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O CONCEITO JURÍDICO DE ANIMUS DOMINI (POSSE QUALIFICADA) PARA FINS RECONHECIMENTO PRESCRIÇÃO AQUISITIVA DA PROPRIEDADE – MODALIDADE USUCAPIÃO CONSTITUCIONAL URBANA (MORADIA) E A PROIBIÇÃO DE INTERPRETAÇÃO QUE AFASTE A EFICÁCIA DO DIREITO CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO 1 O inadimplemento do IPTU, das cotas condominiais, e demais despesas incidentes sobre o bem imóvel pelo possuidor, não descaracteriza a posse qualificada e nada tem a ver com o animus domini. Interpretação neste sentido esvazia a eficácia do direito constitucionalmente assegurado. MARCOS AURÉLIO FRANCO VECCHI Advogado militante no contencioso, pós-graduado em direito público, especialista em direito tributário, Consultor e Parecerista, sócio diretor do MV&A – MARCOS VECCHI & ADVOGADOS ASSOCIADOS Resumo: O estudo procura demonstrar o mito de que é imprescindível a realização de pagamentos de tributos, de cotas condominiais e demais despesas incidentes sobre o imóvel, para dar ensejo ao reconhecimento do requisito do animus domini para fins de usucapião imobiliária, quando na verdade este ocorre independentemente de tais adimplementos, sendo necessário apenas o exercício efetivo da posse qualificada, que é aferida objetivamente segundo a teoria dos obstáculos. Apresenta, ainda, os requisitos gerais e específicos da Usucapião Constitucional Urbana. Evidencia, por fim, a proibição pela Suprema Corte de 1 “A usucapião especial urbana tem raiz constitucional e seu implemento não pode ser obstado com fundamento em norma hierarquicamente inferior ou em interpretação que afaste a eficácia do direito constitucionalmente assegurado ”. (Ministro Dias Tóffoli RE 422349 / RS - RIO GRANDE DO SUL DJe-153 - DIVULG 04-08-2015 - PUBLIC 05-08-2015, Com Repercussão Geral de Mérito)

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O CONCEITO JURÍDICO DE ANIMUS DOMINI (POSSE QUALIFICADA) PARA FINS RECONHECIMENTO PRESCRIÇÃO AQUISITIVA DA PROPRIEDADE – MODALIDADE USUCAPIÃO CONSTITUCIONAL URBANA (MORADIA) E A PROIBIÇÃO DE INTERPRETAÇÃO QUE AFASTE A EFICÁCIA DO DIREITO CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADO1

O inadimplemento do IPTU, das cotas condominiais, e demais despesas incidentes sobre o bem imóvel pelo possuidor, não descaracteriza a posse qualificada e nada tem a ver com o animus domini. Interpretação neste sentido esvazia a eficácia do direito constitucionalmente assegurado.

MARCOS AURÉLIO FRANCO VECCHIAdvogado militante no contencioso, pós-graduado em direito público, especialista em direito tributário, Consultor e Parecerista, sócio diretor do MV&A – MARCOS VECCHI & ADVOGADOS ASSOCIADOS

  Resumo: O estudo procura demonstrar o mito de que é imprescindível a realização de pagamentos de tributos, de cotas condominiais e demais despesas incidentes sobre o imóvel, para dar ensejo ao reconhecimento do requisito do animus domini para fins de usucapião imobiliária, quando na verdade este ocorre independentemente de tais adimplementos, sendo necessário apenas o exercício efetivo da posse qualificada, que é aferida objetivamente segundo a teoria dos obstáculos. Apresenta, ainda, os requisitos gerais e específicos da Usucapião Constitucional Urbana. Evidencia, por fim, a proibição pela Suprema Corte de interpretação que afaste a eficácia do direito constitucionalmente assegurado no tocante ao presente tema.

Palavras-chave: Conceito: Animus Domini – Sinonímia de Posse Qualificada. A falsa ideia de que a quitação de tributos e das cotas condominiais constituem requisitos para o Animus Domini. Requisitos gerais específicos da Usucapião Constitucional Urbana. Proibição de interpretação que afaste a eficácia Constitucional. Direito de Moradia. Função Social da Propriedade. Dignidade da Pessoa Humana.

1 “A usucapião especial urbana tem raiz constitucional e seu implemento não pode ser obstado com fundamento em norma hierarquicamente inferior ou em interpretação que afaste a eficácia do direito constitucionalmente assegurado”. (Ministro Dias Tóffoli RE 422349 / RS - RIO GRANDE DO SUL DJe-153 - DIVULG 04-08-2015 - PUBLIC 05-08-2015, Com Repercussão Geral de Mérito)

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Há uma ideia equivocada que recorrentemente surge e circula como se verdade fosse, segundo a qual, a realização de pagamentos de tributos, de cotas condominiais e demais despesas incidentes sobre o imóvel, representam condição sine qua non para dar ensejo ao reconhecimento do requisito do animus domini para fins de usucapião imobiliária.

Trata-se em verdade de um mito – e assim denominamos diante da falsa percepção do instituto, posto que não há qualquer fundamentação jurídica para assim cogitar

Em que pese o pagamento do IPTU e demais despesas incidentes sobre o bem imóvel a ser usucapido constitua indício da presença do animus domini, não é requisito indispensável para o seu reconhecimento, motivo pelo qual a eventual inadimplência em relação ao tributo e ou cotas incidentes não obstam ao reconhecimento do direito à usucapião.

Destarte, a mera quitação de tributos e das cotas condominiais não constitui requisito para a usucapião de nenhuma modalidade, especialmente a constitucional urbana, e não influenciam no reconhecimento do animus domini.

O animus domini como o de posse simples com posse qualificada.

Primeiramente, devemos destacar que não se pode confundir justo título, boa-fé que são inexigíveis em algumas modalidades de Usucapião (Usucapião Constitucional Urbana ou Usucapião Extraordinária) e embora existentes, nada a tem a ver com animus domini. (Saliente-se, que até o ladrão e o invasor tem animus domini 2 ) Avante melhor explicitaremos cada um destes conceitos e suas inequívocas diferenças.

2 Eis, a propósito, a lição de Pontes de Miranda: “ A res furtiva, que era espécie de res vitiosa, não podia ser usucapida. Não, assim, hoje em dia. O ladrão pode usucapir; o terceiro usucape, de boa ou de má fé, a coisa furtada” (“Tratado de Direito Privado”, Borsoi, Rio, 1956, v. XV, parágr. 1.697, nº 2, p. 111).“Automóvel furtado. Reconhece-se usucapião extraordinário pela posse superior a cinco anos, mesmo que o primeiro adquirente conhecesse o vitium furti. ‘O ladrão pode usucapir; o terceiro usucape, de boa ou de má fé, a coisa furtada’ (Pontes de Miranda). “Já Lafayette, no seu clássico ‘Direito das Coisas’, giza na nota nº 55 ao § 66 da obra que: ‘As coisas imóveis vi possessae e os móveis furtados – res furtivae – segundo o Direito Romano, não podiam ser prescritas nem mesmo pelo adquirente que em boa-fé as houvesse recebido do autor do esbulho ou do furto’ (...). Esse rigor não foi aceito pelo direito moderno. De fato, a posse do terceiro adquirente não traz em si o vício da posse anterior. Por que, pois, negar-lhe a virtude de produzir a prescrição?” (op. cit., Ed. Rio, 1977, p. 228/229).

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O animus domini é aferido segundo critérios objetivos outros que não guardam mínima correlação, nem tampouco pertinência com a capacidade tributária ou econômica daquele que exerce a posse de forma mansa, não violenta e sem posição de quem quer que seja.

Vê-se, assim, que animus domini nada mais é, - como será a seguir minudentemente demonstrado - que uma contraposição ao mero possuidor a título precário (locatário, o comodatário, o usufrutuário e o credor). É, pois, em síntese, o animus domini, exteriorizado como aquele tem posse do bem em nome próprio, e não se acha em relação de dependência para quem quer que seja.

Não há, pois, como querer condicionar ao pagamento de tributos e tarifas incidentes sobre o bem imóvel para ter reconhecido o ânimo de dono.

Indaga-se: alguém perde a propriedade e deixa de querer ser dono do automóvel porque não pagou IPVA? Ou, mesmo, perderá automaticamente o imóvel, por ausência de um suposto animus domini, por simplesmente inadimplir com o IPTU? Tal linha de raciocínio, revela-se no mínimo absurda, eis que divorciada da realidade fática, do direito e da justiça.

Veja o requisito exigido de ter a coisa como sua (animus domini) obviamente está na órbita psicológica, ou na dimensão psíquica (intenção) da usucapiente, e não na do intérprete, como erroneamente pretendem alguns incautos operadores do direito.

Conforme já dito, a mera quitação de tributos e das cotas condominiais não constituem requisitos para a usucapião de nenhuma modalidade, especialmente a Constitucional urbana, com predominante função social, para fins de moradia sua e de sua família e sem subordinação à ordem de quem quer que seja. Inexiste, pois, qualquer exigência em tal sentido (quitação de tributos e encargos do imóvel) em qualquer dos dispositivos acima mencionados: Art. 183 da CRFB/1988, Art. 1.240 do CC/2002, e do Art. 9º do Estatuto da Cidade, respectivamente.

Indaga-se, na seguinte situação hipotética: o simples fato de algum cidadão inadimplir o tributo ou mesmo as cotas condominiais, mesmo sendo o titular do domínio registral, retirar-lhe-á, de modo automático, o direito de propriedade? Por óbvio que não!

Por certo que poderá vir a perder a propriedade apenas - se e quando - os respectivos credores ajuizarem as respectivas execuções

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e/ou ações de cobranças, observados o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.

Destarte, impõe-se a aplicação das regras de hermenêutica jurídica segundo as quais: Ubi eadem ratio ibi idem jus (onde houver o mesmo fundamento haverá o mesmo direito) e Ubi eadem legis ratio ibi eadem dispositio (onde há a mesma razão de ser, deve prevalecer a mesma razão de decidir).

Ainda no que tange a conceituação deste instituto jurídico, por primeiro, vamos buscar nos socorrermos nos léxicos gramaticais. Assim, "Animus domini ", na lição de De Plácido e Silva, "é a consciência do senhor da coisa de que esta lhe pertence de pleno direito, e, por isso, juridicamente, a poder deter em sua posse. E a posse que resulta daí é a do próprio direito, porque indica a posse do domínio. O animus domini é elemento substancial do direito de posse, e a indica como uma posse perfeita, visto que ela se comporta sobre uma coisa que se possui como sendo de propriedade própria" ("Vocabulário Jurídico", vol. I). 

Destarte, o ânimo de dono pode ser resumido da seguinte forma: Querer ser dono, mas não poder em razão seguintes exclusivas causas impeditivas: a) entre cônjuges, na constância do matrimônio; b) entre ascendente e descendente, durante o pátrio poder; c) entre tutelados e curatelados e seus tutores e curadores, durante a tutela e a curatela; d) em favor de credor pignoratício, do mandatário, e, em geral, das pessoas que lhe são equiparadas, contra o depositante, o devedor, o mandante, as pessoas representadas, os seus herdeiros, quanto ao direito e obrigações relativas aos bens, aos seus herdeiros, quanto ao direito e obrigações relativas aos bens confiados à sua guarda.

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A regra oposta se aplica com perfeição: Não mais querer o bem e por isso perde-lo (Res derelicta3,4).

Sabemos todos que o que mais caracteriza uma ciência, é, exatamente, a aceitação geral e universal dos seus postulados, das suas "leis"(leis da Química, da Física, da Matemática, etc .).

No campo do Direito enquanto ciência, - ainda que não naturalística, não pode o intérprete ao seu arbítrio criar pseudo realidades ficcionais. Não pode, assim, dar azo que o mesmo possa interpretar um texto de acordo com sua vontade, com sua subjetividade, ignorando até mesmo o conteúdo mínimo-estrutural de um texto ou de um conceito jurídico amplamente já definido.

Não pode, pois, formular exigências que não encontram amparo em nenhum substrato constitucional (Arts. 1º, III, 5º XXII e XXIII, 6º e 183 CFRB/1988) ou legal (Arts. 1.238, § único e 1.240 do Código Civil em vigor, e Art. 9º do Estatuto da Cidade).

Como adverte o professor Lênio Streck5: “A ‘vontade’ e o ‘conhecimento’ do intérprete não permitem a atribuição arbitrária de sentidos, e tampouco uma atribuição de sentidos arbitrária.” (2006, p. 193).

Ou seja, como nas palavras de Felipe Augusto Fonseca Vianna6: a Hermenêutica não permite – e nem os juristas podem permitir – qualquer forma de decisionismo, subjetivismo ou

3 Res derelicta (res derelictae no plural) é uma expressão latina, composta de res + derelicta, significando (DE PLÁCIDO E SILVA, 2004:1212) literalmente "coisa abandonada", sendo, nesse sentido, suscetível de apropriação. A renúncia à propriedade da res acarreta a situação de abandono, que habilita a ocupação, um dos modos originários de aquisição da propriedade desde o direito romano (MARKY, 1995:79). (DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004)4 Maria Helena Diniz (2004:304) assevera que é necessária a "intenção do (...) dono" de se despojar da coisa, destacando, ainda, que não é obrigatória a "existência de uma declaração expressa do dono", bastando a dedução inequívoca de que há o "propósito de abandonar o bem", assim como o comportamento com relação ao bem. (DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 20.ed.rev.atual. São Paulo: Saraiva, 2004, v.4)5 STRECK, Lênio Luiz. Aplicar a “Letra da Lei” é uma Atitude Positivista?. Revista Novos Estudos Jurídicos, eletrônica, v. 15, n. 1, p. 158-173, jan./abr. 2010.6 Mestrando em Criminal Justice pela California Coast University. Especialista em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas. Analista Processual do Ministério Público do Estado do Amazonas http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=14883#_ftn23

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discricionariedade judicial (Texto, Norma e Decisão: Porque não se pode “falar qualquer coisa sobre qualquer coisa”).

MIGUEL REALE7 disciplina que a partir da diretriz da socialização fez surgir “dois modos de possuir capazes de alcançar a usucapião: a posse simples e a qualificada”. No presente caso, como se verá se trata de posse qualificada.

A posse qualificada com privilégio é “marcada pelo elemento fático caracterizador da função social: é a posse exercida a título de moradia e enriquecida pelo trabalho ou investimento”8.

Assim, se por falta de cuidado de uma coisa, os poderes inerentes à propriedade forem exercidos por um terceiro, que tem a posse qualificada com privilégio, tornando-a útil no crivo da sociedade, permitir-se-á não só a inversão na proteção, mas, também, a consolidação da propriedade em favor deste terceiro, através da usucapião. [Destacamos].

A posse qualificada com privilégio tem íntima ligação com o princípio da sociabilidade, onde este princípio se encontra fixado no âmbito do Direito das Coisas, e consiste no prestígio da posse socialmente levada e encaixada no contexto econômico como mecanismo para facilitação da aquisição da propriedade. Esta qualificação permite ao possuidor percorrer um caminho facilitado e mais rápido na aquisição da propriedade, consubstanciando em bônus.

Destarte, a posse qualificada com privilégio, em razão do espírito de sua destinação social e econômica, representa um interesse que atinge a toda a comunidade, pois é certo que se deem às coisas uma utilidade que as façam cumprir, da melhor maneira, sua função social.

Com efeito, sendo a posse a exteriorização do domínio, ou seja, a relação exterior e intencional, existente, normalmente, entre o proprietário e sua coisa, faz-se necessário para adquirir a propriedade 7 MIGUEL Reale, apud FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2006, p. 274.8 Temos que deixar claro que função social da propriedade não se confunde com a chamada função social da posse, que da vez há que chamamos de posse qualificada com privilégio. Sobre a tensão entre função social da posse e a propriedade. ALBURQUERQUE, Ana Rita Vieira. Da função social da posse e a sua consequência frente à situação proprietária. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2002. (http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8229#_ftn15 “Aquisição pela usucapião (prescrição aquisitiva)”, por Leonardo Gomes de Aquino)

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pela usucapião que o possuidor tenha a posse com intenção de dono (posse animus domini ou posse qualificada) de forma mansa, pacífica e contínua. (RT 539:205 e RT: 520:97)

Logo os detentores que possuem posse degradada e os possuidores diretos possuem posse simples, mas não de forma qualificada, ou seja, sem animus domini.  Não podem adquirir imóveis.

Deste modo, se alguém comprovadamente tem a posse qualificada, exercida com a finalidade de moradia da família (em qualquer de suas múltiplas conformações), em franca e clara homenagem aos fundamentos da República Federativa brasileira: quais sejam, a cidadania e a dignidade da pessoa humana, fará jus indubitavelmente ao reconhecimento da prescrição aquisitiva originária, através da Usucapião Constitucional Urbana.

Assim, todo possuidor que tem a posse com a intenção de dono tem a posse de forma qualificada e não de maneira simplificada, como relata o Miguel Reale, visto que quando ocorre à bipartição da posse, o proprietário fica com a posse indireta e o possuidor fica com posse direta, ou seja, fica com a posse simplificada, pois se assim, fosse este poderia adquirir a propriedade pela usucapião, coisa que não ocorre.

O professor Leonardo Gomes de Aquino, em primoroso trabalho acerca do tema, já mencionado alhures afirma:

“É exemplo de possuidor direto, o usufrutuário, locatário, etc., que, embora tendo o direito à posse, que os possibilita de invocar os interditos para defendê-la contra terceiros ou contra o proprietário do bem, não podem usucapir, visto que a sua posse advém de título ou de contrato que os obriga a restituir o bem, não podendo, desta feita, adquirir a coisa, não dando azo à aquisição da posse por usucapião. Logo, todos os possuidores com posse direta, a possui de forma simplificada e os detentores há possui de forma degradada.

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No entanto, nada impede que a posse do possuidor direto venha a possuir a posse qualificada. Este é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça segundo o qual nada impede que o caráter originário da posse se modifique, motivo pelo qual o fato de ter havido no início da posse da autora um vínculo locatício, não é embaraço ao reconhecimento de que, a partir de um determinado momento, essa mesma mudou de natureza e assumiu a feição de posse em nome próprio, sem subordinação ao antigo dono e, por isso mesmo, com força ad usucapionem9.

Para que não subsista qualquer dúvida acerca do que vem a ser exatamente o animus domini, nos reportamos na consagrada obra USUCAPIÃO DE BENS IMÓVEIS E MÓVEIS (7ª edição, revista, atualizada e ampliada, Ed. Revista dos Tribunais Ltda.), onde o ilustrado professor JOSÉ CARLOS DE MORAES SALLES, na página 72, com sua habitual percuciência leciona:

1.4.5 O animus domini. O locatário, o comodatário, o usufrutuário e o credor pignoratício não possuem com animus domini. Os fâmulos da posse (caseiros, administradores de fazenda etc.) são meros detentores da posse.

“O terceiro requisito para que se concretize a usucapião é o animus domini por parte do possuidor. Deve ele ‘possuir como seu um imóvel’ (art. 1.238 do Código Civil em vigor), ou seja, com ânimo de dono (quantum possessum, tantum praescriptum).

Todavia, como bem ressaltou o ínclito Ministro Orozimbo Nonato em acórdão do Supremo Tribunal Federal, a prova desse animus domini, isto é, da vontade de exercer o direito de propriedade e que não se confunde com a opinio domini, a convicção certa ou errada de ser proprietário, é diabólica, chegando alguns práticos antigos a sugerir, ao propósito, o juramento do interessado.

‘A revelação exterior desse elemento subjetivo é tão dificilmente apreensível que ‘a jurisprudência alemã chegou a organizar a lista dos sintomas’, que a definem. Inutilmente, entretanto, pois todos eles podem ser exercidos pelo detentor. (v.Rodrigues Júnior, A Posse, p.82).

9 http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8229#_ftn15 “Aquisição pela usucapião (prescrição aquisitiva)”, por Leonardo Gomes de Aquino

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‘A vontade, pois, a que se deve atender, como ensina Ihering, é abstrata, ligada à causa da detenção. ’

De outra parte, como previne o mesmo Orozimbo Nonato, ‘... a boa-fé não se confunde com o animus domini. Este não significa o opinio seu cogitatio domini senão a intenção, nem sempre fortalecida de ânimo ileso de má-fé de ter a coisa como dono’. E, mais adiante: ‘O animus domini é a intenção de exercer em nome próprio o direito de propriedade (Rodrigues Júnior), o que não se confunde com a convicção da legitimidade desse exercício, que é a boa-fé.’

Verifica-se, pois, que, no tocante ao animus domini, há necessariamente uma atitude psicológica de proprietário por parte do possuidor: Há um requisito psíquico, de tal forma mesclado com a posse, que se torna elemento essencial para a usucapião.

O requisito exigido (animus domini) obviamente está na órbita psicológica, ou na dimensão psíquica (intenção) da usucapiente, e não na do intérprete, como erroneamente fez o douto Magistrado de piso. Não tivesse ela a intenção ser dona da coisa sequer teria interesse para ajuizar a presente ação.

Em suma, fica afastada a possibilidade de usucapião pelos fâmulos da posse, - ou seja, por aquele que, estando em relação de dependência para com o dono da coisa, mas como simples detentores, instrumentos da vontade do proponente. Como exemplos, citam-se o caseiro e o administrador de fazenda.

Devem ser excluídos, também, os que, temporariamente, exercem a posse direta sobre a coisa, em decorrência de obrigação ou direito, tais como o locatário, o usufrutuário e o credor pignoratício. Nenhum deles possui animus domini porque, em virtude da ‘causa da posse’, se torna impossível possuírem a coisa como proprietários. Neste sentido, confiram-se os arestos sobre comodato publicados em RT 542/212, 637/162 e 637/168, bem como inserto na RJTJESP 92/245. Examine-se, ainda, a JTJ 155/133. V. também as JTJ 206/152 e 192/158 e a RT 732/343.

Essa classe de mero detentores não podem usucapir, justamente por lhes faltarem o animus domini,

Por outro lado, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina já decidiu que, ‘permanecendo o alienante do imóvel na posse direta do bem após regular notificação para desocupação, caracterizada está a posse injusta, que lhe impede a alegação de usucapião, dada a

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ausência de animus domini, ensejando ao adquirente a ação reivindicatória’ (RT 615/172).

No tocante aos fâmulos da posse, o art. 1.198 (caput) do atual Código Civil é, aliás, bastante claro, ao estatuir: ‘Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções sua’.

Prossegue o douto Professor em seu majestoso trabalho bem definindo e conceituando o aludido requisito:

“O animus domini é, portanto o terceiro requisito para a aquisição de um bem por usucapião. Eis por que a Egrégia 2ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao tempo em que vigorava o Código Civil anterior, já decidira: ‘Certo é que o terreno não tem benfeitorias. Mas o ato de cercá-lo, de efetuar a sua limpeza, de exteriorizar, perante todos, o procedimento típico do proprietário, caracteriza, sem dúvida, a posse com animus domini. O cultivo do solo, tornando-o produtivo, é exigência de outra modalidade de usucapião, que não o previsto no art. 550 do CÓDIGO Civil’ (RT 600/44).

Não obstante, ainda no tocante ao tema do animus domini, deve ser mencionado expressivo acórdão do Supremo Tribunal Federal, analisando questão em que se debateu a ocorrência ou não de constituto possessório. Neste aresto, publicado em RTJ 86/748, ficou decidido:

‘Constituto possessório. Deve ser expresso ou contido implicitamente no texto da escritura em que se firmou o negócio jurídico de transferência de domínio. Caso de compra e venda de imóvel sem transferência da posse ao comprador. Vendedor que permanece no imóvel com ânimo de dono e o cultiva por mais de vinte anos. Tem o direito de usucapi-lo’ (o grifo é nosso). Confira-se, também, o acórdão publicado na RJTJESP 115/202, especialmente p. 204 a 206.

No mesmo sentido, o Mestre DILVANIR JOSÉ DA COSTA10, na OBRA USUCAPIÃO: DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA11, Brasília a. 36 n.

10 DILVANIR JOSÉ DA COSTA - Professor de Direito Civil nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito da UFMG. Doutor em Direito Civil. Advogado.11 http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/524/r143-25.PDF?sequence=4

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143 jul./set. 1999, nos ensina: “Depois da posse e do tempo, o grande requisito da usucapião vem a ser o qualificativo da posse, que se designa em doutrina como posse animo domini, que se traduz literalmente “com animo ou intenção de dono” e tecnicamente “com pretensão de dono”. Em nosso Código Civil e na Constituição, esse requisito vem com a expressão “possuir como seu”. Vulgarmente e até na jurisprudência se diz “posse em nome próprio”, para se distinguir da posse em nome alheio, que não gera usucapião.

Qualquer das expressões deixa dúvida sobre o verdadeiro sentido ou conteúdo desse requisito legal, que pode ser apreendido melhor recorrendo-se à ideia contrária. Assim, não possui “como seu” quem tem posse contratual, pela qual se reconhece o domínio de outro sobre o objeto. Exemplos típicos são o locatário, o comodatário, o depositário, o empregado e similares, os quais não podem adquirir por usucapião.

Nas posses contratuais, o possuidor direto não exclui a posse do possuidor indireto, impossibilitando-se a usucapião por falta do requisito “posse exclusiva”. A propósito, os tribunais têm decidido: “Não tem posse em nome próprio quem se acha em relação de dependência para com outro, conservando a posse em nome deste e em cumprimento de suas ordens ou instruções. É a situação da filha em relação ao pai (Carvalho Santos, CCB Interpret., vol VII, p. 33) ou vice-versa, como na espécie. É fâmulo da posse ou mero detentor. Logo, não pode transmitir a outrem (acessio) o inexistente.” (TACPR, ap. 55.832-7, BDI, 1994, nº 13, p. 11).

“Meros prepostos ou fâmulos não exercem posse em nome próprio mas sim em caráter provisório ou precário.” (TJPR, ap. 25.032-8, COAD, N/T, 1994, súm. 64.488).

“A posse por mera permissão do de cujus é precária, não se computando para fins de usucapião. Aberta a sucessão, estabeleceu-se condomínio entre os herdeiros, afastando a usucapião por falta de posse exclusiva. ” (TJBA, ap. 20.344-3, j. 11-6-96, COAD, N/T, 1997, nº 20, súm. 78.408).

Ainda neste sentido, trazemos adiante demais lições doutrinárias e precedentes jurisprudenciais científicos, que afirmam que esse aspecto econômico (quitação de tributos ou de cotas condominiais), não influem no reconhecimento da usucapião, sendo certo que esta que deve ser prestigiada em razão da função social e do direito de moradia, como quiseram o constituinte originário e o legislador ordinário.

Em síntese, não pode o interprete deturpar um conceito jurídico amplamente dominado na doutrina e na jurisprudência, conferindo-

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lhe ares de “conceito jurídico indeterminado”, como demonstrado exaustivamente neste modesto trabalho.

Ou seja, não se pode admitir que a ordem jurídica seja subvertida, ao atribuir um conceito ao instituto do animus domini uma perigosa óptica de caráter meramente subjetiva, justamente conferindo-lhe uma interpretação dotada de um critério de natureza estritamente econômica, que certamente afastará e esvaziará a eficácia do direito constitucionalmente assegurado, qual seja: o da moradia, da dignidade da pessoa humana, e da função social da propriedade, contrariando, dessarte, expressa interpretação conferida pela Excelsa Suprema Corte ao próprio tema.

Veja, como será melhor explicitado adiante, o critério científico e objetivo, a respeito do animus domini, não pode ser um ato de vontade concebida no plano subjetivo do agente, do interprete, no caso o Juiz, sob pena de se gerar indesejável insegurança jurídica, e a perigosa possibilidade e de se ter um juiz com o nocivo papel de exercer a judicatura travestido de legislador positivo.

Novamente, vale ser destacado por sua total adequação e pertinência que “no que tange ao animus domini, segundo a teoria dos obstáculos, deve-se identificar a causa possessionis (como se operou a imissão na posse) e, após, verificar se existem ou não obstáculos objetivos, que são a detenção (art. 1.198 do CC) ou a posse direta (relação de locação, comodato ou usufruto, por exemplo). A inexistência de obstáculos objetivos gera presunção positiva do ânimo de dono.” (AREsp 317812 Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO - 21/10/2014).

Presume-se a posse com animus domini, ou seu sinônimo: posse qualificada. E havendo a mansidão, pacificidade e continuidade indicam exercício ininterrupto e sem oposição da posse é de ser reconhecida a usucapião.

Nada obstante, o pagamento do IPTU e de quaisquer outras tarifas relativas ao imóvel, luz, gás, condomínio, etc, possa ser um mero indício da presença do animus domini, - não constitui – no entanto - requisito indispensável para o seu reconhecimento. Assim sendo, eventual inadimplência da usucapiente em relação a tributos ou tarifas, não obstam ao reconhecimento do direito à aquisição originária da propriedade na modalidade usucapião.

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Nas lições doutrinárias, quanto ao animus domini, há que se citar as considerações expendidas por Lenine Nequete12, que aduz:

“[...] por definição, é o ‘animus domini’ a vontade (ainda que de má-fé) de possuir alguém como se fosse dono, donde o dizer-se que existe mesmo no ladrão, que sabe que a coisa lhe pertence. Mas [...] entende-se que para caracterizá-lo não basta aquela vontade: é preciso que ela resulte da ‘causa possessionis’, isto é, do título em virtude do qual se exerce a posse: de modo que se esta foi iniciada por uma ocupação, pacífica ou violenta, pouca importa, haverá o ânimo; se, ao contrário, originou-se de um contrato, como o de locação, por exemplo, que implica no reconhecimento do direito dominial de outrem, não se pode reconhecê-lo”.

Em breve síntese, ao contrário da respeitável, porém equivocada compreensão do eminente Magistrado, no que concerne a verificar a existência do animus domini, pedimos licença para transcrever valiosa lição da eminente Magistrada LIEGE PURICELLI PIRES, professora e desembargadora pelo egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, in litteris:

APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO (BENS IMÓVEIS). AÇÃO DE USUCAPIÃO. ANIMUS DOMINI. ÁREA USUCAPIENDA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA

. I. A respeito do animus domini, deve-se, por primeiro, identificar a causa possessionis (como se operou a imissão na posse) e, após, verificar se existem ou não obstáculos objetivos, que são a detenção (art. 1.198 do Código Civil) ou a posse direta (relação de locação, comodato ou usufruto, por exemplo). A inexistência de obstáculos objetivos gera presunção positiva do animus domini.

Caso concreto em que a parte ré não logrou comprovar ter mantido qualquer relação com o autor, seja de permissão ou locação. II. Quanto à área usucapienda, a prova oral não foi capaz de comprovar que a posse do autor se limitava à casa, e não a todo terreno. RECURSO DESPROVIDO

12 NEQUETE, Lenine. Da prescrição aquisitiva (usucapião). 3 ed. Porto Alegre: Ajuris, 1981. p. 121.

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À UNANIMIDADE. (Apelação Cível Nº 70067192005, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 17/12/2015)

Exatamente nesta mesma direção, múltiplos são os precedentes jurisprudenciais dos mais diversos Tribunais pátrios, confira:

A usucapião não se define pelo pagamento de tributos imobiliários e sim pela qualidade e tempo da posse (9016353-31.2001.8.26.0000 – TJSP – ÊNIO ZULIANI - 3ª Câmara de Direito Privado).

Pagamento do IPTU que não serve para reconhecer este ânimo de dono, da outra metade ideal. Tempo de posse e ausência de oposição, presentes, mas faltante o animus domini. 

Não induzem posse ad usucapionem, ao depois, atos de mera permissão, tolerância, cessão gratuita ou ocupação consentida pelo proprietário da outra metade do bem, como no caso em comento. (Apelação Cível Nº 70048588263, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: NELSON JOSÉ GONZAGA, Julgado em 28/11/2013)

Neste ínterim, o pagamento dos débitos de IPTU, por si só, não constitui prova suficiente da posse com ânimo de dono. Manutenção da sentença que julgou improcedente o pedido de declaração de domínio da autora sobre o bem usucapiendo. Negaram provimento ao apelo. Unânime. (Apelação Cível Nº 70063671366, Vigésima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: DILSO DOMINGOS PEREIRA, Julgado em 25/03/2015

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMISSÃO NA POSSE. IMÓVEL OBJETO DE GARANTIA HIPOTECÁRIA, POSTERIORMENTE ADJUDICADO PELO CREDOR HIPOTECÁRIO. USUCAPIÃO ESPECIAL URBANO ALEGADO EM CONTESTAÇÃO. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. 1) O imóvel de propriedade de sociedade de economia mista não tem natureza de bem público e, por isso, pode ser usucapido. 2) A partir da arrematação do imóvel pelo credor hipotecário, a posse originária decorrente de contrato de promessa de compra e venda sofre alteração em sua causa, transmudando-se de precária para própria, dando início a uma nova relação possessória, o que torna possível o transcurso do lapso prescricional em favor do possuidor. 3) No caso, a ré, ex mutuária inadimplente, ocupa o imóvel que comprara, sem qualquer oposição, por mais de cinco anos, entre a data do registro da carta de arrematação pelo credor hipotecário e a sua notificação

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para desocupação do bem, estando, assim, presente o requisito temporal previsto na norma do artigo 183 da Constituição Federal. 4) Verifica-se, além disso, que o imóvel possui área que não excede 250m² e que inexiste nos autos prova de que a ré seja proprietária de outro imóvel, estando, assim, presentes os demais requisitos exigidos para a caracterização da usucapião especial urbana, na forma dos artigos 183 da Constituição Federal c/c art. 9º da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade). 5) Modalidade de usucapião que prescinde de justo título e boa-fé. 6) Em que pese o pagamento do IPTU seja indício eloquente da presença do animus domini, não é requisito indispensável para o seu reconhecimento, motivo pelo qual a inadimplência da ré em relação a este tributo não obsta ao reconhecimento do direito à aquisição. 7) Recurso ao qual se nega provimento. 0050537-32.2010.8.19.0038 – APELAÇÃO - DES. HELENO RIBEIRO P NUNES - Julgamento: 13/10/2015 - QUINTA CÂMARA CÍVEL)

Vale ser sublinhado que este fenômeno da prescrição aquisitiva, ocorre em razão da inércia do proprietário e pela função social, e se constitui em modo originário de aquisição de domínio.

Tem, deste modo, como núcleo essencial, a proteção à dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III], no princípio da igualdade formal e material (Art. 5º] e no direito social à moradia (Art. 6º], além do Art. 183, expressão máxima da função social da propriedade, todos da Constituição da República.

Vale ressaltarmos que o Código Civil assim define a posse:

Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade.

Em contraposição, temos a figura do detentor:

Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.

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Por óbvio, ambos conceitos – posse e detenção – são semelhantes, mas absolutamente distintos e, portanto, não se confundem.

Ainda sobre a Posse e o Animus Domini13 (sinônimo de posse qualificada)

Assim, o possuidor revela ânimo de dono quando se comporta perante a coisa com a vontade aparente de proprietário, ou seja, quando a utiliza com predominante função social, como, v.g., para fins de moradia sua e de sua família e sem subordinação à ordem de quem quer que seja, e mais, sem oposição de qualquer pessoa.

Com efeito, é essa a posse com intenção de dono – a contrário senso, da mera detenção - que motiva a pretensão e o reconhecimento da declaração da prescrição aquisição originária do bem, modalidade usucapião constitucional urbana.

A posse nos termos acima assinalados, assume um papel fundamental para esse tipo de usucapião. Observados os preceitos do dispositivo constitucional, percebe-se que a posse deve ser qualificada com um fim específico, qual seja, utilizada para sua própria moradia ou de sua família, ininterrupta e sem oposição, sendo exercida de forma direta e pessoal, mansa e pacífica.

Em síntese, exige-se do possuidor apenas a utilização da área para sua moradia (posse pro habitatio) ou de sua família, não sendo contabilizado o tempo de seu antecessor na moradia, o que significaria reduzir o prazo prescricional para o novo possuidor.

13 Posse com intenção de dono (animus domini) – entra em cena o conceito de posse de Savigny, que tem como conteúdo o corpus (domínio fático) e o animus domini (intenção de dono). Essa intenção de dono não está presente, em regra, em casos envolvendo vigência de contratos, como nas hipóteses de locação, comodato e depósito. Todavia, é possível a alteração na causa da posse (interversio possessionis), admitindo-se a usucapião em casos excepcionais. Ilustre-se com a hipótese em que um locatário está no imóvel há cerca de trinta anos, não pagando os aluguéis há cerca de vinte anos, tendo o locador desaparecido. Anote-se que jurisprudência nacional tem reconhecido a usucapião em casos semelhantes (TJSP, Apelação com Revisão 337.693.4/9, Acórdão 3455115, São Paulo, Primeira Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Luiz Antônio de Godoy, j. 27.01.2009, DJESP 20.02.2009). Manual de Direito Civil - Volume Único - TARTUCE, Flávio (Grifamos).

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Não obstante, é permitido que quando o sucessor fizer parte da família que habita o imóvel para residência, e em momento posterior, os membros se dispersarem antes de completado o lapso quinquenal, é possível que ele dê continuidade ao vínculo.

O animus domini corresponde a posse com a ideia ou convicção de proprietário, ou seja, a posse com a intenção de ser dono da coisa. O termo foi originado dos romanos, na expressão possessio cum animo domini.

Com efeito, para fins específicos da configuração da intenção de dono, está inequivocamente implícito na expressão "como sua", que se encontra nas exigências constitucionais e legais de que o possuidor deve "possuir como sua" área urbana, "por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição...".

Afigura-se, igualmente, fora de dúvida que nem a lei, nem tampouco a Constituição da República, exigem justo título ou boa-fé nesta espécie de usucapião, elementos que não refletem no animus domini.

Neste panorama, devemos enfatizar que natureza jurídica da sentença de procedência da ação de Usucapião é meramente declaratória e não constitutiva, eis que nesta hipótese, a decisão judicial não constitui nenhum direito, sendo este preexistente.

Com efeito, o possuidor qualificado (usucapiente) adquire o direito à propriedade ou ao Direito Real pleiteado assim que atender todos os requisitos estabelecidos na Constituição da República, independentemente de qualquer providência.

Neste sentir, o tempo, a posse mansa e pacífica e o animus domini, estando este demonstrado em razão de a ocupação do imóvel usucapiendo por mais de 5 anos, com finalidade de moradia para sua e de sua família, como se dono fosse e sem qualquer oposição de quem quer que fosse.

É de ser reconhecida e declarada a usucapião constitucional urbano quando a parte demonstrar os requisitos estabelecidos no artigo 183 da Constituição Federal, quais sejam:

A POSSE DE ÁREA DE TERRA URBANA DE ATÉ 250 METROS QUADRADOS, POR CINCO ANOS ININTERRUPTAMENTE E SEM OPOSIÇÃO, UTILIZANDO-A PARA A SUA MORADIA OU DE SUA FAMÍLIA

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E DESDE QUE NÃO SEJA PROPRIETÁRIO DE OUTRO IMÓVEL URBANO OU RURAL.

Conforme dicção do próprio excelso STF, preenchidos os requisitos do art. 183 da Constituição Federal, o reconhecimento do direito à usucapião especial urbana não pode ser obstado nem mesmo por legislação infraconstitucional.

Nas precisas palavras do brilhante voto condutor da lavra do eminente Ministro Dias Tóffoli no RE 422349 / RS - RIO GRANDE DO SUL DJe-153 - DIVULG 04-08-2015 - PUBLIC 05-08-2015, Com Repercussão Geral de Mérito, in verbis: “A usucapião especial urbana tem raiz constitucional e seu implemento não pode ser obstado com fundamento em norma hierarquicamente inferior ou em interpretação que afaste a eficácia do direito constitucionalmente assegurado”.

A doutrina do eminente Ministro da SUPREMA CORTE, e emérito Professor de escol, GILMAR FERREIRA MENDES, na obra “CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL”, ed. Saraiva, São Paulo, IDP, 2ª Edição, 2008, em conjunto com os não menos brilhantes professores, INOCÊNCIO MARTIRES COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO, nos ensina à página 454 que:

“A Constituição estabeleceu que aquele que possuir como sua área urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural (art. 183). Esse direito será reconhecido apenas uma vez e não incide sobre imóvel público (art. 183, §§ 2º e 3º)”.

Em apertada síntese, são apenas e tão-somente estes os requisitos para aquisição da prescrição originária, modalidade usucapião constitucional. Qualquer outro elemento exigido, fará tabula rasa dos preceitos constitucionais aludidos no art. 183 da CRFB/1988, e ensejará a pecha da inconstitucionalidade por interpretação que estará a afastar a eficácia do direito constitucionalmente assegurado.

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A propósito, confira recente precedente jurisprudencial deste colendo TJRJ, in verbis:

Ação de Usucapião. Usucapião Constitucional. Autora que alega que há mais de trinta anos desfruta, com animus domini, de modo manso e pacífico, do imóvel descrito na inicial. Sentença de procedência. Apelo da UERJ. Afastadas as preliminares arguidas de coisa julgada material, violação ao Juízo Natural e ao devido processo legal. Aplicação do art. 1.240 do CC e do art. 183 da CRFB/1988. São requisitos da referida usucapião: área urbana não superior a 250 m2, posse mansa e pacífica de cinco anos ininterruptos, sem oposição, com intenção de dono, o imóvel deve ser utilizado para moradia dos autores ou de sua família, não devendo, aquele que adquire o bem ser proprietário de outro imóvel rural ou urbano. Demonstrada a permanência no bem com animus domini, por mais de cinco anos ininterruptos, sem oposição, utilizando-o como sua moradia, e que não são proprietários de qualquer outro imóvel, na forma do art. 183 da Constituição Federal. Manutenção da sentença. DESPROVIMENTO DO RECURSO, mantendo-se integralmente a sentença vergastada. (0000983-18.2005.8.19.0002 - APELACAO - DES. SIRLEY ABREU BIONDI - Julgamento: 26/11/2014 - DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL)

Na mesma direção, veja outro precedente:Direito Possessório. Pretensão de

imissão na posse. Imóvel adquirido por carta de adjudicação. Sentença pela improcedência do pedido autoral e pelo acolhimento da tese defensiva de usucapião especial urbana. Recurso.

Desacolhimento. Possibilidade de se usucapir bem imóvel de sociedade de

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economia mista. Aplicação do art. 98 do Código Civil de 2002.

Preenchimento dos requisitos genéricos previstos no art. 183 da Constituição da República e regulamentados no Estatuto da Cidade. Usucapião "pro moradia". Inexigência da prova do justo título e da boa-fé do possuidor.

"[.] Não merece resguardo a alegação de que se trata de bem público, logo não sujeito à usucapião, já que o Apelante possui natureza de sociedade de economia mista com personalidade jurídica de direito privado (artigo 173, II, da CF), não podendo seus bens ser considerados como públicos. Precedentes TJRJ. Recurso conhecido e não provido" (Apel. Cív. nº 0149504-68.2006.8.19.0001, Décima Sexta Câmara Cível, rel. Des. Marco Aurélio Bezerra de Melo, julgamento: 23/05/2013). Como sustentado no Parecer Ministerial, de lavra da Procuradora de Justiça Regina Lucia Maciel, há provas de que foram preenchidos os requisitos: temporal, "animus domini" da recorrida, destinação à moradia, e tamanho do imóvel, que segundo a matrícula no Registro de Imóveis, mede 128m², demonstrando assim que foi respeitada a exigência constitucional de área total de até 250m². A despeito de a apelada não ter feito prova de não ser proprietária de outro bem rural ou urbano, trata-se de prova negativa, sendo suficiente a mera declaração da usucapiente, conforme entendimento da jurisprudência desta Corte de Justiça. "[.] ainda que o registro da carta de adjudicação tenha ocorrido em 1995 (fls. 11/12), tal fato somente foi notificado à recorrida em setembro de 2005, quando da pretensão de desocupação do imóvel (fls. 13/14). Nesse passo, restou caracterizada a inércia do apelante por período muito superior aos cinco anos previstos na Constituição de 1998 para a aquisição por usucapião especial urbano"

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(Parecer Ministerial, fl. 195/196). Precedente citado: Apel. Cív. nº 0024961-47.2004.8.19.0038, Décima Sexta Câmara Cível, rel. Des. Marco Aurélio Bezerra de Melo, julgamento: 27/11/2012). Desprovimento do recurso. (0003488-34.2006.8.19.0038 – APELACAO - DES. NAGIB SLAIBI - Julgamento: 30/10/2013 - SEXTA CÂMARA CÍVEL). [Destacamos].

Não se perca de mira, que além de haver previsão expressa dos requisitos exigidos pela Carta Magna, o Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, em seu artigo 9º, trouxe a mesma exata redação, não sendo lícito ao interprete tentar estabelecer qualquer outro requisito, senão aqueles previstos em ambos os diplomas.

Da usucapião especial de imóvel urbano

Art. 9o Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2o O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

§ 3o Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão

Assim sendo, se a parte na qualidade de legítima possuidora demonstrar a permanência no bem com animus domini (EFETIVA POSSE QUALIFICADA), cuja intenção de dona se materializa justamente por buscar adquirir o título de domínio- por mais de 5 (cinco) anos - ininterruptos, sem oposição, utilizando-o como sua moradia e de sua família, e que não é proprietária de qualquer

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outro imóvel, na forma do art. 183 da Constituição Federal e 9º do Estatuto da Cidade, faz jus ao reconhecimento da prescrição aquisitiva originária, independentemente de qualquer efetivo pagamento de tributos e/ou despesas que incidam sobre o imóvel.

Em apertado epitome, o possuidor revela ânimo de dono quando se comporta perante a coisa com a vontade aparente de proprietário, ou seja, quando a explora com predominante função social, como, v.g., para fins de moradia sua e de sua família e sem subordinação à ordem de quem quer que seja, e mais, sem oposição de qualquer pessoa.

Repetimos a exaustão não constitui fator impeditivo, eventuais moras e inadimplementos ao reconhecimento da USUCAPIÃO PRO MORADIA, e assim o é, pois nem a Constituição da República (Art. 183), nem o Código Civil (Art. 1.240) e tampouco o Estatuto da Cidade (Art. 9º) criaram tal exigência, não sendo lícito ao interprete criar exigências não previstas em lei.

Destarte, tal como dito no precioso magistério ao qual nos referimos parágrafos acima, diante da inexistência de obstáculos objetivos exsurge presunção afirmativa do animus domini.

Finalizamos concluindo que, pautado pelo núcleo essencial da proteção à dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III), no princípio da igualdade formal e material (Art. 5º) e no direito social à moradia (Art. 6º), além do Art. 183, expressão máxima da função social da propriedade, todos da Constituição da República, a realização de pagamentos de tributos, de cotas condominiais e demais despesas incidentes sobre o imóvel, não representam condição sine qua non para dar ensejo ao reconhecimento do requisito do animus domini para fins de aquisição originária da propriedade, modalidade Usucapião Constitucional Urbana.

Com efeito, não podemos admitir que haja subversão aos requisitos e aos institutos previamente já concebidos e conceituados pela doutrina e pela jurisprudência, sob pena de malferir a Constituição da República, especificamente o rol de direitos e garantias mencionados no parágrafo anterior, além de gerar profunda e indesejada insegurança jurídica.

Em outras palavras, podemos afirmar, por derradeiro, que eventual inadimplemento de despesas de qualquer natureza incidentes sobre o bem imóvel pelo possuidor, não descaracteriza e nem afasta o animus domini, sinônimo de posse qualificada.