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a partir de MÁSCARA, MATO E MORTE de Paulo Valverde

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a partir de Máscara, Mato e Morte

de Paulo Valverde

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ROST O, CLAR EIRA E DES MAIO

um corpo em ruptura,

prestes a entrar na morte

Luís Quintais

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ROST O, CLAR EIRA E DES MAIO

tristes trípticos

DIZ O ANTROPÓLOGO

um corpo em ruptura,

prestes a entrar na morte

Luís Quintais

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ROSTO, CLAREIRA E DESMAIO

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ROSTO, CLAREIRA E DESMAIO

Não foi preciso recortar no mapa o território:

é uma ilha.

Vários verdes rodeados de várias águas,

a ilha é uma ideia arboriforme que a brisa sacode, a humidade

corrói.

Vista de cima a mancha púbica do verde

promete a lascívia.

Quando calquei nela a sola

uma alegria pueril, salgada, salpicada de cores,

colou-se à roupa que eu vestia.

Os óculos deram em escorregar pelo nariz.

É possível, sem acrobacias, pôr um pé em cada hemisfério.

Duas estradas: uma aponta para o norte,

outra para o sul.

Fica mato adentro a pista que é preciso bater.

O trabalho pede uma catana, eu venho com caderno

e esferográfica,

instruído nos ritos etnográficos.

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O quarto dá para o silêncio inclinado das noites.

As furnas assobiam um murmúrio que não sei, não quero saber.

Esbracejo noite dentro contra insectos carnudos,

indecisos entre o vidro e a lâmpada. De manhã regressa a calma, a aguda

simpatia dos locais

a quem ofereço um sorriso oportuno.

Mas cresce dentro uma satisfação genuína. Mais que um tema,

ou uma tese,

a ilha pode muito bem tornar-se um projecto de vida.

Julgava ter um conhecimento razoável de quotidianos,

do que há neles de genérico e vulgar.

Este, em particular, pede-me que adeqúe as minhas premissas

aos enviesados sistemas de descoberta e ocultação

e a um jogo de poder que, suspeito, supera o plano das coisas.

Falta-me um olhar leve (= capaz de considerar

os invisíveis)

e desde que cheguei procuro o plano e o foco correctos.

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Toco a superfície do que nasce de dentro.

São zonas inominadas e a experiência consiste em eu

me experimentar.

Assisto ao comércio da indolência, do indispensável à preguiça.

À fruta vejo-a tombar das árvores; ao peixe

a espuma das ondas quase o entrega na mão dormente dos

pescadores.

Há em todos um desejo tosco de conquistar algo menos

mirífico que material.

Falta-lhes o impulso prático.

É função das crianças formigarem as ruas, enredarem-se

na própria alegria involuntária.

Não há futuro, há o azul. E isso perfaz todo o horizonte.

Os edifícios fundados na orla do mato

estão há muito entregues à ruína. Uma ruína verde, farpada,

que alastra e digere portões, alpendres, telhados, chaminés, até tudo

ser engolido pela exuberância,

devolvido à floresta.

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Aos homens e mulheres não importa o trabalho de guardar,

sabem que tudo pertence ao matagal: o passado, o presente,

o futuro.

A floresta é o próprio Tempo, clorofilino.

Alguns levam longe a sua coisa nenhuma sobre a terra.

Entregam-se a um rito, a um teatro. Puxam a ponta de um

novelo que ficou

perdido nas épocas.

Repetem-se. Repartem-se.

Arremedam umas formalidades estranhas a si mesmos.

Usam a língua dos colonos ou falam para lá dela, num latim

partido;

fantasiam-se, mascaram-se, sopram em tíbias, batem em peles,

dançam e são possuídos,

mas sobretudo fazem por deter o mecanismo dos relógios.

Durante boa parte do dia, em que a performance se ergue no ar,

deixam de ser eles,

não se reconhecem mesmo entre si. Abanam guizos, chocalhos,

alteiam

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cajados e bastões,

espantam a pobreza que no mais dos dias deles se apodera:

enriquecem.

Tornam-se dignos perante os vivos

e merecedores das blandícias dos mortos.

Decalcam sem dilemas um guião obsoleto. Improvisam.

Fora isto, o tédio. Um tédio berrante-multicolor

que faço por olhar de todos os ângulos, entre o deslumbramento

e o asco.

A mira do meu interesse hesita entre múltiplos alvos.

Estudo, sou estudado.

Umas vezes me legitimo perante,

outras me abastardo defronte.

E nisto ziguezagueia o meu esboço, o meu desenho à vista.

Mas

é difícil um pacto com os segredos da terra. Aos poucos

ateio um fogo: com o que tempero as minhas aproximações.

Crio eu próprio uma espécie de magia (ainda que)

deturpada pela inteligência.

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Começo a destrinçar o meu caminho de floresta julgando

ser capaz de destrinçar luz e escuridões.

Nada sei, afinal.

Pergunto se

toda a extensão será o resultado de um abandono?

Anseio por revelações maiores dentro da verdura.

Revelação quer dizer:

encontro à luz, ao claro, ao clareado.

Agora mesmo: olhos nos olhos com o acontecimento.

É uma fatalidade,

eu trabalho com fatalidades.

Andar muito tempo mato-mato,

a pisar galhos inarticulados de um código anómalo sem princípio

e sem fim, a perseguir marginalidades.

É duro.

Concluo:

as abrangências do mistério são totais e tóxicas.

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Onde colocar agora

a doxa, o nexo, a douta cátedra?

Suo:

da coxa.

do sexo.

da máscara.

(Os óculos escorregam pelo nariz)

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ROSTO, CLAREIRA E DESMAIO

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Então os meus olhos abrem para dentro e tudo exacta-mente se organiza com a iluminação de um herbário.

Já não é uma tese, é uma fitoteca. Os rumores da flores-ta são por mim colhidos, enxutos, etiquetados e prensa-dos sobre papel pardo. Mas a humidade dificulta o rigor.Tudo se enche de bolor e arrisca a perder.

A colecção cresce à conta da variedade local: funerais festi-vos e dançados; cortejos lúgubres, tragédias infinitamente encenadas em praças e quintais; relatos de curandeiros peritos nos mistérios da morte; gente montada por espí-ritos desocupados e gente que procura em lugares ocul-tos, no fundo do mato, uma corja de bruxos etilizados,

mais os insultos & agressões por eu insistir em agrafar tudo isto.

Ouvi de um curandeiro: o senhor vem com essa coisa de gravação pra saber na realidade como as coisa é? Eu corto desprezo, faço massagem, mulher que não faz parir faz parir, eu bato desprezo, eu faço desprezo, eu desconto desprezo. Entendeu?

Entendi.

Eu faço mesa simples no mato, eu faço mesa simples dentro do cemitério, eu faço mesa para qualquer indi-víduo. Entendeu?

Entendi.

E dando um gole de um líquido turvo concluiu: isto não é para os brancos, porque desorienta muito.

ROSTO, CLAREIRA E DESMAIO

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O espírito está ligado ao corpo mais ou menos como o homem ao planeta. As sombras estão cosidas ao bosque. O bosque é a grande solidão íntima e pura. Nele surpreendemos os perigos da morte e também os da cura. Não devemos quebrar os ramos da planta da morte, nem pisar as suas raízes, nem tocar nas suas flores extremas.

Avanço desfazendo-me das memórias como se fossem farrapos de roupa que as silvas tomam para si. Anoite-ce mais cedo sobre o corpo nu. Adormeço a partir de dentro, à luz fraca de um raciocínio. Na garganta uma surdina infundada, vazia. E a cada passo sonâmbulo estou mais próximo da matéria valiosa.

O corpo entregue a si próprio, em abandono, em ap-neia, e disponível para os desvios. É a partir dele que tudo procede, organizadamente, obstinadamente. Um corpo documenta, relata, interpreta, escreve raspando até encontrar outra vez o caminho da superfície.

À ilha dei o nome Fainarete, como a mãe de Sócrates, a parteira. As águas mestiçam ali nos talvegues, en-volvendo os ocos túrbidos e os ocos cintilantes, numa mistura que depois condensa na forma de pensamen-tos. Estes são atraídos para o centro. E do centro nasce a ameaça: verde, invisível, inexplicável. É uma mai-êutica, mas no sentido avesso. Trago à colecção os elementos mortuários: ossos e caveiras de que alguns curandeiros se servem (e outros abominam). Penso no crânio do bobo do rei. Penso ser eu o bobo do rei.

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À colectânea juncou ainda um rebento decisivo vindo quase de nenhures. Broto adubado no estrume local. Que criatura é um filho nosso? Quem é o afluente de quem? As suas mãos longas e magras como magras e longas são as minhas e eram já longas, magras, as do meu pai; o seu rosto oblongo, silente, rindo desde as nascentes. O meu sorriso de um lodo ao outro lodo da face, focado no fruto, na progenitura que, lentamente e só por um pedacinho do caminho, me levará além da morte.

Nasceu enfim um outro dia sobre o olho da ilha, pro-gride pelos espaços apertados. O verde é afinal esta clareira implodida.

(O nariz escorrega pelo rosto)

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ROSTO, CLAREIRA E DESMAIO

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O nervo vago sai do crânio pela cova jugular,

suspenso desde o hangar das ideias, a vacilar postura abaixo

até à natureza,

até ao bosque do coração, por exemplo,

até, por exemplo, ao músculo da fala, monstruoso,

por exemplo, até à pele transpirada onde os insectos famintos

vêm beber.

Tudo o mais que povoa e opera cá em baixo,

na natureza humana,

é vagamente transmitido por este nervo, e quando não,

chamamos de síncope vagal ao fenómeno.

Desmaio, maduro desmaio, abertura

ao Universo.

Secreção de sentenças e oráculos ponderados nos hangares,

depois convertidos em angustias e esgares.

É uma inclinação sem ponto fixo.

Uma infecção a partir da qual.

Tudo o que sai do homem é supersticiosamente impuro

– ó arame, diz-me quem te enrolou farpado? –

ROSTO, CLAREIRA E DESMAIO

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e deverá ser purgado no excesso ou, no meu caso,

no resfriado que se apanha no vento de feiticeiros e nas coisas

teleguiadas.

Operou em mim não sei que inclinação

para o mistério. Fui estrangeiro de tudo menos da velocidade

com que escrevi a palavra do bosque

e depois a esqueci, lançando o meu abismo sobre

o grande xiu!

(O rosto escorrega)

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Soube da morte de Paulo Valverde quando ela aconteceu. Nesse ano (1999) a minha mãe estudava an-tropologia no ISCTE e o acontecimento – trágico, aos 37 anos, em resultado de malária contraída em São Tomé e Príncipe, onde trabalhava na tese de doutoramento –causou grande transtorno entre a comunidade docente, a mesma que o via como um destacado e auspicioso ele-mento da nova escola antropológica portuguesa do pós 25 de Abril e o tinha como exemplo, interlocutor e, por-ventura, amigo.

Anos depois, à mesa de um café, numa conversa entre artistas, falaram-me de uma obra de antropologia, póstuma, com um título, um tema e uma circunstância admiráveis. Percebi nessa altura que da morte de Paulo Valverde, ainda que devastadora, sobrara um vestígio, um fragmento. E que, apesar do tímido alcance, esse fragmen-to transpunha o interesse dos seus pares e vinha misturar--se na congeminação de gente de outros sectores.

Mais tarde, ainda, reencontrei Paulo Valverde nos versos do poeta, antropólogo (e seu amigo pessoal) Luís Quintais: Ele debruçava-se sobre o vidro da livraria,/ era de noite, muito tarde (…) (Mais espesso que a água, Coto-via, 2008). Foram estas as minhas pequenas colisões com o nome do antropólogo, até ao momento que antecedeu a preparação do texto das três tabuinhas articuladas que antecedem estas palavras.

LANGUE DE BOIS

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Por razões que talvez não caibam aqui encon-trei-me na incumbência de escrever um texto para um espectáculo de teatro dirigido pela encenadora Susana Vidal. As premissas estavam previamente estabelecidas e foram-me oferecidas assim: quero trabalhar contigo a ideia de máscara, de tempo e de bosque. Isto dito num português de Córdoba.

Depois de muito rodear o tema e de hesitar outro tanto na incumbência, sobreveio-me, da forma menos turva, a hipótese de trabalhar sobre Máscara, Mato e Morte: textos para uma etnografia de São Tomé (Cel-ta Editora, 2000). Pus nas mãos de um livreiro amigo a missão de encontrar o livro e, encontrado, dediquei-me, finalmente, à tarefa de acolher não já um nome mas o enigma todo.

Diante dele as minhas pálpebras tremeram: 400 páginas de uma espessura difícil de rasgar para quem não se educou nas averbações etnográficas e não vinha preparado para destapar um destroço. Um destroço, mes-mo. Ou, nas palavras de João de Pina Cabral, orientador de tese e compilador dos textos que compõe a obra: os escombros de um navio. Ainda que, como nos assegura no prefácio, a estrutura tenha sobrevivido à embarcação.

Num labirinto pode suceder passar-se várias ve-zes pelo mesmo troço sem saber encontrar o fim, tão--pouco voltar ao princípio. De igual modo, não sei con-firmar o meu regresso da leitura de Máscara, Mato e Morte, sobretudo a partir do momento em que assumi perante aquelas páginas uma leitura flexível e polifocal,

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deambulando pelos espaços como faz o espectador do Tchiloli (uma recriação popular são-tomense de um tex-to teatral europeu da viragem do período medieval para o renascentista) que ora assiste escrupulosamente a uma cena da actuação, ora prefere destinar-se a outros acon-tecimentos limítrofes e estrangeiros dela.

Valverde aponta para uma performance invisível que acontece dentro e no tempo dessa representação con-creta. O carácter póstumo do texto situa-o (ao meu olhar) na vizinhança dessa região. A obra aparenta-se por vezes a um grimório – barroco, ardente – algo que a faz superar grandemente a sua inclinação académica, para focalizar territórios desconcertantes de magia, crença e encanta-mento, tudo com uma disponibilidade de elevado grau na escala poética.

Afigurou-se-me complicado transportar os al-çados daquela arquitectura para uma composição que pudesse servir as intenções cénicas de alguém que, ade-mais, não pôde ler a obra. Cessei de buscar uma theoria, uma articulação teátrica, um alicerce narrativo. Servi-me da articulação existente nas três unidades fundadoras. De seguida, encarei a ínsula de mão leve, acreditando no feitiço e tentando que:

1) o corpo se apresentasse.

2) o corpo dançasse na língua do bosque.

3) o corpo adentrasse no fluxo.

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Informaram este texto

além de Máscara, Mato e Morte de Paulo Valverde

outros textos e autores:

Mais espesso que a água, de Luís Quintais;

clareiras do bosque, de María Zambrano;

FragMentos narrativos, de Paul Valéry;

photoMaton & vox, de Herberto Helder;

caMinhos de Floresta, de Martin Heidegger.

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poema Miguel-Manso encenação/direcção Susana Vidal com Bruno Alexandre, Carla Ribeiro, Cláudio da Silva, Susana Vidal artista plástico David Oliveira desenho de luz, video mapping, direcção técnica João Cachulo vídeo João Manso produção executiva Natasha Bulha Costa produção B-Teatro coprodução TNDM II apoio Câmara Municipal de Lisboa, Espaço das Gaivotas

esteve em cena

de 9 a 12 de Fevereiro de 2017 na Sala Estúdio do teatro NacioNal D. Maria ii,

integrado no ciclo Estúdio Poético.

Rosto, ClaReiRa e Desmaio

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#51

dos autoresc

Rosto, Clareira e Desmaio, a partir de Máscara, Mato e Morte

de Paulo Valverdefoi escrito por Miguel-Manso,

com pintura de capa deBárbara Assis Pacheco

A ilha, 2013, 140x250cm, grafite, ecoline e guache s/papel,

fotografia de Joana Linda,maqueta do cenário em arame

de David Oliveiracomposto por Joana Pirese impresso na Gráfica 99

em Fevereiro de 2017

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