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A ORGANIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES UNIVERSITÁRIAS NA
IDADE MEDIEVAL PARA A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO
CHAGURI, Jonathas de Paula (UEM/FAFIPA)
OLIVEIRA, Terezinha (UEM)
1 APRESENTAÇÃO
Ao ingressar em uma instituição universitária, não paramos para nos perguntar quais são
as condições sociais do papel das universidades frente às produções de trabalho, ou seja, a
priorização do conhecimento como fonte para o saber. Para tal afirmação aqui proposta de
início, recorremos a um estudioso do século XII, João de Salsbury (1120–1180), que
publicou, entre outras obras, Policraticus obra mais importante do gênero no século
supracitado. Nesta obra, Salsbury nos leva a pensar quanto ao conhecimento que era
produzido na universidade na Idade Medieval. Ao nosso modo de ver, a universidade prioriza
a sabedoria e, assim, é perceptível pela condição social que a universidade se encontrava, que
o ponto para se conhecer quem é o sujeito histórico é propiciado pelo saber. Dessa forma, este
sujeito que Salsbury caracteriza em sua obra, não é simplesmente aquele sujeito que reproduz
conhecimento, pois isto, não é um fator absoluto para deter o conhecimento, mas sim, um
sujeito, que procure saber a partir dos acontecimentos histórico-sociais as condições
necessárias para se chegar ao conhecimento, então, ao saber.
Nesta perspectiva, não queremos instaurar neste trabalho somente uma simples
pergunta, mas, sobretudo, procurar saber: Até que ponto as instituições universitárias tem sido
um lócus do conhecimento? Para investigar com veracidade à produção do conhecimento
como busca ao saber, partimos do pensamento de Salsbury, e, por conseguinte, faz-se
extremamente necessário, um estudo sobre a compreensão da organização das instituições
universitárias da Idade Média, a fim de buscarmos uma ciência empírica que nos remeta a
uma compreensão do valor das instituições universitárias em nossa contemporaneidade, em
vista da produção do conhecimento.
Assim, em um primeiro momento configuraremos nosso trabalho em torno do histórico
da universidade na Idade Média, e, posteriormente, pretendemos compreender a relação entre
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professor e aluno nas universidades medievais. O nosso objetivo é isolar certo número de
dados gerais de caracteres comuns das universidades, para compreender o modo que se dava a
relação da produção do conhecimento como busca ao saber entre professor e aluno.
Conforme Oliveira (2006) em uma época como a nossa em que tudo é questionável, até
mesmo a própria universidade e sua função social, buscar a sua origem talvez seja uma forma
de perguntar pelo seu verdadeiro papel na atual sociedade, e, em última instância, buscar a
nossa própria identidade.
A pesquisadora Terezinha Oliveira, por meio de seus inúmeros estudos voltados à
constituição das instituições universitárias da Idade Média, chama-nos atenção para um fator
preponderante ao nosso trabalho. Embora não tratemos das Universidades contemporâneas,
mas somente das medievais, segundo Oliveira (2006) estamos também tangenciando questões
que as perpassam hoje, não por achar que os problemas sejam os mesmos, mas por ser a
mesma Instituição. Assim, poderemos ao menos, verificar como os homens de saberes
daquela época construíram esse espaço que continua sendo um espaço próprio e oportuno para
o saber.
Nesta perspectiva, destacamos para o desenvolvimento de nosso trabalho, estudiosos,
que se ocuparam das universidades na Idade Média, para podermos tratar as questões em
torno da organização das instituições universitárias. Para fundamentarmos nosso trabalho,
recorremos aos estudos de autores como Verger (1990; 1999) e Ulmann (2000). Como não
poderia deixar de ser, utilizamos também aos escritos de Salsbury (2005) para
correlacionarmos as condições de conhecimento das instituições universitárias no medievo.
Por meio dos estudos de Oliveira (2006) verificamos como os homens de saberes daquela
época construíram as origens da universidade Medieval que continua sendo um espaço
próprio e oportuno para o conhecimento.
2 HISTÓRICO DA UNIVERSIDADE NA IDADE MÉDIA
Principiemos nosso trabalho para um panorama das instituições universitárias Européias
no século XIII, que estavam ainda devir; e de certa forma não havia ainda acabado de se
desenvolver e de se modelar.
Uma das maiores autoridades contemporânea sobre a temática que estamos tratando,
sem dúvida é Jacques Verger, que dentre suas inúmeras, obras, nos portamos a sua obra
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intitulada As Universidades na Idade Média, pois é a obra que possibilita os professores e
pesquisadores a conhecerem dados organizacionais das instituições no medievo.
Em sua obra Verger faz um recorte histórico e passa somente a tratar das universidades
no medievo, particularmente aquelas do século XIII. Os estatutos que Verger lança mão para
estudar a composição da universidade em seus mais diferentes aspectos são os estatutos da
Universidade de Paris (1335-1336 e 1385-387). Também, utiliza-se o primeiro estatuto,
julgado por ele o mais completo, sendo da Universidade de Salamanca datado em 1411 e
depois da Universidade de Bolonha em 1432.
Assim, a partir destes três estatutos, Verger começa a dialogar sobre as instituições
universitárias a partir da caracterização de seus significados no latim medieval, que ao mesmo
tempo configurava-se como studium (estabelecimento de ensino superior) e universitas
(organização corporativa que fazia funcionar o studium e garantia sua autonomia). “Na vida
do studium, a universitas era a realidade fundamental, primeira; não reuniam forçosamente
todos aqueles cujas atividades estavam ligadas à do studium, mas controlava-os todos”
(VERGER, 1990, p. 48). Em Paris estudantes e mestres caracterizam, então, a composição da
universidade. Em contrapartida, já em Bolonha, eram os estudantes que detinham o
funcionamento da universidade, que em dados relatados por Verger eram duas universidades
Ultramontanos e Citramontanos. Nesse lócus, a qual Verger relata em sua obra, os doutores
eram inertes, ou seja, eram os estudantes que detiam o funcionamento das universidades, e
como também, exerciam uma influência nos professores sobre a sua forma de ensino e de
certa forma em suas vidas privada. Isso, não significa que houvesse um prejuízo na liberdade
intelectual dos doutores em Direito; apenas havia-se um controle do que se ensinava pelos
professores e não de sua produção intelectual.
Em Paris eram os mestres em Artes que detiam a apreciação das honras na universidade.
Diferentemente, da universidade de Bolonha, em que os doutores em Direito eram os mais
ápices na universidade. Assim, de certa forma em Paris, não só os doutores em Direito, mas
também, os doutores em Teologia e Medicina eram reduzidos a um papel secundário, que em
reuniões solenes, os mestres sentavam-se junto com seus estudantes em um grau de mesma
importância no plenário, para poderem participar da solenidade em questão.
Verger, durante análise dos estatutos das universidades de Bolonha e Paris, deixa-nos
claro que em Paris era o reitor da faculdade de Artes que chefiava a universidade e os outros
mestres supracitados acima.
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É preciso assinalar que muitas universidades criaram tipos mistos, como a universidade de Toulouse, onde o reitor era escolhido entre os doutores, mas os mestres e os estudantes tomavam assento lado a lado nas assembléias e nos conselhos da universidade. De outro lado, as universidades controlavam também certo número de profissionais que trabalhavam para elas e aos quais ela assegurava, em troca, proteção e o essencial dos privilégios universitários: livreiros, barbeiros, boticários, porteiros e copistas controlados pela faculdade de Medicina (VERGER, 1990, p. 48-49).
Subdivisões apareceram no interior dessas universidades ao longo do século XIII, que
Verger caracteriza como faculdades e as nações.
Passamos as definições e caracterização de cada subdivisão. As faculdades eram
divisões administrativas do studium pertencentes à organização de ensino. Nas faculdades
havia quatro divisões do saber em forma hierarquia: as três faculdades superiores de Teologia,
de Direito (canônico e civil), de Medicina, e Artes.
As nações eram outras subdivisões das universidades, que era correspondido aos
interesses mútuos dos estudantes e mestres. Não eram em todas as universidades que existam
as subdivisões das nações. Em Paris, por exemplo, existiam quatro nações, e nos relatos dos
estudos de Verger, essas nações eram bem vagas. O que podemos salientar apenas era que
existia uma nação francesa (acolhia todos os que vinham do sul); nação normanda; nação
picarda e a nação inglesa (correspondia aos estudantes da Europa central e setentrional). Não
podemos esquecer que em Bolonha, a universidade contava com quatorze nações, sendo a
principal a nação germânica.
Ressaltamos que caracterizamos a distinção entre nação e faculdade, não somente para
que nossos interlocutores tomem conhecimento dessas subdivisões no interior das
universidades, mas, sobretudo, para chamarmos a atenção para um fator importante em
relação à subdivisão da nação, que acabou caracterizando um papel fundamental no
funcionamento das universidades, ou seja, eram os estudantes e mestres que organizavam as
‘inscrições obrigatórias’ dos recém-chegados a universidade, que hoje caracteriza como a
‘matrícula na universidade’. Dessa forma, o trabalho era organizado pelos funcionários das
nações, pelos procuradores em Paris, e pelos Conselheiros em Bolonha, que eram os
principais adjuntos dos reitores.
Nessa época, as instituições universitárias estavam em um processo de formação, e
ainda não estava bem constituída a sua formação administrativa, mas, conforme, os estatutos
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analisado por Verger das Universidades de Bolonha e Paris, é perceptível a forma como se
constituía o governo de uma universidade.
A gestão material era pouco absorvente, pois as universidades do século XIII não possuíam prédios e quase não tinham rendimentos próprios; as magras finanças das universidades eram administradas pelo reitor e pelos recebedores das nações. Os cursos eram dados em salas alugadas pelos mestres; as assembléias, os debates solenes, os exames, as cerimônias realizavam-se em igrejas ou conventos, sobretudo nos conventos cistercienses e dominicanos; em Paris, a universidade usava normalmente a Igreja Saint Julien-le-Pauvre, a Igreja dos Mathurins, a grande sala do bispado; em Bolonha, os Ultramontanos reuniam-se na igreja S. Procolo, os Citramontanos em S. Domênico (VERGER, p. 51, 1990).
Em suma, o governo das Universidades no século XIII, apresentava formas não
democráticas, ou seja, o governo tinha certa autonomia para exercer suas intervenções,
contudo, as autoridades existentes de forma exterior eram muito limitadas. Os Estados não
possuíam ainda certos funcionários que estivessem aptos para exercer certas funções nos
assuntos acadêmicos da universidade. Os Bispos e Chanceleres eram privados da maior parte
de suas obrigações, forçando-os a maioria das vezes a não presidirem certas cerimônias. Para
que tivesse uma organização administrativa, com poderes legais de decisões eram designados
os legados pontifícios para outorgar, anular e/ou arbitrar certas decisões nas universidades.
Feita as considerações essenciais referente a historicidade da universidade na Idade
Média, passamos agora ao segundo momento de nosso trabalho. Para sabermos como a
universidade fomentava o conhecimento aos estudos universitários, é preferencialmente
necessário que discorramos sobre a relação entre mestre e aluno a fim de compreendermos a
forma que se dava a produção do conhecimento entre esses sujeitos da instituição medieval.
3 A RELAÇÃO ENTRE PROFESSOR E ALUNO NAS UNIVERSIDADES MEDIEVAS
Como em toda instituição universitária, há preponderante presença de professores e
mestres, que são personagens essenciais no processo de aquisição do conhecimento. Um dos
fatores que nos chama atenção na Idade Média são os professores e os alunos, no cenário
acadêmico do momento histórico que abordamos no presente momento. Nesta parte de nosso
trabalho, apresentaremos aspectos que julgamos necessário para que o nosso interlocutor
compreenda como se dava as relações entre professor, aluno e universidade, no século XIII.
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Para uma melhor configuração, passaremos num primeiro momento tratar das questões que
são relativas a alunos, e posteriormente, aos professores.
4.1 ALUNOS
Hoje, para ingresso em uma instituição universitária, seja ela, pública ou privada é
necessário que façamos uma prova, neste caso o vestibular, que avalia nossos conhecimentos
para o novo grau que passaremos a integrar. Caso o candidato tenha êxito em nessa avaliação
passa a fazer parte do corpo discente da instituição universitária, seguindo e cumprindo com
todos os seus deveres acadêmicos.
No medievo, isto era bem diferente. As universidades não exigiam nenhum pré-
requisito do candidato que quisesse ingressar na universidade, muito menos era exigida por
parte dos candidatos alguma conclusão de algum curso para ingresso na instituição
universitária. Quanto à indicação da idade, esta questão é muito imprecisa, não há ao certo
dados que prove qual seria a idade mínima para o ingresso em uma universidade no medievo,
conforme diz Verger (1999) e Ulmann (2000). Também não existia nenhum dia próprio para o
início dos estudos, isto é, qualquer dia do ano era adequado para o início das aulas. Contudo,
para admissão do aluno na universidade seguia-se a dois quesitos essenciais: ser batizado e
provar que possuía uma boa conduta moral. O candidato tendo esses dois quesitos era
admitido na universidade do medievo.
Todos que demonstrassem o desejo de continuar seus estudos poderiam ser admitidos
na universidade, até mesmo, aqueles que possuíssem alguma deficiência física.
A faculdade de Artes, como o trivium e o quadrivium, fazia as vezes do que costumamos, em nossa linguagem, denominar primeiro e segundo graus, não esquecendo, porém, que incluíam o estudo das letras e da filosofia. (...) De começo não se distinguiam a risca os graus de ensino. As universidades medievais não são só estabelecimentos de ensino superior. Os nossos ensinos primário e secundário eram ministrados parcialmente na universidade ou por ela controlados. Deprende-se daí que ensinar a ler, escrever e contar [sic] podiam fazer parte das incumbências do studium (ULMANN, 2000, p. 192).
Na Idade Média, as universitas constituíam um caráter distinto das universidades
contemporâneas. Os estudos que se davam antes as universitas eram ministrados pelo mestre.
Bastava-se que o estudante estivesse ligado a um mestre e fizesse parte de um grupo que
estivesse vinculado ao seu mestre, assim, sua inserção nas universidades após sua admissão
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era tramitada na maioria das vezes com êxito. A única exigência para que o estudante pudesse
participar de um grupo que estivesse vinculado a um mestre, era saber dominar os conceitos
clássicos da língua latina. No entanto, caso o estudante não tivesse em bom domínio do latim,
seu mestre ministrava aulas particulares a fim de capacitar o seu aluno a assistir as aulas na
universidade.
Outro fator, que julgamos preponderante para nosso conhecimento referente às
organizações das universidades no século XIII eram as formas como se davam as matrículas.
Bastava-se que o aluno tivesse ligado a um mestre para que ocorra a sua matrícula na
universidade. Nesta época, dois aspectos quanto à matrícula vale de importância, a saber:
De início, quando não existia um registro geral dos alunos nas universidades, cabia ao magister anotar os nomes dos alunos que se lhe agregavam. Essa filiação não ocorria ao acaso. (...) A escolha inclusa amizade, conhecimento pessoal, lugar de proveniência, apresentação ou indicação por outrem. Dessarte, o professor tinha condições de avaliar o grau de conhecimento dos seus scholares e a sua capacidade para o estudo. Tal prática tornou-se mais necessária, com a afluência sempre mais dos alunos (ULMANN, 2000, p. 194).
O controle de admissão dos alunos era feito devido a dois princípios básicos: havia
alunos bons e os fictícios, ou seja, aqueles que não demonstravam interesse em seus estudos,
por isso o magister fazia as anotações necessárias a fim de distinguir quais eram os alunos
bons e quais eram os fictícios. Hoje, esses alunos que na Idade Média eram caracterizados de
fictícios são rotulados como os maus alunos. Além da forma de admissão dos alunos e sua
matrícula1 nas universidades da Idade Média, há dois outros aspectos que julgamos necessário
mencionar ao nosso trabalho: o Rito de Iniciação e A Nota Asini.
O primeiro dirigia-se aos alunos que ingressavam a universidade com um típico rito de
iniciação, que seria hoje, o denominado trote.
Com algumas contribuições dos estudos de Le Goff (2000, apud ULLMAN, 2000, p.
197) detalhamos:
1 Para um número mais detalhado quanto a dados sobre matrículas e estatísticas de alunos freqüentadores das universidades do medievo, sugerimos a consulta à obra Uma História da Universidade na Europa de autoria de Rainer Christopher Schwingers, publicado no ano de 1992. Nesta obra, o autor detalha-se de forma exaustiva a todas as características possíveis a organização das instituições universitárias do medievo.
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A Iniciação do novo aluno é descrita como uma cerimônia de purgação destinada a despojar o adolescente de sua rusticidade, quando não da sua bestialidade primitivas. Troçam do cheiro a animal selvagem, do seu olhar perdido, das orelhas compridas, dos dentes que parecem presas. Desembaraçam-no de cornos e de outras supostas excrescências. Lavam-no e limpam-lhe os dentes. (...) Usavam fantasias, com chifres, dentes, cabelos, barbas postiças, enfim, havia uma espécie de carnaval na recepção dos calouros.
Toda essa cerimônia no rito de iniciação era para que o indivíduo abandonasse a sua
condição original de camponês para se tornar um célebre intelectual.
Posteriormente, o segundo aspecto que chamamos atenção A nota asini que como
explica Ulmann (2000) provém do latim, da distintiva palavra “asno”. O aluno que fosse pego
com desleixo em seus estudos ou com preguiça era castigado de forma severa na Idade Média.
O castigo consistia em portar no pescoço uma cabeça de asno, feita de madeira, e também
portar um boné, com uma figura grotesca. Um detalhe importante nesse castigo era que o
aluno tinha que se esforçar para que algum de seus colegas de sala fosse mais relaxado do que
ele, só assim, ele se livraria do castigo. Além desse ritual medonho em que o aluno preguiçoso
era exposto, o mesmo, também era advertido verbalmente ou com a vara, no término das
aulas.
4.2 PROFESSORES
Em relação aos professores nas universidades da Idade Média, pouco se sabe a respeito
deles, pois os escritos deixados daquela época não mencionam muitas informações como dos
alunos. O que se sabe de fato, é que como nas escolas, e posteriormente nas universidades, o
ensino nos studia era gratuito. Portanto, por ser gratuito o ensino: como viviam os
professores?
Os mestres do medievo, conforme Ulmann (2000) viviam de rendas eclesiásticas,
chamadas “prebendas”. No caso dos religiosos era a Ordem a qual cada um pertencia que
sustentavam-os.
Em Bolonha, Ulmann (2000) relata que nos estatutos das universidades, o pagamento
do salário dos professores alterna-se conforme o curso, isto é, pagava-se mais para aqueles
que lecionavam em Direito Canônico, e menos aqueles do curso da Lógica. O salário dos
professores ficava a cargo das comunas e dos estudantes. Por volta do fim da Idade Média,
precisamente na Itália, o pagamento dos salários dos professores era mediado conforme o seu
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grau de importância. Um professor famoso ganhava um salário maior do que aquele que não
obtinha um grau de tanta importância. Quando a universidade obtinha recursos financeiros, a
instituição contratava um mestre de importância.
Consta nos escritos de Verger (1990) que em épocas de crise, certas universidades
tinham que reduzir o seu professorado por não ter condições financeiras para efetuar o salário
dos professores. Algumas dessas universidades chegavam ao ponto de fechar suas portas
devido à crise momentânea que instaurou num determinado período da época.
Detalhes, como no final do século XV, nos mostram a perfeita desigualdade que se
encontrava o salário dos professores.
Os menos bem-pagos eram os da faculdade de filosofia, constituindo um verdadeiro “prolétariat intellectuet”, A classe dos médicos levava uma vida faustosa, com chácaras, bibliotecas e outros bens. Suntuosamente também vivam os advogados, que, em Lião, na França, com duas ou três consultas, percebiam o que num mês lhe advinham dos honorários de docência (ULMANN, 2000, p. 211).
Devido a este cenário de desigualdade que se encontravam os professores, a partir do
século XIV, para dar mais valor ao professorado da época, e, ao mesmo tempo assegurar aos
alunos o direito do conhecimento, com professores remunerados, a partir de regulamentações
quanto ao salário dos professores são destinadas verbas fixas às universidades, a fim de
proverem as necessidades professorais.
Além da questão salarial dos professores na Idade Média, um fator que é essencial ao
nosso saber cultural é a questão dos Abusos da docência.
Era tradição, em Bolonha, que, antes das provas para os graus acadêmicos, o aluno ofertasse roupas novas a muitas pessoas. A tal ponto se estenderam os abusos que, em 1311, o Papa teve que exigir um juramento especial de cada doutorando no sentido de não pretender gastar mais de quinhentas liras nas despesas da promoção (ULMANN, 2000, p. 214).
Em Bolonha e Pádua, por exemplo, mantinha-se um aluno pobre por faculdade, para
manter as aparências da universidade como uma instituição de ensino de caráter gratuito. A
transformação social e econômica no século XIV era evidente. Esta transformação foi tão
marcante para época, que várias conseqüências surgiram posteriormente, e alguns detalhes
foram tomando proporções de destaques.
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Até o final da Idade Média, os studia não possuíam prédios próprios. Davam-se as aulas em casas alugadas pelo alunos e/ou professores. As reuniões e promotiones eram realizadas em conventos e igrejas. Com o aumento da população estudantil, surgiram, por toda parte, desde a Itália à Inglaterra, desde a Espanha ao Norte da Europa, colégios, em número sempre crescente, para alojamentos, e edifícios para ensino. (...) Como no resto da Europa, na Alemanha, de começo, as aulas eram ministradas em casas privadas ou religiosas adaptadas (ULMANN, 2000, p. 215-216).
Após essa magnitude de crescimento pelas universidades, no século XV, os studia
passam a ter seus próprios prédios, livrando-se, então, de aluguéis e despesas advindas com
manutenção desses prédios. Com essa conquista, as universidades na Idade Média configuram
uma separação entre seus professores e alunos. Com essa nova aquisição de bens, e com uma
administração bem mais organizada nas universidades, os professores passam a ser chamados
de dominus que em latim significa (senhor professor), e segundo Ulmann (2000), a relação
entre professor e aluno, também configura uma mudança no cenário universitário na Idade
Média.
Essa reconfiguração na relação entre professor e aluno, infelizmente, acabou afetando a
produção do conhecimento em busca do saber nessa relação. A universidade passa a
configurar um cenário de mudança, pela qual, a criação intelectual tida como essência no
início de sua criação, passava simplesmente ser um fator secundário somando a universidade
uma prática somente de repetição de cultura. Desse modo, um dos males que afetaram as
universidades foi a “constituição de “feudos”, por parte dos professores, exceto no Norte da
Europa” (ULMANN, 2000, p. 216).
Durante certo tempo, na Universidade de Pádua, por exemplo, instalou-se uma verdadeira hereditariedade de cátedra. (...) Aos pais sucediam aos filhos na docência; dos tios passava a cátedra para os sobrinhos, sem necessidade de pagarem as onerosas taxas de exames. De tal nepotismo só podia resultar a queda do nível de ensino. Para esse declínio, muito também contribuiu o fato de professores renomados terem abandonado a docência, a fim de se dedicarem a misteres burocráticos e à política, de que auferiram maiores rendimento (ULMANN, 2000, p. 217). [grifos nossos]
É perceptível, que antes da reconfiguração da universidade, ser professor universitário
dava status e não riqueza, porém, nos séculos XIV e XV ocorre uma reviravolta na vida dos
professores focando o trabalho acadêmico para outros âmbitos professorais.
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Termina o “sacerdócio” do ensino e implanta-se a ganância. Máxime na Itália, começam a cobrar usurariamente o pagamento das lectiones e chegam até mesmo a definir os presentes que os candidatos às promotiones devem oferecer-lhes por ocasião dos exames (ULMANN, 2000, p. 214).
Agora esse título honroso unia-se a um status de uma vida que passava a esbanjar
riqueza, e não um compromisso pela produção do conhecimento. Com isso, a aristocratização,
de certo modo, afetou os alunos menos afortunados, que passaram a ter maiores dificuldades
ao acesso às universidades devido ao fechamento dos studia, que conseqüentemente excluía
os pobres, refletindo, então, uma mudança social da época. Desse modo, “as universidades
deixaram de ser centros de criação intelectual, para se tornarem fortemente conservadoras e,
assim, apenas repetidoras de cultura” (ULMANN, 2000, p. 215). O ensino, portanto, se
empobreceu por causa da multiplicação exagerada das universidades levando o número
crescente de universidades para uma diminuição de alunos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A análise conferida neste trabalho quanto aos aspectos em geral que organizavam as
universidades no medievo, fez-se importante para saber qual era o papel que os homens
veiculavam nessa instituição ao desempenharem na sociedade os seus trabalhos. Isto se tornou
perceptível, principalmente, por meio dos escritos de Verger (1990; 1999) que analisa os
estatutos das universidades Européias, em Paris e Bolonha, no século XIII, nos dando um
recorte específico em relação aos homens de saberes desta época. Nos estudos de Ulmann
(2000) temos uma valorosa contribuição da construção do conhecimento feito entre o mestre e
seu estudante na universidade do medievo, como também, alguns pontos acerca de dados
referentes a reconfiguração das universidades da época. Como não poderíamos deixar de ser,
Salsbury (2005) nos corrobora com as verdades que são questionáveis quanto à produção do
conhecimento em um lócus que seja próprio deste conhecimento. Os apontamentos de
Oliveira (2006) são norteadores para o esclarecimento de um estudo de uma organização nas
instituições universitárias no medievo, pela qual, nos propicia entender as formulações que se
encontravam na universidade em sua origem e que respondia ao momento histórico.
Para que as condições sociais passem a ser entendidas como uma relação do
conhecimento entre professor e aluno, num prisma em que o aluno seja o sujeito histórico a
partir das condições sociais de seu próprio conhecimento, fez-se necessário propiciar uma
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investigação da sociedade de seu tempo, para verificar a forma da organização das
universidades do medievo como resultado da produção do conhecimento como busca ao
saber. Para tanto, voltamos à pergunta inicial de nosso trabalho que foi balizado pelos
pressupostos do estudioso João Salsbury – Até que ponto as instituições universitárias tem
sido um lócus do conhecimento?
Diante disso, a partir de todas as considerações que discutimos neste trabalho, e, ao
retomar nossa pergunta inicial, compreendemos que o conhecimento e o saber deixam de ser o
quesito principal do indivíduo, quando as universidades passam a secundarizar o
conhecimento, simplesmente, a um papel cultural. A característica que era fundamental nas
instituições medievais, de priorizar o conhecimento como fonte ao saber, passa a não ser mais
a essência do ser do indivíduo. Infelizmente, isto se configura nas instituições universitárias,
que talvez não estejam com o seu lócus de conhecimento, como lócus de priorização aos
estudos, e, portanto, não sendo mais um lócus a priori do real saber.
Para encaminharmos nossas questões a um enunciado concreto neste texto, deixamos
aqui um enunciado completo com um começo e um fim determinado, encerrando aqui as
breves discussões em torno da organização das universidades na Idade Média, esperando que
as reflexões realizadas tornem-se alvo de questionamentos, reconstrução e negociação de
novos significados em outros estudos sobre as relações do saber que é estabelecido por nossas
relações cotidianas num lócus específico a priori do saber.
REFERÊNCIAS OLIVEIRA, T. A Universidade Medieval: uma memória. Revista de História Eletrônica Antiga e Medieval. Versão on-line. nº 6. Dezembro, 2006. ISSN: 1676-5818. SALSBURY, J. Polycraticus. IN: DE BONI, L.A. (org.). Filosofia Medieval. Porto Alegre: Edipucrs, 2005. ULMANN, R.A. A Universidade Medieval. Porto Alegre: Edipucrs, 2000. VERGER, J. As Universidades na Idade Média. São Paulo: UNESP, 1990. ______. Homens e Saberes na Idade Média. Bauru: EDUSC, 1999.