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Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas ISSN 22381627, Ano V, Nº 11, setembro de 2015 A PAISAGEM DO NORDESTE DO BRASIL NO NORTE DE MINAS GERAIS Thamyres Sabrina Gonçalves 1 [email protected] Resumo: Este trabalho consiste no relato das observações e aprendizagens adquiridas no trabalho de campo realizado no município de Porteirinha – MG dentro da disciplina Geografia do Nordeste do curso de graduação em Geografia em novembro de 2012. A metodologia utilizada foi a observação de campo, além do contato direto com a realidade local através de perguntas direcionadas a alguns moradores do lugar. Posteriormente foram feitos levantamentos bibliográficos acerca do tema estudado além de registros fotográficos. Observouse de um modo geral a paisagem, o relevo, a vegetação, e a organização espacial da área visitada, os modos e os costumes das pessoas, que possuem importância singular no que tange a cultura local e se traduzem como uma forma de consolidação da identidade regional e da diversidade cultural do estado de Minas Gerais. Um ponto importante é que a análise geográfica foi feita com base nas relações entre a área visitada e a região nordeste do Brasil. Palavras chave: Geografia Cultural, Ecologia de Paisagens, Sociobiodiversidade, Análise Ambiental Abstract: This paper is a report of observations and lessons learned in the field work conducted in the city of Porteirinha in the state of Minas Gerais within the discipline of undergraduation in Geography in November 2012. Keywords: Cultural Geography, Landscape Ecology, Environmental Analysis, Sociobiodiversity, Porteirinha INTRODUÇÃO O Município de Porteirinha localizase ao norte do estado de Minas Gerais na região da Serra Geral que é o nome dado a porção nortemineira da Serra do Espinhaço. Situado no chamado Polígono das Secas, um conjunto de áreas afetadas 1 Geógrafa pela Universidade Estadual de Montes Claros, Mestranda em Ciência Florestal na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.

A PAISAGEM NO NORDESTE - uff.bruff.br/revistavitas/images/A_PAISAGEM_NO_NORDESTE.pdf · música( “Feira( de( Mangaio”,( de Sivuca,( interpretada pela cantora(Clara(Nunes).((Figura9."Utensílios"de"cozinha

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Revista  VITAS  –  Visões  Transdisciplinares  sobre  Ambiente  e  Sociedade  –    www.uff.br/revistavitas  ISSN  2238-­‐‑1627,  Ano  V,  Nº  11,  setembro  de  2015    

 A  PAISAGEM  DO  NORDESTE  DO  BRASIL  NO  NORTE  DE  MINAS  

GERAIS  

Thamyres  Sabrina  Gonçalves1    

[email protected]    

 

Resumo:  Este  trabalho  consiste  no  relato  das  observações  e  aprendizagens  adquiridas  no  trabalho  de  campo  realizado  no  município  de  Porteirinha  –  MG  dentro  da  disciplina  Geografia  do  Nordeste  do  curso  de  graduação  em  Geografia  em  novembro  de  2012.  A  metodologia   utilizada   foi   a   observação   de   campo,   além   do   contato   direto   com   a  realidade   local   através   de   perguntas   direcionadas   a   alguns   moradores   do   lugar.  Posteriormente   foram   feitos   levantamentos   bibliográficos   acerca   do   tema   estudado  além  de  registros  fotográficos.  Observou-­‐‑se  de  um  modo  geral  a  paisagem,  o  relevo,  a  vegetação,   e   a   organização   espacial   da   área   visitada,   os   modos   e   os   costumes   das  pessoas,  que  possuem  importância  singular  no  que  tange  a  cultura  local  e  se  traduzem  como  uma  forma  de  consolidação  da  identidade  regional  e  da  diversidade  cultural  do  estado  de  Minas  Gerais.  Um  ponto  importante  é  que  a  análise  geográfica  foi  feita  com  base  nas  relações  entre  a  área  visitada  e  a  região  nordeste  do  Brasil.    

Palavras   chave:   Geografia   Cultural,   Ecologia   de   Paisagens,   Sociobiodiversidade,  Análise  Ambiental  

Abstract:  This  paper   is  a  report  of  observations  and  lessons   learned  in  the  field  work  conducted  in  the  city  of  Porteirinha  in  the  state  of  Minas  Gerais  within  the  discipline  of      undergraduation    in  Geography  in  November  2012.  

Keywords:   Cultural   Geography,   Landscape   Ecology,   Environmental   Analysis,  Sociobiodiversity,  Porteirinha  

 

INTRODUÇÃO  

O  Município  de  Porteirinha   localiza-­‐‑se  ao  norte  do  estado  de  Minas  Gerais  na  

região   da   Serra   Geral   que   é   o   nome   dado   a   porção   norte-­‐‑mineira   da   Serra   do  

Espinhaço.   Situado   no   chamado   Polígono   das   Secas,   um   conjunto   de   áreas   afetadas  

                                                                                                                         1 Geógrafa pela Universidade Estadual de Montes Claros, Mestranda em Ciência Florestal na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.

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 pelo   problema   da   seca   no   semiárido   brasileiro,   dentro   da   área  mineira   da   SUDENE  

(Superintendência   de   Desenvolvimento   do   Nordeste),   integra   a   bacia   do   rio   São  

Francisco   através   dos   afluentes:   Gorutuba,   Mosquito,   e   Serra   Branca.   Ao   longo   da  

viagem   foi   possível   perceber   a   heterogeneidade   das   paisagens   regionais,   tanto   em  

termos  de   ambiente   físico  no  que   se   refere   a   relevo,   vegetação   e   tipos  de   solo,   como  

também   no   tocante   aos   aspectos   humanos   e,   sobretudo   culturais,   em   relação   à  

organização  espacial  das  comunidades,  modos  de  vida  e  sentimento  de  lugar.  

                                                             Figura1.  Localização  de  Porteirinha  no  estado  de  Minas  Gerais  (Fonte:  Wikipédia).  

 

De  acordo  com  alguns  autores  como  Alho  (1992)  e  Geertz  (1989),  o  ser  humano  

se  desenvolve  mais  por  relações  culturais  do  que  por  processos  naturais  ou  ecológicos,  

todavia   ao   observar   o   comportamento   cultural,   os   modos   de   vida   das   pessoas   foi  

possível  perceber  que  é  algo  extremamente  difícil  separar  o  homem  da  natureza  para  

compreender   sua   cultura   e   suas   relações   de   pertencimento   ao   lugar.   Ora,   o  

comportamento   humano   é   notavelmente   influenciado   pelo   ambiente   de   vivencia  

(GONÇALVES,  2012).    

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   No  que  se  refere  à  geografia  regional,  foi  possível  compreender  no  trabalho  de  

campo  com  muita  clareza  o  dizer  do  escritor   João  Guimarães  Rosa   (1984)  quando  ele  

diz:   “Minas   são  várias”.  Pois   em  pleno  estado  de  Minas  Gerais  na   região   sudeste  do  

país  é  possível  perceber  uma  paisagem  no  qual  nos  pareceu  estar  no  nordeste  do  Brasil.  

À   categoria   geográfica   referente   ao   estudo   das   paisagens   foi   a   mais   utilizada   neste  

trabalho,   já   que   boa   parte   dos   registros   do   trabalho   de   campo   são   as   fotografias,  

algumas   tiradas  mesmo  ao   longo  da  estrada  durante  a  viagem,  que  são  de  paisagens  

deslumbrantes  do  ambiente  natural  da   região.  Nesse   sentido  pode-­‐‑se   conceber  que  a  

paisagem  constitui-­‐‑se  como  resultado  do  estabelecimento  de  uma  inter-­‐‑relação  entre  a  

esfera  natural  e  a  humana,  na  medida  em  que  a  natureza  é  percebida  e  apropriada  pelo  

homem,  que  historicamente   constitui   o   reflexo  dessa  organização   espacial,   territorial,  

regional  e  local  (SILVEIRA,  2009).  A  percepção  da  paisagem  não  é  apenas  a  experiência  

da  existência  e  da  transformação  das  coisas  num  espaço  determinado,  é  a  experiência  

tal   como   ela   é,   de   estar   entre   e   no   meio   do   acontecimento   multiforme   das   figuras  

espaciais  (ELUF,  2012).    

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Figura2.  Paisagens  na  estrada  que  dá  acesso  à  Cachoeira  do  Serrado.  Fotos:  Thamyres  Sabrina  

Gonçalves,  2012.  

 

O  que  mais  chama  atenção  ao  longo  da  estrada  de  fato  é  a  paisagem,  na  qual  se  

tem  um  conjunto  de  serras  esculpidas  a  partir  dos  dobramentos  antigos  da  Cadeia  do  

Espinhaço   ou   Serra   Geral,   que   também   recebe   diversos   nomes   regionais   pelos  

diferentes   lugares   a   que   se   estende,   já   que   é   a   mais   extensa   e   contínua   formação  

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 geomorfológica  do  território  brasileiro  (GONTIJO,  2008).  Como  resultado  da  complexa  

evolução   geotectônica   proterozóica,   a   serra   do   espinhaço   herdou   uma   fisiografia  

composta  por  formações  geológicas  distintas  que  lhe  conferem  um  conjunto  de  rochas  

formadas   a   partir   de   processos   e   minerais   diferentes   como   de   quartzito,   arenito   e  

calcário  (SAADI,  1995;  MACHADO,  2012).    

 Figura3.  Formações  Montanhosas  da  Serra  do  Espinhaço.  Fonte:  BIODIVERSITAS,  2005.  

 

O  mapa  acima  mostra  as  áreas  prioritárias  para  conservação  no  estado  de  Minas  

Gerais,  onde  tanto  o  município  de  Porteirinha  quanto  toda  a  área  do  Parque  Estadual  

de  Serra  Nova   são  dados   como  “hotspots”’  que   são  os   corredores  da  biodiversidade.  

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 Essas  ações  de  conservação  precisam  estar  acompanhadas  de  outras  ações,  a  pesquisa,  

por   exemplo,   é   essencial   para   a   conservação   dos   recursos   naturais,   pois   conhecer   a  

flora,  a  fauna,  a  espeleologia,  a  geologia,  geomorfologia  e  as  dinâmicas  socioabientais  

de   uma   região   são   de   suma   importância   para   elaboração   de   planos   de   manejo  

adequados  para  as  unidades  de  conservação  (GONÇALVES,  2013,b).  Ao  se  fazer  uma  

busca  na  internet  são  muito  poucos  os  trabalhos  científicos  encontrados  que  abordem  

pesquisas   realizadas   no   parque   de   Serra   Nova.   Não   basta   criar   a   unidade   de  

conservação,   tem   que   fazer   pesquisa   dentro   dela   para   que   o   objetivo   social   da  

conservação  seja  cumprido.      

É   sobre   o   relevo   da   Serra   Geral   que   se   desenvolvem   as   diversas   culturas  

agrícolas   da   região.   Aliás,   a   geografia   cultural   na   área   visitada   possui   uma   relação  

quase   inseparável   da   “’ruralidade”,   do   modo   de   vida   rural,   já   que   as   lutas   sociais,  

políticas   e   mesmo   a   organização   espacial   se   relacionam   ao   que   se   planta,   como   se  

planta   e   para   quem   se   planta,   outra   característica   que   coloca   a   região   em   grande  

semelhança   com   o   nordeste   do   Brasil.   Segundo   Oliveira   et   al   (2009)   o   estudo   da  

geografia  regional  nos  espaços  urbanos  e  rurais  não  deve  se  restringir  a  diferenciação  

de  áreas,  mas  na  análise  da  relação  entre  as  regiões  e  os  municípios,  suas  urbanidades  e  

ruralidades.   Fato   que   pode   ser   percebido   na   palestra   ministrada   por   representantes  

sindicais   do   Sindicato   dos   Trabalhadores   Rurais   de   Porteirinha   que   possui   inclusive  

uma  singularidade  na  região,  pois  o  que  se  percebe  no  norte  do  estado  de  Minas  Gerais  

como  um  todo  é  que  a  organização  sindical   consiste  em  uma  grande  dificuldade  dos  

produtores,   sobretudo   os   pequenos   e   médios,   já   que   a   maioria   dos   sindicatos   de  

produtores  rurais  na  região  possue  enormes  dificuldades  de  articulação  da  luta  política  

e   mais   ainda   da   luta   social   como,   por   exemplo,   na   bacia   do   rio   Pandeiros  

(BETHONICO  &  CUNHA,  2009).  Já  no  município  de  Porteirinha,  o  sindicato  possui  de  

fato  representatividade  como  pode  ser  percebido,  articulação  com  as   lutas  sociais  das  

comunidades  e  organização  que  lhe  permitem  um  bom  funcionamento  e  infraestrutura  

organizacional.  Talvez  possa  parecer   irrelevante,  mas   isto  possui  grande   importância  

para  uma  região,  sobretudo  uma  região  do  semiárido,  que  está  inserida  no  contexto  de  

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 uma   das   mais   “pobres”   (em   termos   econômicos,   do   ponto   de   vista   capitalista   de  

produção,  do  ponto  de  vista  da  SUDENE)  do  país,  um  sindicato  organizado  significa  

muito.      

 

Figura4.  Mensagem   do   Blog   do   Sindicato   dos   Trabalhadores   Rurais   de   Porteirinha.   Fonte:  http://strporteirinha.blogspot.com.br/,  acesso  em  Nov.  2012.    

A  expressão  da  cultura  do  nordeste  do  Brasil  no  norte  de  Minas  Gerais    

A  arte  é  a  expressão  conjunta  de  histórias,  estórias,  culturas  e  emoções.  Através  

das  músicas,  poesias,  danças,  ritos,  culinária  e  tantas  outras  formas,  a  arte  se  manifesta  

e   nos   transmite   ideias,   ideais   e   sentimentos.   Produzida   por   talentosos   artistas,  

tradutores  da  beleza  e  do  valor  do  nosso  povo  e  da  nossa  terra.  Arte  é  a  representação  

de   uma   opinião,   de   uma   forma   de   ver   e   pensar,   pode   se   dar   de   diversas  maneiras:  

escultura,   escrita,   pintura,   música,   plástica,   dentre   outras.   O   sinônimo   de   expressão  

artística  às  vezes  até  se  confunde  com  o  de  expressão  cultural,  pois  ao  se  produzir  arte  

se  reproduz  uma  cultura  (ROCHA  et  al,  2009).    

A   última   tarefa   do   artista,   a   tarefa   mais   difícil   é   a   descrição   do  imutável,   daquilo   que   repousa   em   si,   superior   e   simples,   longe   de  todo  encanto  particular   (...).  Nenhum  artista   esteve  até  o  presente   à  altura   dessa   tarefa:   a   descrição   do  maior   homem,   isto   é,   do  mais  simples  e,  ao  mesmo  tempo,  do  mais  completo  (...)  (NIETZSCHE,  1981).    

A   área   visitada   assemelha   a   região  nordeste  do  Brasil,   dentre   outros   aspectos  

pela  riqueza  de  sua  geografia  cultural,  diversa,  regionalista,  enaltecida  de  sentimentos  

de   pertencimento   ao   lugar.   A   cultura   nordestina   se   manifesta   em   Minas   a   todo   o  

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 tempo,   refletindo   os   anseios   e   as   problemáticas   sociais   da   região   que   é  

simultaneamente  tão  rica  e  tão  pobre  (SILVA,  2010).    

Na  primeira  parte  do  trabalho  de  campo  presenciamos  uma  expressão  cultural  

muito   presente   na   região   nordeste:   o   recital   de   poesia!   Segundo   Suassuna   (1997)   a  

Poesia   popular   do   nordeste   segue  duas   vertentes   principais,   primeiro   a   literatura   de  

cordel,  que  era  cantada  e  recitada  nas  feiras  livres  nordestinas,  e  a  poesia  improvisada  

dos   cantadores.  O  agricultor   familiar   e   também   integrante  do   sindicato   finalizou   sua  

palestra  recitando  uma  poesia,  que,  assim  como  na  literatura  nordestina  e  sertaneja,  era  

cheia  de  misticismos,  anseios,   relatos  de   lutas  com  derrotas  e  vitórias,   lembranças  do  

passado   e   estratégias   para   o   presente.   Se   mesmo   não   tivéssemos   ouvido   toda   a  

palestra,   somente   o   poema   expressava   o   que   o   agricultor   tentou   passar   durante   os  

aproximados  trinta  minutos  de  fala.    

Na  segunda  parte  do  campo  no  município  de  Porteirinha  fizemos  uma  visita  à  

casa  do  senhor  “Mima”  que  é  um  morador  local  que  fez  de  um  cômodo  vazio  de  sua  

casa  um  pequeno  museu  de  peças  de  madeira  que  representam  suas  lembranças  de  um  

tempo   em   que   ele   viveu;   os   objetos   de   madeira   são   réplicas   dos   instrumentos   que  

fizeram  parte  da  história  de  vida  dos  moradores  do  lugar  nos  anos  de  1970  e  1980.  Nos  

instrumentos   feitos  por  ele   também  está  expressa  a  relação  entre  a  região  mineira  e  a  

nordestina,  pois  ele  esculpiu  em  pedaços  de  maneira  objetos  que  identificam  a  cultura  

do  nordeste,  mas  que  também  fazem  parte  da  história  norte  mineira.    

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Figura5.  Um  Pilão  (utensílio  de  socar  tempero,  corante,  etc.)  e  uma  Casinha.  

Figura6.  Cabaças,  colheres,  enxadas.  

Figura7.  Uma  das  maiores  invenções  do  homem:  a  roda  d’água.  (TAVARES,  2008)  

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Figura8.  Bomba  para  encher  pneus  e  a  “Cangaia”  ou  Cangalha  (artefato  feito  de  madeira  ou  ferro,  normalmente  acolchoado,  que  se  coloca  no  lombo  de  mulas,  cavalos,  jumentos  e  outras  bestas  para  pendurar  carga).  

Fumo   de   rolo   arreio   e   cangalha.   Eu   tenho   pra   vender,   quem   quer  comprar?  Bolo  de  milho  broa  e   cocada.  Eu   tenho  pra  vender,  quem  quer   comprar?   Pé   de   moleque,   alecrim,   canela!  Moleque   sai   daqui  me   deixa   trabalhar!   [...]   E   Zé   saiu   correndo   pra  feira  de  pássaros  e   foi  passo  voando  pra   todo   lugar.   [...]  Tinha  uma  vendinha   no   canto   da   rua   onde   o  mangaieiro   ia   se   animar.   Tomar  uma  bicada  com  iambu  assado  e  olhar  pra  Maria  do   Juá!   (trecho  da  música   “Feira   de   Mangaio”,   de   Sivuca,   interpretada   pela   cantora  Clara  Nunes).    

Figura9.  Utensílios  de  cozinha  

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Figura10.  Carroça  (azul)  e  carros  de  boi,  e  o  “tear”  (máquina  de  tecelagem)  

Figura11.  Instrumento  utilizado  para  extrair  o  sal  da  areia  e  o  seu  Mima  extraindo  a  garapa  da  cana.  

Decepar  a  cana...  Recolher  a  garapa  da  cana,  roubar  da  cana  a  doçura  do  mel...   Se   lambuzar  de  mel!   (Trecho  da  música   “Cio   da  Terra”,  de  Milton  Nascimento  e  Chico  Buarque).  

Aspectos  fitogeográficos  

De  acordo  com  a  teoria  da  expansão  e  retração  dos  cerrados  e  caatingas  (Silva,  

2011),   houve   durante   o   período   quaternário   um   processo   dinâmico   de   alteração   na  

predominância   de   paisagens   fitogeográficas   dentro   do   território   brasileiro,   de  modo  

que  o  cerrado  se  expandiu  sobre  as  áreas  que  eram  ocupadas  pela  caatinga  devido  ao  

processo  de  resfriamento  e  aquecimento  do  planeta.  

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Figura12.  Configuração  fitogeográfica  ao  longo  da  Serra  do  Espinhaço  

Durante  o  trabalho  de  campo  foi  possível  perceber  a  predominância  da  caatinga  

naquela   região   conforme   demonstra   o   mapa   acima.   Em   termos   de   estrutura   a  

vegetação  possui   certa   semelhança  com  a   floresta  estacional  decidual  que  predomina  

na   maior   parte   do   norte   de   Minas   Gerais   (GONÇALVES,   2012,   a).     Todavia,   ao  

observar  de  maneira  mais  minuciosa  a  composição  florística,  foi  possível  observar  que  

não  se  encontram  nas  florestas  do  Parque  Estadual  de  Serra  Nova  as  mesmas  espécies  

encontradas   nos   levantamentos   florísticos   do   norte   de  Minas   Gerais,   embora   não   se  

tenha  feito  um  levantamento  detalhado  da  flora  de  Porteirinha.    

 

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 ASPECTOS  BIOGEOGRÁFICOS  DE  UM  FRAGMENTO  DE  CAATINGA  PARQUE  

ESTADUAL  DE  SERRA  NOVA  

Figura13.  Alguns  elementos  que  compõem  a  biodiversidade  na  região.  

 

Figura14.  Paisagem  com  predominância  de  espécie  típica  da  região.    

Miconia sp. Cactácea sp.

Diplopodo sp (Gangolô)

Biomassa do solo

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 Fotos:  Thamyres  Sabrina  Gonçalves,  2012.  

CONSIDERAÇÕES  FINAIS.    

O  trabalho  de  campo  na  geografia  é  simplesmente  essencial  para  a  observação  

dos   fenômenos   culturais,   naturais,   sociais,   históricos   enfim   que     deve   fazer   parte   da  

vida  de  um  geógrafo.  Para  ser  geógrafo  é  preciso  fazer  geografia,  para  fazer  a  geografia  

é  necessário   estar   sempre  observado  o  mundo.  A  geografia   cultural   é  uma  das   áreas  

mais  importantes  para  se  quebrar  paradigmas  históricos  da  ciência  geográfica,  que  é  a  

dualidade   do   natural,   físico   versus   o   humano,   pois   a   cultura   se   constrói   através   e   a  

partir  das  relações  entre  o  homem  e  o  meio,  o  natural  e  o  humano,  se  a  humanidade  se  

constrói  a  partir  dessas  relações  porque  dividimos  a  ciência  geográfica?  Talvez  por  que  

não  tenhamos  observado  o  suficiente!  É  preciso  saber  compreender  o  espaço,  para  nele  

reproduzirmos,  para  nele  convivermos  sabendo  respeitar  a  diversidade  e  a  pluralidade  

cultural   dos   povos.  O   seu  Mima   nos  mostrou   a   força   da   cultura   que   está   escondida  

pelos   interiores  do  Brasil,  a  estória  e  a   lembrança  guardada  na  memória  de  um  povo  

que   viveu,   e   vive   a   história,   porque   eles   não   fazem   parte   da   construção   da   história  

acadêmica?   Temos   medo?   De   eles   não   estarem   dizendo   a   verdade?   Mas   qual   é   a  

verdade?  Que  verdade  estamos  buscando?  São  estes  alguns  questionamentos  deixados  

pelo   trabalho   de   campo   em   Porteirinha,   pela   geografia   do   nordeste   do   Brasil   e   que  

certamente   a   observação   do   espaço   geográfico   e   das   regiões   do   país   nos   ajudará   a  

respondê-­‐‑los.  Todavia  uma  conclusão  é  possível:  O  antropólogo  Darcy  Ribeiro  estava  

com  toda  a  razão  quando  disse  há  algumas  décadas  atrás  que  a  universidade  brasileira  

precisava  abrir  suas  portas  para  o  povo.  Pois  há  muitas  histórias  desconhecidas,  muitas  

culturas   renegadas,  muitos   povos   e   comunidades   que   ainda   não   foram   inseridos   na  

história  e  na  geografia  do  povo  brasileiro.  A  realização  deste  trabalho  de  campo  foi  um  

passo,   que   seja   apenas  um  passo  de   toda  uma   trajetória  de   construção  de  uma  nova  

história  para  o  Brasil  que  Milton  Santos  chamou  de  “o  país  distorcido”.    

 “Eu   quero   uma   história   nova!   Não   este   conto   de   fadas   brancas   e  ordinárias   Donas   de   nossas   façanhas.   Eu   quero   um   direito   antigo!  

Revista  VITAS  –  Visões  Transdisciplinares  sobre  Ambiente  e  Sociedade  –    www.uff.br/revistavitas  ISSN  2238-­‐‑1627,  Ano  V,  Nº  11,  setembro  de  2015    

 Engavetado   em   discursos   contidos,   paliativos   (...).    Eu   quero   de   volta,   de   pronto...   As   chaves   dessas   gavetas,   dos  arquivos  trancafiados,  de  onde  jazem  meus  verdadeiros  heróis.  Uma  “nova”   história   velha.   Cheia   de   fadas   beiçudas  Fazendo   auê,   algazarras.   Com   argolas   nas   orelhas.   De   cabelos  pixaim”.  (THAMAGO,  2010).    

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