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A OBRIGATORIEDADE DE PRODUÇÃO DA PROVA DIABÓLICA
PELO RÉU NO ÂMBITO DO PROCESSO PENAL SEGUNDO OS
TRIBUNAIS SUPERIORES
Victor Machado Puppim 1
Sumário: Introdução 1 Da prova 1.1 Teoria da prova 1.2 Conceito de prova 1.3 Distribuição
do ônus da prova 2 Da prova diabólica 2.1 Conceito e nomenclaturas de prova diabólica 2.2
Características da prova diabólica 3 A prova diabólica nos Tribunais Superiores 3.1
Posicionamento dos profissionais do Direito entrevistados 3.2 Posicionamento dos Tribunais
Superiores sobre o tema Conclusâo.
RESUMO
Neste artigo será abordada a posição dos Tribunais, em especial o Pretório Excelso, quanto à
imposição ao réu de provar determinado fato em que o mesmo alegou, porém, possui um alto
teor de dificuldade para ser provado, tentando assim responder: Qual tem sido o
posicionamento dos Tribunais Brasileiros quanto à exigência de que o acusado produza a
prova “diabólica” para provar determinado fato? Para tanto será utilizado o método
exploratório de pesquisa, com a apresentação de jurisprudências e entrevistas dos
profissionais do Direito, chegando à conclusão de que, no atual panorama da jurisprudência
brasileira, não se obriga ao réu a produção de determinada prova impossível sua produção, ou
seja, deverá prevalecer o principio da inocência ao ônus probante distribuído pela lei
processual.
Palavras chave: Prova Diabólica. Presunção de Inocência. Supremo Tribunal Federal.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem o objetivo de analisar qual tem sido o posicionamento dos Tribunais
Superiores sobre a quem deve recair o ônus probante quando é alegado um fato negativo, ou
seja, quando se alegar um fato que para ser provado é necessário a produção de uma prova
diabólica.
Prescinde-se a tentativa de dar maior importância à prova no direito brasileiro, esta já nasceu
com sua devida importância, afinal, como no brocado jurídico, “fato alegado e não provado, é
fato inexistente”.
1 Advogado, bacharel em Direito. Pós-graduado em Direito Público pela UNESA e Professor de Direito
Ambiental pelo Estado do Espírito Santo.
Não é novidade que, em um Estado de Direito, onde o sistema adotado é o acusatório - já na
fase processual, é claro, a prova possui importantíssimo papel, o que sem ela, impossível seria
levar o sujeito que detém a Jurisdição à condenação de outra pessoa.
Sabe-se que o principal objetivo da prova, é demonstrar ao julgador o que realmente
aconteceu no fato narrado, deve-se através da prova se demonstrar a verdade real.
Porém, em alguns casos, dificílima é a obtenção de tais provas, uma vez que a realização
desse fato gerador não dependeu do acusado ou até mesmo do acusador, mas de forças alheias
à sua vontade.
Tais tipos de prova, justamente pela dificuldade em obtê-las recebeu o nome de parte da
doutrina de prova diabólica, devil’s proof ou probatio diabólica, sendo este então o objeto do
presente estudo, ou seja, tentar indicar qual tem sido a posição da jurisprudência brasileira
sobre a obtenção de tal prova, a quem cabe prova-la ou se esta é dispensada do procedimento
penal.
Desta forma, o problema de pesquisa deste artigo visa a responder a indagação: Qual tem sido
o posicionamento dos Tribunais Brasileiros quanto à exigência de que o acusado produza uma
prova “diabólica” para provar determinado fato?
Assim, dispensam-se comentários à importância da prova no direito brasileiro, em especial no
processual penal.
Porém, quando o assunto é a probatio diabólica, mister se faz acrescentar à importância
natural da prova, o fator da não previsão deste dispositivo nos cursos, manuais, compêndios,
tratados ou qualquer outro tipo de doutrina, bem como a imprevisão na legislação penal,
motivo pelo qual fica evidenciada a justificativa deste trabalho, que é a de proporcionar ao
labor jurídico, seja ele acadêmico ou profissional a obtenção de informações sobre este
instituto.
Vale destacar que tal assunto não se faz imprescindível o seu conhecimento apenas no meio
jurídico, devendo a sociedade também ter o direito de conhecê-lo, uma vez que com a
globalização mundial cada vez mais aflorada, maior fica a repercussão de casos penais no
leito da sociedade.
Portanto, este trabalho se é importante como consulta e pesquisa jurídica tanto no meio do
Direito como no meio leigo à norma jurídica, motivo pelo qual tentará ser abordado de forma
didática e reunir o maio número de jurisprudências e trabalhos que tratam do assunto.
Visando uma melhor exteriorização dos dados colhidos e da pesquisa realizada, será abordada
neste artigo a matéria processual penal referente às provas, desde sua teoria geral até a matéria
específica da prova diabólica, demonstrando os diversos nomes que lhe são dados pela
Doutrina, seus conceitos, bem como colocar em embate os principais princípios
constitucionais e legais atinentes à matéria probatória, a demonstração de qual tem sido o
posicionamento adotado pelos Tribunais Superiores sobre a exigência da produção de tais
provas e qual é o posicionamento dos profissionais do Direito sobre a interpretação dada pelos
Tribunais à aludida obrigatoriedade.
Para tanto, o tipo de pesquisa utilizado será o exploratório através da colheita dos dados
jurisprudenciais e doutrinários já citados, utilizando para tanto pesquisa documental, através
da colheita dos principais julgados dos Tribunais pátrios, mas principalmente realizando o
embate entre as opiniões doutrinarias diversas umas das outras, bem como a utilização de
levantamentos através de entrevistas com os operadores jurídicos de todos os lados da
demanda, proporcionando assim, uma aproximação mais direta com o assunto, podendo ser
abordadas as indagações que a simples colheita de jurisprudência não as elucida.
Visando um amparo basilar é que será utilizada ainda a pesquisa bibliográfica, para o
conhecimento e a conceituação de itens indispensáveis à pesquisa, visando sempre à
explicitação didática do resultado alcançado.
1 DA PROVA
Tendo em vista que o trabalho é endereçado tanto para atuantes na seara jurídica como para
leigos, é importante que se apresente uma base introdutória e objetiva do tema atinente às
provas penais processuais antes de entrar no problema principal do artigo, sendo este a
finalidade do presente capítulo.
1.1 TEORIA DA PROVA
A prova, em qualquer processo, seja ele administrativo ou judicial, e neste último, em
qualquer de seus ramos, como criminal, cível, tributário e outros possui apenas um objetivo
claro, qual seja, a reconstituição dos fatos ocorridos visando convencer o juiz, para que o
mesmo possua fundamentos no momento de expor seu convencimento, que como se sabe,
deve ser sempre motivado, neste sentido leciona o professor Eugênio Pacelli:
A prova judiciária tem um objetivo claramente definido: a reconstrução dos fatos
investigados no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade
histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço
e no tempo. A tarefa, portanto, é das mais difíceis, quando não impossível: a
reconstrução da verdade. (PACCELI, 2012, p.341)
Portanto, diante de tal importância do instituto, mister a demonstração da normatização da
forma como serão os fatos provados em juízo, mais estritamente, os direitos que possuem os
acusados no processo penal, objeto do presente estudo, de se manifestarem no procedimento
em que são acusados da imputação de determinado crime.
Entre tais direitos, não podem passar despercebidos o direito ao contraditório e à ampla
defesa, ambos garantidos constitucionalmente no artigo 5º, inciso LV da carta, verbis:
Art. 5º [...]
[...]
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral
são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela
inerentes; (BRASIL, 1988)
O contraditório, segundo a doutrina moderna, possui hoje dois sentidos. Num primeiro
momento o princípio do contraditório garante ao acusado o direito de apresentar sua versão
aos fatos que lhe são imputados, sendo assim, poderá se manifestar acerca de qualquer prova
juntada aos autos. Já em um segundo momento, essa sim um novo tentáculo do aludido
princípio, menciona que ao acusado no processo penal é garantido não só o direito de
resposta, mas que esse direito de resposta seja dado em mesma proporção de armas que é
dado à acusação.
Em melhores palavras é o que ensina Pacelli:
O contraditório, então, não só passaria a garantir o direito à informação de qualquer fato ou alegação contrária ao interesse das partes e o direito à reação (contrariedade)
a ambos – vistos, assim, como garantia de participação -, mas também garantiria que
a oportunidade da resposta pudesse se realizar na mesma intensidade e extensão. Em
outras palavras, o contraditório exigiria a garantia de participação em simétrica
paridade (2012, p. 46).
Por sua vez, o principio da ampla defesa, garante ao Acusado todas as formas de defesas
existentes no direito brasileiro, além do que, também garante ao Réu a possibilidade de
sempre se pronunciar após a acusação, garantindo assim que sempre tenha conhecimento dos
fatos que lhe são imputados.
No mesmo sentido é o que leciona o renomado autor Fernando Capez:
A ampla defesa implica o dever do Estado proporcionar a todo acusado a mais
completa defesa, seja pessoal, técnica, e o de prestar assistência judiciária integral e
gratuita aos necessitados. Desse princípio também decorre a obrigatoriedade de se
observar a ordem natural do processo, de modo que a defesa se manifeste sempre em
último lugar (2009, p. 77).
Sendo assim, esclarecida toda a importância do instituto jurídico em análise, faz-se necessário
conhecer o conceito doutrinário da prova.
1.2 CONCEITO DE PROVA
Em que pese o conceito de prova ser objeto de estudo para trabalhos diversos, tendo em vista
a importância de sua hermenêutica para o mundo jurídico, não é a intenção deste trabalho
esgotar, nem tão pouco passar despercebido pelo mencionado assunto, motivo pelo qual, será
realizada breve cognição acerca do tema.
Explicando de forma genérica, abrangendo o conceito de prova para todas as esferas do
direito, Plácido e Silva, esclarece:
Do latim proba, de probare (demonstrar, reconhecer, formar juízo de), entende-se,
assim, no sentido jurídico, a denominação, que se faz, pelos meios legais, da
existência ou veracidade de um fato material ou de um ato jurídico, em virtude da
qual se conclui por sua existência do fato ou ato demonstrado. A prova consiste,
pois, na demonstração de existência ou da veracidade daquilo que se alega como
fundamento do direito que se defende ou se contesta (1997, p.639).
Trazendo um conceito básico, destinado às academias jurídicas, Capez leciona que prova é tão
somente o ato processual que tem como finalidade compor o livre convencimento motivado
do Magistrado, em suas palavras:
Do latim probatio, é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz (CPP, arts.
156, 2ª parte, 209 e 234) e por terceiros (p. ex., peritos), destinados a levar ao
magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade
ou veracidade de uma afirmação. Trata-se portanto, de todo e qualquer meio de
percepção empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma
alegação (2009, p. 322).
Portanto, percebe-se que a prova é um dos institutos que possuem maior importância no
Direito Processual Penal, tendo em vista, que será ela a responsável por trazer à tona qual das
partes na relação processual que é assistido pela razão.
Elmir Duclerc, em sua obra que relaciona a prova penal ao garantismo, conecta diretamente a
prova penal à norma, trazendo interessante conceito, entendendo ser a prova, ao lado da norma
duas responsáveis por trazer à relação processual as informações necessárias ao seu desfecho:
A prova seria uma mensagem descritiva, ou seja, com a finalidade precípua de
informar. Norma e prova, assim, seriam duas grandes fontes de informação,
prescritiva e descritiva, tendentes a compor um verdadeiro universo lingüístico em
que estaria mergulhado o juiz no momento da tomada de decisão (2004, p. 23).
Conectando e dialogando entre os conceitos aqui expostos pode-se entender que prova seria
então o conjunto de atos processuais praticado por qualquer das partes, que tenha como
finalidade, ao lado da norma, informar e levar ao magistrado a convicção necessária para que
dê a solução mais adequada ao caso concreto.
1.3 DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA
Conforme a simples leitura do artigo 156 do Código de Processo Penal, o ônus da prova
incumbe a quem a alegar:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao
juiz de ofício
I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas
consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e
proporcionalidade da medida;
II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de
diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (BRASIL, 1941)
Portanto, assim como assevera Capez, cabe provar a quem tem interesse em afirmar.
A constitucionalidade da faculdade dada ao magistrado para antecipar provas antes mesmo da
propositura de ação Penal, ou mesmo durante o seu trâmite, apesar de extremamente
importante, deverá ser tratada em trabalho diverso.
Em que pese o próprio Código de Processo Penal informar que cabe a produção de prova a
quem realizar a afirmação, ao acusado litigante em processo criminal é garantido a presunção
de inocência, uma vez que “ninguém poderá ser considerado culpado senão após o trânsito em
julgado da sentença penal condenatória”.
Portanto, surge aqui uma notória e importante divergência entre o Codex Adjetivo Penal e a
Carta Magna de 1988, já que pelo primeiro, as provas no procedimento deverão ser
produzidas e apresentadas em juízo por aquele que afirmar determinado fato. Entretanto, a
Constituição Federal implica a transferência de todo o ônus probatório ao órgão da acusação,
através do principio da presunção de inocência.
O principio da presunção de inocência, que se aplica integralmente à prova, e especialmente
sobre o ônus da prova, surgiu no Direito Romano e deixou de ser usado pela humanidade por
toda a época inquisitória do direito, sendo retomado com a chegada do Estado Democrático de
Direito, como enaltece Madeira:
O Estado somente se impõe legítimo quando reconhece a existência de direitos às
pessoas, entre os quais, o fundamental de ter o seu status de inocente garantido até o
trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória.
Importa observar que na vida do cidadão tal princípio implica em pelo menos, quatro funções básicas: limitação à atividade legislativa, critério condicionador das
interpretações das normas vigentes, critério de tratamento extraprocessual em todos
os seus aspectos e obrigatoriedade de o ônus da prova da prática de um fato
delituoso ser sempre do acusador. (2009, p. 99)
Assim, detrai-se das três acepções do princípio, mas em especial da última apresentada, que
todo o ônus da prova da autoria de determinado fato criminoso caberia à acusação.
Eugênio Pacelli, esclarece o tema de forma brilhante, afirmando que:
Cabe assim, à acusação, diante do princípio da inocência, a prova quanto à materialidade do fato (sua existência) e de sua autoria, não se impondo o ônus de
demonstrar a inexistência de qualquer situação excludente da ilicitude ou da
culpabilidade. Por isso, é perfeitamente aceitável a disposição do artigo 156 do CPP,
segundo a qual “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”. ( 2012, p. 351)
Portanto, restado esclarecido todo o tema atinente à teoria geral da prova, com o objetivo de
se obter um maior conhecimento ou acionar a memória do leitor, passa-se a analisar o tema
principal do presente trabalho, qual seja, a obrigatoriedade – ou ônus – da produção da prova
diabólica.
2 DA PROVA DIABÓLICA
Devidamente explicitada a teoria geral da prova, como o nome já diz, atinente a todo meio
probatório, o capítulo presente visa se aprofundar na conceituação e esclarecimento do termo
“prova diabólica”, esclarecendo ainda mais a importância constitucional e processual penal do
tema.
2.1 CONCEITO E NOMENCLATURAS DE PROVA DIABÓLICA
Conforme leciona a doutrina mais moderna sobre o assunto, a prova diabólica pode ser
entendida como aquela em que se busca a formar a convicção do magistrado em referência a
fatos impossíveis, ou seja, aqueles em que há um excesso de dificuldade em conseguir ser
provado.
Segundo Daniela Yoshikawa, desta vez, a tratar do Direito Processual Civil, indica que a
prova diabólica “é a chamada prova impossível ou excessivamente difícil de ser produzida,
como a prova de fato negativo. A prova diabólica existe muito na prática e fez a doutrina do
ônus da prova ser repensada” (YOSHIKAWA, 2010).
Se no âmbito do Processo Civil, onde o processo é marcado por uma igualdade entre as partes
litigantes, sem ser garantido a nenhum deles a prévia presunção de estar com a razão, a
responsabilidade do ônus da prova diabólica já ganha seus contornos de importância, o que
dirá no Processo Penal, que regulamenta a aplicação da pena privativa de liberdade,
conceituada como a ultima ratio, por parte do estado aos particulares, ou seja, é o último
recurso do estado para (tentar) manter a ordem social e punir os sujeitos que não cumprem o
que a lei determina, devendo ser utilizado apenas quando não for possível atingir tais
objetivos por outras esferas do direito.
Portanto, como já explicitado a prova diabólica nada mais é do que aquela que possui um alto
grau de dificuldade para ser produzida, ou seja, pretende provar um fato que dificilmente ou
jamais conseguirá ser provado.
Outros nomes que a doutrina e jurisprudência utiliza para identificar a prova diabólica são
suas pronúncias em outras línguas oficiais, como devil’s proof (no ingês) e probatio diabólica
(do latim), e outras também na língua portuguesa, como prova impossível ou prova negativa.
2.2 CARACTERÍSTICAS DA PROVA DIABÓLICA
Como já exposto, os fatos no processo penal deverão ser provados por aquele que os alegar.
Assim, tentará se demonstrar como então deve proceder o Acusado para provar um fato
negativo, que não passa do plano abstrato.
Para explicar a problemática, Bruno Cabral, exemplifica um caso patente de necessidade de
produção de prova diabólica:
O princípio da impossibilidade da prova negativa baseia-se nos ensinamentos do
direito canônico de que somente o Diabo poderia provar um fato negativo. Dessa
forma, deve-se afastar a chamada “probatio diabolica”. Tal ideia fundamenta-se na
seguinte situação: uma testemunha pode assegurar que não viu um réu cometer um
crime. No entanto, é praticamente impossível que a mesma testemunha afirme que o
réu nunca cometeu um crime (prova negativa, impossível ou diabólica). (2011).
Outro exemplo capaz de ilustrar a ocorrência da prova impossível, é no caso da necessidade
do réu provar que não foi intimado para praticar determinado ato processual, ou em caso mais
corriqueiro, que um sujeito deixou de receber a conta de luz para pagar em determinado mês.
Nesses casos, é importante observar como deve se comportar o magistrado quando estiver
diante de uma prova cabal ao processo e esta ser excessivamente difícil de ser produzida.
Assim, deverá exigir do Acusado a produção da mesma, ou tendo por base a aplicação do
principio da presunção de inocência, poderá considerar o fato como efetivamente ocorrido,
desnecessitando o acusado de apresentar provas.
Desta maneira, antes de se atentar para o posicionamento e orientações adotadas pelos
Tribunais Superiores, é indispensável que fique claro a diferença entre o princípio até agora
estudado, qual seja, o da presunção de inocência da chamada não consideração prévia de
culpabilidade.
A respeito desta distinção, Badaró apud Madeira afirma:
Na doutrina italiana prevaleceu, inicialmente, a posição de que a condição de não
culpável de quem deve ser julgado não se identifica com a presunção de inocência.
Contudo, nunca se conseguiu delimitar em que consistia a distinção, isto é, em que o
conteúdo da presunção de não culpabilidade seria diferente do da presunção de
inocência. As expressões inocente e não culpável constituem somente variantes
semânticas de um idêntico conteúdo. Justamente por ser inútil e contraproducente a
tentativa de apartar ambas as ideias – se é que isso é possível – é que se passou a
postular a equivalência de ambas as fórmulas. (2009,p. 168)
O que se extrai, portanto, dos ensinamentos de Badaró, é que na realidade, o principio da
presunção de inocência e da não culpabilidade na realidade possuem o mesmo significado,
aplicando-se todos os quatro sentidos dados ao primeiro – já apresentado, também ao
segundo.
Ainda sobre o princípio da presunção de inocência, há dúvidas sobre sua similitude com o in
dubio pro reo, os quais não se podem confundir, uma vez que, o primeiro é aplicado tanto na
esfera processual como material, e o segundo é aplicado apenas na área processual do direito
criminal, em que pese, ambos serem espécies do gênero favor rei.
3 A PROVA DIABÓLICA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES
Longe de se tentar esgotar toda a matéria atinente à conceituação, demonstração e
exemplificação da prova negativa, faz-se necessária continuar a marcha deste artigo, visando
alcançar neste capítulo o esclarecimento da posição adotada pelos Tribunais Superiores
quando se encontram diante de um caso de produção da prova impossível para esclarecer
determinado ato, bem como a opinião dos profissionais sobre a posição que ocupa os
Julgadores acerca do tema.
3.1 POSICIONAMENTO DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO ENTREVISTADOS
Após a colheita das duas entrevistas realizadas com os advogados Hélio Maldonado e Rodrigo
Conholato, detrai-se que realmente é comum o surgimento das provas diabólicas ao longo da
persecução criminal, e que não se deve, em linhas gerais, impor ao réu o ônus probatório de
tais provas impossíveis, tendo em vista alguns direitos constitucionais em que possui.
Num primeiro momento, ao ser perguntado para os profissionais se seria comum o surgimento
de fatos negativos durante o processo penal, constatou-se que realmente é corrente a aparição
desses fatos, ficando por diversas vezes, quando de sua existência, o réu em situação
desfavorável.
Foi citado pelo primeiro entrevistado um caso curioso e que exemplifica muito bem o instituto
aqui tratado. Cuida-se de processo que visava julgar acusado, jovem de 18 anos, do crime de
estupro de vulnerável, atuando como vítima sua namoradinha de 13 anos.
Nos autos, a tese defensiva, que foi acolhida quando da prolação da Sentença, visava sustentar
erro de tipo, uma vez que o réu desconhecia que a menina possuía menos de 14 anos de idade,
configurando assim uma excludente de culpabilidade.
Inegável que é exigência da produção da prova diabólica para demonstrar tal fato, uma vez se
tratar de matéria subjetiva à consciência do sujeito, que desconhecia a verdadeira idade da
menina.
Ao responderem à segunda questão, que indagava o entrevistado sobre sua posição acerca da
obrigatoriedade do réu à produção da chamada prova impossível, os profissionais entenderam
que tendo em vista direitos constitucionais, não deveria ser imposto ao réu tal dever
processual.
Em resposta que transborda à questão, o primeiro entrevistado, fundamentou para tanto sua
posição no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, inciso que traz a nós o princípio da
legalidade, informando que em nenhum momento o Código Processual Penal indica tal
obrigação ao réu.
Em terceira e última indagação proposta aos entrevistados, que desafiava que respondessem
os mesmos sobre sua opinião acerca da possível violação do devido processo legal ou da
presunção de inocência, quando obrigado o réu à produção da prova negativa, também
acompanhando o entendimento dos Tribunais, entenderam que caso seja aplicada alguma
sanção processual ao réu em caso de não produção da aludida prova, violado estaria o
princípio da não culpabilidade.
Mais uma vez, em brilhante esclarecimento, o primeiro entrevistado ainda arrematou:
E mais, verificando o julgador, quando da emissão da sentença, a presença de fato negativo na tese defensiva do réu, poderá o mesmo aplicar a regra da distribuição
dinâmica do ônus da prova, transferindo para a acusação, que justamente representa
o aparato estatal, o ônus de “desafirmação” do fato alegado pela defesa.
Isto posto, constata-se que, pelo menos quanto aos operadores do direito entrevistados, é
impossível que seja o réu obrigado à produção da Prova Impossível que vise demonstrar
determinado fato negativo.
3.2 POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES SOBRE O TEMA
Conforme os julgados encontrados sobre o tema, nos Tribunais Superiores, percebeu-se uma
grande disparidade de opiniões, ou seja, ainda não há uma corrente jurisprudencial pacifica
acerca do tema, principalmente quando tratou-se de julgados da matéria processual civil.
Quanto à obrigatoriedade da prova diabólica, no âmbito do Direito Processual Penal, percebe-
se que os Ministros que já tiveram a oportunidade de se manifestar sobre o tema, na maioria
dos casos preferiram abrir mão dos deveres processuais da parte de provar aquilo que alegar,
em prol do principio constitucional da presunção de inocência.
A Ministra Nancy Andrighi, ao julgar um Agravo Regimental num Recurso Especial, n°
AgRg no REsp 1187970 SC 2010/0061260-2, ou seja, matéria predominantemente processual
civil, entendeu ser um excesso de formalismo desnecessário exigir a produção da prova
diabólica. (BRASIL, STJ, 2010)
No aludido caso, a agravante requeria que a parte agravada provasse que deixou de ser
intimada da decisão que gerou o Agravo de instrumento, caracterizando assim um fato
negativo.
Como mencionado, a Ministra além de classificar a produção da prova do fato negativo como
diabólica, preferiu afastar o ônus de quem alegava tal fato, tendo em vista a excessiva
dificuldade em se obter a mencionada demonstração probatória, eis a ementa do julgado:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE
INSTRUMENTO. PEÇA OBRIGATÓRIA. CERTIDÃO DE INTIMAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. FORMALISMO EXCESSIVO. PROVA DIABÓLICA.
MEIO DIVERSO DE VERIFICAÇÃO DA TEMPESTIVIDADE. NOTIFICAÇÃO
EXTRAJUDICIAL. POSSIBILIDADE.
1 - Em homenagem ao princípio da instrumentalidade, a ausência da certidão de
intimação da decisão agravada pode ser suprida por outro instrumento hábil a
comprovar a tempestividade do agravo de instrumento.
2 - Exigir dos agravados a prova de fato negativo (a inexistência de intimação da
decisão recorrida) equivale a prescrever a produção de prova diabólica, de dificílima
produção. Diante da afirmação de que os agravados somente foram intimados acerca
da decisão originalmente recorrida com o recebimento da notificação extrajudicial,
caberia aos agravantes a demonstração do contrário. 3 - Dentro do contexto dos deveres de cooperação e de lealdade processuais, é
perfeitamente razoável assumir que a notificação remetida por uma das partes à
outra, em atenção à determinação judicial e nos termos da Lei 6.015/73, supre a
intimação de que trata o art. 525, I, do CPC. (BRASIL,STJ, 2010).
Desta vez, já na seara processual penal, objeto do presente estudo, em interessante caso, que
foi de Relatoria do Excelso Ministro Ayres Brito, em um Habeas Corpus nº HC 103.094 / SP,
em que o paciente estava preso acusado do crime de tráfico de drogas, ainda quando o
procedimento de julgamento de tais infrações era regido pelas leis 6.368/1976 e 10.409/2002,
o Magistrado do juízo competente para o julgamento deixou de observar o artigo 38 da lei
10.409/02, ou seja, não concedeu prazo para que o acusado oferecesse defesa prévia.
A defesa requeria a anulação de todo o processo, argumentando que, caso fosse aberto prazo
para oferecimento de defesa prévia, a denúncia sequer teria sido recebida, configurando
assim, afronta à ampla defesa. O Ministério Público por sua vez emitiu parecer no sentido de
que não teria o paciente preenchido o princípio do pas de nullité sans grief, o qual determina
que para se arguir uma nulidade absoluta é necessária a demonstração de prejuízo à parte.
Decidiram os Ministros, por unanimidade, dar provimento ao writ, citando outro julgado do
STF, sob o fundamento de que em casos como aquele, seria impossível a produção da prova
do prejuízo, uma vez que o ato judicial sequer aconteceu – qual seja, a possibilidade de se
manifestar antes do recebimento da Denúncia, configurando assim legítima prova diabólica,
eis a ementa:
HC 84.835. HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE
ENTORPECENTES, PRATICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS 6.368/1976 E 10.409/2002. OPÇÃO DO JUÍZO PROCESSANTE PELO RITO DA LEI
6368/1976. INOBSERVÂNCIA DO ART. 38 DA LEI 10.409/2002. NULIDADE
ABSOLUTA. DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. PROVA IMPOSSÍVEL.
PREJUÍZO PRESUMIDO. NULIDADE QUE NÃO É DE SER SANADA PELA
PRECLUSÃO. ORDEM CONCEDIDA.
1. A ausência de oportunidade para o oferecimento da defesa prévia na ocasião
legalmente assinalada revela-se incompatível com a pureza do princípio
constitucional da plenitude de defesa, mormente em matéria penal. A falta do
alegado requisito da defesa prévia à decisão judicial quanto ao recebimento da
denúncia, em processo penal constitucionalmente concebido como pleno, deixa de
sê-lo. A ampla defesa é transformada em curta defesa, ainda que por um momento, e já não há como desconhecer o automático prejuízo para a parte processual acusada.
Precedentes.
2. O Supremo Tribunal Federal tem se posicionado pela necessidade de
demonstração do prejuízo para a defesa, mesmo nos casos de nulidade absoluta.
Todavia, esse entendimento só se aplica quando é logicamente possível a prova do
gravame.
3. Em casos como o presente, é muito difícil, senão impossível, a produção da prova
do prejuízo. Pelo que o recebimento da denúncia e a condenação dos pacientes
passam a operar como evidência de prejuízo à garantia da ampla defesa (BRASIL,
STF, 2005).
Enfim, o que é importante de destaque no presente julgado, é que se trata de julgamento de
Habeas Corpus em que foi admitida tese de inobservância da obrigatoriedade de prova
diabólica, num procedimento em que um dos, se não o principal requisito é a exigibilidade de
existência de prova pré-constituída, por não ser possível a produção de prova em seu curso, ou
seja, mesmo num procedimento especial em que a decisão do magistrado é baseada em provas
pré-existentes, fora admitido pelo Excelso que nesses casos, efetivamente não é necessário a
demonstração de prova impossível.
Sendo assim, exemplificados os dados colhidos, necessário se faz apresentar os números
finais da pesquisa.
Entre diversos julgados que apresentaram o tema, apenas 13 traziam como cerne principal a
problemática da prova diabólica para ser efetivamente decidida pelo Pretório Excelso, desses
13 julgamentos, apenas 7 eram provenientes de processos criminais, que é o objeto do
presente artigo.
Dos processos penais julgados que foram selecionados, todos admitiam que diante de um caso
de prova excessivamente de ser produzida, deve a autoridade judicial abrir mão da
obrigatoriedade da produção de prova pela parte que alegar determinado fato, em prol do
princípio da presunção de inocência, ou seja, ao colocar em confronto alguns requisitos do
due processo of law levando em conta os direitos e deveres do acusado, optou-se por
assegurar a vantagem da dúvida ao réu.
CONCLUSÃO
Assim, como foi abordado no primeiro capítulo deste trabalho, a prova possui como objetivo
a busca pela verdade dos fatos, e deve ser obrigatória à acusação quando se tratar de buscar
provar a autoria e materialidade dos fatos e obrigatória ao réu quando tiver como objetivo
provar alegações feitas por si próprio, como excludentes de ilicitude ou de punibilidade.
Pelos estudos realizados no segundo capítulo, que tratou exclusivamente sobre o instituto da
Prova Diabólica, percebeu-se sua importância no direito brasileiro, principalmente após a
exposição do conceito da prova diabólica que nada mais é aquela prova que tenta demonstrar
ao detentor da jurisdição a verdade de um fato, que é excessivamente difícil de ser provado.
Também se colocou em xeque a relação entre o princípio da inocência e demais princípios
constitucionais em face da distribuição probatória proposta pelo artigo 156 do Código de
Processo Penal.
Diante da patente contrariedade dos institutos, percebe-se através das jurisprudências
coletadas, que o Supremo Tribunal Federal, vem deixando de adotar a ortodoxia da
distribuição do ônus probante penal para dar maior ênfase aos aludidos princípios
constitucionais, uma vez que, o processo penal brasileiro, através do contraditório, ampla
defesa e do principio da inocência é criado e constantemente modificado como uma garantia
ao Acusado contra as arbitrariedades do Estado, e não deste em desfavor do primeiro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 16. Ed. São Paulo: Atlas, 2012.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 19. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
TÀVORA. Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 7ª. Ed. Salvador: JusPodivm, 2012.
POLASTRI. Marcello. A Prova Penal de Acordo com a Reforma Processual Penal. 3ª. Ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
MADEIRA, Guilherme. Da Prova Penal. 1ª. Ed. Campinas: Millenium, 2008.
Duclerc, Elmir. Prova Penal e Garantismo. 1ª. Ed. Rio de Janeio: Lumen Juris. 2004.
SILVA, De Plácido E. Vocabulário Jurídico. 17. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
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BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:
Senado Federal, 1988.
BRASIL. Código de Processo Penal. Brasília: Senado Federal.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AgRg no REsp 1187970/SC, Rel.
Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe
16/08/2010.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 88.801-1/SP, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence,
Primeira Turma, Julgado em 06/06/2006, DJe 08/09/2006.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ROc no HC 85.443-5/SP, Rel. Ministro
SEPÚLVEDA PERTENCE, PRIMEIRA TURMA, Julgado em 19/04/2005, DJe 13/05/2005.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 99.330/ES, Rel. Ministra ELLEN GRACIE,
SEGUNDA TURMA, Julgado em 16/03/2010, DJe 23/04/2010.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 80.799-2/RJ, Rel. Ministro NÉRI DA SILVEIRA,
SEGUNDA TURMA, Julgado em 15/05/2001, DJe 15/03/2002.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC 54.742/SP, Rel. Ministro LEITÃO DE ABREU,
SEGUNDA TURMA, Julgado em 19/10/1976.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RExt 57.613/PR, Rel. Ministro CÂNDIDO HORTA,
PRIMEIRA TURMA, Julgado em 09/03/1965.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 103.094/SP, Rel. Ministro AYRES BRITTO,
SEGUNDA TURMA, Julgado em 02/08/2011, DJe 09/02/2012.
APENDICE A – ENTREVISTAS COM PROFISSIONAIS DO DIREITO
Doutor Hélio Deivid Amorim Maldonado, Advogado, inscrito na OAB sob o número 15.728:
1. O princípio da presunção de inocência, esculpido no art. 5, LVII, da CF, erige-se como viga
mestra no processo penal, somente podendo ser ´´considerado culpado o acusado quando do
trânsito em julgado da sentença penal condenatória``.
Assim, o princípio, espécie de norma constitucional, é dotado de imperatividade, além de
função fundamentadora, interpretativa e integrativa do sistema jurídico infraconstitucional.
Assim, no corpo do CPP, na dição do art. 156, está fixada a regra da distribuição do ônus da
prova no processo penal.
Ao a norma dizer que ´´a prova da alegação incumbirá a quem fizer``, é claro que seu
fundamento de validade é extraído do princípio da não culpabilidade.
Isso porque, sendo (ordinariamente), nos termos do art. 129, I, da CF, o MP o titular da ação
penal, figurará o mesmo com parte autora da persecução criminal.
Logo, incumbirá a acusação provar o fato processual veiculado na Denúncia.
Seguindo, pela regra do art. 41 do CPP, a denúncia deve trazer a ´´exposição do fato
criminoso, com todas as suas circunstâncias`` e ´´classificação do crime``.
Então, em seu aspecto formal, a denúncia deve conter a exposição pormenorizada do
acontecimento histórico e sua subsunção a um tipo legal.
Cabe ressaltar que a incursão em dado tipo penal traz a responsabilidade para a acusação
descrever na denúncia não somente a ação nuclear do crime, mas também suas elementares,
sob pena de inépcia.
E mais, tendo o nosso CP adotado a teoria finalista da ação, a qual inclui o elemento subjetivo
do crime (dolo ou culpa) no próprio tipo penal, também cabe ao órgão de persecução apontar
o elemento anímico na conduta do acusado.
Exatamente todo esse conteúdo da denúncia é de responsabilidade da acusação, pelo critério
estático do ônus da prova estabelecido no art. 156 do CPP.
Já para o acusado, também pelo art. 156 do CPP, restará o ônus de provar aquilo que por si
alegado, em sua peça de resposta à acusação, prevista no art. 396-A do CPP, fase que poderá
produzir e postular toda a prova necessária e cabível à comprovação de sua tese defensiva.
Veja-se que, agora tomando a função interpretativa do princípio da não culpabilidade, deve-se
entender que o fato alegado pelo réu, sobre o qual vai recair o ônus probatório, é referente
aquele que não afirmado na denúncia.
A esse respeito, havendo defesa de mérito direta, na qual o acusado nega a descrição do fato
tal como feito pela denúncia, o ônus da prova permanecerá com a acusação.
Se contudo, mesmo em relação ao fato criminoso, se o acusado o descreve de forma diversa,
como atribuindo autoria a outrem, competirá ao mesmo tal prova.
Do mesmo modo, realizada defesa de mérito indireta, reconhecido o fato pela defesa, mas
arguida causa de excludente de ilicitude ou culpabilidade, o ônus de tal prova será de
responsabilidade do acusado.
É justamente em torno de tal sistemática que surge a incumbência para o acusado de realizar
prova de fato negativo, sendo este aquele de difícil comprovação. Leia-se, provado por meio
de prova diabólica (impossível de ser realizada).
É claro que pela persecução criminal visar punir e reprimir fatos sociais, naturalmente,
existem situações de necessidade do acusado demonstrar fato negativo através de prova
diabólica.
Citamos como exemplo prática um dado processo crime em que atuamos, na Comarca de
Viana, onde era atribuído ao acusado a prática de infração ao crime disposto no art. 217-A do
CP (estupro contra vulnerável).
O caso revolvia um namoro de 03 meses entre um rapaz de 18 anos e uma mocinha de 13, que
em seu final, foi consumado por uma relação entre o casal.
A tese defensiva girava em torno do consentimento da menor e, ao que nos aqui interessa, no
erro sobre elemento do tipo, a teor do art. 20 do CP. Em linhas gerais, que o acusado
acreditava que sua namorada tinha mais de 14 anos.
Então, trazendo o panorama jurídico alhures explicitado para o caso concreto, fora
reconhecido o fato, mas apresentada causa de exclusão de culpabilidade, transferindo a
responsabilidade probatória para o réu.
E por justamente ser apresentada causa de exclusão de culpabilidade, relacionada ao fato de
que, pelas circunstâncias da relação amorosa firmada, estava o réu a crer que sua namoradinha
tinha mais de 14 anos, circunstância exatamente elementar do tipo penal tratado.
Chamamos a atenção que a prova de tal fato é extraída do amago do acusado, pois para
confirmação da tese, deveria haver prova da não ciência por parte do acusado da condição de
menor de 14 anos de sua namoradinha.
Trata-se de clara situação de prova negativa. Ou seja, de difícil ou mesmo impossível
comprovação.
2. Primeiramente, pelos termos do art. 5º, II, da CF, ´´ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei``.
A atribuição de ônus probatório, na forma do art. 156 do CPP, é apenas e tão somente regra de
distribuição do ônus da prova, que, uma vez não realizada, submeterá a parte a possível
consequência processual.
Não existe a possibilidade de obrigar o acusado a realizar uma dada prova de fato negativo,
como respeito à garantia fundamental estabelecida no art. 5º, II, da CF.
Há apenas e tão somente a atribuição de ônus processual, com previsão de consequência
processual.
Mesmo assim, toda e qualquer atividade probatória está dirigida ao julgador, que, com base
no princípio do livre convencimento motivado, previsto no art. 155 do CPP, exerce jurisdição
no processo crime.
Então, ao exarar sentença no processo crime, o juiz fundamentando sua convicção, à luz da
prova jurisdicionalizada, julga a causa, não havendo qualquer hierarquia ou prevalência entre
as provas produzidas.
O que verdadeiramente importa é a prova produzida e não a realização de tal incumbência
pela parte responsável processualmente.
3. Como já destacamos ser impossível obrigar o acusado a produzir uma tal prova no processo
crime, em respeito ao art. 5º, II, da CF, pensamos que, no julgamento, havendo a aplicação de
sanção processual decorrente da indicação de não realização de ônus probatório do acusado
em relação a um dado fato negativo, violado está o princípio da presunção de inocência, em
sua função integrativa.
Melhor explicamos.
Já destacamos que o princípio constitucional da não culpabilidade possui força normativa, e
dentre outras, possui função integrativa. Isto é, preenche lacuna legal para solução de situação
concreta (finalidade esta de toda e qualquer interpretação da norma jurídica).
Destarte, não havendo no plano infraconstitucional qualquer regramento específico
relacionado à produção de prova diabólica e sanção processual decorrente de seu não
cumprimento, deve o princípio da presunção de inocência ser auto aplicável, como cláusula
impeditiva à aplicação de sanção (processualmente falando) decorrente da não comprovação
de um fato negativo.
Indicamos ainda que a questão posta pode ser resolvida de diversas maneiras.
Mesmo sendo o fato negativo principal de difícil comprovação, os fatos rarefeitos ao mesmos,
que rodeiam sua realização, podem ser provados.
Sendo assim, na autorização do art. 239 do CPP, o fato negativo pode ser provado por meio
de indícios.
E mais, verificando o julgador, quando da emissão da sentença, a presença de fato negativo na
tese defensiva do réu, poderá o mesmo aplicar a regra da distribuição dinâmica do ônus da
prova, transferindo para a acusação, que justamente representa o aparato estatal, o ônus de
desafirmação do fato alegado pela defesa.
Colhe-se nesse sentido julgado do STF:
E M E N T A: HABEAS CORPUS - PROVA CRIMINAL - MENORIDADE -
RECONHECIMENTO - CORRUPÇÃO DE MENORES (LEI Nº 2.252/54) -
INEXISTÊNCIA DE PROVA ESPECÍFICA - IMPOSSIBILIDADE DE
CONFIGURAÇÃO TÍPICA DA CONDUTA IMPUTADA AO RÉU -
CONDENAÇÃO POR OUTROS ILÍCITOS PENAIS - EXACERBAÇÃO DA
PENA - DECISÃO PLENAMENTE MOTIVADA - LEGITIMIDADE DO
TRATAMENTO PENAL MAIS RIGOROSO - PEDIDO DEFERIDO EM PARTE.
MENORIDADE - COMPROVAÇÃO - CERTIDÃO DE NASCIMENTO -
AUSÊNCIA - DESCARACTERIZAÇÃO TÍPICA DO CRIME DE CORRUPÇÃO
DE MENORES. - O reconhecimento da menoridade, para efeitos penais, supõe demonstração mediante prova documental específica e idônea (certidão de
nascimento). A idade - qualificando-se como situação inerente ao estado civil das
pessoas - expõe-se, para efeito de sua comprovação, em juízo penal, às restrições
probatórias estabelecidas na lei civil (CPP, art. 155). - Se o Ministério Público
oferece denúncia contra qualquer réu por crime de corrupção de menores, cumpre-
lhe demonstrar, de modo consistente - e além de qualquer dúvida razoável -, a
ocorrência do fato constitutivo do pedido, comprovando documentalmente, mediante
certidão de nascimento, a condição etária (menor de dezoito (18) anos) da vítima do
delito tipificado no art. 1º da Lei nº 2.252/54. O PROCESSO PENAL COMO
INSTRUMENTO DE SALVAGUARDA DAS LIBERDADES INDIVIDUAIS. - A
submissão de uma pessoa à jurisdição penal do Estado coloca em evidência a
relação de polaridade conflitante que se estabelece entre a pretensão punitiva do Poder Público e o resguardo à intangibilidade do jus libertatis titularizado pelo réu.
A persecução penal rege-se, enquanto atividade estatal juridicamente vinculada, por
padrões normativos, que, consagrados pela Constituição e pelas leis, traduzem
limitações significativas ao poder do Estado. Por isso mesmo, o processo penal só
pode ser concebido - e assim deve ser visto - como instrumento de salvaguarda da
liberdade do réu. O processo penal condenatório não é um instrumento de arbítrio do
Estado. Ele representa, antes, um poderoso meio de contenção e de delimitação dos
poderes de que dispõem os órgãos incumbidos da persecução penal. Ao delinear um
círculo de proteção em torno da pessoa do réu - que jamais se presume culpado, até
que sobrevenha irrecorrível sentença condenatória -, o processo penal revela-se
instrumento que inibe a opressão judicial e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão acusador o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em
que faculta ao acusado, que jamais necessita demonstrar a sua inocência, o direito de
defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os
elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público. A própria exigência de
processo judicial representa poderoso fator de inibição do arbítrio estatal e de
restrição ao poder de coerção do Estado. A cláusula nulla poena sine judicio
exprime, no plano do processo penal condenatório, a fórmula de salvaguarda da
liberdade individual. O PODER DE ACUSAR SUPÕE O DEVER ESTATAL DE
PROVAR LICITAMENTE A IMPUTAÇÃO PENAL. - A exigência de
comprovação plena dos elementos que dão suporte à acusação penal recai por
inteiro, e com exclusividade, sobre o Ministério Público. Essa imposição do ônus
processual concernente à demonstração da ocorrência do ilícito penal reflete, na realidade, e dentro de nosso sistema positivo, uma expressiva garantia jurídica que
tutela e protege o próprio estado de liberdade que se reconhece às pessoas em geral.
Somente a prova penal produzida em juízo pelo órgão da acusação penal, sob a
égide da garantia constitucional do contraditório, pode revestir-se de eficácia
jurídica bastante para legitimar a prolação de um decreto condenatório. Os subsídios
ministrados pelas investigações policiais, que são sempre unilaterais e inquisitivas -
embora suficientes ao oferecimento da denúncia pelo Ministério Público -, não
bastam, enquanto isoladamente considerados, para justificar a prolação, pelo Poder
Judiciário, de um ato de condenação penal. É nula a condenação penal decretada
com apoio em prova não produzida em juízo e com inobservância da garantia
constitucional do contraditório. Precedentes. - Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério
Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais
prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento
histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta
de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a
sua própria inocência (Decreto-Lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Não se justifica,
sem base probatória idônea, a formulação possível de qualquer juízo condenatório,
que deve sempre assentar-se - para que se qualifique como ato revestido de validade
ético-jurídica - em elementos de certeza, os quais, ao dissiparem ambigüidades, ao
esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade,
revelam-se capazes de informar, com objetividade, o órgão judiciário competente,
afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas que poderiam conduzir
qualquer magistrado ou Tribunal a pronunciar o non liquet. VALIDADE DA EXACERBAÇÃO PENAL, QUANDO ADEQUADAMENTE MOTIVADA PELO
PODER JUDICIÁRIO. - Não se revela possível a redução da pena imposta, quando
a exacerbação penal, além de adequadamente motivada, apóia-se em fundamentação
provida de conteúdo lógico-jurídico e em dados concretos justificadores da
majoração efetivada. Refoge ao âmbito estreito do habeas corpus o exame dos
critérios de índole pessoal, que, subjacentes à formulação do juízo de valor atribuído
pelo ordenamento legal ao magistrado sentenciante, permitiram-lhe, sem qualquer
ilegalidade ou abuso de poder, exacerbar o quantum penal imposto ao réu
condenado. Precedentes. 3
(HC 73338, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 13/08/1996, DJ 19-12-1996 PP-51766 EMENT VOL-01855-02 PP-00270)
Por fim, ainda no curso da instrução processual, em atividade supletiva à das partes, na
previsão do art. 156, II, do CPP, por iniciativa probatória, o juiz poderá determinar a
realização de diligências para dirimir dúvida sobre fato relevante para o julgamento do
processo, no qual se inclui, é claro, o fato negativo.
A eleição de tais saídas seria a melhor forma de aplicação integrativa do princípio da não
culpabilidade, de modo a não ferir, concomitantemente, o princípio do devido processo legal,
em sua vertente ao direito da amplitude da defesa, que vem justamente a consagrar o direito à
prova de todos os meios possíveis (exegese do art, 5, LIV e LV, da CF).
Doutor Rodrigo Conholato Silveira, Advogado, inscrito na OAB sob o número 13.397:
1- Certamente. por vezes, o réu não encontra nenhum meio de prova possível de permitir tal
demonstração. Dessa maneira, a prova diabólica, muitas vezes, ocorre nos casos em que se
tem que provar algo que não ocorreu, constituindo-se em uma autêntica prova negativa. uma
testemunha pode assegurar que não viu um réu cometer um crime. No entanto, é praticamente
impossível que a mesma testemunha afirme que o réu nunca cometeu um crime.
2- o princípio da impossibilidade da prova negativa baseia-se nos ensinamentos do direito
canônico de que somente o Diabo poderia provar um fato negativo. Dessa forma, deve-se
afastar a chamada “probatio diabolica”.
No Processo Civil, cabe mencionar que o CPC adotou a teoria estática de distribuição do ônus
da prova, em que a prova é distribuída de maneira imutável entre as partes, ou seja, a prova é
de quem alega. No entanto, a teoria estática não resolve os casos de prova diabólica ou
negativa. Para tentar resolver essa questão, surgiu a teoria da distribuição dinâmica do ônus
da prova, em que o ônus da prova é distribuído para quem puder suportá-lo. Tal teoria foi
amplamente aceita pela doutrina e pela jurisprudência, tendo como fundamento o princípio da
igualdade
No que se refere à distribuição do ônus da prova no Processo Penal, cumpre destacar que o
ônus da prova dos fatos constitutivos da pretensão penal pertence exclusivamente à acusação,
sem que se possa exigir a produção por parte da defesa de provas referentes a fatos negativos
(provas diabólicas). [5]
Sobre esse tema, a 1ª Turma do STF, no julgamento do HC 73338,
Relator Min. CELSO DE MELLO, julgado em 13/08/1996, asseverou que o réu, no Processo
Penal, não tem a obrigação de provar sua própria inocência.
3- não há dúvida que a obrigatoriedade de produção da prova diabólica fere o princípio do in
dubio pro réu, vez que causa um deslocamento ilegal do ônus probandi, que no processo
penal é atribuído a quem acusa. Portanto, exigir que o réu faça prova de fatos negativos e pior,
que originariamente não lhe competiam, vez que consubstanciam a acusação, notoriamente
fere o princípio da presunção de inocência.