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A ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL COMO ELEMENTO DE CONEXÃO EM FACE DOS DIREITOS HUMANOS Revista de Direito Privado | vol. 35 | p. 134 | Jul / 2008 | DTR\2008\428 Israel Alves Jorge de Souza Graduado em Direito pela UNESP. Funcionário da Unidade de Políticas Públicas do Sebrae Nacional. Área do Direito: Constitucional; Internacional Resumo: * O direito internacional privado, ciência que objetiva escolher a lei aplicável nos conflitos espaciais de normas, caracteriza-se por seu apego aos princípios. Entre o rol específico de princípios, por sua vez, encontra-se a ordem pública internacional, cuja conceituação é historicamente controversa. Tradicionalmente, tem sido compreendida como exceção à aplicação de preceito estrangeiro, quando este atenta contra os princípios internos por ela representados. Esta visão territorialista, entretanto, coaduna-se com a chamada ordem pública interna, permitindo-se em conseqüência o vislumbre de uma ordem pública verdadeiramente internacional, cujo conteúdo valorativo é preenchido pela ética atual dos direitos humanos. Tal consenso ainda não figura efetivamente em termos institucionais, no que tange ao direito internacional público, mas já pode ser utilizado no direito internacional privado como um novo elemento de conexão. Esta é a proposta a ser adiante detalhada. Sugere-se, assim, mais do que uma simples associação entre os direitos humanos constitucionais e o princípio em questão, como já pretendem algumas doutrinas. Busca-se, na verdade, legitimar a conexão dos indivíduos do caso concreto à principiologia humanitária internacional, numa efetivação interna da chamada cidadania mundial. Palavras-chave: Ordem pública internacional - Direitos humanos - Novo direito internacional privado Abstract: The Private International Law aims to choose the applicable law in space conflicts of standards, and it is characterized by its attachment to the principles. One of these principles is the international public order, whose concept is historically controversial. Traditionally, it has been understood as an exception to the application of foreign precept, when this precept wounds the internal principles. However, this territorial vision is in line with the internal public order. It is possible, therefore, an identification of the truly international public order, which is filled by human rights ethics. This consensus has not institutional terms, in the Public International Law, but it can be used in Private International Law as a new connection element. This is the proposal to be detailed below. It is suggested more than a simple association between the constitutional human rights and the principle in question. The goal is to base a connection between the individuals and the human rights international principles. Keywords: International public order - Human rights - New private international law Sumário: 1. Introdução - 2. A ordem pública internacional - 3. A universalidade dos direitos humanos - 4. A ordem pública internacional e os direitos humanos - 5. A situação no Brasil - 6. Considerações finais - Referências 1. Introdução O direito internacional privado tem por objetivo determinar qual lei regerá um fato, ato jurídico ou relação de direito quando da incidência de mais de um ordenamento jurídico nacional. É, assim, "o direito que rege os fatos em translação, girando através do espaço ao redor de leis diversas ou de fatos situados entre leis espacialmente contrárias". 1 Entre os princípios direcionadores desta escolha da lei aplicável, por sua vez, um dos mais importantes e controversos é a ordem pública, cujos contornos presentes e futuros serão a seguir analisados. Em sua conotação moderna, surgiu de diversas fontes doutrinárias nos séculos XVII e XVIII, e sempre suscitou novas idéias e proposições na história da doutrina. De forma geral, no entanto, as tradicionais conceituações de ordem pública, no âmbito do direito internacional privado, apresentam um caráter estritamente restrito ao Estado, sendo a própria denominação incoerente com a compreensão que se tem deste conceito. Fala-se em ordem pública internacional referindo-se, na verdade, à principiologia interna do país e às normas nela inspiradas. Sendo assim, a compreensão convencional do princípio nada tem que ver com o que se pode chamar de ordem pública verdadeiramente internacional. Atualmente, com o desenvolvimento do direito internacional dos direitos humanos, a distinção entre o direito internacional privado e o direito internacional público torna-se cada vez mais inócua, e a relação entre esta ordem pública verdadeiramente internacional e os direitos humanos evidencia-se nitidamente. Já é possível, neste âmbito, reconhecer a existência de uma ordem pública comum a vários Estados, ou seja, verdadeiramente internacional. É fato que ainda não há mecanismos para uma plena imposição normativa deste princípio, em âmbito internacional. O direito internacional privado,

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A ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL COMO ELEMENTO DE CONEXÃO EM FACE DOS DIREITOS HUMANOS

Revista de Direito Privado | vol. 35 | p. 134 | Jul / 2008 | DTR\2008\428

Israel Alves Jorge de Souza

Graduado em Direito pela UNESP. Funcionário da Unidade de Políticas Públicas do Sebrae Nacional.

Área do Direito: Constitucional; Internacional

Resumo: 

* O direito internacional privado, ciência que objetiva escolher a lei aplicável nos conflitos espaciais de normas, caracteriza-se por seu apego aos princípios. Entre o rol específico de princípios, por sua vez, encontra-se a ordem pública internacional, cuja conceituação é historicamente controversa. Tradicionalmente, tem sido compreendida como exceção à aplicação de preceito estrangeiro, quando este atenta contra os princípios internos por ela representados. Esta visão territorialista, entretanto, coaduna-se com a chamada ordem pública interna, permitindo-se em conseqüência o vislumbre de uma ordem pública verdadeiramente internacional, cujo conteúdo valorativo é preenchido pela ética atual dos direitos humanos. Tal consenso ainda não figura efetivamente em termos institucionais, no que tange ao direito internacional público, mas já pode ser utilizado no direito internacional privado como um novo elemento de conexão. Esta é a proposta a ser adiante detalhada. Sugere-se, assim, mais do que uma simples associação entre os direitos humanos constitucionais e o princípio em questão, como já pretendem algumas doutrinas. Busca-se, na verdade, legitimar a conexão dos indivíduos do caso concreto à principiologia humanitária internacional, numa efetivação interna da chamada cidadania mundial.

Palavras-chave: Ordem pública internacional - Direitos humanos - Novo direito internacional privado

Abstract: 

The Private International Law aims to choose the applicable law in space conflicts of standards, and it is characterized by its attachment to the principles. One of these principles is the international public order, whose concept is historically controversial. Traditionally, it has been understood as an exception to the application of foreign precept, when this precept wounds the internal principles. However, this territorial vision is in line with the internal public order. It is possible, therefore, an identification of the truly international public order, which is filled by human rights ethics. This consensus has not institutional terms, in the Public International Law, but it can be used in Private International Law as a new connection element. This is the proposal to be detailed below. It is suggested more than a simple association between the constitutional human rights and the principle in question. The goal is to base a connection between the individuals and the human rights international principles.

Keywords: International public order - Human rights - New private international law

Sumário:1. Introdução - 2. A ordem pública internacional - 3. A universalidade dos direitos humanos - 4. A ordem pública internacional e os direitos humanos - 5. A situação no Brasil - 6. Considerações finais - Referências 

1. IntroduçãoO direito internacional privado tem por objetivo determinar qual lei regerá um fato, ato jurídico ou relação de direito quando da incidência de mais de um ordenamento jurídico nacional. É, assim, "o direito que rege os fatos em translação, girando através do espaço ao redor de leis diversas ou de fatos situados entre leis espacialmente contrárias". 1Entre os princípios direcionadores desta escolha da lei aplicável, por sua vez, um dos mais importantes e controversos é a ordem pública, cujos contornos presentes e futuros serão a seguir analisados. Em sua conotação moderna, surgiu de diversas fontes doutrinárias nos séculos XVII e XVIII, e sempre suscitou novas idéias e proposições na história da doutrina. De forma geral, no entanto, as tradicionais conceituações de ordem pública, no âmbito do direito internacional privado, apresentam um caráter estritamente restrito ao Estado, sendo a própria denominação incoerente com a compreensão que se tem deste conceito. Fala-se em ordem pública internacional referindo-se, na verdade, à principiologia interna do país e às normas nela inspiradas. Sendo assim, a compreensão convencional do princípio nada tem que ver com o que se pode chamar de ordem pública verdadeiramente internacional.

Atualmente, com o desenvolvimento do direito internacional dos direitos humanos, a distinção entre o direito internacional privado e o direito internacional público torna-se cada vez mais inócua, e a relação entre esta ordem pública verdadeiramente internacional e os direitos humanos evidencia-se nitidamente. Já é possível, neste âmbito, reconhecer a existência de uma ordem pública comum a vários Estados, ou seja, verdadeiramente internacional. É fato que ainda não há mecanismos para uma plena imposição normativa deste princípio, em âmbito internacional. O direito internacional privado, entretanto, apresenta características específicas que possibilitam o seu acolhimento teórico e prático, em sua dinâmica tarefa de eleger a lei aplicável. Carlos Eduardo de Abreu Boucault bem expressa a atual coerência de proposições neste sentido, ao afirmar:

"(...) se, por um lado, o princípio da ordem pública tem embasado normas jurídicas tendentes a restringir ou afastar os efeitos das situações criadas pela lei estrangeira, faz aflorar, em contrapartida, elaborações doutrinárias voltadas para a adoção de um enfoque conceitual sob o qual a ordem pública, sem abdicar de sua função protetiva da integridade do ordenamento jurídico, propicia modelos de recepção das leis estrangeiras". 2

Realmente, o reconhecimento da ordem pública internacional, embora ainda incipiente, já tem impulsionado diversos esforços doutrinários. E os direitos humanos, neste contexto, têm penetrado cada vez mais no objeto científico dos estudiosos do direito internacional privado. Justamente pelo caráter de franco desenvolvimento, contudo, permitem-se

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inovações teóricas que contribuam, neste viés, para a proteção da pessoa humana. Assim, perpassando-se pelas construções antecedentes e correlatas, pretende-se ao final a proposição de utilização do princípio da ordem pública internacional como um novo elemento de conexão, que promova a efetivação dos direitos humanos no caso concreto. Tal princípio, assim, não será encarado apenas como mera exceção à aplicação de norma estrangeira - exceção esta que, na verdade, conforme demonstrar-se-á adiante, não passa de invocação da ordem pública interna.

 

2. A ordem pública internacional 

2.1 Ordem pública

Primeiramente, faz-se necessário compreender que a ordem pública consiste num princípio, e não numa categoria de leis. O fenômeno da ordem pública é exógeno e não endógeno à lei. É um princípio que reflete ou representa o estágio de desenvolvimento ético-filosófico de determinado grupo social, em determinada época. Sendo assim, não há leis de ordem pública, e sim leis que a refletem em determinado tempo ou local, seja no âmbito público ou privado do respectivo ordenamento. O princípio, portanto, não é afetado somente pelo que a lei proíbe, e nem todas as proibições o refletem. Sendo fruto da sensibilidade média de uma sociedade - e tendo, por isso, a sentença ou o sentir judicial como sua expressão clássica -, seu desenvolvimento pode simplesmente não coincidir com a evolução legislativa. Isto não significa, porém, que não haja uma imanência ao ser humano de certos princípios. Na verdade, esta relatividade espacial e temporal da ordem pública refere-se à maior ou menor proximidade entre o desenvolvimento ético de determinada sociedade e os valores comuns à própria essência humana.

De qualquer forma, é fato que esta dinâmica do princípio não se restringe à esfera interna, estando também presente no direito internacional, nas intersecções valorativas ao redor do orbe. Resulta, desta forma, uma divisão classificatória em ordem pública interna e ordem pública internacional. A dicotomização é comumente atribuída a Charles Brocher, e sempre suscitou posicionamentos controversos. No Brasil, apareceu nos projetos de Felício dos Santos e de Beviláqua e acabou por ser abandonada nas Introduções de 1916 e 1942. Na doutrina nacional, foram favoráveis a ela Rodrigo Otávio, Clóvis Beviláqua, Eduardo Espínola, Valladão e Irineu Strenger. Entre os contrários se destacaram Oscar Tenório, Amílcar de Castro, Gama e Silva, Batalha, Pilla Ribeiro e Dolinger. 3Este último, na verdade, destrinchou o princípio em três níveis de gradação quanto à incidência de aplicação, considerando que neles varia a intensidade restritiva. Sua maior contribuição, entretanto, centra-se no reconhecimento de uma "ordem pública verdadeiramente internacional", conforme será adiante citado e analisado.

Seja como for, as discussões quanto à existência ou não da referida dicotomia geralmente orbitam em torno de um conceito de ordem pública territorialista. Sendo assim, qualquer posição a respeito que com este conceito não se relacione livra-se automaticamente das críticas respectivas. Se a ordem pública internacional é encarada nitidamente como uma expressão do conceito de ordem pública vigente em determinada nação, no tocante às relações com ordenamentos estrangeiros, resta óbvio que a diferenciação entre ordem pública interna e internacional é absolutamente desnecessária. Se, por outro lado, compreende-se que haja uma ordem pública verdadeiramente internacional, a distinção torna-se clara e óbvia. Apesar de carecer das considerações que seguirão, a colocação desta classificação é imprescindível como ponto de partida.

 

2.2 Ordem pública no direito internacional público

Antes da análise do princípio no âmbito do direito internacional privado, conforme anunciado, faz-se essencial identificá-lo também na seara pública do Direito Internacional. Há consenso mundial sobre determinados valores, mas a sua proteção jurídica, em nível internacional, ainda sofre a influência do poder individual dos Estados soberanos. Devido ao baixo grau de coercibilidade, numa ausência de mecanismos compulsórios imparciais de aplicação das normas, o direito internacional público ainda aparenta ser ineficaz ou até inexistente, conforme sustentam os mais céticos. As concepções da Paz de Westfália - que permitiram o reconhecimento aos Estados europeus de plena soberania, criando uma sociedade internacional relacional - e da Carta das Nações Unidas - que coletivizou as ações em casos de ameaça à paz, começando a estabelecer um nível institucional nas relações internacionais - ainda convivem. A verdade é que as primeiras parecem ter sido superadas, mas as segundas ainda não se consolidaram.

Não se pode negar que a Organização das Nações Unidas (ONU) representa um marco positivo na história da humanidade. Sérgio Vieira de Mello a considerava como o único instrumento capaz de humanizar a história, mediante uma inédita extração dos princípios e interesses comuns à comunidade internacional. Para ele, a ONU demonstrava que "a aliança sobre o interesse comum é possível tanto no que diz respeito aos princípios quanto na prática".4Na fase de transição das ultrapassadas concepções de soberania ilimitada para esta institucionalização das relações internacionais, entretanto, permanece a possibilidade de condutas como a norte-americana. A invasão ao Iraque, em 2003, representou lamentável retrocesso ao modelo estabelecido pela Paz de Westfália.

Mesmo assim, já há diversos indícios de direcionamento a uma efetiva institucionalização das relações entre os Estados, ou seja, de concretização normativa do princípio da ordem pública internacional. De imediato, pode-se notar que a gama de documentos internacionais que compõe o movimento dos direitos humanos apresenta um sentido positivo para uma implementação e promoção crescentes, e não apenas uma prevenção contra futuras atrocidades. Situam-se tais documentos praticamente na mesma posição das chamadas normas programáticas: não possuem plena aplicabilidade concreta, mas delimitam um sentido a ser observado na realização do Direito. Roberto de Campos Andrade, aprofundando a questão, defendeu em recente tese que o Tribunal Penal Internacional, criado pelo Estatuto de Roma de 1998, deveria ter sua competência ampliada, interpretativamente, diante do desenvolvimento da ordem pública internacional. A competência do Tribunal é limitada ao território e aos nacionais dos países que ratificaram o Estatuto, mas Andrade sustenta uma superação destes limites:

"O reconhecimento das normas penais do Estatuto de Roma como normas de natureza cogente constitui importante passo na consolidação de um núcleo rígido de ordem pública internacional, gerador de obrigação  erga omnes aos sujeitos de direito internacional, independentemente da manifestação de seu consentimento. Adere, assim, a uma

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concepção do direito internacional segundo a qual os Estados estão vinculados a uma ordem jurídica que preserva valores comuns de interesse da humanidade, dentro de um patamar ético mínimo (...)." 5

Mesmo havendo, de fato, crescentes manifestações da ordem pública internacional no âmbito do direito internacional público, a coerção garantidora da execução dos objetivos comuns ainda está em desenvolvimento. O presente estudo, entretanto, apóia-se no fato de que, embora ainda incipiente em termos de vinculação jurídica supra-estatal, a ordem pública internacional já pode ser sentida como princípio a ser utilizado no direito internacional privado e sua interação com a proteção aos direitos humanos. Pioneira se torna esta última ciência, assim, podendo adiantar a utilização de princípios que futuramente fundamentarão positivações mundiais.

 

2.3 Ordem pública no direito internacional privadoSegundo a maioria absoluta dos doutrinadores, ordem pública é, em direito internacional privado, o conjunto de princípios implícitos e explícitos na ordenação jurídica nacional que obstam a aplicação do direito estrangeiro que os contradiga. Enquanto a ordem pública no direito interno objetiva o equilíbrio das forças sociais, a ordem pública no âmbito do direito internacional privado visaria evitar que a aplicação de leis estrangeiras, de acordo com as regras de conexão, traumatizasse a sociedade nacional. Para Rodolfo Vádalos Fernández, por exemplo, "el orden público internacional se concibe como barrera a la aplicación de las leyes extranjeras, mientras que el orden público interno resulta un limite a la autonomía de la voluntad". 6Fica claro, assim, que tal conceito apresenta uma compreensão extremamente territorialista.No Brasil, o primeiro texto que se referiu à ordem pública foi o Dec. 6.982, de 27.07.1878. Foi projetado por Lafayette Pereira e vedava a execução de sentença estrangeira no Brasil quando contrariasse a soberania nacional, as "leis rigorosamente obrigatórias", as leis reguladoras da organização da propriedade territorial e as "leis de moral". A Introdução ao Código Civil de 1916 (LGL\1916\1) seguiu essa linha, estabelecendo em seu art. 17 que "as leis, atos, sentenças de outro país (...) não terão eficácia quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes". A Lei de Introdução ao Código Civil (LGL\2002\400) de 1942, por fim, manteve praticamente a mesma disposição, preservando também no art. 17 a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes. 

2.4 Ordem pública internacionalComentando sobre a ordem pública internacional, no entanto, Pontes de Miranda afirmou que "nada tem ela, nem nada poderá ter, com a noção de ordem pública de Direito internacional privado". 7Para ele, a chamada ordem pública internacional seria uma "regra imperativa de direito das gentes" que o juiz ainda não vislumbrara nitidamente entre os princípios deste direito. Por ser uma expressão vaga e abstrata, Pontes de Miranda a considerava um conjunto de princípios ainda pouco claros do direito internacional. Ora, estas considerações foram escritas anteriormente ao extraordinário desenvolvimento do direito internacional dos direitos humanos no pós-guerra, principalmente com a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Atualmente, assim, estes princípios, que para Pontes de Miranda eram nebulosos, configuram-se nítidos no cenário internacional, principalmente no âmbito dos direitos humanos.O grande jurista brasileiro estava correto ao afirmar que a ordem pública internacional nada tem que ver com a ordem pública de direito internacional privado - ele afirmou, ainda, que quando se coloca esta última sob a denominação daquela refere-se, na verdade, ao que denominam ordem pública interna; esta, por sua vez, quando assim denominada, seria o conjunto de leis competentemente feitas. 8Ele distinguiu, portanto, a ordem pública internacional da divisão entre leis competentemente feitas (denominadas convencionalmente de ordem pública interna) e ordem pública interna (denominada convencionalmente de ordem pública internacional, pela maioria dos doutrinadores de direito internacional privado). Pode-se, assim, reforçar a conclusão no princípio expressa. Há uma ordem pública interna, que se apresenta como exceção no direito internacional privado, e outra internacional.

Devido ao contexto histórico em que viveu, Pontes de Miranda não pôde identificar os princípios desta ordem pública internacional que brilhantemente distinguiu e isolou. Tal tarefa, por sua vez, constitui-se possível hoje, quando as relações entre os Estados passam a se balizar por uma crescente consciência de comunidade jurídica internacional. No contexto atual, a ordem pública internacional abrange normas internacionais de vida dupla, ou seja, normas com independência, por pertencerem ao plano internacional, mas também integradas ao direito interno das nações. A boa-fé, o cumprimento dos acordos e os direitos humanos, assim, constituem elementos considerados na ordem pública internacional. São fruto de um direito comum internacional, apoiado não só no direito internacional público, mas também no costume internacional. Raros são os doutrinadores que chegaram a estas conclusões, fugindo da conceituação tradicional do princípio. Entre eles, destaca-se Jacob Dolinger, que assim afirmou quanto à "ordem pública universal":

"Começa-se a delinear um aspecto totalmente novo da ordem pública no plano internacional (...), que ao invés de impedir a aplicação de determinadas leis estrangeiras, objetiva a colaboração no plano legislativo e jurisdicional para atingir objetivos que interessam à sociedade internacional como um todo. É uma ordem pública de caráter positivo, esta sim regra, e não exceção, eventualmente definível e de aplicação numa variedade de campos do direito". 9

Irineu Strenger também identificou, de certa forma, a necessidade de superação da visão restrita de ordem pública internacional:

"A universalização das relações interestatais (...) gerou em nível de direito internacional público o aparecimento de normas e princípios de distinto alcance e natureza jurídica, que expressam os pontos mínimos de acordo da comunidade internacional em torno da consideração da pessoa e de seu estado jurídico. Como fruto desse consenso generalizado, tais normas e princípios aparecem como valores jurídicos essenciais que devem ser defendidos pelo Estado no momento de aplicar seu sistema de direito internacional privado, constituindo algumas vezes autênticas regras jurídicas vinculantes (...). Em conseqüência, produz-se uma correlação entre direito internacional público e interno (...). Que isto é assim pode ser visto em toda a temática dos direitos humanos". 10

As ligações entre a ordem pública internacional e os direitos humanos, já pontualmente insinuadas, são realmente bem evidentes. Antes de analisá-las a fundo, porém, requer-se uma análise sobre a universalidade destes direitos.

 

3. A universalidade dos direitos humanos

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Antecedendo ao início do direito internacional dos direitos humanos, chegou-se a desenvolver a noção de que o direito criava obrigações jurídicas nas relações perpetradas entre Estados, mas desde que "civilizados". O conceito europeu de civilização, assim, limitava a participação na "sociedade internacional". O Ocidente, por sua vez, qualificava as nações orientais como bárbaras e não iluminadas. Era óbvia, enfim, a influência cultural na escolha de valores universais e interesses comuns. Após as duas Grandes Guerras, então, os direitos humanos tornaram-se um núcleo em torno do qual passaram a gravitar todos os Estados. Vive-se hoje, assim, um processo cujo ápice é claramente previsível e já percebido, crescendo a expectativa de um padrão comum cada vez mais abrangente. A noção e a proteção dos direitos humanos já são pacificamente reconhecidas como princípios do Direito Internacional, e esta universalidade foi categoricamente reafirmada na Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, ocorrida em Viena no ano de 1993. 11

Ocorre, entretanto, que tal universalidade tem ensejado alguns debates, atualmente, diante das tendências pluralistas do pós-modernismo jurídico. Surge aparente paradoxo entre a promoção consensual dos direitos humanos e o contemporâneo relevo que se tem dado às diferenças culturais. Ao mesmo tempo em que se defendem limites intocáveis do ser humano, erige-se a importância da tolerância para a preservação destes próprios direitos. A cultura pós-moderna pode ser sintetizada na tentativa cética de abandonar as verdades e certezas modernas, valorizando-se o relativismo e rejeitando-se consensos absolutos. No campo jurídico, uma de suas principais influências é o "pluralismo", que se resume na idéia de tolerância e respeito - jurídico e moral - às diferenças. Isto envolve "a atribuição de valor das diferentes comunidades humanas a comportamentos ou símbolos sociais". 12

Ao mesmo tempo em que se prega o fim das certezas e dos consensos, entretanto, reconhece-se que os direitos humanos são absolutos e não podem sofrer limitação em sua concepção. Tentam alguns defender como natural e compreensível este paradoxo, criando expressões contraditórias e confusas. Joaquín Herrera Flores, 13por exemplo, fala em "universalismo de contrastes, de entrecruzamento, de mesclas", ou ainda num "universalismo impuro". Não bastam, entretanto, meros malabarismos conceituais que não produzam uma compreensão satisfatória da realidade. O pensamento de Jürgen Habermas, assim, pode contribuir à questão. Relaciona ele, de forma diferenciada, as concepções filosóficas contemporâneas a tendências políticas e culturais neoconservadoras, interessadas no combate aos ideais iluministas. Viver-se-ia na atualidade, portanto, uma espécie de retorno a um estado ético-filosófico rompido pela modernidade. Em capítulo denominado "O entrosamento entre o mito e o Iluminismo: Horkheimer e Adorno", o mestre alemão assim raciocina:"A espécie humana afastou-se, portanto, sempre mais das origens no processo histórico-universal do iluminismo, não se libertando todavia da compulsão mítica de repetição. O mundo moderno, o mundo integralmente racionalizado, só aparentemente está desencantado. Sobre ele paira a maldição da reificação demoníaca e do isolamento mortal. Os sintomas de paralisia de uma emancipação que se torna vã expressam a vingança das potências da origem sobre aqueles que tinham de se emancipar e todavia não conseguiram escapar-se." 14

Esta tendência atual de recuperação ou retorno também é muito bem expressa por Fábio Konder Comparato, que ainda vislumbra a sua relação com os movimentos dos direitos fundamentais e de valorização da pessoa humana. Afirma ele:

"O longo caminho da evolução histórica tende as nos conduzir, nesta perspectiva, à geração da humanidade-pessoa: a nossa espécie torna-se mais consciente de sua posição no mundo, e procura elevar-se indefinidamente rumo ao absoluto, em busca daquele ponto focal onde a mística religiosa sempre situou a divindade." 15

O processo, porém, não pode ser encarado apenas como retorno, e aí está o caráter um tanto paradoxal da pós-modernidade. Há outra faceta: a do recomeço. Os direitos humanos são respeitados como inquestionáveis e universais, mas num contexto em que se tenta a libertação de outras verdades construídas na modernidade. Estes dois lados do pós-modernismo são bem identificados por Habermas, que num diálogo com o pensamento de Nietzsche afirma o seguinte:"Em todo caso, a renovação nietzscheana do quadro do mito originário encaixa nesta mentalidade: a cultura autêntica há muito que entrou em declínio; paira sobre o presente a maldição do afastamento das origens; e daí que Nietzsche conceba o prenúncio da cultura que está para vir - anti-utopicamente - como um regresso e um recomeço". 16

É forçoso concluir que a chamada cultura pós-moderna, enfim, ainda encontra-se em formação, tentando conciliar a libertação dos "dogmas" modernos com a necessidade de manutenção de alguns deles. Não se pode olvidar que a teoria que engendrou todo o movimento de afirmação e positivação dos direitos humanos foi a jusnaturalista, mais especificamente o Jusnaturalismo racionalista. Sem caber aqui um julgamento sobre as motivações teológicas que ainda se faziam presentes nele, é fato que sua visão absoluta dos direitos humanos continua vigente no aceite da sua aclamada universalidade.

Gerson de Britto Mello Boson entende o processo diferenciando a fundamentação teórica da "dinâmica de coordenação", ou seja, a pós-modernidade herda pacificamente a noção absoluta dos direitos humanos, mas pretende protegê-los sem dela lembrar-se, ou de forma a negá-la e não admiti-la na prática. Expressa bem o mestre esta compreensão ao afirmar que "os princípios ecumênicos ontognosiológicos e os princípios jurídicos naturais, universais (...) constituem o assento necessário dos princípios jurídicos institucionais de ambas as ordens, interna e internacional. Assento, mas não dinâmica de sua coordenação". 17

Têm-se aceito, nesta linha da universalidade teórica, que não é cabível sobrepor a defesa da diversidade cultural à proteção de tais direitos. Entretanto, preservacionistas culturais insistem numa "legitimação", pela cultura local, de desrespeitos aos sujeitos dela participantes, valorizando mais os costumes coletivos do que o bem-estar individual. Ocorre que as tendências relativistas da pós-modernidade não são, por esforço dela própria, estendidas à noção de direitos humanos. Na verdade, a própria noção de cultura, por si só, não comporta a idéia de estaticidade. Cultura é a influência da soma de experiências anteriores - perpetuadas pela memória coletiva - sobre a ação humana. 18Acrescentar novas experiências a esta soma, portanto, consiste numa dinâmica natural, podendo ou não significar perda de identidade. Esta não ocorrerá quando a introdução de elementos externos limitar-se a proteger os direitos humanos. Enfim, se o simples fato de ser humano implica determinados direitos, resta óbvia a assertiva de que costumes tradicionais ruins à população não podem ser tolerados em nome da heterogeneidade.A aversão ao absoluto permanece crescendo e continua sendo útil, mas passa a perder espaço no tocante à noção de tais direitos. Não há seres mais humanos que outros, e nenhuma tradição local, seja quais forem as tentativas de justificação, pode relativizar este princípio. Não se trata, ressalte-se, de uma homogeneização autoritária e ambiciosa, que sorrateiramente imponha um modo de vida particular. A convergência universal para a defesa dos direitos humanos é no sentido de eliminar desrespeitos a estes direitos, e permitir que a partir de um mínimo de dignidade se desenvolva a diversidade saudável, esta sim legítima e responsável pelo colorido multicultural que dá vida à

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experiência humana. A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem surgiu desta forma. Entre os trabalhos preparatórios à sua origem, figuraram diversas consultas aos países. Este cuidado explica o caráter universal e basilar do documento, permitindo-se que sobre ele permanecessem certas diferenças culturais. O direito à diferença, portanto, ganha relevo "na medida em que esta se configure como expressão casuística da dignidade da pessoa humana", nas palavras de Bruno Miragem. 19

Um exemplo de respeito às diferenças culturais mas primeiramente aos direitos humanos, neste equilíbrio em que prepondera indivíduo, é um caso alemão do qual se ocupou o Tribunal de Relação de Karlsruhe.  20Um casal de marroquinos que vivia na Alemanha, sendo que casaram-se ainda marroquinos, mas o varão já tinha obtido a nacionalidade alemã, pediram a adoção de uma criança marroquina. A lei aplicável seria a do Direito marroquino, que proíbe a adoção, na linha teológica do Alcorão. Geralmente, nestes casos, invoca-se a ordem pública alemã para permitir a adoção e proteger a criança. Neste caso específico, porém, a Relação de Karlsruhe também levou em conta a identidade cultural. Sugeriu-se ao juiz de primeira instância, assim, que admitisse a "kafala", instituto do direito islâmico com efeitos menores do que a adoção plena alemã, mas que proporciona um acolhimento familiar. Citou-se, neste sentido, a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, de 1989.

O caso jurisprudencial demonstra que as diferenças culturais devem ser respeitadas, mas desde que primeiramente se garanta, em sua totalidade, a dignidade da pessoa humana envolvida. Não seria coerente simplesmente afastar a adoção, primando-se apenas pela peculiaridade cultural e relegando a criança a segundo plano. Por outro lado, manter a tradição jurisprudencial alemã, ignorando o direito marroquino e as ligações culturais da pessoa humana envolvida, também não seria uma decisão totalmente adequada, embora já muito melhor que a anterior. O que se fez, enfim, foi conciliar ambas as necessidades, mas com claro predomínio ao bem-estar da criança, já que permaneceu esta com os interessados em sua adoção. Foram protegidos direitos humanos indissociáveis das particularidades culturais, e não estas particularidades em si.

 

4. A ordem pública internacional e os direitos humanos

O princípio da ordem pública internacional não deve ser confundido com a idéia de ordem entre Estados. Trata-se, na verdade, de valores que interessam à humanidade. Esta sim vem se tornando o cerne da nova organização política universal, que enfatiza o conjunto dos seres humanos individuais. É uma tendência extremamente coerente, pois é óbvio que os valores da sociedade internacional só podem fazer sentido se afetos aos interesses primários da sociedade humana. Noções como esta ressurgem na atual cultura dos direitos humanos - como já comentado na análise do pós-modernismo e sua faceta de retorno. Ressurgem, reforce-se, devido às peculiaridades históricas da crítica filosófica ao direito e ao Estado. Em sua primeira fase, foram eles pensados por filósofos, tendo a ética papel central no processo. Foi assim que, iniciando-se com Platão e Aristóteles, esta etapa contou com Agostinho, Tomás de Aquino, Guilherme de Ockham, Hobbes, Spinoza, Locke, Rousseau, Kant, Hegel e Marx.

A tradição, porém, foi interrompida no século XIX, quando os grandes filósofos deixaram de dedicar-se ao discurso do direito e do Estado, ou passaram no máximo a lhe conferir atenção secundária. Começaram a debruçar-se sobre a teoria social, a hermenêutica, a fenomenologia e a teoria da ciência. O estudo da teoria do direito e do Estado, assim, restringiu-se aos juristas, que, embora não tivessem perdido o contato com a filosofia - como bem demonstra a escola histórica do direito, com Savigny e outros -, acabaram por deixar de lado as questões essencialmente éticas. Cresceram na ciência jurídica, assim, o historicismo e o positivismo, praticamente ignorando a perspectiva ética. Foi positiva, de certa forma, a concretização histórica e jurídica do discurso do direito e do Estado, evitando-se um moralismo precipitado e sem fundamento. Mas, por outro lado, perdeu-se a perspectiva da justiça.

Praticamente abandonado o direito natural, foi ela enquadrada num novo paradigma, o da Filosofia do Direito. Este último também objetivava ir além dos dados empíricos do Direito Positivo para poder lidar melhor com ele, mas sempre baseado na lógica do razoável. Ocorreu, então, que o caráter de não-razoabilidade da experiência totalitária, no século XX, esgotou a atuação e relevância do paradigma da Filosofia do Direito. A experiência nazista, na vertente capitalista, e o stalinismo, na socialista, trataram o ser humano como supérfluo e descartável. Desencadearam-se, em conseqüência, o movimento internacional em prol dos direitos humanos e o desenvolvimento do pós-modernismo jurídico. Celso Lafer, em diálogo com o pensamento de Hannah Arendt, comenta esta ruptura e afirma que não foi "fruto de uma ameaça externa, mas, ao contrário, foi gerada no bojo da própria modernidade e como desdobramento inesperado e não-razoável de seus valores". 21

O direito internacional dos direitos humanos, nestas circunstâncias, torna-se uma das formas de resgate da ética, ao elevar a dignidade da pessoa humana a valor supremo. A perspectiva da justiça, assim, volta a ditar o discurso filosófico do Direito e do Estado, nos moldes de uma ética dos direitos humanos. "Um discurso da justiça consciente dos problemas realiza, por isso, um passo de volta", nas palavras de Otfried Höffe. 22O mestre suíço ainda afirma, na linha dos comentários que acima se fizeram sobre a pós-modernidade jurídica, que "um redimensionamento do leviatã não realiza, à moda pós-moderna, despedida do principal (...), mas dá-lhe as boas vindas e procura produzir (...) uma fundamentação última". 23Nota-se que os valores protetores da pessoa humana fundamentam este retorno da ética e da justiça, restando analisar as respectivas influências no âmbito do direito internacional privado. Antes de relacionar os direitos humanos com a ordem pública internacional, porém, cabe perpassar pela faceta interna do processo. 

4.1 Direitos humanos e ordem pública interna

Os direitos humanos, conforme já visto, têm sido incorporados às Constituições nacionais. Sendo assim, também passam a representar a ordem pública interna, constituindo-se, na verdade, em seu núcleo principal. É justamente neste caminho que as relações entre ordem pública e direitos humanos têm sido analisadas na doutrina correlata, embora ainda não seja esta a específica proposta deste estudo. Considerando a ordem pública interna da forma tradicional, ou seja, como exceção à aplicação de norma estrangeira, já é possível correlacioná-la aos direitos humanos. Na identificação da lei aplicável, rejeitar-se-á, de imediato, aquela que contrarie disposição ou princípio constitucional. Os direitos humanos consagrados na Constituição, assim, funcionarão de guia ao direito internacional privado.

Além desta primeira e bem visível relação, a ordem pública interna também pode apresentar um caráter positivo, isto é, de promoção dos direitos fundamentais que compõe o seu núcleo valorativo. Obviamente, ao mesmo tempo em que impede a aplicação de determinada norma estrangeira, fundamenta a aplicação da norma nacional. É assim que a

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clássica solução de reconhecer a lei pessoal do indivíduo no tocante aos direitos da personalidade pode dar lugar à aplicação da lei nacional, tratando-se o estrangeiro exatamente como os nacionais. Esta influência da Constituição e sua principiologia humanitária no direito internacional privado tem sido denominada eficácia horizontal dos direitos humanos. Explique-se: tais direitos são, atualmente, considerados tanto na relação particular-Estado, quanto na perpetrada entre particulares.

Na primeira situação a preocupação é o Estado, pois o desequilíbrio de forças é evidente, a relação é vertical. Procuram-se, assim, garantias contra uma atuação estatal abusiva ou desproporcional, na linha que deu impulso inicial ao movimento dos direitos humanos. Na segunda hipótese, o desequilíbrio se dá quando possa ser equiparado à desproporção existente entre o Estado e o indivíduo. Figura da mesma forma, assim, um lado mais fraco que necessita ser protegido. Esta proteção, por sua vez, não se sobrepõe àquela existente no âmbito público, pois apenas agrega valores aos já consagrados. É a denominada eficácia horizontal dos direitos humanos, já que as relações que abrange se situam num mesmo "patamar" político.

Nota-se, portanto, que a dicotomia direito privado versus direito público, criada pelo direito romano, não se sustenta mais atualmente, diante da elevação da pessoa humana a eixo principal de todas as preocupações jurídicas. Tem sido, em conseqüência, restringida a mera didática. Observa-se aqui ser costume identificar a influência horizontal dos direitos humanos como uma tendência de publicização do direito privado. Entretanto, o que há na verdade é uma humanização e conseqüente harmonização. As freqüentes alterações se fundamentam na defesa da pessoa humana, conforme todos os comentários até aqui colocados, e não na valorização do "público". No Brasil desenvolve-se realmente um novo direito civil que busca atender aos ditames constitucionais, sendo denominado "direito civil constitucional". Não se trata de publicização, entretanto, mas de humanização mediante a incorporação dos direitos fundamentais - direitos humanos consagrados na Constituição. Prova disto é outra tendência, identificada por Diego P. Fernández Arroyo como "privatização" nas seguintes considerações:"(...) se viene desarrollando un marcado proceso de 'privatización' del poder regulador, fenómeno que puede analizarse en três niveles: el referido al margen que tienen los particulares (personas físicas o jurídicas) en una relación jurídica para establecer su marco concreto de derechos y obligaciones recíprocas, el vinculado con la atividad normativa y decisoria de alcance general elaborada fuera de los círculos oficiales, y el que se está dando en algunos ámbitos oficiales encargados de la codificación internacional". 24

Ora, seria contraditório reconhecer uma tendência de publicização e ao mesmo tempo de privatização. Na verdade não há nenhuma das duas em absoluto, e sim uma humanização tanto no âmbito privado quanto no público - melhor seria nem dividir desta forma, tendo-se em vista a fragilidade da dicotomia, mas a didática assim o exige. Por fim, poder-se-ia aqui, de forma bastante interessante, associar esta relação entre direitos humanos e ordem pública interna com determinadas disposições do Código Bustamante. Na 6.ª Conferência Panamericana, realizada em Havana no ano de 1928, os Estados americanos aprovaram o primeiro Código oficial de direito internacional privado. O Tratado passou a ser conhecido pelo nome do autor do projeto, e foi promulgado no Brasil em 13.08.1929, pelo Dec. 18.871. Continua como lei vigente no país, mas nunca foi muito eficaz, pois os juízes sempre preferiram adotar regras e princípios de leis internas, apegando-se à Introdução do Código Civil de 1916 (LGL\1916\1) e, posteriormente, à de 1942. Nos demais países signatários o desuso parece ser o mesmo.Ainda assim, Irineu Strenger afirma que "nem por isso podemos ignorar a existência desse Código e deixar de analisá-lo, porque realmente tem importância fundamental, não só no Brasil, senão em todos os países que hoje o admitem ainda como lei interna". 25Um dos motivos desta importância é o próprio caráter de Código, que expande a sua aplicação até mesmo aos nacionais de países não signatários. 26Além disso, apresenta alguns artigos bem coerentes com o Direito Internacional hodierno, especificamente com o direito internacional dos direitos humanos. Na parte geral, estabelece o art. 4.º que "os preceitos constitucionaes são de ordem publica internacional" (mantivemos a grafia original). Tal disposição coaduna-se com a idéia acima apresentada de que a Constituição preenche o conteúdo valorativo da ordem pública interna. Não haveria tanta novidade, porém, se não fosse o art. 5.º, cuja disposição auxilia na compreensão do sentido de seu antecedente. Dispõe-se ali que "todas as regras de protecção individual e collectiva, estabelecidas pelo direito politico e pelo administrativo, são tambem de ordem publica internacional, salvo o caso de que nellas expressamente se disponha o contrario" (mantivemos a grafia original).Fica clara, assim, a relação entre este conteúdo valorativo da ordem pública interna e os direitos humanos. Mais do que isto, pode-se até vislumbrar uma tentativa de homogeneização das diversas ordens públicas internas, na direção de uma internacional. Realmente, Antônio Sanchez de Bustamante y Sirvén afirmou que objetivara "señalar las relaciones entre el mencionado orden público internacional y los derechos adquiridos al amparo de las reglas de este Código". 27Surpreende o fato de ser o Código Bustamante da década de 20, época ainda distante do marco inicial do Direito Internacional dos Direitos Humanos, a saber, a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Ele já pretendia preencher o conceito de ordem pública com uma principiologia que expressasse determinados consensos. Seja como for, o fato é que também existem manifestações de uma relação entre os direitos humanos e a ordem pública verdadeiramente internacional. A proposta final será a de um novo elemento de conexão, neste sentido. Antes, porém, será exposta outra amostra desta afinidade contemporânea. 

4.2 A ordem pública internacional na Convenção Interamericana sobre Restituição Internacional de

MenoresFirmada em Montevidéu, em 15.07.1989, a Convenção Interamericana sobre Restituição Internacional de Menores (Cirim) foi ratificada pelo Brasil em 1994 e instituiu procedimentos para a localização, defesa do direito de visita e principalmente restituição de menores. Estrutura-se num sistema de cooperação internacional entre autoridades e regras de conflito, e estabeleceu novas definições. O principal objetivo é evitar o chamado legal kidnapping("rapto legal"), que se dá "quando alguém que pretenda obter a custódia do menor o desloca de um Estado onde outra pessoa tem a guarda, para, aproveitando-se da inexistência de litispendência ou coisa julgada internacional, pleiteá-la frente à outra jurisdição", explica José Augusto Fontoura Costa. 28

Quando o praticante do legal kidnapping consegue a guarda, torna-se muito difícil restituir a criança, restando extremamente grave a questão. A Cirim, assim, tem como principal preocupação a rápida restituição, evitando que a retirada da criança de seu ambiente natural a traumatize de forma irreversível. A discussão sobre o benefício ou não da restituição não é permitida no procedimento convencional. De forma geral, a prudência e a análise subjetiva do julgador atuam somente em caráter excepcional, estando justamente numa destas exceções o reconhecimento da ordem pública internacional. O art. 25 assim estabelece:

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"A restituição do menor disposta conforme esta Convenção poderá ser negada quando violar claramente os princípios fundamentais do Estado requerido, consagrados em instrumentos de caráter universal ou regional sobre direitos humanos e da criança".

Carmem Tibúrcio, comentando as disposições sobre ordem pública das Convenções Interamericanas de Direito Internacional Privado (CIDIP), bem afirma que neste artigo "a exceção é feita à ordem pública verdadeiramente internacional e não à ordem pública interna dos países envolvidos". 29Nota-se a permanência do sentido de exceção, nos moldes da doutrina clássica do direito internacional privado, mas a conotação não é restrita aos parâmetros estatais. É clara a referência à consagração internacional dos princípios fundamentais, em nítida valorização do consenso universal. Pressupõe-se que o Estado esteja pari passu com o desenvolvimento normativo internacional dos direitos humanos, e só por isto é ele citado. Se não houver tal coerência no caso concreto, portanto, estaria justificada uma invocação dos instrumentos de caráter internacional para evitar a restituição.A idéia, assim, é a de que se a restituição do menor for possível nos moldes da Convenção Interamericana, mas ao mesmo tempo "violar claramente os princípios fundamentais do Estado requerido, consagrados em instrumentos de caráter universal ou regional sobre direitos humanos e da criança", não deverá ocorrer. O foco do artigo é o patamar mínimo de desenvolvimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos, e não a fonte concreta representativa dele. Reconhece-se a ordem pública internacional no âmbito dos direitos humanos, em sua proteção universal. Raciocínio semelhante foi o desenvolvido pelo Tribunal de Relação de Karlsruhe, no caso de adoção supra comentado. Erik Jayme afirma que neste caso "a ordem pública revela um double coding: os direitos humanos configurados como valores universais e internacionais concretizam a ordem pública nacional. No centro está a criança e sua identidade cultural". 30O direito marroquino e a ordem pública alemã foram conjugados, pesando ambos para que esta última se adequasse ao estágio de desenvolvimento internacional dos direitos humanos. 

4.3 A ordem pública internacional como elemento de conexão

Diante do Direito Internacional dos Direitos Humanos e da conseqüente primazia da proteção da pessoa humana, tem decrescido a importância do clássico método conflitual, em prol da justiça material no caso concreto. Além de viabilizarem-se novas fontes e métodos, porém, a escolha da lei aplicável também pode e deve se alterar. Não deve haver exclusão e conseqüente substituição de técnicas, mas diálogo entre elas para que o rol de possibilidades em efetivar os direitos humanos no caso concreto seja o maior possível. É assim que se propõe um novo elemento de conexão, ou seja, uma nova circunstância ou motivo que vincule determinado ato privado a uma norma. Os dois elementos mais clássicos e basilares, a nacionalidade e o domicílio, apresentam uma visão territorialista, manifesta por Rodrigo Octavio nas seguintes palavras:

"(...) si para os paizes da Europa a manutenção da autoridade da lei fóra do territorio nacional é um beneficio no interesse de aumentar a força do sentimento patriotico de seus filhos, em relação aos paizes novos, a adoção da formula contrária apresenta-se, seguramente, pelo menos sob certos pontos de vista, como uma necessidade de ordem publica, imposta por um sentimento de legitima defesa da vida nacional" (mativemos a grafia original). 31

Sendo assim, um novo elemento que reflita o direito internacional dos direitos humanos, ou seja, que priorize a pessoa humana, precisa ser aventado. Relembrando-se o já comentado conceito de ordem pública, não restrito à positivação das suas noções ético-filosóficas, resta claro que a ordem pública internacional é muito mais abrangente do que a gama de documentos normativos de direito internacional público. Abre-se, portanto, uma dupla possibilidade de aplicação do princípio como elemento de conexão, no direito internacional privado: evocá-lo na figura de documentos internacionais e ordenamentos estrangeiros ou utilizá-lo como fundamento de decisões ad hoc que simplesmente captem o sentimento universal, assim como é feito, em âmbito estatal, na exceção de ordem pública interna, conforme as considerações anteriores. Neste sentido afirmou Sperduti, segundo noticia Boucault:"(...) a justa conexão pode se considerar a seguinte: encontram-se embasadas em um ordenamento jurídico as concepções que se consideram dignas de valor universal, concepções que remetem a uma convivência humana civil, a qual requer um respeito absoluto e constante, seja que tal observância se imponha através de uma norma de ordenamento, como por exemplo, mediante uma norma sobre o direito da escravidão, seja como uma dada concepção que se manifesta como inspiradora das fontes do ordenamento e, que se pretenda sua aceitação, inclusive, por parte dos ordenamentos estrangeiros, porque se realiza aquela 'comunidade de direito' que corresponde à primeira justificação do intercâmbio entre tais ordenamentos". 32

A primeira possibilidade divide-se em duas, referindo-se tanto a tratados e convenções, quanto a ordenamentos estatais e suas respectivas leis. Sobre a contribuição dos tratados e convenções para o estabelecimento de uma ordem pública universal, muito se aborda no tocante ao direito internacional público, focando uma cooperação entre os Estados. O cerne do movimento internacional dos direitos humanos, porém, é a própria pessoa, individualização esta que se adapta perfeitamente ao direito internacional privado e une ambas as ciências - direito internacional público e privado. No âmbito específico das presentes considerações, é possível que uma decisão conecte o fato concreto a determinado documento internacional de proteção aos direitos humanos, se este consistir mais extensivo que ambas as normas em conflito. Desta forma, não devem caber discussões a respeito da prevalência internacional ou nacional - a antiga oposição entre o monismo e o dualismo. Se o documento representa a essência da ordem pública internacional, deverá ser considerado seu representante, e conseqüentemente tomado como ponto de partida para a decisão.

Quanto à aplicação de lei estrangeira, a possibilidade é a de que, num caso de conflito entre ela e a lei nacional, o elemento de conexão mais adequado seja a ordem pública internacional, devendo ser aplicada a lei mais benéfica e coerente com o direito internacional dos direitos humanos. Além disso, mediante análise comparativa, pode-se incorporar um texto, sentença ou doutrina jurídica de um país terceiro, não envolvido no conflito de normas. Seria um processo de internacionalização dos princípios nacionais protetores de interesses mundiais, processo este que seria inverso ao mais comum nas últimas décadas - o de incorporação de princípios internacionais nas Constituições.

Tal incorporação, portanto, não deve ser compreendida como mera reprodução ou imitação. Seria, na verdade, fruto da busca pelo atual "patamar" de conquistas - a essência da ordem pública internacional e do constitucionalismo contemporâneo -, principalmente no âmbito dos direitos humanos. Todos os países poderiam, assim, utilizar o melhor de todos no tocante à interpretação dos direitos humanos, ou seja, adotar internamente o que há de mais avançado e coerente com o patamar de desenvolvimento do direito internacional dos direitos humanos: um processo rápido que

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adiantaria aquele de recepção gradual dos princípios já consagrados internacionalmente. Neste sentido, e valendo-se da concepção de Häberle, Mauricio Iván del Toro Huerta afirma que o Estado constitucional cooperativo "es aquel que de forma activa se ocupa de los demás Estados, así como de las demás instituciones nacionales y supranacionales". 33

Por fim, a segunda possibilidade baseia-se no fato de que, sendo a ordem pública internacional um conjunto principiológico, as leis que a protegem não são suas únicas representantes. Decisões que identifiquem o patamar ético-filosófico internacional de proteção aos direitos humanos, por exemplo, estarão se conectando a ele e utilizando a ordem pública internacional como elemento de conexão, sem necessariamente escolher e aplicar um ordenamento específico. É a superação do clássico método conflitual sendo equilibradamente, em parte, mitigada pelo pluralismo de fontes. António Marques dos Santos ensina 34que esta é a proposição de I. H. Hijmans, para o qual o foco na adequação material à situação fática justifica, se necessário, a formulação de decisão ad hoc pelo órgão jurisdicional e o afastamento de ambos os ordenamentos interessados. 35

Observe-se, por fim, que a aplicação de norma estrangeira acima defendida se daria após a comparação com a lei local, não havendo confusão, portanto, com as normas de aplicação imediata - que afastam a utilização do sistema geral de solução de conflitos sem analisar a norma aplicável, no caso exemplificado a mais favorável. Faz-se importante reforçar também que a aceitação da ordem pública internacional nos moldes apresentados não altera em nada o sistema restritivo do direito internacional privado à aplicação de normas estrangeiras. O princípio da ordem pública continua a ser uma forma de o direito internacional privado precaver-se contra suas próprias regras, no intuito de evitar disparidades com o ordenamento interno. A diferença está em, compreendendo-se o desenvolvimento da ordem pública universal, aceitar que a referida exceção seria simplesmente de ordem pública interna. A tendência para o futuro é que esta diminua cada vez mais, com a uniformização de institutos jurídicos ao redor do mundo civilizado, e que aquela cresça e se afirme, principalmente no tocante à proteção dos direitos humanos.

Diante destas possibilidades inovadoras ao conceito tradicional de ordem pública, notam-se as transformações por que passa o direito internacional privado. Clareia-se a necessidade de uma nova metodologia, em vez de apenas aplicarem-se as regras clássicas do método conflitual, sem uma preocupação com os resultados ocasionados. É preciso dar espaço a técnicas principiológicas e mais flexíveis, que se fundamentem na busca da solução mais justa e razoável. Para Nadia de Araujo, "o DIPr precisa dispor de uma metodologia que incorpore o viés de um pensamento jurídico retórico-argumentativo, e não mais lógico-sistemático ou formalista, próprio das concepções positivistas". 36Não é mais possível manter inalterável a insensibilidade da mera escolha da lei aplicável, sem sopesarem-se as suas implicações.O valor fundamental das regras do direito internacional privado, enfim, passa a ser a idéia do justo e do valor da pessoa humana. Tais objetivos constituem a fundamentação teórica de todas as regras jurídicas, é verdade, mas na disciplina em questão estão mais visivelmente expostos. Há maior liberdade e uma dogmática não tão ferrenha, possibilitando uma efetivação mais direta dos direitos da pessoa humana. A natureza dogmático-jurídica das regras de direito internacional privado é sui generis, mesclando um aspecto colisional - tanto legislativo, quanto imperativo ou aplicativo - com um aspecto substancial, por focar a relação e não as normas em concurso.  37É, assim, uma ciência por si só mais permeável ao bom senso, tanto do legislador, quanto do operador das regras. Está, conseqüentemente, mais apta a assimilar as mudanças que o consenso mundial em torno dos direitos humanos exige. 

5. A situação no BrasilÉ clara a eficácia horizontal dos direitos humanos no direito privado brasileiro, destacando-se a esfera familiar. Há também as garantias constitucionais com potencialidade para serem aplicadas nas relações horizontais.  38Ocorre que na esfera do direito internacional privado do país ainda não há amparo normativo a esta influência dos direitos humanos, bastando comparar os dispositivos legais para esta conclusão. Urge uma reformulação da Lei de Introdução ao Código Civil (LGL\2002\400) (LICC (LGL\1942\3)), de 1942, diante da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil (LGL\2002\400) de 2002. Por conter ela normas sobre aplicação das regras jurídicas, direito intertemporal e direito internacional privado, figura-se extremamente importante para o ordenamento jurídico como um todo e também, particularmente, para a referida disciplina.Quanto à prática jurisprudencial, manteve o STF, por bom tempo, uma visão extremamente tradicional. Foi ela claramente estampada em julgado de 1950, que impossibilitou a investigação da paternidade de filho "adulterino".39Neste caso, a pessoa humana foi preterida pela insensível e fria aplicação do princípio da ordem pública, destituído este das ligações com os direitos humanos que atualmente são tão perceptíveis. Ora, a situação tomou contornos totalmente diferentes com a Constituição de 1988, na qual foi estabelecido o princípio de proteção geral dos filhos. Antes mesmo de tal avanço, porém, já era possível identificar no STF uma interpretação da ordem pública internacional mais preocupada com o caso concreto e com a solução mais justa. Em 1984, afastou o Tribunal o limite da ordem pública, invocado em contestação, para garantir o direito de visita do pai e conseqüentemente o bem-estar das crianças envolvidas. 40

Retomando-se as possibilidades aventadas de relação entre a ordem pública e os direitos humanos, podem ser identificadas algumas delas em outros julgados. A primeira e mais próxima relação, que diz respeito aos direitos fundamentais (direitos humanos constitucionais) servindo de guia para a identificação da lei aplicável, encontra-se muito bem exposta na jurisprudência do STF quanto à extradição de estrangeiro que, em seu país, poderá sofrer a pena de morte. Tem o Tribunal reiteradamente entendido, nestes casos específicos, que a ordem pública brasileira impele o reconhecimento ao estrangeiro dos mesmos direitos garantidos aos nacionais. 41Reconhece-se, assim, a prevalência dos direitos humanos, estabelecida no art. 4.º, II, da CF/1988 (LGL\1988\3) brasileira, e o caráter universal de tais direitos, no tocante à sua eficácia vertical.Quanto à citada eficácia horizontal, entretanto, nota-se em alguns casos certa dificuldade em aceitar-se a universalidade dos direitos humanos, principalmente quando a lei estrangeira é mais protetiva do que a nacional. Exemplo neste sentido é um julgado 42do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, de 1999. Tratava-se de um testamento em que o testador, nascido no Líbano e naturalizado brasileiro, distribuiu a parte disponível da herança de forma desigual entre os filhos. Uma filha, que restou entre os preteridos, apelou ao Tribunal da sentença que desacolhera a ação de nulidade de testamento. Contrariamente aos seus interesses, porém, a legislação libanesa foi considerada inaplicável e prevaleceu o art. 10, caput, da LICC (LGL\1942\3) brasileira, bem como o art. 1.578 do CC/1916 (LGL\1916\1), ambos estabelecendo que rege a sucessão a lei do domicílio do falecido. Por outro lado, estabelecia a afastada "Legislação sobre a herança dos não maometanos", em seu art. 59:

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"A parte reservada para os descendentes é limitada em cinqüenta por cento, do total dos bens móveis e imóveis, no caso de todos os filhos, estejam em vida, eles dividem esta parte, de maneira igual, quaisquer que seja o seu número, sem fazer distinção entre os que são do sexo masculino, ou os que são do sexo feminino".

A Constituição Federal (LGL\1988\3) brasileira, na época do julgamento, já era a de 1988, em cujo art. 227, § 6.º, proíbe-se qualquer tipo de discriminação no tocante aos direitos dos filhos. Tal disposição está justamente de acordo com a libanesa, acima transcrita. O próprio art. 10 da LICC (LGL\1942\3), em seu § 1.º, apresenta um espírito protetivo direcionado ao benefício do cônjuge e dos filhos brasileiros. O caput deste último dispositivo, porém, bem como o entendimento do STF de que o citado artigo constitucional não comporta eficácia retroativa (a abertura de sucessão se dera em 1983, anteriormente à promulgação da Constituição, em 1988), restaram absolutos para desprover o recurso e manter o testamento.Por fim, convém colacionar exemplo jurisprudencial do STJ, que teve a homologação de sentenças estrangeiras acrescida ao seu rol de competências com a EC 45/2004. Vem o Tribunal desempenhando tal função de forma a raramente utilizar a exceção de ordem pública, o que já pode ser elogiado. Destacar-se-á, porém, um julgado anterior a esta fase, tendo-se em vista o próprio viés deste estudo. Focou-se ao longo deste a problemática sobre a aplicação de normas estrangeiras, sendo a homologação de sentenças também estrangeiras outro aspecto, relacionado mas não idêntico. Sendo assim, analisa-se o seguinte caso, julgado em 2003. 43Tratava-se de separação de casal domiciliado no Brasil, sendo o regime o da comunhão universal de bens. Ocorre que, além dos bens situados no Brasil, a mulher herdara outros em território libanês, e pretendia não incluí-los na partilha.

O STJ, entretanto, reconheceu o direito do marido à meação dos bens herdados pela esposa no Líbano, desacolhendo o recurso. Coroou, desta forma, brilhante sentença que, apesar de reconhecer ser da Justiça Libanesa a competência para a partilha dos bens situados no Líbano, optou pela solução mais viável ao caso concreto. Concluiu-se que a simples remessa à Justiça do Líbano poderia criar situação injusta, por não haver garantia de que lá o direito brasileiro seria aplicado e reconhecido o direito do marido à meação dos bens libaneses. Também não solucionaria a questão proceder a partilha de todos os bens no Brasil, pois não era certo que a sentença seria aceita no Líbano, com relação aos bens lá existentes.

Foi assim que se decidiu pela partilha dos bens libaneses na Justiça daquele país, num primeiro momento. Após a decisão lá proferida, então, realizar-se-ia a partilha dos bens situados no Brasil, com a possibilidade de compensações: se a Justiça Libanesa não reconhecesse o direito do marido à meação dos bens lá existentes, seria possível compensá-los na partilha dos bens brasileiros. O STJ, no mesmo sentido, entendeu que a referida compensação não violava o art. 89, II, do CPC (LGL\1973\5) (que restringe a competência brasileira, no caso, aos bens situados no Brasil). Isto porque a decisão primeira não havia, a rigor, disposto sobre partilha de bens localizados noutro país. Além disso, reconheceu-se que tal solução harmonizava-se com a natureza peculiar do direito internacional privado, que prima pela melhor solução possível. É justamente este o espírito da ciência do conflito de leis: as soluções devem adequar-se ao caso concreto, e não o caso concreto às soluções, que porventura estejam pré-determinadas. 

6. Considerações finais - Referências

A relação entre a ordem pública interna e os direitos humanos já é totalmente explícita, diante da atual Constituição brasileira. A aplicação ou não de normas estrangeiras, assim, é regida pelos direitos fundamentais. Esta tem sido a principal conclusão dos que se ocupam do estudo do direito internacional privado em associação com os direitos humanos. Mais do que uma transformação da ordem pública interna, porém, já é possível sentir o desenvolvimento de uma ordem pública internacional, que pode ser considerada como novo elemento de conexão. Diante de um conflito espacial de leis, assim, deve-se focar de imediato o patamar de desenvolvimento internacional dos direitos humanos, para por ele se guiar a solução.

Os juízes nacionais, nestas circunstâncias, ganham relevo sem precedentes. Necessitam não apenas solucionar os conflitos jurídicos, mas também atuar como guardiões do princípio que se torna o objetivo maior de toda a humanidade, a saber, a proteção da dignidade humana. Pelas próprias características do direito internacional privado, aliás, depreende-se tal importância do Poder Judiciário: para a ciência dos conflitos de leis a jurisprudência é a fonte mais importante, ao ponto de ter desenvolvido grande parte de seus princípios com base nos casos históricos. Ademais, é evidente que a forma mais eficaz de proteção aos direitos humanos é a jurisdicional interna. O direito internacional público e os mecanismos que tem proporcionado à defesa da pessoa humana ainda estão longe de substituir a atuação dos juízes nacionais. É provável, inclusive, que nunca haja uma substituição, e sim uma harmonização cada vez maior. Seja como for, é preciso que os juízes vislumbrem o moderno direito internacional privado e todas as possibilidades que tem ele abarcado.

Da mesma forma que o sistema europeu de proteção aos direitos humanos encontrou na atuação dos juízes o seu grande trunfo, é possível que desta forma o Brasil também possa se desenvolver nesta questão. Cogitando sobre a preparação de juízes latino-americanos para uma futura integração jurídica do Mercosul, José Renato Nalini 44propõe um perfil que merece ser citado: os novos juízes precisam ser preparados para por em prática sua ética e sabedoria, em vez de basearem-se em padrões meramente técnicos. Esta deve ser a maior influência do viés pós-moderno no campo jurídico. Numa perspectiva retórico-argumentativa, os magistrados verdadeiramente guiados pela ética dos direitos humanos realizarão trabalhos criativos de interpretação, valorizando os princípios e buscando a solução mais justa no caso concreto. Estas são as tendências e ao mesmo tempo esperanças que sobre o direito internacional se depositam.

Referências

ALVES, José Augusto Lindgren. Direitos humanos, cidadania e globalização. Lua Nova: revista de cultura e política, n. 50. São Paulo: Cedec, 2000.ANDRADE, Roberto de Campos. Estatuto de Roma e ordem pública internacional. Tese de Doutorado em Direito - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006.ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. 3. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

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FERNÁNDEZ, Rodolfo Vádalos. La aplicación del derecho extranjero. Revista Jurídica, v. 12. Havana, 1986, p. 19-20.7. PONTES DE MIRANDA, Francisco C. Tratado de direito internacional privado. Rio de Janeiro: José Olympio, 1935. v. 1, p. 393.8. 

Idem, p. 393.

9. DOLINGER, Jacob. A evolução da ordem pública no direito internacional privado. Rio de Janeiro: Luna, 1979. p. 7.10. STRENGER, Irineu. Direito internacional privado. 4. ed. São Paulo: LTr, 2000. p. 441.11. ALVES, José Augusto Lindgren. Direitos humanos, cidadania e globalização. Lua Nova:Revista de Cultura e Política 50/189, São Paulo, 2000.12. MIRAGEM, Bruno. Conteúdo da ordem pública e os direitos humanos: elementos para um direito internacional pós-moderno. In: MARQUES, Claudia Lima; ARAUJO, Nadia de (Org.). O novo direito internacional: estudos em homenagem a Erik Jaime. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 328.13. FLORES, Joaquín Herrera. Direitos humanos, interculturalidade e racionalidade da resistência. In: WOLKMER, Antônio Carlos (Org.). Direitos humanos e filosofia jurídica na América Latina. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 377. O mestre procura explicar este universalismo como aquele que "não aceita a visão microscópica que parte de nós mesmos, no universalismo de partida ou de retas paralelas. Trata-se de um universalismo que nos sirva de impulso para abandonar todo tipo de visão fechada, seja cultural ou epistêmica, a favor de energias nômades, migratórias, móbiles" (...).14. HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990. p. 112.15. COMPARATO, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 699.16. HABERMAS, Op. cit., p. 125.17. BOSON, Gerson de Britto Mello. Constitucionalização do direito internacional: internacionalização do direito constitucional: direito constitucional internacional brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1996. p. 202.18. MENESES, Ulpiano Bezerra de. O objeto material como documento. IAB/CONDEPHAAT, 1980 - aula ministrada no curso Patrimônio cultura: políticas e perspectivas, São Paulo, p. 6.19. 

MIRAGEM, Bruno. Op. cit., p. 330.

20. JAYME, Erik. O direito internacional privado e a família no umbral do século XXI - Conferência do Rio de Janeiro, 15.03.2002. PUC-Rio. In: MARQUES, Claudia Lima; ARAUJO, Nadia de (Org.). O novo direito internacional cit., p. 25.21. LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt . São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p. 19. Reforça-se, portanto, a comentada dualidade da pós-modernidade e sua relação com a universalidade dos direitos humanos.22. HÖFFE, Otfried. Justiça política: fundamentação de uma filosofia crítica do direito e do estado. Petrópolis: Vozes, 1991. p. 18.23. 

Idem, p. 28.

24. ARROYO, Diego P. Fernández. El derecho internacional privado en el inicio del siglo XXI. In: MARQUES, Claudia Lima; ARAUJO, Nadia de (Org.). O novo direito internacional cit., p. 105-106.25. 

STRENGER, Irineu. Op. cit., p. 186.

26. 

Conforme reconheceu o STF (SE 993, RT 136/824).

27. SIRVÉN, Antônio Sanchez de Bustamante y. El Codigo de Derecho Internacional Privado y la Sexta Conferencia Panamericana. Habana: Imprenta Avisador Comercial, 1929. p. 26. Também vale destacar a forma como Bustamante apresentou o espírito de sua obra: "No aspira a ser obra de escuela o sistema, ni a imponer a toda América el derecho de una sola nación, pero no pierde de vista el interés común de todas y la necesidad de que ciertos principios sirvan de inspiración y de piedra de toque a las soluciones prácticas", p. 24. O mestre também previu as próprias dificuldades que aquelas inovações trariam. É interessante notar o senso que possuía com relação às tradicionais visões territorialistas, na esfera do direito internacional privado, que já foram criticadas no presente estudo. Suas palavras se fazem atuais até hoje: "Aunque ya se han escrito, por ejemplo, monografías sobre el orden público internacional y sobre la autarquía personal en que se hace un inventario metódico de las leyes interiores que corresponden a cada una de esas reglas internacionales, es lo cierto que la opinión general no está habituada a ese sistema y que las obras de conjunto sobre el derecho internacional privado, por todos conocidas e apreciadas, se ajustan a las clasificaciones internas de las diversas

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ramas del derecho y siguen en su exposición la marcha de las legislaciones nacionales. Y el proyecto de Codigo ha evitado complicar las dificultades naturales que su aprobación encontraría, con un cambio radical de sistema o de método" (p. 26-27).28. COSTA, José Augusto Fontoura. Breve análise da Convenção Interamericana para Restituição Internacional de Menores. In: CASELLA, Paulo Borba; ARAUJO, Nadia de (Coord.). Integração jurídica interamericana: as Convenções Interamericanas de Direito Internacional Privado (CIDIPs) e o direito brasileiro. São Paulo: LTr, 1998. p. 539.29. TIBÚRCIO, Carmem. Uma análise comparativa entre as convenções da CIDIP e as convenções da Haia: o direito uniformizado comparado. In: CASELLA, Paulo Borba; ARAUJO, Nadia de (Coord.). Integração jurídica interamericana... cit., p. 71.30. 

JAYME, Erik. O direito internacional... cit., p. 25.

31. OCTAVIO, Rodrigo. Manual do Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro: introdução. Rio de Janeiro: Jacintho, 1932. v. 1, p. 55.32. 

BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu. Op. cit., p. 67.

33. HUERTA, Iván del Toro. La apertura constitucional al derecho internacional de los derechos humanos en la era de la mundialización y sus consecuencias en la práctica judicial. Boletín Mexicano de Derecho Comparado112/341, jan.-abr. 2005.34. SANTOS, António Marques dos. Direito internacional privado. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade Direito Lisboa, 2001. v. 1, p. 206.35. 

Note-se que há uma ligação entre as duas últimas possibilidades aventadas. Mesmo no caso de conexão com o ordenamento estrangeiro, a vinculação não se daria apenas a ele. Representando o patamar universal de desenvolvimento da proteção aos direitos humanos, tal ordenamento seria o objeto direto da vinculação, mas ocasionaria, também, um vínculo indireto com o sistema do direito internacional dos direitos humanos.

36. ARAUJO, Nadia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. 3. ed. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 17.37. FONSECA, José Roberto Franco da. Contra a renúncia e a devolução: direito internacional privado. São Paulo: Max Limonad, 1967. p. 25.38. TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 364.39. RE 14.658, rel. Min. Luís Gallotti, DJ 02.04.1952, j. 03.07.1950; Ementa: "Ação de investigação de paternidade. Filho adulterino. Ineficácia no Brasil do art. 22 da Lei portuguesa de proteção dos filhos (Dec. 2 de 1910), por contrário ao preceito de ordem pública do art. 358 do Código de Bustamante. Embora Portugal não haja ratificado esse Código, ele foi aprovado por lei no Brasil e assim o critério por ele fixado, quanto ao conceito de lei de ordem pública é nacional, não obstante a imprópria denominação que lhe deram de ordem pública internacional. O conceito de ordem pública pode variar, no espaço e no tempo, de um país para o outro, e, no mesmo país, de uma época para outra. Mas seria inconcebível que, num dado país e ao mesmo tempo, uma lei se pudesse considerar sendo e não sendo de ordem pública, conforme a nacionalidade das pessoas interessadas. O Dec.-lei 4.737, de 24.09.1942 prevê a superveniência do desquite e assim não se aplica aos casos de morte do cônjuge".40. SE 3.192, rel. Min. Néri da Silveira, j. 31.10.1984, DJ 19.12.1984, p. 21.914.41. Ext 633/CH, rel. Min. Celso de Mello, j. 28.08.1996, DJU 06.04.2001, p. 67.42. ApCív 1999.001.10906, rel. Juiz convocado Nagib Slaibi Filho, j. 02.12.1999. Acórdão: "Direito internacional privado. Casamento. Regime de bens. Submissão dos seus efeitos à ordem jurídica do país de celebração, onde os noivos tinham domicílio. LICC (LGL\1942\3), art. 7.º, § 4.º. O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, à do primeiro domicílio conjugal. Direito das sucessões. Lei de regência no espaço. LICC (LGL\1942\3), art. 10. A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que era domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens. Direito das sucessões. Testamento. Atribuição pelo pai, aos filhos, em cláusula testamentária, quanto à parte disponível de quotas desiguais da herança. Rege-se a capacidade de suceder pela lei da época da abertura da sucessão, não comportando, assim, eficácia retroativa o disposto no art. 227, § 6.º, da CF/88 (LGL\1988\3). Precedente do STF. Lícita, na ordem jurídica anterior à 05.10.1988, a cláusula testamentária em que o pai, quanto à parte disponível, concedia quota maior a filho, em detrimento de outro. Desprovimento do recurso".43. REsp 275.985/SP, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 17.06.2003, DJ 13.10.2003, p. 366.44. NALINI, José Renato. O futuro das profissões jurídicas. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. p. 4-6.