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A OBRIGATORIEDADE DE PRODUÇÃO DA PROVA DIABÓLICA PELO RÉU NO ÂMBITO DO PROCESSO PENAL SEGUNDO OS TRIBUNAIS SUPERIORES Victor Machado Puppim 1 Sumário: Introdução 1 Da prova 1.1 Teoria da prova 1.2 Conceito de prova 1.3 Distribuição do ônus da prova 2 Da prova diabólica 2.1 Conceito e nomenclaturas de prova diabólica 2.2 Características da prova diabólica 3 A prova diabólica nos Tribunais Superiores 3.1 Posicionamento dos profissionais do Direito entrevistados 3.2 Posicionamento dos Tribunais Superiores sobre o tema Conclusâo. RESUMO Neste artigo será abordada a posição dos Tribunais, em especial o Pretório Excelso, quanto à imposição ao réu de provar determinado fato em que o mesmo alegou, porém, possui um alto teor de dificuldade para ser provado, tentando assim responder: Qual tem sido o posicionamento dos Tribunais Brasileiros quanto à exigência de que o acusado produza a prova “diabólica” para provar determinado fato? Para tanto será utilizado o método exploratório de pesquisa, com a apresentação de jurisprudências e entrevistas dos profissionais do Direito, chegando à conclusão de que, no atual panorama da jurisprudência brasileira, não se obriga ao réu a produção de determinada prova impossível sua produção, ou seja, deverá prevalecer o principio da inocência ao ônus probante distribuído pela lei processual. Palavras chave: Prova Diabólica. Presunção de Inocência. Supremo Tribunal Federal. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem o objetivo de analisar qual tem sido o posicionamento dos Tribunais Superiores sobre a quem deve recair o ônus probante quando é alegado um fato negativo, ou seja, quando se alegar um fato que para ser provado é necessário a produção de uma prova diabólica. Prescinde-se a tentativa de dar maior importância à prova no direito brasileiro, esta já nasceu com sua devida importância, afinal, como no brocado jurídico, “fato alegado e não provado, é fato inexistente”. 1 Advogado, bacharel em Direito. Pós-graduado em Direito Público pela UNESA e Professor de Direito Ambiental pelo Estado do Espírito Santo.

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A OBRIGATORIEDADE DE PRODUÇÃO DA PROVA DIABÓLICA

PELO RÉU NO ÂMBITO DO PROCESSO PENAL SEGUNDO OS

TRIBUNAIS SUPERIORES

Victor Machado Puppim 1

Sumário: Introdução 1 Da prova 1.1 Teoria da prova 1.2 Conceito de prova 1.3 Distribuição

do ônus da prova 2 Da prova diabólica 2.1 Conceito e nomenclaturas de prova diabólica 2.2

Características da prova diabólica 3 A prova diabólica nos Tribunais Superiores 3.1

Posicionamento dos profissionais do Direito entrevistados 3.2 Posicionamento dos Tribunais

Superiores sobre o tema Conclusâo.

RESUMO

Neste artigo será abordada a posição dos Tribunais, em especial o Pretório Excelso, quanto à

imposição ao réu de provar determinado fato em que o mesmo alegou, porém, possui um alto

teor de dificuldade para ser provado, tentando assim responder: Qual tem sido o

posicionamento dos Tribunais Brasileiros quanto à exigência de que o acusado produza a

prova “diabólica” para provar determinado fato? Para tanto será utilizado o método

exploratório de pesquisa, com a apresentação de jurisprudências e entrevistas dos

profissionais do Direito, chegando à conclusão de que, no atual panorama da jurisprudência

brasileira, não se obriga ao réu a produção de determinada prova impossível sua produção, ou

seja, deverá prevalecer o principio da inocência ao ônus probante distribuído pela lei

processual.

Palavras chave: Prova Diabólica. Presunção de Inocência. Supremo Tribunal Federal.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o objetivo de analisar qual tem sido o posicionamento dos Tribunais

Superiores sobre a quem deve recair o ônus probante quando é alegado um fato negativo, ou

seja, quando se alegar um fato que para ser provado é necessário a produção de uma prova

diabólica.

Prescinde-se a tentativa de dar maior importância à prova no direito brasileiro, esta já nasceu

com sua devida importância, afinal, como no brocado jurídico, “fato alegado e não provado, é

fato inexistente”.

1 Advogado, bacharel em Direito. Pós-graduado em Direito Público pela UNESA e Professor de Direito

Ambiental pelo Estado do Espírito Santo.

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Não é novidade que, em um Estado de Direito, onde o sistema adotado é o acusatório - já na

fase processual, é claro, a prova possui importantíssimo papel, o que sem ela, impossível seria

levar o sujeito que detém a Jurisdição à condenação de outra pessoa.

Sabe-se que o principal objetivo da prova, é demonstrar ao julgador o que realmente

aconteceu no fato narrado, deve-se através da prova se demonstrar a verdade real.

Porém, em alguns casos, dificílima é a obtenção de tais provas, uma vez que a realização

desse fato gerador não dependeu do acusado ou até mesmo do acusador, mas de forças alheias

à sua vontade.

Tais tipos de prova, justamente pela dificuldade em obtê-las recebeu o nome de parte da

doutrina de prova diabólica, devil’s proof ou probatio diabólica, sendo este então o objeto do

presente estudo, ou seja, tentar indicar qual tem sido a posição da jurisprudência brasileira

sobre a obtenção de tal prova, a quem cabe prova-la ou se esta é dispensada do procedimento

penal.

Desta forma, o problema de pesquisa deste artigo visa a responder a indagação: Qual tem sido

o posicionamento dos Tribunais Brasileiros quanto à exigência de que o acusado produza uma

prova “diabólica” para provar determinado fato?

Assim, dispensam-se comentários à importância da prova no direito brasileiro, em especial no

processual penal.

Porém, quando o assunto é a probatio diabólica, mister se faz acrescentar à importância

natural da prova, o fator da não previsão deste dispositivo nos cursos, manuais, compêndios,

tratados ou qualquer outro tipo de doutrina, bem como a imprevisão na legislação penal,

motivo pelo qual fica evidenciada a justificativa deste trabalho, que é a de proporcionar ao

labor jurídico, seja ele acadêmico ou profissional a obtenção de informações sobre este

instituto.

Vale destacar que tal assunto não se faz imprescindível o seu conhecimento apenas no meio

jurídico, devendo a sociedade também ter o direito de conhecê-lo, uma vez que com a

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globalização mundial cada vez mais aflorada, maior fica a repercussão de casos penais no

leito da sociedade.

Portanto, este trabalho se é importante como consulta e pesquisa jurídica tanto no meio do

Direito como no meio leigo à norma jurídica, motivo pelo qual tentará ser abordado de forma

didática e reunir o maio número de jurisprudências e trabalhos que tratam do assunto.

Visando uma melhor exteriorização dos dados colhidos e da pesquisa realizada, será abordada

neste artigo a matéria processual penal referente às provas, desde sua teoria geral até a matéria

específica da prova diabólica, demonstrando os diversos nomes que lhe são dados pela

Doutrina, seus conceitos, bem como colocar em embate os principais princípios

constitucionais e legais atinentes à matéria probatória, a demonstração de qual tem sido o

posicionamento adotado pelos Tribunais Superiores sobre a exigência da produção de tais

provas e qual é o posicionamento dos profissionais do Direito sobre a interpretação dada pelos

Tribunais à aludida obrigatoriedade.

Para tanto, o tipo de pesquisa utilizado será o exploratório através da colheita dos dados

jurisprudenciais e doutrinários já citados, utilizando para tanto pesquisa documental, através

da colheita dos principais julgados dos Tribunais pátrios, mas principalmente realizando o

embate entre as opiniões doutrinarias diversas umas das outras, bem como a utilização de

levantamentos através de entrevistas com os operadores jurídicos de todos os lados da

demanda, proporcionando assim, uma aproximação mais direta com o assunto, podendo ser

abordadas as indagações que a simples colheita de jurisprudência não as elucida.

Visando um amparo basilar é que será utilizada ainda a pesquisa bibliográfica, para o

conhecimento e a conceituação de itens indispensáveis à pesquisa, visando sempre à

explicitação didática do resultado alcançado.

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1 DA PROVA

Tendo em vista que o trabalho é endereçado tanto para atuantes na seara jurídica como para

leigos, é importante que se apresente uma base introdutória e objetiva do tema atinente às

provas penais processuais antes de entrar no problema principal do artigo, sendo este a

finalidade do presente capítulo.

1.1 TEORIA DA PROVA

A prova, em qualquer processo, seja ele administrativo ou judicial, e neste último, em

qualquer de seus ramos, como criminal, cível, tributário e outros possui apenas um objetivo

claro, qual seja, a reconstituição dos fatos ocorridos visando convencer o juiz, para que o

mesmo possua fundamentos no momento de expor seu convencimento, que como se sabe,

deve ser sempre motivado, neste sentido leciona o professor Eugênio Pacelli:

A prova judiciária tem um objetivo claramente definido: a reconstrução dos fatos

investigados no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade

histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço

e no tempo. A tarefa, portanto, é das mais difíceis, quando não impossível: a

reconstrução da verdade. (PACCELI, 2012, p.341)

Portanto, diante de tal importância do instituto, mister a demonstração da normatização da

forma como serão os fatos provados em juízo, mais estritamente, os direitos que possuem os

acusados no processo penal, objeto do presente estudo, de se manifestarem no procedimento

em que são acusados da imputação de determinado crime.

Entre tais direitos, não podem passar despercebidos o direito ao contraditório e à ampla

defesa, ambos garantidos constitucionalmente no artigo 5º, inciso LV da carta, verbis:

Art. 5º [...]

[...]

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral

são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela

inerentes; (BRASIL, 1988)

O contraditório, segundo a doutrina moderna, possui hoje dois sentidos. Num primeiro

momento o princípio do contraditório garante ao acusado o direito de apresentar sua versão

aos fatos que lhe são imputados, sendo assim, poderá se manifestar acerca de qualquer prova

juntada aos autos. Já em um segundo momento, essa sim um novo tentáculo do aludido

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princípio, menciona que ao acusado no processo penal é garantido não só o direito de

resposta, mas que esse direito de resposta seja dado em mesma proporção de armas que é

dado à acusação.

Em melhores palavras é o que ensina Pacelli:

O contraditório, então, não só passaria a garantir o direito à informação de qualquer fato ou alegação contrária ao interesse das partes e o direito à reação (contrariedade)

a ambos – vistos, assim, como garantia de participação -, mas também garantiria que

a oportunidade da resposta pudesse se realizar na mesma intensidade e extensão. Em

outras palavras, o contraditório exigiria a garantia de participação em simétrica

paridade (2012, p. 46).

Por sua vez, o principio da ampla defesa, garante ao Acusado todas as formas de defesas

existentes no direito brasileiro, além do que, também garante ao Réu a possibilidade de

sempre se pronunciar após a acusação, garantindo assim que sempre tenha conhecimento dos

fatos que lhe são imputados.

No mesmo sentido é o que leciona o renomado autor Fernando Capez:

A ampla defesa implica o dever do Estado proporcionar a todo acusado a mais

completa defesa, seja pessoal, técnica, e o de prestar assistência judiciária integral e

gratuita aos necessitados. Desse princípio também decorre a obrigatoriedade de se

observar a ordem natural do processo, de modo que a defesa se manifeste sempre em

último lugar (2009, p. 77).

Sendo assim, esclarecida toda a importância do instituto jurídico em análise, faz-se necessário

conhecer o conceito doutrinário da prova.

1.2 CONCEITO DE PROVA

Em que pese o conceito de prova ser objeto de estudo para trabalhos diversos, tendo em vista

a importância de sua hermenêutica para o mundo jurídico, não é a intenção deste trabalho

esgotar, nem tão pouco passar despercebido pelo mencionado assunto, motivo pelo qual, será

realizada breve cognição acerca do tema.

Explicando de forma genérica, abrangendo o conceito de prova para todas as esferas do

direito, Plácido e Silva, esclarece:

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Do latim proba, de probare (demonstrar, reconhecer, formar juízo de), entende-se,

assim, no sentido jurídico, a denominação, que se faz, pelos meios legais, da

existência ou veracidade de um fato material ou de um ato jurídico, em virtude da

qual se conclui por sua existência do fato ou ato demonstrado. A prova consiste,

pois, na demonstração de existência ou da veracidade daquilo que se alega como

fundamento do direito que se defende ou se contesta (1997, p.639).

Trazendo um conceito básico, destinado às academias jurídicas, Capez leciona que prova é tão

somente o ato processual que tem como finalidade compor o livre convencimento motivado

do Magistrado, em suas palavras:

Do latim probatio, é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz (CPP, arts.

156, 2ª parte, 209 e 234) e por terceiros (p. ex., peritos), destinados a levar ao

magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade

ou veracidade de uma afirmação. Trata-se portanto, de todo e qualquer meio de

percepção empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma

alegação (2009, p. 322).

Portanto, percebe-se que a prova é um dos institutos que possuem maior importância no

Direito Processual Penal, tendo em vista, que será ela a responsável por trazer à tona qual das

partes na relação processual que é assistido pela razão.

Elmir Duclerc, em sua obra que relaciona a prova penal ao garantismo, conecta diretamente a

prova penal à norma, trazendo interessante conceito, entendendo ser a prova, ao lado da norma

duas responsáveis por trazer à relação processual as informações necessárias ao seu desfecho:

A prova seria uma mensagem descritiva, ou seja, com a finalidade precípua de

informar. Norma e prova, assim, seriam duas grandes fontes de informação,

prescritiva e descritiva, tendentes a compor um verdadeiro universo lingüístico em

que estaria mergulhado o juiz no momento da tomada de decisão (2004, p. 23).

Conectando e dialogando entre os conceitos aqui expostos pode-se entender que prova seria

então o conjunto de atos processuais praticado por qualquer das partes, que tenha como

finalidade, ao lado da norma, informar e levar ao magistrado a convicção necessária para que

dê a solução mais adequada ao caso concreto.

1.3 DISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA

Conforme a simples leitura do artigo 156 do Código de Processo Penal, o ônus da prova

incumbe a quem a alegar:

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao

juiz de ofício

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I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas

consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e

proporcionalidade da medida;

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de

diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. (BRASIL, 1941)

Portanto, assim como assevera Capez, cabe provar a quem tem interesse em afirmar.

A constitucionalidade da faculdade dada ao magistrado para antecipar provas antes mesmo da

propositura de ação Penal, ou mesmo durante o seu trâmite, apesar de extremamente

importante, deverá ser tratada em trabalho diverso.

Em que pese o próprio Código de Processo Penal informar que cabe a produção de prova a

quem realizar a afirmação, ao acusado litigante em processo criminal é garantido a presunção

de inocência, uma vez que “ninguém poderá ser considerado culpado senão após o trânsito em

julgado da sentença penal condenatória”.

Portanto, surge aqui uma notória e importante divergência entre o Codex Adjetivo Penal e a

Carta Magna de 1988, já que pelo primeiro, as provas no procedimento deverão ser

produzidas e apresentadas em juízo por aquele que afirmar determinado fato. Entretanto, a

Constituição Federal implica a transferência de todo o ônus probatório ao órgão da acusação,

através do principio da presunção de inocência.

O principio da presunção de inocência, que se aplica integralmente à prova, e especialmente

sobre o ônus da prova, surgiu no Direito Romano e deixou de ser usado pela humanidade por

toda a época inquisitória do direito, sendo retomado com a chegada do Estado Democrático de

Direito, como enaltece Madeira:

O Estado somente se impõe legítimo quando reconhece a existência de direitos às

pessoas, entre os quais, o fundamental de ter o seu status de inocente garantido até o

trânsito em julgado de uma sentença penal condenatória.

Importa observar que na vida do cidadão tal princípio implica em pelo menos, quatro funções básicas: limitação à atividade legislativa, critério condicionador das

interpretações das normas vigentes, critério de tratamento extraprocessual em todos

os seus aspectos e obrigatoriedade de o ônus da prova da prática de um fato

delituoso ser sempre do acusador. (2009, p. 99)

Assim, detrai-se das três acepções do princípio, mas em especial da última apresentada, que

todo o ônus da prova da autoria de determinado fato criminoso caberia à acusação.

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Eugênio Pacelli, esclarece o tema de forma brilhante, afirmando que:

Cabe assim, à acusação, diante do princípio da inocência, a prova quanto à materialidade do fato (sua existência) e de sua autoria, não se impondo o ônus de

demonstrar a inexistência de qualquer situação excludente da ilicitude ou da

culpabilidade. Por isso, é perfeitamente aceitável a disposição do artigo 156 do CPP,

segundo a qual “a prova da alegação incumbirá a quem a fizer”. ( 2012, p. 351)

Portanto, restado esclarecido todo o tema atinente à teoria geral da prova, com o objetivo de

se obter um maior conhecimento ou acionar a memória do leitor, passa-se a analisar o tema

principal do presente trabalho, qual seja, a obrigatoriedade – ou ônus – da produção da prova

diabólica.

2 DA PROVA DIABÓLICA

Devidamente explicitada a teoria geral da prova, como o nome já diz, atinente a todo meio

probatório, o capítulo presente visa se aprofundar na conceituação e esclarecimento do termo

“prova diabólica”, esclarecendo ainda mais a importância constitucional e processual penal do

tema.

2.1 CONCEITO E NOMENCLATURAS DE PROVA DIABÓLICA

Conforme leciona a doutrina mais moderna sobre o assunto, a prova diabólica pode ser

entendida como aquela em que se busca a formar a convicção do magistrado em referência a

fatos impossíveis, ou seja, aqueles em que há um excesso de dificuldade em conseguir ser

provado.

Segundo Daniela Yoshikawa, desta vez, a tratar do Direito Processual Civil, indica que a

prova diabólica “é a chamada prova impossível ou excessivamente difícil de ser produzida,

como a prova de fato negativo. A prova diabólica existe muito na prática e fez a doutrina do

ônus da prova ser repensada” (YOSHIKAWA, 2010).

Se no âmbito do Processo Civil, onde o processo é marcado por uma igualdade entre as partes

litigantes, sem ser garantido a nenhum deles a prévia presunção de estar com a razão, a

responsabilidade do ônus da prova diabólica já ganha seus contornos de importância, o que

dirá no Processo Penal, que regulamenta a aplicação da pena privativa de liberdade,

conceituada como a ultima ratio, por parte do estado aos particulares, ou seja, é o último

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recurso do estado para (tentar) manter a ordem social e punir os sujeitos que não cumprem o

que a lei determina, devendo ser utilizado apenas quando não for possível atingir tais

objetivos por outras esferas do direito.

Portanto, como já explicitado a prova diabólica nada mais é do que aquela que possui um alto

grau de dificuldade para ser produzida, ou seja, pretende provar um fato que dificilmente ou

jamais conseguirá ser provado.

Outros nomes que a doutrina e jurisprudência utiliza para identificar a prova diabólica são

suas pronúncias em outras línguas oficiais, como devil’s proof (no ingês) e probatio diabólica

(do latim), e outras também na língua portuguesa, como prova impossível ou prova negativa.

2.2 CARACTERÍSTICAS DA PROVA DIABÓLICA

Como já exposto, os fatos no processo penal deverão ser provados por aquele que os alegar.

Assim, tentará se demonstrar como então deve proceder o Acusado para provar um fato

negativo, que não passa do plano abstrato.

Para explicar a problemática, Bruno Cabral, exemplifica um caso patente de necessidade de

produção de prova diabólica:

O princípio da impossibilidade da prova negativa baseia-se nos ensinamentos do

direito canônico de que somente o Diabo poderia provar um fato negativo. Dessa

forma, deve-se afastar a chamada “probatio diabolica”. Tal ideia fundamenta-se na

seguinte situação: uma testemunha pode assegurar que não viu um réu cometer um

crime. No entanto, é praticamente impossível que a mesma testemunha afirme que o

réu nunca cometeu um crime (prova negativa, impossível ou diabólica). (2011).

Outro exemplo capaz de ilustrar a ocorrência da prova impossível, é no caso da necessidade

do réu provar que não foi intimado para praticar determinado ato processual, ou em caso mais

corriqueiro, que um sujeito deixou de receber a conta de luz para pagar em determinado mês.

Nesses casos, é importante observar como deve se comportar o magistrado quando estiver

diante de uma prova cabal ao processo e esta ser excessivamente difícil de ser produzida.

Assim, deverá exigir do Acusado a produção da mesma, ou tendo por base a aplicação do

principio da presunção de inocência, poderá considerar o fato como efetivamente ocorrido,

desnecessitando o acusado de apresentar provas.

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Desta maneira, antes de se atentar para o posicionamento e orientações adotadas pelos

Tribunais Superiores, é indispensável que fique claro a diferença entre o princípio até agora

estudado, qual seja, o da presunção de inocência da chamada não consideração prévia de

culpabilidade.

A respeito desta distinção, Badaró apud Madeira afirma:

Na doutrina italiana prevaleceu, inicialmente, a posição de que a condição de não

culpável de quem deve ser julgado não se identifica com a presunção de inocência.

Contudo, nunca se conseguiu delimitar em que consistia a distinção, isto é, em que o

conteúdo da presunção de não culpabilidade seria diferente do da presunção de

inocência. As expressões inocente e não culpável constituem somente variantes

semânticas de um idêntico conteúdo. Justamente por ser inútil e contraproducente a

tentativa de apartar ambas as ideias – se é que isso é possível – é que se passou a

postular a equivalência de ambas as fórmulas. (2009,p. 168)

O que se extrai, portanto, dos ensinamentos de Badaró, é que na realidade, o principio da

presunção de inocência e da não culpabilidade na realidade possuem o mesmo significado,

aplicando-se todos os quatro sentidos dados ao primeiro – já apresentado, também ao

segundo.

Ainda sobre o princípio da presunção de inocência, há dúvidas sobre sua similitude com o in

dubio pro reo, os quais não se podem confundir, uma vez que, o primeiro é aplicado tanto na

esfera processual como material, e o segundo é aplicado apenas na área processual do direito

criminal, em que pese, ambos serem espécies do gênero favor rei.

3 A PROVA DIABÓLICA NOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Longe de se tentar esgotar toda a matéria atinente à conceituação, demonstração e

exemplificação da prova negativa, faz-se necessária continuar a marcha deste artigo, visando

alcançar neste capítulo o esclarecimento da posição adotada pelos Tribunais Superiores

quando se encontram diante de um caso de produção da prova impossível para esclarecer

determinado ato, bem como a opinião dos profissionais sobre a posição que ocupa os

Julgadores acerca do tema.

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3.1 POSICIONAMENTO DOS PROFISSIONAIS DO DIREITO ENTREVISTADOS

Após a colheita das duas entrevistas realizadas com os advogados Hélio Maldonado e Rodrigo

Conholato, detrai-se que realmente é comum o surgimento das provas diabólicas ao longo da

persecução criminal, e que não se deve, em linhas gerais, impor ao réu o ônus probatório de

tais provas impossíveis, tendo em vista alguns direitos constitucionais em que possui.

Num primeiro momento, ao ser perguntado para os profissionais se seria comum o surgimento

de fatos negativos durante o processo penal, constatou-se que realmente é corrente a aparição

desses fatos, ficando por diversas vezes, quando de sua existência, o réu em situação

desfavorável.

Foi citado pelo primeiro entrevistado um caso curioso e que exemplifica muito bem o instituto

aqui tratado. Cuida-se de processo que visava julgar acusado, jovem de 18 anos, do crime de

estupro de vulnerável, atuando como vítima sua namoradinha de 13 anos.

Nos autos, a tese defensiva, que foi acolhida quando da prolação da Sentença, visava sustentar

erro de tipo, uma vez que o réu desconhecia que a menina possuía menos de 14 anos de idade,

configurando assim uma excludente de culpabilidade.

Inegável que é exigência da produção da prova diabólica para demonstrar tal fato, uma vez se

tratar de matéria subjetiva à consciência do sujeito, que desconhecia a verdadeira idade da

menina.

Ao responderem à segunda questão, que indagava o entrevistado sobre sua posição acerca da

obrigatoriedade do réu à produção da chamada prova impossível, os profissionais entenderam

que tendo em vista direitos constitucionais, não deveria ser imposto ao réu tal dever

processual.

Em resposta que transborda à questão, o primeiro entrevistado, fundamentou para tanto sua

posição no inciso II do artigo 5º da Constituição Federal, inciso que traz a nós o princípio da

legalidade, informando que em nenhum momento o Código Processual Penal indica tal

obrigação ao réu.

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Em terceira e última indagação proposta aos entrevistados, que desafiava que respondessem

os mesmos sobre sua opinião acerca da possível violação do devido processo legal ou da

presunção de inocência, quando obrigado o réu à produção da prova negativa, também

acompanhando o entendimento dos Tribunais, entenderam que caso seja aplicada alguma

sanção processual ao réu em caso de não produção da aludida prova, violado estaria o

princípio da não culpabilidade.

Mais uma vez, em brilhante esclarecimento, o primeiro entrevistado ainda arrematou:

E mais, verificando o julgador, quando da emissão da sentença, a presença de fato negativo na tese defensiva do réu, poderá o mesmo aplicar a regra da distribuição

dinâmica do ônus da prova, transferindo para a acusação, que justamente representa

o aparato estatal, o ônus de “desafirmação” do fato alegado pela defesa.

Isto posto, constata-se que, pelo menos quanto aos operadores do direito entrevistados, é

impossível que seja o réu obrigado à produção da Prova Impossível que vise demonstrar

determinado fato negativo.

3.2 POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES SOBRE O TEMA

Conforme os julgados encontrados sobre o tema, nos Tribunais Superiores, percebeu-se uma

grande disparidade de opiniões, ou seja, ainda não há uma corrente jurisprudencial pacifica

acerca do tema, principalmente quando tratou-se de julgados da matéria processual civil.

Quanto à obrigatoriedade da prova diabólica, no âmbito do Direito Processual Penal, percebe-

se que os Ministros que já tiveram a oportunidade de se manifestar sobre o tema, na maioria

dos casos preferiram abrir mão dos deveres processuais da parte de provar aquilo que alegar,

em prol do principio constitucional da presunção de inocência.

A Ministra Nancy Andrighi, ao julgar um Agravo Regimental num Recurso Especial, n°

AgRg no REsp 1187970 SC 2010/0061260-2, ou seja, matéria predominantemente processual

civil, entendeu ser um excesso de formalismo desnecessário exigir a produção da prova

diabólica. (BRASIL, STJ, 2010)

No aludido caso, a agravante requeria que a parte agravada provasse que deixou de ser

intimada da decisão que gerou o Agravo de instrumento, caracterizando assim um fato

negativo.

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Como mencionado, a Ministra além de classificar a produção da prova do fato negativo como

diabólica, preferiu afastar o ônus de quem alegava tal fato, tendo em vista a excessiva

dificuldade em se obter a mencionada demonstração probatória, eis a ementa do julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO DE

INSTRUMENTO. PEÇA OBRIGATÓRIA. CERTIDÃO DE INTIMAÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA. FORMALISMO EXCESSIVO. PROVA DIABÓLICA.

MEIO DIVERSO DE VERIFICAÇÃO DA TEMPESTIVIDADE. NOTIFICAÇÃO

EXTRAJUDICIAL. POSSIBILIDADE.

1 - Em homenagem ao princípio da instrumentalidade, a ausência da certidão de

intimação da decisão agravada pode ser suprida por outro instrumento hábil a

comprovar a tempestividade do agravo de instrumento.

2 - Exigir dos agravados a prova de fato negativo (a inexistência de intimação da

decisão recorrida) equivale a prescrever a produção de prova diabólica, de dificílima

produção. Diante da afirmação de que os agravados somente foram intimados acerca

da decisão originalmente recorrida com o recebimento da notificação extrajudicial,

caberia aos agravantes a demonstração do contrário. 3 - Dentro do contexto dos deveres de cooperação e de lealdade processuais, é

perfeitamente razoável assumir que a notificação remetida por uma das partes à

outra, em atenção à determinação judicial e nos termos da Lei 6.015/73, supre a

intimação de que trata o art. 525, I, do CPC. (BRASIL,STJ, 2010).

Desta vez, já na seara processual penal, objeto do presente estudo, em interessante caso, que

foi de Relatoria do Excelso Ministro Ayres Brito, em um Habeas Corpus nº HC 103.094 / SP,

em que o paciente estava preso acusado do crime de tráfico de drogas, ainda quando o

procedimento de julgamento de tais infrações era regido pelas leis 6.368/1976 e 10.409/2002,

o Magistrado do juízo competente para o julgamento deixou de observar o artigo 38 da lei

10.409/02, ou seja, não concedeu prazo para que o acusado oferecesse defesa prévia.

A defesa requeria a anulação de todo o processo, argumentando que, caso fosse aberto prazo

para oferecimento de defesa prévia, a denúncia sequer teria sido recebida, configurando

assim, afronta à ampla defesa. O Ministério Público por sua vez emitiu parecer no sentido de

que não teria o paciente preenchido o princípio do pas de nullité sans grief, o qual determina

que para se arguir uma nulidade absoluta é necessária a demonstração de prejuízo à parte.

Decidiram os Ministros, por unanimidade, dar provimento ao writ, citando outro julgado do

STF, sob o fundamento de que em casos como aquele, seria impossível a produção da prova

do prejuízo, uma vez que o ato judicial sequer aconteceu – qual seja, a possibilidade de se

manifestar antes do recebimento da Denúncia, configurando assim legítima prova diabólica,

eis a ementa:

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HC 84.835. HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE

ENTORPECENTES, PRATICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS 6.368/1976 E 10.409/2002. OPÇÃO DO JUÍZO PROCESSANTE PELO RITO DA LEI

6368/1976. INOBSERVÂNCIA DO ART. 38 DA LEI 10.409/2002. NULIDADE

ABSOLUTA. DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. PROVA IMPOSSÍVEL.

PREJUÍZO PRESUMIDO. NULIDADE QUE NÃO É DE SER SANADA PELA

PRECLUSÃO. ORDEM CONCEDIDA.

1. A ausência de oportunidade para o oferecimento da defesa prévia na ocasião

legalmente assinalada revela-se incompatível com a pureza do princípio

constitucional da plenitude de defesa, mormente em matéria penal. A falta do

alegado requisito da defesa prévia à decisão judicial quanto ao recebimento da

denúncia, em processo penal constitucionalmente concebido como pleno, deixa de

sê-lo. A ampla defesa é transformada em curta defesa, ainda que por um momento, e já não há como desconhecer o automático prejuízo para a parte processual acusada.

Precedentes.

2. O Supremo Tribunal Federal tem se posicionado pela necessidade de

demonstração do prejuízo para a defesa, mesmo nos casos de nulidade absoluta.

Todavia, esse entendimento só se aplica quando é logicamente possível a prova do

gravame.

3. Em casos como o presente, é muito difícil, senão impossível, a produção da prova

do prejuízo. Pelo que o recebimento da denúncia e a condenação dos pacientes

passam a operar como evidência de prejuízo à garantia da ampla defesa (BRASIL,

STF, 2005).

Enfim, o que é importante de destaque no presente julgado, é que se trata de julgamento de

Habeas Corpus em que foi admitida tese de inobservância da obrigatoriedade de prova

diabólica, num procedimento em que um dos, se não o principal requisito é a exigibilidade de

existência de prova pré-constituída, por não ser possível a produção de prova em seu curso, ou

seja, mesmo num procedimento especial em que a decisão do magistrado é baseada em provas

pré-existentes, fora admitido pelo Excelso que nesses casos, efetivamente não é necessário a

demonstração de prova impossível.

Sendo assim, exemplificados os dados colhidos, necessário se faz apresentar os números

finais da pesquisa.

Entre diversos julgados que apresentaram o tema, apenas 13 traziam como cerne principal a

problemática da prova diabólica para ser efetivamente decidida pelo Pretório Excelso, desses

13 julgamentos, apenas 7 eram provenientes de processos criminais, que é o objeto do

presente artigo.

Dos processos penais julgados que foram selecionados, todos admitiam que diante de um caso

de prova excessivamente de ser produzida, deve a autoridade judicial abrir mão da

obrigatoriedade da produção de prova pela parte que alegar determinado fato, em prol do

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princípio da presunção de inocência, ou seja, ao colocar em confronto alguns requisitos do

due processo of law levando em conta os direitos e deveres do acusado, optou-se por

assegurar a vantagem da dúvida ao réu.

CONCLUSÃO

Assim, como foi abordado no primeiro capítulo deste trabalho, a prova possui como objetivo

a busca pela verdade dos fatos, e deve ser obrigatória à acusação quando se tratar de buscar

provar a autoria e materialidade dos fatos e obrigatória ao réu quando tiver como objetivo

provar alegações feitas por si próprio, como excludentes de ilicitude ou de punibilidade.

Pelos estudos realizados no segundo capítulo, que tratou exclusivamente sobre o instituto da

Prova Diabólica, percebeu-se sua importância no direito brasileiro, principalmente após a

exposição do conceito da prova diabólica que nada mais é aquela prova que tenta demonstrar

ao detentor da jurisdição a verdade de um fato, que é excessivamente difícil de ser provado.

Também se colocou em xeque a relação entre o princípio da inocência e demais princípios

constitucionais em face da distribuição probatória proposta pelo artigo 156 do Código de

Processo Penal.

Diante da patente contrariedade dos institutos, percebe-se através das jurisprudências

coletadas, que o Supremo Tribunal Federal, vem deixando de adotar a ortodoxia da

distribuição do ônus probante penal para dar maior ênfase aos aludidos princípios

constitucionais, uma vez que, o processo penal brasileiro, através do contraditório, ampla

defesa e do principio da inocência é criado e constantemente modificado como uma garantia

ao Acusado contra as arbitrariedades do Estado, e não deste em desfavor do primeiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 16. Ed. São Paulo: Atlas, 2012.

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CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 19. Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

TÀVORA. Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 7ª. Ed. Salvador: JusPodivm, 2012.

POLASTRI. Marcello. A Prova Penal de Acordo com a Reforma Processual Penal. 3ª. Ed.

Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

MADEIRA, Guilherme. Da Prova Penal. 1ª. Ed. Campinas: Millenium, 2008.

Duclerc, Elmir. Prova Penal e Garantismo. 1ª. Ed. Rio de Janeio: Lumen Juris. 2004.

SILVA, De Plácido E. Vocabulário Jurídico. 17. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. 1ª. Ed. São

Paulo: Saraiva, 2012.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília:

Senado Federal, 1988.

BRASIL. Código de Processo Penal. Brasília: Senado Federal.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AgRg no REsp 1187970/SC, Rel.

Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe

16/08/2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 88.801-1/SP, Rel. Ministro Sepúlveda Pertence,

Primeira Turma, Julgado em 06/06/2006, DJe 08/09/2006.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ROc no HC 85.443-5/SP, Rel. Ministro

SEPÚLVEDA PERTENCE, PRIMEIRA TURMA, Julgado em 19/04/2005, DJe 13/05/2005.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 99.330/ES, Rel. Ministra ELLEN GRACIE,

SEGUNDA TURMA, Julgado em 16/03/2010, DJe 23/04/2010.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 80.799-2/RJ, Rel. Ministro NÉRI DA SILVEIRA,

SEGUNDA TURMA, Julgado em 15/05/2001, DJe 15/03/2002.

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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RHC 54.742/SP, Rel. Ministro LEITÃO DE ABREU,

SEGUNDA TURMA, Julgado em 19/10/1976.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RExt 57.613/PR, Rel. Ministro CÂNDIDO HORTA,

PRIMEIRA TURMA, Julgado em 09/03/1965.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 103.094/SP, Rel. Ministro AYRES BRITTO,

SEGUNDA TURMA, Julgado em 02/08/2011, DJe 09/02/2012.

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APENDICE A – ENTREVISTAS COM PROFISSIONAIS DO DIREITO

Doutor Hélio Deivid Amorim Maldonado, Advogado, inscrito na OAB sob o número 15.728:

1. O princípio da presunção de inocência, esculpido no art. 5, LVII, da CF, erige-se como viga

mestra no processo penal, somente podendo ser ´´considerado culpado o acusado quando do

trânsito em julgado da sentença penal condenatória``.

Assim, o princípio, espécie de norma constitucional, é dotado de imperatividade, além de

função fundamentadora, interpretativa e integrativa do sistema jurídico infraconstitucional.

Assim, no corpo do CPP, na dição do art. 156, está fixada a regra da distribuição do ônus da

prova no processo penal.

Ao a norma dizer que ´´a prova da alegação incumbirá a quem fizer``, é claro que seu

fundamento de validade é extraído do princípio da não culpabilidade.

Isso porque, sendo (ordinariamente), nos termos do art. 129, I, da CF, o MP o titular da ação

penal, figurará o mesmo com parte autora da persecução criminal.

Logo, incumbirá a acusação provar o fato processual veiculado na Denúncia.

Seguindo, pela regra do art. 41 do CPP, a denúncia deve trazer a ´´exposição do fato

criminoso, com todas as suas circunstâncias`` e ´´classificação do crime``.

Então, em seu aspecto formal, a denúncia deve conter a exposição pormenorizada do

acontecimento histórico e sua subsunção a um tipo legal.

Cabe ressaltar que a incursão em dado tipo penal traz a responsabilidade para a acusação

descrever na denúncia não somente a ação nuclear do crime, mas também suas elementares,

sob pena de inépcia.

E mais, tendo o nosso CP adotado a teoria finalista da ação, a qual inclui o elemento subjetivo

do crime (dolo ou culpa) no próprio tipo penal, também cabe ao órgão de persecução apontar

o elemento anímico na conduta do acusado.

Exatamente todo esse conteúdo da denúncia é de responsabilidade da acusação, pelo critério

estático do ônus da prova estabelecido no art. 156 do CPP.

Já para o acusado, também pelo art. 156 do CPP, restará o ônus de provar aquilo que por si

alegado, em sua peça de resposta à acusação, prevista no art. 396-A do CPP, fase que poderá

produzir e postular toda a prova necessária e cabível à comprovação de sua tese defensiva.

Veja-se que, agora tomando a função interpretativa do princípio da não culpabilidade, deve-se

entender que o fato alegado pelo réu, sobre o qual vai recair o ônus probatório, é referente

aquele que não afirmado na denúncia.

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A esse respeito, havendo defesa de mérito direta, na qual o acusado nega a descrição do fato

tal como feito pela denúncia, o ônus da prova permanecerá com a acusação.

Se contudo, mesmo em relação ao fato criminoso, se o acusado o descreve de forma diversa,

como atribuindo autoria a outrem, competirá ao mesmo tal prova.

Do mesmo modo, realizada defesa de mérito indireta, reconhecido o fato pela defesa, mas

arguida causa de excludente de ilicitude ou culpabilidade, o ônus de tal prova será de

responsabilidade do acusado.

É justamente em torno de tal sistemática que surge a incumbência para o acusado de realizar

prova de fato negativo, sendo este aquele de difícil comprovação. Leia-se, provado por meio

de prova diabólica (impossível de ser realizada).

É claro que pela persecução criminal visar punir e reprimir fatos sociais, naturalmente,

existem situações de necessidade do acusado demonstrar fato negativo através de prova

diabólica.

Citamos como exemplo prática um dado processo crime em que atuamos, na Comarca de

Viana, onde era atribuído ao acusado a prática de infração ao crime disposto no art. 217-A do

CP (estupro contra vulnerável).

O caso revolvia um namoro de 03 meses entre um rapaz de 18 anos e uma mocinha de 13, que

em seu final, foi consumado por uma relação entre o casal.

A tese defensiva girava em torno do consentimento da menor e, ao que nos aqui interessa, no

erro sobre elemento do tipo, a teor do art. 20 do CP. Em linhas gerais, que o acusado

acreditava que sua namorada tinha mais de 14 anos.

Então, trazendo o panorama jurídico alhures explicitado para o caso concreto, fora

reconhecido o fato, mas apresentada causa de exclusão de culpabilidade, transferindo a

responsabilidade probatória para o réu.

E por justamente ser apresentada causa de exclusão de culpabilidade, relacionada ao fato de

que, pelas circunstâncias da relação amorosa firmada, estava o réu a crer que sua namoradinha

tinha mais de 14 anos, circunstância exatamente elementar do tipo penal tratado.

Chamamos a atenção que a prova de tal fato é extraída do amago do acusado, pois para

confirmação da tese, deveria haver prova da não ciência por parte do acusado da condição de

menor de 14 anos de sua namoradinha.

Trata-se de clara situação de prova negativa. Ou seja, de difícil ou mesmo impossível

comprovação.

2. Primeiramente, pelos termos do art. 5º, II, da CF, ´´ninguém será obrigado a fazer ou deixar

de fazer alguma coisa senão em virtude de lei``.

A atribuição de ônus probatório, na forma do art. 156 do CPP, é apenas e tão somente regra de

distribuição do ônus da prova, que, uma vez não realizada, submeterá a parte a possível

consequência processual.

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Não existe a possibilidade de obrigar o acusado a realizar uma dada prova de fato negativo,

como respeito à garantia fundamental estabelecida no art. 5º, II, da CF.

Há apenas e tão somente a atribuição de ônus processual, com previsão de consequência

processual.

Mesmo assim, toda e qualquer atividade probatória está dirigida ao julgador, que, com base

no princípio do livre convencimento motivado, previsto no art. 155 do CPP, exerce jurisdição

no processo crime.

Então, ao exarar sentença no processo crime, o juiz fundamentando sua convicção, à luz da

prova jurisdicionalizada, julga a causa, não havendo qualquer hierarquia ou prevalência entre

as provas produzidas.

O que verdadeiramente importa é a prova produzida e não a realização de tal incumbência

pela parte responsável processualmente.

3. Como já destacamos ser impossível obrigar o acusado a produzir uma tal prova no processo

crime, em respeito ao art. 5º, II, da CF, pensamos que, no julgamento, havendo a aplicação de

sanção processual decorrente da indicação de não realização de ônus probatório do acusado

em relação a um dado fato negativo, violado está o princípio da presunção de inocência, em

sua função integrativa.

Melhor explicamos.

Já destacamos que o princípio constitucional da não culpabilidade possui força normativa, e

dentre outras, possui função integrativa. Isto é, preenche lacuna legal para solução de situação

concreta (finalidade esta de toda e qualquer interpretação da norma jurídica).

Destarte, não havendo no plano infraconstitucional qualquer regramento específico

relacionado à produção de prova diabólica e sanção processual decorrente de seu não

cumprimento, deve o princípio da presunção de inocência ser auto aplicável, como cláusula

impeditiva à aplicação de sanção (processualmente falando) decorrente da não comprovação

de um fato negativo.

Indicamos ainda que a questão posta pode ser resolvida de diversas maneiras.

Mesmo sendo o fato negativo principal de difícil comprovação, os fatos rarefeitos ao mesmos,

que rodeiam sua realização, podem ser provados.

Sendo assim, na autorização do art. 239 do CPP, o fato negativo pode ser provado por meio

de indícios.

E mais, verificando o julgador, quando da emissão da sentença, a presença de fato negativo na

tese defensiva do réu, poderá o mesmo aplicar a regra da distribuição dinâmica do ônus da

prova, transferindo para a acusação, que justamente representa o aparato estatal, o ônus de

desafirmação do fato alegado pela defesa.

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Colhe-se nesse sentido julgado do STF:

E M E N T A: HABEAS CORPUS - PROVA CRIMINAL - MENORIDADE -

RECONHECIMENTO - CORRUPÇÃO DE MENORES (LEI Nº 2.252/54) -

INEXISTÊNCIA DE PROVA ESPECÍFICA - IMPOSSIBILIDADE DE

CONFIGURAÇÃO TÍPICA DA CONDUTA IMPUTADA AO RÉU -

CONDENAÇÃO POR OUTROS ILÍCITOS PENAIS - EXACERBAÇÃO DA

PENA - DECISÃO PLENAMENTE MOTIVADA - LEGITIMIDADE DO

TRATAMENTO PENAL MAIS RIGOROSO - PEDIDO DEFERIDO EM PARTE.

MENORIDADE - COMPROVAÇÃO - CERTIDÃO DE NASCIMENTO -

AUSÊNCIA - DESCARACTERIZAÇÃO TÍPICA DO CRIME DE CORRUPÇÃO

DE MENORES. - O reconhecimento da menoridade, para efeitos penais, supõe demonstração mediante prova documental específica e idônea (certidão de

nascimento). A idade - qualificando-se como situação inerente ao estado civil das

pessoas - expõe-se, para efeito de sua comprovação, em juízo penal, às restrições

probatórias estabelecidas na lei civil (CPP, art. 155). - Se o Ministério Público

oferece denúncia contra qualquer réu por crime de corrupção de menores, cumpre-

lhe demonstrar, de modo consistente - e além de qualquer dúvida razoável -, a

ocorrência do fato constitutivo do pedido, comprovando documentalmente, mediante

certidão de nascimento, a condição etária (menor de dezoito (18) anos) da vítima do

delito tipificado no art. 1º da Lei nº 2.252/54. O PROCESSO PENAL COMO

INSTRUMENTO DE SALVAGUARDA DAS LIBERDADES INDIVIDUAIS. - A

submissão de uma pessoa à jurisdição penal do Estado coloca em evidência a

relação de polaridade conflitante que se estabelece entre a pretensão punitiva do Poder Público e o resguardo à intangibilidade do jus libertatis titularizado pelo réu.

A persecução penal rege-se, enquanto atividade estatal juridicamente vinculada, por

padrões normativos, que, consagrados pela Constituição e pelas leis, traduzem

limitações significativas ao poder do Estado. Por isso mesmo, o processo penal só

pode ser concebido - e assim deve ser visto - como instrumento de salvaguarda da

liberdade do réu. O processo penal condenatório não é um instrumento de arbítrio do

Estado. Ele representa, antes, um poderoso meio de contenção e de delimitação dos

poderes de que dispõem os órgãos incumbidos da persecução penal. Ao delinear um

círculo de proteção em torno da pessoa do réu - que jamais se presume culpado, até

que sobrevenha irrecorrível sentença condenatória -, o processo penal revela-se

instrumento que inibe a opressão judicial e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão acusador o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em

que faculta ao acusado, que jamais necessita demonstrar a sua inocência, o direito de

defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os

elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público. A própria exigência de

processo judicial representa poderoso fator de inibição do arbítrio estatal e de

restrição ao poder de coerção do Estado. A cláusula nulla poena sine judicio

exprime, no plano do processo penal condenatório, a fórmula de salvaguarda da

liberdade individual. O PODER DE ACUSAR SUPÕE O DEVER ESTATAL DE

PROVAR LICITAMENTE A IMPUTAÇÃO PENAL. - A exigência de

comprovação plena dos elementos que dão suporte à acusação penal recai por

inteiro, e com exclusividade, sobre o Ministério Público. Essa imposição do ônus

processual concernente à demonstração da ocorrência do ilícito penal reflete, na realidade, e dentro de nosso sistema positivo, uma expressiva garantia jurídica que

tutela e protege o próprio estado de liberdade que se reconhece às pessoas em geral.

Somente a prova penal produzida em juízo pelo órgão da acusação penal, sob a

égide da garantia constitucional do contraditório, pode revestir-se de eficácia

jurídica bastante para legitimar a prolação de um decreto condenatório. Os subsídios

ministrados pelas investigações policiais, que são sempre unilaterais e inquisitivas -

embora suficientes ao oferecimento da denúncia pelo Ministério Público -, não

bastam, enquanto isoladamente considerados, para justificar a prolação, pelo Poder

Judiciário, de um ato de condenação penal. É nula a condenação penal decretada

com apoio em prova não produzida em juízo e com inobservância da garantia

constitucional do contraditório. Precedentes. - Nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete ao réu demonstrar a sua inocência. Cabe ao Ministério

Público comprovar, de forma inequívoca, a culpabilidade do acusado. Já não mais

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prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento

histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta

de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a

sua própria inocência (Decreto-Lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Não se justifica,

sem base probatória idônea, a formulação possível de qualquer juízo condenatório,

que deve sempre assentar-se - para que se qualifique como ato revestido de validade

ético-jurídica - em elementos de certeza, os quais, ao dissiparem ambigüidades, ao

esclarecerem situações equívocas e ao desfazerem dados eivados de obscuridade,

revelam-se capazes de informar, com objetividade, o órgão judiciário competente,

afastando, desse modo, dúvidas razoáveis, sérias e fundadas que poderiam conduzir

qualquer magistrado ou Tribunal a pronunciar o non liquet. VALIDADE DA EXACERBAÇÃO PENAL, QUANDO ADEQUADAMENTE MOTIVADA PELO

PODER JUDICIÁRIO. - Não se revela possível a redução da pena imposta, quando

a exacerbação penal, além de adequadamente motivada, apóia-se em fundamentação

provida de conteúdo lógico-jurídico e em dados concretos justificadores da

majoração efetivada. Refoge ao âmbito estreito do habeas corpus o exame dos

critérios de índole pessoal, que, subjacentes à formulação do juízo de valor atribuído

pelo ordenamento legal ao magistrado sentenciante, permitiram-lhe, sem qualquer

ilegalidade ou abuso de poder, exacerbar o quantum penal imposto ao réu

condenado. Precedentes. 3

(HC 73338, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 13/08/1996, DJ 19-12-1996 PP-51766 EMENT VOL-01855-02 PP-00270)

Por fim, ainda no curso da instrução processual, em atividade supletiva à das partes, na

previsão do art. 156, II, do CPP, por iniciativa probatória, o juiz poderá determinar a

realização de diligências para dirimir dúvida sobre fato relevante para o julgamento do

processo, no qual se inclui, é claro, o fato negativo.

A eleição de tais saídas seria a melhor forma de aplicação integrativa do princípio da não

culpabilidade, de modo a não ferir, concomitantemente, o princípio do devido processo legal,

em sua vertente ao direito da amplitude da defesa, que vem justamente a consagrar o direito à

prova de todos os meios possíveis (exegese do art, 5, LIV e LV, da CF).

Doutor Rodrigo Conholato Silveira, Advogado, inscrito na OAB sob o número 13.397:

1- Certamente. por vezes, o réu não encontra nenhum meio de prova possível de permitir tal

demonstração. Dessa maneira, a prova diabólica, muitas vezes, ocorre nos casos em que se

tem que provar algo que não ocorreu, constituindo-se em uma autêntica prova negativa. uma

testemunha pode assegurar que não viu um réu cometer um crime. No entanto, é praticamente

impossível que a mesma testemunha afirme que o réu nunca cometeu um crime.

2- o princípio da impossibilidade da prova negativa baseia-se nos ensinamentos do direito

canônico de que somente o Diabo poderia provar um fato negativo. Dessa forma, deve-se

afastar a chamada “probatio diabolica”.

No Processo Civil, cabe mencionar que o CPC adotou a teoria estática de distribuição do ônus

da prova, em que a prova é distribuída de maneira imutável entre as partes, ou seja, a prova é

de quem alega. No entanto, a teoria estática não resolve os casos de prova diabólica ou

negativa. Para tentar resolver essa questão, surgiu a teoria da distribuição dinâmica do ônus

da prova, em que o ônus da prova é distribuído para quem puder suportá-lo. Tal teoria foi

amplamente aceita pela doutrina e pela jurisprudência, tendo como fundamento o princípio da

igualdade

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No que se refere à distribuição do ônus da prova no Processo Penal, cumpre destacar que o

ônus da prova dos fatos constitutivos da pretensão penal pertence exclusivamente à acusação,

sem que se possa exigir a produção por parte da defesa de provas referentes a fatos negativos

(provas diabólicas). [5]

Sobre esse tema, a 1ª Turma do STF, no julgamento do HC 73338,

Relator Min. CELSO DE MELLO, julgado em 13/08/1996, asseverou que o réu, no Processo

Penal, não tem a obrigação de provar sua própria inocência.

3- não há dúvida que a obrigatoriedade de produção da prova diabólica fere o princípio do in

dubio pro réu, vez que causa um deslocamento ilegal do ônus probandi, que no processo

penal é atribuído a quem acusa. Portanto, exigir que o réu faça prova de fatos negativos e pior,

que originariamente não lhe competiam, vez que consubstanciam a acusação, notoriamente

fere o princípio da presunção de inocência.