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A paisagem em geografia: diferentes escolas e abordagens Liriane Gonçalves Barbosa da Faculdade de Ciência e Tecnologia-Universidade Estadual Paulista Presidente Prudente - São Paulo - Brasil [email protected] Diogo Laercio Gonçalves da Faculdade de Ciência e Tecnologia-Universidade Estadual Paulista Presidente Prudente - São Paulo - Brasil [email protected] __________________________________________________________________ RESUMO: No contexto geral, a geografia tem como enfoque principal, as abordagens acerca das relações sociedade e natureza. Tais relações, sempre foram objeto principal dos estudos da geografia em todas suas categorias de análise (espaço, paisagem, território, região e lugar), com maior ou menor ênfase, no que tange à compreensão da organização do espaço geográfico, cabendo ao geógrafo buscar entender como estas relações se transcrevem a partir do seu ponto de investigação. Notadamente, os estudos da paisagem, nessa ciência, apresentam papel relevante para entender tais relações. Foi nesse sentido que ela se estabeleceu como uma de suas principais categorias de análise, constituindo-se, ao mesmo tempo, em conceito e noção, apresentando polissemias interpretativas que lhes conferiu, ao longo dos anos, sentidos paralelos, objetivos e subjetivos. Desenvolveu corpo teórico- metodológico de estudo do meio ambiente a partir de um conjunto de técnicas e ferramentas de análise, de um lado e por outro lado, uma pedagogia de estudo a partir da percepção do sujeito. Assim, podemos concebê-la como a transcrição/interpretação geográfica do arranjo espacial. Partindo dessa premissa, o presente texto traz uma breve abordagem do estudo da paisagem na geografia, tendo como ênfase o desenvolvimento das diversas concepções no âmbito das escolas geográficas. Palavras-Chave: Paisagem. Abordagens. Geografia. _______________________________________________________________________________ Introdução Desenvolveu-se ao longo desse texto, uma breve discussão acerca da paisagem e sua abordagem no âmbito de algumas escolas de Geografia, enfaticamente aquelas escolas cuja influência tem sido mais marcante sobre a Geografia brasileira, a escola russa, a escola alemã e notadamente a escola francesa. A ideia primordial foi elaborar um texto síntese sobre o desenvolver da paisagem nessa ciência desde seu nascer, destacando, inclusive sua etimologia e colocando em evidência o contexto, ou os contextos que

A paisagem em geografia: diferentes escolas e abordagens

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Liriane Gonçalves Barbosada Faculdade de Ciência e Tecnologia-Universidade Estadual PaulistaPresidente Prudente - São Paulo - [email protected] Laercio Gonçalvesda Faculdade de Ciência e Tecnologia-Universidade Estadual PaulistaPresidente Prudente - São Paulo - [email protected]

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Apaisagememgeografia:diferentesescolas e abordagens Liriane Gonalves Barbosa da Faculdade de Cincia e Tecnologia-Universidade Estadual Paulista Presidente Prudente - So Paulo - Brasil [email protected] Diogo Laercio Gonalves da Faculdade de Cincia e Tecnologia-Universidade Estadual Paulista Presidente Prudente - So Paulo - Brasil [email protected] __________________________________________________________________ RESUMO: No contexto geral, a geografia tem como enfoque principal, as abordagens acerca das relaessociedadeenatureza.Taisrelaes,sempreforamobjetoprincipaldosestudosda geografiaemtodassuascategoriasdeanlise(espao,paisagem,territrio,regioelugar),com maioroumenornfase,noquetangecompreensodaorganizaodoespaogeogrfico, cabendo ao gegrafo buscar entender como estas relaes se transcrevem a partir do seu ponto de investigao.Notadamente,osestudosdapaisagem,nessacincia,apresentampapelrelevante para entender tais relaes. Foi nesse sentido que ela se estabeleceu como uma de suas principais categoriasdeanlise,constituindo-se,aomesmotempo,emconceitoenoo,apresentando polissemiasinterpretativasquelhesconferiu,aolongodosanos,sentidosparalelos,objetivose subjetivos. Desenvolveu corpo terico- metodolgico de estudo do meio ambiente a partir de um conjuntodetcnicaseferramentasdeanlise,deumladoeporoutrolado,umapedagogiade estudoapartirdapercepodosujeito.Assim,podemosconceb-lacomoa transcrio/interpretaogeogrficadoarranjoespacial.Partindodessapremissa,opresente textotrazumabreveabordagemdoestudodapaisagemnageografia,tendocomonfaseo desenvolvimento das diversas concepes no mbito das escolas geogrficas. Palavras-Chave: Paisagem. Abordagens. Geografia. _______________________________________________________________________________ Introduo Desenvolveu-seaolongodessetexto,umabrevediscussoacercadapaisageme sua abordagem no mbito de algumas escolas de Geografia, enfaticamente aquelas escolas cujainflunciatemsidomaismarcantesobreaGeografiabrasileira,aescolarussa,a escolaalemenotadamenteaescolafrancesa.Aideiaprimordialfoielaborarumtexto sntesesobreodesenvolverdapaisagemnessacinciadesdeseunascer,destacando, inclusivesuaetimologiaecolocandoemevidnciaocontexto,ouoscontextosque lise, Rev. Geo. UEG Anpolis, v.3, n.2, p.92-110, jul./dez. 2014Artigo| 93 levaramformaodeconcepesesentidosdistintos(polissemia)sobreomodode conceb-la, enquanto categoria de anlise.A ideia de escrever o texto tendo a paisagem como tema central, mas no somente isso,priorizandonocontextodadiscusso,suaetimologiaedesenvolvernaGeografia, semumapreocupaomaioremdiscorrersobre osconceitosa elaatribudos,nasceuem razo de inquietaes instigadas pela dificuldade de compreender num primeiro momento suadefinioeconceituao,jquelhesoatribudossentidosdiversos,oracomo conceito objetivo ou subjetivo independente do sujeito, ora como noo banal subjetivada percepo de cada indivduo. Assim a discusso aqui presente no objetiva prender sua atenoaosdiversosconceitoscriadosparadefinirpaisagem,mastentar,deforma sintticaexplicarouaomenosevidenciaroporqudessetermosertopolissmicona Geografia. Terminologia e evoluo da Paisagem Otermopaisagemnosremetehvrioscomentrioseinterpretaes,tantona geografiacomoemoutroscamposdoconhecimento.Eleestpresentecomonoo,na arte,naliteratura,namsica,naarquitetura,nafotografiaedeformabanalizada,no cotidiano das pessoas por meio da mdia escrita e falada. Porm somente a geografia deu aoseuusoumvalorcientfico,transformando-oemeixodetodaumateoriada investigao(TROLL,1997,p.02).PaisagemtemsidonaGeografia,umtermo recorrenteeemestadodeconstante(re)discusso.Estabeleceu-secomoumdeseus conceitos-chave e uma categoria de anlise das relaes que se efetivam entre os processos naturais (bioqumicos e fsicos) e sociais no espao geogrfico.Avariedadedeinterpretaesreferentesaessetermoumaconsequncia,em primeiromomento,daevoluosemnticaevariaolingusticadoseuprefixoinicial,o qualassumiudeacordocomoidiomaeosufixoaeleacrescido,diferentesgrafias.Do termoprimitivo,olatimpagus=pas(BOLSiCAPDEVILA,1992;PASSOS,2006-2008)derivaramquatrooutraspalavras(prefixos),paese,pas,payseland,ondeastrs primeiras possuem o mesmo significado (pas) e sentido do termo original, que se refere a uma poro do espao geogrfico, a uma regio geogrfica, um territrio. O quarto termo, land, quer dizer terra, mas seu sentido igualmente o mesmo dosdemais. A terra, nesse caso,podeserentendidacomoumaregio,umterreno,umapropriedaderural,uma poro territorial, seguindo certo paralelismo com o significado de pas (figura 1), 94 | A paisagem em geografia:... BARBOSA, L.G.; GONALVES, D. L. Figura 1: Origem e evoluo do termo paisagem Fonte:Esquemaelaboradoconformeasdefiniesesignificadosdotermopaisagem,encontradosnos dicionrios,Aurlio(Portugus),Cambridge(Ingls)eBabylon(Alemo,Italiano,Espanhol,Francse Holands) disponveis online e com base nas leituras referenciadas no texto. Organizao:Liriane G. Barbosa (2014) De modo geral a palavra paisagem aparece associada, ao menos, a trs significados: comoarranjofisionmicodascaractersticasbiofsicasehumanasdeumadeterminada rea; como extenso de um terreno perceptvel a partir de um lugar determinado; e ainda, comoaperceposubjetivaesuarepresentaopormeiodeumquadrooufotografia, significando um cenrio ou uma cena. Deriva da, portanto dois sentidos importantes para formao de seus diversos conceitos na geografia: um sentido objetivo ligado aos aspectos concretosdomeioambiente,aqueledadescriodasformasefunesdosobjetosesua fisionomia,comoumaregionaturaleouosmeios,ruraleurbano,eaquelesentido subjetivo,ligadopercepo,abstraodoarranjoambientaloudepartedele,pelo sujeito. Nombitodacinciageogrfica,porm,otermopaisagemadquiriucarter polissmicodesdesuaemergncianaescolaalem,porvoltadosculoXIX,quando comeouaserlargamenteutilizado.Foiatravsdaescolaalemqueoconceitode paisagemfoiintroduzidonageografia(LUCHIARI,2001;PASSOS,2006-2008;2013; SALGUEIRO,2001;TROLL,1997).ConformeanalisaLuchiari(2001),aconstruodo conceito de paisagem na Geografia ocorreu sob a influncia do racionalismo positivista, de umlado,edoromantismoeidealismodooutro.Suaapreensosegundoaperspectiva racionalista se deu a partir de uma racionalizao objetiva, muito mais ligada cincia. A partirdaapreensovisualdeobjetostravestidosdeformasepassveisdedescrio fisiolgica.lise, Rev. Geo. UEG Anpolis, v.3, n.2, p.92-110, jul./dez. 2014Artigo| 95 Ocontrrioocorreucomaperspectivaidealistaeromntica.Segundoessa perspectiva,apaisagemaparececomoumconceitosubjetivo,onde,aapreensoea descriodosobjetosdapaisagemdependemda subjetividadedo sujeito.Daquiloqueos sentidos do indivduo dotados, por uma formao cultural e social, conseguem apreender. uma perspectiva mais artstica e literria, muito mais ligada pedagogia.compreensvelaquestopolissmicadanoo/conceitodepaisagemquandose verifica o contexto de seu surgimento e sua evoluo histrica. Segundo Lucchiari (2001), anoodepaisagemsurgeaindanoperodomedieval,napintura,sobaformade sentimentonaturezaevalorizaoestticacomosmbolodistintivodeposiosocial, massomenteapsrompercomavisoteolgicamedievalaelaassimiladaduranteesse perodo,apsalaicizaoeautonomizaodoselementosdanatureza queelaadquiriu sentindo de lugar. No sculo XV surgiu a concepo de paisagem associada representao de lugar, apreenso dos quadros da natureza e sua representao por meio da pintura de quadros (PASSOS,2006-2008;CLAVAL,2004;LUCCHIARI,2001).Berque,(apudROGER 2000) destaca quatro condies para existncia da paisagem: a primeira delas sua prpria representao lingustica, conforme destacado no esquema da figura 1; em segundo lugar, sua representao literria, seja oral ou escrita, cantada ou descrita; e suas representaes na pintura e na paisagem dos jardineiros, expressas atravs da ornamentao dos jardins. Naliteratura,apaisagemsefezmuitopresentenosromances,nospoemase poesias.Asestriasimaginadasenarradasemmomentosdiferentesdaliteratura representamummododeconceberomundoeestdiretamenterelacionadocomo contextosocialepolticodomomento,masessanoodepaisagemtemcomo caracterstica a subjetividade. O movimento romntico, por exemplo, apareceu na Europa nosculoXVIIIerefletiaaquiloqueasociedadevivenciavanapoca,umperodode conturbaopoltica,socialeartstica.Mudanasdesistemaspolticoseeconmicos, inconformismosocial,rejeioartsticasnormasesistematizaodosabercientfico. Assumiucaractersticassubjetivaseidealistas.Expressavaarealidadeatravsdos sentimentos, sendo possvel compreender, o contexto dessa poca e suas mutaes ou pelo menos parte delas, a partir da literatura.Nesse sentido a paisagem da literria antes de tudoaartederepresentaratravsdaescrita,aexpressodoimaginriopessoal,mas tambmumposicionamentopolticoefilosfico,umaformadeexpressodasrelaes sociedade-natureza.Servecomoilustraodisso,aliteraturasertaneja,queretrataocontexto ambientaldosertonordestino,atravsdarepresentaoescritaemcordeleromances 96 | A paisagem em geografia:... BARBOSA, L.G.; GONALVES, D. L. (Graciliano Ramos, Euclides da Cunha, Joo Cabral de Melo Neto, etc.). As paisagens do sertonordestinosefazempresentenoimaginriodemuitosbrasileirosapartirdasua representaoliterria.EmVidasSecas,GracilianoRamos,externaoproblemadas secasnosertoedaexclusosocial.Suanarrativaevidenciadoistiposdepaisagens:a paisagemconcreta,fsicaematerial,comumentepercebvelportodoseevidenciadapela descriofisionmicadoambiente.Eaquelapaisagemabstrata,subjetivaeindividual, evidenciadapeladescriodaslembranasdospersonagens,suasangstiaseapegoao serto, mesmo diante da calamidade da seca. Omovimentoromnticotambmserviudeinspiraonomododeconceber paisagem poca. Assim a concepo de paisagem de ento, emergiu sob ainfluncia, de umlado,deumconhecimentoestritamenteformalematerialista,produzidopelacincia da poca, o movimento de sistematizao da cincia e do outro,dos ideais do movimento romntico, na Alemanha.Nageografia,paisagememergiuento,sobainflunciadanooevolutivada paisagempitoresca,derepresentarcenriosdanaturezaatravsdapintura,edaartede ornamentao de jardins, mas tambm da sua noo literria, associada a uma concepo esttica, assumindo nessa cincia, carter esttico-descritivo, considerando a morfognese eamagnitudedosobjetosparafinsdeclassificaodoselementosdanatureza.Estudo apoiado na fisionomia e funcionalidade. Historicamente, a referncia ao termo paisagem se fezpresentenageografiaapartirdosculoXIX,sendoconcebidoemgeralcomoo conjuntodeformasquecaracterizamumsetordeterminadodasuperfcieterrestre. Passos (2006-2008 p.40; 2013 p.34). AHumboldtatribudaasprimeirasideiassobrepaisagemcomoconceito cientficoemgeografia(PASSOS,2006-2008).Suaspesquisassobreasplantasesua relaocomosdemaiselementosdanatureza,comoorelevoeoclima,degrande relevncia para geografia fsica e, precursoras da chamada fitogeografia, poca geografia das plantas, emergiram da confluncia de saberes metodolgicos multivariados, dos quais ele fez uso para alcanar seu objetivo principal: entender a unidade dos processos naturais. Aincorporaodasmetodologiasdocampo,dosabermecanicistaedasperspectivas teleolgicaseorganicistadanatureza(SILVEIRAVITTE2010,p.187)conduzirama geografiaconstruodoconceitodepaisagem,fortementemarcadopelonaturalismo, relacionado, portanto perspectiva fisionmica dos quadros da natureza. Suaevoluonombitodessacinciasedeunosentindodebuscarsolues conceituais,aproblemassurgidosemrazodaescala,dacomplexidadeedaglobalidade dasformasdasuperfcieterrestre(PASSOS,2006-2008).Oestudogeogrficodas lise, Rev. Geo. UEG Anpolis, v.3, n.2, p.92-110, jul./dez. 2014Artigo| 97 unidadesdepaisagensdecarterpuramentedescritivo,emqueeramprivilegiadasas formasdosfenmenos,suafisionomia,nodavacontadeexplicaroconjunto,as interaes e os processos, que determinam e condicionam a formao do arranjo espacial da paisagem. As escolas geogrficas e suas abordagens de paisagem Podemos definir a Escola Alem como ponto de partida para os estudos referentes paisagemdentrodageografia.apartirdestaescolaquetemosasistematizaoda cinciageogrficaapartirdasabordagensdeautorescomoAlexandervonHumboldte KarlRitter,amboscontemporneosdosculoXIXeconsideradospioneirosna abordagemdageografiacomocincia.Humboldtsistematizouseusestudosapartirde vrias viagens feitas ao redor do mundo em duas obras: Quadros da Natureza (Volume 1 e 2) e Cosmos.Tais obras sistematizaram a concepo da geografia como uma cincia que abarcariatodasasdemaiscinciasnoqueconcernemosestudossobreaterra.Neste contexto,caberiaentoageografiaserumacinciadesntese,abarcandotodosos elementos, buscando conexes que ajudassem explicar a relao homem e natureza. Foi a partir da abordagem naturalista de Humboldt que a paisagem comeou a ser entendida pela geografia como uma forma de analisar as relaes presentes entre homem e naturezanodoespaogeogrfico.Apartirdoempirismo,Humboldtpropunhaao gegrafocontemplarapaisagemdeumamaneiraquaseesttica,oque, concomitantemente,acarretariaparaopesquisadorumaobservaosistemticados elementos, que a partir de um raciocnio lgico traria as concepes referentes paisagem observada. (MORAES, 1997) A abordagem de Humboldt, voltada para o conhecimento da natureza, considerava queainteraoentreosconjuntosresultavaemunidadesintegradaseaelasconferia caractersticasprprias. Deacordo comaabordagemdePedras(2000)paraHumboldt o fato empiricamente observado elevado como ponto de vista e desta maneira, extrado apartirdasdiferentesformasnaturaisdeterminadasconstnciaseconsistnciasoque irderivarumaleiempricaresponsvelporexplicarascondiessobreaqualo fenmenosemanifesta.Todaestaobservaoassduadanaturezapresentenaobrade Humboldttrouxevrioselementosparaseentenderedescreverapaisagem, geograficamente.Seuvisnaturalistafoiopontapinicialparaosestudosdapaisagem nesta escola to importante. 98 | A paisagem em geografia:... BARBOSA, L.G.; GONALVES, D. L. AlmdeHumboldtprecisodestacartambmascontribuiesdeRatzel,quea partirdoracionalismoedopositivismoambiental,considerouasrelaescasuaisque interagemnanatureza(PASSOS,2003).Ratzelmanteveavisonaturalistaapresentada naobradeHumboldt,trazendoumanovaroupagemapartirdasinflunciasqueomeio exercesobreohomem.naviradadosculoXXqueentootermoLandschaftskunde integradoageografiacomooestudodacinciadaspaisagensconsiderandoapartirda ticaterritorial.Ascontribuiesmaissignificantesnesteperodosodosautores: Ferdinand, von Richthofen e Sifgrid Passarge.Richthofen,queforaumdosprincipaispercursoresdaobradeHumboldt, apresentaumavisodasuperfciedaterra(Erdoberflasche)sendoaintersecodas diferentes esferas: litosfera, biosfera, atmosfera e hidrosfera, dando suporte para entender as interconexes estabelecidas em qualquer setor da mesma (PASSOS, 2003). J Passarge foi o primeiro gegrafo a apresentar uma obra exclusiva sobre a paisagem (Grundlagen der Landschaftskunde1919-1920),oquedeuorigemaumnovoramonaGeografia denominado Geografia da Paisagem.MouraeSimes(2010),apontaquePassargeprocurourelatarapartirdeseus estudos anteriores que os elementos climticos tendem destruio das formas, enquanto avegetaocontribuiparasuaconservao.Nestecontexto,asinteraesentreo conjuntodeformassemelhantesgeramaintegraoeconferemcaractersticasprprias. Ouseja,nosepodemconsiderarasunidadesintegradascomoapenasasomadosseus elementos,poisainteraoentreelasqueirarformarumaestruturaqueconvertaem algo diferente. Dessa primeira abordagem de paisagem, de cunho excepcionalmente naturalista se desenvolveuacinciadapaisagemqueteveemCarlTrollumdeseusmaiores representantes.Trollinseriuaoconceitodepaisagem,abordagensecolgicas(potencial ecolgico),acrescentandototalidadedoselementosgeogrficos,oectopo,oqualele considerava como a extenso do conceito de bitopo. (PASSOS, 2006-2008), introduzindo naGeografiaaabordagemdaEcologiadaPaisagem,posteriormentedenominadade Geoecologia da Paisagem.Troll considerou as estruturas da paisagem, subdividindo-as a partir da concepo deanteriorestantodageografiacomodaecologia,criandoadefiniodeectopo,sendo estetermovariantedoconceitodebitopo,utilizadopelabiologiacomfinalidadesimilar. (TROLL,1950).EstatendnciainiciadaporTrollestintimamenteligadasrelaes organismo-ambiente.Igualmente,osestudosdeTroll,trouxeramumnovovisparao lise, Rev. Geo. UEG Anpolis, v.3, n.2, p.92-110, jul./dez. 2014Artigo| 99 estudo da paisagem considerando, principalmente a interlocuo com outras cincias que posteriormenteinfluenciarammuitasconcepessobreoestudodapaisagememoutras correntes tericas. Aabordagemdacinciadapaisagemnaescolaalemseguiuento,orientada, simultaneamenteemduasdirees:umaabordagemnaturalista,quesedenominoude paisagemnatural(Naturlandschaft)eoutradecunhocultural,apaisagemcultural (Kulturlandschaft).Essasduasabordagensiniciaisserviramdencoraparao desenvolvimento das demais correntes de pensamento geogrfico sobre paisagem, que se desenvolveunombitodasprincipaisescolasgeogrficasdocontinenteeuropeu(a Sovitica e a Francesa) e da escola Anglo-Saxnica. Outra importante escola para os estudos de paisagem em geografia foi e ainda a escolasovitica,quesobainflunciadasconcepesdaescolagermnicaedas contribuiesdaedafologia,assimiloucaractersticaseminentementenaturalistas, designandopaisagemcomosinnimodoconceitodeespaonatural(RODRIGUES& SILVA,2013a,P.80),ondeocomplexonaturaldaterraentendidocomoumcomposto decorposindividuais,irregularmentedistribudos,masrelacionadosentresi(PASSOS, 2006-2008). Dessemodo,essaescoladesenvolveuanoodeNaturlandschaft(paisagem natural),quetinhacomopropsitoaidentificao,classificaoecartografaodas unidades naturais. Os soviticos se empenharam em desenvolver modelos sistemticos de mapeamentosdoselementosdanaturezalevandoemconsideraoasdiversasescalas. Filosoficamente essa escola est apoiada no materialismo dialtico, onde a natureza forma uma totalidade dialtica. O empenho dos soviticos em encontrar um modelo terico que os possibilitassem, realizar a classificao sistemtica das unidades taxonmicas da paisagem, levaram-nos elaboraodaTeoriadosGeossistemas.ATeoriadosGeossistemasfoidesenvolvidaa partir da Teoria Geral dos Sistemas, criada nos anos de 1930 por L. V. Bertalanffy, num esforodeV.B.Sochava(nadcadade1960)deaplicarestateoriaaosestudosda superfcie terrestre. OgeossistemafoiconcebidoporSochava(apudPASSOS2003,P.36;2006-2008 P.44) como os sistemas naturais, de nvel local, regional ou global, nos quais o substrato mineral,osolo,ascomunidadesdeseresvivos,aguaeasmassasdear,particularess diversas subdivises da superfcie terrestre, so interconectados por fluxos de matria e de energia,emumsconjunto.ParaSochava(apudPASSOS,2006-2008)ogeossistema ummodeloglobal,territorialedinmicoqueabarcatodososelementosdepaisageme 100 | A paisagem em geografia:... BARBOSA, L.G.; GONALVES, D. L. podeseraplicadoaqualquertipodepaisagemconcreta.Dessemodoomesmopodeser compreendido como um modelo terico de estudo da paisagem. AindadeacordocomPassos,apropostadeestudogeossistmicodeSochava, incluaaclassificaodosgeossistemasnumaordemescalardecrescente,doglobalou terrestre,passandopeloregional,degrandeextensoepequenaescalaindoato topolgico, de pequena extenso e escala de detalhe. A contribuio da escola Sovitica largamentereconhecidacomoumasdasmaisimportantesparaoconhecimentosobre paisagememgeografia,eespecialmenteparaaditageografiafsica,tantonoquediz respeitoordemepistemolgica,quantodeestruturasinstitucionais.Foiessaescola quemlanouasprimeirasbasesepistemolgicasdentrodeumalgicapaisagstica (PASSOS, 2006-2008, p.48). Mas a paisagem, embora tenha sido um tema central na geografia desde os anos 20 dosculoXX,seuconceitosseconsolidoudefatocomoconceitochavedessacincia, aps os anos 1970. O paralelismo entre objetividade e subjetividade presente na definio dessetermo,dificultouaformaodeumabaseconceitualslida.Atosanos1960,os maiores avanos foram conseguidos com a escola sovitica, no mbito da paisagem natural caracterizadaporserumapaisagemobjetivaenaturalista(PASSOS2006-2008)com nfasenoquadronatural,cujaanliseambientalfeitacomautilizaodemodelos prospectivos. Na escola Anglo-Saxnica se desenvolveu, com Carl Sauer, uma viso culturalista da paisagem, onde se entendia que o homem aointeragir com a natureza, atravs de sua cultura, forma a paisagem. A paisagem era percebida como um conjunto de formas fsicas eculturais(RODRIGUEZ&SILVA,2013a,p.78).Abasefilosficadessacorrente paisagsticaomaterialismo,ondeanaturezavistacomoumtodoharmonioso.A paisagem, nesse caso a soma dos elementos naturais e culturais, sem muita preocupao comaintegraosistemticaentreosmesmos.Apaisagemanglo-saxnicade desenvolveu a partir da Geomorfologia (BOLOS i CAPDEVILA, 1992). Na escola francesa, a maior contribuio cientfica aos estudos de paisagem vem do gegrafo Georges Bertrand. A geografia lablachiana at a segunda metade do sculo XX teveseusestudosvoltadosparadescriodasregiesgeogrficasdaquelepas. Preocupava-se em enfatizar, descritivamente, as caractersticas individuais de cada regio. SegundoPassos(2006-2008)essecarterexcepcionalista-descritivofrustrouqualquer tentativa de conceituao da paisagem no mbito dessa escola. Nadcadade1970,Bertrand(2004)entopropsumesboometodolgicode estudoglobaldapaisagememgeografiafsica.Suapropostametodolgicaconsistiaem lise, Rev. Geo. UEG Anpolis, v.3, n.2, p.92-110, jul./dez. 2014Artigo| 101 classificarasunidadestaxonmicasdapaisagemporordemdegrandezaescalar.Desse modoindicouseisnveistaxonmicoshierarquizados,partindodeumaordemde grandezaescalarglobalparaumaordemdegrandezaescalarlocal,distribudosemdois gruposdeunidades:asunidadessuperiores(Zona,DomnioeRegioNatural)eas unidades inferiores (Geossistema, Geofcies e Getopo). Emsuaproposta,ogeossistemacorresponde,numaescalalocal,aoresultadoda combinao de dados abiticos (potencial ecolgico)-fatores geomorfolgicos, climticos e hidrolgicos-,comosdadosbiticos(exploraobiolgica)-flora,faunaesolo-eaao antrpica.EssapropostageosistmicadeBertrand(2004)sediferencia,portantoda propostageosistmicadeSochavapelainserodocarterantrpico.Suapropostano pretendeoestudopuro esimplesmentedosistemanaturaldopontodevistafuncionale estrutural, como o faz a escola sovitica, mas estud-lo sob o ponto de vista das alteraes antrpicas. O geossistema surgiu, portanto, como um modelo terico metodolgico de estudo dapaisagem,mastambmporumanecessidadedesuperaodoestudofragmentado praticadopelageografiaatento,primordialmentecomoumatentativadesuperaros problemasdeordemepistemolgicosemrelaoaoconceitodepaisagem.Segundo Bertrand & Bertrand (2004 p. 141; 2009 p.33), apaisagemnoasimplesadiodeelementosgeogrficosdisparatados., numadeterminadaporodoespao,oresultadodacombinaodinmica, portantoinstvel,deelementosfsicos,biolgicoseantrpicosque,reagindo dialeticamente,unssobreosoutros,fazemdapaisagemumconjuntonicoe indissocivel,emperptuaevoluo.Adialticatipo-indivduooprprio fundamento do mtodo de pesquisa. Comopossvelconstatar,apartirdessaprimeiradefiniobertrandianade paisagem, o fundamento centralizador de sua proposta a dinmica dialtica das relaes entreoselementosbiofsicoseantrpicos.Paraesseautornosomenteonaturalque compe a paisagem, mas o todo numa determinada poro de espao natural/humano, que em sua relao dialtica determinam a evoluo geral de uma paisagem. Desse modo a evoluo do pensamento sistmico na cincia a partir da elaborao da Teoria Geral dos Sistemas por Bertalanffy, seguida do desenvolvimento do conceito de Ecossistema na Biologia, nos anos de 1930, e da Teoria dos Geossistema nos anos 1960, alou as bases epistemolgicas do estudo da paisagem. Segundo Passos (2006-2008, p. 51; 2013.P35),suaconceitualizao,enquantoobjetodepesquisadageografiasedeu mediante a ocorrncia de fatos cientficos internos e externos a essa cincia: 102 | A paisagem em geografia:... BARBOSA, L.G.; GONALVES, D. L. Desenvolvimento da teoria e da reflexo epistemolgica em todas as pesquisas ditas de ponta, muito particularmente em Biologia; OsprogressosdaEcologiadesnteseoubiocenticaque autorizaramoestudoglobaldaBiosferacomajudadeconceitosintegradores simples (ecossistema, biocenose, bitopo, cadeia trfica, etc.); Acontribuiodasescolasgeogrficasquedesenvolveramestudos integrados,prticosoutericos,qualitativosouquantitativos(ex-URSS,Europa de Leste, Austrlia, Canad, Frana, etc.); Sobreoplanotcnico,ageneralizaodafotointerpretaoeo avanodateledeteco(ousensoriamentoremoto),quefornecemdocumentos particularmente adaptados ao exame global da paisagem; Enfim, no se entenderia o desenvolvimento da Cincia da Paisagem foradosproblemasdomeioambiente,daorganizaodosrecursosnaturaiseda proteodanaturezaquecolocam,emtermosnovosegraves,aquestodas relaes entre os indivduos, as sociedades e os meios ecolgicos. Embora a discusso de paisagem tenha alado bases conceituais, epistemolgicas e procedimentaissignificativas,elaaindacontinuaaserumtermoimpreciso,podendoser definido muito mais como uma noo do que um conceito propriamente. Segundo Passos (2013),elaumaconstruobanalenoumconceitoconstrudocientificamente.Nesse sentido paisagem torna-se uma abstrao interior e particular a cada sujeito.Oparalelismodivergenteentreosenfoquesobjetivoesubjetivocontinuama caracterizaroestudodapaisagem.Oquegeralmentesepercebe,apartirdasleituras conceituais desse termo a opo por um em detrimento ao outro. Ora paisagem aparece associadaaumaconceponaturalista,dotadadeformaeestruturae,portantosobum enfoque objetivo, ora ela aparece como uma abstrao ou uma percepo do arranjo fsico eestruturaldomeioambiente,oraaparececomoumsentimentoemrelaoaomeio ambiente, ambos sob um enfoque subjetivo. Passos (2013, p. 36) considera que a paisagem, sobretudo no seu aspecto dinmico deprocessospaisagsticosdeveserestudadacomoumpolissistemaformadopela combinao de sistemas natural, social, econmico, cultural etc.. Renn(2009)inspiradanasreflexesdeBeringuierdesenvolveuumaproposta paraabordagemdapaisagemapartirummodelotridimensionalqueeladenominoude TripPaisagstico(figura6).Apropostacontemplaastrscorrentesdeestudoda paisagem. A abordagem de Beringuier sugere seu estudo a partir da forma, da imagem e lise, Rev. Geo. UEG Anpolis, v.3, n.2, p.92-110, jul./dez. 2014Artigo| 103 do valor. Renn criou correspondncias para cada uma dessas entradas. A primeira delas aforma,quecorrespondenomodeloelaboradoporRenn,entradamaterialista,sendo associada,acorrentenaturalista,cujoenfoque,objetivamenteestcentradonosaspectos biofsicosdanaturezaenasuarelaocomohomem,privilegiandooestudodaformae sua estrutura. Figura 6: Trip Paisagstico Dessaformaapaisageminterpretadaapartirdoenfoquematerialistapodeser entendidacomoumarranjodeformaseestruturasnaturaisesociaisperfeitamente perceptveis e passveis de classificao terico-metodolgica. A escola russa de geografia, antigaescolasovitica,amelhorilustraodeescolasquedesenvolveestudos ambientaiscomabordagemessencialmentematerialistaatravsdaGeoecologiadas Paisagens.Asbasesfilosficasfundamentadorasdessavertenteomaterialismodialticoe sobopontodevistasistmicosuaanliseambientalconsideraanaturezacomouma organizaosistmica,formadapordiferenteselementosemconstanteinterao,ondeo homemumagentemodificadordossistemasnaturais,atravsdesuacultura (RODRIGUEZ&SILVA,2013a).Aspaisagenssobessaperspectivasounidades geoecolgicasresultantesdainteraocomplexadeprocessosnaturaiseculturais.Elas podemseoriginar,existiredesaparecersemainterfernciahumana,massua representao no independente da cultura (CAVALCANTI, 2014 P.18). Fonte:EsquemaelaboradoporRenn(2009),combasenotrabalhodeBeringuier(2004).Oesquema umainterpretaoesquemtico-tericodaspossveisentradasdeestudodapaisagem,deacordocomas abordagensdepaisageminferidaspelaautoraaolongodotextodeseutrabalhosobreoRioSo Francisco. Adaptao e organizao: Liriane G. Barbosa 104 | A paisagem em geografia:... BARBOSA, L.G.; GONALVES, D. L. A segunda corrente de Beringuier (apud RENN, 2009) o estudo da paisagem a partir da imagem. No Trip Paisagstico de Renn, imagem diz respeito sensibilidade do sujeito (homem), por isso a autora a considerou como a corrente do sensvel. Essa uma corrente desenvolvida no mbito da geografia cultural, que entende a paisagem como um arranjo de objetos visveis a partir da percepo do sujeito. o estudo do significado que o sujeito atribui aos objetos (naturais e sociais) e ao arranjo deles, na sua relao com o meio ambiente.aimageminternalizadaapartirdaapreensodosfenmenospelossentidos do indivduo. Edessemodo,pode-seinserirnessaperspectivaGeorgesBertrand,paraoqual paisagemhoje,umadimensocultural,opatrimnioidentitriodosujeitoesuas representaessimblicasdemundo.Segundoessacorrente,apaisagemnopodeser definida,apenasexpressadaatravsdosignificadoaelaatribudo,issoporqueelasurge na interao entre o homem e uma poro qualquer do espao geogrfico. Desse modo ela um processo e ao mesmo tempo um modo de representao cultural do espao (PASSOS, 2013). importantedestacaramudanadepercepodeBertrandemrelao conceitualizaodepaisagemdesdequeabordouessetemapelaprimeiraveznofinalda dcadade1960einciodadcadade1970.Seusestudossobremeioambiente reconhecendo-ocomoumsistemacomplexodemaisparaserestudadoapartirdeum nicoconceito,olevouaproposiodeumsistematripolar,oGTP,ondeapaisagem assume carter essencialmente cultural e patrimonial. AssimBertrandpassoudeumaabordagemnaturalistacomenfoqueobjetivo,em queainterpretaodasunidadestaxonmicasdapaisagemsefundamentavanomodelo tericometodolgico,geossistema,paraumaabordagemcentradanainterpretaoda paisagem a partir da abstrao sentimental do sujeito. A paisagem para Bertrand passou a ser uma abstrao, uma noo, a identidade do sujeito em relao ao seu meio ambiente. O geossistema em sua nova proposio (GTP) um dos trips (entradas) para interpretao do meio ambiente, nesse caso a sua dimenso naturalista. A paisagem sob esse enfoque a dimenso cultural do meio ambiente e existe emrelao ao territrio, segunda dimenso ambiental. Aterceiracorrentedeinterpretaodapaisagemaquelaquelevaem consideraoovalor,enosistemadeRenn(2009)acorrenteflexvel,aquelada representao.Essacorrenteseencontranocentrodosistemaporquesepropeauma abordagemdepaisagem,articulandoasduasprimeiras correntes,materialistaesensvel, comoformadesuperarasdeficinciasapresentadasporambas,mesmosemlevarem lise, Rev. Geo. UEG Anpolis, v.3, n.2, p.92-110, jul./dez. 2014Artigo| 105 conta suas teorias e mtodos de estudo (RENN, 2009). Para essa autora, a paisagem no apenas aquela dos objetos concretos e to somente aquela da imaginao do sujeito, mas a complexa interao dos dois mundos e, portanto, uma abordagem de paisagem tem que levar conta, por um lado, as coisas materiais e por outro, a instituio mental e a prpria complexidade desta articulao, pois, somente dessa forma possvel construir a interface. Valedestacarainda,aimportnciaqueaabordagempaisagsticavemassumindo em relao ao estudo do meio ambiente, seja como conceito ou como noo, seja tambm dopontodevistaecolgicooudopontodevistasociocultural.Nessesentidoretoma-se novamenteaimportnciadasconcepesdepaisagemdesenvolvida,especialmente,no mbito das escolas russa e francesa. Ambas as escolas vm desenvolvendo estudos do meio ambiente sob uma perspectiva paisagstica, buscando interpret-lo a partir da aplicao de modelos terico-metodolgicos, dos quais o modelo GTP a melhor ilustrao. Estudos da paisagem no BrasilNoBrasilestudosdessanaturezavmsendobastantedifundidos,especialmente, influenciados, epistemologicamente, pelas concepes filosficas das escolas mencionadas. De modo que possvel identificar ao menos trs linhas de estudo dessa natureza no pas. Umaprimeiralinhadeestudosegueaabordagemmaisecolgica.Utilizamodelos geoecolgicosecartogrficosparamodelarapaisagem.Podemserdestacadosos trabalhos de Rodriguez et.al (2013), Rodriguez & Silva (2013a) e Cavalcanti (2014). Ambos os trabalhos propem o uso de metodologias geoecolgicas e cartogrficas, respectivamente,paraaanliseambientalsobumaperspectivapaisagstica.Asduas vertentesseapoiamemmodelosdepaisagemetmnacartografiaumaferramentapara modelarasunidadestaxonmicas.Adiferenabsicaentreestasduasconcepesque, enquantoparaosprimeiros,oselementoscentraisdesuaanlisesofuno,estrutura vertical,estadoetransformaesemodificaesdapaisagem,osegundodiferencia taxonalmente as unidades de paisagem, essencialmente a partir da fisionomia do conjunto. possvelperceberclaramente,nesseltimocaso,asinflunciasdeAbSaber (2003).Essegegrafo,natentativadediferenciaraspaisagensbrasileiraslevandoem contaoconjuntogeoecolgico(padresclimticos,pedolgicos,geolgicos, geomorfolgicoseprincipalmentefitofisimicos),realizouaclassificaofitogeogrficae morfoclimticadaspaisagensnaturaisbrasileirascombasenasuaanlisefisionmica,as peculiaridades do arranjo dinmico natural de cada regio do Brasil. Inclusive, o elemento 106 | A paisagem em geografia:... BARBOSA, L.G.; GONALVES, D. L. indicadordapaisagemdeAbSaber(2003)eraacoberturavegetal,talcomoopara Bertrand. AGeoecologiadasPaisagenstemsidoamplamentediscutidanageografia brasileira, principalmente por autores como Cavalcanti (2014), Silva e Rodriguez; Silva e Cavalcanti(2013)eRodriguezeSilva(2013ae2013b).Aprincipalescolabrasileirade disseminaodosestudosdaGeoecologiadasPaisagenstemsidoaescolageogrfica cearense,atravsdaparceriacomaescolacubana.Asabordagensreferentesa Geoecologia das Paisagens, tem como referncia os estudos do sculo XIX propostos por Humboldt,LamonosoveDokuchaev.(BARROS,2011),mastambmestfortemente apoiadanaGeografiadaPaisagemdeCarlTroll,quetemcomofundamentotericoa concepo de geossistema de Sochava.Barros(2011)apontaquedevidosuaimportnciaconceitualeametodologiade trabalhoutilizada,trata-sedeumapropostaadotadanosestudosdaGeografia,noque concerneoplanejamentoambientaloferecendoimportantescontribuiesparao conhecimentodabasenaturaledomeioambiente,sendoeste,entendidocomoomeio global,paraaformulaodeumabaseterico-metodolgica,condizenteparao planejamentoegestoambiental,bemcomonaconstruodeummodelotericoque incorpore a sustentabilidade no processo de desenvolvimento. Para Rodriguez, Silva e Cavalcanti (2013), ao estudar as paisagens naturais, temos comopontosdepartidadoisdirecionamentostericos:umvoltadoparaosaspectos biofsicos, de base epistemolgica fincada na geografia alem de Humboldt e Dokuchaev, a qualfundamentoutambmosestudosdageografiarusso-sovitica,comumvismais naturalista. O outro voltado ao sociocultural, sob o qual se analisa a paisagem a partir da ticasocialoupelapercepohumana.Apaisagemconstrudanestecasoestligadaa umavisofragmentadadoobjetoeseuscomponentesnaturais.Estaessnciaque influenciou os estudos da geografia francesa, tendo Bertrand como seu principal expoente. Nestecontexto,ageoecologiadaspaisagenstemcomoobjetivotentarintegraras correntes terico-metodolgicas sobre a abordagem da paisagem dentro da geografia e da ecologia,concentrando-senosestudosGeoecolgicos,EcogeografiaoudaGeografia Ambiental. Umasegundalinhadepesquisaestligadageografiaculturaletemcomo principalrefernciabrasileiraogegrafoLobatoCorra,quedesenvolveestudos paisagsticos no mbito da geografia cultural e urbana. A influncia maior dessa vertente vem de Sauer e Cosgrove. A paisagem, nesse sentido, representa a expresso material do sentido que a sociedade d ao meio (LUCHIARI, 2001). lise, Rev. Geo. UEG Anpolis, v.3, n.2, p.92-110, jul./dez. 2014Artigo| 107 A terceira linha de pesquisa tem como fundamento terico-metodolgico o sistema GTP (Geossistema-Territrio-Paisagem) de Bertrand, desenvolvida no Brasil por Passos (2006-2008;2013),quetemprocuradofazersuaabordagemapartirdoestudodomeio ambiente.Aaplicaodessemodelo,anliseambientalfeitapartindodaabordagem naturalistadogeossistema,sobopontodevistadeumgeocomplexoantropizado,onde este analisado a partir de suas estruturas vertical e horizontal, seguido, simultaneamente deumaabordagemsocioeconmica,doterritrio,consideradoacomoasrelaeseos meiosdeorganizaosocialdomeioambiente,efinalmentedaabordagemsociocultural do meio ambiente, a paisagem. Nesse caso a paisagem um componente de interpretao dapercepodosujeitoemrelaoaomeioemquevive.Aabordagemseapoia metodologicamente,emdepoimentosdossujeitosdapesquisaenoimageamento fotogrfico. Consideraes finais Apaisagemganhaarescientficonageografia,muitonotadamentedevidoas prpriasorigensqueotermoapresentaemsuagrafianosdiversosidiomas.Otermo paisagem,transcendeentoocampodaarteedoromantismoepassaaserumadas principaiscategoriasdeanlisedentrodaspesquisasreferentesaomeioambiente, iniciadas juntamente com a contribuio de outras reas do conhecimento cientifico, como a biologia e a ecologia.Podemosinferirqueainserodapaisagemnageografiaacompanhouo desenvolvimento da prpria cincia geogrfica, desde as primeiras constataes e estudos referentesgeografiacomocincia,comasescolasalemefrancesa,sendoasprincipais expoentes da sistematizao da geografia. Emsuma,podemosdefinirqueapaisagemabordadapelageografia,apresenta vrias nuanas, mas que no contexto geral acabam tendo conexes importantes para que o gegrafopossaapontaradireoasertrabalhadanombitodoaspectoterico-metodolgico de sua pesquisa.Contudo,cabeexplicitaraqui,queaabordagemdapaisagemcomocategoriade anlisetranspassatodasasfronteiraspertinentesadiscussosobreadivisodacincia geogrficaentreofsicoeohumano.Apaisagemcomopropriamentedito,apartirde todas as escolas abordadas, transcreve as relaes entre homem e natureza, entre social e o fsico e a partir desta perspectiva que o gegrafo deve considerar-la em sua anlise. 108 | A paisagem em geografia:... BARBOSA, L.G.; GONALVES, D. L. ____________________________________________________________________________ The landscape in geography: different schools and approaches ABSTRACT:Ina general context, geography hasthe approachesabout the society and nature relationsasitsmainfocus.Suchrelationshavealwaysbeenthemainobjectofthegeography studiesinalloftheanalysiscategories(space,landscape,territory,region,place),withmoreor less emphasis regarding to the comprehension of the geographical space organization, being the geographer's responsibility to understand how these relations are transcribed from their research point.Notably, the landscape studies, in this science, present a relevant role to understand such relations.Itwasthiswayhowitestablisheditselfasoneofthemainanalysiscategories, becomingatthesametimeinconceptandnotion,presentinginterpretivepolyssemies,which conferred them parallel, objective and subjective senses throughout the years. It was developed a theoreticaland methodological body of studiesof theenvironment froma set of techniquesand tools of analysis on one hand, and on the other hand, a pedagogy of study from the perception of the subject. Thus, we can conceive it as a geographical transcription/interpretation of the spatial arrangement.Basedonthispremise,thepresenttextbringsabriefapproachofthelandscape studyingeography,emphasizingthedevelopmentofthediverseconceptionswithinthe geographical schools. Keywords: Landscape. Approaches. Geography. __________________________________________________________________ Referncias ABSABER,AzizNacib.OsDomniosdaNaturezanoBrasil:potencialidades paisagsticas. So Paulo: Ateli Editorial, 2003. BARROS,LucianaLira.Aplicaesdageoecologiadapaisagemnoplanejamento ambientaleterritorialdosparquesurbanosbrasileiros-RevistaGeogrficadeAmrica Central - Nmero Especial EGAL, 2011- Costa Rica II Semestre 2011 pp. 1 - 14 BERTRAND,Georges.PaisagemeGeografiaFsicaGlobal:esboometodolgico. 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DIOGO LAERCIO GONALVES Licenciado em Geografia pela Universidade EstadualPaulista-FCT/UNESPdePresidentePrudenteSP.Mestrandodo programa de Ps Graduao de Geografia da FCT/UNESP, Campus Presidente Prudente._________________________________________________________________ Recebido para avaliao em Novembro de 2014 Aceito para publicao em Dezembro de 2014