

recuperação e de cuidados paliatívos, bem comoa ampliação do grau de autonomia do usuário,da família e da comunidade.

Na concepção da clínica ampliada, a am-pliação da autonomia dos usuários dar-se-ia apartir de ações que visam à promoção dos sujeitos,capacitando-os a compreender melhor suas ne-

cessidades de saúde, entendendo seus agravos e

participando como corresponsáveis no processosaúde-doença-cuidado3,4,17,49.

Vale salientar que as reformas que vêmocorrendo nos serviços de saúde, especialmente

naqueles inseridos no âmbito do SUS, sem dúvida,envolvem inúmeros desafios49. Dentre eles, Cam-pos & Amaral3 e Campos4 destacam a necessidade

de se reformarem saberes e práticas para reorien-tar tanto a clínica quanto a saúde coletiva. Seguin-do nessa lógica, eles defendem que os cursos daárea da saúde deveriam se voltar para a forma-ção de profissionais capazes de resolver problemasde saúde, integrar-se em equipes multiprofis-sionais, reconhecer as determinações sociais,subjetivas e biológicas da saúde/doença, construirplanos terapêuticos singulares e articulados a es-sas determinações, estabelecer vínculos e assumirresponsabilidade em lidar com a cura e a recupe-ração dos pacientes. Campos & Amaral3 propõema formação do profissional de saúde para umareforma cultural e epistemológica da clínicabiomédica (“clínica clínica”), tornando-a uma clí-nica ampliada por meio da reorientação do campode saberes, responsabilidades e práticas.

No tocante à prática clínica do nutricionistana contemporaneidade, a Figura 1 ilustra o mo-delo hegemônico de relação nutricionista-pacien-te vigente. Observa-se, com base na literaturaconsultada10-13,15,22, que a prática clínica nutricionalbiomédica, que se desenvolve no contexto commodo de produção capitalista, tem sido marca-da pela verticalidade da relação nutricionista--paciente, que se caracteriza pela despersona-lização do cuidado nutricional, baixa densidadecomunicacional, humanização assistencialista efoco na doença e não no doente.

Como possibilidade para uma reformula-ção epistemológica e cultural da nutrição clínicabiomédica ou oficial, propõe-se, a partir da con-cepção da clínica ampliada sugerida por Campos& Amaral3, Campos4 e Cunha17, a concepção de“nutrição clínica do sujeito” ou nutrição clínicaampliada que buscaria ir além do mecanicismo,da fragmentação e do tecnicismo biologicista naabordagem nutricional com o paciente (Figura 2).

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Figura 1. Matriz que representa a relação nutricionista-paciente na clínica nutricional biomédica.

Contexto social com modo de produção capitalista

Racionalidade biomédica(Reducionista, normativa, biologicista)

Epistemologia da clínica nutricional

Generalização dee protocolos clínico-

nutricionais

guidelines

Verticalidade da relação nutricionista-paciente na clinica nutricional(despersonalização do cuidado nutricional, baixa densidade comunicacional,

humanização assistencialista e foco na doença e não no doente)

SABERES

Contexto social com modo de produção capitalista

Senso comum Artístico BiomédicoNão biomédico

(filosófico,antropológico...)

Articulação entre saberes científicose outros saberes

Construção dialógica dee protocolos

clínico-nutricionaisguidelines

InterdisciplinaridadeHumanização

(pautada na integralização dacompetência tecnocientífica

com a competência ética e relacional)

Educação nutricional(Pautada na: construção do aconselhamento nutricional baseado na situação

clínico-nutricional do paciente, na problematização do seu comportamento alimentare no reconhecimento dos elementos psicobiossocioculturais da alimentação e do

processo saúde-doença; na promoção da autonomia e empoderamento dos sujeitos;e no agir clínico-nutricional interativo, responsável, ético, crítico e relfexivo)

Ampliação do espaço de escuta e diálogopermeando as relações em nutrição e saúde

Humanização da relação nutricionista-paciente na clínica nutricional

Científico

Figura 2. Proposta-matriz do modelo da nutrição clínica ampliada.

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Essa proposta aponta para a promoção danutrição clínica voltada a reconhecer, interpretare atuar sobre as necessidades de sujeitos que bus-

cam o cuidado nutricional. Dessa forma, sua cons-trução dar-se-ia a partir da práxis, isto é, da refle-xão sobre os encontros e os diálogos. A nutrição

clínica ampliada passa a ser entendida como ummodelo ou novo modus operandi interdisciplinarem saúde - no qual a racionalidade nutricional se

articula com outras formas de conhecimento (sen-so comum, artístico etc.) ligados à alimentação eao ser humano -, que é refletido e retorna refle-

xivamente para os cuidadores e cuidados, demaneira a promover novas formulações e modos(e não, modas) de atuar em nutrição clínica e

saúde. Espera-se com esse modelo que o nutri-cionista busque estabelecer competência dialó-gica com o paciente, isto é, compreenda e inter-

prete as relações que fazem interagir dieta ecultura, os anseios do paciente, e proponha, nessesentido, mudanças, traduzidas na forma de acon-

selhamento nutricional, que ao mesmo tempoconsidere o contexto sociocultural da comensali-dade e acrescente a ele propostas novas, substan-

ciais e possíveis de serem executadas no seucotidiano.

Essa concepção prima ainda por uma prá-tica clínica nutricional que incorpore a cultura deconstrução dialógica de guidelines ou protocolosclínico-nutricionais. Assim, os documentos iniciaisdevem ser elaborados pelos profissionais envol-vidos (nutricionistas, nutrólogos entre outros),mas, em seguida, deve ser instituído um proces-so de avaliação e de reelaboração desses do-cumentos pela equipe e por pessoas para quemeles serão direcionados. Essa nova concepção,ainda que inserida no modo de produção ca-pitalista, gravita em torno das proposições dachamada humanização da atenção àsaúde3,4,11,13,15-18,35,46,67,68.

Alvarenga & Scagliusi36 concordam com anecessidade de que o nutricionista amplie suavisão sobre nutrição e desenvolva outras compe-tências na clínica nutricional. Estas autoras advo-gam que o aconselhamento nutricional deve ser

entendido como elemento para educação ali-mentar e nutricional que visa facilitar o cresci-mento do sujeito, sendo uma junção de expertiseem nutrição e outras competências que enfatizemas vivências socioculturais associadas à alimen-tação. Assim, a realização do aconselhamentonutricional deve trazer à luz da prática clínicaampliada memórias e sentimentos do pacienteligados ao comer e à comida (e, por que não, àsua vida?); pautar-se na problematização docomportamento alimentar profissional-paciente,possibilitando a reflexão e escolha de estratégiasnutricionais possíveis e viáveis para o paciente,podendo consistir ainda em processo eficaz eefetivo no que diz respeito às mudanças de práti-cas alimentares e estilos de vida27, 33-36.

Nessa perspectiva, sugere-se que o nutri-cionista tente realizar problematização do com-portamento alimentar do paciente (sujeito) naabordagem clínico-nutricional, de modo que res-peite a sua história de vida e leve em consideraçãoas diretrizes nutricionais e o contexto em que am-bos (nutricionista e paciente) se encontram naelaboração do aconselhamento dietético. Esseencontro deve se pautar ainda por uma relaçãodialógica bidirecional que promova a autonomiado paciente para a coprodução do seu projetodietoterapêutico singular. O estabelecimento dacompetência dialógica na clínica nutricional pos-

sibilita a seus formuladores estarem presentescomo sujeitos e, desse modo, não repetindo prá-ticas, mas formulando-as conjuntamente3,4,35,36,68.

Ao fazer isso, possivelmente, esse profissionalestará abrindo caminhos para maior articulaçãoentre saberes e para a ampliação da humanização

da relação paciente-nutricionista na prática clínicanutricional. Esse modo de atuar pode instigarainda o desenvolvimento de mais estudos sobre

a abordagem das bases teórico-metodológicas danutrição clínica ampliada.

Ressalta-se que a realização do aconselha-mento dietético na prática clínica, pautada pelaproblematização do comportamento alimentar,no diálogo e escuta em suficiência e na articulaçãode saberes, é possível e ao mesmo tempo impres-

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cindível, porque há necessidade de superar mode-los dogmáticos, padronizados, lacônicos, ba-seados, sobretudo, em restrições e normas quepressupõem um comportamento heterônomo dopaciente, e porque existe a possibilidade de plane-jamento e implementação de ações de educaçãonutricional em um processo comprometido coma compreensão da condição humana, consideran-do os valores culturais e os indivíduos como su-jeitos sócio-históricos, além da possibilidade doestabelecimento de uma relação bidirecional entreeducador-educando (nutricionista-pacien-te)33,34,69,70. Freire69 e Morin70 respaldam essasiniciativas que propõem a contextualização dossaberes e sua integração, favorecendo a inteli-gência geral, a problematização além das fron-

teiras disciplinares e a articulação dos conheci-mentos, a autonomia dos sujeitos e a democra-tização na relação educando-educador.

Quanto ao papel do nutricionista comoeducador em alimentação, nutrição e saúde,Santos29 enfatiza a sua importância na formaçãode opinião, condição essencial para a tomada dedecisões por parte do paciente. A autora destacaainda que “o fazer” educação nutricional devecompreender a complexidade da alimentação eos significados que os indivíduos atribuem às suaspráticas alimentares. Esse processo pedagógico--nutricional encontra sustentação nas discussõese reflexões desenvolvidas em várias áreas doconhecimento, em especial nas ciências sociais ehumanas, nas quais são colocadas em evidênciapor aqueles que estudam questões relacionadasao fenômeno alimentar.

De certa maneira, se a nutrição clínica as-sumir o diálogo entre o saber técnico-científico eo saber prático e compreender a importância do

saber dos pacientes na materialização da terapianutricional singular (que transcende o individualdo caso clínico para pensar na rede social e familiarque conforma o sujeito adoecido), poderá haveruma integração entre a tecnociência e a vida ou,como é colocado por Solymos13 e Ayres18, com osprojetos de felicidade dos sujeitos que buscam ocuidado em saúde e nutrição.

C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S

Os pontos aqui abordados, analisadoscuidadosamente, propõem ao leitor pensar queo trabalho do nutricionista clínico, suas dificul-dades e impasses não significam demérito da suaatuação ao longo dessas décadas. São indubi-táveis os avanços conquistados pela categoria nodecorrer desse período e as contribuições conferi-das à melhoria da nutrição, saúde e qualidade devida das pessoas. Entretanto, há muito ainda aavançar. Assim, espera-se poder contribuir paraa mudança do status quo e para a (re)construçãode uma prática clínica nutricional, na qual a incom-pletude sinaliza para a necessidade de trabalharcom a alteridade e a bidirecionalidade das relaçõesna perspectiva de um projeto interdisciplinar ehumano.

Para tanto, são necessárias reformulaçõesdas práticas em nutrição e saúde no sentido dehumanizá-las, de modo que as reflexões provo-cadas no bojo deste ensaio não representem con-tradição quando postas em prática pelo nutri-cionista diante do paciente. Essas reformulaçõesdevem abranger tanto a reelaboração pelas insti-tuições universitárias do currículo dos cursos denutrição e de outros cursos de saúde, de modoque resulte em menor fragmentação do conhe-cimento e maior interdisciplinaridade, perpas-sando pelo aperfeiçoamento docente, bem comodos gestores e profissionais já inseridos no setor;pela reforma dos serviços de saúde; pela melhoriadas condições ocupacionais e da assistência aosprofissionais de saúde; quanto a criação de espa-ços nesses serviços voltados para a reflexão e paraa educação em nutrição e saúde dos usuários epela possibilidade de ampliação do grau de desa-lienação e de transformação do trabalho em pro-cesso criativo e prazeroso.

O uso da expressão “ponto de conti-nuação” na seção cerne deste ensaio tem o obje-tivo de despertar a reflexão do leitor para o fatode que a atuação do nutricionista na perspectivada clínica nutricional ampliada não só pode repre-sentar objeto para novas formulações e estudoscomo também coaduna com os propósitos dos

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novos modos de fazer saúde da Política Nacionalde Humanização da atenção e gestão do SUS,cuja assistência deve se pautar na ampliação do

olhar para o sujeito inteiro; com o entendimentoda complexidade do processo saúde-doença--cuidado; com a utilização de tecnologias como

o acolhimento; com o maior diálogo na relaçãoprofissional-usuário; com a realização da escuta/interpretação da demanda/necessidade do pa-

ciente.

À guisa de reflexões finais, este ensaio nãoobjetiva aceitar ou rejeitar qualquer enunciadode tipo assertivo, mas sugerir ao leitor a análiseda pertinência dos argumentos apresentados ede seu sentido e validade para a prática clínicanutricional na contemporaneidade. Em outraspalavras, a intenção deste trabalho é colocar emrelevo a importância do reconhecimento, por par-

te dos nutricionistas, dos elementos psicobios-socioculturais da alimentação e da comensalidade,tomando-os como base do modelo da nutriçãoclínica ampliada, para incitá-los a aproximar ali-mentação-nutrição e o processo saúde-doençaem uma abordagem interdisciplinar capaz de nãoseparar a racionalidade científica moderna docontexto humano, subjetivo, cultural, social, histó-rico e político.

A G R A D E C I M E N T O S

À nutricionista clínica e professora doutoraRaquel Rocha dos Santos pela leitura crítica do ensaio.Expressamos também nossos sinceros agradecimentosaos pareceristas anônimos pelas preciosas sugestões

que contribuíram para melhorar a qualidade do ensaio.

C O L A B O R A D O R E S

F. DEMÉTRIO concebeu o ensaio, participou darevisão de literatura, da elaboração e da revisão de to-das as etapas do trabalho. J.B. PAIVA participou daelaboração e da revisão do manuscrito. A.A.G. FRÓEScontribuiu com a elaboração de algumas partes dotexto e participou da revisão final do manuscrito.M.C.S. FREITAS revisou criticamente o ensaio e partici-

pou da sua elaboração. L.A.S. SANTOS orientou e revi-sou criticamente o trabalho e colaborou com sua re-

dação.

R E F E R Ê N C I A S

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Recebido em: 4/1/2011Versão final reapresentada em: 3/5/2011Aprovado em:19/7/2011