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A ORIENTAÇÃO HOMOSSEXUAL COMO DIREITO DA PERSONALIDADE MERECEDOR DE PROTEÇÃO JURÍDICA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1 REGIO ESCOLA DE MAGISTRATURA FEDERAL DA 1 REGIO

A ORIENTAO HOMOSSEXUAL COMO DIREITO DA PERSONALIDADE MERECEDOR DE PROTEO JURDICA NO ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO

Luiz Antonio Ribeiro da Cruz

Trabalho apresentado como requisito parcial para obteno do certificado da I Jornada de Direito Civil e Processual Civil da Escola de Magistratura Federal da 1 Regio

BRASLIA/VARGINHA AGOSTO/2009

1. INTRODUO

Em 02 de julho ltimo, a Procuradoria Geral da Repblica protocolou junto ao Supremo Tribunal Federal a Argio de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 178, em que requereu a declarao da obrigatoriedade do reconhecimento, como entidade familiar, da unio entre pessoas do mesmo sexo, desde que atendidos os requisitos exigidos para constituio de unio estvel entre homem e mulher, bem como que os mesmos direitos e deveres dos companheiros nas unies estveis estendem-se aos companheiros nas unies entre pessoas do mesmo sexo. Ainda durante o recesso daquela Suprema Corte o Ministro Presidente Gilmar Ferreira Mendes despachou o pedido inicial, apontando dificuldades formais no exame do pedido por meio de ADPF, o que levou a Procuradoria Geral da Repblica a emendar o pedido inicial, requerendo que o mesmo fosse subsidiariamente reconhecido como ao direta de inconstitucionalidade (ADI), pedindo que fosse declarado inconstitucional o artigo 1723 do Cdigo Civil de 2002, que restringe o conceito de unio estvel quela estabelecida entre homem e mulher, excluindo as relaes homoafetivas. A emenda foi acatada, cancelando-se a distribuio da ADPF 178, reautuada como ADI 4277, sob a relatoria da Ministra Ellen Gracie. Intimada a Chefia do Poder Executivo a prestar informaes, aderiu a mesma ao posicionamento da Procuradoria Geral da Repblica, firmando tambm a inconstitucionalidade da norma legal atacada, conforme petio protocolada em 07 de agosto ltimo.

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Nesse trabalho, buscaremos mostrar porque concordamos com a Procuradoria Geral da Repblica sobre a necessidade do estabelecimento claro do status jurdico dos homossexuais no Brasil, discusso cuja pedra fundamental o reconhecimento das unies homoafetivas como entidades familiares, conforme ser examinado na ADI 4277.

2. Evoluo histrico-social do conceito de homossexualidade

Para responder a questo a que nos propusemos na introduo, devemos dizer, inicialmente, que, para os fins deste trabalho, consideramos que homossexual ... o indivduo cuja inclinao sexual voltada para uma pessoa do mesmo gnero, o homem que se sente atrado por outro homem e a mulher que se sente atrada por outra mulher. algum que no nega sua formao morfolgica, entretanto, seu interesse e atividade sexual so voltados exclusivamente para quem tem o mesmo sexo seu. (FERNANDES, 2004. p. 2122) E, partindo deste conceito, gostaramos de expor, sucintamente, as diversas concepes sociais sobre a homossexualidade que se sucederam historicamente a partir da era crist. No demais ressaltar que esta sucesso deu-se, em verdade, de forma pouco linear, muitas vezes sobrepondo-se ou convivendo simultaneamente concepes distintas, e at mesmo contraditrias quando analisadas em detalhe. A homossexualidade como pecado foi a interpretao prevalecente na doutrina crist (RIOS, 2001. p.32). As atividades sexuais deveriam ser voltadas reproduo, cujo mbito adequado a vida marital. Toda prtica sexual no reprodutiva qualificada negativamente, pois o deleite em prazeres carnais o abandono de Deus, em favor do mundo temporal, o que obstculo elevao espiritual do homem. Nesta concepo (RIOS, 2001. p. 36) sequer se reconhecem as categorias hetero/homossexual

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para a constituio de identidades sexuais distintas. Existiria apenas a prtica de ato homossexual, tomado como uma transgresso lei divina. Como parte do discurso cientificista do sculo XIX, passou-se a buscar uma explicao mdica e psicolgica para a homossexualidade, ento denominada homossexualismo1, que deslocasse a questo da alma para o corpo, passando-se classificao do indivduo com base em atributos biolgicos. Os atos homossexuais passaram a ser vistos como doena que acomete o indivduo, em contraposio condio normal de heterossexualidade. A validade destas idias no se sustenta mais, havendo o homossexualismo sido retirado pela Organizao Mundial de Sade (OMS) em 1995 do catlogo de doenas mentais (onde constava no artigo 302), sendo o sufixo -ismo sido substitudo pelo sufixo -idade, que significa modo de ser2 (DIAS, 2006. p. 37). Circunstncias como a evoluo dos costumes num sentido de maior tolerncia (FERNANDES, 2004. p. 39), a desvinculao pelo conjunto da sociedade do sexo de seu carter meramente reprodutivo (GIRARDI, 2005. p. 71), a formao de uma conscincia coletiva por parte dos homossexuais enquanto grupo social (RIOS, 2001. p. 49), e at mesmo a popularizao da autodenominao gay (DIAS, 2006. p. 30) deram incio a um processo, longe ainda de ser completado, de reduo do estigma em desfavor daqueles que expressam orientao sexual homossexual. Em sntese, neste caminho histrico, a prtica sexual entre adultos capazes do mesmo sexo deixou, ou, pelo menos, est em processo de deixar de ser vista como pecado ou doena, para ser compreendida como forma admitida de manifestao do afeto e da sexualidade humana (FERNANDES, 2004. p.39).1 2

O sufixo ismo caracterstico de doenas O Conselho Federal de Medicina Brasileiro foi pioneiro neste aspecto, antecipando-se em 10 anos OMS (MOTT, 2006) http://br.geocities.com/luizmottbr/artigos08.html

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3. Razes da necessidade de proteo jurdica especfica da orientao sexual. Refutao das teses contrrias.

Partindo-se desta premissa, reconhecemos que a sexualidade integra a prpria condio humana. E que ningum pode se realizar plenamente como ser humano se no tiver assegurado o exerccio de sua sexualidade, conceito que compreende a liberdade livre orientao sexual (DIAS, 2006. p. 71). Isto significa, em princpio, a extenso do mesmo tratamento jurdico a todas as pessoas, independentemente de sua orientao sexual (RIOS, 2001. p. 70), no se podendo admitir a diminuio de um ser humano ou o seu menosprezo por no manter relaes normais de afeto, assim compreendidas as heterossexuais. Exemplos prticos de ataques ao indivduo em razo de sua orientao homossexual ainda se multiplicam em nossa sociedade (MOTT, 1998. p.1), tendo por pressuposto uma viso dos homossexuais em termos inadequados de esteretipos, que reduzem sua humanidade em razo desta sua caracterstica negativa (RICHARDS, 1999. p. 53, 63). Em termos estritamente jurdicos, isto traduzido em dois modos de desrespeito humanidade do homossexual: a) quando ele discriminado diretamente, recebendo um tratamento claramente desfavorvel motivado pela sua orientao sexual; b) quando a discriminao indireta, conseqncia da aplicao de uma regulao aparentemente neutra e geral que, todavia, se traduz em um tratamento diferenciado, desproporcional ou injustificado em seu desfavor (RIOS, 2001. p. 96).

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Por tudo isso, conclumos que a livre expresso da sexualidade, inclusive de orientao homossexual, integra a expresso do ser humano. E que a discriminao e o preconceito de que so alvo os homossexuais d origem a uma categoria digna de proteo, ante sua hipossuficincia social e jurdica (DIAS, 2006. p.71). Em sntese, nossa resposta pergunta formulada no incio do captulo sim. No descuidamos que esta posio que assumimos est longe de ser pacfica, variando os argumentos em sentido contrrio. Estes vo desde a repetio mecnica da tese de que a homossexualidade, longe de ser direito humano, doena, at aquele que reconhece o direito dos gays e lsbicas ser deixados em paz no que se refere sua intimidade sexual (BALL, 2003. p. 02), mas evita reconhecer-lhes qualquer outro direito alm desse, sobre o pretexto de conflito com outros direitos humanos como o direito proteo da famlia e liberdade de religio (SEVERO, 2004. p.01). Entre eles, h ainda uma terceira corrente, que considera que a concesso de direitos a homossexuais enquanto tal traria um desafio sobrevivncia da comunidade, ao atuar contra a homogeneidade cultural desta, o que poderia levar sua desintegrao (DWORKIN, 2005. p. 303). Em primeiro lugar, deve ser afastado o que est implcito em todos estes argumentos, ainda que no pronunciado em voz alta: o receio de que o reconhecimento de direitos aos homossexuais estimule a prtica. Admitindo-se, para argumentar, que este receio, por si prprio, no seja a expresso de um preconceito, o fato que no h nenhum dado emprico deste temido fenmeno expansivo em pases que j incorporaram sua legislao a proteo livre expresso da orientao sexual homossexual. Em verdade, o resultado efetivo

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restringiu-se a retirar da marginalidade e da clandestinidade um grande nmero de pessoas (FERNANDES, 2004. p. 49). Voltando ao que h de especfico em cada crtica, como visto acima, a classificao da homossexualidade como doena questo cientificamente superada, no podendo servir como fundamento discriminao, preconceitos e juzos mal fundamentados (RIOS, 2001. p.80). Restam, pois, as teses mais modernas que refutam a possibilidade de reconhecimento de direitos humanos decorrentes especificamente da expresso de orientao homossexual, que enxergam nesta possibilidade a restrio ao direito de liberdade religiosa e tambm um desafio homogeneidade cultural das comunidades. Podem ser examinadas em conjunto, porque unidas pelo mesmo grave defeito de olvidar o que h de mais essencial quando se trata de direitos humanos, a saber, a sua concepo individualista (BOBBIO, 1992. p.101). Em outros termos, embora certamente haja pessoas que no possam distanciar seu bem estar de certos tipos de associao ou ligao com a comunidade, chegando a ter uma sensao de perda quando h perturbao dos padres tradicionais desta (DWORKIN, 2005. p. 305), em toda sua evoluo histrica os direitos so concedidos aos indivduos em si, e no a entidades coletivas como a comunidade ou o povo (BOBBIO, 1992. p. 102). Exatamente ao contrrio, muitas vezes os direitos humanos so o nico bastio do indivduo contra a arbitrariedade destes entes orgnicos, sendo mesmo o pressuposto de uma democracia moderna a conferncia de direitos aos indivduos enquanto tais (BOBBIO, 1992. p. 119).

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Restabelecido este ponto fundamental, no h como se sustentar a existncia de risco liberdade religiosa caso haja o reconhecimento do direito livre expresso da orientao sexual homossexual, dado que este princpio no tem a extenso imaginada por seus defensores, a saber, a ponto de se negar tutela jurdica a qualquer comportamento individual unicamente porque este contrariasse determinada crena, ainda que majoritria na sociedade. Com algumas adaptaes, o mesmo se pode dizer em relao tese de que este reconhecimento implicaria em desafio homogeneidade moral da comunidade. A principal falha deste argumento o seu antropomorfismo (DWORKIN, 2005. p. 310), que leva presuno de que a vida comunitria como a vida de uma pessoa, s que em tamanho descomunal. Tendo a mesma forma, enfrentaria os mesmos dilemas morais e ticos, e estaria sujeita aos mesmos modelos de xito e fracasso. Na prtica (DWORKIN, 2005. p. 315), a vida comunitria mais estrita, e s contm os atos pertinentes a um agente coletivo. A identidade de um grupo refere-se s situaes nas quais os membros podem dizer enfaticamente ns; ela no constitui uma entidade-eu em tamanho grande e sim o seu complemento (HABERMAS, 2003. p. 201). Assim, sua proteo no pode ter por pressuposto o paternalismo, mas apenas o risco objetivo de dano que uma conduta individual possa trazer a esta comunidade (DWORKIN, 2005. p. 313), e de modo a compatibilizar o direito de cada um com o direito de todos (HABERMAS, 2003. p. 160). Em suma, ambas as correntes mais modernas que criticam a atribuio do status de direito humano a qualquer direito, pretenso derivada da expresso da orientao homossexual, tm o mesmo erro conceitual elementar de invocar posies e

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entes coletivos para sustentar esta restrio, o que incompatvel com a prpria idia central de direitos humanos.

4. Concluso

Por estas razes, no obstante as acirradas crticas descritas, mantemos nossa posio no sentido de que, sim, deve haver uma proteo especfica pessoa com orientao sexual homossexual, que lhe garanta a vivncia plena desta sua caracterstica com independncia e liberdade contra possveis arbitrariedades do Estado e dos demais membros da sociedade. Neste ensejo, ante a absoluta inrcia do Poder Legislativo Nacional que se recusa h quase treze anos sequer colocar em votao o projeto da ex-deputada Marta Suplicy regulamentando a unio estvel entre homossexuais, parece-nos no s conveniente, como mesmo urgente, que a mais alta Corte brasileira manifeste-se sobre o tema do ponto de vista da constitucionalidade concentrada, dizendo ser legtima ou no a discriminao a que relevante parcela da sociedade brasileira submetida em razo de sua orientao sexual.

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REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

1. BALL, Carlos A. The morality of gay rights: an exploration in political philosophy. New York; London: Routledge, 2003. 2. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 1992. 3. BRASIL. Presidncia da Repblica. Informaes prestadas na Ao Declaratria de Inconstitucionalidade n 4277. Disponvel para consulta em

http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarP rocessoEletronico.jsf? tipoConsulta=PROC&numeroProcesso=4277&siglaClasse=ADI. Acesso em 12 de agosto de 2009. 4. BRASIL. Procuradoria Geral da Repblica. Petio inicial da Ao Declaratria de Inconstitucionalidade n 4277. Disponvel para consulta em

http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarP rocessoEletronico.jsf? tipoConsulta=PROC&numeroProcesso=4277&siglaClasse=ADI. Acesso em 12 de agosto de 2009. 5. DIAS, Maria Berenice. Unio homossexual: o preconceito & a justia. 3. ed. rev. Atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. 6. DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prtica da igualdade. So Paulo: Martins Fontes, 2005. 7. FERNANDES, Tasa Ribeiro. Unies homossexuais e seus efeitos jurdicos. So Paulo: Editora Mtodo, 2004.

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8. GIRARDI, Viviane. Famlias contemporneas, filiao e afeto: a possibilidade jurdica da adoo por homossexuais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. 9. HABERMAS, Jrgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. 2 ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003. 2v. 10. MOTT, Luiz. Estratgias para a promoo dos direitos humanos dos homossexuais no Brasil. Seminrio Direitos Humanos no Sculo XXI, 10 e 11 de setembro, 1998. Rio de Janeiro. Instituto de Pesquisa de Relaes Internacionais. Fundao Alexandre de Gusmo, 1998. p. 1-24. (Disponvel no endereo:

http://www2.mre.gov.br/ipri/Papers/DireitosHumanos/Artigo34.doc). 11. RICHARDS, David A. J. Identity and the case for gay rights: race, gender, religion as analogies. Chicago; London: The University of Chicago Press, 1999. 12. RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado; Esmafe, 2001. 13. SEVERO, Jlio. A agenda gay e a sabotagem dos direitos humanos. As implicaes da linguagem pr-homossexualismo nos documentos das Naes Unidas. Centro Apologtico Cristo de Pesquisas CACP. (Disponvel no endereo:

http://www.cacp.org.br/homo-agenda%20gay-julio.htm.)

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