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A ORAÇÃO DO EXAME Sabedoria Inaciana para as nossas Vidas no Tempo Presente

A ORAÇÃO DO EXAME - livraria.apostoladodaoracao.ptlivraria.apostoladodaoracao.pt/.../03/A-Oração-do-Exame-amostra.pdf · todas as comunicações amorosas de Deus. Para muitas

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A ORAÇÃO DO EXAME

Sabedoria Inaciana para as nossas Vidas no Tempo Presente

Colecção MANRESA

Autoconhecimento e Discernimento Cristão Domingos Terra, S.J.Espiritualidade Inaciana – 1ª Semana de Estudos de Espiritualidade Inaciana AA.VV.Deus e o Homem segundo Santo Inácio – 2ª Semana de Estudos de Espiritualidade Inaciana AA. VV.Jesus Cristo na Espiritualidade Inaciana – 3ª Semana de Estudos de Espiritualidade Inaciana AA. VV.A Trindade na Espiritualidade Inaciana – 4ª Semana de Estudos de Espiritualidade Inaciana AA. VV.Exercícios Espirituais de Libertação Pessoal José Alves Martins, S.J.Ordenar a Vida – Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loiola Dário Pedroso, S.J.Manual do Peregrino – Caminhando com os Exercícios Espirituais de Inácio de Loyola António Vaz Pinto, S.I.São Francisco Xavier – 450 Anos da sua morte (1552-2002) – 5ª Semana de Estudos de Espiritualidade Inaciana AA. VV.Mistério Pascal e Mundo Contemporâneo – 6ª Semana de Estudos de Espiritualidade Inaciana AA. VV.Companhia de Jesus: Ontem, Hoje, Amanhã – 7ª Semana de Estudos de Espiritualidade Inaciana AA. VV.Crer na Fronteira: Habitar Novas Fronteiras – 8ª Semana de Estudos de Espiritualidade Inaciana AA. VV.Vontade de Deus, Caminhos de Felicidade – 9.ª Semana de Estudos de Espiritualidade Inaciana AA. VV.O Discernimento dos Espíritos – Um Guia Inaciano para a Vida Quotidiana Timothy M. Gallagher, O.M.V.A Oração do Exame – Sabedoria Inaciana para as nossas Vidas no Tempo Presente Timothy M. Gallagher, O.M.V.

A ORAÇÃO DO EXAME

Sabedoria Inaciana para as nossas Vidas no Tempo Presente

Com Prefácio deGeorge Aschenbrenner, S.J.

TIMOTHY M. GALLAGHER, O.M.V.

Editorial A. O.

Título originalThe Examen Prayer:

Ignatian Wisdom for Our Lives TodayThe Crossroad Publishing Company – New York

Copyright © 2006 by Timothy M. Gallagher, O.M.V.Copyright do Prefácio © 2006 by George Aschenbrenner, S.J.

ISBN-13: 978-0-8245-2367-1 ISBN-10: 0-8245-2367-9

Tradução

Mário José Galvão de Almeida

Ilustração da CapaJoão Sarmento, s.j.

CapaVirgílio Cunha

(Editorial A. O.)

PaginaçãoEditorial A. O.

Impressão e AcabamentosSersilito – Empresa Gráfica, Lda.

Depósito Legal nº373834/14

ISBN978-972-39-0781-0

Abril de 2014

Com todas as licenças necessárias

©SECRETARIADO NACIONALDO APOSTOLADO DA ORAÇÃORua S. Barnabé, 32 – 4710-309 BRAGATel.: 253 689 440 * Fax: 253 689 441www.apostoladodaoracao.pt/[email protected]

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Prefácio

Afirmar que a vida que não é submetida a exame não vale a pena ser vivida desperta uma variedade de respostas. Algu-mas pessoas recusam terminantemente a verdade desta asserção, pois consideram-na como o toque a finados de qualquer estilo de vida espontâneo. Outras saudariam em teoria a verdade da afirmação, mas a prática concreta do exame, enquanto meio de traduzir essa teoria nos detalhes da vida quotidiana, não produz efeito. Este livro do P. Tim Gallagher, contudo, vai muito para lá da teoria através de um uso empolgante da prática pessoal e da experiência autêntica. O seu tratamento desta questão ven-ce a frequente separação entre a verdade em teoria e a prática quotidiana numa vida humana. O modo pessoal e experiencial como ele se refere ao exame resolve esta incongruência habitual e introduz uma fase mais madura de um entendimento renova-do da prática tradicional do exame.

O uso de testemunhos pessoais para exemplificar diversos aspectos do exame acrescenta um tom experiencial que é persua-sivo. As citações não são aqui nem artificiais nem forçadas. Isso é particularmente verdade no que se refere à explicação do desen-volvimento dinâmico e das relações que existem entre os cinco passos da oração formal do exame. Sendo ainda mais convincen-tes do que uma qualquer exortação adicional por parte do autor, estes relatos de terceiros têm uma influência muito própria.

Em 1972, o meu artigo sobre o exame de consciência foi fru-to de uma percepção que para mim se tinha tornado clara: o cerne do exame é a prática quotidiana do discernimento dos espíritos.

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A Oração do Exame

Libertando-o de uma concepção errónea abertamente negativa e moralística, descrevi então uma prática que pretendia ser muito mais positiva e pessoal. O exame era, em primeiro lugar, uma re-visão do amor de Deus, que sustém e encanta, tocando os nossos corações, nas circunstâncias concretas de cada dia. Era também um olhar dirigido ao fluxo singular e intimamente pessoal da nos-sa consciência – que não exclui o comportamento externo, mas vai para lá de um mero cair na conta desse comportamento.

A integração do exame e do discernimento dos espíritos foi uma característica fundamental da percepção de Inácio. Por essa razão, o exame era, para Inácio, a oração quotidiana essencial, e que nenhuma razão podia dispensar. O P. Gallagher publicou re-centemente um livro sobre o discernimento inaciano1. Esse livro representa um importante pano de fundo para o modo como ele trata o exame. No presente livro, o autor destaca um dia especial da experiência espiritual de Inácio, tal como ela ficou gravada no seu Diário Espiritual. 12 de Março de 1544 foi um dia central, um dia muito rico e animado, no discernimento de Inácio acerca do tipo de pobreza determinado por Deus para a nova Compa-nhia de Jesus. Ao longo do seu livro, o P. Gallagher recorre com habilidade ao relato deste dia. Esse relato oferece uma experiência viva e não ensaiada para exemplificar diversos aspectos do exame, e, para este leitor, torna de novo cativante aquele fundador dos jesuítas, aquele irmão, pelo seu cuidado reverencial de dar valor a todas as comunicações amorosas de Deus.

Para muitas pessoas, não é fácil entrar numa prática regu-lar e duradoura do exame. Começam a praticá-lo por isso lhes parecer importante, mas não conseguem simplesmente dar-lhe

1 TIMOTHY GALLAGHER, O.M.V., The Discernment of Spirits: An Ignatian Guide for Everyday Living, Nova Iorque, Crossroad, 2005. [Publicado em português com o título O Discernimento dos Espíritos – Um Guia Inaciano para a Vida Quotidiana. Braga: Editorial A.O., 2013 – Nota do Editor]

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Prefácio

continuidade. Por vezes, uma determinada experiência faz-nos amadurecer por dentro e dá forma a um desejo que tem vindo a crescer sem que quase nos dêmos conta disso. Esta graça do desejo, um desejo de Deus, um desejo de amar a Deus com mais intensidade e determinação, abre a porta para a prática do exame. Deste modo, por meio da explosão irradiante do ditoso desejo de uma mais pessoal e amorosa relação com Deus em Je-sus, o exame «encontra-nos». Só esse «ser encontrado» pode dar início à prática do exame e depois a manter.

Sem um desejo genuíno de uma vida de amor com Deus, a determinação obstinada nunca poderá adequar o exame às nos-sas vidas. Só o amor e o seu desejo ardente, puro dom de Deus, pode suscitar, dirigir e fazer crescer a nossa labuta esforçada de prática do exame, resultando num estilo de vida eficaz. Por esta razão, a nossa cultura contemporânea pós-moderna representa um desafio para o exame. Num artigo recente acerca da espiri-tualidade pós-moderna, Timothy Muldoon sustenta a seguinte posição acerca de muitos jovens contemporâneos: «Mas o que é totalmente alheio a muitos é a experiência de se apaixonar por Deus. Para eles, a religião é um exercício intelectual entranhado na consciência individual, e não uma resposta a um Deus que estende a mão para dizer “Vamos à aventura!”»2. Num tal con-texto, o exame pode tornar-se uma prática intelectual e ética destinada a um necessário rearranjo de um mundo fragmenta-do. Mas ele não penetra o suficiente nas subtilezas e no compro-misso fundamental de amor dos nossos corações.

O exame tem a ver com o amor, um amor pelo qual todos os nossos corações anseiam, um amor maravilhosamente mani-festado em muitos exemplos humanos, mas, em última análise,

2 TIM MULDOON, «Postmodern Spirituality and the Ignatian Fundamentum» in The Way 44 (2005), p. 94.

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A Oração do Exame

um amor que está para lá de tudo aquilo de que possamos fazer experiência antes da morte. Todavia, este amor que acabará por satisfazer dá-se agora a conhecer por meio de delicadas e subtis moções interiores. Não se dar conta de tais toques amorosos ou dá--los por garantidos significa perder uma íntima riqueza pessoal de vida. Não se dar conta de uma tal intimidade interior repercute-se ainda sobre a nossa visão do mundo externo e sobre a vivacidade da motivação para o nosso envolvimento com esse mundo.

O exame não é um foco dirigido à nossa interioridade que nos cega e distrai do contexto externo do mundo real onde se desenrola a nossa vida quotidiana. O amor genuíno no coração é sempre afectado pela nossa sociedade de relações internacionais organizadas, e exerce sobre ela o seu próprio impacto. No hori-zonte destas influências mútuas, o exame pode ter uma interfe-rência decisiva sobre o nosso futuro como civilização. A nossa incapacidade de controlar a fúria dos impulsos violentos está lentamente a abalar a confiança imprescindível a qualquer civi-lização responsável. Os nossos meios de comunicação noticiam todos os dias os pormenores das mortes infligidas pelo mundo fora pelos violentos golpes do terrorismo, do amor desiludido e das esperanças frustradas, quer seja nas escolas, nas famílias ou em muitas outras situações interpessoais.

Os impulsos violentos farão sempre parte dos imbróglios do coração humano num mundo interpessoal. E a lição de que a nossa civilização tem maior necessidade passou a ser aprender a controlar adequadamente a fúria desses impulsos. A prática regular e decisiva do discernimento por meio do exame é pre-cisamente uma questão de controlar os impulsos na fé. Não, o exame não é alguma forma de doentia interioridade individua-lística. O seu foco reside precisamente no desejo que Deus tem de um universo renovado e reconciliado de relações interpes-soais, revelado de modo convincente em Jesus Ressuscitado.

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Prefácio

O exame convida quem o pratica a entrar no «lugar da tris-teza» do coração. Não se trata de um local de diversão fácil, mas é antes como uma casa assombrada na vizinhança de todos os nossos corações. A culpa, o falhanço, a vergonha, a tristeza e a incapacidade, quase tocando a impotência, habitam este lugar e facilmente nos amedrontam e nos levam a adoptar tácticas de evasão para rodear esta secção assombrada e receosa dos nossos corações. Mas precisamente no centro dessa casa aparentemente assombrada, e só nesse local, encontra-se o precioso e transfor-mador dom da paz, a paz que o amor de Deus que perdoa em Jesus nos oferece a todos.

Manter vedado e escrupulosamente boicotado esse lugar da tristeza pesa de diversas formas sobre o nosso íntimo. Experi-mentamos uma falta interior de integração, temos saudades de uma paz que sabemos não ter encontrado, e sentimos uma sepa-ração que desconcentra em muito do nosso apostolado. A maio-ria de nós tem necessidade de um amigo que nos acompanhe até esse lugar que assusta e que nos ajude a domar alguns dos nossos receios, em virtude de uma experiência da paz zelosa que ali se esconde, e que agora é pessoalmente encontrada. Não admira que o P. Gallagher, no capítulo 1, fale da fuga à parte central do exame e da necessidade de alguém, com frequência um director espiritual, que nos conduza à oração completa do exame.

Embora, num primeiro momento, este lugar da tristeza pa-reça ser debilitante e destruidor da confiança em si mesmo, vem depois a ser reconhecido como um local de nascimento: de uma confiança em si mesmo profundamente humilde, de uma autên-tica espontaneidade no Espírito Santo e de um zelo insaciável por se colocar ao serviço com gratidão. A consciência reconhecida da bondade pessoal de Deus para connosco, manifestada quotidiana-mente, conduz-nos confiadamente até à fornalha onde se derrete a tristeza e onde o fascínio enganador e a impotência dolorosa do

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A Oração do Exame

pecado revelam de novo o dom surpreendente do perdão de Deus em Jesus. E, a partir desse encontro, a energia da esperança impe-le-nos com prontidão para o futuro do amanhã que nos espera.

Mencionei no início que algumas pessoas rejeitam a prática do exame como sendo contrária a um estilo de vida espontâneo. A verdadeira questão da espontaneidade influencia, contudo, de modo determinante, os nossos corações em matéria de fé. Uma espontaneidade superficial e rápida é fácil, mas quase nunca é hu-manamente madura ou espiritualmente profunda. A autêntica questão da vida humana é ser transformada na espontaneidade do Espírito Santo. Nenhum de nós a possui de modo natural. Algo deve morrer e receber uma nova orientação para que nasça esta nova e profunda espontaneidade. Esta autêntica espontanei-dade do Espírito Santo desenvolve-se por via de um ascetismo de discernimento cuidadoso. O exame joga um papel central no de-senvolvimento e na assimilação pessoal desta nova identidade. O exame, longe de fazer soar o toque a finados de qualquer estilo de vida espontâneo, celebra o florescimento de uma espontaneidade genuína que nos dá esperança a todos. Esta espontaneidade do Espírito Santo nos nossos corações orienta-se sempre para a reno-vação contínua do nosso universo, espelhado em Jesus Ressuscita-do, nosso companheiro e peregrino em cada passo da caminhada.

O livro do P. Gallagher representa um passo de gigante na compreensão do exame. Dou-lhe os meus parabéns e saúdo o seu esforçado trabalho, que constituirá uma bênção para todos os leitores empenhados.

George Aschenbrenner, S.J.12 de Março de 2005

Aniversário da Canonização de Santo Inácio e de São Francisco Xavier

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INTRODUÇÃO

Questões espirituais

Era um voo de seis horas, e faltavam ainda três horas para a aterragem. Enquanto o tempo passava, entregava-me com ardor à leitura. A certo ponto, deparei-me com esta frase: «O cresci-mento na relação com Deus dá-se por meio de uma auto-revela-ção mútua»1. Interrompi de imediato a leitura. Sem que me desse plenamente conta, tive a sensação de ter encontrado algo de mui-to importante naquelas poucas palavras. Não li mais nada e, no resto do voo, fiquei simplesmente a ponderar aquelas palavras. Toda a frase tinha a ver com relação. Eu sabia que, se al-guém me perguntasse, «Qual é a coisa mais importante da tua vida?», eu responderia a relação com Deus e com as outras pessoas (Mc 12, 29-31). Esta frase tinha a ver com «a relação com Deus», a mais fundamental das relações e o fundamento de todas as outras relações. Aquelas palavras prometiam ensinar-me algo que eu deseja-va aprender: o crescimento na minha relação com Deus. Elas prometiam dizer-me como é que esse crescimento ocorre. Aper-cebi-me então que essas poucas palavras se referiam a algo de fundamental na minha vida. Elas disseram-me que o crescimento na relação com Deus ocorre «por meio de uma auto-revelação mútua». À medida que

1 MAUREEN CONROY, R.S.M., The Discerning Heart: Discovering a Personal God, Chicago, Loyola University Press, 1993, p. 62.

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A Oração do Exame

a distância era vencida, pensava naquela frase. A auto-revela-ção, era dito, consistia no caminho para crescer na relação com Deus. E essa auto-revelação tem de ser mútua, para essa relação poder crescer. Surgiu então em mim uma torrente de questões:

• Como é que ocorre a auto-revelação de um Deus escondido (Is 45, 12)?

• Onde é que posso procurar por essa auto-revelação divina?

• Como é que poderei saber que a encontrei?

• Como é que poderei saber que a compreendi bem?

Até um certo ponto, eu tinha resposta para estas questões. A auto-revelação de Deus encontra-se nas páginas das Escrituras, na Igreja, no mundo criado à minha volta, por meio das pessoas e acontecimentos da minha vida, e no «murmúrio de uma brisa suave» (1 Rs 19, 12) que sussurra no meu próprio coração. Mas havia outras questões que permaneciam em aberto. Sim, Deus revela-Se, mas quão atento é que estou a essa au-to-revelação divina? Com que frequência é que estou atento a essa auto-revelação? Será que eu poderia, tal como os discí-pulos a caminho de Emaús (Lc 24, 13-35), estar na presença do Deus que Se revela a Si próprio e não o saber? Não cair na conta do que Deus me estava a dizer? Qual o grau de abertura dos meus olhos para perceber essa presença e essa auto-revela-ção (Lc 24, 31)? As questões eram igualmente desafiadoras quando eu consi-derava a outra direcção desta auto-revelação mútua:

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Introdução

• Quanto de mim mesmo tinha eu revelado a Deus? • Até que ponto estava eu disposto a revelar-me de modo

transparente e pleno a Deus? • Haveria dentro de mim resistências a uma tal auto-revela-

ção diante de Deus? • Em caso afirmativo, será que eu sabia do que se tratava? • Será que eu tinha considerado como é que estava a respon-

der à auto-revelação de Deus? E o que facilitaria a minha resposta? O que poderia dificultar a minha resposta?

Eu sabia que estas eram questões centrais e que, se eu aspira-va a crescer na relação com Deus, era necessário encontrar-lhes respostas. Precisava de respostas teologicamente sólidas, mas também de algo mais. Eu precisava de uma forma de reconhecer as respostas a estas questões na experiência concreta e quotidia-na a que chamamos «a vida espiritual». Este é um livro acerca dessas questões. É um livro acerca de como encontrar respostas concretas para elas. É um livro acerca de um modo de rezar que abre os nossos olhos para a auto-revelação quotidiana de Deus e torna cada vez mais claras as respostas que nós próprios Lhe damos. À medida que cresce esta clareza espiritual, adquirimos uma correspondente maior liberdade para responder e, dessa forma, progredir na nossa re-lação com Deus. Encontramos um caminho para aquilo que os nossos corações mais profundamente desejam: uma crescen-te relação de amor com Deus (Sl 63, 1) e, consequentemente, com o Povo de Deus.

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A Oração do Exame

Na nossa tradição espiritual, a esta forma de rezar chama-se o exame. Embora não tenha começado com ele e não lhe seja exclusi-vo, o exame é associado de uma forma particular a Inácio de Loiola (1491-1556), que o praticou muito intensamente e o ensinou a outros tão habilmente. Ele será o nosso guia espiritual neste livro.

Um livro prático

Este é um livro para quem ainda não conhece a oração do exame e quer aprender como a fazer. É também um livro para quem já conhece o exame e deseja entendê-lo mais profunda-mente. É um livro tanto para quem deseja aprender como para quem deseja ensinar a outros a oração do exame. Este livro é, mais ainda, para quem deseja rezar o exame: quem deseja come-çar a rezá-lo e quem deseja aprofundar uma prática já iniciada, talvez há diversos anos. Este é um livro prático. Procura responder a questões tais como estas: o que é o exame? Como é que o rezo? Será que me pode ajudar? Será possível rezá-lo numa vida tão agitada como a minha? O que é que me poderá ajudar a rezá-lo? Que obstáculos é que poderei encontrar na prática do exame? Será que consegui-rei vencer esses obstáculos? Se tal for possível, como é que o será? Que fruto espiritual é que receberei ao rezar o exame? O livro inicia-se por aquele desejo de uma comunhão amorosa e crescente com Deus, que nos move a querer a oração do exame (parte 1). Partilharei aqui algo da caminhada pessoal que me con-

O que é o exame? Como é que o rezo? Será que me pode ajudar?

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Introdução

duziu a escrever este livro. Revisitarei também a experiência do exame de Inácio, tal como ele a descreve no seu Diário Espiritual. Tendo colocado estes fundamentos, reflectirei então na prá-tica do exame: o modo como na realidade o rezamos na vida quotidiana (parte 2). Apresentarei individualmente cada um dos cinco passos e, a seguir, o conjunto como um todo flexível. O crescimento por meio da oração do exame depende, no entanto, de outros meios para lá destes cinco passos. Há di-versos outros instrumentos espirituais que, se forem adaptados com prudência à nossa situação pessoal, nos poderão ajudar a progredir na oração do exame. Na secção seguinte deste livro (parte 3), apresentarei as condições que promovem uma oração frutuosa do exame. Qualquer relação autêntica e duradoura de amor exige, por vezes, a coragem de amar. O exame, enquanto oração profun-damente relacional, pode fazer apelo a uma tal coragem em di-versos momentos. A consideração dos tempos em que isso pode acontecer, e de como Deus nos convida ao crescimento por meio de uma tal coragem, é um elemento fundamental adicional neste livro (parte 4). A oração diária do exame tem como frutos a renovação es-piritual, a crescente comunhão habitual com Deus, uma maior capacidade de serviço e muitos outros dons da graça. Na parte derradeira deste livro, descreverei o fruto espiritual que Deus nos dá por meio da oração do exame (parte 5).

Fazer a experiência do exame

Nesta reflexão sobre o exame, centrar-me-ei de um modo especial na experiência desta oração. O exame possui raízes pro-fundas nas Escrituras e na nossa tradição espiritual, e voltarei

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A Oração do Exame

constantemente a estes fundamentos ao longo deste livro. Isto estabelecido, irei ilustrar a prática do exame na realidade – o ponto focal deste livro – por meio de uma ampla referência a experiências concretas. Retirei-as de uma variedade de fontes. Algumas delas foram colhidas de uma selecção de escritores espirituais. Entre estes, a fonte primária é obviamente o próprio Inácio, uma vez que ele descreve a própria experiência no seu Diário Espiritual e noutros escritos. Citarei muitos outros, anti-gos e mais recentes – incluindo Bernardo de Claraval, Teresa de Lisieux, Julien Green e Henri Nouwen. Há outras a que poderia chamar «experiências reflectidas». Recorri a este género de experiências na parte 2 – acerca da prática do exame – como meio de ilustrar a natureza precisa de cada um dos cinco passos. Por «reflectidas», pretendo dizer o seguinte: dei um nome a cada uma das «pessoas» mencionadas (por exemplo, Joana e Tomás, no capítulo 3). As experiências descritas não se referem a uma pessoa determinada com esse nome, mas reflectem antes as experiências de muitas pessoas com quem me cruzei em vinte e cinco anos de direcção espiri-tual, orientação de retiros e, a um nível mais geral, formação es-piritual. Estas experiências são colhidas da realidade e reflectem situações espirituais muito reais. Cada experiência centra-se num determinado passo do exame a ser comentado e destina-se primariamente a ilustrar esse passo em concreto. No entanto, a maioria das experiências relatadas provém de conversas com pessoas que se mostraram dispostas a partilhar as suas experiências do exame e que autorizaram a que se citasse a sua experiência neste livro. Citei cada uma dessas experiên-cias com a autorização explícita dos indivíduos envolvidos e sob condição de uma confidencialidade que respeitei com todo o cuidado. Nomeei, por conseguinte, essas pessoas sem usar os seus nomes próprios; são indicadas apenas de acordo com a sua

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Introdução

vocação: «uma mulher casada», «um padre», «uma religiosa», «um homem», «um casal» e outros títulos do mesmo teor. As suas histórias contribuíram enormemente para enriquecer este livro, pelo que lhes estou muito grato. A escrita deste livro revelou-se como uma experiência repleta de graça de aprendizagem acerca do exame, de formas que eu não teria podido prever antes de me entregar a esta tarefa. O esforço de reflexão, a disciplina da escrita e, de modo especial, o testemunho de tantas pessoas dedicadas contribuíram para aprofundar a minha estima por esta oração e o meu desejo de a praticar. Sinto-me reconhecido a Deus por este dom. Trata-se do dom que aspiro a partilhar consigo neste livro.

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Índice

Agradecimentos .......................................................................... 5Prefácio à Edição Portuguesa ...................................................... 9Prefácio ..................................................................................... 11

Introdução................................................................................. 17Questões espirituais .................................................................. 17Um livro prático ....................................................................... 20Fazer a experiência do exame .................................................... 21

Um esboço do exame .................................................................. 25

Primeira ParteDESEJO

Capítulo Um – Descobrir o Exame ......................................... 29Uma caminhada de trinta anos ................................................. 29O desejo mais profundo do coração humano ............................ 37Aprender acerca do exame ........................................................ 40

Capítulo Dois – Um Dia com Inácio ...................................... 45Um crescimento gradual ........................................................... 45O dia tem início ....................................................................... 47A Missa .................................................................................... 50Um tempo de desolação espiritual ............................................ 51O problema… .......................................................................... 53A resposta… ............................................................................. 54Ataques… e uma resposta firme ............................................... 56«Será mesmo possível viver deste modo?» .................................. 58

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A Oração do Exame

Segunda PartePRÁTICA

Capítulo Três – Primeiro Passo: Gratidão ............................... 63«A suma graça e amor eterno de Cristo Nosso Senhor» ............. 63Uma experiência de gratidão: Um dia com Joana ...................... 68Confirmado no amor de Deus: Um dia com Tomás ................. 71A prática do primeiro passo: Gratidão ...................................... 74

Capítulo Quatro – Segundo Passo: Petição ............................. 77«Tem tudo a ver com alguma coisa que Deus faz» ..................... 77Pedindo luz e força: Um dia com Helena .................................. 78Pedindo ajuda: Um dia com Roberto ........................................ 80Buscando a sabedoria do Espírito: Um dia com Rita ................ 82A prática do segundo passo: Petição .......................................... 83

Capítulo Cinco – Terceiro Passo: Revisão ............................... 85O que revê Inácio ..................................................................... 85O que nós revemos ................................................................... 90Uma caminhada com o Senhor: Um dia com Don ................... 92Uma experiência de discernimento: Um dia com Susana .......... 95A prática do terceiro passo: Revisão .......................................... 99

Capítulo Seis – Quarto Passo: Perdão ..................................... 101Perdão e relação ........................................................................ 101A nossa imagem de Deus .......................................................... 103«O Amor deu-me as boas-vindas» ............................................. 105A prática do quarto passo: Perdão ............................................. 108

Capítulo Sete – Quinto Passo: Renovação .............................. 113Olhando para o futuro ............................................................. 113Crescimento espiritual: Um dia com Joana ............................... 116Escolhendo os compromissos: Um dia com Kevin .................... 117

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Índice

No meio da agitação: Um dia com Elaine ................................. 118A prática do quinto passo: Renovação....................................... 121

Capítulo Oito – Flexibilidade ................................................. 125O exame e o indivíduo ............................................................. 125Na liberdade do Espírito ........................................................... 129Fidelidade criativa .................................................................... 131

Terceira ParteCONDIÇÕES

Capítulo Nove – O Ambiente Geral do Exame ....................... 137A importância da ambientação ................................................. 137Acompanhamento espiritual ..................................................... 139O exame e a nossa vida de oração ............................................. 143Desenvolver a capacidade contemplativa .................................. 144

Capítulo Dez – O Ambiente Específico do Exame ................. 151Iniciar e concluir o exame ......................................................... 151

Entrar na oração do exame .................................................... 151Terminar a oração do exame .................................................. 155

«Onde é que posso rezar o exame?» ........................................... 157«Será que eu tenho tempo para o exame?»................................. 160

Um olhar à tradição ............................................................. 161Um olhar à nossa realidade ................................................... 164

A escrita de um diário e o exame .............................................. 167Renovação periódica no exame ................................................. 171

Quarta ParteCORAGEM

Capítulo Onze – O Exame e a Coragem de Amar ................... 175«Fui enviado a contar as tuas pegadas» ...................................... 175

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A Oração do Exame

Inícios ...................................................................................... 178As feridas do coração ................................................................ 181

Capítulo Doze – O Exame e o Abandono ao Amor ................ 187Consolação espiritual e desolação espiritual .............................. 187Abandonar-se ........................................................................... 193«O amor não busca outro motivo fora de si» ............................. 197

Quinta ParteFRUTO

Capítulo Treze – O Exame e a Comunidade ........................... 201O fruto do exame inaciano ....................................................... 201O fruto do nosso exame ........................................................... 203Uma percepção em discernimento ao longo do dia ................... 206O exame e a vida em comum ................................................... 209

Capítulo Catorze – O Exame e as Escolhas ............................. 215«Venho para fazer a tua vontade» .............................................. 215Clarificação progressiva ............................................................ 219Encontrar a Deus em todas as coisas ......................................... 220

Bibliografia Adicional ................................................................ 227Índice........................................................................................ 229