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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP WILLIAM CORNETTA A OBSOLESCÊNCIA COMO ARTIFÍCIO USADO PELO FORNECEDOR PARA INDUZIR O CONSUMIDOR A REALIZAR COMPRAS REPETITIVAS DE PRODUTOS E A FRAGILIDADE DO CDC PARA COMBATER ESTA PRÁTICA DOUTORADO EM DIREITO São Paulo 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

WILLIAM CORNETTA

A OBSOLESCÊNCIA COMO ARTIFÍCIO USADO PELO

FORNECEDOR PARA INDUZIR O CONSUMIDOR A REALIZAR

COMPRAS REPETITIVAS DE PRODUTOS E A FRAGILIDADE DO

CDC PARA COMBATER ESTA PRÁTICA

DOUTORADO EM DIREITO

São Paulo

2016

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Secretaria Acadêmica – Processamento de Dissertações e Teses

WILLIAM CORNETTA

A OBSOLESCÊNCIA COMO ARTIFÍCIO USADO PELO

FORNECEDOR PARA INDUZIR O CONSUMIDOR A REALIZAR

COMPRAS REPETITIVAS DE PRODUTOS E A FRAGILIDADE DO

CDC PARA COMBATER ESTA PRÁTICA

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Direito, sob a orientação da Professora Doutora Suzana Maria Pimenta Catta Preta Federighi.

São Paulo

2016

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Banca Examinadora:

______________________________

______________________________

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Dedico este trabalho aos meus

queridos pais, suportes e referências

constantes, que não mediram esforços

para que eu concluísse mais uma

etapa na minha vida.

Aos meus dois irmãos, Lilian e Luiz,

pelo apoio e incentivo que deram para

a conclusão deste trabalho.

Por fim, e acima de tudo, a minha

esposa Juliana, por todo amor,

amizade, companheirismo, suporte e

paciência durante a minha jornada na

PUC e por todo o tempo que estamos

juntos.

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AGRADECIMENTOS

À Professora Suzana, por todas as lições de vida, pela sugestão do tema

deste trabalho e por todo o suporte durante a pesquisa, e principalmente por

tornar possível este passo tão importante.

Aos Professores Nelson Nery Júnior, Georges Abboud e Maria Helena

Diniz, por terem compartilhado o seu conhecimento.

Aos Professores Marcelo Gomes Sodré e Regina Vera Villas Boas, pelos

profícuos comentários e recomendações para este trabalho na banca de

qualificação.

Ao amigo Alessandro Silva, advogado, dos mais brilhantes, dotado de

uma personalidade ímpar.

Aos meus colegas da PUC/SP, Luiz Afonso, Flavia Orsi Leme e Renato

Cury, pelas longas discussões e todo o suporte durante a nossa jornada no

mestrado e no doutorado.

Agradeço, por fim, à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, por

me acolher.

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“Os antigos egípcios construíram

monumentos para durar por gerações

sem fins, cerca de tudo que

produzimos na América do Norte é feito

para quebrar.”

(Giles Slade)

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RESUMO

CORNETTA, William. A obsolescência como artifício usado pelo fornecedor para induzir o consumidor a realizar compras repetitivas de produtos e a fragilidade do CDC para combater esta prática. 2016. 186f. Tese (Doutorado em Direito)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, SP, 2016. O tema pano de fundo deste trabalho é a sociedade de consumo, em especial a obsolescência como técnica aplicada aos produtos. Considerando o contexto de consumo descartável aceito e adotado pela sociedade atual, pretende-se demonstrar que a obsolescência é um artifício utilizado na produção para induzir ao consumo repetitivo e que os mecanismos reparatórios e protetivos previstos no âmbito da legislação consumerista (CDC) são frágeis para defender o consumidor contra essas práticas. Para tanto, será necessário conhecer o artifício da obsolescência na prática e alguns cases que demonstram a sua presença nos produtos colocados no mercado, para, a partir daí, analisar a existência ou não de mecanismos preventivos ou reparatórios no CDC para a proteção do consumidor. Como apoio metodológico, a pesquisa adota como principais instrumentos o raciocínio dedutivo e a técnica de pesquisa bibliográfica. Após a introdução, o referencial que dá suporte ao estudo se desenvolve em sete capítulos, especificamente para: tratar de sociedade de consumo, história, conceito e tipologia da obsolescência, e aplicação do artifício da obsolescência na sociedade segundo a tipologia de Giles Slade (obsolescência técnica, obsolescência psicológica e obsolescência programada); e confrontar cada modalidade de obsolescência com os mecanismos preventivos e reparátorios dispostos no CDC para constatar a existência ou não (fragilidade) de proteção do consumidor nesta seara. O estudo também coteja alguns casos específicos como o caso de Ford vs. General Motors, moda e design, Cartel de Phoebus, associação Windows e Intel, entre outros. Como conclusão, pode-se dizer que a obsolescência é o recurso ou estratégia utilizado por muitos fornecedores para induzir os consumidores a realizar compras repetitivas de produtos motivados por fatores psicológicos, tecnológicos, funcionais ou mercadológicos, e que o CDC não dispõe de mecanismos preventivos ou reparatórios robustos para a defesa do consumidor contra práticas deliberadas de obsolescência programada. Palavras-chave: Direito do consumidor. Sociedade de consumo. Produto. Obsolescência.

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ABSTRACT CORNETTA, William. The obsolescence as an artifice used by supplier to induce consumer to perform repetive purchases of products and the fragility of Brazilian Consumer to combat this practice. 2016. 186p. Doctoral thesis (Ph.D. in Law)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, SP, 2016. The background theme of this work is the consumer society, in particular the obsolescence as a technique applied to products. Considering the disposable consumer context accepted and adopted by the current society, we intend to demonstrate that obsolescence is an artifice used in the production to induce repetitive consumption and at the same time the protective and reparatory mechanisms provided for under the Brazilian Consumer Law (“CDC”) are fragile to protect consumers against such practices. Therefore, it must be understood the artifice of obsolescence in practice and some cases will be used to demonstrate their presence in products placed on the market, from there, analyze the existence of preventive or reparatory mechanisms at the CDC for consumer protection. As methodological support, research adopts the main instruments deductive reasoning and the technical literature. After the introduction, the framework that supports the study develops into seven chapters, specifically for: dealing with consumer society, history, concept and typology of obsolescence, and application of device obsolescence in society according to the typology of Giles Slade (obsolescence technical, psychological obsolescence and planned obsolescence); and confront each obsolescence mode with preventive mechanisms and willing reparatory the CDC to establish the existence or not (brittleness) of consumer protection in this endeavor. The study also collates some specific cases such as the case of Ford vs. General Motors, fashion and design, Phoebus Cartel, Windows and Intel Association, among others. In conclusion, it can be said that obsolescence is the resource or strategy used by many providers to induce consumers to perform repetitive purchases of products motivated by psychological factors, technological, functional or mercadológicos, and the CDC has no preventive mechanisms or robust reparatory for consumer protection against deliberate practice of planned obsolescence. Keywords: Consumer law. Consumer society. Product. Obsolescense.

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RÉSUMÉ CORNETTA, William. Le obsolescence comme un artifice utilisé par le fournisseur pour inciter le consommateur à effectuer des achats répétitifs de produits et de la fragilité du droit des consommateurs pour lutter contre cette pratique. 2016. 186f. Thèse (Docteur en droit). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, SP, 2016. Le thème de fond de ce travail est la société de consommation, notamment l'obsolescence comme une technique appliquée aux produits. Compte tenu du contexte de consommation jetable acceptée et adoptée par la société actuelle, nous avons l'intention de démontrer que l'obsolescence est un dispositif utilisé dans la production pour induire la consommation répétitive, cette mécanisme réparatrices et protection prévus par la législation brésilien consumériste ("CDC") sommes fragiles à protéger les consommateurs contre de telles pratiques. Par conséquent, vous devez connaître l'artifice de l'obsolescence dans la pratique et certains cas qui démontrent leur présence dans les produits mis sur le marché, à partir de là, d'analyser l'existence de mécanismes de prévention ou réparatrices à la CDC pour la protection des consommateurs. Comme appui méthodologique, la recherche adopte les principaux instruments de raisonnement déductif et la littérature technique. Après l'introduction, le cadre qui prend en charge l'étude se développe en sept chapitres, en particulier pour: faire face à la société de consommation, l'histoire, le concept et la typologie de l'obsolescence et l'application de cette obsolescence sur la société selon la typologie de Giles Slade (obsolescence technique, l'obsolescence psychologique et l'obsolescence programmée); et faire face à chaque mode d'obsolescence et leur mécanismes de prévention et réparatrices prêts CDC pour établir l'existence ou non (friabilité) de protection des consommateurs dans cette mécanisme. L'étude rassemble aussi des cas spécifiques tels que le cas de Ford vs. General Motors, de la mode et du design, Phoebus Cartel, Windows et Intel Association, entre autres. En conclusion, on peut dire que l'obsolescence est la ressource ou la stratégie utilisée par de nombreux fournisseurs pour inciter les consommateurs à effectuer des achats répétitifs de produits motivés par des facteurs psychologiques, technologique, fonctionnelle ou du marchés, et la CDC n'a pas de mécanismes de prévention ou réparatrices robuste pour la protection des consommateurs contre la pratique délibérée de l'obsolescence planifiée. Mots-clés: Droit de la consommation. Société de consommation. Produit. Obsolescence.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Ciclo de vida do produto .......................................................................... 83

Gráfico 2 – Média de vida das lâmpadas, em número de horas (1926-1934) ......... 112

Gráfico 3 – Vício do produto e prazo de garantia .................................................... 117

Gráfico 4 – Assistência técnica de produtos fora do prazo de garantia ................... 118

Gráfico 5 – Tempo de aquisição dos eletroeletrônicos ............................................ 121

Gráfico 6 – Percentuais de entrevistados que adquiriram o eletroeletrônico

(primeira aquisição e mais de uma aquisição) ........................................................ 122

Gráfico 7 – Expectativa de troca no primeiro ano de aquisição – por tipo de

aparelho ................................................................................................................... 123

Gráfico 8 – Tempo mínimo de duração dos bens adquiridos – por tipo................... 124

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Ciclo de vida – Indivíduo x Produto ........................................................ 82

Quadro 2 – Razão pela qual o consumidor não procurou uma assistência

técnica ..................................................................................................................... 118

Quadro 3 – Razão pela qual o consumidor não efetivou o conserto na assistência

técnica ..................................................................................................................... 119

Quadro 4 – Vício(s) apresentado(s) e tempo de uso ............................................... 120

Quadro 5 – Preocupação com a durabilidade no momento de aquisição de

um eletroeletrônico .................................................................................................. 123

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LISTA DE SIGLAS

AAAA – Comitê de Definições da American Association of Advertising Agencies

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas

ALT – Accelerated Life Test

Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

APAS – Associação Paulista de Supermercados

CDC – Código de Defesa do Consumidor

CEE – Conselho das Comunidades Européias

Conmetro – Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade

Industrial

EUFIC – European Food Information Council

Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor

ISO – International Organization for Standardization

MTBF – Mean Time Between Failures

OCDE – Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico

STJ – Superior Tribunal de Justiça

TI – Tecnologia de Informação

USDA – United States Department of Agriculture

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................... 14

1 CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE DE CONSUMO: DOS OBJETOS AO

CONSUMO MODERNO DESCARTÁVEL ......................................................... 19

2 OBSOLESCÊNCIA ......................................................................................... 33

2.1 HISTÓRIA DA OBSOLESCÊNCIA ............................................................... 35

2.2 CONCEITO DE OBSOLESCÊNCIA ............................................................. 45

2.3 TIPOLOGIA DA OBSOLESCÊNCIA ............................................................. 51

2.3.1 Estudo do Comitê Econômico e Social Europeu sobre

obsolescência ................................................................................................... 60

2.3.2 A tipologia de classificação de Giles Slade como base para comprovar

a presença da obsolescência no mercado brasileiro .................................... 63

3 PRODUTOS E OBSOLESCÊNCIA ................................................................. 64

3.1 CLASSIFICAÇÕES DE PRODUTOS .......................................................... 65

3.1.1 Produtos duráveis e não duráveis ......................................................... 65

3.1.2 Produtos perecíveis ................................................................................ 67

3.1.3 Produtos descartáveis ............................................................................ 68

3.1.4 Produtos indissociáveis e dissociáveis ................................................ 69

3.2 CLASSIFICAÇÕES DE PRODUTOS E OBSOLESCÊNCIA ........................ 71

4 OBSOLESCÊNCIA TÉCNICA......................................................................... 72

4.1 COMO O ARTÍFICO É COLOCADO EM PRÁTICA PELO FORNECEDOR 72

4.2 CASOS DE OBSOLESCÊNCIA TÉCNICA ................................................... 73

4.2.1 Ford versus General Motors – Caso 1 ................................................... 73

4.3 ANÁLISE DOS MECANISMOS PREVENTIVOS OU REPARATÓRIOS

DISPONÍVEIS NO CDC ...................................................................................... 74

5 OBSOLESCÊNCIA PSICOLÓGICA ............................................................... 78

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5.1 COMO O ARTÍFICO É COLOCADO EM PRÁTICA PELO FORNECEDOR 78

5.2 CASOS DE OBSOLESCÊNCIA PSICOLÓGICA .......................................... 85

5.2.1 Ford versus General Motors – Caso 2 ................................................... 85

5.2.2 Obsolescência e moda ............................................................................ 86

5.2.3 A questão do “design” ............................................................................ 90

5.3 ANÁLISE DOS MECANISMOS PREVENTIVOS OU REPARATÓRIOS

DISPONÍVEIS NO CDC ...................................................................................... 91

6 OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA ............................................................ 103

6.1 COMO O ARTÍFICO É COLOCADO EM PRÁTICA PELO

FORNECEDOR ................................................................................................ 103

6.2 CASOS DE OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA ....................................... 109

6.2.1 A centenária lâmpada de Livermore e o Cartel Phoebus ................... 109

6.2.2 Windows e Intel = Wintel ....................................................................... 114

6.2.3 PROTESTE: Pesquisa sobre garantia de produtos ............................ 116

6.2.4 Pesquisa Idec e Market Analysis: desempenho, durabilidade

e ciclo de vida de eletroeletrônicos .............................................................. 120

6.3 ANÁLISE DOS MECANISMOS PREVENTIVOS OU REPARATÓRIOS

DISPONÍVEIS NO CDC .................................................................................... 125

7 PROPOSTAS PARA A SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS APONTADOS ...... 156

7.1 PROJETO DE LEI N. 5.367/2013 e N. 3.903/2015..................................... 156

7.2 RESOLUÇÃO BELGA 5-1251/1 ................................................................. 158

7.3 PROJETO DE LEI N. 429 DA FRANÇA ..................................................... 159

7.4 REPAIR CAFÉ ............................................................................................ 160

7.5 PHONEBLOKS ........................................................................................... 161

CONCLUSÃO................................................................................................... 163

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 171

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INTRODUÇÃO

A temática que direciona a presente pesquisa abrange o modelo de

produção capitalista que frutificou com a Revolução Industrial, a sociedade de

consumo e, propriamente, a obsolescência como técnica que provoca o

encurtamento da vida útil de produtos.

Uma ligeira contextualização do estudo começa registrando que a relação

entre artefatos e pessoas iniciou na Antiguidade, quando os primeiros eram meros

objetos para auxiliar a sobrevivência dos seres humanos. A história do consumo,

que também acompanha o desenvolvimento humano, começa na Idade Média,

quando se nota a alteração da forma tradicional de compras de produtos até então

realizadas – apenas para atender às necessidades da família – para um consumo

voltado ao imediatismo, ao individualismo e ao hedonismo.1

O consumo moderno é resultado da evolução histórica da sociedade e

iniciou no século XVI na Europa quando os nobres passaram a gastar com roupas,

ornamentos, entre outros, criando uma competição social cujo objetivo era ganhar

a atenção da realeza e em troca receber prestígio, apoio financeiro. Este

movimento do consumo espalhou os seus efeitos para toda a sociedade,

inicialmente incorporou as classes sociais e, depois, enraizou-se na sociedade.

A sociedade industrial, que nasceu com a Revolução Industrial, foi um

fenômeno voltado para a definição de novos métodos de produção do trabalho,

organização da produção e uso intensivo de máquinas de modo a permitir a

fabricação de produtos em larga escala.

A sociedade industrial e a sociedade de consumo são complementares. A

primeira é responsável por transformar recursos em produtos destinados aos

consumidores. A segunda é responsável por consumir produtos e gerar recursos

para os fornecedores.

Nesse novo cenário, os artefatos se transformaram em produtos e

ingressaram nas relações de consumo realizadas pelas pessoas, cotidianamente e

1 McCRACKEN, Grant. Cultura & Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e

das atividades de consumo. Tradução: Fernanda Eugenio. 1. ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2003. p. 1.

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diversas vezes ao longo do dia. Essa dinâmica, observa Almeida2, faz o consumo

tornar-se parte indissociável da vida do ser humano, independente da classe social

e da faixa de renda a que pertença.

Na ciranda do consumo entre fornecedores e consumidores, os primeiros,

inspirados no modelo capitalista, têm buscado a maximização do lucro.

Inicialmente, passaram a reduzir seus custos, otimizar a operação, melhorar seus

processos internos, logistícios e de fabricação com o objetivo de aumentar os

ganhos, mas esses esforços não foram suficientes e a busca do lucro máximo se

tornou uma corrida desenfreada. Com o propósito de aumentar as vendas, outras

estratégias passaram a ser utilizadas para criar produtos individualizados e

estimular as compras repetitivas.

As técnicas de marketing são muito importantes para saciar o desejo do

fornecedor de vender cada vez mais. Mas não é só. Hoje são aplicadas técnicas

de obsolescência aos produtos para induzir o consumidor a realizar compras

repetitivas.

A obsolescência fica caracterizada quando o fornecedor lança uma nova

versão do produto com uma nova funcionalidade, quando cria fatores

mercadológicos, psicológicos ou, ainda, quando lança mão de métodos de

persuasão para influenciar o consumidor a considerar o produto que já possui

menos atrativo e então realizar a compra de um novo para substituir o anterior. No

caso extremo, o fornecedor deliberadamente usa a sua engenharia, o seu know

how, para introduzir no produto mecanismos que concorram para a redução da sua

vida útil, que pode resultar na impossibilidade de manutenção ou uso de partes e

peças de menor qualidade, ou mesmo fazer com que o produto, a partir de

determinado tempo de uso, torne-se incompatível com o padrão daqueles mais

novos colocados no mercado. Essas estratégias e técnicas persequidas por muitos

fornecedores para inflar suas vendas têm nome: obsolescência.

A constatação de que navegam no mar do mercado do consumo produtos

feitos para “quebrar” ou para durar pouco foi o que deu guarida ao presente

estudo, em especial quando se verifica que, pelo lado da doutrina, a obsolescência

2 ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 3. ed. rev., atual. e ampl. São

Paulo: Saraiva, 2002. p. 1.

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de produtos ainda é pouco explorada, e não só no Brasil, principalmente quando

temas como mercado de consumo e proteção do consumidor se embatem.

A pertinência de realização deste estudo ainda se ancora no fato de que no

atual modelo de sociedade de consumo emerge a ideia de produto descartável, ou

seja, a sociedade passa a aceitar a possibilidade da utilização de um produto por

uma única vez e descartá-lo em seguida. Por outro lado, os fornecedores,

aproveitando-se do cenário “favorável” a um maior consumo, buscam cada vez

mais fazer vendas repetitivas, lançando mão da redução da vida útil dos próprios

produtos que disponibilizam no mercado.

Apesar de o foco deste estudo ser a obsolescência de produtos no

mercado de consumo, não é demais lembrar o viés ambiental de suas

consequências: primeiro, porque os recursos naturais do planeta são finitos e a sua

constante retirada como matéria-prima para a produção pode causar a exaustão;

segundo, porque grande parte dos produtos substituídos são descartados,

agravando o problema do lixo em todo o mundo. É, portanto, necessária e urgente

a conscientização de todos de que esse modelo compromete a sobrevivência das

presentes e das futuras gerações.

Dentro do contexto da atual sociedade de consumo, o estudo busca, em

primeiro plano, demonstrar que o artifício da obsolescência também está presente

no mercado de consumo brasileiro e conhecer os reflexos das distintas práticas de

obsolescência para o consumidor; em segundo plano, o objetivo é verificar se a

legislação consumerista pátria – materializada no Código de Defesa do

Consumidor (CDC) – é suficiente e efetiva relativamente a aspectos preventivos e

reparatórios de proteção e defesa do consumidor em face da obsolescência.

Acrescente-se a importância de se demonstrar que a obsolescência é um

fenômeno que foi criado no mercado de consumo dentro de uma sociedade de

hiperconsumo industrial e capitalista, e que pode ser aplicada em qualquer tipo de

produto.

Metodologicamente, a pesquisa se orienta pelo método de procedimento

monográfico3 e pelo raciocínio dedutivo4, abordagem esta que procura

3 Esse método se aplica a “[...] qualquer caso que se estude em profundidade pode ser considerado

representativo de muitos outros ou até de todos os casos semelhantes, o método monográfico consiste no estudo de determinados indivíduos, profissões, condições, instituições, grupos ou comunidades, com a finalidade de obter generalizações. A investigação deve examinar o tema

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primeiramente compreender o tema proposto a partir do referencial teórico de base

que o circunda, para só então abstrair uma possível resposta ao problema

apresentado. Ainda, a técnica de pesquisa escolhida é a bibliográfica5, extraída de

fontes secundárias – doutrina especializada e jurisprudência pertinente, além de

dados estatísticos retirados de sítios oficiais de interesse. Com esses instrumentos

metodológicos será possível compreender não só questões relativas à vida útil, à

durabilidade e à obsolescência de produtos colocados no mercado, tendo em vista

a proteção e a defesa do consumidor albergadas pelo CDC – Lei n. 8.078, de 11

de setembro de 1990 –, mas também os artifícios utilizados por fornecedores com

o objetivo de induzir o consumidor a realizar compras repetitivas tendo por base a

tipologia de obsolescência desenvolvida por Giles Slade6.

No que tange à estrutura, o estudo se desenvolve em sete capítulos, onde

são abordados os distintos assuntos que perpassam o tema e dão corpo à

pesquisa. O primeiro trata dos aspectos históricos, desde a utilização dos primeiros

objetos pelos humanos, o nascimento do consumo, a consolidação da sociedade

de consumo, a chegada da sociedade de hyperconsumo e seu extremo de

sociedade de produtos descartáveis (Throaway society). O segundo capítulo

aborda a história da obsolescência, os conceitos de obsolescência e a tipologia de

Giles Slade como fundamento para as análises propostas neste estudo; na

sequência, apresenta o Estudo do Comitê Econômico e Social Europeu sobre o

escolhido, observando todos os fatores que o influenciaram e analisando-o em todos os seus aspectos”. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos da metodologia científica. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 108. 4 “O método dedutivo parte das teorias e leis consideradas gerais e universais buscando explicar a

ocorrência de fenômenos particulares. O exercício metódico da dedução parte de enunciados gerais (leis universais) que supostos constituem as premissas do pensamento racional e deduzidas chegam a conclusões. [...]” DINIZ, Célia Regina; SILVA, Iolanda Barbosa da. Metodologia científica. Campina Grande; Natal: UEPB/UFRN - EDUEP, 2008. p. 6. 5 “A pesquisa bibliográfica ou fonte secundária abrange toda bibliografia já publicada relacionada ao

tema em estudo, desde livros, jornais, revistas, monografias, dissertações, teses, incluindo outras fontes como eventos científicos, debates, meios de comunicação como televisão, rádio, vídeos, filmes etc. [...] é de fundamental importância porque consiste no primeiro passo de qualquer estudo, tanto em nível lato sensu com stricto sensu. É através de uma pesquisa bem feita que se torna possível a fundamentação de todos os dados de uma questão e, por conseguinte, oferece a fundamentação teórica para o problema.” FIGUEIREDO, Antônio Macena de; SOUZA, Soraia Riva Goudinho de. Como elaborar projetos, monografias, dissertações e teses. Da redação científica à apresentação do texto final. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 88. 6 Giles Slade, jornalista canadense e grande crítico social, retomou o problema da obsolescência no

livro denominado “Made to break: tecnology and obolescence in America” (sem tradução para o Português), em 2006, após concluir o doutorado em história cultural, na Univeridade de Southern California. O livro foi responsável por trazer novamente o tema da obserlescência para o centro da discussão sendo responsável inclusive por ter influênciado o documentário intitulado “Comprar, tirar, comprar”, que será mencionado neste estudo.

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tema. O terceiro capítulo basicamente examina se o artifício da obsolescência é

aplicável para todas as classificações de produtos no CDC, além de tecer

considerações sobre produtos descartáveis, que não estão contemplados no CDC.

Do quarto ao sexto capítulos, o foco é a teoria de Slade que classifica a

obsolescência em obsolescência técnica ou funcional, obsolescência psicológica,

perceptiva, progressiva ou dinâmica e obsolescência planejada ou programada. O

derradeiro capítulo apresenta algumas iniciativas que podem contribuir para a

solução dos problemas apontados: proposta para alteração de legislação sobre

obsolescência, constituição de grupos comunitários para reparo de produtos e

estratégia de incentivo a fornecedores para o desenvolvimento de produtos que

possam ser atualizados conforme a real necessidade e o devido tempo de vida útil,

sem encurtamentos artificiais.

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1 CONSTRUÇÃO DA SOCIEDADE DE CONSUMO: DOS OBJETOS AO

CONSUMO DESCARTÁVEL

Alguns aspectos são de fundamental importância para o estudo da

obsolescência e da fragilidade da legislação consumerista no Brasil para proteger o

consumidor da prática da obsolescência. Um primeiro aspecto tem relação com o

consumo moderno e sua evolução, e isto implica identificar os fatores

determinantes que levaram a sociedade a comportar-se da maneira atual. Outro

aspecto que merece destaque é a análise da formação da sociedade de

hiperconsumo.

Essas abordagens permitem compreender a base que suporta o consumo

atual e a razão de na sociedade existirem questões relacionadas à obsolescência

de produtos.

Como observam Douglas e Isherwood, a base de qualquer estudo sobre

consumo deve levar em consideração o modelo capitalista de produção e a

sociedade industrial.7

O consumo não é algo imposto ao consumidor, é de sua livre escolha,

mesmo que seja “irracional, supersticioso, tradicionalista ou experimental” 8. Pode

ser entendido, segundo os autores, como “o uso de posses materiais que está

além do comércio e é livre dentro da lei” 9.

Forgioni, dissertando sobre o tema, comenta que o consumo é a base para

o mercado e para a produção; "sem consumo não há mercado, pois não há sentido

para a produção"10.

Antes de adentrar o estudo desses aspectos, é importante entender a

relação dos produtos com os seres humanos desde o início e como passaram a

fazer parte da vida cotidiana do consumo moderno.

7 DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. Mundo dos bens para uma antropologia do consumo.

Tradução Pínio Dentzien. 1. ed. 2 reimp. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, 2009. p. 101. 8 DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. Mundo dos bens para uma antropologia do consumo, p.

101. 9 DOUGLAS, Mary; ISHERWOOD, Baron. Mundo dos bens para uma antropologia do consumo, p.

102. 10

FORGIONI, Paula Andrea. A evolução do direito comercial brasileiro: da mercancia ao mercado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 221.

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20

Os nossos ancestrais fizeram os primeiros instrumentos de pedra para

cortar carne, ossos e madeira, e foram justamente estas iniciativas que

diferenciaram os seres humanos dos outros animais.11

Muitos dos produtos que conhecemos hoje têm origem nesses primeiros

objetos. É como afirmam Petroski12, Eco e Zorzoli, “todas as ferramentas hoje

usadas se baseiam em coisas criadas na pré-história”13.

MacGregor corrobora:

[...] se quisermos contar a história do mundo inteiro, uma história que não favoreça indevidamente nenhuma parte da humanidade, não podemos fazê-lo usando apenas textos, pois durante a maior parte do tempo, só uma fração do mundo teve textos, enquanto a maioria das sociedades não teve. Escrever é uma das últimas conquistas da humanidade, e, até bem recentemente, mesmo sociedades letradas registravam preocupações e aspirações não apenas em seus escritos, mas em suas coisas14.

Blainey relata que há dois milhões de anos, os ancestrais dos seres

humanos viviam na África e eram poucos; alimentavam-se principalmente de

frutas, nozes, sementes e outras plantas comestíveis, mas já começavam a

consumir carne; os implementos que utilizavam eram primitivos.15 O primeiro

objeto de que se tem notícia é a ferramenta de corte de Olduvai, criada há cerca de

1,8 a dois milhões de anos16, e a machadinha de Olduvai, que data de 1,2 a 1,4

milhões de anos17. Ambos os instrumentos foram encontrados na Garganta de

Olduvai, no território atual da Tanzânia, África.

Muito antes do comércio e do consumo como atualmente o concebemos,

os primeiros objetos desenvolvidos revelam a forma encontrada pelos nossos

ancestrais para controlar e transformar o meio ambiente com vistas a distintas

atividades: proporcionar alimentos melhores, fazer roupas a partir da pele de

11

NEIL, MacGregor. A história do mundo em 100 objetos. Tradução Berilo Vargas. 1 ed. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2013. p. 27. 12

PETROSKI, Henry. A evolução das coisas úteis, garfos, latas, zíperes e outros objetos do nosso cotidiano. Tradução Carlos Irineu W. da Costa. Revisão técnica, Suzana Herculado-Houzel. Rio de Janeiro: Jorgem Zahar, 2007. p. 12. 13

ECO, Umberto; ZORZOLI, G.B. The picture history of inventions: from plough to polaris. Nova York: Macmillan, 1963. p. 11. 14

NEIL, MacGregor. A história do mundo em 100 objetos, p. 16. 15

BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do mundo. São Paulo: Fundamento Educacional, 2012. p. 2. 16

NEIL, MacGregor. A história do mundo em 100 objetos, p. 27. 17

NEIL, MacGregor. A história do mundo em 100 objetos, p. 41.

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21

animais, quebrar galhos para acender fogueira ou construir abrigos e acima de

tudo viajar e se deslocar nas savanas africanas.18

Com a evolução, os objetos primitivos logo se transformam em produtos.

Mesmo sem aprofundar o estudo da história do comércio, cujos primórdios estão

perdidos na obscuridade, conforme observa Day19, é importante saber que as

fronteiras e as hierarquias entre “valores de uso” e “valores de troca” sofreram e

podem sofrer mudanças ao longo do tempo.20 Significa dizer que um objeto se

torna um produto quando passa a ser valorado pela sociedade como algo que

pode ser trocado, ou seja, passa a ser comercializado; torna-se também um

produto de consumo quando passa a fazer parte de uma relação de consumo.

Os primeiros objetos acompanharam a evolução do homem e se

transformaram nos produtos que hoje estão disponíveis para os consumidores.

McCracken afirma que “o consumo moderno é, acima de tudo, um artefato

histórico. Suas características atuais são o resultado de vários séculos de profunda

mudança social, econômica e cultural no Ocidente”21.

O marco inicial da sociedade de consumo ocorreu no século XVI, época

em que novos hábitos, bens e práticas de consumo começavam a surgir,

principalmente em países como Inglaterra e França.22

O consumo é fruto da Revolução Industrial. McKendrick23 fala em

“revolução do consumidor”. Nas suas palavras:

A revolução do consumidor ocorreu na Inglaterra no século XVIII junto com a Revolução Industrial. A revolução do consumo foi o lado da demanda análoga ao da oferta proporcionada pela Revolução Industrial. Todas as classes participaram desta revolução, caracterizada por uma nova prosperidade e novas

18

NEIL, MacGregor. A história do mundo em 100 objetos, p. 43-44. 19

DAY, Clave. A history of commerce. New edition – reprinted. New York: Longmans, green and Co., 1921. p. 9. 20

ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo nas sociedades do século XVII ao XIX. Tradução de Ana Maria Scherer. Rio de Janeiro: Rocco, 2000. p. 26. 21

McCRACKEN, Grant. Cultura & Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo, p. 21. 22

McCRACKEN, Grant. Cultura & Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo, p. 21. 23

MCKENDRICK, Neil. The consumer society. Bloomington: Indiana University Press, 1982. p. 9. No original: “The consumer revolution occurred in England in the eighteenth century with the Industrial Revolution. For the consumer revolution was the necessary analogue for the Industrial Revolution, the necessary convulsion on the demand side of the equation to match the convulsion of the supply side All classes participated in this revolution, characterized by a new prosperity and new production techniques and marketing. The consumer revolution is decisive in the history of human experience”.

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22

técnicas de produção e marketing. A revolução do consumidor é decisiva na história da experiência humana [Tradução nossa].

Três momentos históricos contribuíram para a formação do consumo

moderno, relata McCracken24.

O primeiro momento histórico do consumo data do fim do século XVI,

época que ocorreu um boom do consumo, causado por duas importantes

transformações neste período. Uma delas, quando Elizabeth I utilizou a despesa

como instrumento de governo com o objetivo de fazer da corte uma espécie de

desfile, de espetáculo teatral. A rainha consegue então persuadir a nobreza a

pagar uma boa parte da conta da cerimônia. A nobreza, consequentemente,

passou a gastar de maneira extravagante e a esbanjar recursos, ou seja, instalou-

se uma grande competição social na nobreza. Como os nobres dependiam de

favores reais para a sua sobrevivência, passaram a gastar cada vez mais com o

consumo de produtos no afã de se destacarem na corte perante a rainha e seus

pares.25

O segundo momento histórico ocorre no século XVIII, quando houve uma

explosão do consumo devido às novas oportunidades para compra de móveis,

cerâmicas, pratas, espelhos, tecidos etc. O consumo, na época, passa a ser mais

presente na sociedade e seus reflexos redefinem a organização e o papel do

status dos grupos sociais. Essa explosão do consumo integrou os grupos

subordinados, gerando o fenômeno do “tickle-down”, ou seja, a popularização do

consumo para as classes de mais baixa renda, que passou a ser explorado pelos

comerciantes da época.26

A terceira e última fase histórica ocorreu no século XIX, período em que o

consumo se enraizou na sociedade e já fazia parte da estrutura da vida social.

Nesta última fase, começam a surgir as lojas de departamentos, que mudaram de

modo especial os hábitos de consumo e o local onde as pessoas consumiam e

também forneciam todas as informações necessárias para a realização do

24

McCRACKEN, Grant. Cultura & Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo, p. 30. 25

McCRACKEN, Grant. Cultura & Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo, p. 1. 26

McCRACKEN, Grant. Cultura & Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo, p. 1.

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23

consumo.27 Nas lojas de departamentos, as pessoas passaram a ficar mais

próximas dos objetos de seus desejos, o que permitiu a democratização do

consumo. Além disso, não mais se negociavam os preços, que eram afixados nos

próprios produtos. Ao consumidor cabia aceitar ou não o valor atribuído ao produto

desejado e, consequentemente, tomar a decisão de comprá-lo.28

Mas houve outro acontecimento que teve impacto significante para a

sociedade como um todo: a Revolução Industrial.

A Revolução Industrial foi o mais importante acontecimento da história

humana nos últimos três séculos, um episódio único, e continua a estender seus

efeitos para o mundo contemporâneo..29

O fenômeno da Revolução Industrial, apesar de ter nascido focado no

desenvolvimento de novos métodos e na organização da produção, alterou a forma

como as pessoas vivem, definem questões políticas, entre outros aspectos da vida

social. 30

Com o seu regime de produção em escala, a Revolução Industrial foi

responsável pelo aumento da quantidade de produtos colocados no mercado de

consumo, facilitando o acesso por diferentes camadas da sociedade.

Bauman considera que ocorreu a transformação de uma “sociedade

moderna de produtores” para uma “sociedade de consumidores”. Analisa que a

felicidade não é tão associada à satisfação de necessidades, mas à quantidade de

desejos sempre crescentes, o que significa uso imediato e rápida substituição dos

objetos para atender a todas essas novas necessidades, impulsos, compulsões e

vícios, assim como apresenta novos mecanismos de motivação, orientação e

monitoramento da conduta humana. É do autor a afirmação de que a economia

consumista se baseia no excesso e no desperdício.31

A criação do fenômeno do crédito acelerou fortemente o consumo. As

vendas a prazo ou em parcelas expandiram a possibilidade de consumo, já que

não era mais necessário ter o valor integral do preço do produto para poder

27

McCRACKEN, Grant. Cultura & Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo, p. 1. 28

McCRACKEN, Grant. Cultura & Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo, p. 1. 29

STEARNS, Peter N. The Industrial Revolutions in world history. 4th. ed. Doulde, USA: Westview

Press, 2013. p. 1. 30

STEARNS, p.eter N. The Industrial Revolutions in world history, p. 1. 31

BAUMANN, Zygmunt. Vida para o consumo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. p. 53.

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24

adquiri-lo. As técnicas de marketing também se tornaram mais presentes e

persuasivas para os consumidores, criando, cada vez mais, novos objetos de

desejos e ditando a moda e a obsolescência dos produtos. 32

O consumo acabou responsável por reclassificar a sociedade em

sociedade de consumo.

A história da sociedade de consumo é recente.33 Apesar de o consumismo

não ser novidade, foi somente após a industrialização que se produziram mais

produtos do que era necessário para a sociedade34, caracterizando, assim, um

mercado ou uma sociedade de consumo.

Iturraspe35 lembra que o homem medieval tinha necessidades escassas e

muito pautadas pela necessidade de alimentos e de vestimentas. Em relação ao

homem da pós-modernidade, o autor anota que:

[...] por ocasião do marketing, a publicidade, a necessidade de vender mais para produzir mais – e o maior lucro – tem multiplicado suas necessidades: em número e em qualidade. E a todas sente e vivencia como se fossem ‘necessidades primárias e urgentes’. É a sociedade do conforto, do bem-estar, da opulência, do ter mais e mais coisas, como um símbolo da relação pessoal, da satisfação e da felicidade [Tradução nossa].36

A constituição da sociedade de consumo foi, portanto, um processo de

desenvolvimento: partiu-se de uma necessidade muito simples, de atendimento de

necessidades básicas para uma sociedade complexa, com necessidades confusas.

Baudrillard traz um ilustrativo exemplo para mostrar a divergência entre

esses dois momentos:

Assim como a sociedade da Idade Média se equilibrava em Deus e no Diabo, assim a nossa se baseia no consumo e sua denúncia. Em torno do Diabo era possível organizar heresias e seitas de

32

McCRACKEN, Grant. Cultura & Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo, p. 1. 33

SODRÉ, Marcelo Gomes. A construção do direito do consumidor: um estudo sobre as origens das leis principiológicas de defesa do consumidor. São Paulo: Atlas, 2009. p. 10. 34

BEHREND, Chirstoph. Consequences of planned obsolescence for consumer culture and the promotional self. United Kingdom: University of Leicester Grin – Publish & Find Knowledge, 2004. p. 4. 35

ITURRASPE, Jorge Mosset. Como contractar en una economia de mercado. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni, 1997. p. 178. 36

ITURRASPE, Jorge Mosset. Como contractar en una economia de mercado, p. 178. No original:

“con motivo del marketing, de la publicidade, de la necessidad de vender más para producir más – y obtener mayores ganancias – há visto multiplicadas sus necesidades: en número y en calidad. Y a todas las siente, las vive como ´necesidades primaris y urgente´. Es la sociedade del confort, del bienestar, de la opulencia, del ´tener´más y más cosas, como signo de la relación personal, da satisfación, de la felicidade.”

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25

magia negra. A nossa magia, porém, é branca e a heresia é impossível na abundância.37

Como se vê, não há consenso sobre o conceito ou as características da

sociedade de consumo.

Na opinião de Barbosa:

A dificuldade conceitual de se definir e limitar o que é uma sociedade de consumo junta-se o caráter elusivo da atividade de consumir, que a torna apenas social e culturalmente percebida na sua dimensão supérflua, ostentatória e/ou de abundância. A consequência dessa associação automática e inconsciente entre consumo, ostentação e abundância foi e ainda é o permanente envolvimento da sociedade de consumo e do consumo com debates de cunho moral e moralizante sobre os seus respectivos efeitos nas sociedades contemporâneas. Temas como materialismo, exclusão, individualismo, hedonismo, lassidão moral, falta de autenticidade, desagregação dos laços sociais e decadência foram associados ao consumo desde o início do século XVII e ainda hoje permeiam as discussões, dificultando e misturando conceituação e análise sociológica com moralidade e crítica social.38

Baudrillard, reconhecendo a dificuldade apontada, assevera que “o

consumo constitui um mito”39 e a “única realidade objetiva do consumo é a ideia de

consumo”40. Para o filósofo, “pensa-se e fala-se como sociedade de consumo na

medida de que [se] consome enquanto sociedade de consumo em ideia”41.

A palavra “consumo” dentro do capitalismo é tanto a base como a

organização social da “sociedade de consumo”.

Consumo deriva do latim consumere, que significa usar tudo, esgotar e

destruir. Na língua inglesa, o termo consummation significa somar e adicionar.42

No Brasil, o significado do termo “consumo” ficou mais próximo do sentido

negativo mencionado linhas atrás, enquanto a palavra “consumação” tem sentido

positivo de realização, de clímax.43

37

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Reimp. Lisboa: Edições 70, 2008. p. 268. 38

BARBOSA, Livia. Sociedade de consumo. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. p. 12. 39

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 264. 40

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 264. 41

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 264. 42

BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin. Cultura, consumo e identidade. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 2006. p. 21. 43

BARBOSA, Lívia; CAMPBELL, Colin. Cultura, consumo e identidade, p. 21.

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26

Segundo Lipovetsky:

A vida no presente tomou o lugar das expectativas do futuro histórico e o hedonismo, o das militâncias políticas; a febre do conforto substituiu as paixões nacionalistas e os lazeres, a revolução. Sustentado pela nova religião do melhoramento contínuo das condições de vida, o maior bem-estar tornou-se uma paixão de massa, o objetivo supremo das sociedades democráticas, um ideal exaltado em todas as esquinas.44

Apesar da dificuldade de sua conceituação, a sociedade de consumo

apresenta como característica: o crescimento vertiginoso da procura e da oferta de

bens de consumo nas sociedades industrializadas e naquelas em

desenvolvimento, a explosão demográfica e a expansão da classe média e seu

acesso aos bens de consumo”45.

Para Schmitt, a consequência dessas características é a massificação da

relação de consumo.46

Todos esses pontos da constituição da sociedade de consumo foram

responsáveis pela mudança de hábito de consumo.

Roche corrobora ao afirmar que: “Os hábitos modernos de uso acelerado

dos objetos nasceram num mundo heterogêneo onde coexistiam vários modos de

consumo e setores diferentes de mercadoria.”47.

Até o século XVI, a unidade de consumo era a família e a decisão de

consumo era a tradicional “pátina”, ou seja, a compra com o objetivo de o bem

permanecer na família por diversas gerações. Os bens adquiridos se tornavam

valiosos em razão de sua antiguidade e da história da família.48

A pátina de um objeto funcionava como uma mídia, uma mensagem de

status de vital importância.49

44

LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal. Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 11. 45

ARRUDA ALVIM. Cláusula abusivas e seu controle no direito brasileiro. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, RT, n. 20, p. 25-70, out.-dez. 1996., p. 29-30. 46

SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas abusivas nas relações de consumo. 2. edição revista, atualizada e ampliada. Biblioteca de Direito do Consumidor, v. 27. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 73. 47

ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo nas sociedades do século XVII ao XIX, p. 330. 48

McCRACKEN, Grant. Cultura & Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo, p. 1. 49

McCRACKEN, Grant. Cultura & Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo, p. 58.

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27

Sobre a pátina, explica McCracken:

1.) Um objeto adquire pátina em proporção direta a sua idade. 2.) A idade de um objeto é diretamente proporcional à duração de sua posse por parte de uma família (com o pressuposto de que a família o teria comprado novo). 3.) A duração da posse familiar de um objeto representa a extensão de tempo durante a qual esta família gozou de um certo nível de renda discricionária e caprichosa. 4.) A duração deste nível de renda representa a extensão de tempo durante a qual esta família desfrutou de um certo status social.50

E complementa:

A pátina permite a seguinte inferência: quanto maior a pátina em certos objetos, mais longo foi o tempo durante o qual o proprietário gozou de certo status. Isso permite ao observador ler a duração do status de uma família na quantidade de pátina que se deposita sobre suas posses.51

Como mencionado anteriormente, na Inglaterra, a rainha Elizabeth I

passou a utilizar a despesa como instrumento de governo com o objetivo de fazer

da corte uma espécie de desfile, de espetáculo teatral. Com isso, iniciou-se uma

competição social e a nobreza elisabetana passou a gastar cada vez mais com o

consumo de produtos como instrumento de destaque na corte52.

Esse movimento foi responsável por transferir a unidade de consumo da

família para o âmbito do indivíduo, o que gerou uma grande mudança no processo

de decisão de consumo. Neste novo cenário, a decisão de compra é impulsionada

pela moda, pelo hedonismo individual e pela competição social.53

A consequência, bastante fértil para o mercado de consumo, é que a

antiga preocupação de adquirir o bem para durar por geração (pátina) passa a ser

substituída pelo imediatismo (moda) e pela competição social.

No século XVIII, com o aparecimento da sociedade de consumo, a

sociedade inglesa começou a ser conduzida por novos gostos e preferências.54

50

McCRACKEN, Grant. Cultura & Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo, p. 58. 51

McCRACKEN, Grant. Cultura & Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo, p. 58. 52

McCRACKEN, Grant. Cultura & Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo, p. 59. 53

McCRACKEN, Grant. Cultura & Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo, p. 1. 54

McCRACKEN, Grant. Cultura & Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo, p. 62.

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28

Subitamente, a pátina, símbolo de status, entrou em declínio e os “indivíduos de

elevada posição podiam encontrar mais status em objetos novos do que nos

antigos”55.

Ademais, o novo modelo de consumo é imediato; as pessoas se

preocupam com a necessidade momentânea, sem levar em conta a durabilidade

do produto que está sendo adquirido.

Roche também conta que “a família estava no centro dessa transformação,

tanto na cidade como no campo”. A família era a unidade de produção e de

consumo56. “A época moderna viu a modificação do sentimento familiar e o

desenvolvimento de uma concepção de vida privada e de novas manifestações do

sentimento da infância“57, ou seja, uma preocupação individual que se sobrepõe à

preocupação com a família.

A mudança da unidade da família para o indivíduo permite também o

consumo em maior escala e contribui para o aparecimento da sociedade de

consumo e de hiperconsumo.

A propósito, sociedade de hiperconsumo, um conceito concebido por

Lipovetsky58, é marcada pela perda de sentido das instituições morais, sociais e

políticas. A cultura nesse tipo de sociedade é marcada por relações de tolerância,

hedonismo e consumo excessivo.

A sociedade de hiperconsumo é caracterizada não apenas por novas

maneiras de consumir, mas também por novos modos de organização da

produção, novas estratégias de vendas, de comunicação e de distribuição de bens.

Lipovestsky também usa a expressão “Revolução da Revolução de

Consumo” para a sociedade de hiperconsumo, por entender que este novo

momento traduz uma nova concepção do sistema de oferta, ou seja, uma

economia centrada na procura, que prega uma abordagem qualitativa do mercado

55

McCRACKEN, Grant. Cultura & Consumo – novas abordagens ao caráter simbólico dos bens e das atividades de consumo, p. 63. 56

ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo nas sociedades do século XVII ao XIX, p. 34. 57

ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo nas sociedades do século XVII ao XIX, p. 34. 58

LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaios sobre a sociedade de hiperconsumo, p. 76.

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29

e busca a satisfação do cliente. As “empresas orientadas para o produto” passam a

ser “empresas orientadas para o mercado e para o consumidor”59.

Nessa nova concepção, além da produção de bens, os agentes do

mercado também se dedicam a desenvolver políticas de marca e a buscar sempre

a “criação de valor para o cliente”, sistemas de fidelização, crescimento da

segmentação (nichos) e da comunicação.60

Outra marca da sociedade de hiperconsumo é o funcionamento global dos

mercados, significando que os produtores não estão necessariamente na mesma

região e a produção pode ser dividida em diversos países.

Como destaca Lipovetsky61, a sociedade de hiperconsumo se desenvolve

em torno de dois atores principais: consumidores e acionistas. As empresas

buscam a maximização de valor para os acionistas. Em relação aos consumidores,

o imperativo é mercantilizar todas as experiências em todo lugar e a todo

momento, para qualquer nicho e idade, diversificando a oferta e adaptando-a às

expectativas dos consumidores.

A sociedade de hiperconsumo é uma sociedade que prima por um

consumo exacerbado, por exemplo, o consumidor que visita uma loja de descontos

não é um subconsumidor, mas sim um hiperconsumidor que controla suas

despesas para poder consumir mais, buscando prazeres diversificados, consumos

lúdicos, comunicacionais e emocionais.62

Lipovestsky também observa que não é mais a onipotência de marcas e de

logos que gera o consumo, mas sim a força dos valores hedonistas, gosto pela

mudança e desejo generalizado de participar da moda.63 Nesta sociedade de

hiperconsumo, pode-se afirmar que ocorre a transição do consumo para o

consumismo.

59

LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaios sobre a sociedade de hiperconsumo, p. 76-78. 60

LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaios sobre a sociedade de hiperconsumo, p. 95-96. 61

LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaios sobre a sociedade de hiperconsumo, p. 13-14. 62

LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaios sobre a sociedade de hiperconsumo, p. 95-94. 63

LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaios sobre a sociedade de hiperconsumo, p. 95-94.

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30

Antes de adentrar o tema do consumismo, vale observar que existe grande

dificuldade de se traçar uma linha divisória ou mesmo definir parâmetros que o

identifiquem.

Para Schweriner64, consumo é a compra saudável, que busca o

atendimento de verdadeiras necessidades do consumidor. Consumismo deve ser

entendido como a patologia desta conduta, a transgressão do consumo saudável.

O autor resume tal raciocínio da seguinte forma: “Necessidades – Bens Essenciais

– Consumo – Desejos – Bens Supérfluos – Consumismo”. Entretanto, adverte que

“o mero ato de consumir supérfluos, mesmo muitos supérfluos, não implica

consumismo. Trata-se de uma opção de consumo”.65

Algumas situações são representativas do consumismo:

Compras (compulsiva): o ‘shopaholic’, para quem o ato da aquisição em si é gratificante, podendo até sobrepujar em significância a posse e o uso. Vários consumidores fazem do ato da compra um ritual de alugar o tempo e a atenção do vendedor, fazendo a troca do dinheiro pela mercadoria um fim em si mesmo.

Posses (desmesuradas): acumulação e retenção, levando o indivíduo a possuir muito mais bens do que o necessário para uma vida saudável.

Uso (abuso do prazer/ostentação): quer dizer, o

prazer sem limites, ou a utilização do bem transcendendo seu valor de utilidade. O sujeito faz uso do bem mais pelo que representa para os outros.66

Dessas primeiras lições, pode-se inferir que o consumismo é um consumo

patológico e sem necessidade; a pessoa consome pelo simples desejo ou prazer

de consumir.

Baudrillard67 faz uma interessante digressão sobre o tema: “Era uma vez

um homem que vivia na raridade. Depois de muitas aventuras e de longa viagem

através da ciência econômica, encontrou a sociedade da abundância. Casaram-se

e tiveram muitas necessidades.”.

Não é difícil perceber que houve uma mudança significativa da forma de

consumo na sociedade. Antes, consumia-se pensando na família e na durabilidade

64

SCHWERINER, Mario Ernesto René. Comportamento do consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 151-152. 65

SCHWERINER, Mario Ernesto René. Comportamento do consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 152, 159. 66

SCHWERINER, Mario Ernesto René. Comportamento do consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 154. 67

BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo, p. 77.

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do produto por diferentes gerações. Após a revolução do consumo, o consumo é

feito de maneira individualista, imediatista e hedonista.

Packard corrobora a posição acima quando, ao analisar o mercado

americano, observou que o americano médio consome duas vezes mais que

consumia logo após a Segunda Guerra Mundial. Além disso, cerca de dois quintos

dos produtos que o cidadão americano adquire não são considerados essenciais,

ou seja, são itens considerados supérfluos ou itens de luxo.68

O crescimento do consumo decorre da invenção de novos produtos,

causado por dois fatores principais: o primeiro deles é o crescimento da

capacidade produtiva dos Estados Unidos, com a utilização de cada vez mais

equipamentos automatizados em fábricas e escritórios; o segundo se deve ao

aumento da quantidade de unidades produtivas baseada na crença dos executivos

americanos de que os consumidores podem ser induzidos a consumir sempre

mais.69

A ideia é que um verdadeiro homem de negócios rejeita o conceito de

saturação de mercado na medida em que sempre será capaz de identificar novas

demandas para seus produtos. Se um fabricante percebe que muitas famílias já

possuem o seu produto, só existem três formas de obter vendas adicionais, vender

um novo produto semelhante para substituir o anterior, vender mais de um item

para cada família ou então introduzir um novo produto ou um produto melhorado

que vai encantar os consumidores a ponto de substituir o “velho” pelo novo.70

Packard ainda anota que a cada ano fica mais difícil implementar melhorias

nos produtos e que muitas mudanças passaram a ser apenas superficiais ou

cosméticas.71

O ápice dessa nova sociedade e de modelo de consumo ocorre quando se

começa a aceitar o conceito de produtos descartáveis.

Em agosto de 1955, a revista americana Life72 publicou uma matéria

denominada "Throwaway Living", que comemorava a nova sociedade descartável.

68

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben. Brooklyn, New York: IG Publishing, 1988. p. 25. (Ebook). 69

PACKARD, Vance. The waste makers, p. 25-26. 70

PACKARD, Vance. The waste makers, p. 26. 71

PACKARD, Vance. The waste makers, p. 27, 28. 72

O artigo pode ser visto em: GOOGLE. Livros. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=xlYEAAAAMBAJ&lpg=PP1&pg=PA43&redir_esc=y#v=onepage&q&f=true>. Acesso em: 12 set. 2015.

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O artigo trazia uma foto com uma série de utensílios descartados e completava o

chamado com a seguinte afirmação: “produtos descartáveis reduzem as tarefas

domésticas”73.

A matéria destacava que não era mais necessário despender diversas

horas realizando a tarefa de limpeza porque era possível adquirir produtos que

depois de usados poderiam ser descartados e os exemplos apresentados eram

guardanapos, fraldas, bacias de alimentação para animais, frigideiras e

churrasqueiras descartáveis.

Os produtos descartáveis eram, assim, uma solução fantástica para todos

os problemas, ou seja, depois de usados uma vez eram jogados no lixo.

Slade, sobre o tema, observa que a cultura do descartável (“desposal

culture” ou “throwaway ethics”) começou principalmente pelo fato de produtos e

matérias-primas serem mais baratos para as indústrias.74

Cooper alerta que o lixo nos países industrializados cresceu na mesma

taxa que a economia, ou seja, ambos cresceram cerca de 40% nos últimos trinta

anos. Observa ainda que o crescimento da cultura do descarte na nossa sociedade

tem sido abordado de forma pouco adequada, como reflexo da democracia liberal.

Contudo, já se começa a formar um consenso de que grandes ameaças para a

sociedade passam a surgir no médio e no longo prazos, uma vez que o meio

ambiente tem uma capacidade limitada de absorver os impactos causados pela

extração imensurável de matérias-primas e a consequente produção de

lixo/poluição.75

Esse é um problema sério que se coloca na mesa: a dicotomia de posições

existentes hoje na sociedade com relação à cultura de produtos descartáveis e à

finitude dos recursos naturais, ante o argumento de que o planeta não tem como

suportar este tipo de cultura por longas gerações.

Todo esse contexto é o ambiente fértil para os fornecedores utilizarem

artifícios como a obsolescência para induzir o consumidor a realizar compras

repetitivas de produtos.

73

Tradução livre de “Disposable itens cut down household chores”. 74

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America. First Harvard University Press paperback edition. Cambridge, USA: Havard University Press., 2007. p. 13. 75

COOPER, Tim. Slower consumption – Reflections on product life span and the throwaway society. Jornal of Industrial Ecology, Massachusetts Institute of Technology and Yale University, v. 9, n. 1-2. 2005. p. 52, 53.

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2 OBSOLESCÊNCIA

“The old stuff gets broken faster than the new stuff is put in its place”.

Clay Shirky76

Em 1970, o futurista Alvin Toffler, autor do célebre livro intitulado “Choque

do Futuro” (Future Shock), afirmou que a taxa de mudança no mundo acelerava de

forma drástica, podendo causar uma sobrecarga física e psicológica e que o

progresso estava acontecendo em um ritmo exponencial com as coisas se

tornando obsoletas em uma velocidade assustadora. Naquela época, constatou

também que as mudanças que ocorriam no período de um ano, nas gerações

passadas demandavam vários séculos.77

As afirmações de Toffler da segunda metade do século passado são muito

atuais. Em se tratando de desenvolvimento de mercado de consumo impulsionado

pela tecnologia, seja na TV, na internet, em jornais ou revistas, a todo momento,

deparamo-nos com o lançamento de um sem-número de produtos (eletrônicos,

aparelhos celulares, alimentícios, produtos relacionados com a saúde e beleza,

entre outros).

O lado positivo do lançamento de novos produtos no mercado é, regra

geral, a promessa de serem melhores que os seus antecessores, com

desempenho melhor, mais rápidos, mais leves, com mais funcionalidades em

relação aos desenvolvidos anteriormente.

A sociedade, por sua vez, passa a trocar os produtos com mais frequência,

nem sempre no fim da vida útil, gerando um grande consumo repetitivo com suas

consequências econômicas, sociais e ambientais, isto sem contar os impactos para

a relação de consumo.

Leonard, no vídeo intitulado “The Story of Stuff”, lembra a célebre

declaração do Presidente Eisenhower:

76

SHIRKY, Clay. Newspapers and thinking the unthinkable. Edge.org. Disponível em: <https://www.edge.org/conversation/clay_shirky-newspapers-and-thinking-the-unthinkable>. Acesso em: 22 abr. 2016. 77

Apud GROSSMAN, Anna Jane. Obsolete – an encyclopedia of once-common things passing us by. New York: Abrams Image, 2009. p. 15.

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Fora a enorme capacidade produtiva […] impõe que façamos que o consumo seja o nosso meio de vida, que convertamos a compra e o uso de bens em rituais, que busquemos a nossa satisfação espiritual, a satisfação do nosso ego no consumo; nós precisamos de coisas consumíveis, queimadas, repostas e descartadas de forma cada vez mais acelerada.78

Neste ponto do estudo, é necessário e importante bem compreender a

questão da obsolescência dos produtos, sem o que não será possível analisar se o

artifício do consumo repetitivo é usado na relação de consumo por parte do

fornecedor, tampouco constatar a existência e a efetividade, ou não, dos

mecanismos preventivos e reparatórios no CDC.

Em 2005, a 20th Century Fox lançou a animação denominada “Robôs”

(Robots)79. A animação conta a história do personagem Rodney Lataria, um robô

que tem talento para inventar máquinas, mas trabalha com seu pai lavando pratos.

Sonhando em conhecer seu ídolo, o Grande Soldador, Rodney decide partir em

uma viagem rumo a Robópolis. Ao chegar na cidade, o personagem principal

percebe que sua busca será mais difícil do que imaginava, pois o Grande Soldador

já não está na empresa que fundou, agora administrada por outro personagem

denominado Dom Aço. O novo presidente ignora o povo e dirige a empresa apenas

para a obtenção de lucro com a venda de novas peças para os robôs, deixando de

vender peças sobressalentes para os robôs antigos, ou seja, ou o robô compra um

uniforme inteiro novo ou é considerado obsoleto e enviado para o descarte. De

uma forma lúdica, a animação trata da obsolescência.

Falar que um produto é obsoleto pode significar que existe outro mais

moderno ou que veio para substituir o primeiro. Obsolescência, contudo, é muito

mais amplo, conforme se verá a seguir.

É importante destacar a ausência de qualquer legislação aplicável para

coibir a obsolescência de produtos no Brasil, deixando o consumidor vulnerável em

relação aos abusos dos fornecedores, fato que também justifica este estudo.

78

STORY OF STUFF PROJETC. The story of stuff. 2015. Disponível em: <http://storyofstuff.org/>. Acesso em: 30 mar. 2015. No original: “Out enormously productibe economy… demands that we make consumption our way of life, that we convert the buying and use of goods into rituals, that we seek our spiritual satisfaction, our ego satisfaction, in consumption we need things consumed, burned up, replaced and discarded at an ever-accelarating rate.” 79

ROBÔS (título original Robots). Direção: Chris Wedge, Carlos Saldanha. Produtor: Jerry Davis, John C. Donkin, Bob Gordon, William Joyce, Christopher Meledandri, Lorne Orleans. Hollywood (CA), USA. Twientieth Century Fon Animation and Blue Sky Studios. [Distribuidor brasileiro Fox Films]. Digital 35 mm (spherical) (Kodak Vision 2383) e 70 mm (horizontal) (IMAX DMR blow-up) (Kodak Vision 2383), Color, (91min), março 2005.

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Na Europa não existe qualquer legislação ou norma sobre obsolescência80,

tampouco os Estados Unidos da América possuem lei federal neste sentido81,

apesar de ter sido este país o berço da obsolescência. Mas o cenário começa a

mudar na Europa na medida em que França e Bélgica já começam a regulamentar

o tema, como será destacado à frente.82

2.1 HISTÓRIA DA OBSOLESCÊNCIA

De início, pode-se dizer que o desenvolvimento do conceito de

obsolescência foi tortuoso, sendo concebida, ora como benefício para a sociedade,

ora como problema social e ambiental.

Slade comenta que a obsolescência, em todas as suas formas,

tecnológica, psicológica e planejada, é uma invenção norte-americana. Para o

autor, foram os americanos que criaram os produtos descartáveis, como fraldas,

câmeras, lentes de contato, entre outros. Tal fato foi, de certo modo, responsável

pelo sucesso da economia dos Estados Unidos da América.83

O conceito da obsolescência e seu desenvolvimento ocorreu

principalmente nos Estados Unidos. O primeiro texto que abordou diretamente a

80

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU. Parecer. “Por um consumo mais sustentável: O ciclo de vida dos produtos industriais e informação do consumidor a bem de uma confiança restabelecida”. CMMI/112. Ciclo de vida dos produtos e informação ao consumidor. Relator Thierry Libaert e Correlator Jean Pierre Haber. Bruxelas, 17 de outubro de 2013, p. 2. Disponível em: <https://dm.eesc.europa.eu/eesc/2013/_layouts/WordViewer.aspx?id=/eesc/2013/10001999/1904/ces1904-2013_00_00_tra_ac/ces1904-2013_00_00_tra_ac_pt.doc&DefaultItemOpen=1&Source=http%3A%2F%2Fdm%2Eeesc%2Eeuropa%2Eeu%2Feescdocumentsearch%2FPages%2Fopinionsresults%2Easpx%3Fk%3Dciclo%2520de%2520vida>. Acesso em: 12 set. 2014. 81

HG.ORG. Legal Resources. Planned obsolescence – Shouldn´t be an offense punishable like any deception. Disponível em: <http://www.hg.org/article.asp?id=33946>. Acesso em: 6 abr. 2015. 82

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU. Parecer. “Por um consumo mais sustentável: O ciclo de vida dos produtos industriais e informação do consumidor a bem de uma confiança restabelecida”. CMMI/112. Ciclo de vida dos produtos e informação ao consumidor. Relator Thierry Libaert e Correlator Jean Pierre Haber. Bruxelas, 17 de outubro de 2013, p. 2. Disponível em: <https://dm.eesc.europa.eu/eesc/2013/_layouts/WordViewer.aspx?id=/eesc/2013/10001999/1904/ces1904-2013_00_00_tra_ac/ces1904-2013_00_00_tra_ac_pt.doc&DefaultItemOpen=1&Source=http%3A%2F%2Fdm%2Eeesc%2Eeuropa%2Eeu%2Feescdocumentsearch%2FPages%2Fopinionsresults%2Easpx%3Fk%3Dciclo%2520de%2520vida>. Acesso em: 12 set. 2014. 83

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 3, 4.

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questão da obsolescência, intitulado “Ending the depression through planned

obslescence”, de autoria de Bernard London, data de 1932.84

Em seu panfleto, London propõe uma solução para a crise de 1929 dos

Estados Unidos, com a mudança dos hábitos dos consumidores e da

obsolescência programada, um contraponto para situações de crise, ameaça ou

histeria, quando as pessoas em geral utilizam seus produtos por mais tempo se

comparado com momentos de prosperidade.85 Nos momentos de prosperidade, as

pessoas não esperam até o último momento para substituir seus produtos, a

substituição ocorre por questão de moda ou de atualização.86

Em períodos de crise, as pessoas desobedecem a “lei da obsolescência” e

utilizam por longo tempo produtos como carros, roupas, rádios, entre outros.

Quando isso acontece é grande o impacto para a economia, que apesar de dispor

de recursos naturais, mão de obra e capacidade produtiva, deixa de movimentar a

economia com a venda dos novos produtos, pois as pessoas evitam consumir.87

Na opinião de London, o governo deveria definir o prazo de vida útil dos

produtos manufaturados quando desenvolvidos e postos à venda. Defende que,

decorrido o prazo da vida útil, os produtos deveriam ser considerados “mortos” e

devidamente destruídos por uma agência governamental, a ser definida. Com essa

providência, novos produtos seriam vendidos em substituição àqueles destruídos.

Esse tipo de obsolescência planejada teria como função servir de reserva de

receita para distintos atores: o governo, por meio de impostos; os fabricantes, pela

receita da venda de novos produtos; e as pessoas, com a garantia de salários.

Essa receita poderia ser planejada e controlada, já que cada produto no mercado

teria um prazo de vida útil definido. As pessoas, por sua vez, devolveriam os

produtos obsoletos para uma agência governamental. Em troca, receberiam um

valor pelo produto devolvido, cujo recurso serviria para comprar um novo88,

valendo destacar que o produto devolvido ainda poderia atender aos fins a que se

propunha, ou seja, não se tratava de devolução de um produto que deixou de

84

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 50. 85

LONDON, Bernard. Ending the depression through planned obsolescence. New York: Sef-published, 1932. p. 1. 86

LONDON, Bernard. Ending the depression through planned obsolescence, p. 1-2. 87

LONDON, Bernard. Ending the depression through planned obsolescence, p. 2. 88

LONDON, Bernard. Ending the depression through planned obsolescence, p. 2.

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funcionar. Por outro lado, caso a pessoa decidisse manter o produto após o prazo

definido pelo governo, deveria pagar uma taxa pelo uso do bem obsoleto.89

Quando lançou essas ideias, London considerava que existia uma

“abundância” de recursos e commodities capazes de manter o ciclo produtivo no

mercado e que tal circunstância permitia ao governo rever o prazo de vida útil dos

produtos, conforme a necessidade.90 Desta feita, seria mais econômico destruir

produtos sem uso ou mesmo obsoletos do que assumir o risco de destruir ativos

mais importantes como a vida humana, a saúde e a confiança da população.91

A obsolescência programada, nesse sentido, era concebida como um

processo positivo para a sociedade.

Em 1922, apesar de não abordar diretamente a questão da obsolescência,

Chase relatou que as indústrias da época focavam sua produção apenas na

questão do lucro e que a melhor forma de incentivar o processo produtivo era criar

uma cultura de consumo de produtos descartáveis.92 O foco do economista era o

desperdício e a ineficiência das práticas de produção93, analisando também a

questão de empresas produzirem com distinção entre produtos que atendiam a

uma necessidade da população e outros que consideravam uma extravagância.94

Conforme o relato de Slade, um pouco antes de London, em 1928, Justus

George Frederick cunhou o conceito de “obsolescência progressiva”, em artigo

preparado para a revista Advertising and Selling. Na verdade, foi uma tentativa de

mudar a forma como os americanos pensavam o papel da propaganda e do

design, e utilizavam como bandeira a mudança do Ford Modelo T para o Ford

Modelo A.

A ideia era incitar a compra de produtos novos, mais eficientes, atualizados

e de novo estilo, em substituição ao antigo pensamento de usar produtos até o seu

desgaste ou até o fim da sua vida útil. Além disso, tentou suavizar o conceito de

obsolescência, reduzindo seus aspectos negativos, ao justapor o conceito positivo

“progressivo” ao de progresso.95.

89

LONDON, Bernard. Ending the depression through planned obsolescence, p. 2. 90

LONDON, Bernard. Ending the depression through planned obsolescence, p. 3. 91

LONDON, Bernard. Ending the depression through planned obsolescence, p. 6. 92

CHASE, Stuart. The challenge of waste. New York: League for Industrial Democracy, 1922. p. 26. 93

CHASE, Stuart. The challenge of waste, p. 6-7. 94

CHASE, Stuart. The challenge of waste, p. 8-9. 95

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 58.

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Nessa época, os consumidores não estavam tão familiarizados com o

conceito de obsolescência e Frederick foi muito firme ao divulgá-lo, encorajando os

fabricantes a focar os seus consumidores para que estes passassem a fazer suas

opções de compras baseados no princípio da obsolescência progressiva.96

Roy Sheldon e Egmont Arens publicaram um artigo na revista Consumer

Engineer, seguindo as ideias de Frederick, ou seja, incentivavam os consumidores

a substituir os seus produtos, mencionando que o período de vida útil devia ser o

mais curto possível. Os autores usaram o termo “obsoletismo” como forma de

evitar as conotações negativas de “obsolescência”, conforme observa Slade.97

No outro extremo do conceito, Schumpeter, economista do século

passado, ao analisar o capitalismo cunhou o termo “destruição criativa”. A

explicação é que o impulso fundamental do sistema capitalista tem origem em

novos consumidores, novos métodos de produção ou transporte, novos mercados

e novas formas de organização industrial que só o capitalismo pode criar. A história

da evolução do aparato produtivo do capitalismo é um processo de revoluções, no

qual o antigo é destruído e substituído por algo novo constantemente, constituindo

o processo de destruição criativa.98

Mészáros também observa que na chamada “sociedade descartável” é

necessário encontrar um equilíbrio entre produção e consumo necessário para que

a contínua reprodução possa ser artificialmente acelerada em grande velocidade,

ou seja, para permitir que os bens duráveis sejam prematuramente descartados

antes de se esgotar o prazo de sua vida útil.99

Outro autor que abordou a questão da obsolescência foi Paul. M Mazur, no

livro intitulado “American prosperity: its causes and consequences”100, onde tratou

a obsolescência como um “deus”: o consumo apenas movido pelo desgaste dos

produtos era muito lento para a necessidade da economia/indústria americana. A

96

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 58. 97

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 66-67. 98

SCHUMPETER, Joseph A. Capitalism, socialism and democracy. Fifth edition 1976. New York: Taylor & Francis e-Library, 2003. p. 82-83. 99

MÉSZÁROS, István. Produção destrutiva e Estado capitalista. São Paulo: Ensaio, 1989. p. 16. (Cadernos Ensaio V – Série Pequeno Formato). 100

MAZUR. Paul M. American prosperity: its causes and consequences. London: Jonathan Cape, 1928. p. 28.

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partir dessa ideia, os altos executivos nomearam um novo “deus” capaz de

movimentar a economia: o “deus da obsolescência”.101

Em 1947, Paul. M. Gregory apresentou o conceito de obsolescência

intencional (purposeful obsolescence) como redução planejada da vida útil dos

produtos. A obsolescência intencional ocorre sempre que os fabricantes,

propositadamente, produzem bens com uma vida útil mais curta do que poderiam,

em condições tecnológicas e com os mesmos custos existentes; ou sempre que

fabricantes/vendedores induzam o público a substituir os bens que ainda têm

substancial utilidade física. No primeiro caso, os fabricantes, deliberadamente,

fazem os produtos com qualidade ou durabilidade inferior e, assim, reduzem a vida

útil do bem, tornando o processo de substituição mais frequente. No segundo, os

fabricantes reduzem a utilidade psicológica dos bens que ainda estão nas mãos

dos consumidores, levando-os a optar pela substituição, antes mesmo de a vida

útil do produto se esgotar.102

Nos anos 1950, Brooks Steven se destacou como design e industrial.

Afirma-se que ele foi o responsável pelo desenvolvimento da obsolescência

programada103, cuja definição é a seguinte: “Obsolescência programada é o desejo

de ter alguma coisa mais nova, um pouco melhor, um pouco antes que o

necessário [Tradução nossa]. “104. Não obstante, como visto, outros autores já

abordavam o tema da obsolescência antes dele.

Segundo Steven, o trabalho de um “designer é produzir produtos, vendê-

los às pessoas e no próximo ano, deliberadamente, criar um conceito que torna o

produto vendido fora de moda, desatualizado, obsoleto. Fazemos isso para ““fazer”

dinheiro para os nossos clientes [os fabricantes]. Uma boa razão [Tradução

nossa]”105. Essa definição denota apenas a obsolescência psicológica106, conforme

101

No original: “wear alone [...] (is) too slow for the needs of American Industry. And so the high-priests of business elected a new God to take its place along with – or even before – the other household god . Obsolescence was made supreme”. 102

GREGORY Paul M. A theory of purposeful obsolescence. Southern Economic Journal, University of North Carolina – United States of America, 14(1), p. 24-45, jul. 1947. p. 24. 103

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 152. 104

STEVEN, Brooks. Planned obsolescence: the desire to own a little newer and a little better, a little soone than necessary. Disponível em: <http://www.brooksstevenshistory.com>. Acesso em: 9 mar. 2015. 105

STEVEN, Brooks. Planned obsolescence: the desire to own a little newer and a little better, a little soone than necessary. Disponível em: <http://www.brooksstevenshistory.com>. Acesso em: 9 mar. 2015. No original: "As designer we make goods, sell them to people, and the following year

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o slogan de ter “alguma coisa mais nova, um pouco melhor, um pouco antes que o

necessário”, sem levar em conta a obsolescência por um lado mais econômico,

preocupado com a criação da demanda, como apontavam outros autores.

Steven, na verdade, aproveitava-se de sua reputação de “bad boy of

industrial design” para atrair mais clientes para a sua empresa de design e também

para conseguir uma maior divulgação do conceito de obsolescência programada,

opina Slade.107

Em 1958, Kenneth Galbraith publicou o livro intitulado “The Affluent

Society”, onde denunciou abertamente os fenômenos da obsolescência planejada

e as práticas industriais correspondentes, valendo transcrever a seguinte

observação do economista e filósofo sobre o mercado de consumo americano:

Sob certas circunstâncias - as empresas devem ser de tamanho adequado no setor e algumas outras condições devem ser atendidas - podemos esperar da economia para fazer um trabalho superior de invenção, desenvolvimento e redesenho dos produtos de consumo e melhorar o seu processo de fabricação. Também não há razão para duvidar que será dada uma atenção semelhante, em circunstâncias igualmente favoráveis, para as indústrias de bens de capital que apoiam as empresas que fabricam bens de consumo. Grande parte dessa conquista vai nos impressionar apenas enquanto não perguntar como a demanda para os produtos assim desenvolvidos é artificial e sustentada. Se fizermos isso, somos obrigados a observar que grande parte do esforço de pesquisa - como na indústria automobilística - é dedicado a descobrir as mudanças que podem ser anunciadas. O programa de pesquisa será construído em torno da necessidade de conceber ‘pontos de venda’ e ‘estacas de publicidade’ para acelerar a ‘obsolescência planejada’. Tudo isso sugere que o incentivo será alocar recursos de pesquisa para que, em certo sentido, as coisas [pareçam] menos importantes. A quantidade é mais impressionante do que a forma como é alocado. Ainda assim, a economia norte-americana é delinquente na atenção da demanda para a mudança e a melhoria nos produtos de consumo [Tradução nossa].108

deliberately create a concept that will make the products old-fashioned, out of date, obsolete. This we do to make money for our clients. A sound reason.". 106

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p.153. 107

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p.153. 108

GALBRAITH, John Kenneth. The affluent society. Fortieth Anniversary Edition – A Mariner Book. Boston/New York: Hought Miffling Company, 1945. p. 3.096. No original: “Under the proper circunstances firms must be of adequate size in the industry, and certain other condition must be met – we may expect the economy to do a superior job of invention, developing and redesigning consumer´s goods and improving their process of manufacturing. Nor is there reason to doubt that similar attention will be given, under equality favorable circumstances, to the capital goods industries which support this consumer´s goods consumption. Much of this achievement will impress us only so long as we do not inquire how the demand for the products so developed is contrived and sustained. If we do, we are bound to observe that much of the research effort – as in the automotive

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A fascinação dos executivos pela obsolescência planejada proporcionou

um grande desenvolvimento no período do pós-guerra, sendo inclusive utilizada

para influenciar a forma dos produtos e a atitude mental do consumidor, que seria

o principal fundamento do espírito do descarte de produtos como modo de

contribuir para um crescimento saudável da sociedade.109

A expressão obsolescência programada tem significados diferentes e varia

de acordo com a pessoa que a adota, podendo em certos momentos significar

progresso e em outros algo desfavorável para a sociedade.110

Packard foi o primeiro estudioso a categorizar a obsolescência:

obsolescência de função (obsolescence of function), obsolescência de qualidade

(obsolescence of quality) e obsolescência de desejo (obsolescence of desirability).

Na obsolescência de função, um produto se torna obsoleto quando um novo é

introduzido e realiza uma função melhor. Na obsolescência de qualidade ocorre um

planejamento, de modo que o produto quebre ou se desgaste em momento não

muito distante do início de seu uso. Na obsolescência de desejo, por sua vez, o

produto que ainda opera normalmente em termos de qualidade e performance é

considerado obsoleto em razão da mudança de estilo ou outra mudança de

mercado, fazendo com que pareça menos desejável ao consumidor.111

A obsolescência de qualidade e a obsolescência de desejo são as

espécies mais controversas porque denotam uma estratégia planejada e desleal

dos fabricantes para promover vendas repetitivas de seus produtos aos

consumidores. Não bastasse, os fabricantes reduzem a qualidade de seus

produtos e aumentam a sua complexidade fazendo com que os consumidores

fiquem “loucos”, na expressão de Packard.112

Além da baixa qualidade, o fornecedor pode reduzir a vida útil do produto

de diversas formas. A primeira delas é percebida quando o fornecedor apresenta

um novo modelo de produto todo ano, incitando o consumidor a substituir o que já

industry – is devoted to discovering changes that can be advertised. The research program will be built around the need to devise ‘selling points’ and ‘advertising pegs’ to accelerate ‘planned obsolescence’. All this suggest that the incentive will be allocate research resource to what, in some sense, are least important things. The quantity is more impressive than the way it is allocated. Still, one would not wish to suggest that the American economy and the improvement in consumer´good.”. 109

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 65-66. 110

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 65. 111

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 65. 112

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 65.

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possui. Outra estratégia é causar o desgaste de partes do produto, tornando o

reparo difícil, seja pela dificuldade de obter as peças sobressalentes, seja pela

dificuldade de efetivamente fazer o reparo no produto.113

Packard alerta, contudo, que todos os produtos sofrem desgaste, quebram

em um determinado momento, e as empresas não podem ser criticadas pelo fato

de legitimamente calcularem a vida útil e a morte de seus produtos.114. O que não

é aceitável é o fornecedor comercializar um produto com uma expectativa de vida

útil menor, sabendo que com o mesmo custo ou com um pequeno investimento

poderia fornecer um produto com uma vida útil mais longa.115

Slade, aqui citado várias vezes, também teve um papel importante, em

especial pela análise que faz do desenvolvimento econômico e da história

americana pelo prisma da obsolescência.

Com efeito, a invenção de marcas e a publicidade têm desempenhado um

papel crucial no desenvolvimento da atual sociedade de consumo norte-americano

e a obsolescência é o mecanismo que garante a retroalimentação do sistema ao

criar o consumo repetitivo.

O documentário espanhol de 2010, denominado “Comprar, tirar,

comprar”116,117 da RTVE, idealizado por Cosima Dannoritzer, explora a questão da

obsolescência programada com alguns exemplos. O primeiro trata das lâmpadas

incandescentes, que no início do século passado tinham uma vida de mais de

2.500 horas de uso, mas devido à formação de um cartel entre os principais

fabricantes da época, denominado Phoebus, decidiu-se reduzir a sua vida útil para

1.000 horas com a introdução de materiais de menor qualidade, forçando os

consumidores a adquirir com maior frequência as lâmpadas e consequentemente

provocar o aumento das vendas e obtenção de maiores lucros. Outro exemplo vem

das impressoras jatos de tintas, que param de funcionar quando o equipamento

113

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 68. 114

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 69. 115

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 65. 116

ESPAÑA. RTVE - Radio y Televisión Española. “Comprar, Tirar, Comprar”. La historia secreta de la obsolescencia programada. Documentário 2010. 77min. Direção Cosima Dannoritzer e Steve Michelson. Roteiro: Coisam Dannoritzer. Fotografia Marc Martinez Sarrado. Música Composta por Marta Andrés, Joan Gil Bardagi. Espanha. Disponível em: <http://www.rtve.es/television/documentales/comprar-tirar-comprar/>. Acesso em: 27 maio 2014. 117

O título do documentário em francês é “Prêt à Jeter” e em inglês é “Light Bulb Conspiracy”.

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atinge um determinado número de impressões (páginas) contabilizadas por uma

memória, forçando o consumidor a adquirir um novo produto. 118

Nos anos 1930, registra o mencionado documentário119, a durabilidade

começou a ser propagada como algo antiquado, não mais refletindo as

necessidades dos consumidores da época. Nos anos 1950, com o

desenvolvimento dos fenômenos do crédito e do marketing, os fornecedores

buscavam tornar o consumidor insatisfeito, pois sempre desejava algo novo.

Latouche entende que a sociedade atual vive em um círculo “infernal” de

acumulação ilimitada, condenada ao crescimento constante, em um planeta com

recursos limitados. Nesta sociedade, “a vida do trabalhador geralmente se reduz à

vida de um biodigestor que metaboliza o salário com as mercadorias e as

mercadorias com o salário, transitando da fábrica para o hipermercado e do

hipermercado para a fábrica” 120. Na verdade, três elementos fazem com que esta

sociedade entre neste círculo infernal: “a publicidade, que cria o desejo de

consumir; o crédito, que fornece os meios; e a obsolescência acelerada e

programada dos produtos, que renova a necessidade deles” 121. A obsolescência

programada, considera o autor, é a arma absoluta do consumismo.122 E

acrescenta: “[...] a publicidade nos faz desejar o que não temos e desprezar aquilo

de que já desfrutamos. Ela cria e recria a insatisfação e a tensão do desejo

frustrado” 123.

O dinheiro e o crédito são considerados os “grandes ditadores” do

crescimento e são usados por empresários e consumidores para permitir o

crescimento.124

118

ESPAÑA. RTVE - Radio y Televisión Española. “Comprar, Tirar, Comprar”. La historia secreta de la obsolescencia programada. Documentário 2010. 77min. Direção Cosima Dannoritzer e Steve Michelson. Roteiro: Coisam Dannoritzer. Fotografia Marc Martinez Sarrado. Música Composta por Marta Andrés, Joan Gil Bardagi. Disponível em: <http://www.rtve.es/television/documentales/comprar-tirar-comprar/>. Acesso em: 27 maio 2014. 119

ESPAÑA. RTVE - Radio y Televisión Española. “Comprar, Tirar, Comprar”. La historia secreta de la obsolescencia programada. Documentário 2010. 77min. “Direção Cosima Dannoritzer e Steve Michelson. Roteiro: Coisam Dannoritzer. Fotografia Marc Martinez Sarrado. Música Composta por Marta Andrés, Joan Gil Bardagi. Disponível em: <http://www.rtve.es/television/documentales/comprar-tirar-comprar/>. Acesso em: 27 maio 2014. 120

LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno. Tradução de Claudia Berliner. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009. p. 17. 121

LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno, p. 17-18. 122

LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno, p. 21. 123

LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno, p. 18. 124

LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno, p. 18-19.

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Em prazos cada vez mais curtos, aparelhos e equipamentos, das lâmpadas elétricas aos pares de óculos, entram em pane devido a falhas intencionais de um elemento. Impossível encontrar uma peça de reposição ou alguém que conserte. Se conseguíssemos pôr a mão na ave rara, custaria mais caro consertá-la do que comprar uma nova (sendo esta hoje fabricada a preço de banana pelo trabalho escravo do sudeste asiático).125

A obsolescência, para Behrend, pode decorrer de outras técnicas

desenvolvidas com o objetivo de levar o consumidor a comprar, como por exemplo,

limitar o número de produtos colocados no mercado (edições de colecionador),

alegar que existem apenas poucas unidades em estoque (método comum nas

vendas pela TV) e oferecer um produto substituto do antigo por um menor preço.126

Essas técnicas, embora reconhecidas como forma de induzir ao consumo, não são

exclusivas do plano da obsolescência propriamente.

A propósito, os países comunistas e socialistas não experimentaram a

obsolescência, conforme observa Magera127:

[...] no bloco comunista na Europa do Leste, a obsolescência programada não poderia ser aplicada. Pelo contrário, as indústrias criaram máquinas que chegavam a durar 25 anos. O sistema socialista da antiga URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) tinha uma outra concepção de produção. Não havia a figura do capitalista e o Estado era o dono do modo de produção. Com a falta de recursos, a obsolescência não era desejada, visto que causaria prejuízo para o Estado.128

Com base nessas lições, constata-se que a história da obsolescência é

recente, teve como marco o início do século passado e se desenvolveu

principalmente nos Estados Unidos da América.

A obsolescência surgiu como algo benéfico para a sociedade, ou seja, algo

que permitia o crescimento econômico e evitava crises como a “Grande

Depressão”, de 1929.

Com o avançar do tempo, o contexto e o conceito de obsolescência foram

alterados; de aspecto eminentemente econômico passou a fazer parte da

estratégia de negócios das empresas e do mercado de consumo.

125

LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno, p. 21. 126

BEHREND, Christoph. Consequences of planned obsolescence for consumer culture and the promotional self, p. 10. 127

MAGERA, Marcio. Os caminhos do lixo: da obsolescência programada à logistica reversa. Campinas/SP: Átomo, 2013. p. 97. 128

MAGERA, Marcio. Os caminhos do lixo: da obsolescência programada à logistica, p. 97-98.

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Nesse caminhar, a ideia de obsolescência como algo positivo para o

mercado e para a economia mudou. Hoje, a intenção de produzir bens com vida

útil reduzida para incentivar o consumo não é vista com bons olhos pois gera o

consumo repetitivo, que não condiz com a concepção de desenvolvimento

sustentável.

2.2 CONCEITO DE OBSOLESCÊNCIA

Conforme o parecer do Comité Económico e Social Europeu sobre

consumo sustentável, denominado “Por um consumo mais sustentável: o ciclo de

vida dos produtos industriais e informação do consumidor a bem de uma confiança

restabelecida”, ainda não existe consenso sobre o significado de obsolescência.129

Mesmo assim, tentar-se-á construir um conceito de obsolescência, inicialmente

com base na etimologia do termo.

Obsolescência, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa,

significa desclassificação tecnológica do material industrial motivada pela aparição

de material mais moderno; expressa também a ideia de redução gradativa e

consequente desaparecimento de determinada coisa/bem.130

129

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU. Parecer. “Por um consumo mais sustentável: O ciclo de vida dos produtos industriais e informação do consumidor a bem de uma confiança restabelecida”. CMMI/112. Ciclo de vida dos produtos e informação ao consumidor. Relator Thierry Libaert e Correlator Jean Pierre Haber. Bruxelas, 17 de outubro de 2013, p. 2. Disponível em: <https://dm.eesc.europa.eu/eesc/2013/_layouts/WordViewer.aspx?id=/eesc/2013/10001999/1904/ces1904-2013_00_00_tra_ac/ces1904-2013_00_00_tra_ac_pt.doc&DefaultItemOpen=1&Source=http%3A%2F%2Fdm%2Eeesc%2Eeuropa%2Eeu%2Feescdocumentsearch%2FPages%2Fopinionsresults%2Easpx%3Fk%3Dciclo%2520de%2520vida>. Acesso em: 12 set. 2014.. 130

Verbete: obsolescência. PRIBERAM. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em: <http://www.priberam.pt/dlpo/obsolesc%C3%AAncia>. Acesso em: 27 maio 2014.

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Burns131 relata que a origem latina da obsolescência decorre da

justaposição de dois componentes: o primeiro deles, o verbo soleo, significa “estar

em uso”132; o segundo “ob”, significa “até o fim”133; o segundo, que a palavra tem

sentido oposto ao comumente usado hoje.134

A palavra obsolescência usada pelos romanos tinha o sentido de algo não

mais em uso ou insignificante.135

Do Parecer do Comitê Econômico e Social Europeu sobre consumo

sustentável, extrai-se a seguinte definição de obsolescência:

[...] ‘degradação de um material ou de um equipamento antes da sua deterioração material pelo uso’ (Dicionário: Le Petit Larousse), a ponto de perder valor e utilidade por razões independentes do seu uso físico, mas ligadas ao progresso técnico, à evolução dos comportamentos, à moda, etc.136.

Packard137 traz a definição do Dicionário Webster, indicando obsolescência

como produto que deixou de ter uso.

Nos dias atuais, o sentido da palavra obsolescência se refere a produtos

que estão desatualizados.

Os conceitos de obsolescência e produtos descartáveis foram

desenvolvidos pelos americanos no início do século passado, quando

eletrodomésticos com visuais mais modernos substituíram antigos fogões e lareiras

da época, anota Slade138. O autor também reconhece três tipos de obsolescência –

tecnológica, psicológica e planejada – e sustenta que obsolescência programada é

131

BRIAN, Burns. Re-evaluating obsolescence and plannin of it. In: COOPER, Tim (Ed.). Longer lasting products – Alternatives to the throwaway society. United Kingdom: MPG Books Group, 2010. p. 40. 132

No original: “to be in use”. 133

No original: “away”. 134

BRIAN Burns. Re-evaluating obsolescence and plannin of it. In: COOPER, Tim (Ed.). Longer lasting products – Alternatives to the throwaway, p. 40. 135

BRIAN Burns. Re-evaluating obsolescence and plannin of it. In: COOPER, Tim (Ed.). Longer lasting products – Alternatives to the throwaway society, p. 40-41. 136

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU. Parecer. “Por um consumo mais sustentável: O ciclo de vida dos produtos industriais e informação do consumidor a bem de uma confiança restabelecida”. CMMI/112. Ciclo de vida dos produtos e informação ao consumidor. Relator Thierry Libaert e Correlator Jean Pierre Haber. Bruxelas, 17 de outubro de 2013, p. 2. Disponível em: <https://dm.eesc.europa.eu/eesc/2013/_layouts/WordViewer.aspx?id=/eesc/2013/10001999/1904/ces1904-2013_00_00_tra_ac/ces1904-2013_00_00_tra_ac_pt.doc&DefaultItemOpen=1&Source=http%3A%2F%2Fdm%2Eeesc%2Eeuropa%2Eeu%2Feescdocumentsearch%2FPages%2Fopinionsresults%2Easpx%3Fk%3Dciclo%2520de%2520vida>. Acesso em: 12 set. 2014. 137

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 66. 138

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 36.

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toda e qualquer técnica utilizada para limitar artificialmente a durabilidade de um

produto manufaturado e estimular o consumo repetitivo.139

Na interpretação de Cooper, a obsolescência ocorre quando os produtos

estão fora de uso (out of use) ou desatualizados (out of date).140

Neste ponto do estudo é oportuno conhecer a distinção que existe entre

obsolescência e obsolescência programada. A obsolescência pode decorrer

simplesmente do fato de um determinado produto se tornar fora de uso, sem que

exista um fator negativo relacionado. A obsolescência programada depende de um

fator externo apto a influenciar a troca antecipada do produto.

Os conceitos de obsolescência e de obsolescência programada no Brasil

são adotados indistintamente, conforme se verá a seguir.

Em relação à obsolescência planejada ou programada, Benjamin assevera:

O consumidor é induzido a adquirir um produto ou serviço que, em pouco tempo será considerado obsoleto, seja porque sua utilidade decai rapidamente, seja porque o fornecedor, intencionalmente, deixou de lhe dar certas características que já conhecia, apenas para lançar um ‘novo’ produto em seguida. E o consumidor queda-se completamente alheio a todos esses processos, embora pagando, por inteiro, seus custos.141

Obsolescência programada, leciona Vio, consiste na "redução artificial da

durabilidade de um bem de consumo, de modo a induzir os consumidores a

adquirirem produtos substitutos dentro de um prazo menor e, consequentemente,

com uma maior frequência, do que usualmente fariam"142.

Cabral e Rodrigues complementam o conceito ao afirmar que “tal redução

da durabilidade não se resume apenas a uma menor duração de um produto, mas

também a perda ou redução de sua utilidade depois de determinado período de

tempo”143.

139

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 52. 140

COOPER, Tim. Inadequate life? Evidence of consumer attitudes to product obsolescence. Journal of consumer policy, p. 440. 141

BENJAMIN, Antônio Herman; MARQUES; Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do cConsumidor. 2ª tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 104. 142

VIO, Daniel de Ávila. O poder econômico e a obsolescência programada de produtos. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, ano XLIII, v. 133, p. 193-202, jan./mar. 2004. p. 193. 143

CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat; RODRIGUES, Maria Madalena de Oliveira. A obsolência programada na perspectiva da prática abusica e a tutela do consumidor. Lex Magister. Disponível em: <http://www.lex.com.br/doutrina_22860424_A_OBSOLENCIA_PROGRAMADA_NA_PERSPECTIVA_DA_PRATICA_ABUSIVA_E_A_TUTELA_DO_CONSUMIDOR.aspx>. Acesso em: 16 mar. 2015.

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No seu “Vocabulário jurídico”, De Plácido e Silva assim define o termo

“obsoleto”: “do latim obsoletus (velho, usado, estragado pelo tempo)”144, anotando

que na linguagem jurídica “é empregado para exprimir o que está fora de uso, ou

que caiu em desuso, é esquecido ou foi desprezado”.

Na verdade, alguns produtos foram programados para ter uma

obsolescência mais rápida, instantânea, como o caso dos produtos descartáveis.145

A obsolescência programada é um tema preocupante a muitos títulos: diminuir a duração de vida dos bens de consumo leva ao aumento da utilização de recursos e da quantidade de resíduos a processar no final da vida dos produtos. A obsolescência, que pode assumir muitas formas, é utilizada para estimular as vendas e promover o crescimento econômico criando necessidades incessantes e condições favoráveis à irreparabilidade voluntária dos bens de consumo.146

Como consequência desse processo, há o desperdício de recursos e a

emissão de poluentes.147

É importante destacar também que obsolescência não pode ser confundida

com sucata ou resíduos de materiais.

Sobre o termo sucata, com esteio nos conceitos do Parecer Normativo

Coordenador do Sistema de Tributação - CST n. 1/89, que também serviu de base

para a resposta à Consulta n. 108/91 da Receita Federal do Brasil, transcreve-se a

seguinte definição de sucata ou resíduos de materiais:

144

Verbete: obsoleto. DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico, p. 972. 145

LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que consumimos. Revisão técnica de André Piani Besserman Vianna; tradução Heloísa Mourão. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. p. 175. 146

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU. Parecer. “Por um consumo mais sustentável: O ciclo de vida dos produtos industriais e informação do consumidor a bem de uma confiança restabelecida”. CMMI/112. Ciclo de vida dos produtos e informação ao consumidor. Relator Thierry Libaert e Correlator Jean Pierre Haber. Bruxelas, 17 de outubro de 2013, p. 5. Disponível em: <https://dm.eesc.europa.eu/eesc/2013/_layouts/WordViewer.aspx?id=/eesc/2013/10001999/1904/ces1904-2013_00_00_tra_ac/ces1904-2013_00_00_tra_ac_pt.doc&DefaultItemOpen=1&Source=http%3A%2F%2Fdm%2Eeesc%2Eeuropa%2Eeu%2Feescdocumentsearch%2FPages%2Fopinionsresults%2Easpx%3Fk%3Dciclo%2520de%2520vida>. Acesso em: 12 set. 2014. 147

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU. Parecer. “Por um consumo mais sustentável: O ciclo de vida dos produtos industriais e informação do consumidor a bem de uma confiança restabelecida”. CMMI/112. Ciclo de vida dos produtos e informação ao consumidor. Relator Thierry Libaert e Correlator Jean Pierre Haber. Bruxelas, 17 de outubro de 2013, p. 4. Disponível em: <https://dm.eesc.europa.eu/eesc/2013/_layouts/WordViewer.aspx?id=/eesc/2013/10001999/1904/ces1904-2013_00_00_tra_ac/ces1904-2013_00_00_tra_ac_pt.doc&DefaultItemOpen=1&Source=http%3A%2F%2Fdm%2Eeesc%2Eeuropa%2Eeu%2Feescdocumentsearch%2FPages%2Fopinionsresults%2Easpx%3Fk%3Dciclo%2520de%2520vida>. Acesso em: 12 set. 2014.

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Desperdícios e resíduos são aqueles provenientes da fabricação ou acabamento do produto, como também as obras definitivamente inservíveis como tais em decorrência de quebra, corte, desgaste ou outros motivos. Estes produtos são de natureza muito variada e apresentam-se geralmente com as seguintes formas: - desperdícios e resíduos obtidos no decurso da fabricação ou do acabamento do produto, por exemplo: aparas, limalhas e pedaços; - artefatos definitivamente inaproveitáveis como tais em consequência de fraturas, corte, desgaste ou outros motivos, bem como seus resíduos.148

O Recurso Especial n. 984.106-SC (2007/0207915-3) aborda a questão da

obsolescência programada, conforme se infere do seguinte excerto do voto do

Ministro relator Luis Felipe Salomão:

Ressalte-se, também, que desde a década de 20 - e hoje, mais do que nunca, em razão de uma sociedade massificada e consumista -, tem-se falado em obsolescência programada, consistente na redução artificial da durabilidade de produtos ou do ciclo de vida de seus componentes, para que seja forçada a recompra prematura. Como se faz evidente, em se tratando de bens duráveis, a demanda por determinado produto está visceralmente relacionada com a quantidade desse mesmo produto já presente no mercado, adquirida no passado. Com efeito, a maior durabilidade de um bem impõe ao produtor que aguarde mais tempo para que seja realizada nova venda ao consumidor, de modo que, a certo prazo, o número total de vendas deve cair na proporção inversa em que a durabilidade do produto aumenta. Nessas circunstâncias, é até intuitivo imaginar que haverá grande estímulo para que o produtor eleja estratégias aptas a que os consumidores se antecipem na compra de um novo produto, sobretudo em um ambiente em que a eficiência mercadológica não é ideal, dada a imperfeita concorrência e o abuso do poder econômico, e é exatamente esse o cenário propício para a chamada obsolescência programada (a propósito, confira-se: CABRAL, Hildeliza Lacerda Tinoco Boechat; RODRIGUES, Maria Madalena de Oliveira. A obsolescência programada na perspectiva da prática abusiva e a tutela do consumidor. in. Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor. vol. 1. Porto Alegre: Magister (fev./mar. 2005 e vol. 42, dez./jan. 2012). São exemplos desse fenômeno: a reduzida vida útil de componentes eletrônicos (como baterias de telefones celulares), com o posterior e estratégico inflaciona mento do preço do mencionado componente, para que seja mais vantajoso a recompra do conjunto; a incompatibilidade entre componentes antigos e novos, de modo a obrigar o consumidor a atualizar por completo o produto (por exemplo, softwares); o produtor que lança uma linha nova de produtos, fazendo cessar açodadamente a fabricação de insumos ou peças necessárias à antiga. Registro, por exemplo, da jurisprudência do TJRJ, caso em que um televisor apresentou defeito um ano e doze dias depois da venda

148

Parecer Normativo Coordenador do Sistema de Tributação - CST n. 1/89.

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(doze dias após o término da garantia), e tendo o consumidor procurado a assistência técnica, constatou ele que não existiam mais peças de reposição para solucionar o vício, de modo que, em boa verdade, o produto - bem durável - tornou-se imprestável em brevíssimo espaço de tempo (AC 0006196-91.2008.8.19.0004, 4a Câmara Cível do TJRJ, ReI. Des. Sérgio Jerônimo A. Silveira, j. 19.10.2011). Certamente, práticas abusivas como algumas das citadas devem ser combatidas pelo Judiciário, visto que contraria a Política Nacional das Relações de Consumo, de cujos princípios se extrai a ‘garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho’ (art. 4º, inciso II, alínea ‘d’, do CDC), além de gerar inegável impacto ambiental decorrente do descarte crescente de materiais (como lixo eletrônico) na natureza [Grifo do autor].149

A decisão colacionada reconhece a existência de prática de obsolescência

programada ao afirmar que produtos com vida útil mais longa permitem que o

consumidor tenha um prazo mais longo para efetuar a substituição do bem; do

contrário, ao oferecer produtos com uma vida menor os fabricantes estariam

induzindo os consumidores a realizar novas compras.

Conforme destaca o julgado, essa prática se caracteriza pela redução da

vida útil dos componentes com o posterior aumento do preço do componente de

reparo, tornando mais vantajosa a “recompra” do produto.

Outra prática observada pelo magistrado é a incompatibilidade entre

componentes antigos e novos, forçando o consumidor a atualizar por completo o

produto (por exemplo, softwares), como no caso do produtor que lança uma linha

nova de produtos e de maneira açodada cessa a fabricação de insumos ou peças

necessárias à edição antiga.

Mas existem outras formas de obsolescência, por exemplo, quando

fabricantes buscam antecipar o fim da vida do produto ou mesmo utilizam outros

artifícios para fazer com que o consumidor venha a substituir o seu produto antes

do fim de sua vida útil.

Diante do exposto, pode-se conceituar obsolescência como:

1) redução da vida útil do produto mediante o uso de artifícios ou uso de

materiais de menor durabilidade;

149

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 984.106-SC (2007/0207915-3). Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Brasília, DF. Julgamento em 4 de outubro de 2012. DJE 20.11.2012. p. 1-23. Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/cdc-proteger-consumidor-obsolescencia.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2016.

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2) redução da vida útil do produto pela impossibilidade de realização de

manutenção, seja pela ausência de peças para reposição ou assistência técnica,

seja pela incompatibilidade entre componentes antigos e novos, incluindo

softwares e suas atualizações, ou pela ausência de consumíveis, acessórios,

produtos associados ou relacionados com o produto principal;

3) introdução de produtos ou outras condições no mercado, como fatores

psicológicos, mercadológicos, tecnológicos, funcionais ou outra forma de

persuasão, fazendo com que o produto funcional em posse do consumidor seja

menos desejável;

4) redução do prazo de validade ou do número de vezes de uso do produto

sem qualquer razão científica.

A obsolescência pode ainda ser artifício interno ou externo da relação de

consumo: interno, quando o fornecedor, de alguma forma, faz com que tal artíficio

esteja presente no produto ou mesmo na relação de consumo (pós-contratual), por

exemplo, deixa de disponibilizar consumíveis ou peças de reposição; externo,

quando o fornecedor cria um ambiente ou condição de mercado fazendo com que

o consumidor venha a substituir o seu produto, como é o caso da obsolescência

psicológica.

2.3 TIPOLOGIA DA OBSOLESCÊNCIA

A teoria da obsolescência, como mencionado antes, tem uma história

recente, mas sua influência na sociedade alterou-se com o passar dos anos. Como

é natural, aos poucos os estudiosos que se debruçaram sobre o tema criaram

distintas classificações para a obsolescência.

A propósito do conteúdo a ser explorado nesta seção, é pertinente retomar

a categorização sistematizada de obsolescência desenvolvida por Packard. São

elas: obsolescência de função (obsolescence of function), obsolescência de

qualidade (obsolescence of quality) e obsolescência de desejo (obsolescence of

desirability).150

150

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 66.

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52

A obsolescência de função fica caracterizada quando um produto novo é

introduzido e realiza uma função melhor. Na obsolescência em razão da qualidade,

o produto quebra ou se desgasta em determinado momento, antes de completar a

sua vida útil, sinalizando que há um planejamento para que tal ocorra. Na

obsolescência de desejo ou psicológica, o produto que ainda opera normalmente,

em termos de qualidade e de performance, é considerado obsoleto em razão de

uma mudança de estilo ou outra mudança de mercado, fazendo com que pareça

menos desejável ao consumidor.151

Adotar a técnica de tornar o produto obsoleto a partir do projeto, segundo

Packard, significa promover a quebra antecipada ou mesmo parecer desgastado

(utilidade limitada) após algum tempo de uso.152

Com base no comentário de Mazur153, o autor afirma que o “estilo pode

destruir completamente o valor do produto, mesmo quando sua utilidade se

mantém inalterada”154. Aduz que é mais fácil criar a obsolescência na mente do

consumidor do que desenvolver um novo produto com novas funcionalidades,

denotando que os fabricantes não podem esperar pela vagarosa obsolescência de

função para poder comercializar um novo produto.155

O desafio, no caso da obsolescência de desejo, é criar uma estratégia para

persuadir o público, prestigiando o estilo como o elemento mais importante para a

decisão de compra de um produto. Assim, o estilo ou design é mais importante do

que os reais valores envolvidos no produto e também causa o crescimento da

extravagância no design.156

A obsolescência psicológica ou de desejo é bem notada no mercado de

moda feminina, suscitando até que as mulheres foram treinadas a sempre dar uma

desculpa para comprar um novo vestido.157 Apesar de o grande foco do mercado

da moda ser inicialmente o público feminino, hoje, estende-se cada vez mais para

o público masculino.158

151

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 65, 66. 152

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 78. 153

Apud PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 79. 154

No original: “Style can destroy completely the value of possessions even while their utility remain unimpaired”. 155

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 79. 156

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 80. 157

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 82. 158

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 84.

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53

Cheskin, citado por Packard, comenta que a “obsolescência psicológica é

um sintoma de nossos tempos, relacionado com a prevalência de tédio, falta de

expressão, falta de liberdade e de verdadeira comunicação entre amigos e

vizinhos, e uma geral falta de valores racionais [Tradução nossa]”159.

Slade classifica a obsolescência de maneira um pouco diferente daquela

apresentada por Packard.

A primeira classificação de obsolescência é denominada de obsolescência

técnica ou funcional e foi introduzida em 1913, quando os veículos passaram a

incorporar a partida elétrica em substituição às manivelas para acionar o motor.

Ocorre este tipo de obsolescência quando o fornecedor introduz uma nova

tecnologia ou funcionalidade no produto que faz com que o consumidor passe a

desejá-lo por uma determinada característica que apresenta, em detrimento de

outro, como é o exemplo das mudanças de tecnologia – de fitas VHS para DVDs e

posteriormente blue-rays.

A segunda forma de obsolescência é a chamada obsolescência

psicológica, perceptiva, progressiva ou dinâmica, quando o fornecedor modifica o

design ou o estilo do produto para manipular a compra repetitiva pelo

consumidor160. Esta modalidade de obsolescência surgiu uma década após a

primeira, em 1923, quando os executivos da General Motors passaram a fazer

mudanças nos veículos a cada ano, com o objetivo de induzir os consumidores a

substituir seus veículos por modelos mais novos. Com esta técnica, o fornecedor

reduz a vida de um produto funcional ao lançar outro com nova aparência ou

pequenas mudanças, com o propósito de fazer o consumidor substituir o bem que

possui por um novo. Tal situação é muito comum também no mercado de moda,

como acontece no lançamento de coleções de roupas a cada mudança de estação.

No mercado automotivo, observado pelo lado da manufatura do produto, a

obsolescência psicológica é encontrada com mais frequência do que a tecnológica.

A obsolescência psicológica tem menor custo e pode ser produzida com maior

demanda.161

159

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 86. No original: “Psychological obsolescence is a symptom of our times related to the prevalence of ´boredom, lack of self-expression, absesnce of free and truly friendly communication between neighbors and friends, and a general lack of rational values”. 160

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 43. 161

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 328.

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54

A terceira forma de obsolescência é a obsolescência planejada ou

programada. Neste tipo de obsolescência, o fornecedor deliberadamente manipula

o produto para que venha a falhar após determinado período de tempo. A falha de

produto decorrente do uso, por motivo de desgaste, falha ou consumo do material,

é considerada normal, uma vez que todos os produtos têm uma expectativa de

vida útil. A obsolescência planejada ou programada ocorre quando o fornecedor

passa a dispor de sua engenharia para adulterar a composição do produto, seja

introduzindo materiais de menor durabilidade, seja fazendo com que tenha uma

vida menor. Esse comportamento força o consumidor a adquirir um novo

produto.162

Na opinião de Leonard, a obsolescência técnica é diferente da

obsolescência programada: a primeira decorre do avanço técnico, enquanto a

segunda se refere a uma “programação” do fornecedor para que as coisas deixem

de funcionar.163 De modo mais incisivo, quando trata da obsolescência planejada, a

autora sentencia que é um “produto desenhado para o lixo”164.165

Em abril de 2013, o Centro Europeu de Consumo166 elaborou o estudo

intitulado “L´obsolescence programmée ou Les Dérives de La Société de

Consommation”167, que trata da obsolescência programada e identifica três tipos

de obsolescência: obsolescência técnica ou tecnológica (L´obsolescence technique

ou techologique), obsolescência pela expiração (L´obsolescence par péremption) e

obsolescência estética (L´obsolescence esthétique).

A obsolescência técnica ou tecnológica é a mais comum e se divide em

quatro espécies: obsolescência por vício funcional (’obsolescence par défaut

fonctionnel), obsolescência por incompatibilidade (l’obsolescence par

162

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 48. 163

LEONARD, Annie. A história das coisas: da natureza ao lixo, o que acontece com tudo que consumimos, p. 175. 164

Annie Leonard usa a expressão “designed for the dump”. 165

STORY OF STUFF PROJETC. The story of stuff. 2015. Disponível em: <http://storyofstuff.org/>. Acesso em: 30 mar. 2015. 166

CENTRE EUROPÉEN DE LA CONSOMMATION. L´obsolescence programmée ou Les Dérives de La Société de Consommation. Disponível em: <http://www.europe-consommateurs.eu/fileadmin/user_upload/eu-consommateurs/PDFs/publications/etudes_et_rapports/Etude-Obsolescence-Web.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2015. 167

CENTRE EUROPÉEN DE LA CONSOMMATION. L´obsolescence programmée ou les dérives de la société de consommation Disponível em: <http://www.europe-consommateurs.eu/fileadmin/user_upload/eu-consommateurs/PDFs/publications/etudes_et_rapports/Etude-Obsolescence-Web.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2015.

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55

incompatibilité), obsolescência indireta (l’obsolescence indirecte) e obsolescência

por notificação (l’obsolescence par notification).168

Obsolescência por vício funcional caracteriza bem a obsolescência

programada, ou seja, trata-se de um recurso técnico existente no produto cujo

objetivo é promover/antecipar o fim de sua vida útil. Ocorre quando os fabricantes

adicionam determinada peça no equipamento com o intuito de provocar uma avaria

e ele deixa de funcionar. Este tipo de obsolescência ocorre em produtos elétricos

ou eletrônicos, como televisores, máquinas de lavar, computadores e outros.169

Há, ainda, a obsolescência estética, de cunho subjetivo. Este tipo de

obsolescência atua na esfera psicológica do consumidor fazendo com que

reconheça determinado produto como velho ou desatualizado e fique inclinado a

adquirir um novo modelo do mesmo produto. A obsolescência estética ocorre antes

da “quebra ou morte” do produto, tornando-o apto ao descarte quando na verdade

ainda está em pleno funcionamento.170

Neste esforço de pesquisa também se identificou uma nova forma de

obsolescência planejada que é a obsolescência ecológica. A justificativa

encontrada para este tipo de obsolescência é que o produto novo tem um impacto

ambiental menor do que aquele em uso, por exemplo, os televisores de LED têm

um consumo de energia muito inferior aos antigos aparelhos de tubo.171

A ideia é apoiada por muitos atores e distintas organizações de países da

União Europeia. Contudo, usar um argumento "verde" para justificar o abandono

168

CENTRE EUROPÉEN DE LA CONSOMMATION. L´obsolescence programmée ou les dérives de la société de consommation p. 4. Disponível em: <http://www.europe-consommateurs.eu/fileadmin/user_upload/eu-consommateurs/PDFs/publications/etudes_et_rapports/Etude-Obsolescence-Web.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2015. 169

CENTRE EUROPÉEN DE LA CONSOMMATION. L´obsolescence programmée ou les dérives de la société de consommation p. 4. Disponível em: <http://www.europe-consommateurs.eu/fileadmin/user_upload/eu-consommateurs/PDFs/publications/etudes_et_rapports/Etude-Obsolescence-Web.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2015. 170

CENTRE EUROPÉEN DE LA CONSOMMATION. L´obsolescence programmée ou les dérives de la société de consommation p. 4. Disponível em: <http://www.europe-consommateurs.eu/fileadmin/user_upload/eu-consommateurs/PDFs/publications/etudes_et_rapports/Etude-Obsolescence-Web.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2015. 171

CENTRE EUROPÉEN DE LA CONSOMMATION. L´obsolescence programmée ou les dérives de la société de consommation p. 6. Disponível em: <http://www.europe-consommateurs.eu/fileadmin/user_upload/eu-consommateurs/PDFs/publications/etudes_et_rapports/Etude-Obsolescence-Web.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2015.

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de dispositivos antigos ainda em perfeito estado de funcionamento para a

aquisição de novos produtos que usam menos energia também promove um

aumento significativo de resíduos que nem sempre podem ser reciclados de

maneira adequada. Além disso, há que se questionar o real benefício para o

planeta desses novos produtos verdes que ainda não foram avaliados. Também é

importante lembrar que os consumidores, com a obsolescência verde, sofrem os

mesmos inconvenientes dos outros tipos de obsolescência, que, regra geral,

reclamam a substituição prematura de produtos ainda em perfeitas condições de

funcionamento.

Sobre a questão ambiental, a “engenharia de valor” (value engineer),

segundo Del Mastro, é um processo de design que visa utilizar o mínimo de

material possível em um produto e ainda oferece um tempo de vida aceitável. Esta

técnica sugere que todas as peças de um produto devem falhar após o mesmo

tempo de uso, ou seja, nenhuma peça/componente terá vida útil superior (overbuilt)

a outras.172

Apesar de existir uma preocupação ambiental em utilizar a menor

quantidade de matérias-primas possível, na verdade a ideia da técnica da

engenharia de valor é fazer com que o produto falhe por inteiro, ou seja, se

diversas partes e componentes de um produto falharem ao mesmo tempo, o custo

de reparo pode tornar-se proibitivo.

Cooper, pesquisador que se dedica aos aspectos econômicos e ambientais

da sociedade de consumo, em estudo sobre a tipologia da obsolescência

identificou outras espécies: a obsolescência absoluta e a obsolescência relativa. A

primeira, significa falha total de um produto e ocorre quando tal produto chega ao

fim de sua vida técnica porque se esgotou a sua vida útil ou porque não pode mais

suportar o desgaste do uso, talvez pela degradação do material que o compõe. A

segunda classificação de obsolescência (relativa) ocorre quando um produto que

ainda está em funcionamento é descartado em um momento que uma substituição

“discricionária” é feita. Existe, segundo o autor, uma teoria de escolhas racionais

que pode sugerir o momento em que os proprietários de produtos decidem avaliar

172

DEL MASTRO, Addison. Planned obsolescence: the good and the bad. Property and Environment Research Center. Disponível em: <http://www.perc.org/blog/planned-obsolescence-good-and-bad>. Acesso em: 20 abr. 2015.

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a relação custo-benefício para a substituição de um produto funcional, contudo, na

prática, outras influências podem servir de base para tal decisão.173

A Teoria de Heiskanen174, explica Cooper, identifica alguns tipos de

obsolescência para explicar a razão de os consumidores substituírem seus

produtos: por falha, por insatisfação ou por necessidade de mudança. A

obsolescência por falha tem que ver com o ciclo de vida do produto e com o

comportamento do consumidor em relação a este mesmo produto (exemplo: forma

de uso, decisão de reparar ou substituir o produto). A obsolescência por

insatisfação tem relação com a obsolescência do produto pela inovação em face

de novas funcionalidades, como mudanças decorrentes da moda ou design do

produto ou mesmo mudança do estilo de vida do consumidor. Neste caso, há uma

substituição discricionária (discricionary replacement), ou seja, a decisão do

consumidor de trocar um produto que ainda está em pleno funcionamento não é

racional, baseada no custo-benefício, como mencionado linhas atrás. A terceira

tipologia apresentada por Heiskanen ocorre por necessidade de mudança do

consumidor, seja no seu estilo de vida, seja por circunstâncias pessoais, como

troca de domicílio, nascimento ou crescimento de crianças, entre outras

hipóteses.175

A obsolescência pode ser classificada ainda em tecnológica, psicológica e

econômica, conforme explicita Cooper. A obsolescência tecnológica ocorre quando

as pessoas são atraídas para novas funções adicionadas ou alteradas como

resultado dos avanços da tecnologia. Aqui, verifica-se a influência da tecnologia

como fator de decisão de aquisição ou descarte de determinado produto. A

obsolescência psicológica ocorre quando as pessoas não estão mais atraídas por

um produto ou mesmo satisfeitas com ele. Este tipo de obsolescência ocorre, regra

geral, em razão de pressões do grupo, moda ou marketing. A terceira forma,

identificada como obsolescência econômica, ocorre quando os consumidores

atribuem um pequeno ou não existente valor (econômico) a determinado produto e

concluem que não vale a pena mantê-lo em uso. Os consumidores, neste caso,

podem ser influenciados pelo custo da substituição do produto em relação a um

173

COOPER, Tim. Longer lasting products – Alternatives to the throwaway society, p. 16. 174

HEISKANEN, E. Conditions for produto life extension. Helsinki: National Consumer Research Centre. Working Paper 23, 1996. 175

COOPER, Tim. Inadequate life? Evidence of consumer attitudes to product obsolescence.Journal of Consumer Policy, Netherlands, Kluwer Academic Publishers, n. 24, p. 421-449, 2004. p. 425.

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58

novo modelo, que pode ter maior eficiência energética, ou desencorajar o reparo

em razão do alto custo.176

A Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE),

ao classificar a obsolescência leva em consideração aspectos contábeis, dando,

assim, origem à obsolescência anormal ou imprevista e à obsolescência prevista.

Obsolescência anormal ou imprevista é a perda de valor de um produto devido a

uma queda na demanda que não poderia ter sido prevista quando o bem foi

adquirido. Este tipo de obsolescência pode ocorrer em razão de nova invenção ou

descoberta, ou porque uma mudança nos preços torna antieconômico continuar a

usar o bem.177 A obsolescência prevista, por sua vez, é a perda de valor de um

ativo; o comprador estava esperando que tal acontecesse quando o bem foi

adquirido.178

Keeble identifica a obsolescência postergada (postponement

obsolescence), que ocorre quando o fabricante tem condição de agregar uma

determinada tecnologia ou funcionalidade ao produto mas decide não incluí-la, ou

então incorpora tal tecnologia ou funcionalidade aos produtos mais sofisticados da

sua linha. Esta estratégia objetiva cria uma segmentação de produto, de maneira

que os consumidores venham a adquirir os produtos mais sofisticados, cheios de

tecnologia e portanto mais caros, ou “optem” por produtos mais simples, com

menos tecnologia e com preços inferiores.179

Há, ainda, a obsolescência não programada, resultante de circunstâncias

não planejadas, fora do controle das empresas, em função da legislação ou

mesmo devido a novas pesquisas, por exemplo, quando se descobre que

176

COOPER, Tim. Inadequate life? Evidence of consumer attitudes to product obsolescence. Journal of Consumer Policy, Netherlands, Kluwer Academic Publishers, n. 24, p. 421-449, 2004. p. 421-449. 177

ORGANISATION FOR ECONOMIC COOPERARION AND DEVELOPMENT. Measuring Capital: OECD Manual, Annex 1. Glossary of Technical Terms Used in the Manual. 2001, p. 91. Disponível em: <http://www.oecd.org/std/na/1876369.pdf>. Acesso em: 27 mar. 2015. 178

ORGANISATION FOR ECONOMIC COOPERARION AND DEVELOPMENT. Measuring Capital: OECD Manual, Annex 1. Glossary of Technical Terms Used in the Manual. 2001, p. 91. Disponível em: <http://www.oecd.org/std/na/1876369.pdf>. Acesso em: 27 mar. 2015. 179

KEEBLE, Daniel. The culture of planned obsolescence in technology companies. The culture of planned obsolescence in technology companies. 2013. Bachelor´s Thesis. (Business Information Technology)-Oulu University of Applied Sciences. Finland, Spring 2013. p. 18.

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59

determinado produto ou seu processo de fabricação pode causar dano, ser

prejudicial ou nocivo aos consumidores ou ao meio ambiente.180

A categorização da obsolescência em diversas tipologias segue diferentes

raciocínios que podem auxiliar no entendimento do seu verdadeiro conceito e na

identificação de eventuais reflexos para o consumidor.

Burns assevera que a obsolescência muitas vezes é causada por uma

combinação de diversos fatores. Por isso, recomenda que na investigação da

causa da obsolescência devam ser analisadas as respostas a algumas perguntas

simples, por exemplo:

Qual foi o mercado que o produto foi lançado? Por quanto tempo os consumidores podem precisar do produto? Qual a expectativa de vida do produto? Qual a expectativa de preço e custo de uso ou por uso do produto? Qual o impacto ambiental do produto durante sua vida útil e no seu descarte? Qual a confiança na durabilidade do produto e as consequências no caso de vício/defeito do produto? Qual o potencial de mudança tecnológica? Qual a maturidade do produto no mercado? Qual a possibilidade de alteração nas leis, marco regulatório ou padrão que se aplicam ao produto? Quais os requisitos de manutenção do produto e a possibilidade de ‘upgrade’ no produto? Qual o ciclo da moda relacionado ao produto? Como o produto é usado e como tal questão pode afetar a vida útil do produto?

O produto é realmente necessário? (Supérfluo).181

Mas não é só. No desenvolvimento da investigação é importante ter em

mente que a tipologia tem a função de auxiliar a identificar a causa da

obsolescência.

180

KEEBLE, Daniel. The culture of planned obsolescence in technology companies. The culture of planned obsolescence in technology companies. 2013. Bachelor´s Thesis. (Business Information Technology)-Oulu University of Applied Sciences. Finland, Spring 2013. p. 19. 181

BURNS, Brian. Re-evaluating obsolescence and plannig of it. In: COOPER, Tim (Ed.). Longer lasting products – Alternatives to the throwaway society, p. 50-51.

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60

2.3.1 Estudo do Comitê Econômico e Social Europeu sobre obsolescência

Aprofundando o estudo da obsolescência, o mencionado parecer do

Comitê Econômico e Social Europeu “Por um consumo mais sustentável: O ciclo

de vida dos produtos industriais e informação do consumidor a bem de uma

confiança restabelecida. CMMI/112. Ciclo de vida dos produtos e informação ao

consumidor”, concluiu que a obsolescência programada coloca diversos problemas

para a sociedade europeia.182

No plano social, vislumbram-se três tipos de problemas causados pela

obsolescência programada. “Em primeiro lugar, numa altura de crise, os

comportamentos provocados pela obsolescência programada dos bens de

consumo contribuem para a dinâmica das compras a crédito e para taxas de

endividamento nunca antes atingidas.”183

As pessoas mais afetadas pela obsolescência pertencem às camadas

sociais mais desfavorecidas, que não têm condições de arcar com preços mais

elevados de produtos sustentáveis ou com maior prazo de vida útil e muitas vezes

têm de se contentar com produtos mais frágeis e com vida útil menor.184

182

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU. Parecer. “Por um consumo mais sustentável: O ciclo de vida dos produtos industriais e informação do consumidor a bem de uma confiança restabelecida”. CMMI/112. Ciclo de vida dos produtos e informação ao consumidor. Relator Thierry Libaert e Correlator Jean Pierre Haber. Bruxelas, 17 de outubro de 2013, p. 6. Disponível em: <https://dm.eesc.europa.eu/eesc/2013/_layouts/WordViewer.aspx?id=/eesc/2013/10001999/1904/ces1904-2013_00_00_tra_ac/ces1904-2013_00_00_tra_ac_pt.doc&DefaultItemOpen=1&Source=http%3A%2F%2Fdm%2Eeesc%2Eeuropa%2Eeu%2Feescdocumentsearch%2FPages%2Fopinionsresults%2Easpx%3Fk%3Dciclo%2520de%2520vida>. Acesso em: 12 set. 2014. 183

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU. Parecer. “Por um consumo mais sustentável: O ciclo de vida dos produtos industriais e informação do consumidor a bem de uma confiança restabelecida”. CMMI/112. Ciclo de vida dos produtos e informação ao consumidor. Relator Thierry Libaert e Correlator Jean Pierre Haber. Bruxelas, 17 de outubro de 2013, p. 6. Disponível em: <https://dm.eesc.europa.eu/eesc/2013/_layouts/WordViewer.aspx?id=/eesc/2013/10001999/1904/ces1904-2013_00_00_tra_ac/ces1904-2013_00_00_tra_ac_pt.doc&DefaultItemOpen=1&Source=http%3A%2F%2Fdm%2Eeesc%2Eeuropa%2Eeu%2Feescdocumentsearch%2FPages%2Fopinionsresults%2Easpx%3Fk%3Dciclo%2520de%2520vida>. Acesso em: 12 set. 2014. 184

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU. Parecer. “Por um consumo mais sustentável: O ciclo de vida dos produtos industriais e informação do consumidor a bem de uma confiança restabelecida”. CMMI/112. Ciclo de vida dos produtos e informação ao consumidor. Relator Thierry Libaert e Correlator Jean Pierre Haber. Bruxelas, 17 de outubro de 2013, p. 6. Disponível em: <https://dm.eesc.europa.eu/eesc/2013/_layouts/WordViewer.aspx?id=/eesc/2013/10001999/1904/ces1904-2013_00_00_tra_ac/ces1904-2013_00_00_tra_ac_pt.doc&DefaultItemOpen=1&Source=http%3A%2F%2Fdm%2Eeesc%2Eeuropa%2Eeu%2Feescdocumentsearch%2FPages%2Fopinionsresults%2Easpx%3Fk%3Dciclo%2520de%2520vida>. Acesso em: 12 set. 2014.

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61

Outro problema é que toda a cadeia de empregos das empresas de

reparação às vezes tem de arcar com as repercussões negativas da obsolescência

programada, uma vez que muitos produtos não podem ser reparados em

decorrência de distintos fatores, como alto custo, dificuldade técnica, falta de peças

de reposição e outros.185

Na seara da saúde pública, duas são as principais repercussões. A

primeira alude ao impacto da incineração de tais produtos para as populações

vizinhas devido à toxicidade dos componentes eletrônicos, ou seja, quando os

produtos são incinerados, sua fumaça e seus poluentes atingem outras regiões

além daquela onde foram incinerados.186 A segunda repercussão apontada no

parecer é de ordem internacional, uma vez que:

[...] a falta de infraestrutura onde é possível tratar os resíduos de produto faz com que muitos destes sejam ilegalmente exportados para zonas geográficas onde o seu depósito em aterros será menos oneroso, mas com consequências diversas para as populações locais (p. ex., o Gana, onde a sucata de ferro é extraída dos resíduos para ser enviada para o Dubai ou a China).187

A realidade europeia registra ainda repercussões culturais e econômicas

da obsolescência programada. De acordo com o parecer em comento, o ciclo de

185

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU. Parecer. “Por um consumo mais sustentável: O ciclo de vida dos produtos industriais e informação do consumidor a bem de uma confiança restabelecida”. CMMI/112. Ciclo de vida dos produtos e informação ao consumidor. Relator Thierry Libaert e Correlator Jean Pierre Haber. Bruxelas, 17 de outubro de 2013, p. 6. Disponível em: <https://dm.eesc.europa.eu/eesc/2013/_layouts/WordViewer.aspx?id=/eesc/2013/10001999/1904/ces1904-2013_00_00_tra_ac/ces1904-2013_00_00_tra_ac_pt.doc&DefaultItemOpen=1&Source=http%3A%2F%2Fdm%2Eeesc%2Eeuropa%2Eeu%2Feescdocumentsearch%2FPages%2Fopinionsresults%2Easpx%3Fk%3Dciclo%2520de%2520vida>. Acesso em: 12 set. 2014. 186

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COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU. Parecer. “Por um consumo mais sustentável: O ciclo de vida dos produtos industriais e informação do consumidor a bem de uma confiança restabelecida”. CMMI/112. Ciclo de vida dos produtos e informação ao consumidor. Relator Thierry Libaert e Correlator Jean Pierre Haber. Bruxelas, 17 de outubro de 2013, p. 6. Disponível em: <https://dm.eesc.europa.eu/eesc/2013/_layouts/WordViewer.aspx?id=/eesc/2013/10001999/1904/ces1904-2013_00_00_tra_ac/ces1904-2013_00_00_tra_ac_pt.doc&DefaultItemOpen=1&Source=http%3A%2F%2Fdm%2Eeesc%2Eeuropa%2Eeu%2Feescdocumentsearch%2FPages%2Fopinionsresults%2Easpx%3Fk%3Dciclo%2520de%2520vida>. Acesso em: 12 set. 2014.

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vida médio dos eletrodomésticos é atualmente de seis a oito anos, mas há duas

décadas era de dez a 12 anos. “Os consumidores têm razão para se interrogar

sobre a redução do ciclo de vida dos produtos numa altura em que é a inovação

que é valorizada.”188 Do lado da economia:

A grande maioria das empresas incriminadas operam em domínios de alta tecnologia cujos produtos são frequentemente importados para a Europa. Ao analisar o tema, a União Europeia proporciona às suas empresas uma forma de se distinguir pela sua prática efetiva da sustentabilidade.189.

No Brasil, não foi possível localizar estudo que fizesse uma análise sobre

os reflexos da obsolescência para o consumidor. Apesar disso, acredita-se que as

repercussões que tangenciam os aspectos sociais, a saúde, a economia, por

exemplo, são válidos e podem transbordar para a realidade brasileira.

Apresentados esses comentários sobre as repercussões da obsolescência,

ressalta-se que o parecer do Estudo do Comitê Econômico e Social Europeu nada

mencionou quanto aos aspectos ambientais, mas eles serão abordados no

presente estudo.

Por fim, é importante salientar que a obsolescência programada não tem

como única finalidade o consumo repetitivo de produtos; seus reflexos são mais

amplos, complexos, severos e podem atingir inclusive terceiros que não

participaram da relação de consumo do produto afetado.

188

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2.3.2 A tipologia de classificação de Giles Slade como base para comprovar a

presença da obsolescência no mercado brasileiro

Slade, vale lembrar, classifica a obsolescência em três espécies. A

primeira delas é a obsolescência técnica ou funcional, que consiste na inclusão de

uma nova tecnologia ou funcionalidade no produto que faz com que o consumidor

passe a desejá-lo por esta nova característica. A segunda classificação é a

chamada obsolescência psicológica, perceptiva, progressiva ou dinâmica e ocorre

quando o fornecedor modifica o design ou o estilo do produto para manipular a

compra repetitiva pelo consumidor190. A terceira forma de obsolescência é a

obsolescência planejada ou programada, que ocorre quando o fornecedor

deliberadamente manipula o produto para que este venha a falhar após

determinado período de tempo em uso.

Antes de seguir adiante, é importante mencionar que a seleção da tipologia

de Slade usada neste estudo tem duas motivações: a primeira, pelo fato de ser

mais ampla e representar uma evolução em relação à classificação criada por

Packard; a segunda, servir como base para demonstrar a ação do fornecedor para

induzir o consumidor a realizar compras repetitivas e, ainda, suportar o exame de

formas de prevenção e de mecanismos reparatórios dessas práticas no âmbito do

CDC.

A abordagem da obsolescência programada, conforme classificação de

Slade, vai, ademais, buscar alguns aspectos do Estudo do Comitê Econômico e

Social Europeu aqui referenciado. A justificativa para tanto é a complexidade desta

tipologia de obsolescência e a necessidade de completude de sua análise.

190

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 43.

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3 PRODUTOS E OBSOLESCÊNCIA

Produtos compõem a parte objetiva da relação de consumo, conforme se

extrai do conteúdo do art. 2º do CDC: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica

que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Parágrafo único.

Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis,

que haja intervindo nas relações de consumo.”. O art. 3º do mesmo diploma legal

vem complementar a definição de produto ao definir expressamente que produto é

qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

Pelo lado da doutrina, Filomeno assim leciona a respeito: “Produto

(entenda-se bens) é qualquer objeto de interesse em dada relação de consumo, e

destinado a satisfazer uma necessidade do adquirente como destinatário final.” 191.

Nery Junior destaca que: “O CDC não distinguiu entre bem material ou

juridicamente consumível, de modo que não é lícito ao intérprete distinguir. Assim,

tanto uma como outra categoria de bem consumível estão sob a regência do

Código.”192.

A noção trazida pelo legislador do CDC é a de se considerar produto

qualquer bem que tenha sido colocado em circulação no mercado de consumo

pelo fornecedor.193

Todo produto tem por essência um bem – uma obrigação de dar, de

transferir a propriedade ou a posse de coisa móvel ou imóvel, material ou

imaterial.194

Sanseverino entende que o conceito de produto é amplo, abrangendo

todos os bens móveis, imóveis, materiais e imateriais.195

191

FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direito do consumidor. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 41. 192

NERY JÚNIOR, Nelson. A defesa do consumidor no Brasil. Revista de Direito Privado. São Paulo, n. 18, p. 218-298, abr./jun. 2004. 193

CALDEIRA, Patricia. Caracterização da relação de consumo. Conceito de consumidor/fornecedor. Teorias maximalista e finalista. Análise dos artigos 1º a 3º, 17 e 29, do CDC. In: _____; SODRÉ, Marcelo Gomes, MEIRA, Fabiola (Org.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 1. ed. São Paulo: Verbatim, 2009, p. 30. 194

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. 3. reimpr. São Paulo: Atlas, 2007. p. 455. 195

SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no Código do Consumidor e a defesa do fornecedor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 130.

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Dessas lições, infere-se que produto é qualquer bem de valor econômico,

objeto de interesse do homem e adquirido mediante relação de consumo. Com sua

descrição genérica, pode-se dizer que o legislador pretendeu abranger todas as

situações justamente para evitar que o consumidor possa ficar desprotegido.196

3.1 CLASSIFICAÇÕES DE PRODUTOS

3.1.1 Produtos duráveis e não duráveis

A primeira classificação que se observa no CDC é aquela que distingue

produtos duráveis e não duráveis.

Por bens não duráveis entenda-se todos aqueles que se exaurem ao primeiro uso ou em pouco tempo após a aquisição. Aí cabem, entre tantos outros, os alimentos, medicamentos, cosméticos, serviços de lazer e de transportes [...]. Bens duráveis podem ser definidos por exclusão aos não duráveis. De qualquer modo, caracterizam-se eles por terem uma vida útil efêmera, embora não se exija que seja prolongada. Do nosso cotidiano podem ser tirados alguns exemplos: o automóvel, os computadores, os utensílios domésticos, os móveis, os serviços de assistência técnica, os de oficinas, os de reforma de habitações, os de decorações. Os produtos imóveis são, como regra, duráveis.197

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no REsp 114.473, ocorrido em março

de 1997, assim estabeleceu: “entende-se por produtos não-duráveis aqueles que

se exaurem no primeiro uso ou logo após sua aquisição, enquanto que os

duráveis, definidos por exclusão, seriam aqueles de vida útil não efêmera”198.

No seu voto, o Ministro Sálvio Figueiredo, no REsp em questão, assim

consignou: “Entende-se por produtos não duráveis aqueles que se exaurem no

196

CORNETTA. William. Produtos essenciais no direito do consumidor. 2012. 202f. Dissertação (Mestrado em Direito)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2012. p.128. 197

BENJAMIN, Antônio Herman et al. Comentários ao Código de Proteção ao Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 131 -132. 198

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 114.473 (1996/0074492-0) – data do julgamento 24/03/1997 – DJ 05/05/1997 p. 17.060 – JBCC, v. 181, p. 103.

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primeiro uso ou logo após sua aquisição, enquanto que os duráveis, definidos por

exclusão, seriam aqueles de vida útil não efêmera.” 199.

Outra definição aponta que produto durável é aquele cujo consumo não

importa na sua imediata destruição física, como por exemplo, eletrodomésticos,

automóveis, computadores. Por sua vez, produto não durável é aquele cujo

consumo acarreta a sua imediata destruição física, como é o caso de alimentos,

produtos medicinais etc.200

Da doutrina de Cavalieri Filho, extrai-se a seguinte lição:

[...] duráveis são os bens tangíveis que não se extinguem após o seu uso regular. Foram feitos para durar; para serem utilizados várias vezes. Não são, todavia, eternos. Sofrem desgastes naturais com o passar do tempo e a sequência de uso. Assim, os livros, as roupas, os automóveis, os imóveis, os equipamentos eletrônicos etc. Com o tempo, maior ou menor, deixarão de atender às finalidades para as quais se destinam ou, terão reduzida a sua eficiência ou capacidade de funcionamento. No segundo caso, a contrario sensu, temos que não duráveis são aqueles bens tangíveis que desaparecem, se destroem, acabam com o seu uso regular. A extinção pode ser imediata (alimentos, remédios, bebidas) ou paulatina (caneta, sabonete).201

Pode-se associar os produtos não duráveis aos bens consumíveis do

Código Civil, consoante estabelece o seu art. 86: “São consumíveis os bens

móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também

considerados tais os destinados à alienação.”202.

Os produtos não duráveis são, portanto, aqueles que desaparecem, que se

destroem ou acabam em razão do seu uso regular, são efetivamente consumidos

pelo uso. O consumo que gera a extinção pode ser imediato, ou seja, o produto é

usado uma única vez, como é o caso de alimentos, ou paulatinamente, como é o

caso de produtos de beleza, canetas, entre outros. Produtos duráveis são aqueles

199

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp 114.473 (1996/0074492-0) – data do julgamento 24/03/1997 – DJ 05/05/1997 p. 17.060 – JBCC, v. 181, p. 103 – Voto Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira (Relator). 200

LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 173. 201

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2008. p. 64-65. 202

“Art. 86. São consumíveis os bens móveis cujo uso importa destruição imediata da própria substância, sendo também considerados tais os destinados à alienação.” BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 10 mar. 2016.

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67

que não se extinguem após o seu uso, podendo ser utilizados diversas vezes, ou

seja, permanecem aptos ao fim a que se propõem, por um certo período de tempo.

3.1.2 Produtos perecíveis

Outra espécie de produtos prevista no CDC é a dos produtos perecíveis.

De plano, é importante registrar as seguintes definições trazidas pelo

Dicionário Michaelis, relativamente ao vocábulo perecível: “1 Sujeito a perecer;

perecedor. 2 Que se pode estragar; frágil.”203.

Benjamin204 define produto perecível como aquele que necessita de

conservação especial, não lhe bastando as condições ambientais normais, mas

isso não significa que seja sinônimo de produto não durável. Produto perecível,

regra geral, é comercializado em supermercados, açougues, quitandas,

restaurantes, lanchonetes e drogarias.

Ana Luisa Nery, ao tratar dos produtos perecíveis, segue a mesma linha do

retromencionado doutrinador, corroborando que produtos perecíveis são aqueles

que necessitam conservação especial.205

Enfim, bens perecíveis não são duráveis e, dada a sua fragilidade,

dependem de conservação especial para que não se estraguem ou pereçam em

um prazo muito exíguo.

203

Verbete: Perecíveis. MICHAELIS. Moderno Dicionário da Língua Portuguesa. Dicionário on-line. 2009. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br>. on line. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=bens>. Acesso em: 8 mar. 2015. 204

BENJAMIN, Antônio Herman; MARQUES; Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 134. 205

NERY, Ana Luiza Barreto de Andrade Fernandes. A responsabilidade do comerciante à luz do artigo 13 do CDC. In: SODRÉ, Marcelo Gomes; MEIRA, Fabiola; CALDEIRA, Patrícia (Org.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 1. ed. São Paulo: Verbatim, 2009. p.127.

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68

3.1.3 Produtos descartáveis

Os produtos descartáveis não receberam tratamento no CDC, mas,

consoante o escopo deste estudo, merecem ser aqui abordados.

Na opinião de Slade, outra estratégia usada pelos fabricantes para dar

asas ao consumo repetitivo foi a introdução da "cultura do descartável", que data

do início do século XX, quando muitos materiais se tornaram mais baratos e

disponíveis para a indústria. A mencionada "cultura do descartável" foi concebida

como uma demanda infinita para a indústria. O primeiro produto descartável a ser

introduzido foram as camisas com gola e punhos descartáveis, feitos de papel, no

início da década de 1870. Na época, os custos com lavanderia eram altos, não

confiáveis e limitados a apenas alguns espaços urbanos. Como a produção do

papel tinha ficado barata e era possível produzir em larga escala, a fabricação de

camisas e sua comercialização era, então, uma realidade. Além disso, o descarte

de golas e punhos podia ser feito em lareiras ou nos antigos fogões da época. O

fim das camisas de gola e dos punhos descartáveis veio com o desenvolvimento

dos eletrodomésticos que permitiram que muitos lares americanos possuíssem

máquinas de lavar roupa. A popularização de lavanderias em diversos pontos dos

Estados Unidos da América também colaborou para a mudança.206 Outro produto

descartável destacado por Slade207 foi a lâmina de barbear descartável, idealizada

e desenvolvida por King Gillette no início do século XX.

A cultura do descartável ganhou popularidade nos Estados Unidos porque

os produtos descartáveis pessoais eram utilizados em nome da higiene e da

saúde. O reflexo destes novos hábitos influenciou o aparecimento de outros

produtos.208

Exemplo mais recente de produto descartável está nas embalagens dos

sanduiches utilizados pelo McDonald´s. Petroski conta que no início da década de

1970, o McDonald´s “envolvia o Big Mac num aro de papelão, embrulhava o

206

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America. First Harvard University Press paperback edition. Cambridge, USA: Havard University Press, 2007. p. 13. 207

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and o.solescence in America. First Harvard University Press paperback edition. Cambridge, USA: Havard University Press, 2007, p. 16. 208

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America. First Harvard University Press paperback edition. Cambridge, USA: Havard University Press, p. 24.

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sanduiche em papel alumínio e o servia dentro de uma caixa vermelha”209. Em

1975, esta complexa embalagem foi substituída por uma de poliestireno, uma

espécie de isopor. Na década de 1990, por pressões ambientais, a embalagem do

sanduíche foi novamente substituída por uma de papelão. A vida útil da caixinha de

poliestireno era muito curta; segundo o autor, resumia-se ao tempo que

acondicionava o sanduiche, ou seja, “desde o balcão da lanchonete até a mesa”210.

Na avaliação de Rizzatto Nunes, embora a lei não tenha definido produto

descartável, não há que se confundi-lo com produto não durável. Produto

descartável é o produto durável de baixa durabilidade, que só pode ser utilizado

uma vez.211

O mercado de consumo disponibiliza um sem-número de produtos

descartáveis, como copos, talheres, fraldas, barbeadores, entre outros. Estes

exemplos bem demonstram a importância de não se confundir produto descartável

com produto perecível. Produtos descartáveis são duráveis; apenas são utilizados

ou uma vez ou poucas vezes e, como o próprio nome indica, depois são

descartados.

3.1.4 Produtos indissociáveis e dissociáveis

A classificação dos produtos indissociáveis e dissociáveis decorre da

análise da composição do produto.

Os produtos artificiais ou industriais, na doutrina de Grinover, podem ser

classificados em:

a) produtos indissociáveis, que são aquelas resultantes da aglomeração dos respetivos componentes ou substâncias, que dão origem a um composto que não pode ser dissociado, sem comprometimento do produto final, como é o caso de medicamentos;

209

PETROSKI, Henry. A evolução das coisas úteis, garfos, latas, zíperes e outros objetos do nosso cotidiano, p. 240. 210

PETROSKI, Henry. A evolução das coisas úteis, garfos, latas, zíperes e outros objetos do nosso cotidiano, p. 241-243. 211

RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 115.

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b) produtos dissociáveis que são aqueles resultantes da reunião ou justaposição dos componentes ou peças que podem ser dissociados, sem comprometimento do produto final, como é o caso dos eletrodomésticos, veículos automotores etc.212

Lisboa213 faz uso de uma nomenclatura diferente, contudo tem uma

conclusão muito semelhante:

[...] quanto à substituição de peças, o produto pode ser: compósito ou essencial (não composto). Produto compósito é aquele resultante do justaposicionamento de peças e componentes, que podem ser substituídos sem que se proporcione a sua inadequação. Produto essencial ou não compósito é aquele que não pode ter qualquer de seus componentes retirados ou substituídos, sob pena de comprometer a sua substância. Os elementos do produto essencial são, portanto, insuscetíveis de dissociação. A distinção entre produto compósito e produto não compósito é útil porque o bem que não se sujeita à retirada de qualquer dos seus componentes não pode ser reparado no caso de existência de vício intrínseco, cabendo ao consumidor, neste caso, a adoção das outras soluções propugnadas pelo legislador (redibição, estimação ou troca). No entanto, tratando-se de produto que admite a substituição da peça defeituosa sem que isso provoque danos maiores à coisa, abre-se o prazo legal de trinta dias para que o fornecedor proceda à substituição necessária, sob pena de o consumidor poder exercer a opção de redibir, estimar ou trocar o bem.

Desse raciocínio, infere-se, primeiro, que o produto in natura será sempre

indissociável, não compósito ou essencial; segundo, que o produto industrial ou

artificial, de acordo com a sua composição, poderá ser indissociável (não

compósito ou essencial), dissociável ou compósito.

Para o propósito do presente estudo, o interesse está nos produtos

industriais ou artificiais, já que uma classificação de produto em razão de sua

composição permite o reparo mediante a substituição de suas peças ou de seus

componentes, enquanto a outra não.

212

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 219. 213

LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade civil nas relações de consumo, p. 196-197.

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3.2 CLASSIFICAÇÕES DE PRODUTOS E OBSOLESCÊNCIA

Apresentada a classificação dos produtos, verifica-se que todas elas estão

sujeitas ao artifício da obsolescência, exceto aquela que alude aos alimentos

perecíveis quando decorrem da própria natureza.

Os produtos industrializados perecíveis podem ser objeto do artifício da

obsolescência, uma vez que sua formulação ou sua forma de comercialização

podem ser sujeitas a tais artifícios.

Todas as demais classes de produtos, ou seja, produtos duráveis, não

duráveis, descartáveis, dissociáveis ou indissociáveis também podem ser objetos

das diferentes formas de obsolescência.

É notório que para alguns tipos de produto a ação da obsolescência é mais

patente, como acontece com os produtos duráveis. Neste caso, como existe uma

expectativa do consumidor de permanecer com o produto por mais tempo, é claro

que o desejo do fornecedor é que este prazo seja reduzido.

Quanto aos produtos descartáveis ou não duráveis, a ação da

obsolescência é menor porque, óbvio, o tempo de uso do produto pelo consumidor

é menor, mas isso não impede que o fornecedor lance mão de artifícios para

provocar a compra repetitiva, antecipada. O mesmo raciocínio vale para produtos

dissociáveis ou indissociáveis, lembrando apenas que no caso de indissociáveis, a

situação nem permite qualquer reparação ou alteração do produto.

Diante desses fatos, é possível afirmar que independente da classificação

dos produtos o artifício da obsolescência pode ser aplicável.

O capítulo seguinte se dedica ao estudo de cada um dos tipos da

obsolescência segundo a teoria de Slade.

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4 OBSOLESCÊNCIA TÉCNICA

4.1 COMO O ARTÍFICO É COLOCADO EM PRÁTICA PELO FORNECEDOR

O primeiro tipo de obsolescência identificado por Slade, como mencionado

anteriormente, é a obsolescência técnica ou funcional214. Este tipo de

obsolescência foi introduzido no mercado automobilístico quando os veículos

passaram a incorporar a partida elétrica em substituição às manivelas para acionar

o motor, no início do século passado215.

A obsolescência técnica ocorre quando o fornecedor introduz uma nova

tecnologia ou funcionalidade no produto que faz com que o consumidor passe a

desejá-lo por esta nova característica que apresenta.

A obsolescência técnica ou funcional de Slade se assemelha a

obsolescência e função (obsolescence of function) desenvolvida por Packard, que

ocorre quando um novo produto é introduzido e realiza uma função melhor.216

À primeira vista, pode-se entender que se trata de um aspecto favorável à

obsolescência, pois permite que novos produtos ou produtos com novas

funcionalidades ou tecnologias ingressem no mercado.

Ao longo da história humana, vários produtos foram evoluindo ou

substituídos por outros. Por exemplo, as primeiras fitas betamax foram substituídas

pelas fitas VHS, depois pelo DVD, o blue-ray, e hoje perdem espaço para as

mídias disponibilizadas via internet ou em servidores de TVs a cabo.

A introdução de nova funcionalidade, tecnologia ou característica no

produto também pode ser uma forma de induzir o consumidor a substituir o seu

produto por um modelo atualizado ou mesmo adquirir uma nova unidade.

Antes de aprofundar o tema da obsolescência técnica, e para facilitar o

raciocínio, é importante partir para a análise prática, objeto da seção seguinte.

214

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 43. 215

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 43. 216

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 66.

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73

4.2 CASOS DE OBSOLESCÊNCIA TÉCNICA

4.2.1 Ford versus General Motors – Caso 1

Atualmente, o mercado de automóveis promove mudanças estéticas com

certa regularidade. Na maioria das vezes não existem alterações significativas do

ponto de vista do projeto, da mecânica ou da funcionalidade do veículo; limitam-se

apenas a pequenas mudanças para diferenciar um modelo de determinado ano

para outro do ano subsequente. Tal prática data do início do século passado, fruto

de uma disputa encabeçada pelas montadoras General Motors e Ford.

Slade comenta que uma deliberada prática da cultura da obsolescência

ocorreu na competição entre Ford e General Motors, na década de 1920, travada

entre seus líderes corporativos, Henry Ford e Alfred Sloan, respectivamente.217

O automóvel Ford modelo T era um carro confiável e comercializado

sempre pelo menor preço possível e por esta razão era um produto praticamente

imbatível no mercado. A vida útil do Ford modelo T era de cerca de oito anos, dois

anos a mais do que a média dos outros veículos. Ocorre que devido à qualidade do

produto e à ausência de qualquer alteração estética ao longo dos anos em que o

Ford T foi produzido, a empresa começou a ter problemas em manter a demanda e

a economia de escala. Em 1920, cerca de 55% dos norte-americanos que tinham

condição de adquirir um veículo eram proprietários de um Ford T.218

Contudo, em razão da qualidade e da integridade do seu produto, Henry

Ford tinha grandes restrições para fazer qualquer alteração no Ford T. Enquanto

isso, o seu concorrente, Alfred Sloan, à frente da General Motors, tinha um

dinamismo diferente e entendia que a dinâmica capitalista tornava a tecnologia

obsoleta.219

A primeira grande investida da General Motors contra a Ford foi a inclusão

do motor de partida elétrica em seus veículos, em 1913, fazendo com que os

veículos com partida à manivela se tornassem obsoletos da noite para o dia. Em

217

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 29. 218

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 30-31. 219

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 31-32.

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74

paralelo, diversos fabricantes passaram a incluir outros acessórios nos veículos,

como para-brisas, luzes interiores, redutores de ruídos e odores para o

compartimento do motor e, ainda, pensando nas mulheres, começaram a investir

no conforto e no estilo da parte interna dos veículos.220

A Ford, ainda assim, mantinha-se fiel ao modelo T original, tanto que,

segundo o relato de Slade, o carro virou motivo de piadas e até ridicularizado em

músicas e desenhos animados.

A introdução de novas funcionalidades e tecnologias foi a base para criar

um mercado constante de revenda de veículos, prática esta que ainda pode ser

reconhecida no momento atual.

A propósito, adiante, verificar-se-á que o mercado automotivo ainda vincula

a prática da obsolescência técnica à psicológica.

4.3 ANÁLISE DOS MECANISMOS PREVENTIVOS OU REPARATÓRIOS

DISPONÍVEIS NO CDC

A introdução de uma nova funcionalidade ou tecnologia, como apontado,

tem o objetivo de levar o consumidor a adquirir um novo produto. Giles Lipovetsky

coloca que todo esse desenvolvimento funciona como um chamariz tecnológico

para criar o consumo em massa.221

Nessa trilha, o primeiro aspecto que merece atenção é quanto ao objetivo

da obsolescência, de criar um ambiente, despertar uma motivação ou um desejo

no consumidor para incitar o consumo repetitivo do produto, conforme denota

Slade222.

O desenvolvimento e introdução de nova funcionalidade, tecnologia ou

característica a produtos que já estão no mercado, reitera-se, é uma forma de

despertar no consumidor a vontade de adquirir o novo produto. Em outras

palavras, regra geral, quando o fornecedor inclui nova tecnologia, funcionalidade

220

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 35, 37. 221

LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero – a moda e seu destino nas sociedades modernas. Tradução Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia de Bolso – ebook – pos. 2925 de 5836. 222

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 65.

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75

ou característica na nova versão do produto ou mesmo apresenta nova tecnologia

ou outro produto que venha substituir a anterior, como ocorreu com os

tocadores/mídias de DVD’s que foram substituídos pelos tocadores/mídia de blue-

ray, o objetivo é criar uma motivação no consumidor para novas compras e,

consequentemente, vender mais.

Em muitas situações, essa atuação do fornecedor decorre de uma

estratégia de marketing223, quando o consumidor opta pela substituição de um

produto funcional por outro justamente em função da novidade que apresenta.224

Nesta hipótese, tem-se a obsolescência, que não causa limitação de uso do

produto, ou seja, o consumidor ainda está apto a utilizar o produto, que por sua vez

está em pleno funcionamento e atendendo ao fim a que se propôs. E não se pode

dizer, in casu, que houve um problema intrínseco à relação de consumo –

fornecedor/consumidor –; na verdade foi o consumidor quem, por um fator externo

à relação de consumo, optou por substituir o produto, quiçá, por estar convencido

de que a nova tecnologia é mais interessante.

Essa assertiva, contudo, não tem o condão de mitigar o problema porque,

bem sabemos, existem artifícios usados pelos fornecedores para fazer com que o

consumidor tenha o desejo ou a necessidade de fazer a troca do bem que já

possui, ou partir para o consumo de um novo, mesmo que o anterior esteja em

pleno funcionamento e atendendo ao fim a que se propôs.

A propósito da necessária defesa da parte mais vulnerável da relação de

consumo – o consumidor –, uma questão que sobressai é a da verificação da

existência de mecanismos de prevenção ou mesmo de reparação no âmbito do

microssistema do CDC.

De plano, pode-se dizer que o CDC não apresenta os mecanismos

necessários para proteger devidamente o consumidor contra a obsolescência

técnica. O que existe são princípios e direitos básicos, como é o caso do direito de

informação, que permite uma proteção relativa mas que pode ter um efeito muito

limitado, como se verá em seguida.

223

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 65. 224

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 66.

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76

O direito de informação positivado pelo CDC, conforme observa Miragem,

é um dos direitos que maior repercussão prática alcança no cotidiano das relações

de consumo.225 E aduz:

O tratamento favorável do consumidor nas relações de consumo apoia-se no reconhecimento de um déficit informacional entre o consumidor e o fornecedor, porquanto este detém o conhecimento acerca de dados e sobre o processo de produção e fornecimento

dos produtos e serviços no mercado de consumo.226

O princípio da informação – disposto na Constituição Federal, a partir do

artigo 1º, incisos II, III e IV, artigo 5º, incisos XIV, XXXII, XXXIII e LXXII, artigo 170,

inciso IV, e artigos 220 e 221 – pode ser classificado como princípio constitucional

implícito, extraído da interpretação conjunta de outros postulados: dignidade da

pessoa humana; livre-iniciativa; construção de uma sociedade livre, justa e

solidária; erradicação da pobreza; redução das desigualdades sociais e regionais;

promoção do bem de todos; proteção à vida (e à saúde); liberdade de expressão;

acesso à informação; defesa do consumidor; livre concorrência; e respeito aos

valores éticos e sociais da pessoa e da família.227

Para Filomeno228, o dever de informar bem o público sobre todas as

características dos produtos e dos serviços já lançados no mercado é importante

para que aquele que pretenda, respectivamente, adquiri-los ou contratá-los saiba

exatamente o que poderá deles esperar.

O direito básico à informação tem, portanto, a finalidade de promover o

equilíbrio entre fornecedores e consumidores; ademais, visa permitir que os

consumidores tenham acesso a todas as informações sobre os produtos ou

serviços que almejam adquirir.

225

MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: fundamentos do direito do consumidor; direito material e processual do consumidor; proteção administrativa do consumidor; direito penal do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.121. 226

MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: fundamentos do direito do consumidor; direito material e processual do consumidor; proteção administrativa do consumidor; direito penal do consumidor, p.121. 227

MALFATTI, Alexandre David. O princípio da informação no Código de Defesa do Consumidor. 2001. Dissertação (Mestrado em Direitos Difusos)-Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2001. p. 278-279. 228

FILOMENO, José Geraldo Brito. Dos direitos básicos do consumidor. In: BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcelos e (Coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. São Paulo: Forense, 2011. p. 237.

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77

Com esteio no direito à informação assegurado no CDC, o consumidor

poderá exigir do fornecedor todas as informações necessárias em relação ao

produto que será adquirido.

Note-se que, pelo princípio da informação, o fornecedor é obrigado a

prover as informações sobre os produtos já colocados no mercado e não sobre os

produtos que serão lançados no mercado. Ou seja, o CDC não impõe ao

fornecedor o dever de informar quais são os novos produtos a serem

disponibilizados no mercado nem mesmo as novas funcionalidades que lhes serão

atribuídas.

As informações colocadas no mercado sobre novos produtos, os teasers,

têm uma função mais comercial do que propriamente informar o consumidor. Na

prática, percebe-se que o fornecedor comunica ao mercado o lançamento de um

novo produto ou versão com o objetivo de fazer o consumidor optar por comprar

dele e não do concorrente.

Pelo lado da reparação, o legislador consumerista, no art. 12, § 2º,

reconheceu que o produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de

melhor qualidade ter sido colocado no mercado.

Segundo Denari229, “o dispositivo acima [citado] tem origem na Diretiva do

Conselho n. 374/85230 da Conselho das Comunidades Europeias - CEE, que

somente faz menção do caráter sequencial da introdução do novo produto no

mercado”.

Não se trata, aqui, de abordar a questão do risco de desenvolvimento, uma

vez que a doutrina é pacífica em reconhecer que o fabricante é o responsável por

todos os riscos do desenvolvimento do produto e pelas consequências do seu uso

ou consumo. O que se percebe é que o consumidor não dispõe de recursos

jurídicos na legislação nacional para se proteger da obsolescência que não causa

a limitação de uso do produto, ou seja, aquela decorrente da introdução de uma

nova funcionalidade ou tecnologia.

229

DENARI, Zelmo. Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos. In: BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcelos e (Coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. São Paulo: Forense, 2011. p. 203. 230

EUR-LEX. Directiva 85/374/CEE do Conselho, de 25 de Julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/ALL/?uri=CELEX%3A31985L0374>. Acesso em: 20 maio 2016. “Artigo 6 […] 2 – Um produto não será considerado defeituoso pelo simples facto de ser posteriormente colocado em circulação um produto mais aperfeiçoado.”

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78

5 OBSOLESCÊNCIA PSICOLÓGICA

5.1 COMO O ARTIFÍCÍO É COLOCADO EM PRÁTICA PELO FORNECEDOR

A segunda forma de obsolescência observada por Slade é a chamada

obsolescência psicológica, perceptiva, progressiva ou dinâmica, quando o

fornecedor modifica o design ou o estilo do produto para incitar a compra repetitiva

pelo consumidor231.

A obsolescência psicológica trabalhada por Slade é semelhante a

obsolescência psicológica ou de desejo apontada por Packard.232

Como exemplos de obsolescência psicológica, têm-se a moda, o design de

produtos, também aplicável a veículos, e todas as outras formas utilizadas pelo

fornecedor para criar um ambiente para manipular a percepção, o desejo ou a

psique do consumidor para fazer com que este realize uma nova compra do

produto.

Há alguns aspectos da tipologia obsolescência psicológica que precisam

ser destacados. O primeiro alude a uma das maneiras mais fáceis de gerar a

compra repetitiva, quando o fornecedor não precisa de grandes investimentos nem

de longo prazo para desenvolver uma nova tecnologia ou funcionalidade do

produto. Por exemplo, nos mercados da moda, do design, dos automóveis, entre

outros, a diferença entre um modelo de roupa, uma estação ou ano do produto, no

caso de veículos, pode ser simplesmente a cor ou um detalhe estético que não traz

nenhuma vantagem para a operação ou o desempenho do produto. Outro aspecto

é que o artifício da obsolescência psicológica não é utilizado diretamente no

produto, mas sim no ambiente ou no marketing que é feito em torno dele, ou seja,

diferente da obsolescência programada, o fornecedor não manipula o produto para

falhar antes do tempo nem trabalha para incluir uma nova função, como acontece

na obsolescência técnica, neste caso, o fornecedor trabalha com o psicológico do

consumidor.

231

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 43. 232

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 82.

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79

Para conhecer como o fornecedor utiliza o artifício da obsolescência

psicológica, pode-se começar pela demanda. A demanda se refere à forma como

os fornecedores verificam o interesse dos consumidores na aquisição de seus

produtos.

Como observam Pindyck e Rubbinfeld, pelo lado da microeconomia, a

curva de demanda informa a quantidade de consumidores que desejam comprar

determinado produto à medida que muda o preço unitário.233 Para os autores: “A

quantidade demandada pode também depender de outras variáveis, tais como a

renda, clima e preços de outros bens. Para muitos produtos, a quantidade

demandada aumenta quando a renda aumenta.”234.

Ao lado da curva da demanda está a curva de oferta, que “informa a

quantidade de mercadoria que os produtores estão dispostos a vender a

determinado preço, mantendo-se constante quaisquer fatores que possam afetar a

quantidade ofertada; trata-se de uma relação quantidade ofertada e preço”235.

Os fornecedores podem estabelecer o volume de oferta de produtos

conforme a demanda dos consumidores para tentar, assim, maximizar a produção,

a distribuição e a venda. Com esse propósito em mente, eles podem desenvolver

meios e ferramentas para influenciar a demanda e gerar o consumo repetitivo.

Essa capacidade de influenciar exterioriza-se no marketing, na publicidade, na

oferta do produto em outros meios de divulgação.

Os experts de marketing, comenta Packard, consideram que os

consumidores devem receber desculpas plausíveis para comprar mais dos

mesmos produtos antes do período que seria considerado racional ou prudente;

quer dizer236, os consumidores devem receber estímulos para comprar os mesmos

produtos antes do fim dos respectivos ciclos de vida. Por exemplo, segundo o

autor, a ideia que transborda na obsolescência psicológica é que os homens

devem possuir um terno para eventos matutinos, outro para eventos que ocorrem

no meio do dia e um terceiro para eventos noturnos.237

233

PINDYCK, Robert S.; RUBBINFELD, Daniel L. Microeconomia. 6. ed. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007. p. 18. 234

PINDYCK, Robert S.; RUBBINFELD, Daniel L. Microeconomia, p. 19. 235

PINDYCK, Robert S.; RUBBINFELD, Daniel L. Microeconomia, p. 18. 236

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 43. (Ebook). 237

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 43. (Ebook).

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80

Slater aduz que pessoas insatisfeitas tendem a se manter empregadas

para poder comprar mais comodidades, formando um grande ciclo de consumo.238

Nesse cenário, a demanda é, pois, a forma como os fornecedores

verificam o interesse dos consumidores na aquisição de seus produtos e pode ser

alterada para incitá-los a comprar mais produtos. Esse movimento, por certo,

impulsiona e faz aumentar a demanda.

Diante de tais fatos, percebe-se que a alteração da curva da demanda é

uma das formas utilizadas pelo fornecedor para induzir o consumidor a fazer

compras repetitivas de seus produtos. Portanto, a alteração da curva da demanda

pode ser enquadrada como forma de obsolescência psicológica.

A ferramenta utilizada para alterar a curva de demanda é o marketing, que

pode ser definido como “um processo social por meio do qual pessoas e grupos de

pessoas obtêm aquilo que necessitam e o que desejam com a criação, oferta e

livre negociação de produtos e serviços de valor com outras”239.

No início do século XX, relata Slade, a questão central era como os

fabricantes podiam encorajar os consumidores a comprar seus produtos

constantemente, sem adquirir produtos semelhantes de seus concorrentes. A

solução encontrada para o problema foi a promoção do consumo repetitivo, que

incluia uma grande variedade de estratégias comerciais, como embalagem de

produto e colocação de marca (branding and packing), de modo a continuamente

mudar os produtos duráveis e torná-los obsoletos.240

No que tange ao branding, a consolidação de uso da marca foi a primeira

técnica que os fabricantes utilizaram para estimular o consumo repetitivo de seus

produtos. Esta técnica permite a identificação e a diferenciação dos bens

colocados no mercado.241

A embalagem (packing) também foi um recurso utilizado para estimular o

consumo repetitivo. O acondicionamento dos produtos, antes vendidos a granel,

238

SLATER, Don. Consumer, culture and modernity. Oxford: Polity Press Terrel, T., 1999, p. 18. (Hoodwinked by Tecnology). 239

KOTLER, Philip. Administração de marketing: a edição do novo milênio. Tradução Bazán Tecnologia e Linguistica, revisão técnica Arão Sapior. São Paulo: Prentice Hall, 2000. p. 30. 240

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 84. 241

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 91.

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81

também permite uma melhor distinção dos concorrentes e a distribuição em áreas

geográficas maiores.242

Na verdade, a criação da cultura dos produtos descartáveis apresentava

para os fabricantes “um horizonte sem fim”. Bom exemplo nesse sentido é o da

Gillette, que desenvolveu o barbeador de lâminas descartáveis, ou seja, quando as

lâminas perdessem o fio, bastaria substituí-las por outras novas. A cultura do

descarte, desta feita, garantiria a fortuna e o sucesso dos fabricantes.243

Outro aspecto igualmente digno de nota é o desenvolvimento de produtos

para homens e mulheres244, uma forma de fazer com que as famílias passem a ter

dois produtos diferentes para a mesma finalidade, apenas se diferenciando em

razão do gênero: um para homem e outro para mulher, como é o caso dos

xampus, por exemplo.

Segundo o exemplo trazido por Packard, fabricantes introduziram um “kit”

de desodorante “ele-ela” para maridos e esposas, e com esta estratégia os casais

poderiam ter dois produtos com as mesmas características, no mesmo banheiro.245

Outra estratégia para aumentar o leque de opção de produtos destinados a

homens e mulheres foi a introdução de cores diferentes para eles e para elas.246

Mas há outras formas de o fabricante buscar a individualização do

consumo, como os aparelhos celulares, por exemplo. Quando os celulares

entraram no mercado existia um aparelho para cada família. Não demorou muito e

o produto foi tornando-se cada vez mais individual, tanto que hoje, em alguns

lugares do mundo, existem mais aparelhos celulares do que pessoas.

Bem a propósito, o Brasil terminou o mês de janeiro de 2015 com 281,7

milhões de celulares e com uma proporção de aparelho celular por habitante de

138,3 a cada cem habitantes. Estes números indicam que há mais de 138

aparelhos celulares para cada cem habitantes, ou seja, 1,38 celular por

habitante.247 No fim do terceiro trimestre de 2014 já existiam mais de 6.9 bilhões de

242

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 84. 243

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 107, 142-143. 244

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 107. 245

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 43. 246

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 65. 247

TELECO. Estatísticas de celulares no Brasil. 2016. Disponível em: <http://www.teleco.com.br/ncel.asp>. Acesso em: 4 abr. 2015.

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82

celulares habilitados em todo o planeta248 para um número de 7.2 bilhões de

habitantes.249

A tendência de lançar no mercado, inicialmente, produtos mais simples e

depois sofisticá-los vem sendo observada em vários setores da economia. Há

outros exemplos: o sabão em pó em duas versões de produto: um para roupas

escuras e outro para roupas claras; o xampu, que se apresenta em várias versões

(para homens, para mulheres, para crianças e para bebês), e lâminas de barbear

para homens e para mulheres.

A individualização de produtos tem como objetivo, portanto, aumentar a

quantidade do mesmo item na residência dos consumidores. A consequência, em

se tratando de mercado de consumo, é o acréscimo das vendas.

Esses exemplos bem demonstram a estratégia da obsolescência

psicológica, quando o fornecedor cria situações para induzir o consumidor a

realizar compras repetitivas sem uma efetiva necessidade.

Outra forma de o fornecedor utilizar o artifício da obsolescência psicológica

é a redução do ciclo de vida do produto.

Schweriner, dissertando sobre o tema, afirma que o ciclo de vida de um

produto engloba o lançamento, o crescimento, a maturidade, o declínio e a sua

retirada do mercado.250 O autor compara o ciclo de vida251 de um produto à vida de

um indivíduo, conforme resume o seguinte quadro:

Quadro 1 – Ciclo de vida – Indivíduo x Produto

INDIVÍDUO

PRODUTO

Nascimento Lançamento no mercado (introdução)

Infância/Adolescência Crescimento

Idade adulta Maturidade

Velhice Declínio

Falecimento Retirada do mercado Fonte: Schweriner252

248

TELECO Estatísticas de celular no mundo. 30.11.2015. Diponível em: <http://www.teleco.com.br/pais/celular.asp>. Acesso em: 4 abr. 2015. 249

COUNTRYMETERS. População mundial. Disponível em: <http://countrymeters.info/pt/World>. Acesso em: 4 abr. 2015. 250

SCHWERINER, Mario Ernesto Renê. Comportamento do consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 13. 251

SCHWERINER, Mario Ernesto Renê. Comportamento do consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 13. 252

SCHWERINER, Mario Ernesto Renê. Comportamento do consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 13.

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83

As fases do produto são explicadas por Kotler253 da seguinte forma:

Introdução: período de baixo crescimento de vendas, uma vez que o

produto está sendo introduzido no mercado. Nesse estágio, não há lucro devido às

pesadas despesas com a introdução do produto.

Crescimento: período de rápida aceitação no mercado e melhoria

substancial dos lucros.

Maturidade: período de baixa no crescimento das vendas, uma vez que

o produto conquistou a aceitação da maioria dos compradores potenciais. Os

lucros se estabilizam ou declinam devido à competição acirrada.

Declínio: período em que as vendas mostram uma queda vertiginosa e

os lucros desaparecem.

A relação entre vendas e ciclo de vida de determinado produto pode ser

visualizada no Gráfico 1.

Gráfico 1 – Ciclo de vida do produto

Fonte: Marketing Teacher.com254

Segundo Schweriner, há duas espécies de produtos em desuso:

“improdutos” e “produtos terminais”.255 O autor considera como “improdutos”

aqueles que não são mais fabricados e somente podem ser encontrados em

antiquários, brechós e afins, por exemplo, monóculos, pneus de faixa branca,

253

KOTLER, Philip. Administração de marketing: a edição do novo milênio, p. 326. 254

MARKETING.TEACHER. O ciclo de vida do produto (CVP). Disponível em: <http://www.marketingteacher.com/o-ciclo-de-vida-do-produto-cvp/>. Acesso em: 31 jul. 2014. 255

SCHWERINER, Mario Ernesto Renê. Comportamento do consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 14.

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84

régua de cálculos, discos de vinil, disco de 78 e 45 rotações, entre outros. Já os

produtos terminais são aqueles que se encontram “no limbo”256 e continuam sendo

produzidos, mas em quantidades ínfimas se comparados com o seu período de

esplendor. Esses produtos, com alguma dificuldade, ainda podem ser encontrados,

mas o seu fim já foi decretado; têm um uso residual, pois sobrevivem

marginalmente, como acontece com, por exemplo, a ampulheta, a anágua, a

brilhantina, a cadeira de balanços, a cigarreira, entre outros.257

Kotler258 identifica três ciclos de vida de produto, intitulados de estilo, moda

e modismo.

O estilo é um modo básico e distinto de expressão, que surge em uma área da atividade humana. O estilo aparece em casas (coloniais, country), na maneira de se vestir (formal, informal, extravagante) e na arte (realista, surrealista, abstrata). Um estilo pode durar várias gerações, entrando e saindo de moda. Moda é um estilo correntemente aceito ou popular em uma determinada área.

Modismo é a moda que chega rapidamente, é adotada com grande entusiasmo, chega logo ao pico e declina muito rapidamente. Seu ciclo de aceitação é pequeno e ele tende a atrair um número limitado de adeptos, que estão em busca de emoção ou querem se destacar dos demais. Como regra, o modismo é um elemento de aspecto singular e imprevisível, como o piercing ou a tatuagem. O modismo não sobrevive, uma vez que normalmente não atende a

uma forte necessidade. 259

O ciclo de vida, como observa Porter, tenta descrever um padrão que

invariavelmente ocorrerá (quatro fases), mas o tempo de permanência do produto

em cada uma das fases pode variar significativamente, assim como o padrão, que

também pode variar.260

A redução do ciclo de vida de produto é uma forma bastante perversa de

induzir o consumidor à compra repetitiva, quando, por exemplo, o fornecedor lança

uma coleção ou versão especial do produto com poucas unidades, ou

256

SCHWERINER, Mario Ernesto Renê. Comportamento do consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 14. 257

SCHWERINER, Mario Ernesto Renê. Comportamento do consumidor: identificando necejos e supérfluos essenciais, p. 15. 258

KOTLER, Philip. Administração de marketing: a edição do novo milênio, p. 329. 259

KOTLER, Philip. Administração de marketing: a edição do novo milênio, p. 329-330. 260

PORTER, Michael E. Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústria e da concorrência. Tradução de Elizabeth Maria de Pinho Braga. 30ª reimpressão. Rio de Janeiro: Elsevier, 1986. p. 162.

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85

simplesmente limita a produção para um determinado lote ou a venda do produto

em um determinado período.

Nesse modelo de redução do ciclo de vida também se enquadram o

desconto ou o preço especial para os primeiros compradores de determinado

produto e a moda, que será abordada à frente.

Dessa análise, extrai-se que o fornecedor tem a sua disposição diversos

artifícios que podem ser utilizados para, por meio da obsolescência psicológica,

induzir o consumidor a adquirir novos produtos.

Na seção seguinte são apresentados alguns casos e o propósito é melhor

ilustrar a prática da obsolescência psicológica.

5.2 CASOS DE OBSOLESCÊNCIA PSICOLÓGICA

5.2.1 Ford versus General Motors – Caso 2

A disputa entre as montadoras Ford e General Motors decorreu

basicamente da prática da obsolescência psicológica, muito utilizada no mercado

de automóveis.

Como apontado no capítulo anterior, a Ford, fiel ao modelo T original,

apesar de barato e mecanicamente confiável, perdia cada vez mais espaço no

mercado para os modelos oferecidos pela General Motors, que passou a oferecer

diversas funcionalidades adicionais em seus veículos.

Não bastasse, o Ford modelo T era oferecido apenas na cor preta,

considerado, principalmente pelas mulheres, uma cor de baixo prestígio, enquanto

a General Motors e a Chrysle ofereciam ao mercado carros em diversas cores.261

Enquanto isso, a Jordan Motor Car, foi além e em 1918 se tornou a primeira a

comercializar um carro exclusivo para mulheres.

261

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 38-41.

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A grande competição por estilo, na verdade, começou em 1926, quando os

carros começaram a apresentar mais alterações estéticas.262

Como o custo de desenvolver um projeto de um carro novo com frequência

era muito alto, a General Motors criava anualmente pequenas alterações estéticas

para diferenciar os seus automóveis de um ano para outro. 263

O ponto alto da disputa foi a criação do departamento de arte e coloração

(art and color) dos carros da General Motors, em 1927264, dando início, pode-se

dizer, à obsolescência psicológica no mercado automotivo. Tal fato teve grande

impacto neste mercado. Primeiramente, fez com que a Ford alterasse o seu firme

conceito de produzir um carro confiável, feito para durar, sem grande preocupação

com a estética e que prestigiava a eficiência produtiva com vista a reduzir custos

para o consumidor, para um modelo de busca de realização de compras

repetitivas, utilizando-se da obsolescência psicológica.

Não levou muito tempo e a obsolescência psicológica se espraiou para o

mercado de consumo geral. Em se tratando de montadoras de veículos, vale dizer,

este padrão continua a ser adotado mundialmente.

A combinação dos dois casos Ford e General Motors permite também

inferir que os fornecedores não estão adstritos a uma única forma de

obsolescência, podendo adotar duas ou mais tipologias para atingir o objetivo de

induzir a compra repetitiva de seus produtos.

5.2.2 Obsolescência e moda

Lipovetsky relata que a eclosão da moda ocorreu na Idade Média quando

os nobres procuravam brilhar e distinguir-se nas cortes. Por essa razão, a moda

passou a ser o principal meio de competição por status e prestígio.265 O autor

262

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 44. 263

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 44. 264

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 49. 265

LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero – a moda e seu destino nas sociedades modernas, ebook, pos 927.

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comenta ainda que as questões da moda se tornaram assunto de alta importância

para a nobreza, que perdeu as antigas prerrogativas guerreiras e judiciárias266.

Em 1899, Thorsten Veblen267 publicou “A teoria da classe ociosa”, que

trouxe o conceito de ócio e de consumo conspícuo. Segundo esta teoria, caso haja

uma categoria de indivíduos que deliberadamente possa abster-se do trabalho útil,

a riqueza e o lazer então não são mais desejados por si, mas sim pelo objetivo de

ostentação. Assim, a acumulação de riqueza decorre cada vez menos da

necessidade material e cada vez mais da necessidade de busca de uma posição

de destaque na sociedade.

O ócio e o consumo conspícuo são definidos como tempo gasto em

atividades que não visam à produção, mas distinto também da inatividade. As

ocupações da nobreza passam a ser relacionadas com a subsistência social do

grupo, atividades como prática de esportes, guerra, governo e religião, o que se

poderia chamar, nos dias atuais, de estilo de vida. 268

Como mencionado linhas atrás, a moda ingressou na sociedade no fim da

Idade Média, assumiu o espaço antes ocupado pelas batalhas e se tornou um ritual

de competição por atenção.

Neste ponto, passa-se ao largo de um estudo aprofundado da moda, sua

história e reflexo para a sociedade. Na verdade, a atenção se voltará para o lado

do consumo desenfreado e da constante mobilização do mercado para induzir o

consumidor a realizar compras repetitivas no modelo da obsolescência psicológica.

Cline destaca que o preço médio das roupas teve uma queda significativa

nos últimos anos e a moda das roupas baratas (cheap fashion) passou a ser vista

como chique, prática e democrática.269 Mas os benefícios deste novo estilo de

moda merecem uma análise mais detida.

O fato de que o “menor preço estimula o consumo”270 pôde ser percebido

em 2008, nos Estados Unidos da América, quando foram consumidos

266

LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero – a moda e seu destino nas sociedades modernas, ebook, pos 927. 267

VEBLEN, Thornstein. Teoria de la classe ociosa. México: FCE, 1966. p. 9-40. 268

VEBLEN, Thornstein. Teoria de la classe ociosa, p. 36-37. 269

CLINE, Elisabeth L. Over-dressed – The shockingly high cost of cheap fashion. New York: Portfolio/Penguin, 2012. p. 2. 270

CLINE, Elisabeth L. Over-dressed – The shockingly high cost of cheap fashion, p. 3.

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88

aproximadamente vinte bilhões de itens de vestuário e 2,2 bilhões de calçados271,

perfazendo uma média anual de 64 itens de roupa por americano.

Ao longo da história, o vestuário sempre foi algo relativamente caro, difícil

de obter, valorizado pela sociedade, usado até como moeda de troca.272

A mudança ocorre quando a referência da moda barata se torna uma

atividade de massa, de acesso possível a qualquer pessoa, ainda que com pouco

dinheiro para gastar.273 Esse fato passa a ter grandes reflexos no mercado

consumidor. O primeiro diz respeito à qualidade. No segmento de moda barata, a

qualidade passa a ter um sentido relativo, em termos por exemplo de quantas

vezes um produto de vestuário pode ser lavado até que o tecido manche, desbote

ou mesmo a peça perca a forma, perca botões ou descosture. Em tempos de

produção da chamada moda barata, a roupa deve durar até a próxima nova

tendência.274

A relação do consumidor com cada peça de vestuário é de algo

descartável, tanto que em um comercial da rede de varejo americana T. J Maxx,

comenta Cline, uma estudante de moda diz que “nunca usa a mesma roupa duas

vezes” 275.

A razão ou motivação da compra é outro aspecto a ser observado. A

autora descreve uma situação em que está em uma loja de roupas com uma amiga

e a decisão da compra de um blazer é o valor da peça. Referida peça era

anunciada por USD 59.95, mas a amiga de Cline pagaria no máximo o valor de

USD 45.00, ou seja, a decisão de comprar deixa de ser a real necessidade do

vestuário e se transfere para o valor relativo ou percebido da peça.276

Ainda, no aspecto preço, perdeu-se o costume de analisar se a peça a ser

adquirida vale o esforço dispendido, no sentido de seu valor intrínseco, por

exemplo percorrer longa distância para ir a determinado outlet que oferece

271

AMERICAN APPAREL AND FOOTWEAR ASSOCIATION. Trends. An annual statistical analysis of the U.S. Apparel & Footwear Industries. Annual 2008 Edition. Arlington, August 2009. Disponível em: <https://www.wewear.org/assets/1/7/Trends2008.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2015. 272

CLINE, Elisabeth L. Over-dressed – The shockingly high cost of cheap fashion, p. 4. 273

CLINE, Elisabeth L. Over-dressed – The shockingly high cost of cheap fashion, p. 7. 274

CLINE, Elisabeth L. Over-dressed – The shockingly high cost of cheap fashion, p. 12. 275

CLINE, Elisabeth L. Over-dressed – The shockingly high cost of cheap fashion, p. 8. 276

CLINE, Elisabeth L. Over-dressed – The shockingly high cost of cheap fashion, p.12.

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descontos ou mesmo passar a noite em uma fila para ser a primeira pessoa a

ingressar na loja que está oferecendo uma promoção especial.277

Segundo a autora, moda é obsolescência, mudança, torna-se um processo

constante de compra, cujo ciclo está em aceleração.278

Sobre moda e obsolescência, Grossman assevera que é “muito fácil

confundir a obsolescência e as coisas que caíram de moda”. E completa dizendo

que na busca de estabelecer uma linha divisória entre ambas, a moda “vai e volta”

muitas vezes. O raciocínio é que “algum estilo se tornou obsoleto porque ficou por

muito tempo sem ser usado ou também porque foi suplantado por alguma coisa

que é percebida como uma categoria melhor, mais rápida, mais forte, de mais fácil

uso”279.

A obsolescência psicológica está muito presente no mercado da moda e o

mecanismo é criar instrumentos para o que consumidor realize compras

repetitivas, antes mesmo que seu produto de vestuário se tenha desgastado.

Nessa linha, é fácil perceber que não existe tanta diferença nas coleções

que são lançadas no mercado do vestuário de ano para ano em termos de

evolução e novos tecidos, materiais ou modo de fabricação/uso das vestimentas,

entre outros. Na verdade, o que ocorre entre um ano e outro é a mudança de estilo

e de cores, e o objetivo é fazer com que os consumidores realizem novas compras

para se adequar à nova moda.

O exemplo de Leonard, no citado vídeo “The story of stuff”280, serve para

ilustrar tal situação; trata-se da largura dos saltos dos sapatos femininos: em um

ano os saltos da moda são grossos, em outro são finos, alternando-se

sucessivamente. Essa mudança de espessura dos saltos de sapatos femininos,

observa a autora, não tem nenhum objetivo ergonômico ou ortopédico, visa apenas

uma alteração de estilo em decorrência da moda.

A moda é, nesse sentido, o principal exemplo de obsolescência

psicológica, uma vez que o uso do marketing e da publicidade tem o objetivo de

277

CLINE, Elisabeth L. Over-dressed – The shockingly high cost of cheap fashion, p. 6. 278

CLINE, Elisabeth L. Over-dressed – The shockingly high cost of cheap fashion, p. 7. 279

GROSSMAN, Anna Jane. Obsolete – an encyclopedia of once-common things passing us by, p. 17. 280

STORY OF STUFF PROJETC. The story of stuff. 2015. Disponível em: <http://storyofstuff.org/>. Acesso em: 30 mar. 2015.

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90

fazer com que o consumidor substitua o seu produto antes do desgaste apenas

porque ocorreu a troca de coleção.

5.2.3 A questão do “design”

A mudança de design ou estética de produtos, como visto anteriormente, é

uma das formas de fazer com que um produto se torne obsoleto.

Ao longo de vários anos e em diferentes mercados, o design, a moda ou as

mudanças estéticas têm sido usados para incitar os consumidores a adquirirem

novos produtos em substituição a outros que se tornaram obsoletos, pelo fato de

não estarem mais alinhados com os modelos novos lançados no mercado.

Grillo e Salles281 anotam que um novo movimento começa a aparecer

relativo ao design “retrô”. Nos últimos anos, alguns consumidores passaram a

venerar produtos com design retrô, como é o caso de toca-discos de vinil,

utensílios de cozinha, carros e outros.282

Durante muitos anos os designers defenderam que os produtos deveriam

ser agradáveis aos olhos e que a questão da utilidade deveria ser relegada a

segundo plano. Atualmente, este direcionamento está retornando, com o chamado

design emocional, aquele cujo produto apela para memórias afetivas dos

consumidores ou lhes confere algum status.283

Pela “ótica emocional”284, a utilidade do bem não precisa ser

necessariamente o fim a que se propõe, como por exemplo o espremedor de limão

desenvolvido por Phillipie Starck (tem um desenho pouco convencional se

comparado a outros). A ideia é que o produto, no caso do espremedor, não precisa

281

GRILLO, Cristina; SALES, Livia Cunha. Objetos que amamos. Revista Época, São Paulo, n. 883, 11 maio de 2015. p. 58-61. 282

GRILLO, Cristina; SALES, Livia Cunha. Objetos que amamos. Revista Época, São Paulo, n. 883, 11 maio de 2015. p. 58. 283

GRILLO, Cristina; SALES, Livia Cunha. Objetos que amamos. Revista Época, São Paulo, n. 883, 11 maio de 2015. p. 60. 284

GRILLO, Cristina; SALES, Livia Cunha. Objetos que amamos. Revista Época, São Paulo, n. 883, 11 maio de 2015. p. 60.

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91

atender a sua principal função, de espremer limões, mas servir igualmente como

objeto de decoração ou até mesmo ser o assunto de uma conversa.285

Outros exemplos podem ser aqui trazidos, mas, neste ponto, importa

mesmo é analisar o reflexo desse design ou ótica emocional em relação ao escopo

do presente estudo. Neste sentido, vale destacar que a concepção do designer

emocional não deseja que os consumidores preservem os seus produtos antigos,

estendendo sua vida útil ao máximo. Na verdade, o que se pretende é uma nova

compra de produtos que eventualmente se tornaram ultrapassados ou até mesmo

obsoletos, mas o seu design, sua estética, atrai emocionalmente o consumidor.

Ademais, os designers não estão gerando a obsolescência estética de

produtos, ao contrário, estão trazendo para a moda atual produtos que já deixaram

de ser atuais. Apesar de não ser um caso de obsolescência propriamente, com

essa concepção, busca-se a compra repetitiva de novos produtos.

5.3 ANÁLISE DOS MECANISMOS PREVENTIVOS OU REPARATÓRIOS

DISPONÍVEIS NO CDC

A obsolescência psicológica é a tipologia de obsolescência que tem como

principal característica a criação de um ambiente psicológico para criar o desejo no

consumidor de realizar a compra repetitiva ou de um novo produto. Trata-se de

uma situação não vinculada ao produto que está em poder do consumidor, mas

sim atuar na mente dele para que se convença de substituir um produto funcional

por outro.

Nessa tipologia, as figuras do marketing, da publicidade, da oferta são os

artifícios mais importantes para o fornecedor, razão pela qual serão analisados os

mecanismos legais disponíveis para proteger o consumidor neste aspecto.

Da mesma forma que na obsolescência técnica, o reflexo para o

consumidor da obsolescência psicológica não é um problema interno da relação de

consumo estabelecida com o fornecedor do produto.

285

GRILLO, Cristina; SALES, Livia Cunha. Objetos que amamos. Revista Época, São Paulo, n. 883, 11 maio de 2015. p. 60.

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O marketing, a publicidade e a oferta de um novo produto, a tendência, o

design, entre outros, não causam limitação de uso do produto em posse do

consumidor, isto é, o consumidor ainda está apto a utilizar o produto, que pode

estar em pleno funcionamento e atendendo ao fim a que se propôs.

O consumidor, por um fator externo à relação de consumo, optou por

substituir o produto, induzido pelo novo ambiente criado pelo fornecedor.

Novamente, não se pretende mitigar o problema, já que a decisão da compra do

novo produto, como se sabe, decorre de uma ação do fornecedor. O produto, em

si, está com as suas condições de funcionamento preservadas e atendendo ao fim

a que concepcionalmente se destinou.

De par com essa realidade, é necessário conhecer e examinar os

mecanismos preventidos e reparatórios colocados à disposição do consumidor, a

começar pela publicidade e pela oferta, e em seguida as práticas abusivas,

relacionando-as com a obsolescência psicológica.

Publicidade e oferta têm estreita relação com a questão da criação da

demanda e do consumo e também com a obsolescência psicológica dos produtos.

Antes de adentrar a análise, também é importante compreender o

significado de ambos os termos. Oferta é a ação de oferecer; fazer a proposta ou a

exposição de produtos. Publicidade, por sua vez, significa divulgação de fatos ou

informações a respeito de produtos, serviços ou instituições, utilizando os veículos

normais de comunicação, com o fim de influenciar o público consumidor.

De acordo com Federighi, definir publicidade “não é de fácil trato”286, e “não

porque a compreensão do conceito seja de difícil alcance, mas porque a dimensão

dela e o seu enquadramento jurídico não é unânime.”287

Para Kotler e Keller, os anúncios publicitários “são uma maneira lucrativa

de disseminar mensagens, seja para desenvolver uma preferência de marca, seja

para instruir as pessoas”288.

286

FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade abusiva – incitação à violência. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. p. 64. 287

FEDERIGHI, Suzana Maria Pimenta Catta Preta. Publicidade abusiva – incitação à violência, p. 64. 288

KOTLER, Philip; KELLER, Kevin Lane. Administração de marketing. 14. ed. São Paulo: Pearson Education, 2012.

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Benjamim289 apresenta o conceito formulado pelo Comitê de Definições da

American Association of Advertising Agencies (AAAA), segundo o qual:

“Publicidade é qualquer forma paga de apresentação impessoal e promoção tanto

de ideias, como de bens ou serviços, por um patrocinador identificado”.

Na interpretação de Miragem290, publicidade é toda informação dirigida ao

público com o objetivo de promover, direta ou indiretamente, a aquisição de

determinado produto ou serviço.

Segundo Dias, publicidade pode ser conceituada como:

[...] meio de divulgação de produtos e serviços com a finalidade de incentivar o seu consumo. Trata-se do duto par excellence através do qual se leva ao conhecimento dos consumidores em geral a existência de bens e serviços a serem examinados e eventualmente adquiridos.291

Ainda, com esteio em Eugênio Malanga: “Publicidade é a arte de despertar

no público o desejo da compra, levando-o à ação.”292.

Outra interpretação destaca que “a publicidade passa a adquirir também

uma função de informar o consumidor com a finalidade precípua de estimular

novas demandas; convencê-lo, por meio de persuasão, à aquisição de produtos e

serviços”293.

Diante do exposto, percebe-se que publicidade é a forma de instigar o

consumidor a ter desejo por determinado produto/serviço e então realizar a

compra.

O diploma consumerista, cumpre observar, não apresenta uma definição

de publicidade. O legislador do CDC apenas estabeleceu dois regimes de práticas,

que considera ilícitas, como a publicidade enganosa, conforme art. 37, § 1°294, e a

publicidade abusiva, conforme art. 37, § 2°295, do referido diploma legal.

289

BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcelos e. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. São Paulo: Forense, 1991. p. 322. 290

MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor: fundamentos dos direitos do consumidor; direito material e processual do consumidor; proteção administrativa do consumidor; direito penal do consumidor, p. 167. 291

DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães. Publicidade e direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 21. 292

Apud DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães. Publicidade e direito, p. 21-22. 293

DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães. Publicidade e direito, p. 27. 294

“Art. 37 [...] § 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.” BRASIL. Lei n.

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O regime da oferta segue o artigo 30 do CDC, que assim dispõe:

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.296

É importante destacar o que determina o artigo 31297 do CDC quanto ao

teor das informações que o fabricante disponibiliza no mercado de consumo:

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.298

A grande preocupação do legislador consumerista com a apresentação da

oferta e da publicidade de produtos/serviços contribuiu para a criação de um

mecanismo reparatório, conforme se verifica no comando do artigo 35, litteris:

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha: I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade; II - aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente; III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.

A disciplina desse dispositivo trata do princípio da vinculação da oferta ou

vinculação publicitária.

8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 mar. 2016. 295

“Art. 37 [...] § 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.” BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 mar. 2016. 296

BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 mar. 2016. 297

BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 mar. 2016. 298

BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 mar. 2016.

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Para Amaral Júnior, o princípio da vinculação publicitária se realiza de dois

modos diversos:

Se o fornecedor deixar de cumprir a oferta ou publicidade, ou, ainda, se não tiver condições de cumprir o que prometeu, o consumidor poderá escolher entre o cumprimento forçado da obrigação e a aceitação de outro bem de consumo. Se o contrato já tiver sido concluído, deixando, contudo, de mencionar algum elemento previsto na oferta ou publicidade, é licito ao consumidor exigir a sua rescisão, com restituição da quantia paga, mais perdas e danos.299

A publicidade integra a oferta e ambas passam a ser fonte de obrigação do

fornecedor, ou seja, figuram como um pré-contrato.

Isso significa que o fornecedor brasileiro deve prestar mais atenção nas informações que veicula, através de impressos, propaganda em rádio, jornais e televisão, porque estas já criam para ele um vínculo, que no sistema do CDC será o de uma obrigação pré-contratual, obrigação de manter a sua oferta nos termos que foi veiculada e cumprir com seus deveres anexos de lealdade, informação e cuidado – no caso de aceitação por parte do consumidor, a obrigação de prestar contratualmente o que prometeu ou sofrear as consequências previstas no art. 35.300

Conforme se verifica, a publicidade tem a finalidade de incentivar o

consumo, ou seja, fazer com que o consumidor compre um produto, contrate um

serviço ou mesmo utilize novamente o mesmo produto em função da moda.

A relação entre publicidade, oferta e demanda, e consumo repetitivo é

bastante nítida; quer dizer: publicidade e oferta são elementos que têm a clara

função de servir como estímulo para que o consumidor venha a realizar compras

de novos produtos, aumentando, assim, a demanda por determinado bem.

Agora, tendo em mente esses aportes doutrinários e legislativos, em

contraponto com a questão central do presente estudo, o fornecedor pode fazer a

publicidade de seu produto e comunicar o consumidor sobre um novo produto ou

uma nova tendência a ser lançada no mercado e, mais importante, influenciá-lo a

realizar a compra, aspecto que é o cerne da obsolescência. O fornecedor pode

ainda concretizar a venda repetitiva pelo mercanismo da oferta, vinculada ou não à

publicidade, conduta esta lícita e amparada pelo diploma legal consumerista.

299

AMARAL JUNIOR, Alberto. Proteção do consumidor no contrato de compra e venda. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. p. 239-240. 300

MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: RT, 2011. p. 775-776.

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Mesmo assim, o CDC demonstra aqui uma grande fragilidade na medida em que

não prevê nenhuma proteção específica em relação a publicidade e a oferta que

induzam o consumidor a realizar compras repetitivas.

O legislador do CDC estabeleceu alguns requisitos para a publicidade e

para a oferta. A publicidade deve ser clara, objetiva e com conduta adequada ao

preceito do código, proibida a publicidade enganosa e abusiva. Contudo, não cria

qualquer limite para a publicidade em relação à obsolescência, pelo contrário,

apenas dispõe que a publicidade tem o poder de influenciar o consumidor.

Os mecanismos de controle existentes, sejam eles exclusivamente

privados, públicos ou mistos, não são suficientes para tal controle ou limite.

A percepção que se tem é que o CDC, no que se refere ao aspecto

preventivo da publicidade, tem foco muito mais no aspecto de clara compreensão

do consumidor do produto ou do serviço oferecido, no sentido de que as

informações sejam acuradas e respeitados os requisitos do CDC relativos à

publicidade enganosa ou abusiva.

Como se vê, não houve preocupação em coibir a publicidade que utiliza a

obsolescência psicológica para influenciar a compra de produtos. Como exemplo,

pode-se citar a publicidade veiculada por um banco brasileiro com a qual adverte

seus clientes a terem cuidado ao utilizar os limites do cartão de crédito e do crédito

rotativo da conta corrente. Apesar de a mensagem não estar diretamente

relacionada com a questão da obsolescência, o banco procura conscientizar os

consumidores em relação ao uso excessivo do seus serviços e eventuais riscos ou

impactos financeiros negativos que podem resultar dos excessos no uso do

crédito.

Trazendo o exemplo para a questão da obsolescência, a melhor

abordagem deveria ser a comunicaçao ao consumidor da real necessidade da

aquisição de um novo produto por uma sugestão de marketing.

O aspecto reparatório está vinculado aos casos de publicidades que não

fornecem informações apropriadas, divergem dos produtos ou, no caso de

abusividade ou enganosidade, acabam convertidos em danos pagos pelo

fornecedor ao consumidor ou à coletividade de consumidores.

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A propósito da abusividade, o legislador do CDC elevou a proteção contra

práticas e cláusulas abusivas por parte do fornecedor como direito básico do

consumidor, demonstrando assim a importância desta questão.

Segundo Miragem301, entende-se por práticas abusivas:

[...] toda a atuação do fornecedor no mercado de consumo, que caracterize o desrespeito a padrões de conduta negociais regularmente estabelecidos, tanto na oferta de produtos e serviços quanto na execução na fase pós-contratual. Em sentido amplo, as práticas abusivas englobam toda a atuação do fornecedor em desconformidade com padrões de conduta reclamados, ou que estejam em desacordo com a boa-fé e a confiança dos consumidores.

Cláusulas abusivas são cláusulas inseridas nos contratos e decorrem da

“posição dominante do fornecedor em relação ao consumidor, que permitem a

imposição unilateral de condições contratuais prejudiciais aos consumidores”302.

Tais cláusulas violam a boa-fé objetiva das relações de consumo.

Uma das grandes missões do CDC era suprimir a abusividade nas

relações de consumo, prática303 comum na época da publicação do diploma de

proteção e defesa do consumidor.

Práticas abusivas, na opinião de Benjamin, são desconformidades com os

padrões mercadológicos de boa conduta no âmbito do mercado consumidor. Para

o autor, as práticas abusivas não se mostram como atividades enganosas, mas

sim como ações pré ou pós-contrato, cuja alta carga de imoralidade econômica e

de opressão podem causar danos ao consumidor.304

Lorenzetti anota que as práticas comerciais são procedimentos,

mecanismos, métodos ou técnicas utilizados pelos fornecedores para fomentar,

301

MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: fundamentos do direito do consumidor; direito material e processual do consumidor; proteção administrativa do consumidor; direito penal do consumidor, p.123. 302

MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: fundamentos do direito do consumidor; direito material e processual do consumidor; proteção administrativa do consumidor; direito penal do consumidor, p.124. 303

O dicionário De Plácito e Silva, define como Prática “no sentido de exercício ou de execução. Assim, p.rática de um ato ou de um negócio, entende-se a sua realização, execução ou feitura. DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Atualizadores Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 28. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 1.065. 304

BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Teoria da qualidade. In: _____; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscole (Coord.). Manual de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 215, 216.

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manter, desenvolver ou garantir a produção de bens e serviços ao destinatário

final.305

As práticas abusivas, afirma Rizzatto Nunes, “são ações ou condutas que,

uma vez existentes, caracterizam-se como ilícitas, independentes de se encontrar

ou não algum consumidor que se sinta lesado”306.

Santos traz um conceito bastante completo de práticas comerciais

abusivas:

[...] são todos os atos, condutas ou meios utilizados pelo fornecedor para levar o seu produto ou serviço ao mercado de consumo, visando a lucratividade e menor dispêndio, valendo-se de técnicas de marketing, de aproximação individual ou coletiva e de meios de comunicação, para que o consumidor tenha conhecimento e acesso ao produto ou serviços (ex. Publicidade, amostra grátis) ou para resguardar o fornecedor de qualquer ato de consumo que inviabilize a plena relação de consumo (ex.: consulta a órgãos de proteção ao crédito e fichas cadastrais para formação de perfil e verificação de viabilidade de aquisição e cumprimento de obrigação).307

No artigo 4º, inciso VI, o legislador do CDC introduziu o princípio da

coibição e da repressão eficientes relativamente a abusos praticados no mercado

de consumo, capazes de causar prejuízos aos consumidores como parte da

Política Nacional de Relações de Consumo. No artigo 6º, inciso IV, definiu como

direitos básicos do consumidor a proteção contra métodos comerciais coercitivos

ou desleais e contra práticas e cláusulas abusivas impostas no fornecimento de

produtos e serviços.

O artigo 39 do mesmo código de proteção do consumidor elenca as

práticas abusivas, de forma exemplificativa (numerus apertus)308:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

305

LORENZETTI, Ricardo Luis. Consumidores. Buenos Aires: Rubinzal Culzoni Editores, 2006. p. 136. 306

RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 493. 307

SANTOS, Fabiola Meira de Almeida. As práticas comerciais abusivas no mercado de consumo. In: _____; SODRÉ, Marcelo Gomes; CALDEIRA, Patrícia (Org.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 1. ed. São Paulo: Verbatim, 2009. p. 246-247. 308

MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: fundamentos dos direitos do consumidor; direito material e processual do consumidor; proteção administrativa do consumidor; direito penal do consumidor, p. 186.

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II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes; III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço; IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços; V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes; VII - repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos; VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro); IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais; X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços. XI - Dispositivo incluído pela MPV nº 1.890-67, de 22.10.1999, transformado em inciso XIII, quando da conversão na Lei nº 9.870, de 23.11.1999 XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério. XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido. Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.309

Na mesma trilha das práticas abusivas, é oportuno conhecer também as

práticas infrativas descritas no Decreto n. 2.181/1997:

Art. 13. Serão consideradas, ainda, práticas infrativas, na forma dos dispositivos da Lei nº 8.078, de 1990:

[...] IV - deixar de reparar os danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projetos, fabricação, construção, montagem, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos ou serviços, ou por informações insuficientes ou inadequadas sobre a sua utilização e risco; [...]

309

BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 mar. 2016.

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XXI - deixar de assegurar a oferta de componentes e peças de reposição, enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto, e, caso cessadas, de manter a oferta de componentes e peças de reposição por período razoável de tempo, nunca inferior à vida útil do produto ou serviço; [...].310

Em complementação, vale colacionar a seguinte disciplina do citado

decreto:

Art. 14. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir a erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedade, origem, preço e de quaisquer outros dados sobre produtos ou serviços. § 1º É enganosa, por omissão, a publicidade que deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço a ser colocado à disposição dos consumidores.311

Na avaliação de Marques, as práticas abusivas podem ser identificadas a

partir do elenco de cláusulas abusivas312 do artigo 51313 do CDC.

310

BRASIL. Decreto n. 2.181, de 20 de março de 1997. Dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC, estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, revoga o Decreto Nº 861, de 9 julho de 1993, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2181.htm>. Acesso em: 21 mar. 2016. 311

BRASIL. Decreto n. 2.181, de 20 de março de 1997. Dispõe sobre a organização do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC, estabelece as normas gerais de aplicação das sanções administrativas previstas na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, revoga o Decreto Nº 861, de 9 julho de 1993, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d2181.htm>. Acesso em: 21 mar. 2016. 312

MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p. 574. 313

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III - transfiram responsabilidades a terceiros; IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; V - (Vetado); VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

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A abusividade, conforme destaca Santos, “reside na ideia de não se

adequar ao sentido jurídico e aos valores de uma sociedade, uma conduta que

apresente ao fornecedor vantagens econômicas, políticas ou institucionais” 314.

Dessas lições, extrai-se que práticas abusivas são atividades do

fornecedor que não se adequam aos padrões e aos valores de boa conduta que

devem permear as relações do mercado de consumo. As práticas abusivas podem

ocorrer nas distintas fases do contrato (pré, pós, ou durante a sua execução) e

várias são as técnicas utilizadas pelo fornecedor com o objetivo de aumentar a sua

lucratividade, causando, em contrapartida, dano para o consumidor.

Igualmente, trazendo a questão das práticas abusivas para o tema central

deste estudo, pode-se dizer que o artifício da obsolescência psicológica não é

direta nem indiretamente tratado no âmbito da legislação protetiva do consumidor,

tanto no aspecto preventivo como no reparatório.

Pelo exposto, e com o olhar fixo nos princípios, nos direitos básicos e nas

demais disposições do CDC, percebe-se que não existe disposição específica que

tenha por objetivo proteger preventivamente o consumidor contra a obsolescência

psicológica praticada por fornecedores de produtos/serviços.

XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. § 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. § 3° (Vetado). § 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.” BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 mar. 2016. 314

SANTOS, Fabiola Meira de Almeida. As práticas comerciais abusivas no mercado de consumo, In: _____; SODRÉ, Marcelo Gomes; CALDEIRA, Patrícia (Org.). Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 259.

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No que se refere à proteção reparatória, o CDC também é bastante frágil,

uma vez que não existe possibilidade de o consumidor pleitear qualquer forma de

reparação em relação ao fornecedor.

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103

6 OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA

6.1 COMO O ARTÍFICO É COLOCADO EM PRÁTICA PELO FORNECEDOR

A terceira forma de obsolescência, na teoria de Slade, é a obsolescência

planejada ou programada. Nessa espécie de obsolescência, o fornecedor

deliberadamente manipula o produto para que falhe após um determinado período

de tempo.

Novamente, vale frisar que a falha de produto decorrente do uso, seja por

seu desgaste, defeito ou consumo do material, é considerada normal, uma vez que

todos os produtos têm uma expectativa de vida útil.

Ocorre a obsolescência programada quando o fornecedor

deliberadamente passa a usar a sua engenharia, o seu know how, para adulterar a

composição do produto, introduzindo materiais de menor durabilidade para fazer

com que o produto tenha uma vida menor, forçando o consumidor a adquirir um

novo.315

A obsolescência programada é a mais rica em termos de exemplos e por

esta razão merece uma abordagem mais detida.

Uma primeira maneira de o artifício da obsolescência programada ser

colocado em prática diz respeito à redução da vida útil do produto.

Com efeito, vida útil pode ser compreendida como espaço de tempo de

existência de determinada coisa (produto/serviço) durante o qual tenha algum uso

ou se preste para algum fim.

Na concepção de Cooper, a longevidade de um produto corresponde à sua

vida útil e depende da natureza (tipo), da forma de uso, da duração, da frequência

e da intensidade, mas a medida mais comum é o número de anos.316

A vida útil do produto depende dos materiais utilizados na sua confecção,

da qualidade do design, da manufatura e montagem, da qualidade do projeto, da

facilidade de manutenção e reparabilidade, e da possibilidade de atualização ou

315

SLADE, Giles. Made to break. Tecnology and obsolescence in America, p. 48. 316

COOPER, Tim. The significance of product longevity. In: _____ (Ed.). Longer lasting products – Alternatives to the throwaway society. United Kingdom: MPG Books Group, 2010. p. 8, 9.

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melhoria de seus componentes (upgrade). Todos estes aspectos resultam das

decisões dos fabricantes, que são influenciados pela estrutura do mercado e

respectivas condições, incluindo as demandas dos consumidores.317

Cooper ainda explica que:

[...] teoricamente a ‘vida técnica’ deve ser mais longa que a ‘vida em uso’ do produto, já que os produtos podem estar desatualizados, ou não serem mais necessários, ou ainda demandarem reparo que é considerado muito custoso, arriscado e/ou inconveniente. A ‘vida em uso’ do produto é menor que a ‘vida econômica’, sendo que esta última considerada quando o produto é descartado ainda funcionando ou quando é descartado pelo fato de demandar um custo de reparo.318

A vida útil do produto também é influenciada pelo ambiente em que opera,

como temperatura, humidade e luminosidade, e também pela intensidade e

cuidado de uso, aí incluída qualquer manutenção necessária.319

Importante destacar que a vida útil pode ser calculada e existem várias

ferramentas e metodologias disponíveis na área industrial para fazer o cálculo da

vida útil dos produtos colocados no mercado de consumo, de acordo com sua

natureza.

Apesar de não ser objetivo deste estudo discutir cada uma das ferramentas

de cálculo de vida útil de produto, não custa nada proceder a uma ligeira

abordagem sobre o tema.

Segundo Zarzar Júnior, o conhecimento da vida útil e da curva de

deterioração de cada material ou sua estrutura é fundamental na realização de

uma obra.320

O primeiro fator apontado por Jones é o Mean Time Between Failures

(MTBF) e significa a forma de determinar o tempo de vida útil de um sistema

durante a sua operação.321

317

COOPER, Tim. Longer lasting products – Alternatives to the throwaway society. England: Gower Publishing Limited, 2010. p. 16. 318

COOPER, Tim. The durability of consumer durables. Business Strategy and the Environment. Sydney, University of Technology, 3 (1) 1994, p. 24. 319

COOPER, Tim. Longer lasting products – Alternatives to the throwaway society, p. 16. 320

ZARZAR JR., Fuad Carlos. Metodologia para estimar a vida útil de elementos construtivos, baseado no método dos fatores. 2007. 173f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil)-Pontifícia Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2007. p. 28. 321

JONES, James V. Integrate logistics support handbook. 3rd

. edition. Local: McGraw-Hill Professional, 2006. p. 42.

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105

Oppenheimer322 comenta que o MTBF, um método inicialmente

desenvolvido pela indústria de computação, foi aplicado para medir o tempo que

um computador ou um de seus componentes opera antes de apresentar alguma

falha/defeito.

O conceito de MTBF tem sido usado por mais de sessenta anos,

principalmente nos setores de Tecnologia de Informação (TI) e telecomunicação,

como forma de auxiliar o processo de tomada de decisão. O MTBF possui mais de

vinte métodos ou procedimentos para determinação da vida útil do produto.323

Existem várias maneiras de fazer o cálculo do MTBF, segundo diferentes

padrões de qualidade internacionais, como MIL-HDBK 217, Telcordia, HRD5, entre

outros.

Outra forma de cálculo de vida dos produtos é o teste de vida acelerada –

Accelerated Life Test (ALT). O teste ALT é largamente utilizado na indústria pelo

aumento do nível de stress (temperatura, humidade, pressão, tensão) que o

produto suporta habitualmente. Quando submetido a um nível superior de pressão,

o produto tende a falhar mais rapidamente. Esse tipo de teste, com o auxílio da

estatística, auxilia os engenheiros a fazer o cálculo estimado da vida útil do

produto.324

Apesar de o método ou processo do cálculo de vida útil ter mais

proximidade com as áreas de engenharia e de administração, sabe-se que o

fabricante tem condição de calcular o prazo da vida útil de um determinado

produto, antes ou depois de lançá-lo no mercado de consumo.

Slade observa que as empresas não podem ser criticadas pelo fato de

legitimamente calcularem a vida útil e a morte de seus produtos325, o que não pode

ocorrer é deliberadamente fazerem alterações em seus produtos com o objetivo

reduzir-lhes o prazo de operação/duração.

322

OPPENHEIMER, Priscilla. Top-down netwrok design. 2nd edition, 2nd printing. Indianapolis, USA: Cisco Systems, Inc./Cisco Press, 2004. p. 34. 323

TORRELL, Wendy; AVELAR, Victor. Mean time between failures: explanation and standards. White paper 78 – Revision 1. APC by Scheneider Eletrics. 2010. Disponível em: <http://www.ptsdcs.com/wpp/APC/APC%20-%20Mean%20Time%20Between%20Failure%20Explanation%20and%20Standards.pdf>. Acesso em: 23 mar. 2015. p. 2. 324

MA, Haiming. New developments in planning accelerated life test. Doctor of Philosophy Dissertation. Iowa State University. 2009. Disponível em: <http://lib.dr.iastate.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2960&context=etd>. Acesso em: 21 abr. 2015. p. 1. 325

PACKARD, Vance. The waste makers. Introduction by Bill Mckibben, p. 69.

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106

Na opinião de Bayus, determinar o prazo de vida útil dos produtos não é

tarefa fácil. Para o autor, “[...] empiricamente é muito difícil encontrar dados

rigorosos para examinar o prazo de vida útil dos produtos, já que os dados

detalhados sobre o ciclo de vida do produto em vários mercados são difíceis de ser

obtidos [Tradução nossa]”326.

No passado, alguns fabricantes de televisores costumavam apontar a

quantidade de horas de uso dos aparelhos de tela de LCD, Plasma e LED.

Hodiernamente, tal prática desapareceu e não é mais possível encontrar tais

informações. Assim, não é possível saber qual é o tempo de vida útil do produto,

ou mesmo se o fornecedor utilizou algum artifício para reduzir a vida útil ou o prazo

de validade do produto.

A obsolescência programada não se limita apenas às situações aqui

mencionadas. Para enriquecer a análise, será necessário combinar a teoria da

obsolescência programada de Slade com o citado Parecer do Comité Econômico e

Social Europeu – CMMI/112.

Em suma, o Parecer CMMI/112 considera como uma das formas de

obsolescência a obsolescência técnica ou tecnológica, que apesar desta

denominação, guarda direta relação com o conceito de obsolescência programada

utilizado por Slade.

A obsolescência técnica se divide em quatro espécies: obsolescência por

vício funcional (’obsolescence par défaut fonctionnel), obsolescência por

incompatibilidade (l’obsolescence par incompatibilité), obsolescência indireta

(l’obsolescence indirecte) e obsolescência por notificação (l’obsolescence par

notification).327

Obsolescência por vício funcional caracteriza bem a obsolescência

programada, ou seja, trata-se de um recurso técnico existente no produto, cujo

326

BAYUS, Barry. L. An analysis of product lifetimes in a technologically dynamic industry. Management Science, California, USA, 44 (6), p. 763-775, 1998. p. 764. Disponível em: <http://public.kenan-lagler.unc.edu/faculty/bayusb/webpage/papers/shrinkingplc(mgs).pdf>. Acesso em: 12 mar. 2016. No original: “Empirically, it is very difficult to rigorously examine product lifetimes, since detailed data for the entire product life-cycle and at all the various product market levels are generally difficult to acquire”. 327

CENTRE EUROPÉEN DE LA CONSOMMATION. L´obsolescence programmée ou les dérives de la société de consommation p. 4. Disponível em: <http://www.europe-consommateurs.eu/fileadmin/user_upload/eu-consommateurs/PDFs/publications/etudes_et_rapports/Etude-Obsolescence-Web.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2015.

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objetivo é promover/antecipar o fim de sua vida útil. Ocorre este tipo de

obsolescência quando os fabricantes adicionam determinada peça no equipamento

com o intuito de provocar uma avaria e ele então deixa de funcionar, como é o

caso de produtos elétricos ou eletrônicos, como televisores, máquinas de lavar,

computadores e outros.328

A obsolescência por incompatibilidade ocorre principalmente na área de

tecnologia da informação. A ideia é tornar um produto inútil por não ser compatível

com versões futuras ou com as correntes tecnológicas disponíveis no mercado. É o

que acontece, particularmente, com softwares/programas de computador.329

A obsolescência indireta é a mais extrema porque torna os produtos

obsoletos, ainda que estejam em pleno funcionamento. A ideia, aqui, é fazer com

que produtos associados, relacionados ou acessórios, incluindo peças de

reposição ou consumíveis (exemplo, o papel de fax para equipamento de fac-

símile), tornem-se parcial ou totalmente indisponíveis, dificultando,

consequentemente, que o consumidor utilize o produto principal. Este é um

problema comum em telefones celulares e seus carregadores, como bateria, por

exemplo.330

A suspensão da produção de peças de reposição ou consumíveis é uma

poderosa ferramenta posta à disposição dos fabricantes em todos setores. Desta

feita, abandonar a produção ou comercialização de produtos ou acessórios

relacionados (cartuchos, peças de reposição, baterias etc.) impacta negativamente

o uso, a manutenção e a reparação correspondentes; em certas situações pode

tornar-se inviável ou até mesmo impossível.331

328

CENTRE EUROPÉEN DE LA CONSOMMATION. L´obsolescence programmée ou les dérives de la société de consommation p. 4. Disponível em: <http://www.europe-consommateurs.eu/fileadmin/user_upload/eu-consommateurs/PDFs/publications/etudes_et_rapports/Etude-Obsolescence-Web.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2015. 329

CENTRE EUROPÉEN DE LA CONSOMMATION. L´obsolescence programmée ou les dérives de la société de consommation p. 4. Disponível em: <http://www.europe-consommateurs.eu/fileadmin/user_upload/eu-consommateurs/PDFs/publications/etudes_et_rapports/Etude-Obsolescence-Web.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2015. 330

CENTRE EUROPÉEN DE LA CONSOMMATION. L´obsolescence programmée ou les dérives de la société de consommation p. 4. Disponível em: <http://www.europe-consommateurs.eu/fileadmin/user_upload/eu-consommateurs/PDFs/publications/etudes_et_rapports/Etude-Obsolescence-Web.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2015. 331

CENTRE EUROPÉEN DE LA CONSOMMATION. L´obsolescence programmée ou les dérives de la société de consommation p. 4. Disponível em: <http://www.europe-

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O Parecer do Comité Econômico e Social Europeu – CMMI/112 – também

reconhece a obsolescência indireta, que ocorre pela ausência de peças de

reposição para o reparo do produto, ausência de assistência técnica para a

reparação, ou também porque a reparação se mostra impossível (quando o

produto, por exemplo, é inviolável ou não permite que o maquinário/engrenagem

seja aberto).332

Porter leciona que a obsolescência indireta também ocorre em relação aos

produtos complementares; aqueles que só podem ser utilizados em conjunto, como

acontece com os discos estereofônicos (discos de vinil), que funcionam apenas em

aparelhos de áudio estereofônicos (tocadores de disco de vinil).333 Nesse caso, a

descontinuidade de um produto torna obsoleto o outro produto/componente

complementar ao primeiro.

A obsolescência por notificação, é uma forma bastante sofisticada de

“autoexpiração” dos produtos e não pode ser confundida com obsolescência

indireta, nem com qualquer forma de obsolescência por expiração.334

Ocorre obsolescência por notificação quando um fornecedor projeta um

produto que tem a capacidade de notificar o usuário de que é necessário fazer um

determinado reparo, manutenção ou substituição de peças, no todo ou em parte.

Este tipo de obsolescência pode ser visto em impressoras que informam ao

usuário que os cartuchos precisam de manutenção ou substituição e em

consommateurs.eu/fileadmin/user_upload/eu-consommateurs/PDFs/publications/etudes_et_rapports/Etude-Obsolescence-Web.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2015. 332

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU. Parecer. “Por um consumo mais sustentável: O ciclo de vida dos produtos industriais e informação do consumidor a bem de uma confiança restabelecida”. CMMI/112. Ciclo de vida dos produtos e informação ao consumidor. Relator Thierry Libaert e Correlator Jean Pierre Haber. Bruxelas, 17 de outubro de 2013, p. 5. Disponível em: <https://dm.eesc.europa.eu/eesc/2013/_layouts/WordViewer.aspx?id=/eesc/2013/10001999/1904/ces1904-2013_00_00_tra_ac/ces1904-2013_00_00_tra_ac_pt.doc&DefaultItemOpen=1&Source=http%3A%2F%2Fdm%2Eeesc%2Eeuropa%2Eeu%2Feescdocumentsearch%2FPages%2Fopinionsresults%2Easpx%3Fk%3Dciclo%2520de%2520vida>. Acesso em: 12 set. 2014. 333

PORTER, Michael E. Estratégia competitiva: técnicas para análise de indústria e da concorrência, p. 166. 334

CENTRE EUROPÉEN DE LA CONSOMMATION. L´obsolescence programmée ou les dérives de la société de consommation p. 4. Disponível em: <http://www.europe-consommateurs.eu/fileadmin/user_upload/eu-consommateurs/PDFs/publications/etudes_et_rapports/Etude-Obsolescence-Web.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2015.

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109

automóveis, quando comunica a necessidade de revisão obrigatória após um

determinado número de quilômetros rodados.335

Na obsolescência em virtude de expiração, como o nome sugere, o

fornecedor informa a data de expiração do produto. Pode-se, à primeira vista,

pensar em alimentos e em remédios, que possuem datas de validade por razões

óbvias de saúde e de segurança pública. Contudo, este tipo de obsolescência fica

caracterizada quando o fabricante deliberadamente reduz a vida útil do produto

indicando prazos de validade mais curtos, quando na verdade ainda pode ser

consumido/utilizado.336

Enfim, conhecidas as formas como o artifício da obsolescência

programada é utilizado pelos fabricantes, chega o momento de apresentar alguns

casos para aprofundar o assunto.

6.2 CASOS DE OBSOLESCÊNCIA PROGRAMADA

6.2.1 A centenária lâmpada de Livermore e o Cartel Phoebus

Em 1881, quando Thomas Edison criou suas primeiras lâmpadas

incandescentes, elas tinham vida útil de cerca de 1.500 horas. Quarenta anos mais

tarde, a vida útil média da lâmpada passou a ser de cerca de 2.300 horas.337

335

CENTRE EUROPÉEN DE LA CONSOMMATION. L´obsolescence programmée ou les dérives de la société de consommation p. 5. Disponível em: <http://www.europe-consommateurs.eu/fileadmin/user_upload/eu-consommateurs/PDFs/publications/etudes_et_rapports/Etude-Obsolescence-Web.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2015. 336

CENTRE EUROPÉEN DE LA CONSOMMATION. L´obsolescence programmée ou les dérives de la société de consommation p. 5. Disponível em: <http://www.europe-consommateurs.eu/fileadmin/user_upload/eu-consommateurs/PDFs/publications/etudes_et_rapports/Etude-Obsolescence-Web.pdf>. Acesso em: 24 mar. 2015. 337

OBSOLESCENCE-PROGRAMMEE.FR. Le Cartel Phoebus et les lampes à incandescense. Disponível em: <http://obsolescence-programmee.fr/exemples-symboliques/le-cartel-phoebus-et-les-lampes-a-incandescence/>. Acesso em: 1 set. 2014.

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110

Hoje, grande parte das lâmpadas incandescentes, apesar da

descontinuidade anunciada, possuem uma vida útil de 1.000 horas.338 Não é o que

acontece com a já centenária lâmpada de Livermore, instalada em uma central de

bombeiros, na cidade de mesmo nome, no norte da Califórnia, que está acesa há

mais de 110 anos.339 A lâmpada foi acesa em 1901 e apagada algumas vezes em

razão de cortes de energia e de mudança de prédio dos bombeiros em 1976.340

Reportagem da BBC informa que a lâmpada de Livermore tem até um

comitê, formado em seu centenário. Segundo o presidente do comitê, Lynn Owens,

um bombeiro aposentado: "Ninguém sabe como é possível uma lâmpada funcionar

por tanto tempo."341.

A lâmpada em questão, criada por um inventor chamado Adolphe A.

Chaillet, foi um presente para os bombeiros da cidade342; trata-se de uma lâmpada

incandesceste com filamento de carbono.343

Steve Bunn, que faz parte do comitê do centenário da lâmpada de

Livermore, acredita que a corrente baixa que alimenta a lâmpada de 60 watts pode

ter prolongado a sua vida, mas ninguém descobriu porque ela continua brilhando.

A longa vida útil da lâmpada foi reconhecida pelo Guinness World Record.344

A propósito do tema aqui enfrentado, cabe registrar que as lâmpadas

incandescentes tinham inicialmente uma vida útil de 1.500 horas, aumentando,

anos depois, para 2.300 horas. Na atualidade, após anos de evolução, as

lâmpadas têm apenas 1.000 horas de vida útil. Parte desta questão é respondida

quando se analisa o Cartel de Phoebus.

338

OSRAM. Produtos. Lâmpadas. Disponível em: <http://www.osram.com.br/osram_br/produtos/lampadas/lampadas-incandescentes/classic/classic-p/index.jsp>. Acesso em: 1 set. 2014. 339

CENTENIAL BULB. Centennial Light. Home of the words longest burning light bulb. Disponível em: <http://www.centennialbulb.org/facts.htm#anchor3216>. Acesso em: 28 ago. 2014. 340

BBC.Brasil. Lâmpada misteriosa está acesa há 110 anos nos EUA. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/videos_e_photos/2011/06/110616_lampada_110anos_video_fn.shtml>. Acesso em: 28 ago. 2014. 341

BBC.Brasil. Lâmpada misteriosa está acesa há 110 anos nos EUA. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/videos_e_photos/2011/06/110616_lampada_110anos_video_fn.shtml>. Acesso em: 28 ago. 2014. 342

BBC.Brasil. Lâmpada misteriosa está acesa há 110 anos nos EUA. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/videos_e_photos/2011/06/110616_lampada_110anos_video_fn.shtml>. Acesso em: 28 ago. 2014. 343

CENTENIAL BULB. Centennial Light. Home of the words longest burning light bulb. Disponível em: <http://www.centennialbulb.org/facts.htm#anchor3216>. Acesso em: 28 ago. 2014. 344

BBC.Brasil. Lâmpada misteriosa está acesa há 110 anos nos EUA. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/videos_e_photos/2011/06/110616_lampada_110anos_video_fn.shtml>. Acesso em: 28 ago. 2014.

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111

Phoebus foi o nome dado ao cartel internacional relacionado com as

lâmpadas incandescentes, em 1924.345 Apesar de a indústria de lâmpadas

incandescentes existir a quase meio século, quando o cartel nasceu, a

característica deste mercado era monopolista. O cartel foi o ponto culminante para

o desenvolvimento de um programa cujo objetivo era evitar a competição na

fabricação e na venda de lâmpadas elétricas.346

O acordo de cartel foi assinado em 23 de dezembro de 1924, entre Osram,

Philips, Tungsram, Associação Britânica de Indústria Elétrica (British Associated

Electrical Industries), Compagnie des Lampes, International General Electric de

Nova York, General Eletric de Londres (chamada de Overseas Group), que incluia

as subsidiárias da General Eletric de países como Brasil, China e México.347

Pela orientação do cartel, liderado pela General Eletric, as empresas

deveriam fazer um programa de padronização do produto oferecido (lâmpada

elétrica incandescente) com vistas a aumentar as vendas e isto implicava reduzir a

vida útil da lâmpada e eliminar a competição na qualidade do produto a ser

ofertado.348

Um representante da General Eletric mencionou que a estratégia era o

licenciamento de patentes e a padronização das lâmpadas para o modelo Mazda,

345

STOCKING, George W.; WATKINS, Myron W. Cartels in action - Case studies in international business diplomacy. New York: Twentieth Century Fund, 1946. John Hancock Institute for International Finance – Chapter VII. The Incandescent Electric Lamp Cartel. Disponível em: <http://libertyparkusafd.org/lp/Hancock/CD-ROMS/GlobalFederation%5CGlobal%20-%2032%20-%20Cartels%20in%20Action%20%E2%80%93%20Case%20Studies%20in%20International%20Business%20Diplomacy.html>. Acesso em: 7 mar. 2015. 346

STOCKING, George W.; WATKINS, Myron W. Cartels in action - Case studies in international business diplomacy. New York: Twentieth Century Fund, 1946. John Hancock Institute for International Finance – Chapter VII. The Incandescent Electric Lamp Cartel. Disponível em: <http://libertyparkusafd.org/lp/Hancock/CD-ROMS/GlobalFederation%5CGlobal%20-%2032%20-%20Cartels%20in%20Action%20%E2%80%93%20Case%20Studies%20in%20International%20Business%20Diplomacy.html>. Acesso em: 7 mar. 2015. 347

STOCKING, George W. & WATKINS, Myron W. Cartels in action - Case studies in International Business Diplomacy. New York: Twentieth Century Fund, 1946. John Hancock Institute for International Finance – Chapter VII. The Incandescent Electric Lamp Cartel. Disponível em: <http://libertyparkusafd.org/lp/Hancock/CD-ROMS/GlobalFederation%5CGlobal%20-%2032%20-%20Cartels%20in%20Action%20%E2%80%93%20Case%20Studies%20in%20International%20Business%20Diplomacy.html>. Acesso em: 7 mar. 2015. 348

STOCKING, George W.; WATKINS, Myron W. Cartels in action - Case studies in international business diplomacy. New York: Twentieth Century Fund, 1946. John Hancock Institute for International Finance – Chapter VII. The Incandescent Electric Lamp Cartel. Disponível em: <http://libertyparkusafd.org/lp/Hancock/CD-ROMS/GlobalFederation%5CGlobal%20-%2032%20-%20Cartels%20in%20Action%20%E2%80%93%20Case%20Studies%20in%20International%20Business%20Diplomacy.html>. Acesso em: 7 mar. 2015.

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que possibilitaria testes e resultados muito mais semelhantes.349 Como resultado

desta prática, as lâmpadas, que em 1925 duravam cerca de 2.500 horas, tiveram

sua durabilidade reduzida para apenas 1.000 horas.350

O gráfico apresentado a seguir mostra o declínio da durabilidade das

lâmpadas, evidenciando que os objetivos do Cartel Phoebus foram bem-sucedidos.

Gráfico 2 – Média de vida das lâmpadas, em número de horas (1926-1934)

Fonte: KRAJEWSKI351 Foto: Landesarchiv Berlin

A Osram, fabricante e membro do cartel, em seu material de comemoração

dos 100 anos de empresa faz menção ao acordo de Phoebus.352 Primeiramente, a

empresa confirma a missão de unir os fabricantes alemães e buscar cooperação

internacional e que o acordo (também chamado de “world light buld agreement”) foi

349

LEAGLE. United States vs. General Electric Co. Civil Action n. 1.364. December 22, 1939. Disponível em: <http://www.leagle.com/decision/194983582FSupp753_1667>. Acesso em: 7 mar. 2015. 350

ESPAÑA. RTVE - Radio y Televisión Española. “Comprar, Tirar, Comprar”. La historia secreta de la obsolescencia programada. Documentário 2010. 77min. Direção Cosima Dannoritzer e Steve Michelson. Roteiro: Coisam Dannoritzer. Fotografia Marc Martinez Sarrado. Música Composta por Marta Andrés, Joan Gil Bardagi. Espanha. Disponível em: <http://www.rtve.es/television/documentales/comprar-tirar-comprar/>. Acesso em: 27 maio 2014. 351

KRAJEWSKI, Markus. The great lightbulb conspiracy - The Phoebus cartel engineered a shorter-lived lightbulb and gave birth to planned obsolescence. 24 set. 2014. Disponível em: <http://spectrum.ieee.org/geek-life/history/the-great-lightbulb-conspiracy>. Acesso em: 8 mar. 2015. 352

OSRAM. 100 years of OSRAM – Light has a name. Brand Centenary 2006. Diponível em: <http://www.osram.com/media/resource/HIRES/334233/2591693/history---100-years-of-osram.pdf>. Acesso em: 7 mar. 2015.

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113

um marco em termos de abrangência internacional, envolvendo os principais

fabricantes do mercado.353

O acordo de Phoebus encerrou com o início da Segunda Guerra

Mundial.354

O Cartel de Phoebus, analisado pela Corte Norte-Americana, no caso

United States vs. General Electric Corp355, trouxe as seguintes conclusões:

Sem tentar enumerá-los na ordem de importância, as restrições individuais previamente determinadas de comércio e concorrência e as atividades que manifestam um monopólio podem ser assim resumidos: (1) Posição dominante na indústria da General Electric. (2) A falta de uma patente válida para sustentar limitações preço, quantidade e exportação para as lâmpadas elétricas, licenças de âmbito nacional na existência a partir de 1933. (3) A combinação e integração da Westinghouse, evidenciada pelo seguinte: (A) beneficiar de uma posição privilegiada no âmbito dos acordos de vidro com a Westinghouse; (B) a utilização mútua da marca Mazda pela General Electric e Westinghouse; (C) solicitação comum e eliminação de agentes; (D) utilização conjunta do supervisor do mercado;(E) esforço conjunto na angariação de serviços públicos; (E) esforços de cooperação em campanhas de vendas de lâmpadas tipo Mazda; (F) adesão da Westinghouse às restrições estabelecidas no acordo de mercado e uso de patentes. (4) Combinação com Corning para monopolizar a produção e a distribuição de lâmpadas de vidro, tubos e bengala. (5) A combinação com Corning, American Blank and Empire para restringir o comércio e a concorrência na fabricação e distribuição de máquinas para a fabricação de lâmpadas de vidro, tubos e bengala. (6) O emprego da International General Electric como um meio de eliminar a concorrência estrangeira através de: (A) empresas controladas no exterior; (B) acordo de Phoebus e acordo de 1941; (C) acordos separados entre a Internacional General Electric e os membros individuais da combinação Phoebus, abrangendo os termos gerais do acordo Phoebus e coordenadas com licenças de âmbito nacional da General Electric.

353

OSRAM. 100 years of OSRAM – Light has a name. Brand Centenary 2006. Diponível em: <http://www.osram.com/media/resource/HIRES/334233/2591693/history---100-years-of-osram.pdf>. Acesso em: 7 mar. 2015. p. 34-35. 354

OSRAM. 100 years of OSRAM – Light has a name. Brand Centenary 2006. Diponível em: <http://www.osram.com/media/resource/HIRES/334233/2591693/history---100-years-of-osram.pdf>. Acesso em: 7 mar. 2015. p. 39. 355

LEAGLE. United States vs. General Electric Co. Civil Action n. 1.364. December 22, 1939. Disponível em: <http://www.leagle.com/decision/194983582FSupp753_1667>. Acesso em: 7 mar. 2015.

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(7) O monopólio do mercado da lâmpada. (8) As restrições aos equipamentos de fabricação das lâmpadas. (9) Restrição aos fabricantes de filamentos e aos fornecedores de arame para fabricação de filamentos. (10) Os lucros da General Electric no mercado de da lâmpada elétrica incandescente. (11) Atividades de negócios públicos. (12) Monopólio de patentes lâmpada elétrica incandescentes. (13) Criação de restrições ilegais para concessão licenças de fabricação de lâmpadas fluorescentes. (14) O poder de intimidar e excluir fabricantes de lâmpadas elétricas incandescentes, como também de fixar os padrões de comportamento para a indústria. (15) A vigilância industrial das práticas de cada um dos fabricantes [Tradução nossa].356

Com base nessas considerações sobre o Cartel de Phoebus, pode-se dizer

que o mercado de lâmpadas incandescentes foi maculado por práticas

anticoncorrenciais e anticonsumerista, uma vez que ao deturpar a concorrência

mediante cartelização o acordo acabou reduzindo o número de horas de vida útil

de tais produtos para gerar a compra repetitiva por parte dos consumidores e,

assim, auferir maior lucro para os fabricantes.

A prática constatada no Cartel de Phoebus é um caso de obsolescência

programada porque, no caso das lâmpadas, reduziu a qualidade dos componentes

do produto para diminuir a sua vida útil, fazendo com que os consumidores

realizassem compras repetitivas em um prazo inferior ao que o estado da técnica

da época permitia.

6.2.2 Windows e Intel = Wintel

Nesta seção, a atenção se volta para a obsolescência causada por um

produto complementar ou entre dois produtos diretamente relacionados.

Wintel foi o nome que se tornou conhecido como a relação entre o sistema

operacional Windows, da Microsoft, e o fabricante de microprocessadores Intel. O

termo “Wintel” é o resultado da junção Windows com Intel.

356

LEAGLE. United States vs. General Electric Co. Civil Action n. 1.364. December 22, 1939. Disponível em: <http://www.leagle.com/decision/194983582FSupp753_1667>. Acesso em: 7 mar. 2015.

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115

Na década de 1990, quando foi cunhado o termo, a Intel e a Microsoft

tinham uma espécie de aliança para dominar o mercado de computadores

pessoais. A Intel fabricava processadores e chipsets, e ditava os padrões de

interfaces para os computadores pessoais (hardware). A Microsoft desenvolvia e

comercializada o Windows e outros softwares, moldando a base de código em

torno dos recursos oferecidos pelos novos processadores.357

Como resultado dessa parceria, cada nova versão do Windows exigia

processadores e computadores mais potentes, fazendo com que os usuários

acabassem trocando todo o computador. Desta maneira, as duas empresas

passavam a ter mais vendas de produtos, uma alavancando a outra. Oficialmente

nenhuma das empresas declarou a existência de uma aliança entre ambas, mas os

resultados para o mercado de consumo são claros.358

Nesse caso, as duas empresas colaboraram para que a obsolescência

fosse, pode-se dizer, de mão dupla, isto é, enquanto uma desenvolvia um software

mais complexo que dependeria de processadores mais céleres, outra desenvolvia

processadores mais rápidos sabendo que novos softwares estavam ou poderiam

ser colocados no mercado. No fim da cadeia quem acabava prejudicado era o

consumidor porque tinha de substituir o seu computador ainda em funcionamento

pelo fato de o atual não suportar, não “rodar”, as novas versões do sistema

operacional. Os usuários que já possuíam a nova versão do processador também

precisaram comprar um novo Windows porque a versão anterior estava

desatualizada. Tal situação, no entanto, não foi objeto de ação judicial. A ruptura

ocorreu na segunda metade da década de 2000, quando:

[...] a Intel teve que reduzir o consumo elétrico dos processadores e aumentar sua eficiência, enquanto a Microsoft manteve a velha política de inchar a base de código, lançando o Windows Vista, que foi vítima de um alto nível de rejeição e fez com que muitos usuários optassem por continuar com o Windows XP, prejudicando assim também as vendas da Intel.359

O principal ponto a ser evidenciado, nesse caso, é a relação entre duas

empresas que oferecem produtos complementares. É que a obsolescência

357

MORIMOTO, Carlos E. Intel e Microsoft: um relacionamento complicado. 8 abril 2011. Disponível em: <http://www.hardware.com.br/artigos/intel-microsoft/>. Acesso em: 17 maio 2015. 358

MORIMOTO, Carlos E. Intel e Microsoft: um relacionamento complicado. 8 abril 2011. Disponível em: <http://www.hardware.com.br/artigos/intel-microsoft/>. Acesso em: 17 maio 2015. 359

MORIMOTO, Carlos E. Intel e Microsoft: um relacionamento complicado. 8 abril 2011. Disponível em: <http://www.hardware.com.br/artigos/intel-microsoft/>. Acesso em: 17 maio 2015.

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116

causada por ambas acaba fazendo com que o consumidor adquira regularmente

os seus produtos.

6.2.3 PROTESTE: Pesquisa sobre garantia de produtos

O Instituto ProTeste360, em estudo sobre sobre garantia, constatou que

cerca de 45% dos produtos eletrônicos e eletrodomésticos comprados no Brasil

apresentaram algum tipo de vício361 antes de completar dois anos de uso.362

A entidade também registrou que 74% dos consumidores preferiram

substituir o aparelho que apresentou vício por um novo item, em vez de recorrer às

assistências técnicas.363

A mesma pesquisa ainda compara o prazo de garantia legal brasileiro, que

é de três meses, com o prazo de garantia legal de países como Portugal, Bélgica e

Espanha, que é de dois anos.364

O Gráfico 3 representa, em termos percentuais, as respostas dadas à

seguinte pergunta formulada na pesquisa: “Quando o produto quebrou pela

primeira vez estava na garantia?

360

PROTESTE. Associação Brasileira de Defesa do Consumidor. Disponível em: <www.proteste.org.br>. Acesso em: 8 jan. 2016. 361

Nota do Autor: A pesquisa da PROTESTE utiliza por diversas vezes o palavra defeito para referenciar vício do produto, para evitar qualquer problema, foi substituida a palavra defeito por vício para se adequar a metodologia do CDC. 362

PRÔA, Ana Lúcia et al. (Ed.). Pesquisa: Garantia - 45% dão defeito antes de dois anos. Revista ProTeste, Rio de Janeiro, ano XIII, n. 139, p. 26-28, setembro 2014. p. 26. 363

PRÔA, Ana Lúcia et al. (Ed.). Pesquisa: Garantia - 45% dão defeito antes de dois anos. Revista ProTeste, Rio de Janeiro, ano XIII, n. 139, p. 26-28, setembro 2014. p. 26. 364

PRÔA, Ana Lúcia et al. (Ed.). Pesquisa: Garantia - 45% dão defeito antes de dois anos. Revista ProTeste, Rio de Janeiro, ano XIII, n. 139, p. 26-28, setembro 2014. p. 27.

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117

Gráfico 3 – Vício do produto e prazo de garantia

Fonte: PRÔA365

De acordo com o Gráfico 3, na maior parte das vezes, ou seja, em 84,5%

das ocasiões, o produto deixou de funcionar quando o prazo de garantia ofertado

pelo fabricante já tinha expirado.

A pesquisa sobre garantia analisou também a questão do reparo dos

produtos: 69% dos consumidores que tiveram seus produtos avariados fora do

prazo de garantia não procuraram a assistência técnica, conforme ilustra o gráfico

seguinte.

365

PRÔA, Ana Lúcia et al. (Ed.). Pesquisa: Garantia - 45% dão defeito antes de dois anos. Revista ProTeste, Rio de Janeiro, ano XIII, n. 139, p. 26-28, setembro 2014. p. 27.

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Gráfico 4 – Assistência técnica de produtos fora do prazo de garantia

Fonte: PRÔA366

Os dados relativos aos consumidores que não procuraram a assistência

técnica e as respostas à questão “Por que não procurou uma assistência técnica?”

são resumidos no quadro seguinte.

Quadro 2 – Razão pela qual o consumidor não procurou uma assistência técnica

Considera a assistência técnica muito cara 59%

Preferiu comprar um aparelho mais moderno 18%

O aparelho já estava fora do prazo de garantia 15%

Não confia na assistência técnica 7%

Já havia consertado o aparelho, mas outros vícios começaram a

aparecer 2%

Já havia consertado o aparelho, mas o vício voltou a acontecer 0,2%

Outros 2%

Fonte: PRÔA367

366

PRÔA, Ana Lúcia et al. (Ed.). Pesquisa: Garantia - 45% dão defeito antes de dois anos. Revista ProTeste, Rio de Janeiro, ano XIII, n. 139, p. 26-28, setembro 2014. p. 27. 367

PRÔA, Ana Lúcia et al. (Ed.). Pesquisa: Garantia - 45% dão defeito antes de dois anos. Revista ProTeste, Rio de Janeiro, ano XIII, n. 139, p. 26-28, setembro 2014. p. 27.

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Em relação aos consumidores que levaram o aparelho para a assistência

técnica mas não realizaram o reparo, as respostas à questão “Por que não efetivou

o conserto na assistência técnica?” são tabuladas no quadro a seguir:

Quadro 3 – Razão pela qual o consumidor não efetivou o conserto na assistência técnica

O preço era muito alto 81%

O tempo de reparo era muito elevado 25%

Não havia peças de reposição disponíveis para o conserto 7%

O conserto não oferecia garantia 6%

Não encontrou nenhuma assistência 2%

Outros 2%

Fonte: PRÔA368

Com base nesses dados, pode-se dizer que aspectos como falta de

assistência técnica, garantia, falta de peças para reparo ou mesmo o custo para

realizar o reparo dos produtos são maneiras de induzir o consumidor a realizar o

consumo repetitivo do bem e, como apontado, pode ser considerada uma prática

de obsolescência indireta.

Na conclusão da pesquisa369, a recomendação apresentada foi a revisão

do prazo de garantia ofertado para os produtos no Brasil, uma vez que a maior

parte dos vícios dos produtos ocorre após um ano de uso. Este prazo é atualmente

considerado padrão de prazo de garantia ofertado para diversos produtos

disponibilizados no mercado de consumo brasileiro.

368

PRÔA, Ana Lúcia et al. (Ed.). Pesquisa: Garantia - 45% dão defeito antes de dois anos. Revista ProTeste, Rio de Janeiro, ano XIII, n. 139, p. 26-28, setembro 2014. p. 27. 369

PRÔA, Ana Lúcia et al. (Ed.). Pesquisa: Garantia - 45% dão defeito antes de dois anos. Revista ProTeste, Rio de Janeiro, ano XIII, n. 139, p. 26-28, setembro 2014. p. 28.

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6.2.4 Pesquisa Idec e Market Analysis: desempenho, durabilidade e ciclo de

vida de eletroeletrônicos

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) e o Instituto de

Pesquisa Market Analysis370 realizaram pesquisa sobre desempenho e

durabilidade de aparelhos eletroeletrônicos na visão do consumidor.371

Os dados coletados demonstram que a satisfação do consumidor sobre o

desempenho e a durabilidade dos produtos eletroeletrônicos é menor com relação

a aparelhos celulares e computadores, já que estes apresentam a maior frequência

de problemas de funcionamento, conforme demonstrado no quadro a seguir.

Quadro 4 – Vício(s)372 apresentado(s) e tempo de uso373

Percentual de aparelhos que apresentaram vício(s)

Tempo de uso dos aparelhos

32% computador 2,6 anos

22% celular 3,1 anos

21% lavadora de roupa 4,8 anos

17% impressora 2,9 anos

13% televisor 4,8 anos

11% DVD ou Blue-ray 3,9 anos

11% geladeira ou freezer 6,0 anos

9% câmera fotográfica 2,9 anos

9% micro-ondas 4,3 anos

8% fogão 5,6 anos Fonte Idec374

370

INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Testes e Pesquisas, Consumo Sustentável. Em cinco anos, metade dos computadores apresentará algum defeito. Disponível em: <http://www.idec.org.br/consultas/testes-e-pesquisas/em-cinco-anos-metade-dos-computadores-apresentara-algum-defeito>. Acesso em: 2 jan. 2014. 371

Sobre a pesquisa relativa ao ciclo de vida de eletroeletrônico, conferir: INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Ciclo de vida de eletrônicos. Outubro 2013. Disponível em: <http://www.idec.org.br/uploads/testes_pesquisas/pdfs/market_analysis.pdf>. Acesso em: 3 set. 2014. 372

Nota do Autor: A pesquisa da IDEC e Market Analysis utiliza por diversas vezes o palavra defeito para referenciar vício do produto, para evitar qualquer problema, foi substituida a palavra defeito por vício para se adequar a metodologia do CDC. 373

Segundo o IDEC a pesquisa foi feita por entrevista, por telefone, sendo 806 homens e mulheres, de 18 a 69 anos, de diferentes classes sociais das seguintes cidades: Belo Horizonte (MG), Brasília (DF), Curitiba (PR), Goiânia (GO), Porto Alegre (RS), Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA) e São Paulo (SP). O número de entrevistados em cada capital foi proporcional à população de cada capital. O levantamento foi feito entre agosto e outubro de 2013. A margem de erro é de 3,5% para mais ou para menos. INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Testes e Pesquisas, Consumo Sustentável. Em cinco anos, metade dos computadores apresentará algum defeito. Disponível em: http://www.idec.org.br/consultas/testes-e-pesquisas/em-cinco-anos-metade-dos-computadores-apresentara-algum-defeito>. Acesso em: 2 jan. 2014.

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O tempo de posse dos aparelhos, combinado com o número de problemas

relatados no período, resulta que, a cada cinco anos, 51,6% de todos os

computadores e 42,3% de todos os celulares do país apresentarão algum vício. No

que tange aos celulares, especificamente, a duração ideal é 77% maior que a

duração vivenciada (3 anos e 5,3 anos, respectivamente).375

A pesquisa realizada com o objetivo de identificar as expectativas dos

consumidores em relação à durabilidade dos aparelhos informa que, de modo

geral, os consumidores esperam que tenham uma vida útil de dois a três anos a

mais do que de fato têm hoje.

O gráfico apresentado a seguir registra o tempo que os consumidores

mantêm a posse dos equipamentos.

Gráfico 5 – Tempo de aquisição dos eletroeletrônicos

6

5,6

4,8

4,8

4,3

3,9

3,1

2,9

2,9

2,6

0 1 2 3 4 5 6

Geladeira ou freezer

Fogão

Televisão

Lavadora de roupas

Micro-ondas

DVD ou blue ray

Computador

Impressora

Câmera Fotográfica

Celular ou smartphone

Tempo que possui o equipamento (média em anos)

Fonte: Idec376

374

INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Testes e Pesquisas, Consumo Sustentável. Em cinco anos, metade dos computadores apresentará algum defeito. Disponível em: http://www.idec.org.br/consultas/testes-e-pesquisas/em-cinco-anos-metade-dos-computadores-apresentara-algum-defeito>. Acesso em: 2 jan. 2014. 375

INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Testes e Pesquisas, Consumo Sustentável. Em cinco anos, metade dos computadores apresentará algum defeito. Disponível em: http://www.idec.org.br/consultas/testes-e-pesquisas/em-cinco-anos-metade-dos-computadores-apresentara-algum-defeito>. Acesso em: 2 jan. 2014. 376

Vide INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Ciclo de vida de eletrônicos. Outubro 2013. Disponível em: <http://www.idec.org.br/uploads/testes_pesquisas/pdfs/market_analysis.pdf>. Acesso em: 3 set. 2014.

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O gráfico a seguir registra os percentuais de entrevistados que possuíam o

aparelho objeto da pesquisa pela primeira vez e que já haviam adquirido outros:

Gráfico 6 – Percentuais de entrevistados que adquiriram o eletroeletrônico (primeira aquisição e mais de uma aquisição)

Fonte: Idec377

Para 78% dos entrevistados, a durabilidade é um aspecto muito importante

a avaliar. Apenas 8% afirmam que no momento de adquirir um aparelho

eletroeletrônico/celular não se influenciam pelo fator “durabilidade”, conforme

demonstrado no quadro a seguir.

377

INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Ciclo de vida de eletrônicos. Outubro 2013. Disponível em: <http://www.idec.org.br/uploads/testes_pesquisas/pdfs/market_analysis.pdf>. Acesso em: 3 set. 2014.

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Quadro 5 – Preocupação com a durabilidade no momento de aquisição de um eletroeletrônico

Muito importante 78%

Parcialmente importante 7%

Nem muito nem pouco importante 2%

Pouco importante 2%

Nada importante 8%

Não sabiam/não responderam 4% Fonte Idec378

Em relação à expectativa de troca de aparelho, a pesquisa mostra os

seguintes dados, conforme Gráfico 7:

Gráfico 7 – Expectativa de troca no primeiro ano de aquisição – por tipo de aparelho

Fonte: Idec379

378

INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Testes e Pesquisas, Consumo Sustentável. Em cinco anos, metade dos computadores apresentará algum defeito. Disponível em: http://www.idec.org.br/consultas/testes-e-pesquisas/em-cinco-anos-metade-dos-computadores-apresentara-algum-defeito>. Acesso em: 2 jan. 2014. 379

INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Ciclo de vida de eletrônicos. Outubro 2013. Disponível em: <http://www.idec.org.br/uploads/testes_pesquisas/pdfs/market_analysis.pdf>. Acesso em: 3 set. 2014.

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A percepção do consumidor quanto ao tempo mínimo esperado de duração

dos produtos é demonstrada no gráfico seguinte.

Gráfico 8 – Tempo mínimo de duração dos bens adquiridos – por tipo

Fonte: Idec380

Segundo registrou o Idec/Market Analysis, o consumidor brasileiro está

muito satisfeito com o desempenho e com a durabilidade dos bens objeto da

pesquisa. Há ainda o reconhecimento de que a durabilidade é uma característica

importante dos equipamentos. Os consumidores, ademais, gostariam que os

aparelhos tivessem uma durabilidade maior – de 2 a 3 anos a mais do que

realmente duram.381

A conclusão apresentada pela pesquisa em comento pode ser um

indicador de que cada vez mais os fabricantes estão usando artifícios para reduzir

a vida útil do produto para induzir o consumidor a realizar compras repetitivas.

380

INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Ciclo de vida de eletrônicos. Outubro 2013. Disponível em: <http://www.idec.org.br/uploads/testes_pesquisas/pdfs/market_analysis.pdf>. Acesso em: 3 set. 2014. 381

INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Ciclo de vida de eletrônicos. Outubro 2013. Disponível em: <http://www.idec.org.br/uploads/testes_pesquisas/pdfs/market_analysis.pdf>. Acesso em: 3 set. 2014.

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6.3 ANÁLISE DOS MECANISMOS PREVENTIVOS OU REPARATÓRIOS

DISPONÍVEIS NO CDC

Segundo a tipologia de Slade, a terceira forma de obsolescência é a

obsolescência planejada ou programada. Considerada o tipo mais complexo de

obsolescência, tal prática ocorre quando o fornecedor deliberadamente manipula o

produto para que este venha a falhar após um determinado período de tempo.

A obsolescência programada pode ocorrer de diversas formas, como

apontado anteriormente, pela redução da vida útil do produto devido ao uso de

materiais inferiores, redução de prazo de validade de produtos de consumo; pela

colocação de produtos no mercado sem oferecer a possibilidade de reparo (por

sua impossibilidade per se ou por ausência de peças); ou ainda por formas

indiretas, como a impossibilidade de atualização do sistema operacional ou

ausência de consumíveis.

Diferente da obsolescência psicológica ou técnica, em que o produto na

posse do consumidor ainda está em pleno funcionamento e atendendo aos fins a

que se propõe, na obsolescência programada o produto é diretamente afetado e

para de operar, ou se está em operação deixa de atender aos fins que se propõe.

No que tange aos mecanismos preventivos colocados à disposição do

consumidor, alguns aspectos precisam ser analisados. O primeiro alude ao direito

de informação segundo o qual o consumidor pode exigir do fornecedor as

informações necessárias em relação ao produto que será adquirido.

Contudo, como a obsolescência programada é uma prática escusa,

eventual informação sobre a falha antecipada do produto, direta ou indiretamente,

é ocultada do consumidor.

No Brasil, o prazo de validade de produtos é objeto de distintas

legislações.

No âmbito do CDC, o legislador determinou no artigo 31 que toda oferta e

apresentação de produtos devem assegurar informações precisas, incluindo o

prazo de validade.382 O art.igo 18, § 6°, inciso I, do mesmo diploma, estabelece

382

O parágrafo único do artigo em questão determina ainda que, no caso de produtos refrigerados, o prazo de validade deve ser gravado de forma indelével.

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que são impróprios ao uso e consumo os produtos cujos prazos de validade

estejam vencidos.

A Lei n. 6.437, de 20 de agosto de 1977, que define as infrações à

legislação sanitária federal, em seu art. 10, inc. XVIII, consigna que é considerada

infração sanitária a ação de importar ou exportar, expor à venda ou entregar ao

consumo produtos de interesse da saúde com prazo de validade expirado, ou opor-

lhes novas datas, após expirado o prazo.

A Lei n. 6.360, no art. 67, inc. III, também considera infração a venda ou

exposição à venda produto cujo prazo da validade esteja expirado. O inc. IV do

mesmo artigo informa que é infração a aposição de novas datas em produtos cujo

prazo de validade haja expirado ou recondicionamento em novas embalagens,

excetuados os soros terapêuticos que puderem ser redosados e refiltrados.

O inciso IX do artigo 7° da Lei n. 8.137/1990 define que é crime contra as

relações de consumo vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de

qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria em condições impróprias ao

consumo.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por meio da

Resolução RDC n. 328/1999, no item 4.12, definiu que prazo de validade de

produto é a data limite para a sua utilização. Na Resolução RDC n. 157/2002, a

Anvisa novamente define que prazo de validade é o tempo durante o qual o

produto poderá ser usado, caracterizado como período de vida útil, fundamentada

nos estudos de estabilidade específicos. Há, ainda, a Resolução Anvisa RDC n.

259/2002, que ao tratar do regulamento técnico sobre rotulagem de alimentos

embalados, no item 6.6, definiu que todo produto embalado deve apresentar prazo

de validade.

A Associação Paulista de Supermercados (APAS) e o Procon/SP criaram a

campanha “de olho na validade”383, na qual o consumidor que encontrar produto

com validade vencida no ponto de venda receberá gratuitamente produto similar,

dentro do prazo de validade. A campanha, que é válida para produtos encontrados

dentro da área de venda (antes de passar pelo caixa), prevê o seguinte: se o

estabelecimento/loja não possuir o mesmo produto, deverá entregar ao cliente um

383

ASSOCIAÇÃO PAULISTA DE SUPERMERCADOS. De olho na validade. Disponível em: <http://www.portalapas.org.br/m5.asp?cod_noticia=14868&cod_pagina=1222>. Acesso em: 27 julho 2014.

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similar e de igual valor; se o consumidor encontrar mais de um item com o prazo

de validade vencido, receberá a mesma quantidade de produtos.

Segundo o Procon/SP384, trata-se de medida educativa e deve trazer

benefícios à população paulista, uma vez que poderá aprimorar os mecanismos de

controle para a identificação de produtos com prazo de validade vencido, além de

trazer uma compensação imediata ao consumidor.

Rizzatto Nunes entende que o prazo de validade dos produtos é garantia

de dupla face: “a.) garante ao consumidor que o produto até a data marcada se

encontra em condições adequadas de consumo; b.) garante o fabricante, produtor,

importador ou comerciante que, após a data marcada, o risco do consumo do

produto é do consumidor” 385.

Existem ainda produtos cujo prazo de validade é indeterminado, aqueles

que não têm um prazo para ser consumidos, como é o caso de eletrodomésticos,

automóveis, eletroeletrônicos, artigos de vestuário e de decoração. Alguns

produtos de alimentação podem ser assim considerados, como vinhos e bebidas

destiladas, cujo prazo de consumo pode prolongar-se por vários anos.

A legislação europeia, nos termos da Directiva 2000/13/CE, estabelece que

os produtos alimentícios comercializados na União Europeia devem ser

etiquetados conforme tal diretiva, além de informar: (i) data de consumo máximo,

correspondente ao tempo que razoavelmente se espera que o alimento mantenha

a sua qualidade, ou (ii) data de validade, ou seja, período durante o qual se espera

que o produto é seguro para o consumo desde que armazenado nas condições

especificadas.

A European Food Information Council (EUFIC), no artigo intitulado “La vida

útil de los alimentos y su importancia para los consumidores”, comenta a citada

diretiva da União Europeia e observa que alimentos com data de consumo máximo

são aqueles desidratados, congelados ou enlatados.386 Os alimentos que

apresentam data de validade são aqueles que dependem de um armazenamento

específico e, por suas características, podem apresentar risco de intoxicação se

384

FUNDAÇÃO PROCON-SP. De olho na validade. 3.06.2013. Disponível em: <http://www.procon.sp.gov.br/noticia.asp?id=3540>. Acesso em: 27 jul. 2014. 385

RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 245. 386

EUROPEAN FOOD INFORMATION COUNCIL. La vida util de los alimentos y su importancia para los consumidores. Disponível em: <http://www.eufic.org/article/es/artid/La_vida_util_de_los_alimentos_y_su_importancia_para_los_consumidores/>. Acesso em: 6 abr. 2015.

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consumidos após a data de validade indicada, como é o caso de alimentos lácteos,

refrigerados, carnes cozidas, saladas preparadas, entre outros.

Conforme observa a EUFIC:

Uma data de consumo preferencialmente máximo refere-se a um período durante o qual se espera, de forma razoável, que um alimento mantenha sua melhor qualidade, como, por exemplo, o sabor. Entre os alimentos que têm uma data de consumo máximo se incluem os produtos enlatados, os desidratados e os congelados [Tradução nossa].387

No mesmo artigo388, a EUFIC explicita que, regra geral, o tempo de vida

útil de um alimento é definido conforme a sua preparação pelo fabricante, suas

características (intrínsecas ou extrínsecas). A avaliação deve levar em

consideração os ingredientes utilizados, os processos de preparação, o tipo de

embalagem (a vácuo ou em atmosfera modificada). Os fabricantes, para definir a

vida útil de um produto, se necessário, podem realizar análises e estudos, incluindo

testes microbiológicos.

Além da Directiva 2000/13/CE, relativa a rotulagem, apresentação e

publicidade dos gêneros alimentícios, há o Regulamento (UE) 1169/2011, cujo

principal objetivo é simplificar as inúmeras normas relativas à rotulagem de

alimentos no âmbito da União Europeia. O Regulamento 2073/2005/CE dispõe

sobre critérios microbiológicos aplicáveis aos produtos alimentícios.

Nos Estados Unidos da América, segundo o Institute of Food

Technologists389, há pouca regulamentação sobre validade de produtos fornecida

pelo United States Department of Agriculture (USDA). Este órgão disponibiliza

apenas um folder com informações sobre prazo de validade da seguinte forma:

387

EUROPEAN FOOD INFORMATION COUNCIL. La vida util de los alimentos y su importancia para los consumidores. Disponível em: <http://www.eufic.org/article/es/artid/La_vida_util_de_los_alimentos_y_su_importancia_para_los_consumidores/>. Acesso em: 6 abr. 2015. No original: “Una fecha de consumo máximo preferente refleja el periodo durante el cual cabe esperar, de forma razonable, que un alimento conserve su mejor calidad, como, por ejemplo, el sabor. Entre los alimentos que tienen una fecha de consumo máximo preferente se incluyen los alimentos enlatados, los deshidratados y los congelados.”. 388

EUROPEAN FOOD INFORMATION COUNCIL. La vida util de los alimentos y su importancia para los consumidores. Disponível em: <http://www.eufic.org/article/es/artid/La_vida_util_de_los_alimentos_y_su_importancia_para_los_consumidores/>. Acesso em: 6 abr. 2015. 389

INSTITUTE OF FOOD TECNOLOGISTS. Food storage and shelf life. Disponível em: <http://www.ift.org/knowledge-center/learn-about-food-science/food-facts/food-storage-and-shelf-life.aspx>. Acesso em: 6 abr. 2015.

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a.) “Vendido até” (sell-by): refere-se ao tempo (período) que o produto

pode permanecer à disposição para venda, antes de começar a expirar

(shelf life);

b.) “Melhor se usado antes de” (Best if used by or before): refere-se à

data recomendada para consumo do produto, sendo seguro que

mantém suas qualidades e sabor;

c.) “Usar até” (use-by): refere-se à última data recomendada para uso do

produto.390

O prazo de validade é, portanto, o lapso de tempo durante o qual o produto

pode ser armazenado e consumido sem perder as suas características e sem

apresentar algum risco ao consumidor.

Tanto a redução da vida útil como o prazo de validade do produto são

artifícios que podem ser usados pelos fornecedores para induzir o consumidor à

compra repetitiva.

No caso do prazo de validade, a sua redução pode ocorrer apenas pela

alteração dos dizeres na embalagem do produto. Caso o fornecedor tente exercer

tal prática de forma ilegítima, ele fará a redução do prazo sem nenhum fundamento

técnico.

Bem importante é saber distinguir prazo de validade e prazo de garantia.

Prazo de validade, como visto, é o lapso de tempo que o fornecedor garante ao

consumidor que o produto até a data marcada se encontra em condições

adequadas de consumo, ou seja, decorre da própria natureza do produto. Prazo de

garantia, por sua vez, deve ser analisado em dois instantes. O primeiro trata da

garantia legal de adequação do produto, ou seja, é o prazo que o fornecedor

garante que o produto atende aos aspectos de qualidade, segurança, durabilidade,

desempenho, para atingir o fim a que se destina. O segundo momento se refere à

garantia contratual, que trata de um prazo adicional concedido pelo fornecedor

além da garantia legal de produtos que apresentem prazo de validade

indeterminado.

390

UNITED STATES OF AMERICA. Department of Agriculture. Food safety and inspection services – Food safety information – Food product dating. Disponível em: <http://www.fsis.usda.gov/wps/wcm/connect/19013cb7-8a4d-474c-8bd7-bda76b9defb3/Food_Product_Dating.pdf?MOD=AJPERES>. Acesso em: 6 abr. 2015.

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O prazo de validade e o prazo de garantia legal de adequação devem ser

semelhantes, ou seja, ambos devem ter o mesmo prazo

A propósito, a questão da garantia será aprofundada à frente, ainda neste

capítulo.

No caso da redução da vida útil, o fornecedor faz uso de técnicas ou

metodologias de engenharia para alterar o projeto do produto, seus materiais ou

utiliza técnicas de manufatura inferiores.

Contudo, não existe nenhuma legislação que obrigue o fornecedor a

informar o prazo de garantia para o consumidor. A situação piora quando se

verifica que também não existe normativa que obrigue o fornecedor a colocar no

mercado produtos com vida útil maior do que as versões anteriores, ou mesmo que

o obrigue a incluir no projeto ou no produto meios de permitir a atualização com o

objetivo de estender a sua vida útil.

O CDC também é omisso em estabelecer de forma expressa a obrigação

do fornecedor de apresentar a vida útil esperada do produto, mas apenas a

validade dos produtos perecíveis.

Ainda, no que tange ao prazo de validade, não existe nenhuma obrigação

do fornecedor de demonstrar ao consumidor como chegou a determinado prazo,

permitindo assim a redução do referido prazo se tiver a intenção de lesar o

consumidor.

Quando se menciona que há omissão do CDC quanto à proteção do

consumidor é porque, apesar de existir a obrigação de fornecer as informações, o

legislador consumerista não abordou o aspecto principal que é a vida útil/prazo de

validade e como o fornecedor chegou aos dados/valores que apresenta.

Em suma, o CDC não trata diretamente dos aspectos vida útil, prazo de

validade e obsolescência dos produtos. Contudo, o inciso IV do artigo 4º

demonstra a preocupação do legislador consumerista em garantir que os

fornecedores coloquem no mercado de consumo produtos que estejam de acordo

com as melhores práticas de controle de qualidade, conforme se infere da

disciplina do dispositivo citado:

Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem

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como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo; [...].

Benjamin, ao tratar da “Teoria da Qualidade”, observa duas órbitas

distintas quanto às garantias que devem ser dadas ao consumidor: incolumidade

físico-psíquica e incolumidade econômica:

A primeira centraliza suas atenções na garantia da incolumidade físico-psíquica do consumidor, protegendo sua saúde e segurança, ou seja, preservando sua vida e integridade contra os acidentes de consumo provocados pelos riscos de produtos e serviços. Esta órbita, pela natureza do bem jurídico tutelado, ganha destaque em

relação à segunda [grifo nosso].391

A segunda esfera de inquietação, diversamente, busca regrar a incolumidade econômica do consumidor em face dos incidentes (e não acidentes!) de consumo capaz de atingir seu patrimônio. Não obstante, em termos éticos, a proteção da incolumidade físico-psíquica do consumidor seja prioritária, são os ataques a sua incolumidade econômica que mais aparecem no seu

relacionamento com o fornecedor. [grifo nosso].392

Pode-se dizer, em síntese, que as garantias de incolumidade físico-

psíquica e de incolumidade econômica, respectivamente, protegem o “corpo” e o

“bolso” do consumidor.393

A disciplina do artigo 8º do CDC, a propósito, calha bem com a

incolumidade físico-psíquica, ao determinar que:

Art. 8° Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as informações necessárias e adequadas a seu respeito.

Parágrafo único. Em se tratando de produto industrial, ao fabricante cabe prestar as informações a que se refere este artigo, através de impressos apropriados que devam acompanhar o produto.

391

BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Teoria da qualidade. In: _____; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscole (Coord.). Manual de direito do consumidor, p. 100. 392

BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Teoria da qualidade. In: _____; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscole (Coord.). Manual de direito do consumidor, p. 100. 393

BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Teoria da qualidade. In: _____; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscole (Coord.). Manual de direito do consumidor, p. 101.

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De fato, o CDC impõe uma teoria de qualidade ao estatuir que os produtos

deverão atender a uma qualidade-segurança (artigos 8º a 17) e a uma qualidade-

adequação (artigos 18 a 25), sinalizando, assim, que o “dever de qualidade” que

deve acompanhar o produto/serviço é um dever inerente ao fornecedor: uma

verdadeira garantia implícita de segurança razoável e de adequação.394

Filomeno395, sobre a questão da qualidade dos produtos lançados no

mercado, bem observa:

Conceito de qualidade não é mais a adequação às normas que regem a fabricação de determinados produtos ou a prestação de um determinado serviço tão somente, mas principalmente a satisfação de seus consumidores, tem-se que cabe às próprias empresas o zelo por esse tipo de qualidade, até para seu crescimento.

A qualidade, nesse contexto, objetiva assegurar que os produtos/serviços

colocados no mercado de consumo estejam de acordo com as melhores práticas

de controle de qualidade e de segurança, mas não é só isso, pois intrínseca à

qualidade está a ideia de que os produtos devem também garantir a satisfação da

necessidade dos consumidores e os fins a que se destinam.

A análise desse aspecto permite constatar que o CDC prevê a obrigação

do fornecedor de colocar produtos que observem as melhores práticas de controle

de qualidade e de segurança, contudo, no que se refere à obsolescência

programada, a possibilidade de o consumidor utilizar este direito preventivamente é

bastante difícil.

A obsolescência é um mecanismo escuso do fornecedor no sentido de que

a exigência da prática da produção com qualidade pode ser facilmente ludibriada

pela apresentação de certificações de manufatura e operações, como é o caso das

normatizações International Organization for Standardization (ISO).

A conclusão a que se chega é que não obstante a previsão na legislação

protetiva, será bastante difícil e complexo para o consumidor usar o dever de

qualidade do fornecedor como forma de prevenir a obsolescência programada: o

394

BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. Arts 12 a 27. In: OLIVEIRA, Juarez de (Coord.) Comentários ao Código de Proteção do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 45. 395

FILOMENO, José Geraldo Brito. Dos direitos básicos do consumidor. In: BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcelos e (Coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 89.

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consumidor não detém o conhecimento necessário para aferir se foram adotadas

as melhores práticas de controle de qualidade e de segurança ao produto/serviço.

Em se tratando de mecanismos reparatórios do CDC, pontualmente sobre

a falha/defeito do produto, a primeira análise que sobressai é a do vício do produto.

Cavalieri Filho, em ligeira abordagem, menciona que vício é “defeito menos

grave, circunscrito ao produto ou serviço, que apenas causa o seu mau

funcionamento”396.

Miragem explica que vício do produto ou do serviço “abrange o efeito

decorrente da violação aos deveres de qualidade, quantidade ou informação,

impedindo, com isso, que o produto ou serviço atenda aos fins que legitimamente

dele se esperam (dever da adequação) “ 397.

Para Rizzatto Nunes, consideram-se vícios as características de qualidade

ou de quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios ou inadequados

ao consumo a que se destinam e também que lhes diminuam o valor. Da mesma

forma, são considerados vícios aqueles decorrentes da disparidade havida em

relação às indicações constantes no recipiente, na embalagem, na rotulagem, na

oferta ou na mensagem publicitária veiculada.398

Embora o artigo 18 do CDC se refira de maneira introdutória às espécies

vício de quantidade e vício de qualidade, “seus parágrafos e incisos disciplinam,

exclusivamente, a responsabilidade do fornecedor pelos vícios de qualidade dos

produtos, ou seja, por aqueles vícios capazes de torná-los impróprios, inadequados

ao consumo ou lhes diminua o valor”399.

A compreensão do que seja vício de quantidade de um produto não exige

muito esforço de raciocínio, pois se existe uma disparidade entre o volume ou a

quantidade efetivamente apresentada, o fornecedor é obrigado a responder pela

diferença, mas isso não tem grande relevância para o presente estudo.

Há autores que enfrentam a questão do vício como cumprimento imperfeito

da obrigação/contrato.

396

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de direito do consumidor, p. 267 397

MIRAGEM, Bruno. Direito do consumidor: fundamentos dos direitos do consumidor; direito material e processual do consumidor; proteção administrativa do consumidor; direito penal do consumidor, p. 309. 398

RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 236. 399

DENARI, Zelmo. Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos. In: BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcelos e (Coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 223.

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134

Guimarães, seguindo a doutrina espanhola de Diez-Pacazo e a italiana de

Maria Constanta, entende que:

O cumprimento imperfeito se refere a toda prestação realizada pelo devedor em que seu comportamento está em desacordo com o que foi previamente estipulado, em que seu agir não corresponde aos pressupostos e às condições que o pagamento exige para produzir os efeitos liberatórios da obrigação.400

E prossegue no ensinamento:

O cumprimento imperfeito é aqui diferenciado da inexecução contratual, uma vez que nele há o cumprimento de parte da obrigação, ou o cumprimento da obrigação com entrega da coisa ou do serviço, porém com imperfeições; nessas hipóteses, colocam-se à disposição do adquirente/usuário alternativas que não sejam a resolução do contrato ou a execução forçada da prestação.401

O cumprimento imperfeito do contrato, portanto, é o cumprimento de parte

da obrigação, porém com imperfeições. Nesse caso, o contratante poderá optar

por alternativas que não a resolução do contrato ou a execução forçada da

prestação.

O vício de qualidade do produto, por sua vez, pode ser analisado pelos

aspectos objetivo e subjetivo. O vício será objetivo “[...] quando a coisa não

apresentar qualidade normal em comparação às suas similares, como, por

exemplo, uma geladeira que não gela ou o elevador comprado para o prédio que

não permite o seu uso constante e diário” 402. O vício subjetivo decorre da ausência

de qualidade indicada ou prometida pelo alienante no momento anterior à

contratação. É o caso da pessoa que compra uma caixa de papelão não

apropriada para carregar livros só porque o vendedor disse que ela serviria para tal

fim.403

O legislador do CDC, no § 6° do artigo 18, assim consignou:

§ 6° São impróprios ao uso e consumo: I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;

400

GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. Vícios de produto e do serviço por qualidade, quantidade e insegurança: cumprimento imperfeito do contrato. 2. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2007. p. 136-137. 401

GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. Vícios de produto e do serviço por qualidade, quantidade e insegurança: cumprimento imperfeito do contrato, p. 137. 402

GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. Vícios de produto e do serviço por qualidade, quantidade e insegurança: cumprimento imperfeito do contrato, p. 156. 403

GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. Vícios de produto e do serviço por qualidade, quantidade e insegurança: cumprimento imperfeito do contrato, p. 157.

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II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam.404

Denari interpreta o dispositivo citado:

Da leitura do § 6° do Art. 18 se depreende que, dentre os produtos impróprios ao uso e consumo, estão elencados todos aqueles deteriorados, adulterados, falsificado, corrompidos ou fraudados, compreendendo, portanto, diversas condutas delitivas, que revelam um inevitável ponto de encontro com os dispositivos previstos na legislação dos crimes contra as relações de consumo.405

Os vícios apontados pelo autor podem ser considerados como

aparentes406 ou de fácil constatação.

Da mesma forma, o vício de qualidade alude àquelas situações que o

produto deixa de atender ao fim para o qual foi produzido, tornando-o impróprio,

inadequado ao uso ou consumo, ou de valor diminuído.

O vício de qualidade também pode ser caracterizado como cumprimento

imperfeito do contrato, isto é, o cumprimento de parte da obrigação, com

imperfeições, como mencionado linhas atrás.

Existe vício de qualidade nos produtos considerados impróprios ao uso ou

consumo, como é o caso de (i) produtos cujos prazos de validade estejam

vencidos; (ii) produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados,

corrompidos, fraudados; (iii) produtos considerados nocivos à vida ou à saúde,

perigosos ou, ainda, aqueles que estiverem em desacordo com as normas

regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; e/ou (iv) produtos

que, por qualquer motivo, revelem-se inadequados aos fins a que se destinam.

Trazendo a questão do vício para o âmbito da obsolescência programada,

o primeiro aspecto que merece análise se refere ao cumprimento imperfeito do

404

BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 mar. 2016. 405

DENARI, Zelmo. Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos. In: BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcelos e (Coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 223. 406

Luiz Antônio Rizzatto Nunes traz uma crítica ao termo aparente. Para ele o termo aparente “não é bom semanticamente falando. É que a palavra ´aparente´ tem sentido de ´aparência´, daquilo que não é real. E o vício, ao contrário, é bem rela. O Legislador quis aproveitar do vocábulo o sentido de aparecimento, do que aparece, mas ele não se presta a isso. Por isso, p.referimos abandonar seu uso e ficar apenas com a outra expressão ´de fácil constatação´. Essa sim diz respeito ao sentido desejado pela norma”. (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 346).

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contrato, valendo lembrar que sua alegação por parte do consumidor é difícil pela

ausência de prazo ou expectativa de vida útil do produto.

Além disso, no que se refere a aspectos indiretos, como o fornecimento de

consumíveis, não existe prazo para o fornecedor disponibilizar consumíveis no

mercado.

O vício de qualidade de produto é mais fácil de ser alegado pelo

consumidor, pois quando o produto para de funcionar, deixa de atender aos fim a

que se propõe ou por alguma razão se torna impróprio para o consumo. Nesse

caso, o consumidor poderá utilizar os mecanismos reparatórios previtos no CDC.

Assim, ocorrendo um vício de produto, o consumidor pode,

alternativamente, pleitear o ressarcimento ou a sua substituição, ou a

complementação do volume ou do peso, que não tem relação com a questão da

obsolescência.

O CDC também faculta que o consumidor pleiteie danos morais, danos

patrimoniais ou outros danos econômicos quando ocorrer vício de produto. O

consumidor ainda poderá, se for de seu interesse, exigir o reparo do aparelho, a

substituição de peças e partes que apresentam mau funcionamento, bem como a

complementação do volume ou da quantidade faltante.

Denari407, a respeito, observa “que o Código concedeu ao fornecedor de

bens o direito de proceder ao saneamento de vícios capazes de afetar a qualidade

do produto, no prazo de trinta dias, contados de sua aquisição”.

Caso o vício não seja sanado no prazo de trinta dias, com base no artigo

18 do CDC, o consumidor poderá exigir alternativamente e à sua escolha:

I – a substituição do produto por outro de mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III – o abatimento proporcional do preço.408

Na linha de entendimento de Cavalieri Filho: “O pleito da substituição do

produto poderá ocorrer quando, em razão da substituição das partes viciadas, for

407

DENARI, Zelmo. Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos. In: BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcelos e (Coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 224. 408

BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 mar. 2016.

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inócua ou impossível, ou vier a comprometer a qualidade ou as características do

produto.”409.

Ademais, quando o produto for indissociável, conforme apontado

anteriormente, o consumidor poderá pleitear a substituição do produto ou a

restituição da quantia paga, devidamente reajustada.

O prazo legal para saneamento dos vícios abrange somente produtos

industrializados dissociáveis, quer dizer: aqueles que permitam a dissociação de

seus componentes, como é o caso de eletrodomésticos, veículos de transporte,

computadores, armários de cozinha, copa ou dormitório. Se os vícios afetarem

produtos industrializados ou naturais essenciais que não permitem dissociação de

seus elementos, como ocorre com vestimentas, calçados, utensílios domésticos,

medicamentos, bebidas de todo gênero, produtos in natura, não se oferece a

oportunidade de reparações previstas alternativamente no § 1º do art. 18 do CDC,

como prevê expressamente o § 3º410, in fine.411

Nessas situações, o consumidor pode requerer a substituição do produto

ou mesmo a restituição da quantia paga, conforme se extrai do disposto no

parágrafo 4° do mesmo artigo do CDC:

Art. 18. [...] § 4° Tendo o consumidor optado pela alternativa do inciso I do § 1° deste artigo, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo do disposto nos incisos II e III do § 1° deste artigo.412

Além dessas possibilidades conferidas pela ordem legal, também pode

ocorrer a substituição por produto de mesma espécie, mas de outra marca, ou a

substituição por outro bem que não guarda nenhuma relação com o bem inicial, por

409

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil, p. 485. 410

“Art. 18 [...] § 3° O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1° deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial.” BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 mar. 2016. 411

DENARI, Zelmo. Capítulo IV – Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos. In: BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcelos e (Coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 224. 412

BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 mar. 2016.

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138

exemplo, substituição de um televisor por um computador, desde que respeitado o

direito do consumidor e que não lhe seja causado nenhum prejuízo.

Não é demais lembrar que grande parte dos fornecedores reconhece a

possibilidade de o consumidor utilizar as alternativas disponíveis apenas quando o

vício ocorre no prazo de garantia do produto.

Como no caso da obsolescência programada o fornecedor manipula o

produto usando sua engenharia para que este venha a falhar no momento definido

por ele, é plenamente possível que também planeje a falha após expirada a

garantia do produto. Por essa razão, é importante examinar a questão da garantia

e do vício oculto, começando pelos prazos para o consumidor reclamar os vícios.

Os prazos para reclamar vícios de produtos, no âmbito do CDC, são

estabelecidos no artigo 26, litteris:

Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis; II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.413

O início da contagem do prazo, conforme o disposto no § 1° do artigo em

comento, ocorre a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução

do serviço.

O critério utilizado pelo legislador para a definição dos prazos decorreu da

durabilidade do produto (produtos duráveis e não duráveis), conforme observa

Bessa.414

Partindo agora para a análise de vício oculto, colaciona-se a doutrina de

Rizzatto Nunes a respeito:

O vício oculto tem característica bastante duvidosa. O problema será considerado oculto quando: a.) não puder ser verificado no mero exame do produto ou serviço; b.) ainda não estiver provocado a impropriedade ou inadequação ou diminuição do valor do produto.415

413

BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 mar. 2016. 414

BENJAMIN, Antônio Herman; MARQUES; Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor, p. 55. 415

RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 236.

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A questão do vício oculto de produto é assim tratada por Marques:

Se o vício é oculto, porque ele se manifesta somente com o uso, a experimentação do produto ou porque se evidenciará muito tempo após a tradição, o limite temporal da garantia legal está em aberto, seu termo inicial, segundo o § 3º do art. 26, é a descoberta do vício. Somente a partir da descoberta do vício (talvez meses ou anos após o contrato) é que passarão a correr os 30 ou 90 dias. Será, então, a nova garantia eterna? Não, os bens de consumo possuem uma durabilidade determinada. É a chamada vida útil do produto.

Se o vício aparece no final da vida útil do produto, a garantia ainda existe, mas começa a esmorecer, porque se aproxima o fim natural da utilização dele, o produto atingiu já durabilidade norma, porque o uso e o desgaste como que escondem a anterioridade ou não do vício, são causas alheias à relação de consumo, como que se confundem com a agora revelada inadequação do produto para seu uso normal. É a ‘Morte’ dos bens de consumo.416

O autor observa ainda que “o vício é oculto se não estiver acessível e, ao

mesmo tempo, não estiver impedindo o consumo”417.

Denari assim se posiciona sobre o tema do vício oculto:

Quid juris se o vício somente se exteriorizar na fase mais avançada do consumo, após o término do prazo de garantia contratual? Para responder a essa indagação, é preciso ter presente que o consumo de produto ou serviço passa por uma fase de preservação, em que se busca manter a sua indenidade, ou seja, a incolumidade do bem ou do serviço colocado no mercado de consumo. Esse período de tempo costuma ser mensurado pelo prazo contratual de garantia. Portanto, é o próprio fornecedor quem determina o tempo de duração do termo de garantia, variável segundo a natureza do bem ou serviço. A fase subsequente é de conservação do produto ou serviço, pois, em função de sua degradação, passa a ser consumido sem garantia contratual do respectivo fornecedor, cumprindo ao consumidor arcar com os respectivos custos. [...] Significa dizer que a data-limite para efeito de exoneração da responsabilidade do fornecedor coincide com a data-limite da garantia legal ou contratual, e isso tem uma explicação muito simples: não se pode eternizar a responsabilidade do fornecedor por vícios ocultos dos produtos ou serviços.418

O vício oculto, em resumo, é todo vício que não está manifesto ou não é

facilmente constatado pelo consumidor.

416

MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor – o novo regime das relações, p. 1.253, 1.254. 417

RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 236. 418

DENARI, Zelmo. Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos. In: BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcelos e (Coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 346.

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140

Diante da inexistência de um dispositivo específico para tratar da

obsolescência no CDC, a melhor forma de fazer seu enquadramento é utilizar o

vício oculto, pelas seguintes razões. Primeiro, a obsolescência programada leva o

produto a deixar de atender os fins a que se propôs, como analisado

anteriormente. Segundo, trata-se de uma ação do fornecedor que deliberadamente

usa a própria engenharia para fazer o produto ter uma vida útil menor ou usa

outros artifícios para induzir o consumidor à compra repetitiva. No caso, pode-se

entender que o produto tem uma falha ou erro de projeto.

Além da relação individual do consumo, é necessário analisar a questão do

lote ou de todo o modelo ou família de produto via chamamento de produto ou

recall.

Em relação aos mecanismos reparatórios, consoante o que ocorre com o

vício, o consumidor pode pleitear o ressarcimento ou a sua substituição. Da

mesma forma, o CDC permite que o consumidor pleiteie danos morais, danos

patrimoniais ou outros danos econômicos quando tal ocorrer.

Quanto aos vícios ocultos, segundo o artigo 26, § 3°, do CDC, o prazo

decadencial inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito.

Por ora, salienta-se que não será analisada a relação entre obsolescência

programada e vício oculto porque seria prematuro fazê-lo sem tratar antes da

garantia.

De qualquer forma, é importante mencionar que quando a obsolescência

programada não é aplicada apenas a uma unidade do produto, mas sim ao lote ou

a todo o modelo do produto, o caminho é utilizar o recall ou chamamento dos

consumidores, conforme estabelece a Portaria n. 487/2012 do Ministério da

Justiça, que regulamentou o art. 10 do CDC.

Conforme o artigo 1 da citada Portaria, o recall só se aplica a produtos

colocados no mercado que apresentem alguma nocividade ou periculosidade para

o consumidor.

Diferentemente, na obsolescência programada a tendência é que o produto

não seja nocivo nem periculoso para o consumidor, mas sim pode ser detectada

uma falha no produto ou mesmo deixar de atender aos fins a que se propõe por

fatores diretos ou indiretos (consumíveis, peças etc.). Aqui, mais uma vez, verifica-

se que o recall não poderá ser usado em favor do consumidor.

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Conforme mencionado antes, ao lado da obsolescência, que reduz a vida

útil do produto, existe o dever de qualidade do fornecedor. Com esse pano de

fundo, passa-se agora a examinar se o CDC estabeleceu alguma linha reparatória

no que se refere à redução do prazo de vida útil.

O resultado de uma primeira análise aponta que não existe no CDC

nenhuma obrigação do fabricante em introduzir produtos com um prazo mínimo de

vida útil do produto. O mesmo ocorre quanto à obrigação de introduzir uma nova

versão do produto no mercado, que tenha vida útil mais longa que o produto

anterior ou mesmo que permita a sua atualização de modo a alongar a vida útil.

Na mesma trilha, o legislador consumerista não fixou nenhuma punição

nem mesmo algum mecanismo de reparação ao consumidor no caso de redução

deliberada da vida útil do produto pelo fornecedor. Pelo contrário, o CDC

estabelece que um produto pode ter sua vida útil reduzida devido ao mau uso por

parte do consumidor, quando então se configura uma excludente de

responsabilidade do fabricante.

O parágrafo 3º do artigo 12 do CDC prevê as situações de excludente de

responsabilidade:

§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.419

As hipóteses inscritas nos três incisos falam por si sós, ou seja, não há se

falar em dever de reparação se o fornecedor provar que não colocou o produto do

alegado dano no mercado (inc. I), tampouco se ficar comprovada a inexistência de

defeito (vício). Aqui, o raciocínio é mais óbvio: se não existe problema no produto,

o consumidor não sofreu nenhum dano (inc. II).

A hipótese estampada no inciso III do artigo colacionado, que interessa ao

escopo do presente estudo, alude à culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

A situação tem relação com mau uso, uso indevido ou uso em desacordo com o

manual do produto.

419

BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 mar. 2016.

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Com efeito, os fornecedores por exigência do CDC são obrigados a prestar

todas as informações sobre o produto, seu uso e riscos, como corolário de um

direito do consumidor inscrito no seguinte dispositivo: “Art. 6. [...] III - a informação

adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação

correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e

preço, bem como sobre os riscos que apresentem.”420.

O art. 31 do mesmo diploma de proteção do consumidor, de forma

complementar, dispõe que:

[...] oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.421

Assim, da análise dos dois artigos citados, extrai-se que é obrigação

daqueles que colocam produto no mercado de consumo detalhar a forma, as

condições de uso e o respectivo modo de operacionalização.

O CDC também não contempla disposição sobre a vida útil de produto

especificamente, mas permite ao fabricante definir o modo de uso do produto,

inclusive descrever as situações que terá a sua responsabilidade exonerada.

Note-se que com essa assertiva não se pretende lançar crítica ao comando

do artigo em comento, mas apenas demonstrar a sua pouca eficácia no que se

refere à proteção do consumidor contra a obsolescência programada.

Retomando o artigo 12 retrocitado, o fabricante, o produtor, o construtor,

nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da

existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por

defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas,

manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por

informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Como se vê, o CDC concebeu sistemas distintos para o vício e para o

defeito ao centrar a distinção entre ambos nas suas consequências, mas graves ou

menos graves, que acarretam para o consumidor.

420

BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 mar. 2016. 421

BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 mar. 2016.

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No entendimento de Cavalieri Filho: “Defeito é vício grave que compromete

a segurança do produto e/ou do serviço e causa dano ao consumidor. Já, o vício

em si, um defeito menos grave, circunscrito ao produto ou serviço que apenas

causa o seu mau funcionamento.”422.

Em se tratando de inclusão de artifício no produto, nas suas distintas

etapas – projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação –,

adotar o disposto no art. 12 do CDC como suporte legal como excludente de

responsabilidade pode ser um caminho para o fornecedor. Contudo, o CDC é bem

claro ao dispor que somente existe a obrigação de reparar quando o defeito do

produto gerar consequência indesejada para o consumidor.

Essas considerações permitem afirmar que a obsolescência programada,

que faz o produto deixar de funcionar ou de atender aos fins a que se propõe, não

se enquadra no mencionado art. 12 do do CDC.

Com a publicação do CDC, estabeleceu-se uma nova disciplina em relação

à garantia de produtos colocados no mercado de consumo. Anteriormente à

publicação deste código, eram os fornecedores que, discricionariamente, definiam

a forma, os prazos e as condições de garantia dos produtos/serviços, deixando,

assim, os consumidores desamparados.

Nos termos no artigo 4º, inciso II, alínea “d”, do CDC:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: [...] d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

Dos princípios do CDC, ressalta-se a garantia dos produtos e dos serviços

com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho

como uma ação governamental para proteger efetivamente o consumidor.

Rizzatto Nunes observa que o Estado não deve apenas garantir o acesso a

produtos e serviços, mas também assegurar que uma vez colocados no mercado

422

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil , p. 480.

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tenham a qualidade necessária e estejam adequados ao consumo, como reivindica

a ideia de segurança, durabilidade e desempenho.423

O primeiro conceito trazido pelo CDC se relaciona com a garantia legal de

adequação dos produtos/serviços, conforme se verifica no art. 24424. Trata-se de

garantia legal independente de termo expresso, sendo, portanto, vedada a

exoneração contratual pelo fornecedor.

Denari comenta que o citado artigo 24 do diploma legal consumerista tem o

objetivo de garantir a boa qualidade do produto ou serviço colocado no mercado de

consumo, ou seja, o produto não deve apresentar vícios ou defeitos que venham a

diminuir o seu valor ou torná-lo impróprio para uso ou consumo.425

Marques também assevera que:

[...] tal garantia impede que se estipulem cláusulas contratuais que impossibilitem, exonerem ou mesmo atenuem as obrigações pelos vícios de inadequação, dispostos nos arts. 18 a 23. A garantia de adequação do produto é um verdadeiro ônus natural para toda a cadeia de produtores que nasce com a atividade de produzir, de fabricar, de criar, de distribuir, de vender o produto. No sistema do CDC, ela é mais do que a garantia de vícios redibitórios, é garantia implícita ao produto, garantia de sua funcionalidade, de sua adequação, garantia que atingirá tanto o fornecedor direto como os outros fornecedores da cadeia de produção.426

Em rigor, a garantia de adequação “significa a qualidade para atingimento

do fim a que se destina o produto”427; é também uma segurança, uma certeza de

que o produto não vai causar danos ao consumidor.

A garantia de adequação também engloba a responsabilidade do

fornecedor no que tange à durabilidade e ao desempenho do produto.428

Cavalieri Filho, na mesma linha, afirma que:

A garantia de adequação do produto e do serviço é outro instrumento eficiente para a proteção contratual do consumidor.

423

RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 128. 424

“Art. 24. A garantia legal de adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor.” BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em: 10 mar. 2016. 425

DENARI, Zelmo. Da qualidade de produtos e serviços, da prevenção e da reparação dos danos. In: BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcelos e (Coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 237. 426

MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 403. 427

RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 342. 428

RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 342.

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Entende-se por garantia de adequação a qualidade que o produto e o serviço deve ter, em termos de segurança, durabilidade e desempenho, para atingir o fim a que se destina.429

A garantia, como aspecto definido em lei, implica que o fornecedor não

pode exonerar-se dela na via contratual.430

O fundamento da garantia decorre da produção para o consumo, da

participação do fornecedor/fabricante na cadeia de bens destinados ao

consumidor. Significa também a confiança do consumidor de que qualquer produto

colocado no mercado possui este dever legal, um novo ônus, com base na

obrigatória boa-fé do fornecedor.431

A garantia de adequação ainda deve observar o comando do inciso VIII do

artigo 39 do CDC, segundo o qual, é vedado ao fornecedor colocar no mercado de

consumo qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas

pelos órgãos oficiais competentes ou, se não existirem normas específicas, pela

Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), ou outra entidade credenciada

pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial

(Conmetro). Em outras palavras, o fornecedor tem de garantir que os produtos

colocados no mercado de consumo estejam em conformidade com as normas que

disciplinam a sua fabricação.

A garantia definida no CDC também se relaciona com a oferta, já que,

conforme a disciplina do artigo 30, toda informação ou publicidade, suficientemente

precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a

produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor e integra o

contrato que vier a ser celebrado.

O artigo 31, vale destacar, estabelece que a oferta e a apresentação de

produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas,

ostensivas e em língua portuguesa, sobre suas características, qualidade,

quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros

dados, o mesmo ocorrendo em relação aos riscos que apresentam para a saúde e

a segurança dos consumidores.

429

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor, p. 136. 430

ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor, p. 95. 431

MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor – O novo regime das relações contratuais, p. 1.238.

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A garantia de produtos se classifica em legal e contratual. A garantia legal

decorre da disciplina do art. 24 do CDC, nos seguintes termos: “A garantia legal de

adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a

exoneração contratual do fornecedor.”. A garantia contratual432 é uma faculdade do

fornecedor, complementar à legal, e será conferida mediante termo escrito. “Ao

contrário da garantia legal, que é sempre obrigatória, a garantia contratual é mera

faculdade, que pode ser concedida por liberdade do fornecedor.”433

Cavalieri Filho esclarece que a “garantia legal diz respeito ao prazo para

reclamar por vícios do produto ou do serviço, estabelecidos no art. 26 do CDC em

30 dias para produtos e serviços não-duráveis e 90 dias para produtos e serviços

duráveis (Incisos I e II do art. 26)”.434

Certo é que o CDC introduz no ordenamento jurídico brasileiro uma

garantia legal, imperativa e de adequação do produto, sem a possibilidade de

exoneração do fornecedor.435

Na garantia contratual, os termos e os prazos ficam ao alvedrio do

fornecedor, que pode estipulá-los conforme a sua conveniência.436. Essa garantia

contratual pode ser condicionada, ou seja, o fornecedor pode estabelecer os limites

e as condições de execução.437

Para Nery Junior, a garantia contratual tem um caráter complementar à

garantia legal438. Segundo o autor, “a garantia legal não pode ser excluída”439. A

garantia contratual, ao contrário, é concedida por mera liberalidade.440 E completa:

Os termos e prazos desta garantia ficam ao alvedrio exclusivo do fornecedor, que os estipulará de acordo com sua conveniência, a fim de que seus produtos ou serviços possam ter competitividade

432

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor, p. 136. 433

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor, p. 136. 434

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor, p. 136. 435

MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 403. 436

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de direito do consumidor, p. 136-137. 437

MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, p. 403. 438

NERY JUNIOR, Nelson. Da proteção contratual. In: BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcelos e (Coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. São Paulo: Forense, 2011. p. 566. 439

NERY JUNIOR, Nelson. Da Proteção Contratual. In: BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcelos e (Coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 566. 440

NERY JUNIOR, Nelson. Da Proteção Contratual. In: BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcelos e (Coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 566.

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no mercado, atendendo, portanto, aos princípios da livre iniciativa.441

O CDC, em resumo, estabeleceu duas modalidades de garantia a ser

fornecida ao consumidor. A primeira alude à garantia legal, que é obrigatória, não

podendo ocorrer a exoneração do fornecedor e independe de termo expresso. A

segunda é a garantia contratual, concedida por mera liberalidade, inclusive,

termos, condições e prazos desta garantia ficam condicionados ao arbítrio do

fornecedor, que os estipulará conforme sua conveniência, interesse ou mesmo em

razão de concorrência com outros produtos.

Sedimentado o conceito de garantia, chega o momento de examinar a sua

relação com a obsolescência programada, passando primeiramente pela discussão

que envolve o vício oculto e a garantia do produto.

Benjamin, a propósito, alerta que: “Diante de um vício oculto, qualquer juiz

vai sempre atuar casuisticamente. Aliás, como faz em outros sistemas legislativos.

A vida útil do produto ou serviço será um dado relevante na apreciação da

garantia.”442. E completa o raciocínio:

O legislador, na disciplina desta matéria, não tinha, de fato muitas opções. De um lado, poderia estabelecer um prazo totalmente arbitrário para a garantia, abrangendo todo e qualquer produto ou serviço. Por exemplo, seis meses (e por que não dez anos?) a contar da entrega do bem. De outro lado, poderia deixar - como deixou - que o prazo (trinta ou noventa dias) passasse a correr somente no momento em que o vício se manifestasse. Esta última hipótese, a adotada pelo legislador, tem prós e contras. Falta-lhe objetividade e pode dar ensejo a abusos. E estes podem encarecer desnecessariamente os produtos e serviços. Mas é ela a única realista, reconhecendo que muito pouco é uniforme entre os incontáveis produtos e serviços oferecidos no mercado.443

Em outra obra, Benjamin, Marques e Bessa asseveram que: “O critério da

vida útil confere coerência ao ordenamento jurídico e prestigia o projeto

441

NERY JUNIOR, Nelson. Da Proteção Contratual. In: BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcelos e (Coord.). Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 566. 442

BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcelos e. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 134-135. 443

BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcelos e. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 134.

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constitucional de defesa do consumidor, considerando sua vulnerabilidade no

mercado de consumo.” 444.

O Recurso Especial n. 984.106/SC (2007/0207915-3)445, de relatoria do

Ministro Luis Felipe Salomão, aborda a questão do critério da vida útil e do vício

oculto.

O citado acordão do STJ versa sobre ação ajuizada para cobrança de um

trator agrícola em 17.6.1997. Em outubro de 2000, três anos e quatro meses

depois da aquisição, o equipamento apresentou defeito. O reparo, realizado a

cargo da empresa autora da ação, envolveu a troca de uma peça que estava

defeituosa. Argumentou que a garantia contratual era de oito meses ou mil (1.000)

horas de uso, o que primeiro ocorresse, razão que a levava a pleitear o

ressarcimento dos custos envolvidos no reparo do trator. O réu contestou o pedido,

aduzindo que o defeito da máquina não decorreu de desgaste natural ou mau uso,

mas consistia em defeito de projeto, tratando-se, assim, de vício oculto e por isso

deveria o fornecedor responder pelo custo do reparo.

Analisando o mesmo acordão, os pontos principais que têm relevância

para o presente estudo são os seguintes:

4. O prazo de decadência para a reclamação de defeitos surgidos no produto não se confunde com o prazo de garantia pela qualidade do produto - a qual pode ser convencional ou, em algumas situações, legal. O Código de Defesa do Consumidor não traz, exatamente, no art. 26, um prazo de garantia legal para o fornecedor responder pelos vícios do produto. Há apenas um prazo para que, tornando-se aparente o defeito, possa o consumidor reclamar a reparação, de modo que, se este realizar tal providência dentro do prazo legal de decadência, ainda é preciso saber se o fornecedor é ou não responsável pela reparação do vício. 5. Por óbvio, o fornecedor não está, ad aeternum, responsável pelos produtos colocados em circulação, mas sua responsabilidade não se limita pura e simplesmente ao prazo contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio. Deve ser considerada para a aferição da responsabilidade do fornecedor a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia. 6. Os prazos de garantia, sejam eles legais ou contratuais, visam a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao

444

BENJAMIN, Antônio Herman; MARQUES; Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor, p. 162. 445

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 984.106/SC (2007/0207915-3). Relator Min. Luis Felipe Salomão. DJE 20/11/2012 RSTJ, v. 229, p. 462.

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desgaste natural da coisa, como sendo um intervalo mínimo de tempo no qual não se espera que haja deterioração do objeto. Depois desse prazo, tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa mesmo surgir. Coisa diversa é o vício intrínseco do produto existente desde sempre, mas que somente veio a se manifestar depois de expirada a garantia. Nessa categoria de vício intrínseco certamente se inserem os defeitos de fabricação relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, os quais, em não raras vezes, somente se tornam conhecidos depois de algum tempo de uso mas que, todavia, não decorrem diretamente da fruição do bem, e sim de uma característica oculta que esteve latente até então. 7. Cuidando-se de vício aparente, é certo que o consumidor deve exigir a reparação no prazo de noventa dias, em se tratando de produtos duráveis, iniciando a contagem a partir da entrega efetiva do bem e não fluindo o citado prazo durante a garantia contratual. Porém, conforme assevera a doutrina consumerista, o Código de Defesa do Consumidor, no § 3º do art. 26, no que concerne à disciplina do vício oculto, adotou o critério da vida útil do bem, e não o critério da garantia, podendo o fornecedor se responsabilizar pelo vício em um espaço largo de tempo, mesmo depois de expirada a garantia contratual. 8. Com efeito, em se tratando de vício oculto não decorrente do desgaste natural gerado pela fruição ordinária do produto, mas da própria fabricação, e relativo a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, o prazo para reclamar pela reparação se inicia no momento em que ficar evidenciado o defeito, não obstante tenha isso ocorrido depois de expirado o prazo contratual de garantia, devendo ter-se sempre em vista o critério da vida útil do bem. 9. Ademais, independentemente de prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum. Constitui, em outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma legítima e razoável, fosse mais longo [Grifo nosso].

Do voto do Ministro Luis Felipe Salomão, no relatório do Recurso Especial

em discussão446, extrai-se:

De fato, o fornecedor não está, ad aeternum, responsável pelos produtos colocados em circulação, mas, a meu juízo, sua responsabilidade não se limita pura e simplesmente ao prazo

446

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 984.106/SC (2007/0207915-3). Relator Min. Luis Felipe Salomão. DJE 20/11/2012 RSTJ, v. 229, p. 462.

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contratual de garantia, o qual é estipulado unilateralmente por ele próprio. Cumpre ressaltar que, mesmo na hipótese de existência de prazo legal de garantia, causaria estranheza afirmar que o fornecedor estaria sempre e sempre isento de responsabilidade em relação aos vícios que se tornaram evidentes depois desse interregno.

Mais à frente, no mesmo documento, reitera o Ministro447:

Deve ser considerada para a aferição da responsabilidade do fornecedor a natureza do vício que inquinou o produto, mesmo que tenha ele se manifestado somente ao término da garantia. Nesse passo, os prazos de garantia, sejam eles legais ou contratuais, visam a acautelar o adquirente de produtos contra defeitos relacionados ao desgaste natural da coisa, como sendo um intervalo mínimo de tempo no qual não se espera que haja deterioração do objeto. Depois desse prazo, tolera-se que, em virtude do uso ordinário do produto, algum desgaste possa mesmo surgir. Coisa diversa é o vício intrínseco do produto existente desde sempre, mas que somente veio a se manifestar depois de expirada a garantia, como é o caso de edifícios de estruturas frágeis que ruíram a partir de certo tempo de uso, mas muito antes do que normalmente se esperaria de um empreendimento imobiliário, de modo a ficar contrariada a própria essência do que seja um ‘bem durável’. Nessa categoria de vício intrínseco certamente se inserem os defeitos de fabricação relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, entre outros, os quais, em não raras vezes, somente se tornam conhecidos depois de algum tempo de uso, mas que, todavia, não decorrem diretamente da fruição do bem, e sim de uma característica oculta que esteve latente até então Um eletroeletrônico, por exemplo, mesmo depois do seu prazo contratual de garantia, não é feito para explodir, de modo que se tal acidente ocorrer por um erro de concepção nascido ainda na fabricação do produto - e não em razão do desgaste natural decorrente do uso -, é ele defeituoso, independentemente do término do prazo de garantia.

Os entendimentos colacionados explicitam que o fornecedor não poderá

ser eternamente responsabilizado pelos vícios de produtos duráveis colocados no

mercado de consumo, contudo, a responsabilidade por vícios ocultos não se limita

ao prazo contratual de garantia, prazo este definido unilateral e discricionariamente

pelo fabricante.

O prazo de garantia de determinado produto, seja legal ou contratual, visa

proteger o consumidor contra vícios aparentes e desgaste prematuro do bem

447

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 984.106/SC (2007/0207915-3). Relator Min. Luis Felipe Salomão. DJE 20/11/2012 RSTJ, v. 229, p. 462.

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adquirido. Encerrado tal prazo em virtude do uso ordinário do produto, é possível

que algum desgaste ocorra. Neste caso, trata-se de um desgaste da própria

natureza do bem e decorrente de seu uso comum. Diferentemente é o vício

intrínseco do produto existente desde sempre, mas que somente se manifestou

depois de expirada a garantia.

Nessa espécie de vício intrínseco, certamente, inserem-se os defeitos de

fabricação relativos a projeto, cálculo estrutural, resistência de materiais, por

exemplo. Esses tipos de vícios, não raro, sé se tornam conhecidos depois de

algum tempo de uso e não decorrem diretamente da fruição do bem, mas sim de

uma característica oculta que esteve latente até então.

O vício oculto não decorre do desgaste natural gerado pela fruição normal

do produto; ele pode ter como causa o próprio processo de fabricação do produto,

um erro de projeto, por exemplo.

O prazo para reclamação inicia no momento em que ficar evidenciado o

problema, mesmo que tal evidência venha a ocorrer após decorrido o prazo

contratual de garantia, já que este tem em vista o critério da vida útil do bem

"durável".

Referenciando o citado julgado do STJ com a doutrina apresentada, em

suma, pode-se dizer que o vício oculto não decorre do uso regular do produto, mas

sim de um fator decorrente do projeto, do desenvolvimento ou de sua fabricação.

O vício oculto pode ocorrer a qualquer momento, reitera-se, mesmo após

expirado o prazo da garantia legal do produto e é de responsabilidade do

fabricante arcar com o ônus do reparo ou substituição do bem, conforme o

interesse do consumidor, ou seja, este é o critério da vida útil.

A doutrina reconhece que no caso de o vício aparecer no fim da vida útil do

produto, a responsabilidade do fabricante começa a esmorecer, pois existe uma

expectativa do fim natural da utilização do produto decorrente de seu uso e natural

desgaste. A grande dificuldade é, pois, estabelecer qual o prazo de vida útil de um

produto para então definir a responsabilização do fabricante.

Pelo exposto, percebe-se que o caminho para explorar a questão da

obsolescência programada é o reconhecimento do vício oculto ou intrínseco e o

correspondente mecanismo previsto no CDC para reparar o consumidor.

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Contudo, a fragilidade da argumentação se deve à falta de informação

sobre a vida útil esperada do produto, que não é tratada pelo CDC.

No que toca às questões relacionadas a práticas e cláusulas abusivas por

parte do fornecedor, cujos conceitos já foram estudados anteriormente, neste

ponto cumpre apenas acrescentar que elas são refutadas pelo CDC, que as

combate pelo prisma de um direito básico do consumidor.

A prática do artifício da obsolescência programada, por sua vez, não é

direta nem indiretamente tratada pelo diploma consumerista e também não há

disposição de caráter preventivo e reparatório de práticas ou cláusulas abusivas a

respeito.

Aqui, novamente, percebe-se a fragilidade do CDC em relação à prática da

obsolescência.

A respeito, é importante destacar que o artigo 39 do Código, inciso VIII,

repetido no artigo 12, inciso IX, alínea “a”, do Decreto n. 2.181/1997, proíbe o

fornecedor de colocar no mercado de consumo qualquer produto ou serviço em

desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se

normas específicas não existirem, pela ABNT ou outra entidade credenciada pelo

Conmetro.

Não obstante essa orientação, a verdade é que não existe qualquer

normatização sobre a questão da obsolescência de iniciativa dos órgãos e

associações citados.

A impossibilidade de reparo e/ou substituição de peças, como apontado

anteriormente, é uma das formas utilizadas pelos fabricantes para causar a

obsolescência dos produtos e a consequente redução da vida útil.

O CDC, em seu artigo 32, disciplina que: “Os fabricantes e importadores

deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não

cessar a fabricação ou importação do produto.”. E o parágrafo único do mesmo

artigo completa: “cessada a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida

por período razoável de tempo, na forma da lei”.

Com base no citado dispositivo legal, componentes e peças de reposição

de produtos que deixaram de ser fabricados ou aqueles que foram substituídos por

novos modelos devem estar disponíveis no mercado "por um período razoável de

tempo".

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O Decreto-Lei n. 2.181/1997, no artigo 13, inciso XXI, dispõe que o período

razoável nunca pode ser inferior à vida útil do produto.

O Projeto de Lei n. 2.444/2000, apresentado pelo deputado Pompeo de

Mattos (PDT-RS), arquivado em 31 de janeiro de 2011, propunha a alteração do

artigo 32 do CDC. O objetivo era obrigar as empresas a não cessarem a produção

de peças de reposição em prazo inferior ao tempo de duração média do produto.

Pelo propósito do Projeto de Lei em comento, percebe-se que o CDC não

consegue garantir a disponibilidade de peças no mercado, já que o prazo razoável

de tempo regulamentado não é suficientemente claro, permitindo eventuais abusos

por parte do fornecedor.

Mas há que se seguir com a análise, evidenciando novamente o fato de

não existir proteção suficiente do CDC nestes aspectos.

Uma das formas de criar a obsolescência é a impossibilidade do

fornecimento de consumíveis, que pode ser até mais sério que o fornecimento de

peças de reposição, por exemplo, aparelhos e fac-símiles, que não podem operar

sem o fornecimento do papel especial. Além disso, existe o problema da

compatibilidade com outros equipamentos, ou mesmo a versão de software, que

pode limitar ou impossibilitar o produto de atingir os fins a que se propõe.

Há dois outros aspectos, que não são endereçados no CDC: o primeiro

alude à decisão de compra e à vida útil do produto; o segundo se refere à vida útil

e ao custo.

O Comité Econômico e Social Europeu448, no parecer intitulado “Por um

consumo sustentável”, defende que o tempo de vida do produto ou número de

utilização previsto seja sempre indicado, de modo que o consumidor possa

escolher com conhecimento de causa e evitar prejuízos econômicos ou ser

ludibriado.

O raciocínio proposto é a comparação de dois produtos: um de valor

superior e com vida útil/número de utilização superior; outro com valor menor e

448

COMITÉ ECONÓMICO E SOCIAL EUROPEU. Parecer. “Por um consumo mais sustentável: o ciclo de vida dos produtos industriais e informação do consumidor a bem de uma confiança restabelecida”. CMMI/112 .Ciclo de vida dos produtos e informação ao consumidor. Relator Thierry Libaert e Correlator Jean Pierre Haber. Bruxelas, 17 de outubro de 2013, p. 2. Dsponível em: <https://dm.eesc.europa.eu/eesc/2013/_layouts/WordViewer.aspx?id=/eesc/2013/10001999/1904/ces1904-2013_00_00_tra_ac/ces1904-2013_00_00_tra_ac_pt.doc&DefaultItemOpen=1&Source=http%3A%2F%2Fdm%2Eeesc%2Eeuropa%2Eeu%2Feescdocumentsearch%2FPages%2Fopinionsresults%2Easpx%3Fk%3Dciclo%2520de%2520vida>. Acesso em: 12 set. 2014.

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com vida útil/número de utilização inferior. Quando comparados o tempo de

duração e o valor pago em ambos os produtos, constata-se que o primeiro produto,

mais caro, pode ser mais benéfico ao consumidor.

Como todo consumidor que adquire um produto durável tem a expectativa

de que vá atender aos fins a que se propõe e por um prazo mínimo, entender a

vida útil de um produto pode ser um fator determinante para a decisão de compra

em relação a outro que lhe é oferecido.

O exemplo de um consumidor que deseja adquirir um refrigerador, embora

singelo, serve para explicar o que se acaba de afirmar. A compra de um

refrigerador por um valor de R$ 400,00 pode parecer um bom negócio quando a

média dos produtos semelhantes tem valor acima de R$ 1.000,00. Mas o cenário

mudará quando o consumidor verificar que a vida útil do refrigerador de R$ 400,00

é inferior a dois anos e que aqueles com valor acima de R$ 1.000,00 têm vida útil

esperada de mais de 13 anos.

A grande preocupação é com os consumidores de classes menos

favorecidas, que por sua limitação financeira acabam tomando a decisão de

compra apenas em função do valor do produto.

O mercado brasileiro de consumo, bem sabemos, oferece um sem-número

de produtos ao consumidor. Em cada segmento de mercado existe igualmente um

grande número de fabricantes que oferecem diversos modelos do mesmo produto.

Todos estes fornecedores estão interessados em comercializar seus produtos e

neste cenário o consumidor não raro se vê desamparado para fazer a melhor

compra. O CDC, por sua vez, não reguarda o assunto com o manto da proteção

em face da parte mais forte da relação de consumo – o fornecedor –, deixando o

consumidor exposto.

Outro aspecto que deve ser considerado é o custo de manutenção ao

longo da vida útil do produto, ou seja, é importante verificar se há outros custos

associados à manutenção do produto. Como exemplo, pode-se citar o caso de um

consumidor que adquire um veículo, mas ao longo da vida útil o custo de

manutenção se mostra muito alto quando comparado com outras marcas. Neste

caso, mesmo que o valor inicial da compra e a vida do útil do bem sejam o melhor

negócio para o consumidor, a informação do custo de manutenção é muito

importante na medida em que pode evitar que o consumidor seja lesado.

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Ainda, no exemplo do veículo, alguns demandam manutenção e troca de

óleo a cada 5.000 quilômetros rodados, outros só a cada 10.000 quilômetros.

Neste caso, o consumidor tem grande chance de arcar com um custo muito

superior com trocas de óleo se optar por aquele cuja prazo de manutenção é

inferior, isto sem contar o incomodo de deixar de utilizar o veículo mais vezes

porque as manutenções são mais frequentes.

Aqui, igualmente, não há nenhuma proteção do CDC para o consumidor

em relação ao custo associado à manutenção do produto.

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156

7 PROPOSTAS PARA SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS APONTADOS

A ausência de legislação específica e a fragilidade do CDC em relação à

vida útil e à obsolescência de produtos permitem engendrar algumas propostas na

tentativa de aumentar o leque de proteção do consumidor.

As soluções aqui apresentadas extrapolam a seara jurídica, algumas foram

pinçadas de referências existentes em outros países, outras trazidas pelos próprios

fabricantes.

7.1 PROJETOS DE LEI N. 5.367/2013 E N. 3.903/2015

O Projeto de Lei n. 5.367/2013, da deputada Andreia Zito (PSDB-RJ),

ainda em análise na Câmara dos Deputados, obriga o fornecedor de bens de

consumo duráveis a prestar informação ao consumidor sobre o tempo de vida útil

do produto. A informação da vida útil deverá ser clara, precisa, ostensiva e em

língua portuguesa. 449

Uma das justificativas apresentadas é a de que muitos fornecedores,

principalmente de eletrodomésticos e de eletroeletrônicos, reduzem a vida útil de

produtos e dificultam o conserto para garantir que sejam utilizados pelo menor

tempo possível, acelerando o ciclo de consumo, características da obsolescência

programada.450

Nesse cenário, os produtos são arquitetados pelos fabricantes para durar

pouco, isto é, são confeccionados com qualidade inferior, gerando dois problemas

449

HAJE, Lara. Fornecedores terão de informar durabilidade de bens de consumo. Edição Marcos Rossi. 15.07.2013. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/CONSUMIDOR/447724-FORNECEDORES-PODERAO-TER-DE-INFORMAR-DURABILIDADE-DE-BENS-DE-CONSUMO.html>. Acesso em: 2 set. 2014. 450

HAJE, Lara. Fornecedores terão de informar durabilidade de bens de consumo. Edição Marcos Rossi. 15.07.2013. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/CONSUMIDOR/447724-FORNECEDORES-PODERAO-TER-DE-INFORMAR-DURABILIDADE-DE-BENS-DE-CONSUMO.html>. Acesso em: 2 set. 2014.

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para a sociedade. O primeiro se refere ao aspecto econômico, ao obrigar o

consumidor a recomprar um produto que utiliza e necessita apenas porque parou

de funcionar em curto período de tempo. O segundo problema é de cunho

ambiental, já que produtos de menor durabilidade implicam a recompra de um

substituto com maior constância, gerando uma grande quantidade de lixo

inorgânico.

O citado projeto de lei ainda prevê que o não cumprimento das suas

disposições sujeita os infratores a sanções administrativas e penais previstas na

Lei n. 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), que vão de multa à

interdição das atividades do estabelecimento.

O Projeto de Lei n. 3.903/2015, do Deputado Veneziano Vital do Rêgo

(PMDB/PB), também em análise na Câmara dos Deputados, tem por objetivo

combater a obsolescência em produtos eletrônicos e eletrodomésticos. Como

justificativa, afirma que o marketing tem sido um poderoso artifício dos

fornecedores para causar a obsolescência psicológica do produto e induzir o

consumidor a adquirir um novo produto.

O mesmo projeto de lei reconhece que os fornecedores optam pela

obsolescência programada ao introduzir no mercado produtos com reduzida

durabilidade, compelindo o consumidor a realizar compras repetitivas em prazo

mais custo que o esperado. Por esse motivo, estabelece a obrigação de o

fornecedor informar a vida útil estimada no produto introduzido no mercado, porém

vai além ao determinar que no caso de, sem culpa do consumidor, superveniência

de obsolescência do produto eletrônico ou eletrodoméstico antes do término da

sua vida útil, poderá o consumidor exigir a restituição do valor pago ou a

substituição do produto da mesma espécie por similar de melhor qualidade.

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7.2 RESOLUÇÃO BELGA 5-1251/1451

Com a publicação da Resolução 5-1251/1, a Bélgica foi o primeiro país a

regulamentar a questão da obsolescência de produtos.

Na exposição de motivos apresentada pelo relator da citada resolução,

Muriel Targnion, o senador belga assim consignou: “A obsolescência planejada

pode ser definida como o ato de desenvolver e comercializar um produto fixando

antecipadamente o tempo de expiração; o objetivo deste método é limitar a vida útil

do objeto e promover a compra de um novo substituto.”452. Assinalou também que

todos os produtos colocados no mercado de consumo belga têm um tempo de vida

muito limitado, como roupas, móveis, equipamentos elétricos e eletrônicos, entre

outros.

A preocupação do legislador belga não se limitou ao mercado de consumo,

pois considerou também os danos de natureza ambiental e social. No aspecto

ambiental, existe a questão do consumo e da eficiência energética para uso dos

produtos elétricos e eletrônicos como também os custos ambientais provocados

pela produção e gestão de produtos após o uso (todo o seu ciclo de vida). Se o

produto tem vida útil mais restrita, é necessário produzi-lo em maior quantidade

para substituir aqueles fora de uso. Pelo viés social, é bem verdade que por conta

da prática de obsolescência planejada, as famílias têm de suportar um custo

financeiro maior; quer dizer: se o produto apresenta uma vida útil menor, os

consumidores despenderão mais recursos financeiros na compra de mais

produtos.

Como solução, a Resolução 5-1251/1 estabelece que os fabricantes terão

de indicar na embalagem do produto o prazo de vida útil, permitindo assim que os

451

BELGICA. Senat de Belgique. Document législatif n° 5-1251/1. Session de 2010-2011. 7 octobre 2011. Proposition de résolution en vue de lutter contre l'obsolescence programmée des produits liés à l'énergie Disponível em: <http://www.senate.be/www/?MIval=/publications/viewPub&COLL=S&LEG=5&NR=1251&PUID=83887779&LANG=fr>. Acesso em: 10 abr. 2015. 452

BELGICA. Senat de Belgique. Document législatif n° 5-1251/1. Session de 2010-2011. 7 octobre 2011. Proposition de résolution en vue de lutter contre l'obsolescence programmée des produits liés à l'énergie Disponível em: <http://www.senate.be/www/?MIval=/publications/viewPub&COLL=S&LEG=5&NR=1251&PUID=83887779&LANG=fr>. Acesso em: 10 abr. 2015.

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consumidores possam, a partir desta informação, sopesar não só o custo para o

seu orçamento como também os aspectos ambientais e sociais.

Outra preocupação é com a crescente miniaturização dos circuitos

integrados, que faz com que haja uma maior dificuldade para reparar os produtos

ou dispositivos avariados. Para evitar esse tipo de problema, a resolução em

comento desencoraja a comercialização de produtos não reparáveis ao exigir que

tal informação seja exibida nas respectivas embalagens. Os fabricantes, por seu

lado, devem disponibilizar no mercado peças de reposição a preços razoáveis.

Como objetivo final, a Resolução 5-1251/1 busca proteger o consumidor,

sem reduzir o seu poder de compra, ou seja, a ideia é que os produtos devem ser

acessíveis a todos.

O legislador belga, vale dizer, abordou vários aspectos da obsolescência,

desde a preocupação com o orçamento do consumidor e o acesso ao produto

(preço do produto) até com os aspectos ambientais e sociais envolvidos. A

resolução também tem a preocupação de disponibilizar mais informações ao

consumidor no que se refere à vida útil do produto e à possibilidade de reparação,

permitindo que faça uma melhor escolha no momento da aquisição.

7.3 PROJETO DE LEI N. 429 DA FRANÇA453

A França foi um dos primeiros países a enfrentar a questão da

obsolescência programada com o Projeto de Lei n. 429. O projeto ainda está em

trâmite, esperando a aprovação do senado francês.

A primeira preocupação trazida na exposição de motivos pelo legislador

francês foi a necessidade de medidas para enfrentar o problema ecológico, fruto da

prática da obsolescência programada. Como destaque, apresentou a informação

de que a França consome atualmente 50% dos recursos naturais existentes há 30

anos e mais de quinhentos quilogramas de resíduos são descartados por pessoa,

no período de um ano.

453

FRANCE. Senat, n. 429 rectifié. Session ordinaire de 2012-2013. Disponível em: <http://www.senat.fr/leg/ppl12-429.html>. Acesso em: 10 mar. 2016.

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160

Não sem razão, algumas empresas já estão oferecendo produtos cada vez

mais confiáveis e inovadores, contudo, ainda utilizam estratégias para acelerar

artificialmente a obsolescência e, assim, promover a compra de novos produtos.

A obsolescência, in casu, pode ser causada ainda por inovação

tecnológica e estética, como também poderá advir de outros processos técnicos

utilizados para deliberadamente projetar um produto com potencial vida útil curta.

Essas estratégias podem revelar a introdução voluntária de um defeito, uma

fraqueza, um temporizador, uma limitação técnica, uma incapacidade para reparar

ou uma incompatibilidade de software.

A obsolescência programada, como mencionado anteriormente, causa a

substituição acelerada dos bens e contribui fortemente para a sobre-exploração de

recursos não renováveis, levando a um impasse ecológico, social e econômico.

O projeto de lei francês também destaca que o aumento da vida útil dos

produtos pode ser uma vantagem competitiva para as empresas e a possibilidade

de reparação é capaz de fomentar a criação de postos de trabalho no campo da

assistência técnica, por exemplo. Aborda ainda a finitude dos recursos naturais e

os desafios energéticos que obrigam todos a repensar o modelo de negócio e os

padrões de consumo atuais.

Enquanto a Bélgica adotou a publicação de uma resolução para tratar da

obsolescência, a França tem um objetivo mais arrojado: produzir uma lei para

regulamentar o assunto.

7.4 REPAIR CAFÉ

O Repair Café é um conceito de café onde as pessoas de uma vizinhança

se reúnem para consertar objetos quebrados em vez de jogá-los fora e comprar

novos. O primeiro Repair Café do mundo foi criado em Amsterdã, na Holanda, por

Martine Postma.454

454

HYPENESS. Os cafés onde voluntários consertam coisas de graça para protestar contra a obsolescência programada. Disponível em: <http://www.hypeness.com.br/2014/07/o-conceito-de-cafe-em-que-voluntarios-consertam-desde-uma-geladeira-ate-uma-boneca/>. Acesso em: 3 set. 2014.

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A ideia é que em determinado dia da semana voluntários se reúnam para

consertar vários produtos que não estejam em pleno funcionamento – brinquedos

quebrados, roupas descosturadas, secadores de cabelo, eletrodomésticos etc.

Todos os reparos são feitos gratuitamente como uma troca de gentilezas e um

aprendizado para os moradores da região. Atualmente, existem mais de trezentos

Repair Cafés em mais de dez países do mundo. No Brasil, há apenas um Repair

Café, localizado em Santos (SP). 455

A propósito, o conceito de Repair Café pode ser uma solução para alguns

dos problemas apresentados neste estudo, como a falta de assistência técnica, a

falta de confiança nas assistências técnicas arroladas, entre outros.

7.5 PHONEBLOKS

A Phonebloks456 é uma iniciativa independente que procura desenvolver e

produzir produtos eletrônicos que gerem menos quantidade de lixo eletrônico.

A visão principal da Phonebloks, como sugere o próprio nome, é produzir

um aparelho celular constituído por diferentes blocos, cada um representando uma

função disponível dos aparelhos celulares atuais, como displays, câmera,

processador de dados, antena etc.

A utilização desses diferentes blocos permitiria a substituição apenas do

bloco que apresentasse problema, permitindo o aproveitamento dos demais

dispositivos do aparelho.

Com essa “engenharia”, evitar-se-iam o descarte do aparelho completo,

como acontece atualmente, e a obsolescência do produto, pois os módulos podem

ser substituídos por outros mais atuais, permitindo uma maior vida útil.

455

HYPENESS. Os cafés onde voluntários consertam coisas de graça para protestar contra a obsolescência programada. Disponível em: <http://www.hypeness.com.br/2014/07/o-conceito-de-cafe-em-que-voluntarios-consertam-desde-uma-geladeira-ate-uma-boneca/>. Acesso em: 3 set. 2014. 456

PHONEBLOKS. We try to change the way how electronics are made in order to create less waste. Disponível em: <https://phonebloks.com/about>. Acesso em: 27 maio 2014.

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A iniciativa da Phonebloks quebra o paradigma de se produzir um produto

limitado tecnologicamente na medida em que pode ser atualizado conforme a

necessidade do usuário.

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163

CONCLUSÃO

O modelo capitalista de produção e a sociedade industrial são as bases

para do consumo. O consumo, por sua vez, tornou-se a base de criação de

demanda para o mercado.

O consumo é uma criação humana que ocorreu ao longo dos últimos

séculos – em especial impulsionado pela Revolução Industrial, com o

desenvolvimento da produção em escala – e tornou-se realidade para a maioria

dos países, incluindo o Brasil.

Os produtos, antes avaliados pela sua durabilidade e até pela possibilidade

de transmissão entre famílias/gerações (visão patrimonial), passam a ser

consumidos de maneira individualista, imediatista e hedonista, movimentando o

motor da sociedade de consumo e mais recentemente alimentando o

hiperconsumo.

Na sociedade de consumo, ou de hiperconsumo, tem-se o aparecimento

do "Throwaway Living" ou “vida descartável”, comemorando, pode-se dizer, a

“sociedade do descartável” pela possibilidade de se adquirir produtos para, depois

de uma única utilização, descartá-los.

A história da obsolescência é recente e tem como marco de

desenvolvimento o início do século passado, principalmente nos Estados Unidos

da América.

A obsolescência surgiu com foco na macroeconomia como algo benéfico

para a sociedade; uma solução que permitisse o crescimento econômico e evitasse

crises como a ocorrida em 1929, conhecida como “Grande Depressão”.

Com o passar do tempo, o contexto e o conceito de obsolescência foram

alterados; de aspecto econômico passou a fazer parte da estratégia de negócios

de empresas e do mercado com o objetivo de aumentar suas vendas por meio do

consumo repetitivo.

Não é demais lembrar que os produtos podem tornar-se obsoletos, ou seja,

antigos, ultrapassados. Contudo, essa ideia é distinta da concepção de

obsolescência utilizada pelos fornecedores na relação de consumo. Aliás, não

existe um conceito fechado de obsolescência, a sua construção foi perseguida

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neste estudo. Contudo, com base no referencial de base arregimentado, é possível

conceituar obsolescência como:

1) redução da vida útil do produto mediante o uso de artifícios ou uso de

materiais de menor durabilidade;

2) redução da vida útil do produto pela impossibilidade de realização de

manutenção, seja pela ausência de peças para reposição ou assistência técnica,

seja pela incompatibilidade entre componentes antigos e novos, incluindo

softwares ou suas atualizações, ou pela ausência de consumíveis, acessórios,

produtos associados ou relacionados com o produto principal;

3) introdução de produtos ou outras condições no mercado, como fatores

psicológicos, mercadológicos, tecnológicos, funcionais ou outra forma de

persuasão, fazendo com que o produto funcional em posse do consumidor seja

menos desejável; e

4) redução do prazo de validade ou do número de uso do produto sem

qualquer razão científica.

O objetivo principal da obsolescência é, portanto, induzir o consumidor a

realizar compras repetitivas do produto, independente de o produto que já possui

estar em pleno funcionamento ou não, que é o principal reflexo na relação de

consumo.

A obsolescência configura, assim, um artifício presente no mercado de

consumo e usado pelos fornecedores, podendo ser um artifício interno da relação

do consumo, como é o caso da obsolescência programada, ou externo à relação

de consumo, como é o caso da obsolescência psicológica.

Dentro da metodologia proposta neste estudo, verificou-se que o artifício é

usado independente da classificação de produtos no CDC, ou seja, é uma prática

que transpassa todos os produtos.

Na sequência, tomou-se como aporte teórico a tipologia de Giles Slade

para verificar como o artifício é colocado em prática e analisar os mecanismos

preventivos e reparatórios do CDC.

A propósito, Slade classifica a obsolescência em três tipos. O primeiro tipo

é a obsolescência técnica ou funcional e se caracteriza pela introdução de uma

nova tecnologia ou funcionalidade no produto, fazendo com que o consumidor

passe a desejá-lo justamente por esta nova funcionalidade ou tecnologia. O

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segundo tipo é a obsolescência psicológica, perceptiva, progressiva ou dinâmica,

quando o fornecedor modifica o design ou o estilo do produto para manipular a

compra repetitiva, induzindo o consumidor a substituir um produto que está em

pleno funcionamento por um outro. O terceiro tipo é a obsolescência planejada ou

programada, que constitui a atuação deliberada do fornecedor para que o produto

venha a falhar após um determinado período de tempo.

No estudo da obsolescência técnica foi possível observar que os

fornecedores fazem uso deste artifício quando incluem novas funcionalidades nos

novos produtos lançados e muitas delas nem sempre representam uma grande

evolução técnica do produto, demonstrando assim a intenção de induzir o

consumidor à compra repetitiva.

O caso da Ford versus General Motors muito bem demonstra a presença

da obsolescência técnica, ou seja, a competição entre ambas as marcas tinha

como objetivo fazer o consumidor adquirir um novo veículo, lembrando que a nova

compra é induzida pela introdução de novidades em cada novo modelo de veículo

colocado no mercado.

Em relação aos mecanismos preventivos e reparatórios do CDC e que

deveriam dar salvaguardas ao consumidor, parte frágil da relação de consumo,

contra a obsolescência técnica, na verdade eles são insuficientes para coibir a

prática ou mesmo reparar eventual dano. Para chegar a esta conclusão foi

necessário percorrer o CDC e com as lentes da garantia de proteção e defesa do

consumidor, quando se verificou que não contempla nenhuma obrigação do

fornecedor de comunicar ou produzir informação sobre o lançamento de novos

produtos. A propósito, eventuais teasers ou pré-lançamentos realizados pelo

fornecedor têm mais o objetivo de evitar a compra de produtos do concorrente com

a promessa do novo produto ou nova versão do que propriamente informar o

consumidor para permitir que ele tome, por si só e livre de qualquer influência, a

melhor decisão de compra.

O legislador do CDC reconhece, ademais, que novos produtos podem ser

lançados no mercado sem que o anterior seja considerado defeituoso ou mesmo

viciado, ou seja, trata-se praticamente de um incentivo ao fornecedor.

A obsolescência psicológica é a técnica utilizada pelos fornecedores com o

objetivo de sempre alterar a curva de demanda de seus produtos, negando o

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conceito de saturação de mercado para assim criar o ambiente ideal e impelir os

consumidores a adquirir novos produtos por questões de marketing.

A análise do segundo caso entre a Ford e a General Motors demonstrou

que a prática da obsolescência psicológia é bem presente no mercado automotivo

há quase um século, inclusive é a alternativa mais barata quando comparada à

obsolescência técnica, pois nesta modalidade existe o esforço de pesquisa e de

desenvolvimento do produto, enquando na opção pelo design basta fazer

alterações estéticas.

Outra mecanismo usado por fabricantes é a redução do ciclo de vida do

produto pela inclusão de fatores psicológicos, como alteração do design, da moda.

Esta prática tem o condão de induzir o consumidor a substituir um produto que está

na sua posse e atende aos fins a que se propõe, por um critério aparentemente

discricionário, deliberado, mas que no fundo é induzido pelo fornecedor.

A indústria da moda é emblemática quando se quer demonstrar a prática

da obsolescência psicológica, que privilegia o volume de vendas de produtos, o

ciclo de venda e principalmente as artimanhas da publicidade para induzir a

compra de novos produtos a cada novo ciclo.

O design, do mesmo modo, objetiva gerar um apelo emocional aos

consumidores apenas pela mudança na forma de apresentação do produto, por

exemplo, mesmo que não exista nenhuma adição de funcionalidade ou tecnologia

nova, nenhum upgrade, pode-se dizer.

O CDC também é omisso quanto à proteção e à apresentação de

mecanismos de prevenção de publicidade ou propaganda de iniciativa dos

fornecedores que visem à criação do desejo ou indução do consumidor para a

compra repetitiva.

No que tange à oferta, o legislador consumerista se limitou a estabelecer

uma igualdade entre a oferta levada ao público e o produto em si, sem se

preocupar com o aspecto da compra repetitiva.

Na análise das práticas ou cláusulas abusivas, percebe-se que o CDC não

traz qualquer dispositivo prevenindo a obsolescência psicológica.

Retomando a teoria de Slade, a obsolescência programada é aquela que o

fornecedor manipula o produto para que falhe após um período de tempo em uso,

ou seja, o fornecedor deliberadamente usa a sua engenharia para

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alterar/comprometer a operacionalidade do produto e deixe de atender aos fins a

que se propõe após um determinado período de tempo de uso.

A obsolescência programada, a mais rica e mais complexa de todas, é

artifício que pode ser colocado em prática pelo fornecedor com vistas à redução da

vida útil ou prazo de validade do produto.

Com esteio no Parecer do Comitê Econômico e Social Europeu –

CMMI/112, verificou-se que uma forma de identificar a obsolescência programada

é a incompatibilidade do produto já adquirido pelo consumidor em face de

congêneres lançados no mercado. O Parecer também identifica outros tipos de

obsolescência. A obsolescência indireta define como técnica utilizada para tornar

indisponível ou parcialmente disponíveis, consumíveis, acessórios ou peças para

reparo dos produtos ou mesmo impossibilitar o reparo. A obsolescência por

notificação, que ocorre quando o fornecedor notifica o consumidor para fazer um

reparo, manutenção ou substituição de peças. A obsolescência por expiração,

quando o próprio fornecedor reconhece o fim da operacionalização do produto.

O caso da lâmpada centenária de Livermore – que permanece acessa por

mais de cem anos – mostra o Cartel de Phoebus como o responsável por

estabelecer/diminuir a vida útil máxima de todas as lâmpadas produzidas pelas

principais fabricantes do mercado.

No segmento de tecnologia, Microsoft e Intel constituíram uma parceria

não oficial e acordaram que cada nova versão do sistema operacional Windows

exigiria um microprocessador (Intel) mais potente, evidenciando uma oportunidade

de ambos os fornecedores gerarem vendas repetitivas.

Mas não foi só. Algumas pesquisas que abordam o tema foram

apresentadas. A primeira, realizada pelo Instituto ProTeste, versando sobre a

garantia de produtos, mostrou que a maioria dos consumidores opta pela compra

de um novo produto quando ocorrem vícios, sejam eles verificados dentro ou fora

do prazo de garantia. A pesquisa do Idec/MarketAnalysis registrou que apesar de o

brasileiro estar satisfeito com a durabilidade e o desempenho dos produtos, existe

uma percepção de que os produtos devem ter durabilidade maior do que a

apresentada atualmente.

Na análise dos mecanismos do CDC, foi possível constatar que o direito de

informação não é suficiente para obrigar o fornecedor a informar sobre a vida útil

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do produto que lança no mercado: se o produto tem um limite de utilização ou se

tem um tempo máximo de vida útil.

A legislação consumerista, no que tange à proteção contra vício do

produto, igualmente não é suficiente para reparar o consumidor, já que a prática da

obsolescência programada carrega uma engenharia do próprio fornecedor e o vício

tende a ocorrer depois de expirada a garantia do produto.

O recall denota que a obsolescência programada é aplicada a uma série,

um lote ou determinado modelo do produto, e só poderá invocada pelo consumidor

se caracterizada a nocividade ou a periculosidade do produto.

O defeito do produto em relação ao projeto, manufatura, construção ou

manipulação só poderá ser alegado quando causar dano ao consumidor

decorrente de falta de segurança. Enquanto isso, o vício oculto pode ser o caminho

mais plausível, mas a grande dificuldade alude à possibilidade de realização de

prova e o momento do reconhecimento do vício oculto, principalmente quando há

produtos com prazo de garantia expirado.

A propósito da garantia, nenhum produto tem obrigação de ser eterno; quer

dizer, é esperado que o produto tenha uma vida útil determinada. A obrigação que

se coloca para o fornecedor é garantir que o produto seja seguro até o fim de sua

vida útil.

Contudo, ao cotejar a questão da garantia, da vida útil e do vício oculto,

percebe-se que dado o não fornecimento do prazo de vida útil do produto, a

eventual alegação de vício oculto fora do prazo de garantia pode ser penosa para o

consumidor ante a justificativa do fornecedor do fim da garantia ou mesmo o fim da

vida útil do produto.

Quanto às práticas abusivas no âmbito do CDC, não se constata o tema da

obsolescência e o único inciso que faz menção a normas de qualidade de

colocação do produto no mercado não indica a associação técnica ou o órgão

incumbido de emitir qualquer normativa a respeito.

O prazo da vida útil e a manutenção do produto, que têm um direito reflexo

para o consumidor quando entra em jogo a sua decisão de compra, também não

foram regulamentados pelo CDC.

Em razão do exposto, e tendo em mente o objetivo traçado neste estudo,

duas ilações podem ser apresentadas. Primeiro, que a obsolescência está

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presente na sociedade de consumo e é um artifício utilizado pelo fornecedor para

induzir o consumidor a realizar compras repetitivas, mesmo que o produto em

posse do consumidor seja funcional e atenda aos fins a que se propõe. Segundo,

que o CDC não tem instrumentos efetivos e robustos para prevenir que

fornecedores façam uso das práticas aqui apontadas, tampouco dispõe sobre

mecanismos que efetivamente permitam a reparação do consumidor porventura

lesado por tais artifícios.

Diante da ausência de legislação específica, é possível tecer algumas

propostas de solução para o problema da vida útil e da obsolescência de produtos,

algumas pinçadas de referências existentes em outros países, outras trazidas

pelos próprios fabricantes. A primeira proposta alude à publicação de legislação

específica com a obrigação de apresentação da vida útil dos produtos duráveis

colocados no mercado de consumo, medida que se alinha com o Projeto de Lei n.

5.367/2013, da deputada Andreia Zito (PSDB-RJ). O citado projeto de lei ainda

prevê que o não cumprimento das suas disposições sujeita os infratores a sanções

administrativas e penais previstas na Lei n. 8.078/1990 (Código de Defesa do

Consumidor), que prescreve desde multa até interdição das atividades do

estabelecimento.

A nova legislação, para além da proposta de obrigar o fabricante a

apresentar a vida útil e definir a sua punição, deve trazer em seu bojo também a

preocupação com o dano ambiental e social, em aproximação da Resolução belga

5-1251/1. No que tange ao aspecto ambiental, deve abordar distintas questão:

consumo de matérias-primas, eficiência energética para uso de produtos elétricos

e eletrônicos, custos ambientais provocados pela produção e gestão de produtos

após o uso (todo o seu ciclo de vida). No aspecto social, deve contemplar o custo

financeiro que a obsolescência traz para as famílias.

Outra preocupação é com a crescente miniaturização dos circuitos

integrados, o que faz com que haja uma maior dificuldade para reparar produtos ou

dispositivos avariados. Para evitar esse tipo de problema, a resolução belga

desencoraja a comercialização de produtos não reparáveis ao exigir que tal

informação seja exibida na embalagem dos produtos.

Um dos efeitos mais nocivos da obsolescência, como mencionado, é a

substituição do produto por outro em função de fatores psicológicos,

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mercadológicos, tecnológicos, funcionais ou mesmo persuasão, quer dizer: o

produto está em pleno funcionamento, mas o consumidor é de alguma forma

persuadido a adquirir um novo produto. Neste caso, a legislação deve obrigar o

fornecedor a informar o lançamento de novos produtos, o prazo de duração dos

modelos antes de sua substituição, as características e as eventuais divergências

dos novos modelos, permitindo que o consumidor tenha condição de tomar a

melhor decisão de compra do produto atual ou de um novo produto.

Além disso, caso o produto utilize software, consumíveis acessórios,

produtos associados ou relacionados com o produto principal, a legislação deve

obrigar o fabricante a informar o prazo de atualização de software como também a

comercialização de consumíveis acessórios, produtos associados ou relacionados

com o produto principal.

O fabricante, do mesmo modo, deve ser obrigado a informar claramente ao

consumidor sobre o período de manutenção e de fornecimento de peças de

reposição, que não poderá ser inferior à vida útil do produto. A vida útil, a

propósito, deve ser estabelecida não apenas pelo fabricante, mas também por

entidades ou laboratórios especializados na realização de testes e estudos deste

quesito, de modo a orientar o mercado.

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