302
A PARTIR PEDRA http://a-partir-pedra.blogspot.pt/ Colectânea de textos Maçónicos Blogue sobre Maçonaria escrito por Mestres da Loja Mestre Affonso Domingues ANO 2012 ANO 2012

A PARTIR PEDRA - cld.pt · A Constituição de Anderson de 1723 é, provavelmente, o documento que mais bem espelha os princípios da Maçonaria. Foi ... encarregou James Anderson

Embed Size (px)

Citation preview

A PARTIR PEDRA

http://a-partir-pedra.blogspot.pt/

Colectânea de textos Maçónicos

Blogue sobre Maçonaria escrito por Mestres da Loja Mestre Affonso Domingues

ANO 2012ANO 2012

Contents

O vigésimo Venerável Mestre 1

A Constituição de Anderson de 1723 6

As Obrigações dos Maçons: I - Deus e Religião 11

As Obrigações dos Maçons: II - Autoridade civil 16

As Obrigações dos Maçons: III - As Lojas 22

Harmonia em desafio... 28

As Obrigações dos Maçons: IV - Os Mestres,Vigilantes, Companheiros e Aprendizes

31

As Obrigações dos Maçons: V - A gestão do ofíciodurante os trabalhos

37

As Obrigações dos Maçons: VI . 1 - A conduta na Lojaenquanto constituída

42

As Obrigações dos Maçons: VI . 2 - Conduta depoisque a Loja terminou e antes que os Irmãos saiam

49

As Obrigações dos Maçons: VI. 3 - Conduta quando osIrmãos se reúnem sem estranhos, fora de uma Lojaconstituída

54

As Obrigações dos Maçons: VI . 4 - Conduta empresença de estranhos não Maçons

58

As Obrigações dos Maçons: VI. 5 - Conduta em casa ena vizinhança

64

O curioso corte de inexistentes relações 68

As Obrigações dos Maçons: VI. 6 - Conduta em facede um Irmão estranho

73

João Damião Pinheiro, maçom estabilizador 81

Regras Gerais dos Maçons: Introdução 86

De volta... 91

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - I 94

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - II 100

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - III 103

Pode um católico ser maçom? 107

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - IV 112

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - V 116

Conhece-te a ti mesmo 121

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - VI 124

O que se faz numa sessão maçónica 130

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - VII 134

O que se faz numa sessão maçónica - II 137

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - VIII 141

Reeleição do Grão Mestre 146

A Maçonaria e o Culto Solar 148

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - IX 152

Faça-se luz 156

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - X 160

Uma (nova) idade das trevas? 163

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XI 167

O "Grande Arquiteto Do Universo" é uma divindademaçónica?

172

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XII 175

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XIII 179

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XIV 186

Alexis Botkine - O Maçom que veio de longe 189

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XV 193

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XVI 196

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XVII 200

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XVIII 204

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XIX 209

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XX 212

A estória de muitas histórias. 215

Jorge Silveira (1953-2012), maçom breve 218

As ondas da fortuna 221

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXI 224

Integração e tolerância 229

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXII 233

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXIII 238

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXIV 241

O saber calar-se 245

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXV 248

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXVI 255

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXVII 261

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXVIII 265

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXIX 269

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXX 273

Que significa Huzza, Huzza, Huzza? 277

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXXI 281

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXXII 284

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXXIII 289

Um trecho de Albert Pike, a propósito de Maçonaria,Crise e Sociedade

292

1

O vigésimo Venerável Mestre

January 04, 2012

O vigésimo Venerável Mestre, que foi instalado na Cadeira de Salomão em 12 de setembro de 2009, era, dos obreiros à data integrando o quadro da Loja, um dos dois mais antigos da Loja. Com efeito, da primeira lista de obreiros da Loja, aquando da sua fundação, constam os nomes do já então Mestre Maçom Alexis Botkine e do então Aprendiz Rui. C. L., o vigésimo Venerável Mestre da Loja Mestre Affonso Domingues. Rui. C. L., normalmente, já teria sido Venerável Mestre muito antes. Mas, nos idos de 90 do século passado, cometeu a ousadia de

2

bater o pé ao então Grão-Mestre Fundador e sofreu a sua ira. Teve de se afastar durante uns tempos. Só regressou depois da cisão de 1996/1997. Teve depois um grave problema de saúde de que teve de se cuidar - e que ainda hoje o limita. Apesar da sua antiguidade, fez o normal percurso na "linha de sucessão" informal que é prática da Loja. Tudo isto motivou que o segundo mais antigo obreiro da Loja em atividade nela só no vigésimo ano da sua existência assegurasse a sua liderança. Ao fim e ao cabo, esta liderança em ano "redondo", que a Loja decidiu assinalar com a publicação do livro R. L. Mestre Affonso Domingues - 20 anos de história, acabou por ter um certo simbolismo. E foi o melhor marco para assinalar a transição geracional da Loja. O Venerável Mestre que assegurou os destinos desta no seu vigésimo ano de atividade foi um dos mais antigos obreiros. Organizou e dirigiu a celebração deste aniversário. E depois passou o malhete a um obreiro que já não viveu os tempos da implantação e da cisão o qual, por sua vez, foi rendido por obreiro já iniciado no século XXI. Rui C. L. assinalou assim o fecho de um ciclo da Loja. Um ciclo feliz de vinte anos. Com sucessos e retrocessos, com alegrias e tristezas, mas um ciclo rico, que mereceu a pena viver e que permitiu assentar as fundações, crê-se que sólidas, em que assentará o futuro da Loja. Rui C. L., gestor de formação, tem uma especial capacidade de motivação para objetivos. O seu mandato foi a ilustração desta capacidade. Desde o primeiro momento, a Loja andou num reboliço

3

de ideias, de mudança, de fixação e cumprimento de objetivos. Em termos da sua composição, Rui C. L. começou por compor a coluna de Companheiros, passando alguns Aprendizes prontos para tal. Mas a coluna de Aprendizes não ficou desguarnecida, pelo acelerado trabalho de iniciações levado a cabo. Pelo contrário, desde há alguns anos que a coluna de Aprendizes não estava tão preenchida. E a visibilidade que a Loja tem tido nos últimos anos faz com que, aguardando a sua vez, alguns desde muitos meses, vários candidatos se perfilem à porta do Templo... Em termos de pranchas, rara foi a sessão de Loja em que uma prancha não tivesse sido apresentada e discutida. Fosse prancha de proficiência de Aprendiz ou Companheiro, fosse prancha traçada por Mestre. Os assuntos foram os mais variados, segundo os interesses e a especialização de quem as elaborou. Em termos de relações com outras Lojas, para além de pontuais visitas de obreiros às Lojas-gémeas Fraternidade Atlântica e Hippokrates, traçou e executou, na parte final do seu mandato, um exigente plano de visitas a várias Lojas da Obediência, renovando assim os laços de fraternidade entre a Loja Mestre Affonso Domingues e as demais Lojas da GLLP/GLRP. Como pano de fundo de tudo isto, traçou, dinamizou e dirigiu todos os trabalhos de preparação para as comemorações do vigésimo aniversário da Loja. Em termos de relações internas, fomentou e aplicou uma simples

4

mudança: os ágapes após as reuniões de Loja deixaram de ter lugar em estabelecimentos da zona de reunião da Loja, todos sem condições de privacidade suficientes, e passou-se a encomendar um catering e o ágape a ter lugar imediatamente após a reunião da Loja, nas próprias instalações desta. Mais barato e com todos mais à-vontade! Resultado imediato: exponencial aumento de participação de obreiros da Loja no ágape, reforço dos laços de fraternidade, melhoria das condições de integração dos novos elementos, melhoria e variedade de escolhas de forma de trabalhar (por exemplo, pranchas não rituais passaram a poder ser apresentadas e discutidas após a sessão, no decorrer ou após o ágape). Criou as condições e iniciou uma tranquila renovação da Loja. O número de Aprendizes e Companheiros em atividade e o número de candidatos em processo de avaliação superou o número de Mestres. O resultado deste trabalho não se viu no imediato, mas será, não tenho dúvida, marcante a médio prazo. Daqui a meia dúzia de anos, estará pronta uma nova geração de Mestres maçons apta a dirigir a Loja, renovada mas fiel à sua Tradição. A geração dos mais antigos, dos que viveram estes primeiros vinte anos, pode assistir, descansada, à evolução da Loja: esta está pujante, moderna, dinâmica, reforçada e sobretudo é, sem sombra de dúvida, uma Loja do século XXI! Resumindo: Rui C. L. dirigiu a Loja num ano de muito dinâmica atividade. Elevou a fasquia bem alta para o seu sucessor... Mal sabíamos nós que, ao mesmo tempo, também propiciava acrescida

5

dificuldade para esse seu sucessor... Mas disso falarei no texto quededicarei ao vigésimo primeiro Venerável Mestre - nunca antes dopróximo outono. Rui Bandeira

6

A Constituição de Anderson de 1723

January 11, 2012

A Constituição de Anderson de 1723 é, provavelmente, o documento que mais bem espelha os princípios da Maçonaria. Foi elaborada na transição entre a Maçonaria Operativa e a Especulativa, quando a organização outrora agrupando artesãos construtores se transformava na sua forma atual de organização fraternal indutora de aperfeiçoamento pessoal, moral e espiritual dos seus membros, segundo um método próprio, fundado em princípios herdados de tempos imemoriais, transmitidos e preservados de geração em geração. Muito - quase tudo - daquilo que os maçons referem como proveniente de "antigas tradições" está inscrito nesta Constituição,

7

autêntico documento basilar da Maçonaria. Foi publicada em 1723 no Grão-Mestrado de Philip Wharton, 1.º Duque de Wharton, o sexto Grão-Mestre da Premier Grand Lodge de Inglaterra, na realidade o quinto maçom a exercer tais funções, já que George Payne repetira o exercício do ofício, que assegurou em 1718 e de novo em 1720, e o segundo nobre a assumir a condução dos destinos da maçonaria inglesa. O primeiro fora John Montagu, 2.º Duque de Montagu, Grão-Mestre entre 1721 e 1723, que foi quem, em 1721, encarregou James Anderson de "examinar, corrigir e organizar, segundo um melhor método, a História, Obrigações e Regras da Antiga Fraternidade". James Anderson (1679 ou 1680 - 1739), pastor da Igreja da Escócia, era ministro da Igreja presbiteriana de Swallow Street, em Londres, desde 1710 e Venerável Mestre da Loja com o n.º 17 aquando da publicação da Constituição, conforme se pode ler no apêndice final desta (aliás o local onde consta a única referência à sua autoria do texto). O post-scriptum final foi assinado pelo Grão-Mestre Philip, Duque de Wharton, o Vice-Grão-Mestre John Teophilus Desaguliers (que exercera já o ofício de Grão-Mestre em 1719), pelos Grandes Vigilantes Joshua Timson (ferreiro de profissão) e William Hawkins (maçom operativo, ou seja, artesão construtor) e pelos Veneráveis Mestres e Vigilantes das então existentes 2o Lojas (incluindo o primeiro Grão-Mestre, em 1717, Anthony Sayer, em 1723 Vigilante da Loja com o n.º 3, e George Payne, que foi Grão-Mestre em 1718 e 1720 e em 1723 era o Venerável Mestre da Loja com o n.º 4) e

8

nele pode ler-se que Anderson, para realizar a tarefa de que fora incumbido, "analisou várias cópias manuscritas de Itália, Escócia e outras partes de Inglaterra e daí (embora aqueles estivessem errados em muitas coisas) e de vários outros arquivos antigos dos maçons extraiu e elaborou a presente Constituição, Obrigações e Regras Gerais". O volume começa por uma dedicatória ao Ex-Grão-Mestre, John, Duque de Montagu, elaborada pelo Vice-Grão-Mestre em exercício, John Teophilus Desaguliers, prossegue com um capítulo dedicado à História da Maçonaria, a que se seguem os capítulos dedicados às Obrigações dos Maçons e às Regras Gerais, um post-scriptum e a Aprovação, concluindo-se com letras e algumas pautas musicais de canções maçónicas (Canção do Mestre ou a História da Maçonaria, Canção dos Vigilantes ou Outra História da Maçonaria, ambas da autoria de Anderson, Canção dos Companheiros, da autoria de Charles Delafaye e Canção dos Aprendizes, da autoria de Matthew Birkhead). A parte dedicada à história da Maçonaria é uma compilação efetuada, fixada e, não pouco significativamente, corrigida por Anderson das versões, há muito existentes em documentos da maçonaria operativa e de que neste blogue já dei conta e divulguei e comentei, da Lenda do Ofício (ver os textos agrupados no marcador Lenda do Ofício). A parte final, das canções, hoje pouco mais interesse tem do que o de curiosidade. A dedicatória, o post-scriptum e a Aprovação são textos quase que apenas protocolares.

9

Particular interesse revestem os capítulos dedicados às Obrigações dos Maçons e às Regras Gerais. Lendo-os e analisando-os, neles detetamos a origem de variadas compilações e versões de chamados Landmarks (princípios fundamentais da Maçonaria) e de regras ainda hoje usadas e praticadas em Maçonaria, muitas delas não constando de qualquer regulamento e invocadas como derivando de "Antigas Tradições". Pois bem, a fonte ou, pelo menos, a compilação dessas Antigas Tradições está na Constituição de Anderson de 1723! Se nada surgir em contrário, vou dedicar quase todos os meus textos deste ano de 2012 à divulgação, análise e comentário crítico dos textos das Obrigações dos Maçons e das Regras Gerais da Constituição de Anderson de 1723. Serão muitos textos (as Obrigações são seis, a última das quais dividida em seis partes, o que, em princípio, justificará onze textos; as Regras Gerais são 39, o que justificará outros tantos textos). Resumindo: um programa para 50 textos, que ocupará todo este ano de 2012 e poderá ainda sobrar para 2013, dependendo da altura em que eu decidir publicar dois textos dedicados à memória da Loja, relativos ao período do veneralato do vigésimo primeiro Venerável Mestre da Loja e da eventualidade de, a qualquer tempo, poder interromper o que será esta longa série para escrever sobre qualquer assunto que julgue oportuno. O tema desta série merece esta alongada atenção. Afinal, a Constituição de Anderson de 1723 é um documento essencial para se compreender o que é a Maçonaria. Essencial para quem é maçom, se quer mesmo saber porque faz algo do que faz;

10

essencial para quem não é maçom, se não se quiser limitar a umas"ideias gerais", geralmente pouco acertadas, sobre a instituição daMaçonaria de que tantos falam e tão poucos acertam. Nesta série de textos, utilizarei como fonte permanente a excelenteversão portuguesa da Constituição de Anderson de 1723, publicadaem 2011 pelas Edições Cosmos, com introdução, comentário enotas de Cipriano de Oliveira (não concordo com todas as posiçõesexpressas por Cipriano de Oliveira - e ele sem dúvida que sabeonde discordamos... -, o que não invalida que seja um notáveltrabalho o que ele realizou e muito útil a edição resultante da suapesquisa e do seu labor). Fontes: http://en.wikipedia.org/wiki/Premier_Grand_Lodge_of_Englandhttp://en.wikipedia.org/wiki/James_Anderson_%28Freemason%29http://books.google.pt/books?id=LkICAAAAQAAJ&printsec=frontcover&dq=anderson%27s+constitutions+1723Cadernos Humanitas - Constituição de Anderson, 1723, Introdução,Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011 Rui Bandeira

11

As Obrigações dos Maçons: I - Deus e Religião

January 18, 2012

Um Maçom é obrigado a obedecer à Lei Moral; e se compreender corretamente a Arte, nunca será um estúpido ateu nem um libertino irreligioso. Muito embora em termos antigos os Maçons fossem obrigados,em cada País, a adotar a religião desse País ou Nação, qualquer que ela fosse, hoje é mais acertado que adote a religião com a qual todos os homens concordem, guardando as suas opiniões pessoais para si próprios: Ou seja, devem ser homens bons e leais, ou homens de honra e probidade, qualquer que seja a denominação ou convicção que os possam distinguir; Assim a Maçonaria será um centro da união e um meio de concretizar uma verdadeira amizade entre pessoas que de outra forma permaneceriam separadas.

12

A primeira Obrigação dos maçons da Constituição de Anderson de 1723 resume o essencial do que é a Maçonaria e do que são e devem ser os maçons. Logo a primeira noção que transmite é que o maçom é obrigado a obedecer à Lei Moral. Moral deriva do latim mores, ou seja costumes. O vocábulo mores foi utilizado pelos Romanos para traduzir a palavra grega êthica, ou seja, ética. A ética é o suporte da moral e esta a origem da norma, eventualmente lei, pois da ética individual passa-se aos valores sociais e estes originam as normas, as leis, com que as sociedades impõem os comportamentos entendidos adequados, isto é, comportamentos morais, baseados em princípios éticos. Desta noção - a primeira expressa nas Obrigações dos maçons - resulta inequívoco o dever do maçom se comportar adequadamente em termos éticos, seguindo os princípios que elevam o Homem acima da sua pura animalidade, e também de cumprir os valores sociais em uso na época e lugar em que se encontra. O maçom é um produto da sociedade onde se insere. Desejavelmente, inserindo-se entre os melhores produtos dessa sociedade. Mas não é nunca um estranho, uma exceção. Pode e deve pugnar pela evolução, pela melhoria dessa sociedade. Deve fazê-lo antes de tudo e acima de tudo dando ele próprio o exemplo dos comportamentos em que deve assentar essa melhoria e esperando que outros e outros e cada vez mais assumam os mesmos desejáveis comportamentos, não procurando impor aos outros as suas teses, os seus entendimentos. Implícita na noção de obediência à Lei Moral está ainda a obediência às normas e leis do País, recusando-se a atividade conspirativa e revolucionária.

13

A segunda noção transmitida por esta Obrigação é a de que o maçom deve ser crente, não sendo admissível que seja um "estúpido ateu" ou um "libertino irreligioso", esta última expressão abarcando também o agnóstico, pois a palavra "libertino", na época de Anderson não tinha o significado atual de "devasso", "dissoluto", antes respeitava àquele que não professava fé religiosa, o incrédulo - ou seja, o ateu e o agnóstico. A terceira noção decorrente desta Obrigação é a de que, embora o maçom deva ser crente, os contornos, a estrutura da crença de cada um só a si diz respeito ("guardando as suas opiniões pessoais para si próprios"), não devendo impor o seu entendimento aos demais, de forma a que todos se encontrem no espaço comum da "religião com a qual todos os homens concordem". Daí a utilização comum por todos os maçons da expressão Grande Arquiteto do Universo, com a qual é possível designar a divindade em que cada um creia, independentemente do nome particular que cada um lhe dê. Na época de Anderson, a Maçonaria era indubitavelmente cristã. O terreno comum era o espaço de convergência de católicos, anglicanos, presbiterianos, luteranos, calvinistas, etc., enfim, o espaço comum cristão. Só em 1732 viria a ser iniciado o primeiro judeu, Edward Rose. A expansão da Maçonaria pelo Império Britânico paulatinamente viabiliza a iniciação de muçulmanos, hindus, enfim crentes de outras crenças não cristãs. Este alargamento a crenças não cristãs da originalmente cristã Maçonaria é fruto da clara influência deísta exercida nos primórdios da Maçonaria Especulativa (há quem defenda que tanto Anderson como Desaguliers, ambos pastores, eram deístas). A convicção

14

religiosa fundada na Razão, a não aceitação de dogmas, logo, a não sujeição a Verdades Reveladas, convivendo com a convicção religiosa teísta, conjugada com o princípio da Tolerância (guardar "as suas opiniões pessoais para si próprios"), naturalmente que viabilizou a expansão da Maçonaria até aos crentes das religiões não cristãs e, em última análise, aos crentes não integrados em nenhuma confissão religiosa específica, puros deístas seguindo sua crença pessoal. A quarta noção é que, mais importante do que a crença de cada um, é que os maçons sejam "homens bons e leais, ou homens de honra e probidade", ou seja, mais sinteticamente, e usando expressão hoje consagrada, homens livres e de bons costumes. Não é qualquer um que é apto a ser admitido maçom, há um nível ético previamente atingido indispensável para se ser aceite entre os maçons. Finalmente, esta primeira Obrigação define uma outra caraterística essencial da Maçonaria, a de organização fraternal ("a Maçonaria será um centro de união e um meio de concretizar uma verdadeira amizade entre pessoas que de outra forma permaneceriam separadas"). A Maçonaria Regular prossegue e mantém, até aos dias de hoje, estas cinco caraterísticas da Maçonaria fixadas na primeira Obrigação da Constituição de Anderson de 1723: organização baseada na Moral e respeitando a legalidade vigentes, restrita a crentes, tolerante quanto às crenças individuais de cada um, agrupando homens livres e de bons costumes, de índole fraternal.

15

Como é sabido, em 1877 ocorreu o chamado cisma maçónico, peloqual o Grande Oriente de França iniciou um movimento que veio aser seguido por outras estruturas em outros locais (em Portugal,presentemente o GOL - Grande Oriente Lusitano), quedesembocou na chamada Maçonaria Irregular, também por algunsapelidada de Maçonaria Liberal e pelos próprios referida porMaçonaria Universal - por ser aberta a todo o universo deindivíduos, crentes e não crentes. Este ramo do movimentoespeculativo organizado em Inglaterra em 1717 diverge daMaçonaria Regular essencialmente quanto à obrigatoriedade decrença, admitindo agnósticos e ateus, e à diferente postura emrelação à legalidade vigente (se uma Lei é injusta deve sercombatida; se um regime é iníquo ou ultrapassado deve sercombatido e, se possível, derrubado, se necessário pela viarevolucionária), neste caso muito por influência da RevoluçãoFrancesa, prosseguida pelas Lutas Liberais e pelas Guerras deIndependência, na Europa, Estados Unidos e América do Sul.

Fontes:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 131.http://pt.wikipedia.org/wiki/Moralhttp://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=1&ved=0CB0QFjAA

Rui Bandeira

16

As Obrigações dos Maçons: II - Autoridade civil

January 25, 2012

Um maçom é um súbdito pacífico do Poder Civil, onde quer que more ou trabalhe, nunca se envolverá em complôs ou conspirações contra a paz ou o bem-estar da nação e nem se comportará irresponsavelmente perante os agentes da autoridade; como a Maçonaria sempre foi prejudicada pelas guerras, derramamentos de sangue e desordens, os antigos Reis e Príncipes sempre se dispuseram a estimular os Homens da Fraternidade, por sua lealdade e índole pacífica; pois sempre responderam adequadamente às conspirações de seus adversários e promoveram a honra dessa Fraternidade, que sempre floresceu em tempos de paz. Se um Irmão se rebelar contra o Estado, não deverá ser incentivado na sua rebelião, antes ser digno de pena por ser um homem infeliz; e, se não tiver sido condenado por qualquer outro crime, a Irmandade precisa, e deve, repudiar a sua rebelião,

17

não deixando margem para qualquer desconfiança política perante o Governo vigente; mas não deve expulsá-lo da Loja, permanecendo inalienável a sua relação com a mesma. Esta segunda Obrigação dos maçons inscrita na Constituição de Anderson de 1723 constitui a clara e iniludível orientação estrita de que o maçom - e, por extensão, a própria Instituição Maçónica - se insere na legalidade vigente em cada sociedade. É uma consequência do princípio, ínsito na primeira Obrigação, da obediência à Lei Moral: se a Moral se baseia na Ética e é fundamento da norma, da lei, não faria sentido que aqueles que têm por dever primeiro a obediência à Lei Moral desobedecessem às normas sociais, resultantes da Moral vigente na Sociedade. Tem justificação, porém, o argumento de que se a Lei viola a Moral Social, se é iníqua, não deve ser respeitada e se o Poder não é legítimo, é ditatorial ou opressivo, deve ser derrubado, pois a obediência às leis é corolário da obediência à Lei Moral, pelo que, se a norma é imoral ou o Poder se afasta da mesma, a obediência à Lei Moral impõe a desobediência da lei e a luta contra o Poder abusivo. O argumento é, manifestamente, ponderoso - como se evidencia pela sua simples enunciação e pela correção do silogismo que o sustenta: se a lei é imoral, então não é verdadeiramente lei, só aparentemente o é, pois o que viola a Moral vigente numa sociedade não pode ser obrigatório para os seus membros; se o Poder é abusivo, ditatorial, opressivo, viola a Moral da sociedade, que precisamente o considera abusivo, ditatorial, opressivo.

18

O problema - em contra-argumento - é que não existe um "moralómetro", um instrumento que permita medir a compatibilidade entre a Lei ou o Poder e a Moral social, sendo assim, no mínimo, subjetiva a determinação dessa compatibilidade ou incompatibilidade, pelo que o único critério admissível é o cumprimento da Lei vigente, cuja adoção resulta das normas criadas para a determinação do que deve ser considerado lei e que se destinam, além do mais, precisamente a garantir que a Lei seja a vera expressão da Moral Social vigente, e a sujeição ao Poder em funções, o qual resulta das normas de definição de quem tem direito à titularidade do exercício do Poder. Mas - contrapõe-se ao contra-argumento - situações há em que o Poder é usurpado por quem, segundo as regras, a ele não tem direito - é a isso que se chama poder ditatorial... - e em que as leis são abusivamente criadas, em verdadeiro desvio de poder, para proteger interesses pessoais, mesquinhos, beneficiar quem as faz ou quem influencia quem as faz, em total desprezo ou, pelo menos, dessintonia com a Moral social, pelo que devem ser consideradas iníquas e imerecedoras de cumprimento. Além de que toda a gente sabe que, por exemplo, os nazis ascenderam ao Poder por via de eleições... No entanto - riposta-se à contraposição - Poder vigente é Poder vigente e, por definição, se é Poder, implica sujeição ao mesmo. Se se põe em causa a legitimidade da ascensão por via de eleições dos nazis ao Poder, por mais execráveis que eles tenham sido, põe-se em causa os próprios fundamentos do regime democrático; se se põe em causa uma lei aprovada segundo as regras em vigor

19

para a sua vigência, põe-se em causa toda a estrutura normativa e, logo, organizacional, da Sociedade. E, como lucidamente referiu Winston Churchill, "a Democracia é o pior de todos os sistemas políticos... exceto todos os outros!". E, como este debate de mim para comigo mesmo o demonstra, poder-se-ia eternamente discutir estas duas posições opostas, sem se chegar a uma posição consensual passível de aplicação prática. A Maçonaria Regular desde o seu início que adotou o critério de que o Poder vigente é aquele que vigora, que a Lei a cumprir é a que está em vigor, ponto final parágrafo. A Maçonaria Regular não é contrapoder nem intervém politicamente, pelo que o único critério que adota é o do cumprimento da Lei vigente. E então se o Poder é ditatorial, como fazer? Pura e simplesmente a Maçonaria Regular só atua em ambiente democrático, em Liberdade. Se estas condições não estão preenchidas, retira-se, suspende atividades, dos locais onde a Democracia não impera, o poder ditatorial vigora, onde não há, assim, garantia de que as leis sejam globalmente justas e conformes à Moral. É a única opção possível de uma Instituição que simultaneamente se impõe seguir a Moral e cumprir a Lei vigente, quando esta ou o Poder de facto em funções se afastam daquela. A Maçonaria Regular só pode ser um espaço de Tolerância, uma sede de fraternal convívio de pessoas e de ideias diversas e díspares, um fórum de confronto de posições que podem ser antagónicas, mesmo inconciliáveis, mas que são suscetíveis de debate frutuoso, de entendimento e deteção de pontos de acordo,

20

de determinação e limitação dos espaços de efetiva diferença, de fixação dos consensos possíveis e de aceitação das diferenças realmente existentes se atuar dentro da mais estrita legalidade, se nenhuma dúvida fundada o Poder tiver de que recusa e não pactua com qualquer atividade conspirativa. Se assim não for - quando assim não é... - sujeita-se a todas as retaliações, ao pagamento de elevado preço pela sua intervenção em campos que não são os seus. Porém, em aparente conflito com esta orientação firme, prossegue a segunda Obrigação afirmando que se, apesar de tudo, apesar de violar a sua Obrigação, um maçom se rebelar contra o Poder, se conspirar, apesar de a Maçonaria Regular repudiar tal atitude e a ela se não associar, não deve expulsar o infrator, se ele não tiver sido condenado por outro crime. Resulta esta determinação da aplicação do princípio da Tolerância, ínsito e essencial no ideário maçónico. O princípio da Tolerância pressupõe o indefetível respeito pelas opiniões, pelas posições, pelas opções, de cada um. ainda que delas sejamos discordantes - principalmente quando delas discordamos! O Outro tem tanto direito à sua opinião, às suas ideias, às suas opções quanto eu. Por muito que eu discorde delas, por muito que eu entenda que eu tenho razão e ele não, não posso, não devo, concluir que sou eu que estou sempre certo. Pode suceder que seja eu que estou errado e que seja o Outro que está certo. Como a inversa. Tenho assim que tolerar a divergente posição alheia, tal como tenho o direito de exigir que a minha posição seja tolerada pelos demais. Este é um corolário essencial e inalienável da Liberdade individual,

21

da essencial Igualdade que os maçons respeitam e um pressupostobásico da Fraternidade que se pretende impere. Assim, apesar detudo, a Tolerância impõe o respeito pela decisão, ainda queinfratora, e proíbe a expulsão do infrator. Há, no entanto, um limite absolutamente inultrapassável: acondenação por outro crime (pressupondo-se que o Poder ou a Leivigentes já qualifiquem como crime a rebelião). Outro crime implicaviolação de outros preceitos legais, outras normas em princípioresultantes da Lei Moral que o maçom se compromete a cumprir. Omaçom regular tem todo o direito a, individualmente, divergirpoliticamente. Nesse estrito limite, a sua divergência nunca seráconsiderada infração maçónica. Mas não tem nunca o direito a serum criminoso. Se o for, se infelizmente assim proceder, viola gravee insanavelmente a primeira das suas obrigações e tem de sesujeitar às consequências, designadamente à consequência dedeixar de ser reconhecido como tal pelos maçons. Fonte: Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 131. Rui Bandeira

22

As Obrigações dos Maçons: III - As Lojas

February 01, 2012

A Loja é o lugar onde os Maçons se reúnem e trabalham; assim esta Assembleia, ou Sociedade de Maçons convenientemente organizada, é chamada Loja; e todo Irmão deve pertencer a uma, estando sujeito ao seu Regulamento Interno e aos Regulamentos Gerais. Ela é individual ou geral, e será melhor compreendida através da comparência e através dos Regulamentos da Loja Geral ou Grande Loja, aqui anexos. Em tempos antigos, nenhum Mestre ou Companheiro poderia faltar, especialmente quando solicitado a comparecer, e só não estaria sujeito a severa censura se se justificasse perante o Mestre ou o Vigilante, alegando que imperiosa necessidade o impedira.

23

As pessoas admitidas como membros de uma Loja devem serhomens bons e de bons princípios, nascidos livres, de idademadura e discretos, não escravo, não mulher, nem homens imoraisou escandalosos, mas de boa reputação.

A primeira noção que esta Obrigação transmite é a de que o maçom deve estar integrado numa Loja, num grupo de pares, onde trabalha, isto é, contribui com o seu estudo, os seus conhecimentos, o seu caráter, os seus progressos, para todo o grupo e do grupo recebe o contributo de todos os demais. É-se verdadeiramente maçom integrado num grupo de pares. É-se verdadeiramente maçom em comunidade e na comunidade. A Maçonaria é uma incessante troca entre o indivíduo e o grupo, em que o indivíduo contribui para o coletivo e o coletivo fortalece o indivíduo. Só assim faz sentido. Por isso ao maçom não basta ter sido iniciado e ter-se como assim o ser; o maçom só o é na medida em que seja considerado como tal pelos seus pares. Quando um maçom se afasta da Loja, seja qual for a razão, quando suspende ou cessa a sua atividade, diz-se que está adormecido. Tal como o homem só trabalha estando vigil, assim o maçom que se afasta da Loja, por muito que estude, que trabalhe, que se esforce, que individualmente progrida, porque o faz só, afastado do grupo, sem para ele contribuir, sem dele receber, não trabalha maçonicamente. Trabalha enquanto indivíduo, não enquanto maçom. A Maçonaria cultiva o total respeito pela Liberdade individual no grupo, pelo indivíduo enquanto personalidade livre e única, mas

24

integrado na sociedade, pelas suas escolhas individuais, mas inseridas e não insanavelmente conflituais com o conjunto das escolhas dos demais. A Maçonaria proclama o indivíduo no grupo, não o indivíduo acima ou para além do grupo, nem o grupo em detrimento do indivíduo. A Maçonaria é uma atividade intrinsecamente social, que fomenta a melhor integração possível de cada indivíduo na sociedade, para benefício mútuo - de um e da outra. Assim, não faz verdadeiramente sentido a declaração - muitas vezes formulada por quem se afasta - de que "saio, mas continuo maçom, só que sem Obediência". Será uma piedosa intenção, mas não é vero. Aquele que entendeu por bem afastar-se será e continuará a ser um homem livre e de bons costumes, digno de apreço, certamente melhor do que quando se iniciou, será porventura um modelo de qualidades, será seguramente respeitável e desejavelmente respeitado, mas será tudo isso enquanto pessoa, enquanto indivíduo, não como maçom - porque lhe passa a faltar a vertente da partilha, do dar e receber entre o indivíduo e o grupo. E isso, como muito bem sabem todos os que o vivem, é imprescindível, é essencial, é o cerne da Arte Real. O maçom que se afasta pode sempre voltar, pode sempre retomar o dar e receber ínsito na atividade maçónica. Por isso os maçons não consideram os que se afastam como retirados, como "mortos" para a Maçonaria, mas como simplesmente adormecidos. Se e quando decidirem retomar a sua atividade maçónica, se e quando acordarem, serão bem recebidos - mais do que isso: serão naturalmente recebidos, como se o afastamento não tivesse

25

existido; afinal, uma boa noite de sono, prepara-nos para as exigências de um novo período de trabalho... Precisamente pela essencialidade da incessante troca entre o indivíduo e o grupo é que um dos deveres fundamentais do maçom é a assiduidade. Mas não a assiduidade cega, a todo o preço, suceda o que suceder. A Maçonaria é importante, deve ser importante para todo o maçom, mas deve sê-lo com equilíbrio, na justa conta, peso e medida. Não pode, não deve, prejudicar os deveres do maçom perante a Pátria, os seus deveres profissionais, as suas obrigações religiosas, os seus deveres familiares. Quando estes imponham a não comparência em Loja, a sua precedência é indiscutível. O maçom tem apenas a obrigação de atempadamente informar da sua ausência e indicar o motivo justificativo dela, por respeito ao grupo, ao trabalho do grupo e dos demais. Mas o maçom, para seu próprio benefício, para que possa eficazmente beneficiar da sinergia com o grupo em que está inserido, deve procurar organizar a sua vida de forma a conciliar os seus deveres familiares, profissionais, religiosos e sociais com a presença em Loja, nos dias e horas definidos para as reuniões desta. Quanto melhor o fizer, mais eficaz será a simbiótica interação entre ele próprio e a Loja. O último parágrafo desta Obrigação elucida quem pode ser iniciado maçom: homens bons e de bons princípios, pois só se pode tornar melhor o que já é bom; nascidos livres (originariamente: não nascidos escravos - a Maçonaria sempre foi produto do seu tempo...), hoje entendendo-se como livres na sua razão, isto é, com capacidade de entender, de escolher, de progredir, de aprender; de

26

idade madura, isto é, adultos, homens feitos, sobretudo que seregem a si próprios, independentes, inclusive financeiramente, poissó homens maduros e sem condicionalismos de sobrevivênciabásica têm verdadeiramente disposição e capacidade para sededicar a algo mais e mais além do que a satisfação dasnecessidades básicas, algo por vezes tão imaterial e fluido como oconceito de aperfeiçoamento pessoal; não escravo (de novo, aMaçonaria é sempre em cada tempo produto do seu tempo...), hoje,não escravo das suas paixões, de vícios que impossibilitam odesejado progresso pessoal; não mulher (o fundamento original dainegociável exclusividade de género - mas isto não implica que osmaçons regulares não reconheçam às mulheres o direito e o igualinteresse de se aperfeiçoarem segundo o método maçónico,criando e mantendo organizações similares à sua própria,destinadas ao sexo feminino - pelo contrário, favorecem erespeitam a Maçonaria Feminina, entendendo apenas que oaperfeiçoamento do homem e da mulher se processam segundodiferentes sensibilidades e devem ocorrer em separado, pois nométodo maçónico de aperfeiçoamento o apelo à emoção e àinteligência emocional tem um grande papel e as formas masculinae feminina de viver e lidar com as respetivas emoções sãomanifestamente diferentes); nem homens imorais ou escandalosos,mas de boa reputação (na Maçonaria pratica-se a Tolerância comas diferenças, mas dentro dos padrões morais definidos pelasociedade em que se insere; se os maçons têm como primeiraObrigação a obediência à Lei Moral, não faria sentido admitirpessoas de comportamentos considerados imorais, escandalosos,de má reputação).

27

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 131-132.

Rui Bandeira

28

Harmonia em desafio...

February 02, 2012

Compete-me, no corrente veneralato, em sessão de Loja, ser o M:.Org:. de serviço, ou seja, "dar" música aos meus I:., mas mais queisso, musicar todo e qualquer momento do ritual, desde que sejamusicado.

É em si um desafio. Mas é um desafio, daqueles que nos dão gostoe prazer superar, algo que tento fazer sessão após sessão.

Os meus últimos passos dados enquanto C:. M:., foramcaminhados nesse sentido, tanto que preparei sobre a orientaçãode um Mestre (é sempre assim, até sermos M:. M:.), duas ou trêssessões musicais. A experiência revelou-se, em opiniãogeneralizada, positiva, tanto que acabei por apresentar em Loja, aminha prancha e sobre este tema; Música.

Dei a este texto o título de "Harmonia em desafio..." e é assim queo considero, um harmonioso desafio, senão repare-se:

"A Catedral é assimilável a um gigantesco instrumento de músicano qual cada coluna é uma corda em tensão. Caixa de ressonânciaafinada pelas suas proporções, o Templo vibra ao menor estímulocósmico ou humano, reproduzindo as notas primeiras da sinfoniado Universo.", diz-nos Didier Carrié, em La symbolique dêsCathédrales.

29

Se Didier Carrié compara a Catedral de cada um de nós, ao nossoTemplo interior, a um grande instrumento de música, é necessárioque, cada um de nós, individualmente, sem cessar, alimente esseinstrumento, com estudo, com busca pela sabedoria, com pazinterior e acima de tudo livre e de bons costumes.

A Música é também isso, a nossa libertação pessoal, pois, promoveem cada um de nós sentimentos individuais que jamais podem serrepetidos de uns para os outros, o que eu sinto ao ouvirdeterminada melodia, não é certamente igual ao que outro qualquerI:. sentirá ao escutar a mesma melodia.

A tensão nas cordas, pode ser considerada a nossa paixão, nomundo profano, algo que sempre combatemos, não lhe dando decomer, deixando-a no nosso “escondido interior”, sabendo que elalá está, mas dando ao nosso espírito a certeza de não a quereralimentar, sob pena de uma paixão se tornar em várias paixões, oque normalmente acontece, sem grande dificuldade.

Ter a nossa “caixa de ressonância” afinada pelas suas proporções,será talvez, e na minha opinião, a forma central de orientar a nossavida, regendo-a por princípios éticos, que regulam a vida emsociedade, que estimulam o bom senso e ultrapassam quaisquerdificuldades inerentes à vida terrena em simples obstáculos,sempre passíveis de ser vencidos, pois só assim crescemosenquanto homens.

Eu tenho o meu universo, e sem grande ligeireza, cada um de vós, terá o seu, o cliché de “eu vivo no meu mundo”, ou, determinado individuo viver no seu mundo, à parte de todos os outros, é

30

normalmente associado a laivos de loucura e insanidade, mas serámesmo assim? Todos estamos sujeitos a pressões, tensões,motivadores de opinião e às demais situações do dia a dia, fazparte da vida e ainda bem que assim é, mas se eu porventuradisser, que vivo no meu mundo, serei insano ou louco? Pode ser omeu mundo, imperfeito, igual ao de tantos outros, porque aquelesque vivem no “seu mundo” e se consideram perfeitos, esses sim,sem dúvida alguma, são loucos e também fracos de espírito.

O meu Templo vibra por tanta coisa e devido aos mais diversosestímulos, vibra, porque está vivo, porque respira, porque observae consegue, regra geral, pensar por si, mas o meu Templo tambémé humano, e o quanto eu gosto de ser humano, de rir e de chorar,de estar feliz e por vezes triste, e de…tanta coisa mais.

São todos estes pequenos acordes que compõem o meu universo,mas tenho ainda muitos mais por descobrir em constanteharmonioso desafio.

Partilho, com todos os curiosos leitores do A Partir Pedra, algo quejá partilhei com todos os I:. presentes em sessão, uma simplesmúsica de Dave Brubeck, que podem ouvir aqui.

Daniel Martins

31

As Obrigações dos Maçons: IV - Os Mestres, Vigilantes,Companheiros e Aprendizes

February 08, 2012

Entre os Maçons toda a promoção será baseada no valor e mérito pessoal, pois assim serão os Lordes melhor servidos, os Irmãos não serão envergonhados, nem a Arte Real menosprezada. Assim, nem o Mestre nem os Vigilantes são escolhidos pela idade, mas pelos seus méritos. É impossível descrever estas coisas por escrito; todo Maçom deve frequentar a sua Loja e aprendê-las de acordo com as peculiaridades desta Fraternidade. Os candidatos devem saber que nenhum Mestre deve tomar um Aprendiz sob seus cuidados a menos que tenha suficiente trabalho para ele; e a menos que seja um jovem perfeito, que não possua nenhuma deformidade ou defeito físico, que possa incapacitá-lo na aprendizagem da Arte ou

32

de servir o Senhor de seu Mestre; e sendo feito Irmão será depoisCompanheiro, no devido tempo, cumpridos os interstícios deacordo com o costume do país, se descender de ancestraishonrados; então, devidamente qualificado, poderá ter a honra de setornar Vigilante, depois Mestre de Loja, Grande Vigilante, e atéGrão Mestre de todas as Lojas, de acordo com os seus méritos. Nenhum Irmão pode ser Vigilante antes de ter sido Companheiro,nem Mestre antes de ter sido Vigilante, nem Grande-Vigilante antesde ter sido Mestre de Loja e nem Grão Mestre, sem ter sidoCompanheiro antes de sua eleição, e ser nobre de berço, ou umcavalheiro da melhor estirpe, ou notável erudito, ou um hábilarquitecto, ou artista de outro tipo, ou descendente de ancestraishonrados ou que seja de excepcional mérito segundo a opinião dasLojas. Para melhor, mais fácil e honroso desempenho de suafunção, o Grão Mestre tem o poder de escolher o seu Vice-GrãoMestre, que deve ser, ou ter sido, anteriormente, Mestre de umaLoja, e que terá o privilégio de em tudo substituir o Grão Mestre,quando ausente, a não ser que este o iniba por escrito. Todos os administradores e governadores, supremos esubordinados, das Lojas, devem ser obedecidos no exercício dosseus cargos, por todos os Irmãos, de acordo com as antigasObrigações e Regulamentos, com toda humildade, reverência,amor e alegria.

Esta Obrigação deriva manifestamente das regras de organização das Lojas Operativas, isto é, dos grupos organizados de profissionais construtores em pedra. Em Inglaterra, os construtores em pedra trabalhavam regularmente para os Lordes (senhores), os nobres detentores de propriedades, que lhes encomendavam edifícios religiosos, mansões, fortificações, edificações diversas. O

33

reconhecimento do valor e do mérito na promoção (passagem de grau, exercício de funções em Loja e em Grande Loja) vem assim dos tempos operativos e prossegue como regra essencial da Maçonaria Especulativa. O apreço pelo valor e pelo mérito, a busca da excelência, o contínuo esforço de aperfeiçoamento são essenciais matrizes e caraterísticas ínsitas nos maçons e por eles esforçadamente cultivadas. É pelo hábito, pela prática, pelo cultivo do trabalho, do esforço, do estudo, da contínua busca de melhoria, que o maçom deve distinguir-se na sociedade e, consequentemente, é em resultado do valor pessoal, adquirido e acrescentado, contínua e esforçadamente, que progride, por vezes ascendendo a posições de relevo social e profissional. Muitos, não detentores dos mesmos hábitos de trabalho prolongado, de perseverante esforço de aperfeiçoamento, clamam que os maçons ascendem a cargos, empregos ou posições por nepotismo, por proteção dos seus Irmãos, por serem maçons e não pelo seu mérito. Esses que assim clamam bem melhor fariam em dedicar os próximos anos (sim, não bastam alguns dias ou meras semanas ou mesmo alguns meses...) a esforçarem-se por aprender, aprender sempre, aprender muito, aprender fora da sua rotina, trabalhar, trabalhar muito, trabalhar mesmo sem perspetiva de recompensa imediata, aperfeiçoar-se, identificar as suas carências e seus defeitos (por vezes, coisas tão simples como incapacidade ou dificuldade de falar em público...), corrigi-los ou, pelo menos, diminui-los - e depois verificar então se as oportunidades profissionais e sociais lhes surgem ou não lhes

34

surgem, se o seu valor que a si próprios perseverantemente acrescentaram é ou não reconhecido. Mas, infelizmente, é mais cómodo e bem menos trabalhoso para a maioria destes clamarem que o sucesso alheio se deve a "cunhas", a empenhos, a compadrios, a "escuras manobras", a "maquinações secretas"... Os hábitos de trabalho, a rotina do cultivo de si próprio, não se adquirem por leituras ou palestras, tal como o atleta não ganha medalhas olímpicas apenas lendo sobre os mais modernos métodos de treino. O atleta tem que treinar muito, suar muito, sofrer ainda mais, aplicar-se com perseverança para poder estar em condições de competir por uma medalha olímpica - e, não poucas vezes, dela se ver arredado por uma lesão ou indisposição de última hora, ou por qualquer fortuito elemento externo e por si incontrolado e incontrolável, que derruba todo o esforço e treino e suor de anos e anos. Também não é possível ler ou ouvir sobre o método de trabalho próprio dos maçons e entendê-lo em toda a sua plenitude e dele beneficiar. É preciso efetivamente viver e aprender e trabalhar, hoje, amanhã e depois e para a semana e no mês seguinte e nos próximos anos - e os frutos serão, essencialmente de satisfação pessoal, eventual e acessoriamente de relevo profissional ou social. Não basta querer tentar descobrir "os planos da pólvora", há que viver e trabalhar e sentir. Por isso os maçons, mais do que uma mera dificuldade, têm uma verdadeira incapacidade de descrever a quem está de fora o que é ser maçom, como é estar em Loja. As palavras não chegam, só a vivência e as sensações e as emoções dão a noção plena do que é ser maçom. Este o verdadeiro e único - e inquebrável por natureza... - segredo maçónico!

35

Para melhor se compreender esta Obrigação, há que ter em conta que, na época em que Anderson compilou a Constituição de 1723, e em consonância com o herdado das Lojas operativas, havia apenas dois graus na Maçonaria: o Aprendiz e o Companheiro, aquele ainda aprendendo a arte e este sendo um oficial (membro do ofício) pronto e apto a realizar os trabalhos da arte. Em cada Loja havia apenas um Mestre, o gestor, o diretor das obras, o arquiteto e engenheiro responsável, que era assessorado por Companheiros (oficiais do ofício) de confiança, experientes, na superintendência do trabalho dos demais, capatazes ou encarregados que eram designados por Vigilantes (do trabalho dos demais). Só alguns anos, aliás poucos, depois veio a ser formalmente instituído nas Lojas Azuis o sistema de 3 graus, Aprendiz, Companheiro e Mestre, sendo o líder da Loja, o Worshipful Master ou Venerável Mestre, naturalmente um dos Mestres, eleito pelos restantes. A meu ver, esta reestruturação das Lojas Azuis completa a transformação da Maçonaria operativa em Maçonaria Especulativa. O sistema de dois graus sob a tutela de um dirigente, afinal o patrão da Loja, era a estrutura organizativa dos construtores em pedra. A estrutura organizativa da Loja Especulativa complexiza-se e democratiza-se: passa a haver dois graus preparatórios, correspondentes a dois estádios de formação, enquadrados por um grau de direção e organização da atividade global da Loja, integrado pelos obreiros que concluíram a sua formação, todos com iguais direitos e deveres, sendo de entre estes periodicamente escolhido quem fica encarregado da tarefa de

36

dirigir administrativamente a Loja e executar e desenvolver apolítica de atuação desta, definida pelo coletivo. Este sistema é um sistema que preserva e favorece a Igualdadeentre os obreiros - mas uma Igualdade verdadeira, não apenasnominal. A verdadeira Igualdade não é tratar tudo e todos por igual.É tratar de forma igual o que é igual e de forma diferente o que édiferente. A estrutura de organização em graus permite atingir esseobjetivo. O recém-chegado, que ainda está a aprender as bases dofuncionamento de uma Loja, que ainda está a descobrir o que é sermaçom e o que e como deve trabalhar não deve ser onerado comos mesmos deveres que oneram aqueles que terminaram a suaformação e estão aptos a fazer o seu trabalho sem tutela e a tutelaro trabalho dos que ainda estão em processo de formação. Osdeveres e correspondentes direitos de quem está em formaçãosão, assim, diversos, obviamente mais limitados, do que os queoneram e assistem quem está já "apto para todo o serviço". Em suma, na Maçonaria cultiva-se o mérito, a busca da excelência,num ambiente de igualdade. Assim se organiza e mantém o grupono seio do qual cada um trabalha e progride e contribui para otrabalho e progresso dos demais.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 132.

Rui Bandeira

37

As Obrigações dos Maçons: V - A gestão do ofício duranteos trabalhos

February 15, 2012

Todos os Maçons devem trabalhar honestamente nos dias úteis, e viver honrosamente nos dias santos; a duração do trabalho estipulada pelas leis do país, ou pelo costume, deverá ser observada. O mais hábil dos Companheiros deverá ser o escolhido ou apontado como Mestre, ou Supervisor do Trabalho do Senhor; e deverá ser chamado Mestre por aqueles que trabalham sob sua supervisão. Os Artesãos devem evitar qualquer linguagem ofensiva, e dirigirem-se uns aos outros por Irmão ou Companheiro, e comportarem-se cortesmente dentro e fora da Loja. O Mestre, ciente das suas capacidades, deve conduzir o trabalho do Senhor tão razoavelmente quanto lhe for possível e cuidar dos bens como

38

se seus fossem; não devendo pagar a qualquer Irmão ou Aprendiz mais salário que o que este mereça. Ambos, Mestre e Maçons, recebendo seu justo salário, devem ser fiéis ao Senhor, executar honestamente o seu trabalho, seja à tarefa ou jornada, e não realizar jornada como se fosse tarefa, se esta foi determinada como jornada. Ninguém deve mostrar-se invejoso da prosperidade de um Irmão, nem substitui-lo ou retirá-lo do seu trabalho, mesmo se o puder fazer, pois nenhum homem deve realizar o trabalho de outro mesmo que em proveito do Senhor, a menos que esteja bem familiarizado com o Desenho e o Plano do trabalho de quem o tenha começado. Quando um Companheiro for escolhido como Vigilante do trabalho, sob a orientação do Mestre, deve ser leal com o Mestre e Companheiro, e supervisionar cuidadosamente o trabalho na ausência deste, no interesse do Senhor; e os Irmãos devem obedecer-lhe. Todos os Maçons devem, humildemente, receber o seu salário, sem murmúrio ou sedição, e não abandonar o seu Mestre até que o trabalho seja concluído. Um Irmão mais jovem deve ser instruído no ofício, para prevenir o desperdício por falta de critério e para fazer crescer e continuar o amor fraternal. Todos os instrumentos usados no trabalho devem ser aprovados pela Grande Loja. Nenhum trabalhador (não maçom) deve ser empregue em trabalho próprio da Maçonaria, nem Maçons Livres devem trabalhar com aqueles que não o são, sem necessidade urgente; nem devem ser ensinados, assim como os Maçons não admitidos, da mesma forma

39

que se ensina um Irmão. Esta quinta Obrigação também foi, manifestamente, herdada da Maçonaria Operativa. Os princípios que a constituem são um guia do trabalho, de organização do trabalho e da formação dos Aprendizes. Regista ainda regras éticas no relacionamento entre os maçons operativos, que transitaram para a Maçonaria Especulativa. As regras expostas, concebidas para a organização do trabalho de construção de edificações são também válidas para o trabalho de construção de si próprio. Começa-se por indicar o estilo de vida do maçom: trabalhar honestamente nos dias úteis e viver honrosamente nos dias de descanso. O homem de bem realiza-se e define-se pelo seu trabalho honesto. Quando se trabalha, deve-se aplicar toda a capacidade de que se dispõe na execução das tarefas que se realizam. No trabalho, trabalha-se, ponto final. Não apenas por uma questão de (como agora se diz a propósito e a despropósito de tudo e de nada) produtividade, mas essencialmente por uma questão de realização pessoal. Aquele que se aplica no que faz, que trabalha concentrado, que procura fazer bem feito aquilo que tem para fazer ou se propõe fazer não obtém só melhores resultados. Obtém satisfação, gosto, prazer, no que faz e no que consegue produzir. O trabalho honesto como condição de progresso material pessoal, mas também, e sobretudo, como elemento formador de nós próprios é um elemento essencial na ética do maçom. Mas nem só de trabalho vive o homem. Há dias e horas para a

40

família, o lazer, o descanso, o cultivo de interesses pessoais.Esses, determina a Obrigação, deve o maçom vivê-loshonrosamente. De nada vale trabalhar árdua e honestamente se,nos momentos extra-laborais a pessoa se comportadesonrosamente, ou de forma embrutecida, desmerecendo da suacondição de homem de bem. A fraternidade não implica quebra do cumprimento dos deveres.Uma organização fraternal continua a ser uma organização, comliderança e distribuição de tarefas. Por isso se enfatiza que,devendo todos tratar-se por Irmãos ou Companheiros, o Mestredeve ser obedecido e deve respeitar o trabalho daqueles que dirige.Cabe-lhe organizar o trabalho, distribuir as tarefas, determinarprioridades. Mas deve respeitar o espaço e as competências dequem executa o que há para ser executado e reconhecer e retribuiro esforço dos que executam os trabalhos por si determinados. Ínsita no conceito de fraternidade está a noção de lealdade - aoMestre, à Loja, ao trabalho, no fundo a si próprio. Por fim, a advertência solene: a Maçonaria é para os maçons. Sóquem adquira essa condição está em condições de bemcompreender o método maçónico de desenvolvimento pessoal. Em resumo, as regras operativas para o trabalho de construçãopermanecem inteiramente válidas e aplicáveis no trabalho decinzelamento de si próprios que os maçons especulativos agoraefetuam.

41

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 133.

Rui Bandeira

42

As Obrigações dos Maçons: VI . 1 - A conduta na Lojaenquanto constituída

February 22, 2012

Não se deverão formar grupos particulares, ou ter conversas paralelas, sem permissão do Mestre, nem falar de coisas inoportunas ou inconvenientes, nem interromper o Mestre, os Vigilantes ou qualquer outro Irmão que esteja a falar com o Mestre; nem ter um comportamento jocoso ou ridículo enquanto a Loja estiver a tratar de coisas sérias e solenes, nem usar de linguagem imprópria para tratar do que quer que seja, antes devendo respeitar o Mestre, Vigilantes e Companheiros. Se for formulada qualquer queixa, o Irmão considerado culpado deverá aceitar a sentença e determinação da Loja, que detém a competência para julgar todas as questões (a não ser que apele para a Grande Loja). É a ela que os Irmãos se devem dirigir, a não ser que o trabalho do Senhor esteja a ser prejudicado, situação em

43

que tal deve ser comunicado à Grande Loja; mas nunca deverádirigir-se à Lei Civil quando as questões se referem à Maçonaria,sem necessidade absoluta e aparente para a Loja.

Em Loja constituída cada um trabalha em grupo e no grupo. É a Loja, toda ela, que está em trabalho, devendo cada um contribuir para esse trabalho e estar atento ao que se passa. Só assim cada um beneficia do que os demais e o grupo como um todo lhe proporcionam, só assim cada um está em condições de proficuamente contribuir para o aperfeiçoamento dos demais. Não deve, assim, haver lugar para conversas paralelas, conciliábulos particulares, a não ser que, no âmbito do que estiver a ser tratado, o Venerável Mestre solicite que alguma questão ou conjunto de questões seja analisada por um ou mais grupos formados na Loja, para seguidamente as conclusões extraídas serem fornecidas à Loja e os trabalhos prosseguirem normalmente. Em sessão de Loja trabalha-se e está-se concentrado no que decorre, no que é dito, no que está em análise ou em discussão. As saudações entre os obreiros, o convívio, têm lugar antes e depois das sessões, nomeadamente nos ágapes. Aí podem formar-se os grupos que as afinidades ditarem, tecer-se conversas paralelas, enfim, conviver informal e fraternalmente. Aí e então brinca-se e contam-se piadas e comentam-se notícias e tece-se toda a teia que envolve as amizades que se forjam e mantêm entre as pessoas. Em sessão de Loja, trabalha-se, está-se atento, cada um deve esforçar-se por contribuir o melhor possível para o ambiente e o trabalho comum, para que todos beneficiem do que todos efetuam.

44

É conhecida a frase de que trabalho é trabalho, conhaque é conhaque. Em Maçonaria, a sessão de Loja é tempo de trabalho. Outros tempos e outros espaços estão reservados para o "conhaque". Em Loja não se fala de coisas inoportunas ou inconvenientes. É inoportuno tudo o que esteja para além da agenda da sessão, exceto quando a palavra seja concedida para que qualquer um fale sobre qualquer tema ou assunto que considere conveniente (no período dos trabalhos que os maçons designam por "a bem da Loja ou da Ordem", ou seja, o período fora da Ordem do Dia). É inconveniente tudo aquilo que possa perturbar a harmonia da Loja e dos Irmãos, designadamente a polémica religiosa ou a controvérsia política. Todas as intervenções em Loja são dirigidas ao Venerável Mestre e, por intermédio deste, a toda a Loja. Por regra, só o Venerável Mestre pode dirigir-se particularmente a um ou alguns dos obreiros, quando entender conveniente dirigir-lhes alguma instrução específica ou solicitar-lhe alguma tarefa ou ação concreta. Esta regra tem, que me recorde, apenas duas exceções: comunicações efetuadas em execução do ritual pelos Vigilantes ao Guarda Interno, no Rito Escocês Antigo e Aceite, e aos Diáconos, nos Ritos de Emulação e de York; e faculdade concedida ao Orador de interromper qualquer Obreiro, inclusivamente o Venerável Mestre, quando entender estar a ser violada alguma regra, em ordem a prevenir ou interromper essa violação. Com esta exceção do Orador, é formalmente interdito a qualquer Obreiro interromper outro no uso da palavra. Mesmo que aquele que dela use se esteja

45

a alongar demasiado, mesmo que se discorde do que é dito, é uma simples questão de respeito pelo outro ouvi-lo até ao fim. E é uma simples questão de respeito e ordem cada um só falar na sua vez de intervir e após lhe ser concedida a palavra. Assim se consegue que as sessões de Loja decorram harmoniosa e frutuosamente, podendo cada um expor livremente os seus pontos de vista, perante a atenção de todos e, porque não há interrupções intempestivas, podendo aquele que fala expor inteiramente o seu entendimento e os que ouvem analisar os méritos do que é dito, sem falar antes de tempo e, sobretudo, a destempo. Quando a Loja trabalha, todos e cada um dos obreiros mantêm um comportamento e postura concentrados e dignos. Palavras ou gestos jocosos podem ferir alguém que interprete mal a intenção ou se sinta ridicularizado e são, por isso, interditos. A melhor forma de garantir que cada um possa expor e exponha os seus pontos de vista é que o faça sem temor de ser ridicularizado por eles. Pode receber a discordância dos seus Irmãos, se entenderem que o que afirma merece discordância. Nunca - mas nunca! - o seu ponto de vista será jocosamente comentado, ou ridicularizado, antes será sempre respeitado. Porque, das duas, uma, ou a opinião expressa está errada e é o confronto de ideias que permitirá que o seu autor melhor reflita; ou, ainda que porventura haja discordâncias, a ideia afinal está certa, a razão está com quem a expôs (a maioria não tem necessariamente sempre razão...) e, mais uma vez, é dos confrontos de ideias diversas que será possível determinar a melhor decisão possível, naquele momento, para aquele grupo. E, se porventura a decisão que aquele grupo naquele momento tomar se vier a revelar errada, saber-se-á porquê, que argumentos não

46

foram atendidos, e poder-se-á, com esse conhecimento, evitar novos erros futuros. Em sessão de Loja, utiliza-se linguagem ponderada, até mesmo algo cerimoniosa. Não está em causa que se esteja entre amigos, entre pessoas que se dão como irmãos. Está sobretudo em causa a manifestação do respeito que todos têm por todos e pela individualidade de cada um. Ponderação de linguagem previne exposição abrupta de posições e manifestações de ira, pois se a pessoa tem de medir o que diz, tal mediação da Inteligência entre a Razão e a Emoção arrefece a cabeça que esteja demasiado quente... Ponderação de linguagem é adquirir o hábito de pensar no que se diz, para melhor se dizer o que efetivamente se pensa. Com o cultivo deste hábito, os maçons conseguem, sem esforço e com naturalidade, discutir os assuntos mais delicados com calma e racionalmente, sem perturbar a análise serena das situações com impropérios ou exageros de linguagem - e, assim, logram com mais facilidade determinar o denominador comum das posições divergentes, limar arestas, estabelecer pontes, privilegiar compreensões com as diferenças, tolerar e harmonizar divergências, enfim cooperar em empresas comuns sem que ninguém abdique de ou sacrifique entendimentos pessoais. A Fraternidade entre os maçons não lhes é dada de bandeja por qualquer intervenção divina: é cuidadosamente construída, laboriosamente conquistada, serenamente fruída. Também neste campo as lições são de que nada de útil se consegue sem trabalho e que cooperar é sempre mais frutuoso do que competir. As divergências que surjam no grupo são resolvidas, sanadas ou

47

sancionadas dentro do grupo e pelo grupo. O que se passa em Loja só à Loja diz respeito. Se e quando houver censuras a fazer, sanções a aplicar, é o grupo que trata do assunto internamente e fora dele ninguém tem nada com isso, ressalvadas as regulamentares salvaguardas de apelo para instâncias superiores, indispensáveis válvulas de segurança para prevenir eventuais injustiças. Este princípio possibilita a maximização da coesão do grupo, fundada na imensa liberdade de cada um dentro dele, conjugada com idêntica dimensão de responsabilidade e com não menor dose de sentido de cooperação. Uma Loja maçónica é um microcosmo, uma amostra da sociedade, um cadinho de mistura das personalidades individuais dos que nela se agrupam. As regras de convivência, de linguagem, de comportamento, que os maçons desde há séculos adotam e cultivam têm-se mostrado adequadas à Maçonaria e às Lojas. A sua adoção e o seu cultivo pela sociedade em geral certamente redunda em benefício comum. Por isso os maçons têm o dever de constituir um exemplo, de procurar que o seu comportamento fora de Loja, na sua atividade social comum, perante a sua família, na sua atividade profissional, nos diversos grupos sociais com que interagem, emule o que adotam em Loja. Assim, pelo seu comportamento, pelo seu exemplo, cada um dos maçons pode contribuir um pouco para a melhoria, a harmonia e o progresso da sociedade em que se insere. Cada um poderá porventura apenas acrescentar um pouco, quase nada, uma gota de água no oceano - mas o exemplo de cada um pode porventura ser semente que germine em muitos frutos. E é da junção de muitos poucos que se faz muito!

48

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 133-134.

Rui Bandeira

49

As Obrigações dos Maçons: VI . 2 - Conduta depois que aLoja terminou e antes que os Irmãos saiam

February 29, 2012

Poderão mostrar-se alegres, tratando-se mutuamente de acordo com suas qualidades, mas evitando todos os excessos, ou obrigando qualquer Irmão a comer ou beber além de sua inclinação, ou impedindo-o de se ir embora quando suas obrigações assim o chamarem, ou fazendo ou dizendo o que quer que seja ofensivo, ou o que quer que impeça uma conversa franca e livre, pois isso poderia quebrar a nossa harmonia e frustrar os nossos esforços. Portanto, quaisquer discussões ou querelas, não devem ser levadas para dentro das Lojas, muito menos se forem acerca de religião, cidadania ou politica; porque sendo apenas, como Maçons, de religião Católica, acima mencionada, também

50

somos de todas as nações, línguas, famílias e idiomas, e somos contra toda a Política que nunca contribuiu para o bem-estar da Loja, nem nunca contribuirá. Esta Obrigação tem sido estritamente prescrita e observada, especialmente após a Reforma na Bretanha, e a Dissensão e Secessão destas Nações da comunhão de Roma. A vida não é feita só de deveres, também de lazeres e convívios. A construção e manutenção de laços de forte fraternidade entre os maçons passa também pela convivialidade dos ágapes após as reuniões formais. O convívio após as reuniões é efetivamente fundamental para a coesão da Loja, a forte ligação entre todos os seus obreiros. Imprescindível é, porém, garantir que nesse convívio não haja excessos e que a informalidade não abra a porta a discussões, dissensões, confrontos, que conduziriam ao oposto do que é pretendido. Assim, regula-se também a conduta dos maçons entre si nos momentos de lazer e convívio. A primeira das regras é a aplicação de um dos princípios básicos do ideário maçónico: o absoluto respeito pela individualidade de cada um. Por isso se prescreve que nenhum maçom deve procurar obrigar outro a comer ou beber em excesso ou impedi-lo de se ausentar do convívio para acorrer a outras obrigações, sejam profissionais, sejam familiares, sejam sociais, sejam simplesmente de necessidade pessoal. Note-se bem o conteúdo do comando: proíbe-se a tentativa de condicionar o outro; nada se pronuncia sobre a conduta do próprio

51

em relação a si mesmo: se este comer em excesso, se beber para além da conta, se ficar mais tempo do que deveria, é questão dele consigo próprio! Por esta nuance se verifica como é essencial ao ideário maçónico o individualismo, a liberdade pessoal, o respeito pelas escolhas de cada um. Quem porventura fizer má escolha (ou o que se pensa ser má escolha...), seja em relação ao que seja, desde que os eventuais resultados negativos se repercutam apenas em quem fez a escolha, ninguém tem nada com isso! A liberdade individual implica também a liberdade de errar! Até porque o erro também tem o aspeto positivo de constituir lição... O essencial desta Obrigação é a tutela da Fraternidade. Por isso expressamente se declara ser formalmente interdita qualquer discussão ou querela sobre religião, política ou cidadania. Religião, porque a tendência de cada um para a absolutização da sua crença facilmente origina desacordos graves, querelas violentas, o descambar para fundamentalismos de opinião que só podem dar mau resultado e que, evidentemente, minariam a Fraternidade entre os obreiros da Loja. Política, aqui entendida como politica partidária ou similar, pelas mesmas razões: as escolhas políticas podem gerar paixões, os desacordos ou diferenças de opinião podem facilmente agudizar-se. Cidadania, aqui entendida como opinião em relação a escolhas políticas concretas, embora não diretamente relativas a divergências partidárias - monarquia ou república; parlamentarismo ou presidencialismo; desenvolvimentismo ou ambientalismo, posição em relação à interrupção voluntária da gravidez, etc. -, também pelas mesmas razões.

52

No fundo, esta regra constitui a aplicação do princípio básico essencial da Maçonaria: o respeito pela liberdade individual de cada um, o que implica a tolerância em relação às diferenças existentes. Cada um é um homem livre e de bons costumes. Essa liberdade realiza-se em todos os aspetos da sua vida e designadamente na sua convicção religiosa, na sua opção partidária, nas suas escolhas enquanto cidadão. Cada um tem o direito de fazer as escolhas que entende e a ver respeitadas pelos demais as escolhas que faz. Em contrapartida, tem o dever de respeitar as escolhas alheias, pois não pode exigir dos demais o que não está ele próprio disposto a cumprir. Tenha-se em atenção que a regra apenas interdita "discussões ou querelas". Não impede a informação mútua, mesmo a análise, desde que serena e sem propósitos de conflito, das posições de cada um nesse campo. A Fraternidade implica isso mesmo: o conhecer as diferenças, o assumir das diferenças e o reconhecer que essas diferenças não só não são impeditivas da cooperação e do convívio, como são mesmo enriquecedoras do conjunto. Mas a linha de fronteira entre a serena troca de impressões e a "discussão ou querela" é muitas vezes ténue e fluida. Por isso manda a prudência que se opte pela abstenção de se tocar nestes temas controversos, pelo menos até que se tenha a certeza de que os laços de Fraternidade, as cumplicidades da Amizade, os freios de segurança do bom-senso, são suficientemente fortes para garantir que a serena conversa não descambe nunca em discussão

53

ou querela. Cada Loja, cada grupo de maçons, sabe de si e devecuidar da sua conduta, tendo em atenção a prioridade absoluta dorespeito das posições individuais de cada um e da Fraternidadeentre todos. Uma última nota: não se estranhe a referência à religião católicacomo a "de todos". Deve ter-se presente que a Maçonaria nasceuem Inglaterra e que a evolução religiosa em Inglaterra foi suigeneris. Não houve ali, designadamente nos séculos XVI a XVIII,propriamente um afastamento dos cânones da religião católica,mas apenas (se é que se pode dizer apenas...) uma recusa desubordinação ao Papa, proclamando-se a independência da Igrejade Inglaterra em relação a Roma. A Igreja de Inglaterraconsiderava-se assim como uma Igreja Católica, só queindependente de Roma e do Papa. Em 1723 em Inglaterra, haviaos católicos romanos, fiéis ao Poder papal e os CatólicosAnglicanos, da Igreja de Inglaterra. A Maçonaria era então umainstituição de um país cristão, dividido religiosamente apenas pelaquestão da obediência a Roma. Só mais tarde, e muito devido àaplicação do conceito de Tolerância, a Maçonaria vai evoluindo nosentido de enquadrar adeptos de outras religiões do Livro e, depois,aos crentes de outras religiões e aos crentes deístas.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 134.

Rui Bandeira

54

As Obrigações dos Maçons: VI. 3 - Conduta quando osIrmãos se reúnem sem estranhos, fora de uma Lojaconstituída

March 07, 2012

Saudar-se-ão uns aos outros de maneira cortês, como ensinados,chamando-se de Irmãos, dando livremente as instruções de modoque for conveniente, verificando que não são vigiados ouobservados; sem ultrapassar o limite, ou faltar ao respeito que édevido a todo o Irmão, mesmo que não seja um Maçom; porquetodos os Maçons são iguais, Irmãos, ainda que a Maçonaria nãoelimine a honraria do homem antes de sua Iniciação, ou sequeracrescente algo a esta, especialmente se tenha merecido respeitoda Fraternidade, que deve honrar aquele que é merecedor, e evitarcomportamento impróprio.

55

Fora de Loja, os maçons devem mutuamente tratar-se como se irmãos de sangue fossem: saudar-se como dois irmãos se saúdam, falar um como o outro como dois irmãos o fazem, manter relações de cordialidade e amizade e consideração e cumplicidade em tudo similares às dos irmãos. Nenhum tratamento mais distante do que esse é admitido entre os maçons, seja qual for a sua antiguidade, os ofícios que exercem ou não. Um recente Aprendiz trata e é tratado pelo Grão-Mestre desta forma - e por nenhuma outra. No entanto, esta Obrigação deixa também claro que a igualdade fundamental entre maçons, a fraternidade que é razão de ser da instituição e norma de conduta irrevogável para todos, não afasta ou ultrapassa as posições sociais, a consideração e o respeito devido pelo que o indivíduo já era antes da sua iniciação e continua a sê-lo depois dela. O marceneiro não pretende ensinar o Padre Nosso ao vigário e o ministro religioso não busca ensinar aquele a fazer móveis. O escriturário não se arroga condições para estar mais bem preparado para fazer diagnósticos que o médico e este reconhece que sabe bem menos de técnica de arquivo, elaboração e encaminhamento de documentos do que aquele. A fundamental igualdade da Maçonaria não é vão igualitarismo, não é pretender-se que todos sejam tratados por igual, de igual modo. É aplicar a máxima de que o que é igual deve ser tratado de forma igual e o que é diferente suscita diferente tratamento.

56

A igualdade fundamental da Maçonaria indubitavelmente que implica a igual consideração, o igual respeito, a igual atenção, pelo que de fundamentalmente igual todos temos: a nossa Humanidade, a nossa capacidade de aprender, o nosso propósito de melhorar, enfim a absolutamente igual dignidade da pessoa humana, que implica que todos nascem livres e iguais em direitos e deveres. Não é por um ser marceneiro que se pode ou deve presumi-lo como menos capaz do que o ministro, tal como os maçons não consideram o médico mais nobre ou digno de respeito do que o escriturário. Em Maçonaria, ser operário ou trabalhador manual e ser intelectual ou colarinho branco são apenas ocupações, formas de trabalhar, de ganhar a vida honestamente, não fontes de diferenciação ou de primazia ou de análise de valia pessoal. O importante é que cada um seja, e procure ser o melhor que lhe seja possível no seu campo de atividade, o melhor que consiga enquanto pessoa. O maçom não confunde igualdade com igualitarismo, porque este procura igualizar por baixo enquanto aquela busca nivelar por cima. Com efeito, o igualitarismo, o entendimento de que todos devem ser tratados por igual, que todos são iguais, apesar de evidente e naturalmente todos sermos diferentes, nivela por baixo, diminui os naturalmente mais capazes ou mais desenvolvidos para o plano dos menos preparados ou dotados, única forma de todos igualizar. Mas a verdadeira igualdade, reconhecendo que a dignidade e a humanidade de todos é essencialmente igual, atenta em que as condições sociais, a educação, as diferenças de caráter, a pura aleatoriedade da vida fazem destes seres estruturalmente iguais

57

indivíduos com diversas caraterísticas, diferentes saberes,diversificadas escolhas. Todos temos formas diferentes mas essasformas são todas feitas da mesma massa. A aspiração de todos osdiferentes é igual: atingir o máximo do seu potencial. E é isso que aMaçonaria reconhece, busca e acalenta. A igualdade fundamental praticada pela Maçonaria permite lograrque o marceneiro, o ministro, o escriturário e o médico sejam, cadaum deles, aquilo que são, que a sua história e evolução pessoaldeterminam, mas adicionando a cada um deles algo do que osoutros sabem e são e sentem. E assim todos e cada um delessabem um pouco de fazer móveis, de teologia, de fisiologia e detécnicas de arquivo - para além daquilo que a fundo conhecem. Aigualdade dos maçons é a igualdade do desejo de melhorar, deaprender, a igualdade na capacidade de o conseguir, a igualdadeno propósito de o fazer em conjunto, partilhando saberes, dores,alegrias, projetos, êxitos e fracassos.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 134.

Rui Bandeira

58

As Obrigações dos Maçons: VI . 4 - Conduta em presençade estranhos não Maçons

March 14, 2012

Deverão ser cautelosos com as palavras e o comportamento, demodo a que um estranho mais perspicaz não seja capaz dedescobrir ou perceber o que não deve ser revelado, e se possível,deverá aproveitar-se o rumo da conversa, conduzindo-aprudentemente de modo a elogiar a Venerável Fraternidade.

Esta regra de conduta perante estranhos não maçons ilustra a cautela que, desde o início da Maçonaria, os seus elementos tinham e têm que ter. A Maçonaria Especulativa nasceu e desenvolveu-se em tempos difíceis em Inglaterra, logo após longo período de guerra civis e de sangrentas dissensões e perseguições religiosas. A Maçonaria Especulativa nasceu e desenvolveu-se como ponto de encontro, lugar de refúgio, porto de abrigo, espaço de cooperação, para homens crentes, livres e de bons costumes

59

que desejassem aperfeiçoar-se, trabalhando em conjunto e auxiliando-se mutuamente nesse trabalho de melhoria, independentemente das suas diferenças, das posições políticas de cada um, das diversas opções religiosas, do posicionamento na escala social que cada um tivesse. Em tempos de conflitos e em que ainda estavam muito vivas as cicatrizes das lutas, muito evidenciadas as sequelas das divisões, em que ainda imperava o preconceito de que "quem não é por mim, é contra mim", era incompreensível, quiçá inaceitável, para muitos e para muito poderosos, a ideia de que o parlamentarista e o realista, o católico e o anglicano, o defensor dos Stuarts e o apaniguado dos Hannovers confraternizassem nas mesmas Lojas, se comportassem, não como inimigos figadais, adversários definitivos, contendores aguerridos, mas como irmãos diferentes entre si e que mutuamente se toleravam. Eram tempos em que confraternizar, cooperar, simplesmente conviver com quem era ou pensava ou cria de modo diferente, e portanto devia ser considerado inimigo, constituía por si só uma traição - à opção política, à crença religiosa, à Coroa ou à Revolução, a qualquer partido ou grupo que se integrasse. Eram tempos em que ousar sair da norma dos grupos e ouvir e conviver e aprender com os diferentes não era concebível senão como abdicação, em que a tolerância era ainda um desconhecido e nascente conceito filosófico e, portanto, passível de severas represálias, desde o simples ostracismo até à prisão ou mesmo à morte.

60

Eram tempos em que os maçons tinham de manter secreta, desconhecida dos que o não eram, a sua condição e a sua mútua convivência. Publicamente, o anglicano só podia declarar o seu ódio a Roma, o católico só podia verberar a dissensão iniciada pelos desejos de Henrique VIII e ambos tinham que esconder que conseguiam cooperar e debater e aprender em conjunto, pondo de lado as suas diferenças religiosas, cada um aceitando que o outro era livre de fazer a sua escolha. O mesmo em relação às posições políticas ou lealdades a soberanos ou pretendentes à Coroa. Tinham os maçons, assim, que se comportar, na presença de estranhos não maçons, de forma a que não fosse possível ser apercebido que os públicos adversários ou inimigos eram simultaneamente irmãos que se respeitavam e cooperavam, independentemente das suas diferenças. Era uma questão de sobrevivência. Infelizmente, ainda hoje, em muitos locais, ainda é. Acontecimentos recentes em Portugal mostraram que, em pleno século XXI, muitos que se proclamam cultos e modernos e fazedores de opinião afinal não sabem distinguir fraternidade de compadrio (quiçá porque não concebam amizades sem compadrios...), cooperação de diferentes de conspiração (porventura porque não sabem cooperar sem conspirar...), aprendizagem comum tolerante de diferenças de sórdidos planos de assaltos a vão poder, inevitavelmente destinados ao fracasso (talvez porque as suas vidas giram apenas em torno do Poder, da Imagem e do Dinheiro...). Continua, infelizmente, a ser quase impossível para muitos conceber que a Vida é feita de muito mais do que de mesquinhos

61

egoísmos, lutas de poder, imposição de convicções, desesperada busca por acumulação de bens materiais, enfim, e simplesmente, que cada um é o que é, não o que tem, por muito que tenha. E essa incapacidade desses muitos, alguns poderosos ou influentes, obriga a que infelizmente os maçons tenham que continuar a reservar para si o que para esses muitos é incompreensível (e por isso não compreendem), inaceitável (e por isso não aceitam), impraticável (e por isso não concebem que se pratique): pura e simples cooperação de diferentes na aprendizagem e melhoria mútua, pura e simples partilha do que cada um é, independentemente do que tenha, para que todos sejam um pouco mais, procurando todos aumentar o seu Ser, não o seu Ter. Mas, se assim foi, se assim infelizmente ainda é, os maçons continuam a perseverar em entender que não será necessariamente sempre assim. Os maçons devem assim dar o seu exemplo, para que este possa servir de exemplo. Os maçons devem, sempre que possível e da forma que lhes for possível, lutar contra os preconceitos, o obscurantismo, a intolerância, da única forma que estes flagelos podem com êxito ser combatidos: com esclarecimento, com divulgação, contrapondo aos preconceitos a sua informação. Quem estiver pronto para rever os seus preconceitos, aproveitará. Quem não estiver, assim como assim, permanecerá embalado neles, pelo que não vale a pena preocupar-nos com esses. É por isso que eu, que posso revelar a minha condição de maçom, o faço - mas mantenho a reserva sobre a identidade daqueles que, temendo serem prejudicados, eles e as suas famílias, ainda têm de

62

manter reservada essa sua condição. É por isso que eu não divulgo as formas como, em público, posso reconhecer outro maçom, sem que os circunstantes disso se apercebam - mas afirmo e repito que isso só é assim porque ainda é necessário que assim ainda seja. É por isso que eu pratico e aprecio e aprendo com os rituais e cerimónias que pratico na minha Loja - mas não os divulgo publicamente, porque seriam pérolas insuscetíveis de serem devidamente apreciadas por quem não concebe possível que "se perca tempo" com algo que não dá dinheiro, não traz poder, não atrai fama social. É por isso que eu guardo para mim e para os meus Irmãos aquilo de que tratamos, apesar de sabermos, eu e os meus Irmãos, que todos aqueles que, não sendo capazes de pensar mais, ou mais além das mesquinhices a que reduzem as suas visões da vida, confundem mera privacidade com secretismo - mas asseguro que eu e os meus Irmãos não conspiramos contra ou a favor do que quer que seja, não tratamos de compadrios ou benesses ou de corrupções, porque não é de bens materiais ou de posições sociais que o nosso interesse comum é feito. Quem quiser acreditar, quem estiver pronto para melhorar a sua postura perante a vida, para investir no que ele próprio é e acreditar que pode ser cada vez mais - e que isso nada tem a ver com o que cada um tem ou com a forma como os demais cada um vêem -, porventura aproveitará. Os outros, que continuem alegremente

63

embalados nos seus preconceitos, nas suas conceções das suasvidinhas, entretidos em jogos de poder, ocupados nas suasacumulações de bens materiais que um dia inevitavelmentedeixarão. Nós, maçons, acreditamos na capacidade de todos poderemmelhorar, aprender, evoluir, ascender acima da mesquinhez dosbens materiais e descobrir a verdadeira essência do que é viver eser humano. Cada dia cada um de nós procura ir um pouco maisalém nesse caminho. É isso que para nós, maçons, é importante epor isso é isso que nos importa!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 135.

Rui Bandeira

64

As Obrigações dos Maçons: VI. 5 - Conduta em casa e navizinhança

March 21, 2012

Deverá agir como um homem sensato e de moral; ter um especial cuidado em não deixar a família, amigos ou vizinhos conhecer os assuntos da Loja, etc, mas sabiamente levar em conta a sua própria honra, e a da Antiga Fraternidade, por razões que não são mencionadas aqui. Deve ter em conta, também, a sua saúde, não continuando a reunião até muito tarde, sem necessidade, nem permanecendo muito longe do lar, depois das Sessões da Loja terminarem; e evitar a gula ou embriaguez. e que suas famílias não sejam negligenciadas ou prejudicadas, nem vós próprios incapacitados de trabalhar.

65

Junto dos seus e no seu meio ambiente, o maçom tem o especial dever de ser e agir de modo sensato e moral. De modo sensato, porque a sensatez é apanágio daquele que estuda, que procura ver para além das aparências, que procura conhecer-se a si mesmo e, por isso, conhece o mundo e os outros. Assim, conduz-se pela Razão, não cedendo facilmente ao Impulso. Não que a Emoção não o influencie. Pelo contrário, o Homem completo é um misto de Razão e de Emoção. Mas o mero Impulso é um ato gerado apenas pela Emoção não temperada pela Razão. E é a combinação das duas que permite que tomemos as nossas opções melhores. Tão perniciosa como agir puramente por Emoção, sem a têmpera da Razão, é a atuação puramente racional, sem pingo de Emoção, que acaba por se traduzir em Indiferença. A escolha mais racional pode não ser a mais correta, se desnecessariamente causar danos que poderiam ser evitados com uma atuação porventura com um resultado em absoluto um pouco pior, mas mais equilibrado e rentável no saldo do custo com o benefício. Por isso o maçom deve agir de modo sensato, em equilíbrio entre a Razão e a Emoção, e moral, isto é, em consonância com o sentimento social. O Homem não vive por si só. O Homem vive em sociedade e, portanto, tem de a ela atender na sua atuação. É inaceitável uma escolha que racionalmente conduza a uma atuação socialmente censurável, por muito "eficiente" que ela seja seja. Os fins não justificam os meios! Como inaceitável é a atuação meramente populista, que atenda apenas à "opinião pública" e ao que emocionalmente apetece fazer,

66

se essa atuação é ineficaz ou, pior, perniciosa, agravando em vez de resolver. Devem-se utilizar os meios socialmente permitidos que se adequem aos fins pretendidos. É nesta constante dialética entre a Razão e a Emoção que, sem nunca ceder ao Impulso nem se deixar enredar na Indiferença, deve o maçom enquadrar a sua conduta, com Sensatez e Moral. Assim, sem divulgar publicamente o que só aos maçons diz respeito, age com honra e honra-se a ele próprio e à Fraternidade de que faz parte. Deve ainda o maçom agir sempre com Temperança. As suas reuniões devem ter a duração adequada para não prejudicar a sua vida familiar, o seu repouso, a sua capacidade de trabalho. A convivência fraternal após as reuniões deve igualmente pautar-se por esses limites. Sob pena de aquilo que é intrinsecamente bom ser visto ou entendido como mau, desviante, pernicioso. No fundo, a noção que esta Obrigação transmite é a de Equilíbrio, o equilíbrio que se alcança através da sensatez, da consideração da Moral, da preservação da Honra, da Saúde, da Família e da Capacidade de trabalhar honrada e produtivamente. O maçom não procura ser melhor por mero interesse pessoal - fá-lo para melhor se integrar na Sociedade, desde a sociedade mais próxima e chegada, a Família, à sociedade onde obtém o sustento, seu e dos seus, a Empresa ou local de trabalho, à Sociedade em geral, em que harmoniosamente se deve inserir, ser produtivo e

67

para cujo equilíbrio e progresso deve contribuir. O maçom devesempre ter presente que a Sociedade melhora e evolui, antes demais, através da melhoria e da evolução de cada um dos seusmembros. E, tirando a consequência disso, fazer a sua parte, isto é,efetuar o trabalho, o esforço, do seu próprio aperfeiçoamento. Fonte: Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 135. Rui Bandeira

68

O curioso corte de inexistentes relações

March 28, 2012

No fim de semana passado, li em várias edições eletrónicas deórgãos de comunicação social a notícia de que o responsávelmáximo do GOL (Grande Oriente Lusitano) tinha publicado umcomunicado segundo o qual tinha decidido que esta instituição iria"congelar" relações com a GLLP/GLRP "enquanto José Moreno(Grão-Mestre da GLLP/GLRP) estiver no exercício de funções enão desmentir ou clarificar devidamente as informaçõespublicadas".

Segundo boa parte da imprensa eletrónica, tal decisão resultaria da publicação de um artigo no semanário Sol que, especulando a propósito de uma intervenção do Grão-Mestre José Moreno no American Club, afirmava que estavam a decorrer negociações para a unificação maçónica em Portugal, por integração dos elementos

69

do GOL na GLLP/GLRP.

A primeira perplexidade que este comunicado me suscita é comose "congelam" relações inexistentes. Desde o cisma maçónico de1877, protagonizado pelo Grande Oriente de França, que aboliu aobrigatoriedade da exigência de um maçom ser crente, de as Lojastrabalharem à Glória do Grande Arquiteto do Universo (entendidocomo a divindade em que cada maçom deposite a sua crença) e deos trabalhos obrigatoriamente decorrerem na presença do LivroSagrado ou Livros Sagrados da(s) crença(s) dos obreiros darespetiva Loja, que a Maçonaria que permanece fiel a estas regras,que tem por essenciais, e assim se denomina a si própria deMaçonaria Regular, considera as organizações que adotaram apostura inaugurada pelo GOF (entre as quais o GOL) comoIrregulares e, pura e simplesmente, não mantêm quaisquerrelações institucionais com elas.

Há mais de 140 anos que não existem relações institucionais entreas Potências Maçónicas Regulares (entre as quais a GLLP/GLRP)e as organizações Irregulares (entre as quais o GOL). Não obstanteo total respeito pelas opções e decisões de cada um, não me fazqualquer sentido que se declare "congelar" relações que, pura esimplesmente, não existem!

Quanto à impossibilidade de congelamento de inexistentes relações institucionais, parece-me estar o assunto claro. Mas, não havendo relações institucionais, evidentemente que existem relações pessoais e colaborações pontuais. Os maçons prezam a Tolerância e, assim, convivem facilmente com as diferenças, mesmo quando estas respeitam a questões essenciais. E é pura questão de bom senso que qualquer maçom se sinta mais próximo daqueles que buscam aperfeiçoar-se segundo o método maçónico, ainda que

70

com divergências essenciais, do que daqueles com quem nãopartilham essa busca. Mas, a este nível, parece-me inócua adecisão do autor do comunicado.

Os meus amigos do GOL continuam a ser meus amigos e eu amigodeles, com ou sem comunicado! Não é por se decretar um qualquercongelamento que as relações pessoais entre nós ficamarrefecidas...

Também não creio que as colaborações pontuais entre maçonsregulares e irregulares fiquem afetadas. Se numa dada localidadeos maçons da GLLP/GLRP e os elementos do GOL decidiram uniresforços para angariar fundos para obter uma nova ambulânciapara os bombeiros, não é por causa do anunciado congelamentoque o esforço para arranjar a ambulância vai deixar de ser feito.

Se, numa outra terra, os elementos da Loja do GOL e os obreirosda Loja da GLLP/GLRP combinaram entre si que, para maioreficácia na ajuda prestada, uns oferecem à estrutura local deacolhimento de crianças em risco ou sem família fraldas e os outrosmedicamentos, não será por causa do anunciado congelamentoque vão ambas as Lojas passar a inundar a estrutura só comfraldas, sem que nenhuma providencie medicamentos.

Portanto, também ao nível das relações pessoais e da cooperaçãono auxílio a quem dele necessita me parece inócuo este anunciadocongelamento.

Por outro lado, nem sequer se entende muito bem a motivaçãodesta atitude. Se, como diz o líder do GOL não há negociaçõesquanto à fusão do GOL com a GLLP/GLRP, então o que sejustificava era verberar, discordar, denunciar, desmentir, asconclusões, as especulações, do semanário, que, ele sim, é quem,pelos vistos, extrai conclusões indevidas, tira ilações erradas.

71

Aliás, o mesmo semanário refere que o autor do comunicadoesteve presente no American Club e assistiu à intervenção doGrão-Mestre da GLLP/GLRP. Aparentemente, então não houvequalquer desconforto com essa intervenção - e, a meu ver,justifica-se plenamente essa ausência de desconforto, já que énatural e saudável que o líder de qualquer organização declareansiar a liderar todos os que se posicionam na órbita da esfera deatividade da mesma e declare que veja com bons olhos que a suaorganização exerça atração perante quem está de fora dela. É tãonormal e saudável que o Grão-Mestre da GLLP/GLRP o afirmecomo seria se, similarmente, o líder do GOL o fizesse... Cada umdefende a sua dama e só lhe fica bem que o faça...

Aparentemente, o que desagradou ao autor do comunicado não foia intervenção efetuada pelo Grão-Mestre da GLLP/GLRP noAmerican Club, mas as ilações, as especulações, as conclusõesque os jornalistas do semanário retiraram. O que me permite queeu, já agora, também tire uma ilação: para o autor do comunicado,o que o incomodou não foi o que o Grão-Mestre da GLLP/GLRPdisse; foi que tivesse sido publicado e interpretado pelacomunicação social...

Ou seja, não é grave - e não é mesmo! - que o Grão-Mestremanifeste o seu anseio de unificar os maçons portugueses sob aégide da GLLP/GLRP e se mostre disposto a que tal possa ocorrer,se tal possível for. O que, para o autor do comunicado, é grave e ofaz declarar congelar o que não existe é que se saiba disso -porventura que os membros da organização que dirige vejampublicamente aberta esta porta.

O comunicado de congelamento de inexistentes relações tem a aparência de uma posição de força mas afinal o que mostra é

72

receio.

O que não me alegra nada. Pela minha parte, não quero vencerninguém. Apenas unir o que porventura possa ser unido.

Rui Bandeira

73

As Obrigações dos Maçons: VI. 6 - Conduta em face deum Irmão estranho

April 04, 2012

Deverá cautelosamente examiná-lo, da forma que a prudência aconselhar, de modo a evitar ser iludido por um embusteiro, a quem deverá rejeitar com desprezo e escárnio, e a ter cuidado de modo a não lhe revelar nenhum sinal de reconhecimento. Mas se descobrir que está perante um verdadeiro e genuíno Irmão, deverá respeitá-lo em conformidade, e se necessitar de ajuda, deverá ajudá-lo como puder, ou então dizer-lhe como poderá ser ajudado: deverá empregá-lo por um período de alguns dias, ou então recomendá-lo para um emprego. Não será obrigado a fazê-lo além de suas habilidades, mas deve dar-lhe preferência se for um

74

Irmão pobre, um homem bom e verdadeiro, em relação a qualqueroutra pessoa pobre nas mesmas circunstâncias. Finalmente,deverá respeitar todas estas Obrigações, e todas aquelas queforem comunicadas de outra maneira; e cultivar o Amor Fraternal,que é a Fundação e a Pedra Angular, o cimento e a glória destaAntiga Fraternidade; evitar toda a discussão e querela, todadifamação e calúnia não permitindo que outros caluniem qualquerIrmão honesto, defendendo o seu caráter e oferecer-lhe todos ospréstimos, desde que de acordo com a própria Honra e Segurança,e não mais que isso. E se algum deles te prejudicar, deverásparticipar à tua ou à sua Loja; depois poderás recorrer para aGrande Loja aquando da Comunicação Trimestral, e daí para areunião Anual da Grande Loja, como tem sido a antiga e louvávelconduta de nossos ancestrais em todas as nações; nuncabuscando o caminho da lei civil, exceto quando o caso não puderser de outra maneira decidido, e somente depois de,pacientemente, ter ouvido o conselho honesto e amigo do Mestre eCompanheiros, que tentarão evitar o recurso à lei civil contraestranhos, e te estimularão a pôr termo a todo e qualquer processo,para poderes dedicar-te à Maçonaria com mais alegria e sucesso;quanto aos Irmãos e Companheiros envolvidos em tais processos,o Mestre e os Irmãos deverão, cortesmente, oferecer a suamediação, que deverá ser tida em conta pelos Irmãos contendores,e se for impossível a conciliação, estes deverão conduzir oprocesso sem ira ou rancor (o que não é o comportamento usual),sem dizer ou fazer algo que prejudique o Amor Fraternal, e que osbons ofícios sejam continuados e renovados para que todos vejama boa influência da Maçonaria, como todos os Maçons têm feitodesde o começo do mundo e o farão até ao fim dos tempos.

75

Esta última Obrigação respeita à Fraternidade. Conforme se acentua no seu texto, a Fraternidade é elemento essencial no ideário maçónico, verdadeira pedra angular do que é ser maçom. A Fraternidade implica, ou pode implicar, o auxílio de um Irmão. Mas não qualquer auxílio. Auxílio para que este, segundo as suas capacidades, as suas habilidades, possa prover ele próprio ao seu sustento. Note-se: não significa isto que se providencie qualquer benefício ilegítimo ou privilégio a um Irmão. O trabalho para que o Irmão necessitado deve ser contratado ou recomendado deve, necessariamente, estar em conformidade com as suas capacidades e habilidades. Não se trata nunca de angariar sinecuras. Deve-se proporcionar oportunidade, mas sempre respeitando o mérito. A Obrigação institui uma espécie de "direito de preferência": em igualdade de situações e de capacidades, deve-se dar preferência a um Irmão maçom, mas apenas desde que exista necessidade. Quer isto dizer que não se deve preterir ninguém mais capaz, mais apto, melhor classificado, em benefício de um maçom, nem sequer a pretexto da sua necessidade. E quer dizer também que a preferência, em igualdade de circunstâncias, apenas é acionada em favor de "um Irmão pobre, um homem bom e verdadeiro", isto é, em caso de necessidade. Ou seja, apenas em caso de necessidade e de igualdade de habilitações e aptidões se deve dar a preferência a um Irmão maçom. Esta a regra, este o limite!

76

Quem brande com um apregoado nepotismo maçónico ou é ignorante ou está de má fé. Afinal, os famosos "privilégios" que alegadamente os maçons concedem uns aos outros implicam que nunca se prejudique ou ultrapasse ninguém (só em caso de igualdade de condições se deve preferir um Irmão maçom) e só se concebem em caso de necessidade (para acorrer a um "Irmão pobre", isto é, necessitado, nunca para favorecer quem não esteja em situação de necessidade). Oxalá que todos se comportassem, em matéria de privilégios, como os maçons! Afinal de contas, é apenas natural e óbvio que, em igualdade de circunstâncias, se prefira o próximo ao distante, o amigo ao desconhecido, o parente ao estranho, o vizinho ao forasteiro, aquele em que se confia ao que não merece a nossa confiança. Isto todos, todas as pessoas de bem, fazem, sem hesitação, sem dúvida, sem censura social. A Fraternidade implica também a sua aplicação no relacionamento pessoal, que deve evidentemente implicar o amor fraternal, evitando-se "toda a discussão e querela, toda difamação e calúnia", não permitindo "que outros caluniem qualquer Irmão honesto, defendendo o seu caráter" e oferecendo os préstimos "desde que de acordo com a própria Honra e Segurança, e não mais que isso". A fraternidade maçónica nunca pode violar as regras da Honra. Não admite, assim, por exemplo, falso testemunho em favor de Irmão - porque é um ato desonroso. Não admite, portanto, que, por exemplo, um juiz maçom beneficie, em qualquer pleito, um Irmão

77

maçom - porque é gravemente desonroso para um juiz violar a imparcialidade que é atributo essencial e indispensável à função de julgar Mais uma vez, oxalá que todos se comportassem como os maçons no respeito da Honra e das regras! Finalmente, a fraternidade maçónica não deve implicar com a própria segurança. Do maçom e dos seus. É um limite de sobrevivência óbvio. Fraternidade implica disponibilidade para o auxílio - não para o sacrifício da segurança pessoal e familiar. A convivência implica sempre a possibilidade de surgimento de conflito. Quando tal suceda, a fraternidade maçónica implica que, sempre que possível (quando não é possível, não é possível...), os litígios surgidos entre maçons sejam internamente regulados, preferentemente por mediação, se necessário, por decisão de órgãos internos a quem é atribuída competência para tal. A mediação é a forma preferencial de regulação de litígios, por razões evidentes: a mediação mais não é que, afinal, um meio de possibilitação de que os litigantes regulem eles próprios o seu litígio, o reduzam, o eliminem, resolvam o problema. Quando tal não for possível, o litígio interno deve ser internamente regulado pelos órgãos próprios para tal, aptos a fazê-lo segundo as regras e o ideário maçónicos. Só se, por sua própria natureza, o litígio não puder ser internamente resolvido se deve recorrer às leis e aos tribunais civis. Mas aí não se trata já de um desacordo entre maçons, a ser regulado pelas regras maçónicas. Trata-se de um conflito entre cidadãos, a ser dirimido pela estrutura de resolução

78

de conflitos da Sociedade. Uma última nota, em relação à matéria dos conflitos entre maçons: a Obrigação enfatiza que, mesmo que não seja possível a resolução do conflito por mediação, a sua regulação por decisão dos órgãos maçónicos próprios deve ser feita através de um processo conduzido "sem ira ou rancor", "sem dizer ou fazer algo que prejudique o Amor Fraternal, e que os bons ofícios sejam continuados e renovados". Parecerá porventura utópica esta recomendação. Se existe litígio, existe desentendimento, interesses divergentes, porventura inconciliáveis. Inevitavelmente que o conflito implica exaltação, ira, que o conflito de interesses gera rancor, não pode deixar de ser prejudicado o amor fraternal... Esta visão é errada e decorrente da ausência de vivência maçónica (quem está de fora, por muito que saiba, não vive - e portanto, não sente, não pratica). O maçom aprende a pautar a sua conduta, a praticar, a viver, a respirar, a Tolerância. Tolerância é a admissão dos erros alheios, tal como nós desejamos que os nossos erros sejam admitidos pelos outros.Tolerância é a aceitação natural das divergências, porque se admite que, havendo erro, tanto pode ser do outro, como pode ser nosso. A discussão e troca de pontos de vista, segundo o paradigma da Tolerância treina os maçons para viverem e regularem os conflitos que sobrevenham segundo o mesmo padrão. Se existe um conflito de interesses, obviamente que eu defendo os meus interesses. Mas também admito com naturalidade que o outro defenda os interesses dele. Tem

79

exatamente o mesmo direito que eu. Portanto, não há razão para que nos zanguemos, para que nos exaltemos, para que esqueçamos que somos Irmãos. Conciliamos os nossos interesses, se isso for possível, com o auxílio, a mediação dos outros Irmãos. Se isso não for possível, confiamos a resolução do problema, a decisão de qual o interesse a ser preservado ou em que medida cada um dos interesses deve ser preservado e sacrificado a quem está encarregado de dirimir esses conflitos. E depois o o problema ficou resolvido, é passado, não tem que envenenar a minha relação fraternal no presente e no futuro com aquele com quem tive um conflito de interesses que foi regulado por quem devia regulá-lo. Afinal de contas, a Tolerância manda que se tenha sempre presente que posso estar eu certo e o outro errado, mas também que pode ser o outro quem está certo e eu errado! E, ao longo da vida, muitas vezes estamos certos e muitas vezes estamos errados! O conflito existe para ser resolvido, não para envenenar o relacionamento entre quem o tem... Pela terceira vez: oxalá todos se comportassem assim! Uma informação final: ao tempo da Cosntituição de Anderson de 1723, as estruturas de regulação de conflitos entre maçons eram, por ordem hierárquica ascendente, a Loja, a reunião trimestral da Grande Loja e a reunião anual da Grande Loja. A natural evolução dos tempos, dos procedimentos e organizações faz com que, hoje em dia, na maior parte das Obediências Maçónicas já não seja exatamente assim (afinal, discutir conflitos particulares em assembleias pode ser bastante problemático e complicado), tendo-se criado órgãos jurisdicionais internos especializados.

80

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 135-136.

Rui Bandeira

81

João Damião Pinheiro, maçom estabilizador

April 11, 2012

João António Neto Guerreiro Damião Pinheiro entrou neste mundoem 3 de janeiro de 1959. Saiu deste mundo, em direção ao Oriente,no dia 6 de abril de 2012, a uma sexta-feira que a sua crençareligiosa denominou de Sexta-Feira Santa. Entre uma e outra datadecorreram pouco mais de 53 anos. O João terminou o seu tempoentre nós mais cedo do que todos esperávamos. Por isso, a notíciada sua passagem para o Além foi inesperada para todos osobreiros da sua Loja de sempre, a Loja Mestre Affonso Domingues.Os maçons acreditam que a morte é apenas uma passagem eportanto lidam relativamente bem com ela. Mas quando essapassagem ocorre inesperadamente e quando se augurava aindamuitos mais anos entre nós daquele que segue adiante, aincredulidade, o choque, o sentimento de perda, são inevitáveis.

82

O João Damião Pinheiro foi um elemento que marcou a Loja MestreAffonso Domingues. Foi - é, sempre! - um amigo cujo afastamentoprematuro não podemos deixar de lamentar.

Precisamente no dia em que a Loja Mestre Affonso Domingues seune em torno da memória do João Damião Pinheiro, fazemosquestão de que também aqui no A Partir Pedra seja a sua memóriaevocada. E este texto in memoriam tem a especificidade de ter sidoescrito a quatro mãos, por José Ruah e Rui Bandeira. Ambosdesejaram fazê-lo, ambos entenderam fazê-lo da forma como oJoão, sem dúvida, gostaria: cooperando, colaborando, corta aqui,acrescenta ali, emenda acolá.

Neste blogue, a propósito da história dos Veneráveis Mestres,escreveu-se na crónica que se pode ver aqui, sobre aquele queagora podemos já identificar como o Irmão João Damião Pinheiro,que ele foi o obreiro da estabilidade de processos da Loja e quedesde então tudo ficou mais firme e definido.

João foi mais que isso, muito mais. Soube interpretar fielmente odever de um maçom para com a sua Loja, soube ser ele própriosem ter que abdicar de nenhum principio.

Conhecemo-lo na sua iniciação, nos idos de 1993, no Estoril, edesde então sempre lhe conhecemos apenas uma postura, a daretidão, a de fazer o que era para ser feito.

83

Em 1995 foi chamado a desempenhar as funções de Tesoureiro daLoja e o resultado foi o primeiro modelo de organização datesouraria de forma não amadora, e nessa qualidade foi a muletado José Ruah numa reunião em julho de 1996, quando ele passouà condição de Venerável Mestre eleito.

Integrou a sua equipa como Mestre de Cerimónias, e como nãopodia deixar de ser com aprumo. Por essa altura, aconteceu acisão de 1996 - recentemente superada - e, numa noite dedezembro, ele esteve, como muitos outros estiveram, sentado emconjunto à roda de uma mesa. Como memória dessa noite umdesenho que ele fez de uma revolução qualquer e cujo escrito era "Carbonária - Pum Pum ( junto de cada uma das espingardasdesenhadas) ", e claro, as suas intervenções.

Desempenhou praticamente todos os ofícios de Loja e semproblemas aceitou uma ultrapassagem, atrasando assim a suaeleição para Venerável Mestre um ano.

Durante o seu veneralato tocou-lhe uma situação delicada. Aberto o processo eleitoral para Grão Mestre, ele era um dos proponentes de um dos candidatos. Na loja, o seu padrinho era um dos proponentes do outro candidato. Pôs o tema em debate sem medo, recolheu o sentimento da Loja, que era diferente da sua opção

84

pessoal, e como Homem e Maçom de honra e com a retidão que onorteava, votou na eleição de acordo com o desígnio da Loja a quepresidia, não hesitando um minuto que fosse em cumprir a vontadedemocraticamente expressa pelos seus Irmãos.

Nós que nos achamos muito cibernéticos, devemos também aoJoão o primeiro sítio da Loja. Não que ele o fizesse mas porque eleachou que era o momento. Um dia chamou uns quantos a sua casae pôs em marcha o projeto e, passado pouco tempo, o sítio via aluz do dia. Era rudimentar e com grafismo pobre, mas por sua ideiaa Loja Mestre Affonso Domingues foi uma das primeiras, senãomesmo a primeira Loja da GLLP/ GLRP a ter um sitio na Internet.

Fez o seu caminho na Ordem, e nos Corpos Rituais ondedesempenhou as mais prestigiosas funções, mas não foi nunca umhomem de Grande Loja, não enquanto Grande Oficial, mas simenquanto presença e conselho.

Granjeou muitas amizades, mas acima de tudo respeito. Respeitopor ser um homem de ideias e de princípios. Era um enorme prazerpoder ouvir o que dizia, falando sempre pouco mas assertivamente.

Era assíduo quanto baste nos últimos anos, também porque a sua vida profissional lhe exigia mais tempo fora de Lisboa. Mas quando entrava em sessão, não era apenas mais um, era sempre um de nós, na plenitude de ser Maçom e na estabilidade que o

85

caraterizava.

A partida extemporânea para o Oriente Eterno deixa-nos um vazio.Nas colunas da sua, da nossa, Loja de sempre vai ser semprepossível rever o seu sorriso, pelo menos enquanto cá estiveremaqueles que com ele pessoalmente partilharam as agruras, masessencialmente a felicidade, de ser Maçom.

João, um dia iremos ter contigo e sabemos já de antemão que terásjá tratado de ter tudo estabilizado e pronto para nós. A memóriaque guardamos de ti será para nós a energia que nos permitirácontinuar até chegar a nossa vez.

À Glória do Grande Arquiteto do Universo.

Escrito por José Ruah e Rui Bandeira mas, simbolicamente,

86

Regras Gerais dos Maçons: Introdução

April 18, 2012

O quarto capítulo da Constituição de Anderson de 1723 é dedicadoàs Regras Gerais. Enuncia trinta e nove, após a seguinteIntrodução:

Compiladas, inicialmente, por George Payne, no ano de 1720, quando era Grão-Mestre, e aprovadas pela Grande Loja no Dia de São João Batista, no ano 1721, no Stationer's Hall, Londres, quando o Grande e Nobre Príncipe John, Duque de Montagu, foi unanimemente escolhido nosso Grão Mestre para o ano seguinte; ele escolheu John Beal como seu Vice-Grão-Mestre, e Josiah Villeneau e Thomas Morris foram escolhidos, pela Loja, como Grandes Vigilantes. E agora, sob o comando de nosso Mui Venerável Grão-Mestre Montagu, o autor deste livro comparou-as com os antigos Arquivos e Usos Imemoriais da Fraternidade, e ordenou-as segundo este

87

novo método, com muitas explicações apropriadas, para o uso dasLojas dentro e fora de Londres e Westminster.

Estas Regras Gerais incluídas na primeira Constituição elaborada sob os auspícios da Premier Grande Loja, a Grande Loja de Londres e Westminster, também conhecida pela Grande Loja dos Modernos, geralmente considerada como o catalisador da evolução da antiga Maçonaria Operativa para a moderna Maçonaria Especulativa, não devem ser confundidas com os Landmarks. Estes, conforme já referi em Os Landmarks, são os princípios delimitadores da Maçonaria. Ao contrário do que se possa concluir desta definição, não existe uma fixação universal de uma lista de Landmarks. A GLLP/GLRP adota a tradução em português da "Regra em 12 pontos" fixada em 1938 pela sua Grande-Loja mãe, a Grande Loge Nationale Française que, na versão portuguesa, podem ser lida no sítio da Grande Loja Legal de Portugal / GLRP. A Grande Loja Unida de Inglaterra tem, no seu Livro das Constituições de 2009, o sumário dos Antigos Deveres e Normas, em 15 pontos, que deve ser lido pelo Secretário ao Venerável Mestre eleito imediatamente antes da sua Instalação, sumário este que pode ser lido numa das páginas do sítio da UGLE. Muito generalizada na Maçonaria americana e sul-americana está a compilação de 25 Landmarks efetuada por Albert G. Mackey, cuja tradução em português pode ser consultada, por exemplo, no sítio da Augusta e Respeitável Loja Simbólica Fraternidade Serrana, n.º

88

57. A Maçonaria Liberal ou Irregular, ou seja, a corrente que, na esteira do cisma maçónico protagonizado pelo Grand Orient de France, admite ateus e agnósticos, e que em Portugal é representada pelo Grande Oriente Lusitano, adotou como princípios definidores a Declaração das Potências Signatárias do CLIPSAS (Centro de Ligação e de Informação das Potências Maçónicas Signatárias do Apelo de Strasbourg), conforme se pode ler no sítio do Grémio Fénix. As Regras Gerais compiladas na Constituição de Anderson de 1723, como se verifica pelo seu texto introdutório, foram escritas e ordenadas por James Anderson após um trabalho deste de "comparação com os antigos Arquivos e Usos Imemoriais da Fraternidade", ou seja, pretendeu ser a compilação dos Antigos Usos e Costumes da Maçonaria. Muitas vezes hoje se afirma que determinado procedimento ou regra provém dos antigos usos e costumes da Maçonaria. Muitos crêem que esses antigos usos e costumes são hoje apenas conhecidos por via de tradição oral, porventura com variantes ou imprecisões - que, afinal, permitiriam invocar quase tudo como decorrente desses quase desconhecidos e imprecisos antigos usos e costumes. Os Antigos Usos e Costumes da Maçonaria estão, afinal, compilados e reduzidos a escrito desde 1723!

89

São práticas e usos tipicamente de origem britânica. Derivammuitos, se não mesmo a quase totalidade, de práticas seguidas econsolidadas na Maçonaria Operativa. Mas não nos esqueçamosque a Premier Grand Lodge, a Grande Loja dos Modernos, sob cujaégide James Anderson elaborou a Constituição de 1723, foi ainstituição que catalisou a evolução da Maçonaria Operativa naatual Maçonaria Especulativa. Não podemos excluir - porventuraserá mesmo ajustado admitir... - que parte do que Anderson fixoucomo Regras Gerais, invocando provir dos Antigos Usos eCostumes provenientes da Maçonaria Operativa, afinal sejam jáadaptações, evoluções, modernizações, ajustadas à nova realidadenascente. De qualquer forma, para quem pretenda saber o que á a Maçonariae como evoluiu até aos dias de hoje, é indispensável conhecerestas Regras Gerais e conveniente ter a noção de que as mesmassão a fixação escrita em 1723 daquilo que se convencionou chamar"os antigos usos e costumes da Maçonaria". Se nada o impedir, tenciono dedicar os próximos trinta e novetextos (ou seja, até ao início do próximo ano, mais semana, menossemana) a aqui divulgar e comentar, uma por uma, as 39 RegrasGerais fixadas na Constituição de Anderson de 1723.

Fonte: Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 136.

90

Rui Bandeira

91

De volta...

April 22, 2012

Olá a todos, Como creio que perceberam, estive afastado algum tempo destas lides que tanto prazer me dão. Este afastamento teve a ver com motivos de ordem exclusivamente pessoal mas que, garanto-vos, mexem claramente connosco. Gostava de retomar, retomando um assunto que há algum tempo, foi manchete em quase todos os nossos órgãos de comunicação social - a eventual promiscuidade entre Maçonaria e poderes, sejam eles políticos, ou outros... Qualquer sociedade dos tempos modernos é sujeita, de forma clara

92

ou não, à influência de grupos organizados, que intencionalmente ou não procuram influenciar "a trajectória" em função dos seus interesses. Se um desses grupos puder ter um nome e esse nome for uns dos tradicionalmente identificados como "de risco", então está criada uma mistura delicada, até porque será certamente visada pela comunicação social. Ao publicar neste blog, estou a assumir que sou maçon... e faço-o com a duplicidade de quem se sente orgulhoso de o ser, e de quem sente que quer dar... unicamente dar, sem nada receber - Infelizmente, a nossa sociedade parece não conseguir visualizar uma coisa sem a outra... possivelmente é a isto que chamam a sociedade materialista, traduzida naquela "famosa" frase - ninguém dá nada a ninguém. Toda a polémica que ocorreu recentemente, relacionando políticos com maçons, foi um claro sinal dos tempos em que vivemos - perdemos valores, perdemos a nossa capacidade critica, engulimos tudo os que nos impingem, mas preferimos centrar-nos em identificar culpados, de preferência "culpados de estimação" - aqueles que podem sempre ser os responsáveis, até porque estão tão ocupados em fazer bem, que não têm tempo para se defender. Não pretendo afirmar que todos os maçons são "impolutos". Por mais apertado que seja o nosso método de selecção, procurando identificar homens cuja prioridade seja crescerem e tornarem-se Homens, haverá sempre alguns erros de "Casting"... pessoas que usam o que for preciso para seu benefício pessoal. Contudo, esta incapacidade de ler as pessoas na sua totalidade, identificando as

93

suas reais intenções, não deve e não pode levar a confundir o trigocom o joio. Um maçon, que o é de verdade, procura melhorar, ajudar, dar amão... contribuir para um homem melhor e para uma sociedademelhor. Compete-nos assegurar que assim é, e compete-nosimpedir que a Arte Real seja utilizada para projectos individuais oucolectivos que nada tenham a ver connosco e com os ideais quedefendemos. Mensagem final deste texto que já vai longo... Estou de volta... Fraternais abraços de A. Jorge

94

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - I

April 25, 2012

O Grão-Mestre, ou o seu Vice-Grão-Mestre, tem o poder e odireito de estar presente em qualquer Loja legítima, assimcomo o de a presidir, com o Mestre da Loja à sua esquerda, e aordenar que seus Grandes Vigilantes o assessorem; mas estesnão podem agir como Vigilantes nas Lojas, excepto naquelasem que estiver presente o Grão Mestre, e sob seu comando,porque o Grão Mestre pode nomear os Vigilantes da Loja, ouquaisquer outros Irmãos que lhe aprouver, para que oassessorem e atuem como seus Vigilantes pro tempore .

Vimos já, no texto introdutório ao conjunto de "Regras Gerais" que aqui se publicam e comentam, que estas foram inicialmente compiladas por George Payne, em 1720, e posteriormente

95

comparadas por Anderson com os "antigos Arquivos e UsosImemoriais" e por ele ordenadas. Logo a primeira Regra édemonstrativa de que o conjunto de regras fixado, embora baseadonos Antigos Usos e Costumes herdados da Maçonaria Operativa,foi adaptado à nova realidade organizativa do que se convencionouchamar Maçonaria Especulativa.

Com efeito, a Maçonaria Operativa organizava-se em Lojasindependentes, que se reuniam periodicamente em Assembleias,em que se acordavam as regras comuns a serem seguidas, masnão possuía uma direção centralizada, um Grão-Mestre compoderes interventivos nas várias Lojas.

A figura do Grão-Mestre, e sobretudo a definição dos seus poderes,não apenas como um executor das deliberações da Assembleia deMaçons ou Grande Loja, nem sequer apenas como coordenador daatividade autónoma das Lojas, mas como um verdadeiro dirigenteda super-estrutura, com poderes interventivos e ordenadores nointerior das próprias células-base da mesma, as Lojas, éintroduzida com a criação da Grande Loja dos Modernos, em 1717.

Com essa criação, claramente mitigou-se a independência das Lojas. A Grande Loja dos Modernos (e subsequentemente todas as Grandes Lojas da Maçonaria Especulativa que a partir do seu modelo se criaram) não foi uma mera estrutura federadora das Lojas, e muito menos confederadora. Rapidamente se assumiu como vera estrutura dirigente, definidora de regras, certificadora das boas práticas da Maçonaria, da sua estrutura (maxime Grão-Mestre e Assembleia de Grande Loja) emanando as regras, as determinações, que deveriam ser seguidas pelas Lojas, cuja

96

autoridade passou a ser, no essencial, delegada pela Grande Loja,embora se incluísse e inclua nessa delegação uma amplaautonomia e poder decisório de cada Loja, em relação às suasrelações e opções internas.

Esta assunção do Poder estrutural pela Grande Loja implicou,necessariamente, o respetivo poder fiscalizador do cumprimentodas regras emanadas (e por isso as Grandes Lojas possuemGrandes Inspetores, cuja função é precisamente fiscalizar aconformidade da atuação das Lojas com as regras e rituaisdefinidos) e o poder disciplinar, isto é, poder de coercivamenteimpor o cumprimento das regras e sancionar o seu incumprimento,seja em termos individuais ou de grupo.

Símbolo desta assunção do Poder Maçónico pela Grande Loja epelo seu representante executivo máximo, o Grão-Mestre, éprecisamente esta primeira regra: O Grão-Mestre, ou o seuVice-Grão-Mestre, tem o poder de estar presente em qualquerreunião de qualquer Loja (ainda que contra a vontade desta,conclui-se).

Mas não só: estando presente, tem o poder de dirigir a reunião, relegando o Venerável Mestre da Loja para o lugar puramente simbólico de se sentar à sua esquerda. Embora o Venerável Mestre da Loja seja o obreiro que foi eleito pelos que a compõem para a dirigir, esta eleição, esta manifestação de vontade, cessa perante a vontade do Grão-Mestre. Este, embora também eleito, foi-o por toda a estrutura - porventura até com a oposição da particular Loja

97

que visita e dos seus obreiros. É assim evidente a relação dehierarquia estabelecida, ficando evidente que a legitimidade geraldo Grão-Mestre se sobrepões à específica legitimidade doVenerável Mestre eleito pela Loja, mesmo no estrito âmbito desta edo seu normal funcionamento. O que pressupõe claramente que afonte primordial do Poder Maçónico é a Grande Loja, a estruturaque agrega todos os maçons de um determinado território,assumindo as estruturas base ou celulares apenas o poder quelhes é tácita ou expressamente delegado pela estrutura global. Aorganização maçónica é, assim, ao contrário do que muitos -mesmo no interior da Maçonaria - pensam, uma organização detipo unitário, não federal. Mais explicitamente, talvez: a Grande Lojanão é uma federação de Lojas, é uma vera estrutura de direção,criação e certificação de Lojas. Estas existem porque a suaexistência é aceite, reconhecida, quiçá promovida, pela GrandeLoja e têm o conjunto largo de poderes decisórios e organizativosque têm, não porque originariamente assim seja, mas porque nelasforam delegados esses poderes.

A Maçonaria Especulativa não é uma estrutura basista, isto é, cujopoder fundamental se origina na base e flui até ao topo, mas, pelocontrário, uma estrutura unitária descentralizada. Mas é,simultaneamente, uma estrutura eminentemente democrática, poiso poder fundamental central assenta na Assembleia de GrandeLoja, isto é, na assembleia dos representantes escolhidos pelasLojas. E o Grão-Mestre tem o lato poder que tem, porque é eleito,ou por essa assembleia de delegados de Lojas, ou diretamente porvoto universal dos Mestres de toda a estrutura. O Poder é unitário,descentralizado por via de delegação, mas funda-se, baseia-se, nouniverso global de elementos que compõem a estrutura.

98

O que se verifica é que a estrutura global, a Assembleia de GrandeLoja, baseada nesse poder concedido pelo universo dos indivíduosassociados, e consequentemente, aquele a quem são conferidospoderes executivos - e não só -, o Grão-Mestre, se sobrepõe àsestruturas locais, as Lojas. O que suscita a conclusão de que oPoder individual originário de cada maçom é tanto mais fortequanto mais diluído num universo maior. Com efeito, o Mestremaçom associa-se aos demais Mestres maçons da sua Loja paraeleger o Venerável Mestre dela. E associa-se a todos os Mestresmaçons de todas as Lojas da Obediência para eleger oGrão-Mestre, cujos poderes sobrelevam os dos Veneráveis Mestresdas várias Lojas.

Esta verificação implica a conclusão de que o que, em termos deestrutura, significativamente mudou na transição da MaçonariaOperativa para a Especulativa foi a independência das Lojas, quese transfigurou em mera autonomia. Na Maçonaria Operativaexistiam Lojas independentes que se associavam para definirregras comuns, sem prejuízo da respetiva independência. NaMaçonaria Especulativa, as Lojas associaram-se para criar umaestrutura comum, para a qual transferiram o essencial dos poderesorganizativos e regulamentadores, abdicando da suaindependência em favor da sua integração na estrutura superior,conservando apenas a autonomia que a própria regulamentação daGrande Loja consagra - e que não podia deixar de consagrar, sobpena de descaraterizar, quiçá irremediavelmente, o que se entendepor Maçonaria, que assenta conceptualmente no brocardo "umhomem livre numa Loja livre" (mas "livre" não sendo sinónimo de"independente", embora necessariamente implicando o conceito de"autónomo").

99

O que é de assinalar é que esta transformação - que, em termosestruturais, é muito similar à estrutura dos Estados unitáriosmodernos - ocorre no século XVIII!

Uma última nota: a demonstração de que a MaçonariaEspeculativa, embora alterando a conceção da sua estrutura, seorganiza como estrutura eminentemente democrática está nareferência aos Grandes Vigilantes, expressamente se consignandoque assessoram o Grão-Mestre, ou Vice-Grão-Mestre. Mas sósubstituem os Vigilantes da Loja se o Grão-Mestre assim o ordenar.Por uma razão muito simples: os Grandes Vigilantes não sãoeleitos, antes são designados. Não possuem a legitimidade doGrão-Mestre. Este, que foi eleito por todos, é que tem o poder de,quando está presente numa Loja, assumir ou não assumir omalhete (pode, apesar de estar presente, deixar a condução dostrabalhos ao Venerável Mestre da Loja, se assim o entender - enormalmente assim sucede); assumindo a condução dos trabalhos,pode decidir ser assessorado pelos Grandes Vigilantes, pelosVigilantes da Loja ou por outros elementos que nomeie ad hoc e pro tempore.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 136.

Rui Bandeira

100

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - II

May 02, 2012

O Mestre de uma Loja tem o direito e o poder de convocar osmembros da sua Loja para uma sessão quando lhe aprouver,em caso eventual ou de emergência, bem como o de definirhora e local das suas Sessões.

Em caso de doença, morte, ou inadiável ausência do Mestre, oPrimeiro Vigilante deve atuar como Mestre pro tempore , excetose estiver presente algum Irmão que tenha sido Mestre destaLoja, anteriormente; neste caso os poderes do Mestre ausenterevertem para o último Mestre presente: embora este nãopossa atuar sem que o dito Primeiro Vigilante tenhaconvocado a Loja, ou, em sua ausência, o Segundo Vigilante.

O Mestre referido nesta regra é o que presentemente se denomina de Venerável Mestre. Esta regra permanece como fonte da prática das Lojas da Maçonaria, na ausência de regulamentação própria e específica de cada Loja ou Grande Loja. Mesmo existindo regulamentação, muitas vezes a mesma é fixada de harmonia com

101

este Antigo Uso e Costume.

Por exemplo, a regra de substituição provisória do VenerávelMestre pelos seus Vigilantes, Primeiro e Segundo, por esta ordem,em caso de doença, morte ou impedimento transitório do VenerávelMestre do Regulamento Geral da GLLP/GLRP foi fixada em moldesmuito semelhantes ao constante da Regra Geral II da Constituiçãode Anderson. Pode mesmo, com propriedade, dizer-se que a regrafixada é a mesma, havendo pequenos acrescentos ou previsõesadicionais - inevitáveis após o decurso de trezentos anos...

Assim, o Regulamento Geral da GLLP/GLRP prevê expressamenteque, em caso de morte, doença ou impedimento transitório doVenerável Mestre de uma das Lojas que integram a Obediência, asessão de Loja é convocada pelo Primeiro Vigilante ou, naausência deste, pelo Segundo Vigilante, exatamente como naRegra Geral II de 1723, acrescentando-se apenas, para a já remotahipótese de também o Segundo Vigilante estar impedido, apossibilidade de ser, então, a Loja convocada por um AntigoVenerável.

A exemplo da Regra Geral II de 1723, porém, a reunião de Loja, naausência do Venerável Mestre, só pode ser presidida por um AntigoVenerável que aceite fazê-lo, dando-se, se necessário, preferênciaaos mais recentes. De novo em relação ao Antigo Uso e Costume,só se prevê a possibilidade de, se assim o Grão-Mestre odeterminar, ser a reunião presidida por um Grande Oficial por sidesignado.

Quanto ao poder de definição de hora e local das reuniões correntes, por regra os Regulamentos de Loja modernos prevêem

102

essa matéria. Por exemplo, no caso da Loja Mestre AffonsoDomingues, estão indicados os dias das sessões ordinárias(segundas e quartas quartas-feiras de cada mês) e é fixada umajanela horária de hora e meia dentro da qual o Venerável Mestrepode determinar a hora do início previsto para a sessão.

Quanto à possibilidade de convocatória de uma sessão deurgência, também o Regulamento Geral da GLLP/GLRP assim oprevê, em moldes idênticos ao desta Regra Geral II, acrescentandoapenas a possibilidade de, ocorrendo impedimento do VenerávelMestre (e pode até ser esta a razão da urgência...), poder então asessão de urgência ser convocada pelo Primeiro Vigilante e, naausência deste, pelo Segundo Vigilante.

Como se vê, trezentos anos depois, a Maçonaria mantém noessencial as suas regras!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 136.

Rui Bandeira

103

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - III

May 09, 2012

O Mestre de cada Loja, ou um de seus Vigilantes, ou algumoutro Irmão, por sua ordem, deve manter um livro contendo oregimento interno, os nomes de seus membros, uma lista detodas as Lojas da cidade, a hora e local das suas Sessões, etudo o que for necessário e deva ser registado.

Esta terceira Regra, este terceiro Antigo Uso e Costume, define oque é uma das caraterísticas essenciais da organização de umaLoja maçónica: o registo escrito do essencial da vida da Loja.

A existência de registos escritos referentes a Lojas operativas remonta aos finais do século XIV (o mais antigo documento conhecido é o manuscrito Regius, também por vezes referido como manuscrito Halliwell). Efetuada a transição para a Maçonaria Especulativa, é rotina assente a elaboração de atas, a manutenção do registo de obreiros, a existência de regulamento interno escrito,

104

etc..

Hoje em dia todas as Lojas têm um responsável específico paraassegurar a elaboração e manutenção dos registos da suaatividade, bem como a correspondência da Loja, o Secretário. OSecretário da Loja é, como a maior parte dos oficiais do Quadro(oficiais por exercerem ofícios, tarefas, específicos; não no sentidode detentores de postos de comando), por regra designado peloVenerável Mestre, pelo período do mandato deste, do seuveneralato, salvo necessidade de substituição.

Não deixa de ser curioso e significativo que uma instituição que étão acusada pelos seus detratores de secretismo tenha tantocuidado no registo escrito, e respetiva manutenção, da suaatividade. Claro que os indefetíveis detratores da Maçonariaclamam que esses registos não são públicos, são ciosamenteguardados pelos maçons, pelo que isso em nada afeta a realexistência do nefando secretismo. Assim não é: os registos daatividade maçónica têm o mesmo estatuto legal que os registos daatividade de uma qualquer banal sociedade filarmónica ou cluberecreativo. Estão abertos à consulta dos membros da organizaçãoe daqueles que tenham motivo justificado para tal. Só não estãodisponíveis para inconsequentes impulsos voyeuristas ... E, noestrito cumprimento da legalidade vigente, estão disponíveis paraconsulta, leitura, verificação, análise, perícias, tudo o quenecessário e legal for, das autoridades competentes - dentro da leie desde que a lei seja cumprida.

Tal como a documentação privada de qualquer cidadão, conservada na sua casa, não pode ser objeto de devassa sem a emissão por juiz competente do devido mandado de busca, também os maçons não autorizam que os seus documentos sejam

105

vistos ou devassados fora do legal condicionalismo que determineessa consulta. Mas qualquer pessoa que de boa fé esteja percebeque isto nada tem a ver com secretismo, antes respeita à simples ecorriqueira tutela da privacidade dos cidadãos que os maçons são.

Os detratores da Maçonaria clamam contra o falado secretismodela, mas guardam ciosamente para si (e fazem muito bem e têmtodo o direito de guardar e é normal que o façam) os seus númerosde contribuinte, números e extratos das suas contas bancárias, aspalavras-passe de acesso à sua banca eletrónica e aos seusclientes de e-mail e a sua correspondência particular... Dois pesose duas medidas...

Pois bem: que todos fiquem, de uma vez por todas, a saber que,em matéria de registos das suas atividades e dos seus membros, aMaçonaria não é diferente de qualquer sociedade recreativa!

Há cerca de trezentos anos que, rotineiramente, nas Lojasmaçónicas de todo o mundo, se elaboram e guardam atas dasreuniões, se elaboram e conservam trabalhos apresentados, lidos ediscutidos em Loja. Não admira que todo esse enorme acervodocumental constitua espólio que é objeto de estudo dehistoriadores, maçons e profanos, historiadores da História daMaçonaria ou historiadores tout court. Assim é possível conhecerpérolas como a ata da sessão em que ocorreu a iniciação deWolfgang Amadeus Mozart, mas também quando e para quesessões foram escritas algumas emblemáticas obras do genialcompositor.

Tal como é possível afirmar, sem sombra de dúvida - porque tal está registado em uma ou mais atas -, que personagens famosos, artistas relevantes, cientistas insignes, foram maçons. Apenas com uma ressalva: os maçons acham que essa divulgação deve ser

106

como a toponímia - não se deve utilizar em relação a quem aindaestá vivo...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.

Rui Bandeira

107

Pode um católico ser maçom?

May 16, 2012

Há tempos, no jornal Público, Ricardo Sá Fernandes, meu colegade profissão e membro do GOL (Grande Oriente Lusitano), publicouum pequeno texto em que se assumia como católico e maçom,defendendo que ambas as qualidades são plenamentecompatíveis. Respondeu o padre Gonçalo Portocarrera de Almada,sustentando a posição inversa. Recentemente, um senhor de nomeJoão Mendia afirmou também a incompatibilidade das duascondições.

Decido intervir na polémica. Antes do mais, e como convém, eis a minha declaração de interesses: sou maçom regular, isto é, integro a orientação maçónica original, que só admite no seu seio crentes, qualquer que seja a crença religiosa de cada um. Em termos de convicção religiosa, não me defino como católico, antes como deísta, crente no Criador sem necessidade da intermediação das religiões organizadas, na minha opinião cada uma delas se afadigando a moldar o Criador às suas respetivas conceções

108

particulares. Nesta polémica de se um católico pode ser maçom,parto, pois, de uma posição neutral.

Maçom que sou, mais do que criticar as opiniões expressas pelosque se pronunciaram sobre a questão (opiniões que, concorde oudiscorde delas, me cumpre respeitar), vou-me limitar a expor aminha opinião e as razões dela.

Advogado que sou, tenho a deformação profissional de analisar osconflitos, as divergências de opinião, recorrendo ao que está escritonos livros da lei. E, nesta matéria de religião e espiritualidade, nadame parece melhor do que recorrer ao Volume da Lei Sagrada que éaceite por todas as partes, católicos, maçons e católicos maçons: aBíblia.

Confiramos então os Dez Mandamentos que Deus transmitiu aMoisés,constantes do Livro do Êxodo, 20, 2-17 (e também emDeuteronómio, 5, 6-21):

2 Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito, dacasa da servidão.

3 Não terás outros deuses diante de mim.

4 Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhançado que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem naságuas debaixo da terra.

5 Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o SENHORteu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nosfilhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam.

6 E faço misericórdia a milhares dos que me amam e aos queguardam os meus mandamentos.

109

7 Não tomarás o nome do SENHOR teu Deus em vão; porque oSENHOR não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão.

8 Lembra-te do dia do sábado, para o santificar.

9 Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra.

10 Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR teu Deus; não farásnenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teuservo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro,que está dentro das tuas portas.

11 Porque em seis dias fez o SENHOR os céus e a terra, o mar etudo que neles há, e ao sétimo dia descansou; portanto abençoou oSENHOR o dia do sábado, e o santificou.

12 Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teusdias na terra que o SENHOR teu Deus te dá.

13 Não matarás.

14 Não adulterarás.

15 Não furtarás.

16 Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.

17 Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulherdo teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi,nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo.

Neste texto nada objetivamente se encontra que permita concluirque ser maçom infringe qualquer dos mandamentos divinos.Cuidadoso que sou com os pormenores, esclareço que o GrandeArquiteto do Universo invocado pelos maçons mais não é do que adesignação particular que estes dão ao Criador, evitando assim terde utilizar uma denominação utilizada por uma religião e não poroutra, não sendo um qualquer "outro deus".

110

Mas prossigamos até ao Novo Testamento e aportemos aMateus,22, 34-40:

34os fariseus ouviram dizer que Jesus tinha feito calar ossaduceus. Então eles se reuniram em grupo, 35e um delesperguntou a Jesus, para experimentá-lo: 36"Mestre, qual é o maiormandamento da Lei?"

37Jesus respondeu: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teucoração, de toda a tua alma, de todo o teu entendimento!’ 38Esse éo maior e o primeiro mandamento. 39O segundo é semelhante aesse: 'Amarás ao teu próximo como a ti mesmo'. 40Toda a Lei e osprofetas dependem desses dois mandamentos".

Também aqui, obviamente, nada é infringido com a filiaçãomaçónica. Para um católico que não seja um primário antimaçom,parece-me estar qualquer dúvida desfeita: nem os dezMandamentos do Antigo Testamento, nem os dois mandamentosinvocados por Jesus Cristo impedem que um crente,designadamente um católico, possa ser maçom.

Mas houve condenações e proibições papais. Houve! Porém, por grande que seja a importância dos Papas - e só posso aceitar que, para os católicos, o seja -, o certo é que todos foram, e o atual é, apenas homens. Entre as determinações divinas e as humanas eu, simples crente deísta, atribuo primazia às divinas... Confesso que me faz alguma confusão que haja quem, reclamando-se da pureza do catolicismo, roce a blasfémia de sobrepor as determinações humanas às divinas... Lição a tirar desta polémica? O fundamentalismo religioso é tão irrazoável e tão perigoso sendo cristão, católico ou de outra

111

orientação espiritual, como islâmico. Que ninguém disto seesqueça!

Rui Bandeira

112

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - IV

May 23, 2012

Nenhuma Loja deve iniciar mais de cinco Irmãos ao mesmotempo. nem nenhum homem com idade inferior a vinte e cincoanos pode ser Mestre, a não ser que tal seja autorizado peloGrão Mestre ou seu Vice-Grão-Mestre.

A quarta Regra Geral dos Maçons constante da Constituição deAnderson de 1723 refere-se a uma condição limitativa relativa àiniciação.

A Iniciação é a cerimónia pela qual um profano que se candidatou a integrar a Maçonaria adquire a condição de maçom, no grau de Aprendiz. É uma cerimónia que, com pequenas variantes, é executada da mesma forma desde há cerca de trezentos anos pelas Lojas de todo o mundo, qualquer que seja o rito que pratiquem. O essencial da cerimónia é o mesmo, independentemente de ritos, localização geográfica, língua,

113

costumes, épocas. É uma cerimónia destinada a marcar o espíritodaquele que a ela é submetido. Para que esse objetivo possa seratingido, é essencial que o candidato desconheça o que se vaipassar. É por essa razão - e unicamente por ela! - que os maçonsse comprometem formalmente a não revelar o seu teor a qualquerprofano. Sem embargo desse compromisso, a que, naturalmente,estou também vinculado, já neste blogue dediquei dois textos (AIniciação - I e A Iniciação - II) ao tema. Foram dois textos que mederam satisfação em escrever, precisamente porque, cumprindo omeu compromisso de não revelar o que não deve ser revelado,permitem ao leitor ter a noção do que é esta cerimónia. Osprofanos ficam com a noção do que estruturalmente é e de qual oseu propósito. Os maçons reconhecem no seu teor o que sepassou.

A IV Regra Geral interdita que se processe, em simultâneo, mais decinco iniciações. Este limite é, hoje em dia, na generalidade dasObediências maçónicas, muito mais severamente restringido. Porexemplo, no Regulamento Interno da Loja Mestre AffonsoDomingues expressamente se interdita a iniciação em simultâneode mais do que dois candidatos. E mesmo esta possibilidade dedupla iniciação em simultâneo deve ser entendida como exceção. Aregra é de que se deve procurar iniciar apenas um candidato decada vez.

Estipula esta regra IV que nenhum homem de idade inferior a vinte e cinco anos deve ascender ao grau de Mestre. É uma regra que, hoje em dia, não está expressamente prevista. Mas, na prática, só muito excecionalmente poderá um maçom ser exaltado Mestre com menos de vinte e cinco anos. É requisito de admissão na Maçonaria a maioridade, pelo que só após a mesma se dá início a

114

qualquer processo de candidatura (e deve ter-se em conta queraramente homens tão jovens se candidatam e vêm a suacandidatura viabilizada, seja por falta do amadurecimentoindispensável ao real interesse e propósito deautoaperfeiçoamento, seja por falta de estabilidade económica,profissional ou social que permita que o homem se dedique a algoque ultrapassa a satisfação das necessidades básicas e essenciais,do próprio e da sua família). O processo de candidatura é moroso,não sendo inédito - muito pelo contrário - que decorra por mais deum, dois, ou mesmo três anos. O tempo de permanência no graude Aprendiz só muito dificilmente é inferior a um ano e é correnteque dure dois anos - e já vi atingir os três e mais anos. Igual tempo,ou quase, passa o maçom no grau de Companheiro. Muitodificilmente se é exaltado Mestre Maçom com menos de vinte ecinco anos. Pelo contrário, raros são os maçons que atingem essegrau com menos de três décadas de vida - e isto numa Obediênciaque se carateriza por ter muita gente jovem, como é a portuguesaGLLP/GLRP! Por isso refiro frequentemente que uma das virtudesnecessariamente cultivadas pelos maçons e pelos que o desejemser é a Paciência!

A última indicação que esta IV Regra nos dá é que as condições limitativas nela expressas podem ser derrogadas pelo Grão-Mestre ou pelo Vice-Grão-Mestre. Em Maçonaria Regular, há regras estritas que nem o Grão-Mestre pode derrogar (os Landmarks) e regras que a autoridade do Grão-Mestre pode derrogar - obviamente, com caráter de excecionalidade. São poucas e cuidadosamente previstas, sempre de forma expressa. Constituem estas exceções como que válvulas de segurança para que sejam atendidas situações excecionais, que só com medidas excecionais

115

adequadamente podem ser atendidas. E só àquele Mestreinvestido nas funções de Grão-Mestre (ou o seu substituto, oVice-Grão-Mestre) é conferido o poder de, mediante o seudiscernimento, e mediado pela sua prudência, determinar quandodeve haver lugar a uma atuação excecional. Na prática, raramentesucede - e assim deve ser!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.

Rui Bandeira

116

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - V

May 30, 2012

Nenhum homem pode ser Iniciado ou admitido como membro de uma Loja sem prévia comunicação, à mesma, com antecedência de um mês, para que se faça uma investigação sobre a reputação e capacidade do candidato, a não ser com autorização como a do número anterior. Esta quinta regra determina dois princípios que ainda hoje continuam a ser escrupulosamente seguidos e que, sem dúvida, constituem pontos essenciais no processo de admissão de qualquer novo elemento: a Inquirição e a Exposição nos Passos Perdidos. A Inquirição é o processo de tomada de conhecimento pela Loja de quem é aquele que se lhe quer juntar, quais os seus propósitos. Ou

117

seja, de averiguação e certificação de que se trata efetivamente de alguém livre e de bons costumes, que de boa fé procura aceder e prosseguir no caminho do autoaperfeiçoamento, segundo o método maçónico. Ou ainda dito de outro modo, que se está perante um homem bom passível de se tornar um homem melhor. Mas outros elementos são verificados no processo de inquirição, designadamente o enquadramento social e familiar do candidato e sua compatibilização com a atividade maçónica e as caraterísticas do candidato e sua capacidade de harmoniosa integração no grupo pré-constituído. Com efeito, muito difícil será que, por muito desejoso disso que esteja o candidato, proficuamente se trilhe um caminho maçónico com a oposição do cônjuge ou dos familiares próximos. A Maçonaria pressupõe sempre a prioridade que cada um dos seus elementos deve dar à família e, consequentemente, procura evitar conflitualidade entre a Família e a Maçonaria que, mais tarde ou mais cedo, obrigue à opção por uma ou por outra. A regra é a da harmonização entre as obrigações familiares (e também sociais e profissionais) e as obrigações maçónicas, não a do conflito entre ambas. Busca-se a coexistência e que cada vertente contribua para a melhoria do homem, assim mais bem integrado em cada uma das realidades. Sem a presença das necessárias condições de coexistência, o percurso maçónico, o propósito de melhoria, tornam-se impossíveis de concretizar. Por outro lado, a busca maçónica pressupõe que aquele que a deseja possua ideias próprias, assertividade e autoconfiança, mas implica também a necessária flexibilidade para se adaptar a um grupo que já existe e, oportunamente, poder contribuir para o seu fortalecimento, coesão e melhoria, não para ser fonte de conflitos,

118

dispersões, enfraquecimento global. Dentro de um padrão global, que se poderá considerar universal, cada Loja estabelece as suas práticas, métodos e prioridades no processo de Inquirição dos seus candidatos. A diversidade da natureza humana e dos grupos humanos é quase inesgotável. Não admira assim que um candidato que se acha adequado para se integrar numa Loja fosse, porventura pernicioso se incluído numa outra, tal como a integração numa Loja pode potenciar muito mais a evolução de um específico candidato do que se essa integração ocorresse numa outra Loja. A exposição da candidatura nos Passos Perdidos, ou seja, a afixação do pedido de admissão à Iniciação do candidato em local próprio das instalações da Obediência para tal efeito, visa permitir que, no decorrer do processo de Inquirição, o máximo de elementos, quer da Loja, quer de outras Lojas da Obediência, tomem conhecimento do propósito existente e possa, assim, se for caso disso, expor qualquer objeção que tenha por pertinente. Procura-se assim evitar surpresas na avaliação do candidato, contraponto indispensável à plena e incondicional confiança que, uma vez admitido e iniciado, o grupo lhe devotará. Uma referência à expressão "Passos Perdidos", que julgo exclusiva da Maçonaria Portuguesa. Em Portugal, os "Passos Perdidos" são o espaço, o hall exterior à sala das sessões da Assembleia da República. Nesta Casa da Democracia, muitos entendimentos são negociados, muitas estratégias políticas discutidas, muito do que é decidido na Sala das Sessões toma efetivamente forma nos Passos

119

Perdidos. Por analogia, nas edificações maçónicas em Portugal designa-se por "Passos Perdidos" os corredores ou o hall exterior ao Templo onde se realiza a sessão maçónica. Por norma, é num desses espaços (por regra, não utilizáveis nem utilizados para atividades administrativas ou rituais) que se afixam as propostas de candidatura, para que fiquem disponíveis para apreciação de todos os obreiros. Daí que, em Portugal se designe essa afixação por exposição nos Passos Perdidos. Uma única exceção existe para estas cautelas e este rigoroso processo de avaliação: a faculdade que assiste ao Grão-Mestre (ou Vice-Grão-Mestre em substituição do Grão-Mestre) de "fazer maçom à vista", isto é, iniciar alguém maçom, independentemente de prazos, inquirições ou exposições nos Passos Perdidos. Numa das existentes coletâneas de Landmarks, a de Mackey (popular, designadamente, no continente americano), integra mesmo o oitavo dos Landmarks elaborados. Na Regra dos Doze Pontos, documento fundamental da Maçonaria Regular europeia, não se faz expressamente referência a esta possibilidade de o Grão-Mestre "fazer maçons à vista". Mas a segunda Regra expressamente remete para a obediência aos Antigos Deveres, ou seja, às Regras Gerais dos Maçons fixadas por Anderson na Constituição de 1723. Esta é uma dessas Regras Gerais. Por esta via também a Maçonaria Regular europeia declara a prevalência do poder conferido ao Grão-Mestre de "fazer maçons à vista".´Este poder não se resume à Iniciação, estendendo-se à Passagem (ao 2.º grau, de Companheiro) e à Elevação (ao 3.º grau, de Mestre Maçom). Constitui uma das "válvulas de segurança" do sistema de regras maçónico para possibilitar a atuação excecional perante

120

situações excecionais. É uma regra de aplicação muitoparcimoniosa, verdadeiramente excecional, hoje em diafrancamente rara... mas existe e é aplicável, sempre quenecessário o seja.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.

Rui Bandeira

121

Conhece-te a ti mesmo

June 02, 2012

Morre o autor, vive a obra. Mesmo apócrifa, sabe-se ou supõe-seque a expressão conhece-te a ti mesmo terá sido proferida pelaprimeira vez na antiga Grécia há mais de vinte séculos. A tradiçãodiz-nos que estaria gravada nos pórticos do Oráculo de Delfos, eatribui-a a uma multiplicidade de autores. Qual ditadopopular, o γν■ θι σεαυτ■ ν grego dá origem ao nosce teipsum latino, e terá sido depois apropriada por uns e por outros, esucessivamente redescoberta.

Mesmo perdida a fonte, chegou a nós a ideia, que é a pedra de toque da filosofia e método de Sócrates. A busca do autoconhecimento é essencial, instrumental e inevitável ao homem que procura saber mais. Afinal, a importância do que aprendemos reflete-se no quanto nos confronta connosco mesmos, na medida em que nos torna diferentes, em quanto abala do que temos sido para acomodar o que passamos a ser. Aprender não é só confirmar, incrementar e consolidar; é também - e sobretudo - questionar, derrubar e destruir, não só a ignorância, mas sobretudo

122

algum saber já incrustado e inquestionado pela sua idade que, derepente, nos apercebemos não se harmonizar num todo equilibradocom o novo conhecimento que laboriosamente viemos a adquirir. É,por isso, imprescindível que nos recolhamos de vez em quando,paremos de acumular, olhemos para o que temos e tentemosaperceber-nos do que temos de bom, útil e belo - e deitar fora oque não serve.

Tudo isto a propósito do meu "desaparecimento". Escrevi o primeirotexto aqui no "A-partir-pedra" em Julho de 2010 - há quase doisanos, portanto. Tinha acabado de ser elevado a Mestre Maçon, epodia, por fim, escrever! De facto, durante três meses, com aspalavras a brotar forte, escrevi dois textos por semana. Porém, afonte começou a secar, deixando-me com algumas dificuldades emmanter o ritmo. Bem me tinham avisado que isto não era um sprint,mas uma maratona... Nesse contexto, foi-me sugerido quepassasse para um texto por semana, ritmo que mantive durantemais nove meses. Fechava-se, assim, um ano de textos, no fim doqual fiz uma paragem de um mês - de férias! Todavia, ao retomar apublicação de textos no blogue esperava-me o vazio. As ideiasesvaiam-se, as palavras teimavam em não se perfilar, e os textosresistiam à sucessão das linhas, tornando a escrita de umaspoucas linhas num extenuante parto semanal. Teimoso, lutei contraele ainda durante quatro meses - de setembro a dezembro -período ao fim do qual tive que parar. Enquanto a transição doescrever por prazer para o escrever por obrigação fora suportável -deixando até um certo sabor a "dever cumprido" - não conseguipersistir quando se tornou, afinal, num enorme sacrifício. Parei,sem data de regresso marcada.

123

Seis meses de silêncio fizeram-me bem. Tive tempo para trabalharalgumas ideias sem pressa de as apresentar. Tive tempo para,simplesmente, saborear as sessões de Loja sem a preocupação deprocurar tema para os textos seguintes. Tive, por fim, tempo paraconsolidar o que fora apreendendo, para colocar em prática asconclusões a que fui chegando, e para me avaliar em face dosmeus propósitos. Pude identificar o que preciso de trabalhar aseguir, as falhas que devo corrigir, as lacunas que devo suprir commais estudo. E, fruto talvez deste serenar, recobrei a vontade deescrever. Vamos ver quanto dura.

Paulo M.

124

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - VI

June 06, 2012

Nenhum homem pode ser considerado Irmão de qualquer Loja,ou admitido membro desta, sem o consentimento unânime detodos os membros da Loja presentes quando o candidato éapresentado; e estes devem expressar seu consentimento oudissensão de sua própria e prudente vontade, virtual ouritualmente, mas unanimemente; este procedimento não podeser objecto de exceção, porque os membros de uma Loja sãoos melhores juízes; pois se lhe fosse imposta a admissão deum candidato de mau comportamento, isto poderia minar a suaharmonia, ou obstruir a sua liberdade, ou mesmo dividir oudispersar a Loja; o que deve ser evitado por todos os bons everdadeiros Irmãos.

A regra da unanimidade na admissão de um candidato é uma regra essencial da Maçonaria, que perdura desde tempos imemoriais. A própria transcrição da regra contém a sua justificação. Esta regra da unanimidade constitui um poderoso cimento agregador dos obreiros de uma Loja. Quem nela entra, entra porque todos os que já lá estavam assim o permitiram. Todos são responsáveis pelo novo elemento. Ele não, foi, assim, apenas admitido. Foi verdadeiramente cooptado. Se a integração do novo elemento do grupo falhar, não há necessidade de determinar culpas, de as lançar sobre o novo elemento ou sobre quem o

125

propôs ou o inquiriu. Todo o grupo assume a responsabilidade do fracasso, como todo o grupo se regozija com os êxitos das boas integrações. Convém ter presente que também na Maçonaria o voto relativo a pessoas é sempre prestado de forma secreta. No caso, mediante o sistema maçónico de bola branca e bola preta, pelo qual a cada votante é entregue uma bola de cada uma dessas cores. O voto favorável de cada um é expresso através da introdução da bola branca na urna de voto principal (chamada de "urna branca") e, como contraprova, da bola preta na urna secundária ou de contraprova (chamada de "urna preta"). Depositados todos os votos, a verificação, sempre que exigida a regra da unanimidade, é fácil: se a urna branca apresentar todas as bolas dessa cor, o resultado é favorável; se apresentar uma ou mais bolas negras, o resultado é desfavorável. Logicamente, a urna de contraprova deverá apresentar as bolas todas negras, se a votação foi unânime, ou o número de bolas brancas correspondente ao de bolas pretas introduzidas na urna principal. A votação de aprovação é designada por uma votação pura e sem mácula, por apresentar todas as bolas da mesma cor. A regra da unanimidade, porém, sendo geradora de grande coesão, não é isenta de efeitos perniciosos. Basta ter presente que, ainda hoje, em meia dúzia de Grandes Lojas do sul dos Estados Unidos, pura e simplesmente não são admitidos candidatos cuja cor da pele seja negra. Neste caso concreto, a regra da unanimidade acaba por

126

potenciar o racismo e os sentimentos racistas que imperaram naquela região do globo e que a evolução social das últimas décadas não logrou ultrapassar totalmente. Este sistema de aprovação unânime permite que basta que exista na Loja um elemento racista que, anonimamente, deposite sempre o seu voto contrário, para bloquear a admissão de candidatos negros. Foi isto que sucedeu nos Estados do sul dos Estados Unidos e que, numa meia dúzia deles, ainda hoje sucede. Mesmo não tendo em conta esta perversão do sistema, o certo é que o sistema de aprovação unânime, favorecendo enormemente a coesão do grupo, é tendencialmente um sistema altamente conservador, tendente a bloquear a entrada de diferentes, o que é obviamente muito perigoso para a instituição, por dificultar a sua evolução e o acompanhamento das mudanças sociais. A meu ver, este sistema de voto unânime quanto à admissão, tendo as óbvias vantagens que tem, é também um importante causador de declínio da Maçonaria, sempre que as sociedades evoluem com mais rapidez. Por outro lado, obriga as Lojas a estarem atentas às evoluções sociais e os elementos que as constituem a não se deixarem enquistar em conceções retrógadas, sob pena de inelutável definhamento. Reconhecendo o benefício para a coesão do sistema de voto unânime, mas procurando ultrapassar os seus malefícios, várias Obediências têm procurado adotar estratégias que, temperando a regra da unanimidade, permitam ultrapassar bloqueios perniciosos.

127

Um dos meios utilizados é, na prática, acabar com a regra da unanimidade, exigindo uma maioria reforçadíssima, por exemplo, considerando votação favorável aquela que tenha apenas um ou dois votos contra. Compreendendo-se o propósito, o certo é que não há meios termos: ou se segue a regra da unanimidade ou não se segue. A exigência de apenas uma quase-unanimidade, se é certo que ultrapassa bloqueios, também liquida a responsabilidade global da Loja e permite que ocorra o que a Regra procura impedir, que surja uma situação passível de minar a sua harmonia, ou obstruir a sua liberdade, ou mesmo dividir ou dispersar a Loja; o que deve ser evitado por todos os bons e verdadeiros Irmãos. A Loja Mestre Affonso Domingues utiliza um sistema que concilia os dois propósitos, defender a coesão e evitar bloqueios indesejáveis: um sistema que denomino de unanimidade justificável. Consiste esse sistema na manutenção da exigência da unanimidade, mas impondo, em certas condições, a justificação de votos negativos. Assim: efetuada votação, se esta for pura e sem mácula, o candidato está aprovado; se houver três ou mais bolas negras, o candidato está rejeitado, independentemente do número de votantes e mesmo que esses votos negativos sejam uma muito pequena minoria; se se verificar a existência de uma ou duas bolas negras, o Venerável Mestre anuncia que, até à sessão seguinte, fica suspenso o apuramento do resultado e que, até lá, aquele ou aqueles que votaram negativamente, devem, em privado, comunicar-lhe as razões da sua oposição. Se quem votou negativamente não se apresentar a comunicar as suas razões, conclui-se que o voto contrário foi fruto de mero lapso

128

e, assim, é desconsiderado. Comunicando (sempre em privado eguardando o Venerável Mestre sigilo da sua identidade) o ou osopositores as razões da sua oposição, se estas forem fúteis ouirrazoáveis, o voto negativo é desconsiderado; se as razõesapresentadas forem, ainda que meramente do ponto de vistaindividual de quem votou contra, consistentes e razoáveis, oVenerável Mestre, mesmo que delas discorde, tem de considerar ovoto negativo válido - porque não decorrente de um mero lapso oude motivo fútil ou irrazoável - e, portanto, o candidato não éadmitido. Assim se consegue manter a regra da unanimidade, mas evitar asua perversão por mero lapso, futilidade ou irrazoabilidade. A LojaMestre Affonso Domingues tem-se dado muito bem com estesistema, mantendo-se aberta à inovação e à diferença epreservando a sua coesão. Também é verdade que raramente umcandidato tem bola negra na sua votação, mas isso deve-se a outrarazão: é que o processo de seleção de candidatos da Loja MestreAffonso Domingues é tão cuidadosamente seguido (e tambémmuito morosamente seguido; mas isso acaba talvez por serinevitável, se se quer ter cuidado com o que se faz), em etapaseliminatórias atentamente observadas, que raramente umcandidato sobre o qual se coloquem dúvidas pertinentes chega àfase da votação; normalmente, nessa situação, perante essasdúvidas, o processo termina sem sequer se atingir essa fase...

Fonte: Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas

129

de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137. Rui Bandeira

130

O que se faz numa sessão maçónica

June 10, 2012

Para se entender o que se faz numa sessão maçónica é necessárioentender-se, antes do mais, que muito do que aí se faz é ensaiado,teatralizado ou, como nós dizemos, ritualizado. Há vários rituaisdiferentes, correspondentes a cada um dos ritos, com muitospontos comuns entre si mas cada um com a suaespecificidade. Quando se diz que uma loja "trabalha numdeterminado rito", isso significa, essencialmente, que segue umdeterminado "guião" nas suas sessões, que executa sempre umdeterminado ritual. Este pouco mais determina que, de forma algomais solene, se faça o que se faz numa simples reunião decondóminos:

- saber-se quem dirigirá a reunião e quem desempenhará outros papéis, como o de secretariar; - confirmar se o local reune as condições para se efetuar a reunião:

131

se há luz, cadeiras, documentação (livros de atas, de tesouraria,etc.) entre outros; - verificar se os presentes são condóminos ou mandatados poralgum condómino (ou seja: se têm lugar na reunião ou se lá estãopor engano); - verificar se há quorum, cruzando-se a lista dos condóminos coma dos presentes; - ler e votar a aprovação da ata da reunião anterior; - executar a ordem de trabalhos de forma ordeira e respeitando oregulamento; - dar a palavra a quem deseje prestar alguma informação,apresentar alguma questão ou suscitar tema de reunião futura; - fazer as despedidas dos demais condóminos; - arrumar a sala, apagar a luz e sair.

Atos equiparáveis sucedem numa sessão maçónica, em quepodem considerar-se três partes: a abertura dos trabalhos, odesenvolvimento dos trabalhos, e o encerramento dos trabalhos.Destes três momentos, a abertura e o encerramento sãoritualizados. Também parte do que se passa na ordem de trabalhoso é, o que torna as sessões maçónicas mais uniformes ehomogéneas na sua forma, e ajuda a que cada um saiba o quepode esperar e como deve agir.

De acordo com cada rito, há lugares pré-determinados para cada um dos oficiais, bem como para os aprendizes, companheiros e demais mestres. Há regras que são transversais a todos os ritos, como a do silêncio dos aprendizes e companheiros (a quem está vedado intervir em loja) ou a necessidade de se pedir a palavra e de que esta seja concedida antes de se poder falar (o que não

132

sucede em qualquer momento). Há momentos específicos para sepedir a palavra, falando cada um apenas uma vez sobre cadaassunto (ou seja: não há direito de resposta e muito menos deinterrupção), e há uma ordem para se falar; se é passada a vez,perde-se a possibilidade de intervir. Há momentos para se estar depé e momentos para se estar sentado, e apenas se circula em lojaprecedido ou acompanhado do mestre de cerimónias, que é o únicoque se pode movimentar livremente - e mesmo assim sempreacompanhado do seu bastão, e movimentando-se à roda da salasempre em linhas e ângulos retos, e sempre no mesmo sentido. Ocumprimento do ritual não só confere solenidade às sessões comoas torna previsíveis e harmoniosas.

Os rituais maçónicos são secretos, mas apenas na medida em quecada maçon jurou não os revelar. O segredo sobre os rituais é, naverdade, um mero símbolo do segredo que cada maçon deve saberguardar em circunstâncias que, de facto, o exijam, e da confiançade que deve ser merecedor. Nada nos rituais éverdadeiramente "secreto", no sentido de que nada trazem de novoa quem os leia procurando descobrir um qualquer "segredomaçónico".

O que se faz nos trabalhos pode ser, simplesmente, a leitura ecomentário de uma prancha, uma iniciação ou um "aumento desalário" (passar-se um aprendiz a companheiro ou um companheiroa mestre), ler-se um decreto do grão-mestre, combinar umaatividade da loja (que pode ser, por exemplo, uma refeição, umapalestra ou uma dação de sangue), ou mesmo não se fazer maisnada, passando-se da abertura para o encerramento!

Dos assuntos discutidos em lojas da Maçonaria Regular estão, como se sabe, proibidos quer a discussão religiosa quer a

133

discussão política, pelo que estas questões têm de potencialmentefraturante e contrário ao ideal maçónico de tolerância, fraternidadee harmonia. Quem quiser saber, concretamente, de que tipo decoisas se fala, pode consultar o site da Respeitável Loja MestreAffonso Domingues, onde se encontra publicado um considerávelacervo de pranchas apresentadas e discutidas em loja.

Paulo M.

134

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - VII

June 13, 2012

É uma boa prática que todo novo Irmão, aquando da suaIniciação, presenteie a Loja, isto é, todos os Irmãos presentes,e faça uma oferenda para socorro dos indigentes e Irmãos emdesgraça, de acordo com o que o novo Irmão ache apropriado,mas superior e acima do mínimo que esteja estabelecido peloRegulamento interno da Loja; tal oferenda deve ser entregueao Mestre, Vigilante, ou Tesoureiro, para ser entregue a umainstituição, se os membros acharem apropriado escolheralguma. O candidato deve jurar solenemente que se submeteráà Constituição, Deveres e Regulamentos e todos os costumesque lhe forem comunicados, em hora e lugar convenientes.

Conforme logo no início do texto desta sétima regra se acentua, acontribuição nela referida não é obrigatória - apenas consideradauma "boa prática".

Na Maçonaria Regular dos tempos atuais, o novel maçom não é estimulado ou aconselhado a fazer uma doação particular, muito menos em valor superior ao valor mínimo constante de Regulamento, desde logo porque inexiste fixação de qualquer valor

135

mínimo para "oferendas" - nem tal faz sentido: o que constituiobrigação não pode logicamente ser considerado oferta; econcomitantemente, o que voluntariamente se dá não constituiobrigação...

O recém-iniciado é informado que, tal como os demais, quandocircular na reunião aquilo a que os maçons chamam o , deverá norespetivo recipiente (em regra, um saco) depositar, discretamente,aquilo que entender e de que possa dispor, sem colocar em risco ocumprimento das suas obrigações civis e familiares, nem,obviamente, a satisfação das suas necessidades e as dos seus.Aliás, se necessitar retirar, em vez de colocar, tal é-lhe lícito e essadecisão, tal como a referente ao montante que em cada dia resolvacolocar, depende exclusivamente do seu critério, sem ter de prestarcontas ou pedir autorização a ninguém. Felizmente, o que seriacertamente uma dolorosa decisão é extremamente rara... Menosrara - embora pouco frequente - é a situação em que um dosobreiros presentes numa sessão maçónica declara reclamar oproduto recolhido pelo Tronco da Viúva, normalmente indicandopara que auxílio concreto destina esse produto. Quando tal sucede,embora ritualmente a reclamação se faça só após a circulação doTronco da Viúva, é habitual que seja anunciada essa intençãoantes dessa circulação, para que os presentes saibam que oproduto da recolha que se vai efetuar se destina a auxiliar alguémou algo em concreto e possam, se assim o entenderem, adequar omontante do seu donativo em conformidade.

O Tronco da Viúva é administrado pelo Hospitaleiro da Loja,segundo as orientações desta e do seu Venerável Mestre.

O candidato à Iniciação, imediatamente antes do início desta deve, por outro lado, satisfazer o pagamento de uma joia de iniciação (na

136

Loja Mestre Affonso Domingues, montante referido aqui), paracusteio das despesas administrativas e com o material que lhe seráentregue. O montante da joia - tal como o da quota, mensal ouanual, varia de Loja para Loja e de Obediência para Obediência.Cada Loja é soberana.

Quanto à frase final da regra, referente ao juramento solene que ocandidato deve efetuar, importa esclarecer que - e disso éinformado o candidato antes da sua realização - a Constituição, osDeveres, Regulamentos e costumes cuja observância se juracumprir em nada contendem com as leis em vigor nem com oscostumes e moral sociais. Os maçons integram-se na sociedade e,pela sua melhoria e pelo seu exemplo, procuram contribuir para amelhoria desta, mas atuam sempre no respeito da Legalidadevigente, pois para um maçom regular ser livre e de bons costumesimplica ser um bom cidadão, cumpridor dos seus deveres e dasnormas em vigor.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 137.

Rui Bandeira

137

O que se faz numa sessão maçónica - II

June 18, 2012

Na sequência do meu texto da semana passada o Streetwarriorcomentou:

"As sessões colocadas desta maneira, parecem ser uma coisamuito chata ! Gostaria de perceber estes 3 aspectos que sempreme deram muita curiosidade.

Visto que desde os primordios das nossas civilizações, tudo o quenos rodeia, é ligado á religião tudo é politica, o que sobra para sediscutir numa sessão?

Se não se pode discutir religião, qual o interesse então de umamaçonaria ser Crente ou não numa entidade religiosa?

Por fim...qual a razão do Mestre andar em angulos rectos, terá istoa ver com (Anjos = Angulos ) bom e maus, visto que a nivelAstro-teológico existem bons angulos e maus angulos?"

Comecemos pelo fim. "Ângulos" vem do latim angulus, “canto, área remota". "Anjos" vem do latim eclesiástico angelus, derivado do grego antigo ■ γγελος ("ángelos"), e significa "mensageiro". Em comum têm apenas alguma similaridade fonética. Já no que diz

138

respeito à maçonaria e aos ângulos retos, é questão que nada temque ver com anjos. Aqui, uma referência ao ângulo reto constitui,quase sempre, uma referência ao conceito de "retidão moral",simbolizada pelo esquadro que serve para traçar e aferir os ditosângulos. A própria linguagem do dia-a-dia consagra, já, essesimbolismo, ao chamar "enviesado" (de "viés": oblíquo, torto) a algoque tenha contornos pouco direitos, e chamando "pessoa reta" aquem cumpra os princípios morais. Assim, as deslocações em lojasão feitas em linhas e ângulos retos, recordando-nos que ummaçon deve, no seu deambular pelo mundo, agir de forma reta eevitar percursos (moralmente) oblíquos e enviesados.

Quanto ao interesse de uma maçonaria crente numa EntidadeSuperior, e o facto de essa mesma Entidade não poder serdiscutida, é fácil de explicar e de entender. Não é difícil de imaginarque um judeu, um hindu, um cristão, um animista e um muçulmanotenham em comum entre si coisas que não têm em comum com umateu ou com um agnóstico: todos eles creem no sobrenatural, e naexistência de uma Entidade Superior a quem devem a existência ecuja vontade procuram satisfazer. Agora, não tentemos ser maisespecíficos do que isto, ou estaremos condenados a intermináveisdiscussões sobre o número de anjos que cabem na cabeça de umalfinete... A diversidade de crenças deve ser enriquecedora, epermitir que cada um tenha a oportunidade de se aperceber deposições diversas da sua, sem ter sequer que defender a suaposição de uma posição diferente; pretende-se, isso sim, queconstitua uma circunstância pedagógica da alargamento doshorizontes e de aumento da tolerância em face das diferenças.

Por tudo isto é que creio que a proibição de discussão política e religiosa em loja é frequentemente mal entendida. Em maçonaria

139

aprende-se a favorecer a paz em detrimento do conflito; a preferir afraternidade à facciosidade; e a privilegiar o estabelecimento deconsensos e evitar a dissenção. Por outro lado, a maçonariaconstitui um espaço de respeito pela liberdade de cada um comodificilmente se encontra nos nossos dias, nomeadamente no queconcerne a liberdade de expressão. Precisamente como garantedessa liberdade de poder dizer-se o que se pensa, por vezes comoexercício de exploração interior, sem que tal se repercuta fora daloja, é que em cada sessão se jura guardar silêncio do que namesma se passou. Ora, dificilmente se encontra uma posição comque todos se identifiquem, pois a procura do bem comumraramente passa pela satisfação dos desejos individuais, o que étão mais verdadeiro quanto mais fraturante for a questão em causa.Como conciliar estes dois princípios estabelecendo um equilíbrio éalgo que se vai aprendendo todos os dias.

É por isto que - no meu entender, note-se - a proibição dediscussão política e religiosa em loja não se esgota nos seustermos, que são essencialmente exemplificativos e ilustrativos deum princípio maior: o de que a concórdia entre os homens deveprevalecer sobre a liberdade de expressão. Esta posição nada temou pretende ter de totalitário. "Discutir" não é a única forma deabordar um tema ou falar sobre o mesmo. Na loja Mestre AffonsoDomingues, por exemplo, pode falar-se de praticamente tudo,desde que em absoluto respeito pela posição dos demais, nosentido de que deve procurar-se que estes não se sintam de modoalgum agredidos com aquilo que se diz.

Certamente à luz desta interpretação foi, há um par de anos, apresentada uma prancha sobre a condenação da maçonaria pela igreja católica ao longo da história, e recentemente, dias antes da

140

lei sobre o "testamento vital" ser unanimemente aprovada pelonosso parlamento, uma prancha sobre esse mesmo temaapresentada por um mestre da nossa loja que conhece o assunto afundo. Seria impossível falar da primeira sem falar de religião, e dasegunda sem falar de política. O que foi feito, num e noutro caso,foi apresentar-se factos inquestionáveis por qualquer pessoa deboa fé, e eventualmente um ou outro comentário pessoal -devidamente identificado como tal - no meio ou no fim do texto,sempre com o devido cuidado de se evitar o conflito entre diversasposições. Não foram "artigos de opinião", e muito menos depropaganda. Num e noutro caso os obreiros presentesmanifestaram a sua satisfação pela qualidade e forma como aspranchas foram apresentadas, e ninguém manifestou qualquerdesconforto.

Termino respondendo à primeira observação, de que as sessõesmaçónicas deverão ser uma coisa muito chata. Depois do queacabei de expor, será inesperado que eu responda que... não são?!

Paulo M.

141

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - VIII

June 20, 2012

Nenhum grupo ou fação de Irmãos se retirará ou se separaráda Loja em que foram iniciados, ou admitidos como membros,a não ser que a Loja se torne demasiado grande, e, mesmoassim, só com autorização do Grão-Mestre ou seuVice-Grão-Mestre; e quando tais Irmãos se separem, devemimediatamente filiar-se noutra Loja, que mais lhes aprouver,com o consentimento unânime dessa mesma Loja à qual seligarão (como regulamentado acima), ou então devem obterpermissão do Grão-Mestre para a formação de uma nova Loja.Se algum grupo ou fação de Maçons se decidir a formar umaLoja sem a permissão do Grão-Mestre, as Lojas já formadasnão deverão apoiá-los nem reconhecê-los como legítimosIrmãos ou considerar a Loja como devidamente formada, nemaprovar os seus atos ou conduta, mas tratá-los como rebeldesaté que se submetam, na forma que o Grão-Mestre, em suagrande prudência, decida; e até que os aprove,concedendo-lhes patente, a qual deve ser comunicada àsoutras Lojas, como é de costume quando uma nova Loja éregistada na Lista de Lojas.

142

Esta regra prevê a proibição do que em termos maçónicos édesignado por Lojas Selvagens, isto é, a constituição de Lojas àrevelia da Grande Loja.

Destina-se a prevenir a resolução de possíveis conflitos oudivergências numa Loja mediante a cisão. E, por essa via, adesmotivar a criação de fações, grupos, que se digladiem ou levema cabo lutas por vão "poder".

Essencial para o funcionamento de uma Loja maçónica e o corretodesenvolvimento do seu múnus é a tolerância, a aceitação dasdiferenças, a acomodação das divergências. Não se tem de estarde acordo com tudo nem com todos. Pode-se e deve-se, sempreque se entender que tal se justifica, expor opiniões diferentes,proclamar desacordos, apontar caminhos diversos. É no confrontode ideias, no pesar de escolhas, no aferir de sensibilidades, quecada um afia e afina o seu pensamento, esclarece as suas dúvidas,determina o que e como deve investigar seguidamente. Uma Lojaem que todos estivessem sempre de acordo, monótono coral de"yes men", seria um local de bocejante aborrecimento, condenadoao rápido desinteresse...

Mas precisamente porque uma Loja maçónica deve ser um local de debate livre, de fecundo confronto de ideias, é imperioso que tudo esteja organizado para que o debate, o confronto, não ultrapassem a fronteira da saudável controvérsia para o território da luta ideológica. Desde logo, todos e cada um interiorizando que os debates em Loja não se destinam a convencer o Outro ou ou outros ou um grupo dos demais, mas apenas e tão só a que cada um teste as suas próprias ideias, determine a valia dos seus argumentos, a força dos seus convencimentos, enfim, se convença a si próprio, quantas vezes pensando no fim do debate algo de subtilmente

143

diferente daquilo que o convencia no seu início.

Mas o homem não é perfeito - e os maçons sabem que o não são:por isso buscam aperfeiçoar-se... Uma coisa são os princípios,outra, por vezes, a dura realidade, as paixões, os entusiasmos, aincapacidade de determinação do denominador comum àsdivergências, que as aplaine, suavize e permita a sua convivênciaharmoniosa. Por vezes, verifica-se que se cristalizam formas depensar inconciliáveis, projetos de atuação incompatíveis. Nemsequer se trata de uma questão de maiorias ou minorias, pois umaminoria pode criar uma escola de pensamento, preferir um projeto,um e outro tão dignos como o pensamento e o projeto da maioria,só que diferentes entre si e não se podendo ambos em conjuntolevar a cabo ao mesmo tempo.

Nestas situações - sempre possíveis de suceder - não é desejávele, portanto, não é admitido, que haja cisão, saída desordenada econflituosa, antes que haja separação consensual, de forma a queo novo projeto se inicie sem desnecessários conflitos. Por issoseveramente se ostraciza a "loja selvagem", para que ninguém setente a constitui-la, antes todos e cada um tenham presente que osconflitos, as divergências, a emergência de novos projetos, segerem em harmonia, em diálogo e - sempre! - com o respeito dasposições divergentes. Mais do que projetos conflituantes emcompetição entre si, interessa que haja projetos fecundos, pistasexploratórias de caminhos novos, coletiva e consensualmenteassumidos e prosseguidos em espírito de cooperação. Assim, osêxitos serão saboreados por todos e os fracassos mais facilmenteintegrados e ultrapassados.

A GLLP/GLRP tem uma política de favorecimento de criação consensual de Lojas. Para isso, criou a figura de "Loja-mãe", a Loja

144

que apadrinha a criação de uma outra - em regra, a Loja de onde éoriunda a maioria dos obreiros que se propôs avançar com umnovo projeto.

A Loja Mestre Affonso Domingues tem uma cultura, que remonta aoseu início, de favorecer novos projetos. Por isso, nunca chega a seruma Loja com um quadro de obreiros muito numeroso. Quandoesse quadro comporta a criação de um novo projeto, semdetrimento do prosseguimento do da Mestre Affonso Domingues,normalmente esse novo projeto nasce, a inquietação saudável deuns quantos para trilhar uma nova vereda do caminho comumtorna-se evidente - e, calma, ordenada e tranquilamente, a Lojaapadrinha a criação de uma nova Loja e vê com orgulho esatisfação uns quantos dos seus, que ali se fizeram maçons eaprenderam a sê-lo, abalançarem-se à criação do seu ninhopróprio. E a angústia da separação cede à satisfação de mais umdever cumprido, de mais uma emancipação, de um novo projeto,saído da nossa "escola de formação". A Loja Mestre AffonsoDomingues tem prosseguido vários projetos ao longo da suaexistência, uns com mais êxito, outros menos bem conseguidos,uns mais visíveis, outros mais modestos. Mas seguramente oprojeto de maior consistência ao longo dos seus ainda poucos vintee dois anos é o de ser formadora de maçons, incubadora de novasLojas, favorecedora de ousadias, ninho que periodicamenteencoraja os seus residentes a voarem dele para fora.

Assim, a Loja Mestre Affonso Domingues tem várias Lojas Irmãs(não filhas, apesar de delas ter sido Loja-mãe...) por todo o País eobreiros por si formados na maior parte dos projetos da MaçonariaRegular portuguesa, em profícua sementeira que vai dandoexcelentes frutos...

145

Por isso, a Loja Mestre Affonso Domingues tem um lema muitopróprio, que gostosamente aplica a todos os que partem, vão paraonde forem, façam ou não o que fizerem: uma vez da MestreAffonso Domingues, sempre da Mestre Affonso Domingues! E raraé a sessão em que não recebe a visita de um ou mais dos que,tendo anteriormente integrado as suas colunas, agora prosseguemo seu trabalho noutros projetos! Nem sequer são filhos pródigos:são apenas - e sempre - mais uns dos nossos!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 137-138.

Rui Bandeira

146

Reeleição do Grão Mestre

June 24, 2012

Pela segunda vez na história da GLLP/GLRP aconteceu a reeleiçãode um Grão Mestre.

Ontem, depois de um período de votação antecedido daapresentação das candidaturas, processo que decorreu com comgrande elevação e respeito, foi dia de se proceder ao escrutínio.

O Muito Respeitável Irmão José Moreno foi reconduzido no cargode Grão Mestre, ao vencer a eleição. A proclamação do resultadofoi feita na sessão de Grande Loja que se seguiu, sendo que ainstalação ocorrerá num futuro próximo.

Como foi já aqui dito há mais ou menos dois anos, o agorareconduzido Grão Mestre é membro da RL Mestre AffonsoDomingues, e isso é para a nossa Loja motivo de Orgulho.

Sabemos do trabalho feito, sabemos que há trabalho a fazer. E José Moreno, tal como aqui se disse há dois anos é homem de

147

poucas palavras - mas de palavra - e de muitos actos.

Estamos prontos para fazer o que for para fazer para poder tornar anossa Grande Loja cada vez melhor.

Ao Muito Respeitável Grão Mestre os nossos desejos de grandessucessos !

José Ruah

148

A Maçonaria e o Culto Solar

June 25, 2012

"Todas as grandes religiões professam uma filosofia que (...)continua a tratar e a ensinar o Culto Solar e a forma como oSistema Solar se Comporta.. (...) Hoje sabemos também que aposição do Sol em relação aos outros Eloíns ou planetas tambémnos afecta e conforme os Anjos, ou ângulos relativamente entreeles, produzem efeitos no comportamento quer ao nível do nossoplaneta, quer ao nível do nosso corpo. É claro que em Maçonaria,essas representações Alegóricas tem essas metáforas baseadasem «questões Morais». (...) Eu aceito que o Paulo e outros maçons,não possam falar abertamente sobre estas coisas em público... (...)agora custa-me a aceitar e a perdoar que este conhecimento semantenha Oculto, tudo fazendo para programar as massas não aseducando ou reservando só para si, a chave de muitos problemasque afectam a nossa civilização."

(de um comentário recente do Streetwarrior, que tomei a liberdadede abreviar)

149

O nosso leitor Streetwarrior apresenta uma série de hipóteses - dasquais extrai variadas conclusões - que me pareceram merecer maisdo que um mero "comentário ao comentário". Vou tentar contribuir -sucintamente! - com a minha visão do assunto. Comecemos entãopelo princípio.

A primeira hipótese é a de que todas as grandes religiões terão asua origem no Culto Solar, tendo progressivamente divergido umasdas outras na forma, mas mantendo a essência e a ancestralidade.Terá havido um "conhecimento ancestral" que se foi degradandocom o tempo, e que apenas alguns terão sabido manter na suaintegridade. A este respeito pouco haverá a dizer de categórico:não creio que haja documentos que o demonstrem, e tudo o queexiste constitui apenas uma série de conjeturas, especulações eextrapolações, forçosamente pessoais e mais do campo da crençado que do da ciência. Assim sendo, é questão que não vou, sequer,tentar discutir: sou absolutamente concordante com a posição damaçonaria a este respeito, de que matéria de crença, fé ouconvicção pessoal são matérias que não devem ser discutidas,mas apenas respeitadas enquanto manifestação da liberdadeindividual.

A hipótese seguinte - apresentada como facto incontestado - é a de que a posição do Sol em relação aos outros planetas afete o comportamento quer do nosso planeta quer do nosso corpo. Se virmos esta afirmação numa perspetiva estritamente astronómica e científica - do campo, portanto, dos factos demonstráveis -

150

dificilmente podemos deixar de a subscrever. Todavia, aoestabelecer um paralelo entre "planetas" e "Eloíns", e entre"ângulos" e "anjos", afastamo-nos do factual, e regressamos aodomínio da crença.

As duas hipóteses anteriores conduziram a uma terceira: deque "em Maçonaria, essas representações Alegóricas tem essasmetáforas baseadas em «questões Morais»". Não é novidade queem maçonaria se faça recurso intensivo de símbolos, metáforas ealegorias para se transmitir ideias e princípios. A este respeito,nada de novo. É igualmente conhecido que a maçonaria terá ido"beber" a maior parte da sua simbologia de outras fontes, nãocriando coisas novas senão esporadicamente. Afinal, torna-se maissimples e eficaz transmitir uma ideia alicerçada sobreconhecimentos já consolidados do que tentar fazê-lo sobre terrenovirgem. É verdade que muitos - a maior parte, diria - dosensinamentos morais que a maçonaria transmite o são de formaalegórica, simbólica ou figurada. Não é por acaso que diz ser amaçonaria "um sistema de moral velado por alegorias e ilustradopor símbolos".

No entanto, não é correto identificar-se a maçonaria com o qualquer "conhecimento ancestral" que terá estado na origem das religiões, a não ser que tal seja feito, eventualmente, numa perspetiva antropológica e sociológica da História das Religiões - que não me parece ser o caso. A maçonaria, a este respeito, pretende apenas promover "a religião com que todos os homens

151

concordam", conceito próximo do da "religião natural", ideia muitoem voga no Iluminismo, segundo a qual haveria algumascaracterísticas da crença religiosa que emanariam da essência daprópria natureza humana. Não pretende, de modo algum, constituirela mesma uma religião, ou reclamar-se detentora de qualquerconhecimento ancestral secreto, mas tão-somente promover aharmonia entre homens de crenças diferentes, na certeza de que osimples facto de terem crenças - mesmo que diferentes - é e deveser um fator de união e identidade, e não de contenda.

A maçonaria não é detentora de nenhum "segredo oculto" sobrenenhum culto solar, nem detém nenhum conhecimento ancestralsobre o Sol, a Lua, as estrelas, os Astros ou o Zodíaco. Há, sim,símbolos da maçonaria que evocam esses corpos celestes, acomeçar logo pela questão de se chamar "luz" ao conhecimento.Todavia, são apenas isso mesmo: símbolos, alegorias, auxiliaresde memória. Não há conhecimentos ocultos, fórmulas mágicas oupoderes escondidos. Só há trabalho, esforço e vontade de ser umapessoa melhor - cada um à sua maneira.

É só isto, e não há nada que impeça um maçon de falar disto.

Paulo M.

152

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - IX

June 27, 2012

Se algum Irmão se comportar indevidamente e causarembaraços à sua Loja, deverá ser devidamente admoestadoduas vezes, pelo Mestre ou Vigilante em Loja; e se este nãorefrear a sua imprudência, e não se submeter obedientementeà decisão dos Irmãos, ou não se emendar, deverá ser tratadode acordo com o regimento interno da Loja, ou, então, deacordo com o que em Reunião Trimestral se achar maisapropriado, para o que se tomará depois uma decisãofundamentada.

Esta regra respeita à disciplina em Loja. O maçom deve respeitar regras estritas de comportamento (ver os seis textos sobre a conduta dos maçons em "As Obrigações dos Maçons", também indexados no marcador Constituição de Anderson de 1723). Fraternidade não implica licenciosidade nem aceitação de condutas

153

impróprias.

Como em quase todas as reuniões humanas, as sessõesmaçónicas têm períodos de maior concentração e seriedade emomentos de alguma descontração. Mas, como em tudo na vida, éessencial o equilíbrio. Há assim que respeitar as regras instituídase que chamar a atenção sempre que ocorram transgressões.

Mas, precisamente porque se está numa fraternidade, busca-seque não haja transgressões, ou ocorrendo alguma, que esta cesseo mais rapidamente possível, e, se possível, sem outrasconsequências ou sequelas. Assim, ocorrendo situação de infraçãoàs regras de conduta, o Venerável Mestre, em relação a todos osobreiros da Loja, o 1.º Vigilante, em relação aos Companheiros ouo 2.º Vigilante, em relação aos Aprendizes, deve fazer sentir issomesmo ao infrator, instando-o a que cesse a conduta imprópria ouembaraçosa, em suma, a infração.

Pode, porventura, o infrator não entender bem a censura feita, atéporque essa primeira intervenção deve ser feita de modo cordato.Pode porventura não levar a sério a interpelação. Pode estar de talforma alterado, distraído ou concentrado que uma cordataintervenção não seja por ele notada ou considerada. Se talsuceder, deve proceder-se a uma segunda admoestação, esta jáem tom mais firme, de forma a que se não duvide da seriedade dainterpelação.

Se a esta segunda firme e séria interpelação não corresponder ovisado com a cessação da sua conduta infracional, então nãorestarão dúvidas de que está consciente e voluntariamente ainfringir. Haverá então lugar a procedimento disciplinar.

O procedimento disciplinar é regulado pelo Regulamento Interno de cada Loja - o qual, porém, deverá respeitar os princípios gerais,

154

sobretudo de defesa do arguido, previstos no Regulamento Geralda Obediência.

A competência disciplinar incumbe ao Venerável Mestre, quedesigna o Mestre Maçom que deverá exercer as funções deinstrutor do processo. Tradicionalmente, o instrutor do processodisciplinar é, em regra, o Orador - sem prejuízo de poder serdesignado outro Mestre da Loja para executar essa tarefa(designadamente tendo em atenção a preparação especializada dodesignado, procurando-se, sempre que possível, que o instrutor deum processo disciplinar tenha preparação jurídica). O instrutor doprocesso disciplinar exerce a sua tarefa com total independência. Oprocesso disciplinar finda com uma proposta do instrutor (que pode,obviamente, ser de arquivamento ou de aplicação de sanção), quedeve ser decidida pelo Venerável Mestre (se a proposta for dearquivamento ou de aplicação de sanção que não seja a expulsão)ou pela Loja (se for proposta a sanção de expulsão ou se o visadono processo disciplinar for o Venerável Mestre).

Em vinte e dois anos de existência, exceção feita a algumasexclusões do Quadro de Obreiros por abandono de atividade oufalta de pagamento de quotas, autênticas atuações administrativassó seguindo a forma disciplinar por respeito aos direitos de defesados visados, a Loja Mestre Affonso Domingues não teve nunca queaplicar qualquer sanção disciplinar.

O mesmo sucede, por regra, nas Lojas maçónicas que funcionam bem: o correto funcionamento de uma Loja maçónica gera laços fortes entre os seus obreiros, tecidos de companheirismo e de respeito mútuo, que permitem que qualquer conflito seja resolvido sem que se chegue a instâncias disciplinares, que qualquer conduta menos própria cesse mediante as chamadas de atenção

155

efetuadas.

Nos termos do Regulamento Geral da GLLP/GLRP, existe nestaum Tribunal de Apelação, ao qual assiste competência paraapreciar os recursos das decisões disciplinares do VenerávelMestre ou da Loja.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.

Rui Bandeira

156

Faça-se luz

July 02, 2012

No início da maçonaria podia haver - e havia! - diferentes correntesde cristianismo na maçonaria, mas todos os maçons eram cristãos.Ao longo do tempo, com a abertura das mentalidades, foi sendopossível admitir membros de outras religiões. Nos nossos dias, amaçonaria regular apenas exige a crença no "Grande Arquiteto doUniverso", explicando que este nome não é o de uma "divindademaçónica", mas um novo nome a dar a essa mesma Entidade emque cada um crê; é Aquele a quem os cristãos chamam Deus, osmuçulmanos chamam ■■■■ [Allah], os judeus ■■■■ [YHWH],os Hindus chamam ■■■■■■■ [Brahm■ ], e por aí adiante. Destemodo, quando os maçons se pretendem referir a essa Entidade,fazem-no todos através do mesmo nome, ficando assim atenuadasas diferenças decorrentes das diferenças de crença que possamverificar-se, e reforçado o sentido de identidade entre eles, pois,afinal, até todos creem no mesmo Ser Supremo - mesmo que cadaum à sua maneira.

157

Uma vez que a maçonaria é assumidamente uma invençãohumana, tem a liberdade de se reinventar e renovar sempre que talse revele necessário e oportuno. É assim que, se bem que algunsdos símbolos a que a maçonaria recorre sejam da sua própriacriação, a simbologia maçónica é, na sua maioria, "tomada deempréstimo" - umas vezes de forma mais dicreta e outras nem porisso - de outras simbologias já existentes. Ao longo da história damaçonaria tem-se assistido a um cuidado cada vez maior coma procura de uma certa neutralidade, do não favorecimento de umafé em detrimento das demais, e isso consegue-se, frequentemente,através do recurso a símbolos de religiões já desaparecidas mascuja carga simbólica permanece entre nós por via literária, filosóficaou mitológica.

A referência aos planetas, ao Sol, às estações do ano e a antigas figuras mitológicas pretende apenas constituir ilustração dos princípios morais que se pretende transmitir. Os solstícios, por exemplo, ao serem os momentos em que os raios solares estão mais próximos da perpendicular (no solstício do verão) ou da horizontal (no solstício do inverno) em relação à superfície da Terra, simbolizam respetivamente a retidão moral (verticalidade) e a fraternidade (estar ao mesmo nível). Alertar uma adolescente para os perigos dos predadores sexuais pode ser complicado de fazer; no entanto, recordar-lhe a "história do lobo mau" e, subtilmente, estabelecer um paralelo, pode ser muito mais eficaz do que uma longa e desajeitada conversa. A maioria dos chamados "contos infantis" pretende, precisamente, estabelecer uma base simbólica a revisitar mais tarde, uma vez já absorvidos os

158

princípios, mas sob uma nova realidade: a das circunstâncias davida real de cada um.

Uma das primeiras estranhezas que se sente quando se ouve, pelaprimeira vez, uma ata numa sessão, é a da data: "aos vinte dias domês de janeiro do ano maçónico de seis mil e doze(...)". Porquê"seis mil e doze" se estamos no ano de dois mil e doze?Recordemos o que é que constitui o primeiro ano nossa era: o anoem que terá ocorrido o nascimento de Cristo; por isso se dizia "AC"(Antes de Cristo) e DC (Depois de Cristo), que também se escrevia"AD" (Anno Domini, "Ano do Senhor"). Hoje em dia dizemos estarno ano 2012 EC ("Era Cristã" ou, ainda mais politicamente correto,"Era Comum"). Outros calendários há, cujo início se deu há mais ouhá menos tempo. Mede-se o tempo decorrido desde a fundação deRoma (753 AEC) ou do Japão (660 AEC), desde a viagem deMaomé de Meca a Medina (622 EC) ou, de acordo com ocalendário judaico, desde a criação do mundo (3761 AEC).

Não era desejável que um calendário - e respetiva bagagem cultural - se impusesse sobre os demais no seio de uma fraternidade em que se pretendia que todos se sentissem iguais. A solução encontrada foi estabelecer-se o "Anno Lucis" - o Ano da Luz - como aquele em que, aproximadamente, o Criador terá, pela primeira vez, feito surgir a Luz. Se recordarmos que a maçonaria é filha do Iluminismo, não faz senão sentido medir-se o tempo desde esse instante. É por isso que, simbolicamente, se soma 4000 anos (número distinto de qualquer calendário existente) ao ano atual e se lhe chama "ano da era maçónica". E, de cada vez que isso se faz, os maçons são recordados de que a fé e a crença de cada um

159

devem ser respeitadas, e que a busca da Luz (ou seja, doconhecimento) deve ser levada a cabo por todos os maçons,independentemente da sua crença, fé ou convicção religiosa.

Paulo M.

160

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - X

July 04, 2012

A maioria de uma dada Loja, quando reunida, poderá dar diretivasao seu Mestre e Vigilantes antes da Sessão do Grande Capitulo, ouLoja, para as três Reuniões Trimestrais, ou para a Reunião Anualda Grande Loja; porque seu Mestre e Vigilantes são seusrepresentantes, e devem expressar as opiniões da Loja.

Esta regra consagra o princípio da soberania da Loja. A Loja ésoberana em relação ás demais Lojas e à Grande Loja. O poderdecisório reside na Loja, não no seu Venerável, nos Vigilantes ounos demais Oficiais do Quadro.

O Venerável Mestre, eleito, tal como Tesoureiro, e os restantes Oficiais do quadro, designados pelo Venerável Mestre, são Oficiais porque exercem ofícios, isto é, são-lhes confiadas funções, tarefas, que devem exercer o melhor que podem e sabem ao longo do mandato que lhes é conferido. Ao eleger o Venerável Mestre e o

161

Tesoureiro, e ao confiar àquele o poder de designar os demaisOficiais do Quadro, a Loja não está a abdicar da sua soberania neleou neles, está simplesmente a delegar-lhes funções.

Obviamente que as funções do Venerável Mestre são importantes eextensas: dirigir administrativamente a Loja, coordenar o Quadro deOficiais, estabelecer as ordens de trabalhos das reuniões edirigi-las, exercer a competência disciplinar, exceto quanto àaplicação da sanção de expulsão.

Mas o Venerável Mestre deve ter sempre presente que, mesmoquando a Loja lhe confia o amplo poder de decidir em variadasquestões - e confia-lho, com amplitude e com confiança -, o poderoriginário permanece na Loja, no coletivo de obreiros.

Desde logo, tenha-se presente que a atividade maçónica éinteiramente voluntária. O maçom assume o compromisso de nãoviolar as deliberações da Loja e as decisões do seu VenerávelMestre, desde que regular e regulamentarmente tomadas. Mas nãotem obrigação de executar ou colaborar na execução dedeliberações com que não concorde. Nesse caso, não viola, nãocria obstáculos, mas também não tem de fazer. Tem o direito denada fazer.

Logo, muito pouco assisado seria o Venerável Mestre que tomassedecisões à revelia do sentimento geral e global da Loja: seria umgeneral sem soldados...

Não se confunda, portanto, delegação de poderes comtransferência dos mesmos. A todo o momento, a Loja podedeliberar em contrário de decisão tomada por qualquer dos Oficiaisdo Quadro, Venerável Mestre incluído.

É assim de boa prática - diria mesmo que indispensável prática - que, antes de qualquer Assembleia de Grande Loja que inclua na

162

sua ordem de Trabalhos a tomada de deliberações, a Loja debataas questões sujeitas a deliberação e dê ao seu Venerável Mestre eaos seus Vigilantes as instruções que entender. Porque, quando sevota em Assembleia de Grande Loja, não é o Venerável X que vota,nem os Vigilantes Y ou Z, são os representantes da Loja número talque expressam o voto ou os votos desta.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.

Rui Bandeira

163

Uma (nova) idade das trevas?

July 10, 2012

É conhecida a expressão "Idade das Trevas" como referência àBaixa Idade Média (séc. XI a séc. XV). Neste período degeneralizado analfabetismo, o estudo era privilégio de uns quantos,e o conhecimento transmitido quase sempre em contextomonástico - e objeto de rigorosa filtragem de conteúdos quepudessem contrariar o statu quo e os dogmas vigentes. Nãoobstante, a produção intelectual e científica não cessou, e osavanços então decorridos vieram a constituir a base da CiênciaModerna.

O Iluminismo, movimento que surgiu no século XVIII de entre a elite dos intelectuais europeus da época, procurou promover a razão, o intercâmbio intelectual a ciência, opondo-se ferozmente à

164

superstição, à intolerância e aos abusos por parte do poder vigente.Kant definiu assim o Iluminismo: "O Iluminismo representa a saídados seres humanos de uma tutelagem que estes mesmos seimpuseram a si. Tutelados são aqueles que se encontramincapazes de fazer uso da própria razão independentemente dadireção de outrem. É-se culpado da própria tutelagem quando estaresulta não de uma deficiência do entendimento mas da falta deresolução e coragem para se fazer uso do entendimentoindependentemente da direção de outrem. Sapere aude! Temcoragem para fazer uso da tua própria razão! - esse é o lema doIluminismo".

O fogo iluminista varreu a Europa e propagou-se à América. Muitospaíses, porém, viriam a manter-se arredados dos seus princípiosaté aos dias de hoje. "É uma questão de tempo", poderíamos dizer,"até que os povos atinjam a maturidade necessária; quando issosuceder, reclamarão para si também o que outros conquistaram já."Infelizmente, a história recente vem apontar-nos uma alternativabem menos risonha.

Nos Estados Unidos da América - um dos países que nasceu,precisamente, do Iluminismo, e fundado nos seus princípios - há,hoje em dia, uma considerável fatia da população anti-intelectualque, evidentemente, renega e rejeita esses mesmos princípios.Ainda muito recentemente foi notícia o facto de o PartidoRepublicano, no Texas, ter publicado a sua "plataforma deprincípios", dos quais consta este:

"Knowledge-Based Education – We oppose the teaching of Higher Order Thinking Skills (HOTS) (values clarification), critical thinking skills and similar programs that are simply a relabeling of Outcome-Based Education (OBE) (mastery learning) which focus

165

on behavior modification and have the purpose of challenging thestudent’s fixed beliefs and undermining parental authority."

Numa tradução livre: "Educação baseada no Conhecimento -Somos contra o ensino de «Competências Elevadas deRaciocínio», proficiência de pensamento crítico e programassemelhantes, que não passam de novos nomes para «EducaçãoBaseada em Resultados» que se focam na modificação docomportamento e têm o propósito de desafiar as crenças do alunoe minar a autoridade dos pais." Vejamos agora o que isto querdizer.

De acordo com a taxonomia de Bloom, há seis níveis de objetivoseducacionais: o conhecimento, a compreensão, a aplicação, aanálise, a síntese e a avaliação. As "Competências Elevadas deRaciocínio" são, então, a análise, a síntese e a avaliação. Estestrês níveis de proficiência são os mais importantes para opensamento crítico.

A "Educação Baseada em Resultados" passa pela definição de aptidões que os alunos devem adquirir e pelas quais são avaliados, por oposição à educação tradicional mais centrada na memorização e aquisição de conhecimento. Os alunos são, assim, avaliados de acordo com a capacidade de executar determinadas tarefas mensuráveis - como, por exemplo, a capacidade de correr 50 metros em menos de um minuto - e não pelos inputs recebidos -

166

como o número de aulas assistidas, ou os livros lidos.

As "crenças" de que se fala (fixed beliefs") são aquelas quedefinem o indivíduo e estabelecem a sua identidade; constituem aimagem que temos de nós mesmos, dos outros e dascircunstâncias da vida e que de tão repetidas ao longo do tempo setornaram arraigadas e difíceis de alterar.

Os maçons são cidadãos, e a maçonaria pretende promover omelhoramento da sociedade através do aperfeiçoamento de cadaum. Lá porque numa loja maçónica não se discute política, nãoquer dizer - pelo contrário! - que os maçons - individualmente! - nãotomem este ou aquele partido quanto a esta ou àquela questão.Quanto a esta questão concreta, fico horrorizado só de imaginar ummaçon a subscrevê-la, tão contrária que é à própria essência damaçonaria. Mas se tal maçon existe, respeitaria a sua posição sema discutir; pois se é certo que quem não aprende com os erros daHistória está condenado a repeti-los, não menos certo é que odireito ao erro está na essência da liberdade humana.

Paulo M.

Notícia originalem: http://www.dailykos.com/story/2012/06/27/1101959/-Texas-GOP-Platform

167

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XI

July 11, 2012

Todas as Lojas devem observar procedimentos iguais, tantoquanto for possível; para tal e para criar um bom entendimentoentre os Maçons, devem ser mandatados membros das Lojaspara visitar outras Lojas, tão frequentemente quanto as Lojasacharem conveniente.

Esta Regra institui e constitui a origem de uma prática que éinerente à Maçonaria e à condição de maçom: a visita a outrasLojas.

Todo o maçom tem o dever de assiduidade, isto é, de comparênciaàs sessões da sua Loja. E, teoricamente, pode viver toda a suavida maçónica, com aproveitamento, apenas frequentando a suaLoja, o seu grupo, com que partilha trabalhos e estudos, queinfluencia e de que recebe influência.

168

Mas indubitavelmente que a sua vida maçónica, a sua visão darealidade da Maçonaria, se alarga, aumenta em acuidade, se visitaroutras Lojas além da sua. Com essa diligência, o maçom adquire anoção de como a prática das diferentes Lojas é, ao mesmo tempo,semelhante, uniforme, mas diferente. Ou seja, como a base defuncionamento das Lojas maçónicas é semelhante, segue umpadrão comum (mesmo quando as Lojas trabalham em diferentesritos), mas como essa uniformização não prejudica, antes permitee, quiçá, potencia diferentes práticas, diversas prioridades, subtisvariantes de organização e atuação, que permitem verificar como épossível criar a diferença dentro da semelhança.

Ao visitar outras Lojas, o maçom adquire assim a noção de que nãoexiste uma forma única de pensar e de trabalhar, que, mesmoseguindo um padrão comum, é uma riqueza incalculável danatureza humana a sua capacidade de variar, de fazer o mesmodiferentemente, de seguir as mesmas regras para atingir diferentesobjetivos, prosseguir prioridades diversas. Em suma, que, dentro doplano geral de uma organização tendencialmente universal, háespaço - e pretende-se isso mesmo, que assim suceda! - paratantos projetos quantas as Lojas, que não há uma maneira "certa"de fazer as coisas, mas antes que cada Loja tem a forma detrabalhar que, para si, é a conveniente, que as diferenças entre asLojas não tornam umas melhores ou piores do que as outras,simplesmente cada uma é a adequada para quem lá está seaperfeiçoar, se desenvolver, progredir ética e espiritualmente.

Visitar outras Lojas pode começar por ser uma simples - e muito humana - questão de curiosidade (vamos lá ver como eles fazem), mas acaba por reforçar aquela que é a caraterística distintiva do maçom que se preze de o ser: a Tolerância, a aceitação da

169

diferença e, mais do que apenas isso, a consciência da riqueza dadiferença, da diversidade, das variantes.

Originalmente, a regra previa que as visitas fossem efetuadas porrepresentantes formalmente mandatados pelas Lojas. A evoluçãofez com que, nos nossos dias - e já desde há muito - qualquerMestre Maçom possa visitar e, frequentemente, visite outras Lojaspor sua iniciativa e a título individual. Quanto aos Companheiros eAprendizes, a regra é de que as suas visitas ocorramacompanhados por um Mestre da sua Loja (mas esta regra,designadamente em relação aos Companheiros, não é universal:por exemplo, na Alemanha, quando o maçom é passado aCompanheiro, recebe um passaporte, um documento identificativoda sua sua condição e da Loja a que pertence, com umamensagem do Venerável Mestre da sua Loja, pedindo às outrasLojas que recebam em visita esse Companheiro; é uma dascondições necessárias para que possa ser elevado a Mestre queefetue, pelo menos, duas visitas a duas Lojas diferentes, quedevem ser certificadas nesse passaporte, como forma de garantirque todo o Mestre Maçom, quando o seja, conhece já que hádiferentes formas de trabalhar, diversas práticas, distintasrealidades).

Sendo livre a visita a outras Lojas, há, no entanto, que garantir que quem visita uma Loja, quem pretende participar nos seus trabalhos, é efetivamente maçom, no pleno gozo dos seus direitos dessa condição, e maçom do grau que declara ser. Por isso, quando se visita uma Loja, a não ser que se seja já pessoalmente conhecido e reconhecido por um obreiro dessa Loja, que se responsabiliza pela condição de maçom e pelo grau do visitante, deve o visitante ir munido de um "certificado de good standing", isto é, uma

170

declaração emitida pelo Secretário da sua Loja, certificando que oportador é obreiro dessa Loja, qual o seu grau e que se encontra nopleno gozo dos seus direitos maçónicos. Se a visita for realizada auma Loja de outra Obediência, deve ainda o visitante ser portadordo seu passaporte maçónico, emitido pela Grande Secretaria dasua Obediência, documento pelo qual comprova que integra umaObediência que mantém relações maçónicas com a Obediência daLoja visitada.

Estes documentos são indispensáveis, mas não necessariamentesuficientes. Os obreiros da Loja visitada têm o direito (ou, quiçá,mesmo o dever) de se assegurar, pela forma tradicional, que quemse apresenta como visitante é quem diz ser, e tem o grau maçónicoque afirma possuir. Pode (deve) assim o visitante ser telhado, istoé, interrogado (em regra pelo Guarda Interno ou pelo GuardaExterno, nos ritos que utilizam este ofício, mas também podendo taldiligência ser efetuada diretamente pelo Venerável Mestre da Lojaou ser por este delegada em qualquer outro obreiro da Loja),devendo, pela forma tradicional, mostrar saber fazer-se reconhecercomo maçom e como maçom do grau que afirma ter. As Lojasinglesas são conhecidas pelo rigor que põem nesta diligência...

Não é obrigatório, mas é da praxe que, sempre que lhe seja possível, previamente informe a Loja a que pertence de uma visita que projete realizar (ou, se tal não for possível, pelo menos previamente informe o Venerável Mestre da Loja), para que, designadamente, o Venerável Mestre da Loja o possa encarregar de transmitir as fraternais saudações da Loja e do seu Venerável Mestre aos Irmãos e Venerável Mestre da Loja visitada. Similarmente, após a visita, é também da praxe que o maçom informe a sua Loja da efetiva realização da mesma e, sendo caso

171

disso, como quase invariavelmente é, transmita à Loja assaudações da Loja visitada e os cumprimentos do seu VenerávelMestre ao Venerável Mestre da sua Loja.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.

Rui Bandeira

172

O "Grande Arquiteto Do Universo" é uma divindademaçónica?

July 16, 2012

É conhecido o facto de os maçons se referirem ao Criador como o"Grande Arquiteto Do Universo". Todavia, muitos equiparam essaexpressão a outras, próprias de cada culto ou religião, no sentidode considerar o "Grande Arquiteto Do Universo" uma "divindademaçónica", assim como se pode dizer que Krishna é o nome deuma divindade Hindu, Allah o nome da divindade muçulmana, ouYHVH o nome da divindade judaica.

A expressão "falsos deuses" é paradigmática de uma postura de intolerância perante uma fé distinta da de cada um, segundo a qual "se o meu Deus é o verdadeiro, os dos outros só podem ser falsos". A postura da maçonaria a este respeito é a de que a Divindade é única, não obstante cada um Lhe chamar nomes diferentes. Assim, para um maçon não há "falsos deuses", mas antes distintas

173

interpretações do divino; se são falsas ou não, é matéria não dediscussão, mas de respeito e tolerância pela diferença ediversidade.

É natural, porém, que quando pensamos em "Allah" evoquemos ascaracterísticas que Lhe são atribuídas pelos seguidores do Islão, eum fiel de uma religião estranhe que se chame ao "seu" Deus umacoisa diferente daquela a que está habituado. No entanto, comofazer se cada um se refere ao Criador de um modo diferente?

Ao adotar a expressão "Grande Arquiteto Do Universo", amaçonaria não pretendeu "criar uma nova divindade", ou substituiro Deus de cada um. Pelo contrário, cada maçon é instado a cumprircom os preceitos da sua fé.

Procurei um paralelismo para explicar o conceito, e creio que oencontrei: o "Grande Arquiteto Do Universo" é um pouco como o"Dia da Mãe". No Dia da Mãe não se comemora alguém que todosreconheçam como "mãe universal"; pelo contrário, cada umcomemora, sob a égide do termo universal "Mãe", ninguém menosdo que a sua própria mãe - cada um a sua!

O mesmo se passa com o Grande Arquiteto do Universo. Não é um novo Deus; é o mesmo Deus que cada um já conhece, sob um

174

nome que a todos sirva.

Paulo M.

175

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XII

July 18, 2012

A Grande Loja consiste, e é formada, por Mestres e Vigilantesde todas as lojas registadas, com o Grão-Mestre presidindo, oseu Vice-Grão-Mestre à sua esquerda, e os Grandes Vigilantesnos seus respetivos lugares e deverá fazer uma ReuniãoTrimestral pela Festa de São Miguel, Natal e Dia de NossaSenhora, em lugar escolhido pelo Grão-Mestre; onde nenhumIrmão, que não seja nesse momento membro dessa Loja,deverá estar presente, exceto se tiver autorização; e, nestecaso, se estiver presente não lhe será permitido votar, nememitir opinião, exceto se pedir permissão e esta lhe forconcedida pela Grande Loja, ou que esta lhe seja pedida pela(Grande) Loja. Todas as decisões, da Grande Loja, deverão sertomadas pela maioria dos votos, cada membro tendo um voto,e o Grão-Mestre dois votos. Exceto se a (Grande) Loja delegarno Grão-Mestre determinada matéria em particular, por umaquestão de eficiência.

Esta regra determina os requisitos e forma de organização das sessões de Grande Loja. Com evidentemente necessárias

176

alterações (na época, a Grande Loja dos Modernos agrupava vinteLojas; hoje, a GLLP/GLRP, uma pequena Obediência de umpequeno país agrupa mais de noventa e a Grande Loja Unida deInglaterra conta nos seus registos com vários milhares de Lojas),estipula os princípios que ainda hoje são seguidos nas GrandesLojas maçónicas de todo o Mundo, enquadrando as variantes queos costumes locais foram propiciando.

A Grande Loja é assim uma assembleia de representantes dasLojas, como que o Parlamento da Obediência, com o poderdecisório, designadamente legislativo (regulamentar) e eletivo,soberano na respetiva organização maçónica. A forma e número derepresentantes das Lojas variam, hoje em dia, de Obediência paraObediência. No caso da GLLP/GLRP, as Lojas que tenham nosseus quadros até quinze Mestres efetivos em situação regular (asLojas mais pequenas ou em fase de lançamento) têm direito a umrepresentante na Assembleia de Grande Loja, em regra o seuVenerável Mestre; as Lojas com mais de quinze e até vinte e cincoMestres em situação regular têm direito a dois representantes,habitualmente os seus Venerável Mestre e Primeiro Vigilante; asLojas com mais de vinte e cinco Mestres em situação regular têmdireito a três representantes, normalmente os seus VenerávelMestre e os dois Vigilantes.

Sempre que haja impedimento de um dos normais representantesda Loja, pode qualquer dos seus representantes normais sersubstituído por qualquer dos Mestres da Loja em situação regular,mediante delegação do seu Venerável Mestre, ouvida a Loja,comunicada à Grande Secretaria por escrito com, pelo menos, vintee quatro horas de antecedência, em relação ao início daAssembleia de Grande Loja.

177

As reuniões, ou sessões, da Assembleia de Grande Loja têm lugartrimestralmente, em março, junho, setembro e dezembro,normalmente no fim de semana mais próximo do equinócio ousolstício que ocorre em cada um desses meses. Na Regra originalmencionam-se as três reuniões trimestrais, por volta da Festa de S.Miguel (equinócio de outono, no hemisfério norte), Natal (solstíciode inverno no dito hemisfério) e, na Inglaterra da época, dia deNossa Senhora (equinócio da primavera, na metade norte do globoterrestre). No trimestre restante, por volta do dia de S. João Batista(solstício de verão na parte norte do planeta), decorre a maisimportante ou festiva Assembleia, originalmente a AssembleiaAnual.

As assembleias de Grande Loja destinam-se aos representantesdas Lojas e Grandes Oficiais com assento nelas. No rigorregulamentar, só excecionalmente podem assistir outros obreiros.Mas a exceção é, na prática, a regra: na GLLP/GLRP, todos osobreiros da Obediência (Mestres, Companheiros e Aprendizes) quequeiram e possam podem tomar parte nos trabalhos e é fomentadoque assim suceda. O cerimonial do Ritual de Grande Loja, areunião e convivência de obreiros de todo o País são fatores deentrosamento dos mais novos e de agradável reencontro dos maisantigos, que amplamente compensam os custos adicionais de seter de providenciar salas de reuniões aptas a acomodarem váriascentenas de obreiros! Evidentemente que o direito de uso dapalavra é restrito aos representantes das Lojas e Grandes Oficiais eo direito de voto exercido apenas pelos representantes das Lojas...

Naturalmente que as deliberações são formadas em função da maioria dos votos expressos em relação a cada assunto sujeito a deliberação - algo que hoje temos por natural, vulgar e intuitivo,

178

mas que não era tanto assim no século XVIII...

A Assembleia de Grande Loja, para além de órgão decisorsoberano de uma Obediência maçónica, é assim um periódicopretexto para o convívio dos maçons de todo o país da respetivaObediência, fator de coesão importante entre os maçons. No reverperiódico de Irmãos que muitas vezes só nessas ocasiões seencontram se forjam os laços de amizade e solidariedade que sãocaraterísticos dos maçons - e que os profanos tanto criticam, semoutra razão plausível que não a inveja pela sua incapacidade delograrem tão amplamente a geração de tão fortes laços. Assim seconsegue que um maçom nunca esteja só em qualquer parte domundo onde haja outro maçom: sobrevindo necessidade ousimplesmente em honra da cortesia, hospitalidade ou simplesconvívio, onde quer que esteja tem o apoio, a palavra amiga, senecessário o auxílio, de outro Irmão - por vezes ambos não seconhecendo ou apenas se conhecendo de vista... de algumaAssembleia de Grande Loja!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 138.

Rui Bandeira

179

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XIII

July 25, 2012

Na Reunião Trimestral todos os assuntos que dizem respeito àFraternidade em geral, às Lojas em particular, ou a cada Irmão,serão serena, tranquila e maduramente discutidos e decididos.Só aqui os Aprendizes deverão ser elevados a Mestre eCompanheiros, exceto se tal for dispensado. É aqui também,que todas as diferenças, que não possam ser conciliadas eresolvidas particularmente ou pela respetiva Loja, deverão serconsideradas e resolvidas; e se algum Irmão se sentir lesadopela decisão aqui tomada, pode apelar para a Reunião Anualseguinte da Grande Loja, fazendo o seu apelo por escrito, aoGrão Mestre, seu Vice-Grão-Mestre, ou Grandes-Vigilantes.

Os Mestres ou Vigilantes de cada Loja deverão trazer ou organizar uma lista dos membros iniciados ou admitidos na mesma Loja desde a última Reunião da Grande Loja; deverá haver um livro, mantido pelo Grão Mestre, seu Vice-Grão-Mestre, ou por algum Irmão nomeado pela Grande Loja como Secretário, onde todas as Lojas deverão ser

180

registadas, com as respetivas data e local onde foi criada, e osnomes de todos os membros de cada Lojas. Também aí serãoanotadas todas as decisões da Grande Loja, suscetíveis deregisto.

Deve também decidir qual o mais prudente e melhor método dearrecadar e dispor do dinheiro recebido, ou depositado,destinado à caridade e auxílio para algum Irmão que tenhacaído na pobreza ou penúria, e para ninguém mais. Cada Lojadeve dispor dos seus fundos destinados a caridade, paraauxílio a algum Irmão pobre, de acordo com o seu próprioregimento interno. Até que todas as Lojas estejam de acordosobre um novo método (com uma nova regulamentação) decomo fazer chegar esses fundos arrecadados pelas Lojas àGrande Loja, para que numa Reunião Trimestral ou Anual, sedecida como criar um fundo comum para melhor auxílio dosIrmãos pobres.

Deve também nomear um Tesoureiro, um Irmão de confiança,que deverá ser um membro da Grande Loja por inerência docargo, e que deverá estar sempre presente, e que poderá levarpara a Grande Loja o que entender, especialmente orelacionado com seu cargo. Deve ser-lhe entregue todo odinheiro destinado a caridade, ou para qualquer outro uso daGrande Loja, e que ele deverá registar num livro mencionandoos fins e usos a que cada montante se destina. Os quaisentregará mediante uma ordem assinada, nos termos em que aGrande Loja acordar, estabelecendo uma nova Regra.

O tesoureiro não pode votar para a escolha do Grão Mestre ouVigilantes, embora o possa fazer em qualquer outro assunto.

181

De igual modo o Secretário deverá ser um membro da GrandeLoja por inerência do seu cargo, podendo votar em qualquersituação, exceto na escolha do Grão Mestre ou Vigilantes.

O Tesoureiro e o Secretario terão cada, um assistente, quedeverá ser um Irmão ou Companheiro, mas nunca um membroda Grande Loja, não podendo falar sem lhes ser permitido oupedido.

O Grão Mestre, ou o seu Vice-Grão-Mestre, supervisionam oTesoureiro e o Secretário, com seus assistentes e livros, demaneira a controlar todos Secretário, com seus assistentes elivros, de maneira a controlar todos os assuntos, e decidir oque deverá ser feito em qualquer emergência.

Outro Irmão, que deve ser um Companheiro, deverá sernomeado guarda da entrada da Grande Loja, mas não deveráser membro desta.

Estas funções deverão ser mais tarde explicitadas através deuma nova Regra, quando a necessidade e a conveniência astornarem mais prementes para a Fraternidade.

Esta extensa Regra XIII regula as competências da Assembleia deGrande Loja. Denota um estado organizativo ainda incipiente,decalcado das práticas e formas organizativas herdadas daMaçonaria Operativa.

De qualquer forma, embora a evolução do tempo e o crescimentoda Fraternidade tenham imposto alterações significativas,, nestaRegra se encontram as sementes de muito do que existe e hoje sepratica.

Naquela época pioneira, com vinte Lojas agrupadas na Grande Loja de Londres e Westminter, concebia-se que nas Assembleias de Grande Loja se discutissem "todos os assuntos que dizem

182

respeito à Fraternidade em geral, às Lojas em particular, ou a cadaIrmão". Hoje, mesmo numa relativamente pequena Obediência,como a GLLP/GLRP, com perto de cem Lojas, seriamanifestamente impossível discutir "serena, tranquila emaduramente" - e, sobretudo, eficientemente - todas os possíveisassuntos diários da Grande Loja, das Lojas e dos obreiros,abarcando do geral ao particular, passando pelo intermédio, todauma vasta gama de possibilidades, interesses, propostas esituações, a menos que cada Assembleia fosse uma maratona de,pelo menos, uma semana de duração - sem intervalos! O que,convenhamos, impediria a análise serena, tranquila e madura detudo o que ultrapassasse a normal duração de umas horas de umaassembleia... Imagine-se então como seria nas Grandes Lojas comcentenas ou milhares de Lojas e dezenas ou centenas de milhar deobreiros...

Hoje, os assuntos individuais e de Loja resolvem-se em Loja.Quando surjam problemas que não possam ser resolvidos,atenuados ou tratados a esse nível, são transmitidos ao GrandeOficial competente para lidar com esse assunto em concreto. Osconflitos que surjam são regulados em Loja, com recurso para oTribunal de Apelação. As Assembleias de Grande Loja sãoreservadas para o debate e deliberação das questões quetransversalmente respeitem a toda a Obediência, incluindo,naturalmente, a eleição do Grão-Mestre, do Grande Tesoureiro edemais Grandes Oficiais que devam ser eleitos e a posse de todosos Grandes Oficiais.

E evidentemente que hoje já não se leva para a Assembleia de Grande Loja a lista dos obreiros que, desde a última Assembleia, foram iniciados, passados e elevados, por evidente inutilidade de

183

tal. Estes dados são oportunamente comunicados pelo Secretárioda Loja à Grande Secretaria (hoje funcionando com o auxílio deprofissionais a tempo inteiro) e devidamente registados eatualizados os arquivos e listagens existentes.

Nesta Regra refere-se expressamente o ofício de Hospitaleiro (e deGrande Hospitaleiro), o oficial encarregado de coordenar aatividade beneficente da Loja e da Grande Loja. Mas note-se queos fundos para beneficência naquela época se destinavamexclusivamente a obreiros "que tenham caído na pobreza ou napenúria, e para ninguém mais". Os fundos não chegariam paramais, então... Progressivamente a atividade beneficente daMaçonaria alargou-se às viúvas e filhos de maçons e a obrassociais ou de assistência que os maçons considerem dever apoiarou fomentar.

Naquela época, o Tesoureiro não era, como hoje na GLLP/GLRP,eleito, mas nomeado, embora pela Assembleia. Há uma diferençaentre eleição, que pressupõe candidaturas e votação, e nomeação,que pressupõe proposta e aceitação, por deliberação,eventualmente com recurso a votação.

Assinale-se, por outro lado, que, na época, os Grande Vigilanteseram eleitos, eram representantes das Lojas, enquanto que hojesão nomeados pelo Grão-Mestre.

Não subsiste o impedimento de o Grande Tesoureiro e o GrandeSecretário votarem para a eleição do Grão-Mestre, até porque hoje,designadamente na GLLP/GLRP, a eleição para Grão-Mestre éefetuada pelo universo de todos os Mestres em good standing,segundo o universal princípio democrático de"um homem, umvoto".

184

Por outro lado, permanece - e bem - a regra de que todos osfundos, quer os administrativos, quer os destinados a beneficência,ficarem à guarda do Tesoureiro, embora, naturalmente, deva serfeita a destrinça entre uns e outros. Ao Hospitaleiro e ao GrandeHospitaleiro compete a aplicação prudente e criteriosa dos fundosdisponíveis para beneficência, não a sua guarda.

Esta Regra institui ainda o conceito de Assistentes de GrandesOficiais, na época em relação apenas ao Grande Secretário e aoGrande Tesoureiro, hoje aplicada em relação a todos os GrandesOficiais cujas responsabilidades aconselham sejam auxiliados porum ou mais Assistentes.

O Guarda Externo - ofício existente nos ritos ingleses e delesderivados (e não existente, por exemplo, no Rito Escocês Antigo eAceite, que dispõe de Guarda Interno, isto é, no interior da sala dereuniões e, assim, participando na integralidade de todas asreuniões) - era então efetuado por um Companheiro, isto é, o quehoje corresponde a um Mestre da Loja, mas não o seu VenerávelMestre. Hoje, os ofícios de Guarda Externo e de Guarda Internosão normalmente assegurados por Mestres - e, em regra, noREAA, por Mestres experientes, já que, tradicionalmente, e sempreque possível, o Guarda Interno é o Past Venerável Mestre do anoanterior (portanto o Venerável Mestre de dois anos antes), emsimbólica transição dos ofícios mais complexos para o ofício maishumilde e menos exigente, demonstrativa de que, para qualquermaçom, incluindo os que exerceram ofícios de maiorresponsabilidade, nenhum ofício, nenhuma tarefa, é consideradamenor.

Fonte:

185

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 138- 139.

Rui Bandeira

186

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XIV

August 01, 2012

Em qualquer Grande Loja, ordinária ou extraordinária,Trimestral ou Anual, se o Grão-Mestre e seu Vice-Grão-Mestreestiverem, ambos, ausentes, então o mais antigo Mestre deuma Loja presente, deverá ocupar a cadeira, e presidir comoGrão-Mestre pro tempore , para o que deverá ser, no momento,investido de todo poder e honra; exceto se estiver presente umIrmão que tenha sido anteriormente Grão-Mestre, ouVice-Grão-Mestre, caso em que o último Grão-Mestre presente,ou o último Vice-Grão-Mestre presente, deverá sempre tomar olugar na ausência do actual Grão-Mestre e seuVice-Grão-Mestre.

Esta Regra respeita à substituição do Grão-Mestre e seu Vice-Grão-Mestre, na eventualidade da ausência de ambos de uma Assembleia de Grande Loja. É obviamente uma situação extremamente rara nos dias de hoje. As Assembleias de Grande Loja são marcada com antecedência - e, aliás, tem-se, com pouca margem de erro, a noção de quando

187

elas se realizarão. Por exemplo, na GLLP/GLRP têm lugar sempre no fim de semana mais próximo do equinócio ou solstício, em regra ao sábado. O que varia, com frequência, é a localidade da sua realização, pois procura-se, sempre que possível e aconselhável, que se organizem Assembleias de Grande Loja nas várias regiões do país. Mesmo Assembleias extraordinárias são marcadas com antecedência mais do que suficiente para que todos os que nelas devam comparecer reservem nas suas agendas a altura da sua realização, para nelas poderem comparecer. Portanto, nos tempos presentes, praticamente só em caso de cataclismo ou grande perturbação interna propiciará uma situação de realização de uma assembleia de Grande Loja, sem a presença do Grão-Mestre e dos seus Vice-Grão-Mestres (na GLLP/GLRP, presentemente, estão dois Vice-Grão-Mestres em funções). No século XVIII, com a Fraternidade menos desenvolvida e com evidentes maiores dificuldades nas comunicações e viagens, era mais possível - embora sempre na escala da raridade - a ocorrência de uma eventualidade dessas. Seja como seja, o interessante desta Regra é que institui um princípio que, quer ao nível da Grande Loja, quer ao nível das Lojas, ainda hoje é tendencialmente o princípio utilizado, sempre que ocorra sessão em que o Grão-Mestre ou o Venerável Mestre não possam comparecer. Ao nível da Grande Loja, precisamente como se enuncia. Ao nível das Lojas, na impossibilidade do Venerável Mestre, a sessão de Loja é convocada pelo 1.º Vigilante e, na impossibilidade deste, pelo 2.º Vigilante; na ausência do Venerável Mestre, a sessão é dirigida por um Antigo venerável

188

Mestre, o mais recente dos presentes (em primeiro lugar, oEx-Venerável Mestre, em segundo lugar o Venerável Mestre de hádois anos, e assim sucessivamente). Na Loja Mestre Affonso Domingues, nas raras vezes em que oVenerável Mestre em funções não pôde dirigir a sessão, nosúltimos tempos e consensualmente tem-se optado por outrasolução, que tem sido sempre bastante satisfatória: na ausência doVenerável Mestre e do ex-Venerável Mestre, dirige a sessão o JoséRuah! Funciona bem e não há hesitações nem incómodos, paraquê mudar? É claro que a Mestre Affonso Domingues tem umacultura muito própria de aplicação de soluções consensuais eeficazes, em resultado de uma já longa aprendizagem da forma defuncionar sem conflitos, em tolerância e deixando de lado oacessório em prol do essencial... Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 140.

Rui Bandeira

189

Alexis Botkine - O Maçom que veio de longe

August 02, 2012

Escrever um In Memoriam pela passagem ao Oriente Eterno doAlexis não é fácil. Alexis era o mais velho, o mais antigo, o maisconhecedor de todos nós, e era talvez o mais otimista e alegre detodos

Começou a sua vida maçónica já tarde na idade, mas ainda atempo de ser maçon há mais de 40 anos! Foi por 1970 que na suaSuíça natal, mas ainda assim terra de acolhimento, porque Alexisera russo e descendente da família do médico do ultimo Tzar, foiiniciado.

O seu labor maçónico de grande importância e relevância para aregularidade portuguesa fica melhor contado, embora em francês,porque na primeira pessoa - aqui. Alexis foi um marco incontornávelna obtenção da regularidade maçónica para Portugal.

190

Alexis tinha muitas facetas, era Engenheiro, Matemático e Músico.Foi Maestro compositor, e era intérprete de violino e balalaika. Teveo seu Grupo de Folclore Russo e poderão ser ouvidas algumas dassuas interpretações aqui

Alexis era membro da RL Mestre Affonso Domingues, n.º 5, desde1991, e se nos primeiros anos apenas vinha esporadicamenteporque ainda vivia na Suíça, mal se radicou em Lisboa passou aser dos mais assíduos, assumindo durante tantos anos quantos naverdade quis e pôde o cargo de Mestre da Coluna da Harmonia. Edurante esses anos todos, sempre com escolhas de qualidade eapropriadas, lançou os fundamentos daquilo que é hoje o modelousado para musicar toda e qualquer sessão da Loja.

Há uns anos Alexis recebeu públicas homenagens, quer prestadaspelo Grão-Mestre da altura, ao conferir-lhe em plena sessão deGrande Loja e no dia do seu 83º aniversário, um diplomade mérito maçónico e de Persona Grata à GLLP/GLRP, quer naLoja, ao ser instalado Past Master Honorário, sendo o primeiro(e único até à data) a receber esta honra.

Nos últimos dois anos, incapacitado de conduzir, apareceu umpouco menos, mas nunca esteve ausente. No início de julhochega-nos informação que se encontra muito doente.

O Grande Arquiteto chamou-o no ultimo dia de julho. Alexis, Maçomdiligente, ciente que o seu trabalho por aqui estava terminado, foi.

Aqui entre nós fica a saudade, do nosso Irmão Alexis que semprenos falou em Francês, porque lhe era mais fácil a ele, que veio delonge, para nos ensinar o muito que nos ensinou. E por isso mesmoesta pequena homenagem não ficaria completa se não ficasse delamemória em francês.

191

Écrire un In Memoriam du au passage à L’Orient Eternel de Alexisn’est pas simple. Alexis était le plus vieux, le plus ancien, le plussavant de nous tous, et peut-être le plus optimiste et joyeux de tous

Sa vie maçonnique commence tard, mais suffisamment tôt pourqu’il puisse être Franc Maçon depuis plus de 40 ans ! Il a été initiéen 1970, en Suisse pays de naissance, mais toutefois terre ded’accueil, car Alexis était russe et descendant du médecin dudernier Tzar.

Sa labeur maçonnique a eu grande importance pour la régularitémaçonnique portugaise et on pourra mieux la comprendre .

Alexis était Ingénieur, Mathématicien et Musicien. Chef d’orchestre,compositeur, il jouait le violon et la balalaika. Il dirigea un groupe defolklore russe et une partie de ses interprétations musicales peuventêtre écoutées

Alexis est devenu membre en 1991 de la RL Mestre AffonsoDomingues, n.º 5. Les premières années il venait rarement, car ilhabitait encore en Suisse, mais aussitôt qu’il vint habiter à Lisbonneil reprit les tenues avec assiduité. Il assuma la Colonne D’Harmoniepour autant d’années quil l’a voulu et put. Toutes ces années´, avecdes choix de grande qualité et très adéquat, il lança les fondementsdu modèle actuellement utilisé pour la musique de Loge.

Il y a quelques années Alexis a reçu des hommages publics. Entenue de Grande Loge et le jour de son 83ème anniversaire, leGrand Maitre lui remet un diplôme de Mérite Maçonnique et dePersona Grata à la Grande Loge Legal du Portugal / GLRP.

En Loge il fut installé Passé Vénérable d’Honneur, étant le premier (et le seul jusqu´`a ce jour) a recevoir la distinction.

Les derniers deux ans, incapable de conduire il apparait un peu moins en Loge, mais il n’est pas absent. Début juillet l’information

192

qu’il est très malade nous arrive.

Le Grand Architecte l’appela le dernier jour de juillet. Alexis, FrancMaçon diligent, sachant que son travail ici était terminé, est parti.

Pour nous la “ saudade” de notre frère Alexis qui nous a toujoursparlé en français car c’était plus facile pour lui, qui vint de loin, nousapprendre tout ce qu’il nous a enseigné.

José Ruah

193

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XV

August 08, 2012

Na Grande Loja ninguém pode actuar como Vigilante senão osGrandes-Vigilantes, se presentes; se ausentes, o Grão-Mestre,ou quem presidir em seu lugar, poderá nomear Vigilantes"ad-hoc" para exercerem o cargo de Grandes Vigilantes protempore , devendo ser Companheiros da mesma Lojachamados para o efeito, ou enviados pelo Mestre; em caso deomissão, então deverão ser chamados pelo Grão-Mestre, paraque a Loja sempre esteja completa.

Esta Regra, que eu saiba, não tem correspondência naregulamentação ou na prática atual. Era uma Regra, porventuraherdada da Maçonaria Operativa, claramente com interesse parauma organização com um reduzido número de Lojas e em que osofícios em Grande Loja não eram apenas exercidos a nívelindividual, mas também em representação da Loja onde se seinseria o obreiro que exercia o ofício.

194

Daí o cuidado em que o Vigilante que não estivesse presente fossesubstituído por um obreiro da sua Loja e que, não estando nenhumpresente, fosse chamado a comparecer alguém dessa Loja, "paraque a (Grande) Loja sempre esteja completa".

A Grande Loja só estava, pois, completa, com a presença derepresentantes de todas as Lojas! E o Vigilante exercia o ofíciotambém em representação da sua Loja, tanto assim que, na suaausência, não era substituído por outro Mestre presente, antes porum Companheiro da sua Loja.

A propósito desta - hoje peculiar - referência ao Companheiro da Loja a exercer ofício de Grande Oficial, é necessário relembrar que, em 1723, ainda a Maçonaria não utilizava o sistema de três graus (Aprendiz, Companheiro e Mestre). Então, só havia dois graus, Aprendiz e Companheiro. Mestre não era grau, era ofício: denominava-se Mestre o Companheiro que dirigia a Loja. Só em 1738 foi oficialmente introduzido o 3.º grau. Até então, cada Loja era dirigida por um Mestre, dispunha de vários Companheiros (que estavam aptos a exercer e exerciam os vários ofícios da Loja) e de Aprendizes. Com a introdução do 3.º grau, o grau de Companheiro passou a ser mais um grau de formação, o maçom na plenitude das suas funções passou a ser o Mestre , havendo vários Mestres em cada Loja. Aquele que dirigia a Loja, anteriormente designado por Mestre, passou a ser designado por Venerável Mestre. Portanto, a referência feita na regra a "Companheiros", atualizada para a estrutura de hoje, que vigora desde 1738, deve entender-se feita a Mestre Maçom; e a referência a "Mestre" corresponde hoje a Venerável Mestre.

195

Atualmente, o Grão-Mestre, na designação do Quadro de Oficiaisda Grande Loja tem, por norma, o cuidado de nomear, além dosGrandes Vigilantes, dois Vices, um para cada, cuja função é a deassegurar a substituição do titular do ofício, na sua falta ouimpedimento. Nas raras,mas sempre possíveis, ocasiões em qiequer o Grande Vigilante titular, quer o seu Vice estejam ausentes,então o Grão-Mestre, ou o Vice-Grão-Mestre que dirigirá a sessãodesigna um Mestre para exercer ad hoc o ofício, como refere aRegra de 1723.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 140.

Rui Bandeira

196

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XVI

August 15, 2012

Os Grandes Vigilantes, ou quaisquer outros, devem primeiroaconselhar-se com o Vice-Grão-Mestre a respeito dosassuntos da Loja ou dos Irmãos, e não devem dirigir-se aoGrão-Mestre sem o conhecimento do Vice-Grão-Mestre, amenos que este recuse pronunciar-se sobre qualquer questão;neste caso, ou em caso de litígio com o Vice-Grão-Mestre, osGrandes Vigilantes, ou outros Irmãos, ambas as partesdeverão dirigir-se ao Grão-Mestre para conciliação, o qualpoderá decidir sobre a questão harmonizando as diferenças,dada a sua autoridade.

O Grão-Mestre não receberá qualquer comunicação sobreassuntos relativos à Maçonaria, a não ser através de seuVice-Grão-Mestre, exceto nos casos que julgue convenientes;se isso acontecer, pode mandar que os Grandes Vigilantes, ouqualquer outro Irmão, se dirijam ao Vice-Grão-Mestre, o qualdeverá preparar o assunto devidamente e levá-lo, devidamenteorganizado, para sua apreciação.

197

Esta regra estipula um grau de intermediação entre o Grão-Mestree a restante fraternidade, através do Vice-Grão-Mestre, que é detodo inexistente na Maçonaria atual, à exceção, porventura, daUGLE, e que julgo mesmo nunca ter existido na Maçonariacontinental europeia, nem na americana.

A meu ver, resultou da aplicação de uma opção que Anderson e osrestantes fundadores da Maçonaria Especulativa tomaram: reservaro Grão_mestre para as funções de alta direção da Fraternidade,definição de programas e estratégia e representação, deixando aadministração ordinária da Fraternidade ao Vice-Grão-Mestre. Sebem ajuízo, seria a replicação na Maçonaria da estrutura do podermonárquico inglês: ao rei ficam reservadas as funções derepresentação, interna e externa, do país e a intervenção emmomentos de crise; a administração do país competia aoprimeiro-ministro.

Esta estrutura dual do poder de administração parece ser umafórmula arreigada na tradição do pensamento anglo-saxónico:lembremo-nos que as multinacionais anglo-saxónicas, por regra,efetuam uma semelhante divisão de tarefas, dotando-se de umCOB (Chief of the Board, Presidente do Conselho deAdministração), com funções de planeamento estratégico erepresentação, e de um CEO (Chief Executive Officer,Administrador Executivo, que assegura a direção da gestão diáriada empresa).

Esta estrutura dual permanece viva na United Grand Lodge of England (Grande Loja Unida de Inglaterra) até aos dias de hoje, favorecendo algo que é muito próprio desta Obediência: a assunção do ofício máximo, o de Grão-Mestre, por um membro da família real ou da alta nobreza britânica. E favoreceu ainda outra

198

caraterística, única no mundo maçónico: a frequente manutençãodo mesmo Grão-Mestre por longos períodos de tempo, emcontraste com os mandatos de curta duração que se praticamcorrentemente nas restantes Obediências maçónicas.

Atente-se na lista de Grão-Mestres desde a criação da UGLE, em1813, em resultado da fusão entre as Grandes Lojas dos Antigos edos Modernos:

1813 a 1843 - Príncipe Augusto Frederico, Duque de Sussex, sextofilho do rei George III;

1844 a 1870 - Thomas Dundas, 2.º Conde de Zetland;

1870 a 1874 - George Robinson, 3.º Conde de Grey e 2.º Conde,depois 1.º Marquês, de Ripon;

1874 a 1901 - Alberto Eduardo, Príncipe de Gales, depois ReiEduardo VII;

1901 a 1939 - Príncipe Artur, Duque de Connaught e Strathearn,sétimo filho (3.º varão) da Rainha Vitória;

1939 a 1942 - Príncipe George, Duque de Kent, quinto filho (4.ºvarão) de George V, irmão mais novo de Eduardo VII e Jorge VI;

1942 a 1947 - Henry Lascelles, 6.º Conde de Harewood;

1947 a 1950 - Edward Cavendish, 10.º Duque de Devonshire;

1951 a 1967- Laurence Lumley, 11.º Conde de Scarbrough;

Desde 1968 - Príncipe Edward, Duque de Kent, neto de Jorge V,primo direito de Isabel II.

Na Maçonaria continental europeia e americana, a tendência é para a fixação de mandatos relativamente curtos dos Grão-Mestres, com assunção da totalidade dos poderes executivos da Obediência e assessoria de um ou mais Vice-Grão-Mestres, exercendo poderes delegados pelo Grão-Mestre e de substituição deste nas suas

199

ausências ou impedimentos.

Em todas as Obediências, quer no mundo anglo-saxónico, quer nolatino e latino-americano, tem-se notado a crescente importância doGrande Secretário, oficial que assegura a tramitação administrativae burocrática e coordena os colaboradores profissionaiscontratados pela Obediência.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 140.

Rui Bandeira

200

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XVII

August 22, 2012

Nenhum Grão-Mestre, Vice-Grão-Mestre, Grandes Vigilantes.Tesoureiro, Secretário, ou quem os represente, ou em seulugar estiverem pro tempore , pode ser ao mesmo tempoMestre ou Vigilante de uma Loja; mas tão logo sejahonradamente dispensado de seu cargo, retorna ao seu postoou posição na sua Loja, da qual foi chamado para a funçãoreferida.

Esta regra postula a incompatibilidade entre o exercício dosprincipais ofícios em Grande Loja e os principais ofícios em Loja.Recorde-se que, em 1723, Mestre era a designação para o ofícioque hoje é designado de Venerável Mestre; na ocasião, as Lojasmaçónicas ainda tinham apenas dois graus, Companheiros (oscorrespondentes aos atuais Mestres) e Aprendizes.

201

Não deixa de ser curioso que uma preocupação que é hoje comumna coisa pública dos países democráticos, a determinação deincompatibilidades entre funções, já tivesse sido prevista eregulada, no início do século XVIII, pelos maçons.

Afigura-se evidente que o propósito da fixação destaincompatibilidade era assegurar a mútua independência das Lojase da Grande Loja, não permitindo confusão de interesses, porduplicação de funções, legitimidades e representações: oVenerável Mestre e os Vigilantes das Lojas respondem peranteelas; os Grandes Oficiais respondem perante o Grão-Mestre e,quando reunida, a Assembleia de Grande Loja.

Não obstante, e sem pretender conhecer a orgânica de todas asObediências maçónicas ao redor do globo, intuo que,presentemente, esta regra não é seguida, já não é aplicada, nãoconsta, senão de todos, da grande maioria dos regulamentos dasObediências. O crescimento das Obediências, algumas hoje comcentenas ou milhares de Lojas, diluiu a necessidade de preservarconflitos por incompatibilidade. Também a curta duração dosmandatos, particularmente nas Lojas (em regra, um ano) impedeque haja problemas, ao menos duradouros, com a eventualacumulação de ofícios.

Porém, em minha pessoal opinião, mesmo sem regras formaisinstituídas, o princípio da não acumulação de ofícios nas Lojas e naGrande Loja (ao menos os ofícios principais) é um princípiosaudável, não tanto pela necessidade de prevenir favorecimentos,mas por uma questão de evolução do maçom em si.

Um maçom efetua um percurso, no qual é suposto procurar obter oseu aperfeiçoamento. Também na sua evolução maçónica isso sedeve refletir.

202

O Aprendiz aprende. O Companheiro aprende e prepara-se. OMestre começa por executar ocasionalmente ofícios em Loja,depois é designado formalmente para um ofício, depois outro eseguidamente outro, de crescente complexidade eresponsabilidade, até exercer o ofício de Vigilante e, depois, deVenerável Mestre. Depois, deve cumprir o seu dever de auxiliar oseu sucessor, no importante ofício de Ex-Venerável Mestre,primeiro conselheiro do líder em exercício. Depois, devesimbolicamente trilhar o seu caminho de regresso à base, ànormalidade, ao grupo, à indiferenciação, exercendo o ofício tidocomo menos exigente, o de Guarda Interno. Finalmente, deve terpresente que o exercício de ofícios, de funções, de "poderes" ésempre transitório e remeter-se discretamente para o seu lugar nasColunas da Loja, deixando a administração desta para aqueles cujotempo de a administrar veio depois do seu, mantendo-se àdisposição do Venerável Mestre e da Loja para o que preciso for,porventura ocasionalmente exercendo em substituição algum ofícioou auxiliando um Oficial em exercício..

Só depois de efetuado este percurso, de preparação, de exercíciode funções, desde a mais humilde à mais importante, depois de"descer de novo a colina" e de resistir à tentação de continuar adecidir, a pôr e dispor, aprendendo que os tempos se sucedem ehá tempo para aprender, tempo para mandar, tempo paraaconselhar e tempo para se fundir de novo no grupo e estardisponível, sem se intrometer no trabalho dos que ficaramposteriormente com a tarefa de administrar a Loja, o maçom estáentão - na minha opinião - preparado paraassumirresponsabilidades ao nível da Grande Loja.

203

Assim fiz eu - ficam assim a saber os meus Irmãos mais próximosporque resisti dezoito anos até finalmente me considerar apto aaceitar ter a responsabilidade de um Ofício na Grande Loja... - enão me dei mal com o sistema...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 140.

Rui Bandeira

204

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XVIII

August 29, 2012

Se o Vice-Grão-Mestre estiver doente, ou ausente pornecessidade, o Grão-Mestre poderá escolher qualquerCompanheiro que lhe aprouver para ser seu Vice-Grão-Mestrepro tempore . Mas quem foi escolhido Vice-Grão-Mestre naGrande Loja, e os Grandes-Vigilantes também, não podem serdemitidos sem o caso ser devidamente apreciado pela Maioriada Grande Loja; e se o Grão-Mestre estiver incompatibilizadocom algum, pode levar o caso perante a Grande Loja para estadar a sua opinião e contributo; em qualquer caso, se a Maioriada Grande Loja não conseguir reconciliar o Grão Mestre, o seuVice-Grão-Mestre ou seus Vigilantes. deve concordar com adispensa, pelo Grão Mestre, do seu dito Vice-Grão-Mestre oude seus ditos Vigilantes e escolher outro Vice-Grão-Mestreimediatamente: a Grande Loja deve escolher, também, outrosVigilantes, sendo esse o caso, para que a paz e a harmoniasejam preservadas.

205

Esta regra dispunha sobre duas situações diversas: a substituiçãotemporária, por doença ou impedimento, do Vice-Grão-Mestre e oregime de demissão e substituição deste e dos Grandes Vigilantes.Enquanto que a substituição temporária era livremente efetuada,por decisão do Grão-Mestre, a demissão e substituição dependiamde prévio conhecimento e tentativa de conciliação entre oGrão-Mestre e o ou os Grandes Oficiais visados. Falhada esta,dava-se prevalência à vontade do Grão-Mestre e a demissãoconsumava-se, procedendo a Grande Loja à eleição de novo ounovos titulares do ou dos ofícios.

Esta regra caiu em desuso, porquanto atualmente, na grandemaioria, senão a totalidade, das Obediências, nem o ou osVice-Grão-Mestres, nem os Grandes Vigilantes são eleitos pelaAssembleia de Grande Loja, sendo antes designados peloGrão-Mestre. Como é bom de ver, quem tem o poder de designartem o poder de demitir e substituir, pelo que a regra atual é a dalivre demissão e substituição destes e de todos os Grandes Oficiaisque não são eleitos, por vontade e ato do Grão-Mestre, em regraconsubstanciado por Decreto do Grão-Mestre.

Na GLLP/GLRP, para além do Grão-Mestre, só o Grande Tesoureiro, o Grande Porta-Gládio e os elementos do Conselho Fiscal são eleitos. Parece evidente a fundamentação desta opção: quanto ao Grão-Mestre, a legitimidade para o exercício dos amplos poderes que lhe são confiados durante o seu mandato só pode advir pela expressão da vontade do universo eleitoral; o Grande Tesoureiro é o responsável pela guarda e administração dos bens fiduciários da Grande Loja, pelo que também só quem beneficie da confiança do universo eleitoral pode ver ser-lhe confiada a gestão e guarda de parte importante do património comum; o Grande

206

Porta-Gládio, que empunha o gládio, a espada da Justiça, é oPresidente do Tribunal de Apelação, o elemento a quem aFraternidade confia o encargo de dirimir conflitos e aplicar sanções,em suma, a nobre tarefa de aplicar a justiça interna, sendoindispensável que goze da legitimidade advinda da sua eleição e daconfiança que todo o universo eleitoral assim nele deposita;finalmente, o Conselho Fiscal, que exerce as funções quelegalmente estão cometidas a qualquer Conselho Fiscal dequalquer pessoa coletiva, é eleito por sufrágio universal interno,porque assim a Lei do Estado Português o determina - e, aocontrário do que os mal-intencionados propalam em relação àMaçonaria, esta e as suas organizações cumpremescrupulosamente as leis dos Estados em que se inserem.

Nas origens da Maçonaria especulativa, havia óbvia preocupação de estabelecer um ponto de equilíbrio entre os poderes do Grão-Mestre e os das Lojas e respetiva Assembleia de Grande Loja. A evolução ao longo dos quase trezentos anos subsequentes veio acentuar os poderes executivos do Grão-Mestre, reservando-se para a Assembleia de Grande Loja o poder de eleger e o poder legislativo máximo. Não constitui esta evolução , ao contrário do que, à primeira vista, possa parecer, um reforço dos poderes do Grão-Mestre em face do coletivo. Esta evolução é antes o sedimentar de uma constatação que a sabedoria resultante da aplicação ao longo do tempo evidenciou: a atividade maçónica é, na sua essência, puramente voluntária; assim sendo, o Grão-Mestre apenas exerce os poderes que a confiança daqueles que o escolheram lhe concede, sendo uma evidência que a atuação para além ou contra essa confiança não será seguida pelo universo que dirige; quem porventura o fizer, ilude-se e acabará

207

desiludido: ver-se-á um "general sem soldados"...

Portanto, a globalidade dos maçons de uma Obediência confereamplos poderes àquele que elege Grão-Mestre, no pressuposto deque ele os exercerá em prol do bem comum da Fraternidade e nãodesmerecendo da confiança que nele é depositada, em tão grandemedida quanta a dos enormes poderes que lhe são conferidos. Se,porém, o eleito vier a desmerecer dessa confiança, e não se revelarpossível corrigir a situação, basta deixá-lo a falar sozinho até quese esgote o seu mandato...

É claro que pode haver preços a pagar: a delicada situação em quese encontra hoje a Grande Loge Nationale Française é exemplodisso. Mas algo que os maçons aprenderam é que a resolução detodos os problemas passa também por uma dimensão que, muitasvezes, tendemos a esquecer: pelo tempo! Por muitos estragos queuma opção errada faça, o tempo se encarregará de os atenuar, deos enquadrar no imenso deve e haver cósmico... E se e quandoorganizações caem é porque estavam já doentes, desequilibradase porventura será, a longo prazo, melhor que se faça novo do quese tente endireitar o que torto está... Por outro lado, se e quandouma organização treme e verga, mas, pese embora erroscometidos, arrepia caminho, corrige o que tiver a corrigir, segue emfrente e reganha a confiança de outrora, então é porque valeu apena o esforço de corrigir o que estava mal, mais do querecomeçar do zero...

Afinal, as organizações servem - só servem! - para as pessoas e. em maçonaria, antes de tudo e no fim de tudo, só a pessoa interessa. O fim último da Maçonaria é o aperfeiçoamento da pessoa, das pessoas, uma a uma. Quando ocorrem erros, devem ser utilizados para aprendizagem e exemplo, não para se chorar

208

sobre leite derramado...

Por isso, se concluiu que a melhor forma de organização de umaFraternidade inteiramente baseada na atuação e intervençãovoluntária dos seus elementos é a concessão ao seu dirigentemáximo de amplos poderes, conjugada com tempo curto deduração de mandato. Quem está de boa fé e é capaz, utiliza osamplos poderes e a total confiança que lhe são delegados em prolda Fraternidade, com uma eficácia (produtividade, está na modadizer-se agora...) muito superior à que existiria se tivesse os seuspoderes mais limitados, necessitando constantemente deautorizações e opiniões e consensos e votações, enfim estemundo, o outro e um par de botas de burocracia. Quem for menoscapaz ou utilizar de forma menos correta os poderes que lhe foramdelegados... bem, o mandato é curto, o tempo passa depressa eatrás de tempo, tempo vem... Quase quatrocentos anos deevolução dão um certo conforto quanto à sageza desta evolução...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 140-141.

Rui Bandeira

209

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XIX

September 05, 2012

Se o Grão-Mestre abusar de seu poder e se mostrar indigno daobediência das Lojas, o caso deve ser tratado da maneira quevier a ser definida em nova regra; já que até ao momento estaantiga Fraternidade não teve necessidade de tal, já que osGrão-Mestres se têm comportado de acordo com esse honrosocargo.

Esta é uma regra deliciosa! Em bom rigor, é uma regra a dizer quenão há regra e que, se for preciso, cria-se então a regra! Note-sebem: nunca um Grão-Mestre abusou do seu poder e se mostrouindigno da obediência das Lojas; por isso, não há regra para tratardessa eventualidade; porém, se um dia algum Grão-Mestre abusardo seu poder e se mostrar indigno da Obediência das Lojas, então,nessa altura, decidir-se-á como tratar do assunto e criar-se-á aregra que se entender adequada.

210

Esta disposição soa estranha a quem está habituado a um sistemajurídico composto por leis, por normas, previamente fixadas, queabstratamente regulam as situações possíveis, resolvendo-se oscasos concretos em função da previsão das normas existentes eaplicáveis - os países de tradição jurídica europeia continental elatino-americana.

Mas os ingleses criaram e habituaram-se a viver num sistema deregras, num sistema jurídico, conhecido como common law, em queé importante o sistema de precedente, isto é, cada problemaconcreto, na falta de uma regra que diretamente regule a situação,é resolvido em função de decisões concretas que anteriormentetenham sido tomadas para resolvercasos similares.

O sistema de common law tem muito menos leis e normas eregulamentos do que os sistemas jurícos do tipo continental. Emcontrapartida, necessita de registar cuidadosamente todas asdecisões regulatórias de conflitos que sejam tomadas, parapossibilitar a busca de precedentes aplicáveis a um dado conflitoespecífico, a uma qualquer situação concreta. É, se quisermos, umsistema que faz um grande apelo à faculdade do bom senso.

Tendo em atenção esta particular forma de regulação da vida em sociedade, já se nos afigura consideravelmente menos estranha, e, de alguma forma, até lógica, esta regra: se nunca aconteceu nesta antiga Fraternidade que um Grão-Mestre abusasse do seu poder, então nunca foi preciso decidir o que fazer nesse caso; por outro lado, não faz muito sentido estar a decidir agora o que fazer numa eventualidade que, pelo exemplo vindo de muito tempo atrás, possivelmente nunca acontecerá. Mas, se acontecer, então - e só então - decide-se o que fazer... Para quê, realmente, estar a antecipar dores futuras que até podem nunca vir a ser sofridas? Se

211

e quando houver essa dor, então trata-se dela...

Esta é, realmente, uma regra deliciosa, não pela sua aparente faltade objeto, mas pela singular demonstração de puro e simples bomsenso, que os maçons do século XVIII deixaram à disposição dosvindouros!

E efetivamente, em Inglaterra, quase trezentos anos decorridossobre esta regra, nunca foi, afinal, preciso criar regra sobre o quefazer na eventualidade de o Grão-Mestre abusar dos seus poderes:tal como antes, continua a nunca ter sucedido essa eventualidade!Realmente eram dores que não valia a pena que fossem sofridashá trezentos anos...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 141.

Rui Bandeira

212

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XX

September 12, 2012

O Grão-Mestre, com seu Vice-Grão-Mestre e Vigilantes, deve(pelo menos uma vez) visitar todas as Lojas da cidade durantea sua gestão.

Esta norma ainda hoje é seguida, embora, obviamente,devidamente adaptada ao grande crescimento da Fraternidade.

A regra de 1723 vigorava para uma Grande Loja cujo âmbitoterritorial abrangia a cidade de Londres e Westminster e queagregava, então, vinte Lojas. A exigência de que o Grão-Mestre,acompanhado de uma comitiva que incluísse, pelo menos, oVice-Grão-Mestre e os Grandes Vigilantes, visitasse todas as Lojasno decorrer do seu mandato era perfeitamente razoável ecompreensível.

Hoje, as Grandes Lojas têm um âmbito estadual e dezenas,centenas e, nalguns casos (UGLE, designadamente), milhares deLojas. É obviamente impossível cumprir-se esta determinação nosseus precisos termos.

213

No entanto, o cumprimento do espírito da mesma permanece, comas adaptações quea realidade impôs: em vez de uma obrigatóriacomitiva de Grandes Oficiais, distribui-se o esforço entre váriosGrandes Oficiais, designadamente o Grão-Mestre. o Vice ou osVice-Grão-Mestres e os Grandes Inspetores dos Ritos. No decursode cada mandato do Grão-Mestre, cada Loja deve receber, pelomenos, uma visita de um destes Grandes Oficiais. Em algumasObediências introduziu-se ainda outra variante: criaram-se GrandesLojas Provinciais, com Grão-Mestres Provinciais e Grandes OficiaisProvinciais, cada uma abrangendo uma parcela do território e umaparte das Lojas da estrutura principal e essa obrigação éassegurada pelos Grandes Oficiais Provinciais, cabendo aoGrão-Mestre estadual visitar, pelo menos uma vez no decorrer doseu mandato, todas as Grandes Lojas Provinciais.

Esta determinação visa dois objetivos essenciais. Por um lado, a manutenção de laços de proximidade e fraternidade entre a base e o topo, entre o maçom da Loja e os mais altos responsáveis da Fraternidade. Não se esqueça que a Fraternidade Maçónica é uma instituição que prega e vive e pratica o essencial conceito da Igualdade. O Grão-Mestre e o mais recente Aprendiz são eminentemenete iguais, simplesmente um tem obrigações amplas de gestão da instituição e o outro está na fase inicial da sua vivência maçónica. O convívio entre iguais, ainda que em estádios diferentes, é fomentado, é acarinhado, é praticado. Por outro, estas visitas permitem a avaliação da forma e qualidade de trabalho das Lojas, detetando eventuais variantes ou falhas ou "acrescentos" rituais que devem ser corrigidos, avaliando o estado de saúde da Loja, permitindo a tomada de medidas que fortaleçam uma Loja porventura em dificuldades, enfim ajudando a que seja corrigido o

214

que deva ser corrigido, melhorado o que houver para melhorar,sincronizado o que houver a sincronizar.

O essencial é que tudo decorra num ambiente de sã fraternidade,de reconhecimento e respeito mútuo entre as várias posições,enfim, dentro dos valores maçónicos.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 141.

Rui Bandeira

215

A estória de muitas histórias.

September 14, 2012

Eu, que sou um novo maçom, ainda em início de percurso,habituei-me desde o primeiro dia, a escutar, atentamente, asestórias da história da RL Mestre Affonso Domingues .

A nossa história está publicada em livro e aqui no A Partir Pedra,qualquer pessoa, iniciado ou profano a pode conhecer, bastaquerer e saber encontrá-la!

No entanto, o que me ressalta neste momento o espirito é o ver,com “olhos de ver”, como se diz na gíria comum, que o queaconteceu é verdade.

A (re)união de dezembro passado permitiu isso.

É o constatar da verdade, da prática, do viver a maçonaria.

Numa Loja, como é a RL Mestre Affonso Domingues , é normal e prática recorrente, voltar ao passado, não para o recordar, é passado, passou, mas recorremo-nos dele muitas vezes, porque

216

com ele aprendemos, soubemos interpretá-lo e acima de tudo nãotemos vergonha alguma de o termos vivido. O saudosismo não nosalimenta o futuro, traz-nos apenas a certeza do que gostaríamos derepetir e o que não iremos repetir, no futuro, com toda a certeza.

Não fui eu que o vivi, foram os Mestres de outros tempos, Mestresesses, que também eles, ainda hoje, tomam lugar nas colunas emsessões de Loja, são os Mestres que ensinam, mestres como eu,quem foi e quem é, realmente a RL Mestre Affonso Domingues .Que me ensinam a mim e a outros, novos como eu, o que érealmente a Maçonaria.

A estória das histórias da RL Mestre Affonso Domingues , estamosa vivê-la no presente, estamos a assistir de sessão em sessão, amomentos muito significativos em Maçonaria, a momentoshistóricos, a sessões históricas, carregadas de simbolismoemocional. Sabia, meu caro leitor que, os homens tambémchoram? Claro que sabia, mas sou “obrigado” a fazer estareferência.

A (re)união permitiu-nos esta etapa da nossa vivência maçónica, orestabelecer, da Maçonaria Regular em Portugal, trouxe-nos estafelicidade que é, como obreiros da RL Mestre Affonso Domingues ,viver o passado no presente e poder compreender um poucomelhor o que realmente aconteceu em determinados momentos dahistória da Maçonaria Regular em Portugal nos últimos 25 anos.

217

Em sessão, através das palavras proferidas e sobretudo escutadas,somos automaticamente transportados para o passado, como seestivéssemos todos a vivê-lo, passando um rápido olhar pelosobreiros presentes nas colunas e atribuir a determinados nomes,ouvidos desde sempre, um rosto, é e só pode ser a práticamaçónica em toda a sua essência.

Há mais I:. (ainda) por regressar a uma casa que é e será sempre asua…e em breve, muito em breve, tudo estará, justo e perfeito!

E ainda melhor, são aqueles que um dia partiram e que hojevoltaram, olharem para um novo rosto, como o meu, dizerem:

- Olá Meu Irmão, estás bom?

Daniel Martins

218

Jorge Silveira (1953-2012), maçom breve

September 19, 2012

Conheci o Jorge precisamente no dia 23 de novembro de 2011. Foiesse o dia em que o Jorge foi iniciado Aprendiz Maçom na LojaMestre Affonso Domingues. Antes desse dia, Jorge Manuel Macielda Silveira fora apenas um nome numa ficha de candidatura lida eaprovada em Loja para prosseguimento do normal processo decandidatura e, depois, o nome da pessoa retratada nos relatóriosdos inquiridores que sobre ele se informaram e, tendo concluídotratar-se de um homem livre e de bons costumes, com sincerodesejo de se aperfeiçoar, recomendaram a sua admissão às provasda Iniciação.

Nessa noite de inverno, conheci um homem alto e bem constituído,um pouco mais velho do que eu, que realizou as suas provas deIniciação com naturalidade e que, no convívio que se seguiu nofinal da sessão (quando não há uma segunda oportunidade parauma boa primeira impressão...) se confirmou um homem calmo,ponderado, com muita vida já vivida, e se revelou, sobretudo, comoum homem sorridente.

219

É esta a primeira recordação que tenho do Jorge, o sorriso afávelque, natural e frequentemente, surgia no seu rosto. Muitocinquentão, já não muito longe das seis décadas de vida, mantinhaa capacidade de sorrir, o espírito de humor - descobri mais tardeque uma saudável ironia era frequente expressão dele -, aafabilidade que normalmente encontramos naqueles que estão debem consigo próprios.

Se a primeira tarefa de um Aprendiz é a da sua integração nogrupo, o Jorge efetuou-a com facilidade e distinção. Um par desessões, um par de convívios, chegou e sobejou para que o Jorgefosse mais um dos nossos. Não havia dúvidas de que era um bomhomem, com bom caráter, interessado e de fácil trato. Rapidamenteentrou no ritmo: atento nas reuniões, nelas fazia o que se esperaque um Aprendiz faça - ouvir, observar, aprender; fora delas, eratambém o que de melhor havia a esperar - afável, descontraído,participativo, perguntava quando devia perguntar, comentava apropósito, confraternizava com facilidade. Com muita facilidade erapidez começaram a tecer-se laços de amizade, em especial - ecomo seria de esperar - com alguns dos Aprendizes com quempartilhava trabalhos, expetativas, esforços.

Na hora de trabalhar, disse-me o Segundo Vigilante, era sério e esforçado e evoluía com rapidez e segurança. Rapidamente atingiu o patamar em que se lhe começava a perguntar se já escolhera o tema da sua prancha de Aprendiz e se incentivava a que a elaborasse e apresentasse. Não haveria qualquer surpresa na sua Passagem a Companheiro, que certamente ocorreria neste ano maçónico de 2012/2013. Como se antevia que, também sem sobressaltos de maior, evoluiria até à sua Elevação a Mestre e se perspetivava que viria a ser um bom Mestre, que bem faria o seu

220

papel na Loja.

Quis o Grande Arquiteto que assim não viesse a acontecer. Já emsetembro, mas ainda antes da primeira sessão do ano,surpreendeu-nos a todos a notícia da sua passagem para o OrienteEterno. O Jorge já uns dias antes confidenciara a um de nós quealgo não ia bem, que uma dor no peito intermitente, masfugazmente, o incomodava. Infelizmente,o Jorge não deu a atençãoque devia ao assunto, não tratou de pôr o seu médico a par dasituação com a presteza que era aconselhável e não reconheceu anatureza do sinal que o seu corpo dava. E assim a sua hora deconhecer o Grande Mistério chegou.

Foi, em menos de um ano, o terceiro obreiro que a Mestre AffonsoDomingues viu partir! E, se todos cremos que essa partida étambém a entrada numa nova etapa do caminho, isso não tornamenos dolorosa a separação: todos os que acenaram a um familiarou amigo da borda de um cais ou no átrio de um aeroporto osabem.

Tivemos a dita de poder conviver com o Jorge durante algunsmeses. Ficámos com pena de só termos convivido com o Jorgedurante alguns meses. O tempo em que o Jorge integrou a LojaMestre Affonso Domingues foi breve, mas foi intenso e proveitoso egratificante.

O Jorge Silveira foi um maçom breve. Mas - que ninguém o duvide- quando partiu, partiu um dos nossos.

Rui Bandeira

221

As ondas da fortuna

September 21, 2012

Um dia, passeando junto ao mar, aproximei-me de uma falésia comas minhas filhas, e mostrei-lhes as ondas revoltosas quefustigavam as rochas. Perguntou-me uma delas sobre aquelasenormes pedras: "Alguém as pôs ali? De onde vieram?".Expliquei-lhe que por debaixo do chão que pisávamos havia terra,areia, pedrinhas pequenas, argilas, e algumas pedras grandes. Asondas do mar e as marés iam corroendo a base da falésia, fazendodesabar partes desta, e dissolvendo depois as partículasmenores em areia e em pó. Era daí que vinham as pedras.

//

Um maçom tem como principal objetivo tornar-se numa pessoa melhor. É para isso que a maçonaria existe: para tornar homens bons ainda melhores. Melhores não em termos absolutos, mas cada um relativamente melhor do que era antes, aos seus próprios olhos, e em face da sua própria realidade. Os objetivos de cada um, as estratégias de progresso, os critérios de sucesso, a cada um pertencem. É inútil tentarmos quer traçar quer percorrer o

222

caminho do outro; em maçonaria cada um faz o seu própriocaminho. E, quando há vontade e meios, que fantásticos caminhospodemos percorrer!

Que bem nos sentimos quando a vida nos sorri! Nesses momentossentimo-nos capazes de tudo, sentimo-nos os melhores homens daTerra, e juramos para connosco que estaremos sempre acima dasvilezas da vida. Como é bom subir - e estar em cima! Como égratificante sentirmo-nos bem connosco mesmos! O esforçopaga-se a si mesmo, a consciência do progresso redobra-nos asforças, e ganhamos ânimo para sermos ainda melhores, e capazesde tudo.

Porém, tal como nas marés, a cada subida se segue uma descida.Quando a vida se torna mais dura e o sorriso menos espontâneo é,de repente, muito mais difícil manter o rumo ascendente etornarmo-nos melhores a cada dia que passa. Pelo contrário, tudoao nosso redor nos puxa para baixo, como o mar nos arrasta para olargo quando a maré desce. E quantas vezes damos por nós a lutardesesperadamente não por nos tornarmos melhores, mas apenaspor não nos tornarmos piores!... Os tempos duros não melhoram osindivíduos; no entanto, dão mais realce aos melhores - àqueles quenão se deixam levar pelas ondas.

São homens firmes, voluntariosos, obstinados, fazendo finca-pé perante as adversidades, quem serve de facto de apoio aos mais vulneráveis, quem mantém as sociedades coesas, e quem mais contribui para suportar os grandes embates da História. Orgulha-me saber que muitos destes homens foram maçons, que trabalharam integrados nas suas lojas, que nelas cresceram apoiados nos que os precederam, e foram suporte dos que vieram depois. Ser assim mesmo, composta de uns maiores, outros mais

223

argilosos, outros mais ásperos, mas acima de tudo de gentediferente, é o que dá solidez a uma loja.

E saber que seremos todos, no fim, (des)feitos em areia e pó naimplacável voragem das ondas, não restando memória das pedrasque outrora tenhamos sido, nada ficando a longo prazo de legadoao futuro, tranquiliza-me em certa medida: faz com que cadahomem não valha senão por si mesmo, aos seus próprios olhos, eà luz da sua própria consciência.

//

Na base da falésia restavam apenas as grandes pedras que o marnão conseguira ainda vencer. Onda após onda, maré após maré,mesmo estas viriam a soçobrar - mas não já. Pois enquanto estasse perfilassem no seu posto, a falésia estaria mais protegida dafúria inconstante do oceano. Sem elas a falésia nãoexistiria. Mesmo quando fossem quebradas ou arrastadas, outrasmas novas viriam tomar o seu lugar, vindas mais de cima, ou maisdo interior. E quando, por fim, um dia a falésia deixar de existir, omar, cansado de não ter mais onde bater, espalhará pelas praiasdo mundo tudo o que dela restou.

Paulo M.

224

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXI

September 26, 2012

Se o Grão-Mestre morrer durante a sua gestão, ou, por doença,por estar além-mar, ou qualquer outro motivo, ficarincapacitado de exercer a sua função, o Vice Grão-Mestre ou,em sua ausência, o Primeiro Grande Vigilante, ou em suaausência o Segundo Grande Vigilante, ou em suas ausências,quaisquer três Mestres de Lojas, deverão reunir-se e convocara Grande Loja imediatamente, para que, juntos, possamanalisar esta emergência, e enviarem dois dos membros paraconvidar o último Grão-Mestre a reocupar o cargo em curso,passando a ocupá-lo; ou se este recusar, então oantepenúltimo, e assim por diante. Mas se nenhum antigoGrão-Mestre for encontrado, então o seu Vice Grão-Mestredeve exercer o cargo, até que outro Grão-Mestre sejaescolhido; e se não houver nenhum Vice Grão-Mestre, então omais antigo Mestre desempenhará essa função.

Esta regra regulava a substituição temporária do Grão-Mestre, por sua morte ou outro impedimento definitivo, até à eleição e

225

instalação de novo Grão-Mestre.

Foi concebida nitidamente com o propósito de prever todas aspossibilidades, evitando qualquer vazio de poder e, pela minúcia dasua estatuição, prevenindo conflitos sobre quem temporariamenteassegurava os destinos da Fraternidade.

Note-se bem que a regra prevê apenas a forma temporária desubstituição do Grão-Mestre falecido ou definitivamente impedido,bem como o objetivo dessa substituição. Não era, pois, aceite apossibilidade de substituição definitiva até ao termo do mandato.

Estatuiu-se uma precisa e detalhada ordem de substituiçãotemporária, que seria assegurada, em primeiro lugar, pelo ViceGrão-Mestre; na falta ou impedimento deste, o encargo seriaassumido pelo Primeiro Grande Vigilante; mas, na falta ouimpedimento deste, interviria o Segundo Grande Vigilante; naimprovável falta ou impedimento de todos estes, avançaria entãoum coletivo composto por quaisquer três Veneráveis Mestres deLojas.

Qual a função destes substitutos? Unicamente uma: convocar aAssembleia de Grande Loja (e, logicamente, assegurar a gestãocorrente até à realização desta).

Uma vez desaparecido ou impedido o Grão-Mestre eleito pelaGrande Loja, era a esta, titular originária dos poderes conferidos - esó a esta - que incumbia resolver o problema. Essa resoluçãoocorria em dois tempos: num primeiro tempo, assegurar a gestãocorrente até à realização da Assembleia de Grande Loja que iriaproceder à eleição do novo Grão-Mestre; no segundo, essa mesmaeleição.

Porquê esta necessidade de duas Assembleias de Grande Loja, uma para designar um gestor provisório e outra para efetuar a

226

eleição? Porque o processo eleitoral necessariamente quedemorava algum tempo, com prazos de apresentação decandidaturas, esclarecimento do corpo eleitoral pelos possíveisvários candidatos, execução das operações materiais inerentes aqualquer eleição séria, e se pretendia que, quer a gestão corrente,durante esse período, quer a própria organização do processoeleitoral decorresse sob a égide de alguém especificamentemandatado para tal, expressamente dotado de poderes e confiançapela origem de toda a autoridade maçónica, a Assembleia deGrande Loja.

A regra indica desde logo quem a Assembleia de Grande Loja devedesignar para essa função temporária, um dos AntigosGrão-Mestres, com uma ordem de preferência indo do mais recentepara o mais antigo. Só na falta, de todo em todo, de AntigoGrão-Mestre disponível para assegurar o encargo, este seriaassumido pelo Vice Grão-Mestre em funções ou, em último caso,pelo Venerável Mestre mais antigo (disponível, subentende-se).

Porquê esta opção em detrimento dos Oficiais em funções? Eporquê a necessidade de convocação e realização de umaAssembleia de Grande Loja apenas para designar o titularprovisório da função, se a norma é tão detalhada na designação dequem a devia exercer e na ordem de precedência e substituiçãopara o efeito?

Quanto à preferência pelos Antigos Grão-Mestres, resolvia uma questão de confronto de legitimidades. Por um lado, os Grandes Vigilantes eram eleitos, tal como o Grão-Mestre, enquanto que o Vice Grão-Mestre era apenas designado pelo Grão-Mestre; mas, pelo outro, aquele era hierarquicamente a segunda figura da Obediência e da confiança do Grão-Mestre eleito. Já na regra XVI

227

se regulara, cautelosamente, a forma de solucionar possíveisconflitos entre os Grandes Vigilantes e o Vice Grão-Mestre. Asolução acolhida evitava e escolha entre a legitimidade decorrenteda confiança depositada pelo Grão-Mestre eleito (e falecido ouimpedido) e a legitimidade eleitoral dos Grandes Vigilantes, fazendoapelo aos "senadores", aos Antigos Grão-Mestres, que o foram porter sido eleitos para tal e que tinham já experiência deadministração da Grande Loja, podendo assim assegurarfacilmente um período transitório de substituição. Só na(improvável) hipótese de não haver um Antigo Grão-Mestredisponível, em nítido último caso, a regra se resigna a escolher,optando pelo Vice Grão-Mestre - com alguma lógica, dado que setrata de solução transitória, para assegurar a continuidade do quese vinha fazendo, até à obtenção da solução definitiva, pelalegitimidade eleitoral.

Quanto à necessidade de realização de uma Assembleia deGrande Loja intercalar, a meu ver decorria de dois pressupostos.Por um lado, assegurar a transparência da substituição provisória:a verificação do cumprimento da norma e dos sucessivos requisitose ordem de substituição era publicamente feita perante aAssembleia. Por outro, conferia-se legitimidade da Assembleia aogestor provisório.

Modernamente - também porque a evolução das comunicações opropicia -, o sistema é simplificado: o Vice Grão Mestre, ou oPrimeiro Vice Grão-Mestre, quando haja mais de um, ou ainda omais antigo dos Vice Grão-Mestres, assume a condução provisóriada Fraternidade até à eleição, cujos termos e processo já estãopreviamente previstos e regulamentados.

Fonte:

228

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 141.

Rui Bandeira

229

Integração e tolerância

October 01, 2012

Uma adolescente muçulmana de 12 anos de idade, vivendo emFrankfurt, requereu a um tribunal alemão a dispensa das aulas denatação, alegando desconforto em estar tão perto de rapazes emtronco nu. De acordo com o seu advogado, o Corão não só aproibiria de se mostrar aos rapazes como de ver os rapazesdespidos da cintura para cima.

Na passada sexta-feira o tribunal emitiu a sentença, na qual recordou que ela poderia usar um fato de banho de corpo inteiro - já usado, aliás, por outras colegas da mesma escola - o que seria garante suficiente da sua liberdade religiosa. Por outro lado, notou que a família - original de Marrocos - escolhera viver na Alemanha, onde as aulas de natação mistas são a norma. Remeteu, por fim, para uma sentença do tribunal constitucional alemão, de acordo com a qual um dos propósitos do sistema escolar seria a

230

promoção da integração e da tolerância. Por tudo isto recusou apretensão da requerente, tendo esta que suportar a vista doscolegas nos seus fatos de banho.

//

Por ser a tolerância religiosa um dos valores que estiveram nagénese da maçonaria especulativa, é natural que os maçonstenham na tolerância um valor fundamental. No entanto, seperguntarmos a duas dúzias de maçons o que é a tolerância,receberemos duas dúzias de respostas, algumas das quaiscontraditórias - e é bom que assim seja. A tolerância decorre dadiversidade; sem diversidade não há necessidade de tolerância: sófaz sentido ser-se tolerante perante o que é diferente de nós.

É natural que procuremos a proximidade daqueles com quem nosidentificamos mais, e nessa identidade acabemos por nos afastardos que não se nos assemelham. A própria origem das espéciesdecorrerá dessa tendência de agremiação de seres maissemelhantes entre si mas um pouco diferentes de outros, mesmoquando todos partilhem antepassados comuns. O reconhecimentode seres diferentes - porventura portadores de uma mutaçãogenética, ou doentes - e o afastamento dos mesmos poderá servirde mecanismo de preservação das populações.

Por outro lado, pode dizer-se que a intolerância é um mecanismode defesa, de repulsão de um ataque - tenha este de factodecorrido, ou esteja iminente, ou seja meramente possível. Nestesentido, é uma qualidade saber-se reconhecer o inimigo que podedestruir-nos a nós ou às nossas crias. Porém, tomar por agressão aprópria diferença independentemente dos atos cometidos é umcomportamento perfeitamente típico de um ser irracional, se bemque inaceitável num ser humano.

231

Não deixa, por isso mesmo, de ser desejável que tomemosconsciência da dualidade da nossa natureza - animais por um lado,racionais pelo outro - e saibamos tirar o melhor partido de ambasas facetas da mesma. Pois que se, por um lado, o "instinto animal"nos pode salvar de muitas situações perigosas, por outro só umamente racional nos pode levar até à plenitude da nossahumanidade.

Tolerar a intolerância sob o argumento de que "é natural" só éaceitável para quem esteja disposto a abdicar de tudo quantodesenvolvemos enquanto seres racionais. Aceitar que somos todosdiferentes, e que nada de mal tem forçosamente que advir daí, éuma atitude tão mais importante quanto mais populado está onosso mundo, e quanto mais globalizado e culturalmentemiscigenado este se vai inexoravelmente tornando.

Li há anos um livro de Robert Heinlein (já não me recordo dequal...) de que retive uma frase: "Um homem sábio não pode serinsultado, pois a verdade não insulta, e a mentira não mereceatenção." Copiei essa frase cuidadosamente para um papelinhoque guardei cuidadosamente espetado num painel de cortiça nomeu escritório durante anos.

Curiosamente, o presidente Obama disse há dias uma coisaparecida: que a cultura ocidental reconhece o direito à liberdade deexpressão, mas não reconhece o direito a não ser insultado. Nasnossas sociedades - nos chamados "Estados de Direito" - a leiestabelece uma linha mínima de homogeneidade: todos são iguaisperante esta, todos devem cumpri-la, e ninguém deve ser forçado afazer o que esta não preveja. A lei constitui, assim, como que as"regras da casa" de uma sociedade, estipulando o que é e não éaceitável.

232

Pode dizer-se que há, essencialmente, duas formas de gerir adiferença: pretender tornar todos iguais, ou aceitar que somostodos diferentes. Se tivermos em conta quer as lições da História,quer o facto de que mesmo na população mais homogénea hádiferenças de indivíduo para indivíduo, não nos resta senão aceitara diferença - e tirar o maior partido desta. Podemos pretender agirsobre os outros - tornando-os iguais a nós mesmos ousuprimindo-os - ou pretender agir sobre nós mesmos - aceitando osoutros como são. É esta, precisamente, a forma como vejo atolerância tal como a maçonaria no-la transmite: comouma deliberada indiferença perante a diferença. Não, não éinstintivo - mas aprende-se.

Paulo M.

233

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXII

October 03, 2012

Todos os Irmãos de todas as Lojas de Londres, Westminster earredores deverão reunir Anualmente e celebrar em lugarconveniente, no Dia de São João Batista ou no Dia de SãoJoão Evangelista, como a Grande Loia ache mais adequado emnova regra; a Grande Loja tem, nos últimos anos, reunido noDia de São João Batista, mas a maioria dos Mestres eVigilantes, com o Grão-Mestre, seu Vice Grão-Mestre eGrandes Vigilantes têm de acordar, numa Reunião Trimestral,três meses antes, que a celebração se realizará, bem comouma Reunião Geral de todos os Irmãos. Se o Grão-Mestre ou aMaioria dos Mestres de Loja forem contra, aquela serácancelada nesse ano.

Mas havendo uma festividade para todos os Irmãos, ou não,ainda assim a Grande Loja deve reunir-se anualmente em lugarconveniente no Dia de São João, ou, se for domingo, no diaseguinte,para escolher cada ano um novo Grão-Mestre, ViceGrão-Mestre e Vigilantes.

234

Esta regra deriva, claramente, da Maçonaria Operativa. Já no final da Lenda do Ofício, quando esta se refere ao tempo do rei saxão Athelstan, o Glorioso, que reinou entre 924 e 939 e foi considerado o primeiro rei inglês de facto, se refere que o seu alegado filho (uma inconsistência histórica, pois Athelstan não teve filhos) Edwin gostava dos Maçons muito mais do que o seu pai. E era um grande praticante da Geometria; e dedicou-se muito a falar e a confraternizar com Maçons e a aprender a sua ciência; e depois, pelo amor que dedicava aos Maçons e à ciência, ele foi feito Maçom, e obteve do rei seu pai uma carta-patente para realizar todos os anos uma assembleia, onde lhes conviesse, no reino de Inglaterra. O conjunto dos elementos das Lojas operativas inglesas reunia-se anualmente, para serem dirimidos conflitos e uniformizadas práticas. Esta prática transmitiu-se para a Maçonaria Especulativa que, formalizada em reunião de quatro Lojas de Londres e Westminster ocorrida no dia de São João Batista de 1717, manteve o uso da reunião anual de Grande Loja, em regra no dia de São João Batista, ou perto dele. A regra ainda estipula que essa reunião anual poderia ser no dia de São João Batista (24 de junho) ou no dia de São João Evangelista (27 de dezembro). A aproximação às datas solsticiais é evidente. Com o decorrer do tempo, veio a festividade anual da Maçonaria a fixar-se por volta do solstício de verão, já que as festividades do solstício de inverno acabam por ser absorvidas pelas festividades

235

natalícias nos países maioritariamente cristãos. Nos tempos operativos e nos primeiros tempos da Grande Loja de Londres e Westminster, a assembleia anual destinava-se a reunir todos os maçons. O grande crescimento da Maçonaria tornou impossível que assim continuasse a suceder, passando a assembleia anual da Grande Loja a ser mais uma das reuniões trimestrais da Assembleia de Grande Loja, formada pelos representantes designados pelas Lojas, apenas com uma maior solenidade e festividade. A Assembleia anual pelo dia de São João Batista era também a ocasião para a eleição do Grão-Mestre, do Vice Grão-Mestre e dos Grandes Vigilantes. A evolução sofrida pela Maçonaria com a sua expansão pelo mundo veio a alterar significativamente esta regra: em muitas Obediências, o Vice Grão-Mestre e os Grandes Vigilantes deixaram se ser eleitos, passando a ser designados pelo Grão-Mestre (em contrapartida, emergiu a importância de um ofício administrativo que, por razões que parecem evidentes, passou, em muitas Obediências, a ser um ofício preenchido por eleição: o Grande Tesoureiro). Em muitas Obediências, o mandato deixou de ser anual, passando a ter duração variável, entre dois e cinco anos - mas não na generalidade das Obediências norte-americanas, que mantém a duração do mandato de Grão-Mestre como anual. Também a dispersão geográfica, os usos e costumes de cada país, as diversas condições climáticas, enfim, uma multitude de fatores, vieram a originar que a eleição do Grão-Mestre não ocorra necessariamente no solstício de verão.

236

Mas a Assembleia ocorrida por volta do dia de São João Batista,por volta do solstício de verão no hemisfério norte (de inverno, nohemisfério sul) continua a ser a ocasião mais festiva globalmentena Maçonaria. Uma tradição comum mas adaptável em função das circunstâncias,dos locais, dos costumes, das necessidades, tem-se revelado umapoderosa força de união dos Maçonaria. Finalmente, uma outra nota. Os maçons têm como objetivo o seuaperfeiçoamento pessoal, num esforço individual beneficiando doauxílio e da contribuição do coletivo. É um permanente trabalho deconstrução, uma incessante e laboriosa tarefa. Mas os maçonstambém sabem que a Vida não é só composta de esforço, delabuta, de trabalho. Também o descanso, o ócio, os momentos defesta e confraternização, são importantes, quer para restaurar asforças de cada um, quer para fortalecer os laços de amizade, decamaradagem, de fraternidade. Há tempo e lugar para tudo, para otrabalho e para o ócio, para a labuta e para a festa, para o esforçoe para a confraternização. Por isso os maçons tambémestabeleceram e mantiveram regra prevendo a existência da festapara ser em comum fruída. Os maçons são homens bons que querem tornar-se melhores, massão, sobretudo, homens! Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notas de Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 141.

237

Rui Bandeira

238

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXIII

October 10, 2012

Se se achar conveniente, e o Grão-Mestre, juntamente com amaioria dos Mestres e os Vigilantes, concordarem em realizaruma grande festividade de acordo com o antigo e salutarcostume da Maçonaria, então os Grandes Vigilantes devemcuidar de preparar os convites, selados com o selo doGrão-Mestre, enviá-los, receber o dinheiro das inscrições,comprar os materiais para a festa, encontrar um localconveniente, e tratar de tudo aquilo que for necessário a talevento.

Mas para que este trabalho não seja pesado para os dois Grandes Vigilantes, e de modo a que todos os assuntos sejam cuidados segura e diligentemente, o Grão-Mestre, ou seu Vice Grão-Mestre, podem nomear ou indicar um certo número de ajudantes, tantos quantos achar necessários, para actuar em

239

conjunto com os dois Grandes Vigilantes. Tudo o que tenha aver com a Festividade será decidido entre estes por maioria devotos, excepto quando o Grão-Mestre, ou seu ViceGrão-Mestre, intervenha dando orientações.

Desde o início da Maçonaria Especulativa que é dada muitaimportância à festividade anual da Fraternidade, a ter lugar poralturas do solstício de verão, no hemisfério norte (de inverno, nohemisfério sul), no ou perto do dia dedicado a São João Batista (24de junho), um dos dois S. João que a Maçonaria considera seuspatronos (o outro é S. João Evangelista, cuja festa litúrgica,curiosamente - mas talvez, afinal, significativamente... - secomemora em 27 de dezembro, cerca do solstício de inverno, nohemisfério norte, e de verão, no hemisfério sul).

Esta celebração anual coincidindo com a festa litúrgica de umafigura do cristianismo, considerada geralmente o precursor eanunciador de Jesus Cristo, mostra bem que, ao contrário do quemuitos pensam, a Maçonaria não só tem uma origem teísta, comoessa origem esteve intimamente ligada ao cristianismo.

Sobre a origem teísta da Maçonaria recaiu, e muito, a influência do princípio da Tolerância - desde logo religiosa -, que veio a permitir uma evolução no sentido da inclusividade dos crentes de todas as religiões cristãs, primeiro, logo depois, e muito rapidamente, de todas as religiões do Livro (judaísmo e islamismo), seguidamente de todas as religiões e finalmente dos crentes deístas, isto é, dos crentes num Criador, mas não necessariamente integrados numa religião, não necessariamente professando doutrina de religião organizada. Independentemente da crença de cada um, todos os maçons

240

reconhecem como patronos da Maçonaria os dois S. João, oBatista e o Evangelista. Muitas Obediências mantêm a épocasolsticial de junho como referência para a sua principal festividadeanual. No caso da GLLP/GLRP, a sua constituição formal data de 29 dejunho de 1991, o primeiro sábado após o dia de S. João naqueleano. Também por esse motivo é a época solsticial de junho objetoda sua maior celebração anual. A regra que ora se comenta instituía como principais responsáveispela organização dessa celebração os Grandes Vigilantes.Modernamente, a organização da celebração é assegurada pelasGrandes Secretarias, verdadeiro centro nevrálgico administrativo dageneralidade das Obediências maçónicas.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 141-142.

Rui Bandeira

241

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXIV

October 17, 2012

Os Vigilantes e os Ajudantes devem, atempadamente, ouvir asorientações do Grão-Mestre, ou seu Vice Grão-Mestre, acercado local. Mas se o Sapientíssimo e seu Vice Grão-Mestreestiverem doentes, ou ausentes, devem reunir-se com osMestres e Vigilantes das Lojas para aconselhamento e ordens;ou então podem tomar o assunto totalmente em suas mãos efazerem o melhor que puderem.

Os Grandes Vigilantes e os representantes devem dar conta detodo o dinheiro que recebem e gastam, à Grande Loja, depoisdo jantar, ou quando a Grande Loja achar ser o melhormomento para tal.

Se o Grão-Mestre assim desejar, pode, no tempo devido, reunir todos os Mestres e Vigilantes de Loja para consultá-los a respeito da grande festa, e acerca de qualquer emergência ou

242

acidente relativo a esta, que requeira aconselhamento; ouentão tomar para si a responsabilidade.

Esta é a segunda de um conjunto de nove regras dedicadasespecificamente à organização da Festa Anual. Das trinta e novaRegras Gerais registadas na Constituição de Anderson de 1723,nada mais, nada menos do que nove, mais de um quarto, sãodedicadas à determinação dos vários aspetos organizativos daFesta Anual, com um detalhe que surpreende um pouco, mas quedemonstra a importância que era atribuída à referida Festa Anual.

No caso desta regra, a mesma acentua que, embora a regraanterior tivesse cometido a responsabilidade da organização dacelebração aos Grandes Vigilantes, essa organização deveriarespeitar a orientação dada pelo Grão-Mestre ou, por delegação ouimpossibilidade deste, pelo Vice Grão-Mestre, designadamentequanto à escolha do local onde a mesma deveria ocorrer.

Chama a atenção o texto desta regra por, creio que pela única vezem toda a Constituição de Anderson de 1723, ser utilizada umafórmula protocolar para designar o Grão-Mestre: "Sapientíssimo".

Algo que a Maçonaria herdou do século XVIII e que, um pouco portodo o mundo, mesmo nos países onde o trato é maisdescontraído, permanece, é a utilização de uma linguagem e formade trato cerimoniosos - por vezes soando mesmo a arcaísmo...

Repare-se que o obreiro que dirige a Loja não é o Presidente, nemo Diretor, nem sequer o Mestre: é o Venerável Mestre, isto é,aquele que dirige a Loja e é, por isso, merecedor de especialconsideração.

Na GLLP/GLRP, os Grandes Oficiais são "Respeitáveis" Irmãos e o Grão-Mestre, naturalmente, é "Muito Respeitável" Grão-Mestre. No Brasil, é costumeiro designar-se um Irmão, protocolarmente, por

243

"Poderoso Irmão", "Valoroso Irmão" ou mesmo "Portentoso Irmão".O Grão-Mestre Geral do Grande Oriente do Brasil é designado por"Soberano Irmão" e o seu Grão-Mestre Geral Adjunto por"Sapientíssimo Irmão" (precisamente a referência honoríficautilizada na Regra XXIV). Em algumas - quiçá em todas - GrandesLojas Estaduais, o respetivo Grão-Mestre é designado por"Sereníssimo" Grão-Mestre.

Permanece assim bem ancorada nos costumes maçónicos autilização de uma grandiloquência de linguagem e de tratamentoque, se por um lado, soa a quem está de fora algo estranha,arcaica, mesmo desajustada, por outro constitui a marca de umadiferenciação entre duas vertentes da vida, que os maçonsreconhecem serem (ainda) distintas: a vida maçónica e a vida nomundo profano. Naquela, marca-se bem o esforço deaperfeiçoamento, de busca de melhoria, de tolerância, de respeitomútuo, de convergência entre a admiração e a amizade. O uso devocativos cerimoniosos é uma forma de pontuar esse esforço, essadiferença, afinal - não há que temer as palavras - esse elitismo deque os maçons se reclamam. Mas os maçons sabem bem queesses arcaísmos são utilizados entre si, dentro da estruturamaçónica, sendo socialmente tidos por exagerados, desajustados,no mundo profano.

O tratamento cerimonioso entre os maçons é herdeiro direto dasfórmulas usuais de tratamento que vigoravam no século XVIII. Aopreservarem e continuarem a utilizar essas fórmulas, os maçonsprestam homenagem aos seus antepassados, guardam epreservam o que era corrente três séculos atrás, sem olvidaremque a vida e a sociedade evoluíram.

244

O balanço entre a Tradição e a Modernidade é uma dascaraterísticas dos maçons. Na linguagem utilizada, no tratamentocerimonioso de que se não prescinde, preservam a Tradiçãominuciosamente, ao ponto de poderem ser considerados comoutilizadores de linguagem e tratamento arcaicos, grandiloquentes,desajustados aos dias de hoje. Porventura levarão a suapreservação a um nível mal-entendido pelos seus contemporâneos.Mas seguramente que essa caraterística os protege de caírem novício da linguagem vulgar, do "calão", que vai campeando nos diasde hoje um pouco por todo o lado. Ente um e outro dos polos, diz oPovo que no meio está a virtude...

Não se pense, porém, que as designações cerimoniosas que osmaçons efetuam entre si são manifestações de vaidade. Nada tema ver com isso, apenas com a preservação da Tradição e compermanente manifestação de respeito e apreço pelos demais. E, sedúvidas sobre isso existirem, a imagem que escolhi para encimareste texto esclarece o que os maçons pensam da Vaidade... Se háalgo de que todos os maçons são bem conscientes é o daessencial Igualdade entre todos, no momento de deixar estemundo. Aí, então, toda a Vaidade termina da mesma forma...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 142.

Rui Bandeira

245

O saber calar-se

October 21, 2012

A sessão fora produtiva e algo longa, e todos ansiavam já pelomomento de confraternização que se lhe seguiria. Como é regra,todos os aprendizes e companheiros haviam observado absolutosilêncio durante a sessão, não podendo pedir a palavra nemmanifestar-se. Agora que a sessão tinha terminado, falavam abertae incessantemente de tudo e de nada, uns aqui sobre um pormenorda sessão que não tinham percebido ou sobre o qual queriamsaber mais, outros de assuntos mais mundanos, outros aindaauxiliando-se mutuamente na arrumação do templo - que é,precisamente, uma das incumbências dos aprendizes. Seguiu-se oágape - uma refeição em conjunto - em que todos podem falar. Etodos o fazem, e é precisamente o que se pretende.

//

Em sessão de loja não se pode falar sem primeiro pedir a palavra, mas não basta pedir, não basta um "com licença" para legitimar que se tome a palavra de imediato; é necessário esperar que quem tenha a palavra termine o que tem a dizer, pedir-se de seguida a palavra com um gesto, e esperar que esta seja concedida por quem dirige a sessão - o Venerável Mestre. E enquando se discute um

246

certo assunto, cada um tem apenas direito a uma únicaintervenção; não há direito de resposta, não há "esqueci-me distoou daquilo", e muito menos comentários ao que outro acabou dedizer.

Com estas regras aprende-se a ser objetivo, sucinto e claro no quese pretende dizer; não há oportunidade de se fazer um discurso porsucessivas aproximações, nem "navegação à vista". Cada um diz oque tem a dizer, e escuta serenamente o que os demais tenhampara partilhar. No fim, o Venerável Mestre fará uma súmula do quefoi dito e, com base na posição de cada um, estabelece a posiçãoda loja. Os aprendizes e os companheiros mantêm-se em silêncio,para aprenderem pelo exemplo como se faz, o que se faz, e o quenão deve fazer-se. Uma vez elevados a Mestres, poderão pedir apalavra e manifestar-se, mas nesse momento terão já tido aoportunidade de ver e aprender, durante um par de anos, como éque devem exercer esse direito.

//

Um dos mestres presentes estava a contar histórias antigas, e curiosamente um dos aprendizes presentes - homem já maduro - tinha algo a acrescentar a essas histórias. Com naturalidade, interrompeu a palavra a quem falava - "dá-me só um segundo..." - e acrescentou um pormenor, deu uma informação adicional e, rapidamente, devolveu a palavra. O mestre prosseguiu durante alguns minutos, até que foi de novo interrompido pelo mesmo aprendiz - "se me permites, meu irmão..." - e contou mais um pouco daquilo de que se falava, deixando todos interessados com o que contou, logo se desculpando de novo e devolvendo a palavra. Discretamente, alguns dos mestres presentes trocaram olhares e sorriram com bonomia. "Tem tempo, ele há de lá chegar",

247

pareciam dizer entre si.

É bom que um aprendiz ou um companheiro tenham algo a dizer -e que o façam no momento e lugar próprios, como o é um ágapeapós uma sessão de loja. É precisamente essa a circunstânciaideal para que vão aprendendo a fazê-lo da forma que se esperaque venham a configurar futuramente em loja, quando já mestres;nesse momento, poderão intervir em sessão com fluidez eharmonia, já cientes da forma como deverão agir.

Estive mesmo para dar uma palavra, no final, ao aprendiz emcausa - mas contive-me. Afinal, quando se diz que "em maçonariatudo se aprende e nada se ensina" pretende-se realçar,precisamente, o respeito pelo tempo e pelo ritmo de cada um, epela descoberta por cada um do seu caminho e das suas verdades.O aprendiz haveria de ter mais oportunidades para descobrir por simesmo; afinal, o mesmo tinha sucedido também comigo. De facto,não sem algum pudor, recordei as minhas primeiras intervençõesjunto dos meus Irmãos - intempestivas, acutilantes, desarmoniosas- e pensei que, se eu fora capaz de (começar a) aprender acalar-me (coisa que continuo a aprender todos os dias), certamenteaquele aprendiz teria o direito de o descobrir também por simesmo.

Paulo M.

248

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXV

October 24, 2012

Os Mestres das Lojas devem, cada um, nomear umCompanheiro de sua Loja, discreto e experiente, para formarum Comité, constituído por um Companheiro de cada Loja,com a incumbência de receber, em lugar conveniente,qualquer pessoa convidada para admissão, o qual tem poderpara o informar, se o acharem merecedor para ser admitido, oubarrarem-lhe a entrada se tiver razões para isso; mas nãoexcluirão ninguém antes de explicarem, a todos os Irmãos, emLoja, quais essas razões, para que se evitem erros. E quenenhum verdadeiro Irmão seja excluído, nem um falso Irmão,ou embusteiro, seja admitido. Este Comité deve reunir-se nolocal da Festa de São João, antes do seu início e antes quequalquer pessoa chegue com o convite (para ser admitido).

249

Esta regra postula o que podemos considerar a origem dotelhamento, ou seja, o exame das credenciais de quem, sendodesconhecido da Loja (visitante), pretende participar de umareunião maçónica.

As sessões das Lojas maçónicas são reservadas aos maçons. Poroutro lado, a Maçonaria organiza-se em graus (Aprendiz,Companheiro e Mestre), sendo que os maçons de grau inferior nãopodem participar de reuniões destinadas aos de grau superior.Apresentando-se um desconhecido para participar de uma reuniãode Loja, é necessário que esta se assegure, em primeiro lugar, sequem se apresenta para tal é maçom e, em segundo lugar, se émaçom do grau em que a Loja vai trabalhar, ou superior.

O conjunto de operações e verificações destinado a que essa certeza seja adquirida designa-se por "telhamento", o ato de "telhar". A expressão é simbólica. As Lojas maçónicas reúnem "a coberto", isto é, em privado, sem a presença de quem não é maçom. A simbologia utilizada pela Maçonaria é extraída da construção. Um edifício normalmente é coberto com telha. Um edfício com telhado está a coberto. Logo, uma Loja "a coberto" é uma Loja dotada de telhado, uma Loja "telhada". O ato de verificar que quem acede a uma reunião de uma Loja tem o direito de o fazer é o ato de garantir que a Loja reúna efetivamente "a coberto", é o ato de "cobrir" a Loja. Fazendo-se o paraleo com a cobertura de um edifício, cobrir um edifício é dotá-lo de telha, telhá-lo. Logo, o ato de garantir que a Loja reúna a coberto, mediante a verificação de que quem se apresenta é maçom, e maçom do grau em que a Loja vai reunir, é o ato de telhamento da Loja e essa atividade de verificação é chamada de "telhar" aquele que pretende visitar a Loja.

250

Esta designação é pacífica e comum na Maçonaria Portuguesa. Já no Brasil, existem duas variantes para a designação. Uma partedas Lojas, em regra as subordinadas ao Grande Oriente do Brasil,utiliza "telhar" e "telhamento". Outra parte, em regra Lojasjurisdicionadas às Grandes Lojas dos vários Estados brasileiros,utiliza os termos "trolhar" e "trolhamento". Tenho este últimostermos por corruptelas dos termos originais, decorrentes departicular entendimento da fonética das palavras originais, taiscomo são pronunciadas no "português europeu". Com efeito, aforma de pronúncia utilizada no português europeu éconsideravelmente mais fechada, mais "muda" na pronúncia dasvogais não tónicas. Enquanto que no português do Brasil a vogal"e" de telhar é claramente pronunciada, no português europeu écompletamente muda. Não admira, assim, que um ouvido brasileiroconfundisse a sílaba "te" de telhar e telhamento, em que a vogal,pura e simplesmente é abafada, é completamente átona, com a asílaba "tro" de "trolhar", ato de passar a trolha (que até é uminstrumento de pedreiro...), daí derivando "trolhamento". Um ilustre Irmão brasileiro, Kennio Ismail, defende, no blogue "Noesquadro" (emhttp://www.noesquadro.com.br/2011/02/telhamento-ou-trolhamento.html)que o correto é utilizar "trolhar" e "trolhamento", argumentando,designadamente:

Consultando o Dicionário Priberiam da Língua Portuguesa (dicionário do chamado “português europeu”, visto que o REAA

251

praticado no Brasil tem suas raízes na França e em Portugal, commuitos maçons brasileiros do século XIX tendo iniciado naMaçonaria quando dos estudos em Lisboa), encontramos, entrealguns poucos, o seguinte significado para a palavra “trolha ”:“operário que assenta e conserta telhados”. Sendo assim, no bom evelho português, “trolhamento” é assentar e consertar telhados. Jáo termo “telhador” significa no mesmo dicionário “aquele que telha”,e o verbo “telhar” significa “cobrir com telha”.

Sim, é exatamente isso que você pensou: se você mora em Lisboae está com uma goteira em casa, você chama “o trolha” praconsertar seu telhado. Ele faz um “trolhamento”, ou seja, um examepara verificar onde está o problema, e então realiza o conserto.

Dessa forma, pode-se entender que “telhamento” é fazer umtelhado, enquanto que “trolhamento” é consertar um telhado. Ora,o templo já está concluído. O examinador apenas verificará se nãohá uma “telha” fora do lugar ou defeituosa, de forma a evitar uma“goteira”. Então, qual é o termo que melhor se encaixa à ação doexaminador? Trolhamento. O examinador está sendo um “trolha”,assentando, ou seja, avaliando se os visitantes têm o nível (grau)necessário para participarem dos trabalhos, e impedindo assim aentrada de “uma goteira” em nosso lar maçônico.

O argumento é interessante, mas, a meu ver, não colhe, por várias razões: 1) O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa é um recente dicionário eletrónico, criado por uma empresa comercial que, embora meritório, não tem a autoridade bastante para, por si só, definir o que é certo ou errado na língua portuguesa;

252

2) Em mais nenhum outro dicionário que consultei, inclusive do século XIX, encontrei o entendimento de "trolha" como operário que assenta e conserta telhados; 3) Em português europeu "trolha" é pedreiro ou servente de pedreiro (e também a designação de uma ferramenta do pedreiro, a colher de pedreiro), e ponto final; nem no século XIX, quando "muitos maçons brasileiros" estudaram e foram iniciados em Lisboa trolha era designação específica de quem consertava telhados; 4) É certo que o pedreiro trabalha em todas as fases da construção, desde executar os caboucos a levantar paredes, fazer lajes e, sim, também assentar o telhado - mas tudo isso são partes da função do pedreiro, do mister do trolha: não é correto individualizar uma particular tarefa (se o fosse, então ao trolha também cabe abrir janelas, por onde estranhos podem espreitar para o interior das Lojas...); 5) Finalmente, nunca, em português arcaico ou nos rituais e catecismos em uso em Portugal nos séculos XIX e XX foi utilizado "trolhar" e "trolhamento", antes e apenas "telhar" e "telhamento". Tenho assim que, com toda a amizade, discordar do entendimento do Irmão Kennio Ismail. Mas, por outro lado, algo há ainda a frisar. Os defensores do uso de "telhar" e "telhamento" acusam quem usa "trolhar" e "trolhamento" de incorreção, frisando que "trolhar",

253

passar a trolha, o ato de alisar uma superfície é bem mais adequado para designar, não a verificação de quem é maçom, mas sim a atividade de conciliar irmãos desavindos, de limar as asperezas entre eles surgidas, aplainar, alisar, os desentendimentos, enfim, obter a concórdia na Loja através do diálogo que esclareça posições, atenue divergências e garanta a tolerância de diferentes posições e entendimentos. Embora pessoalmente eu adira a esta interpretação simbólica, não quero deixar de expressar que não concordo com a acusação de "incorreção": a língua é uma coisa viva, evolui, por vezes por variantes cultas, talvez a maioria das vezes por variantes populares, por norma precisamente corruptelas de expressões cultas. Se a língua não evoluísse, se não se alterasse, ainda todos falávamos latim... Uma vez que uma expressão ganhe um uso continuado e significativo na língua, passa a integrá-la, quer a sua origem seja "culta" e tida por gramaticalmente correta, quer a sua origem seja "popular" e decorra de corruptela. Penso que é essa precisamente a situação, neste caso concreto: uma evolução da língua portuguesa, no espaço brasileiro, que acabou por consagrar o uso como sinónimos de "telhar" e "trolhar" e "telhamento" e "trolhamento", desde há dezenas de anos. Precisamente porque a língua é viva e extravasa as pretensões de lhe impormos espartilhos, regras e normas, considero que nenhuma das expressões é, hoje, correta ou incorreta: ambas as variantes estão consagradas pelo uso, ambas ganharam a sua alforria na língua portuguesa, ambas podem ser utilizadas no português utilizado no Brasil.

254

Uma última nota: não se estranhe que o texto da regra refira que otelhamento era feito por Companheiros: em 1723, ainda a Lojatinha apenas Aprendizes e Companheiros (estes os "oficiais", osque já sabiam executar os trabalhos, equivalentes hoje aos MestresMaçons), sendo a designação de Mestre reservada ao que hojedesignamos por Venerável Mestre. Só mais tarde é instituído osistema de três graus. O que nos recorda que preservação daTradição não é sinónimo de imobilismo... nem na língua!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 142.

Rui Bandeira

255

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXVI

October 31, 2012

O Grão-Mestre deve escolher dois ou mais Irmãos deconfiança para Porteiros, ou guardadores das portas, os quaisdevem também apresentar-se cedo no local, por óbvias eevidentes razões, e estarão às ordens do Comité.

Esta Regra - que, recorde-se, figura entre o conjunto de regrasrelativas à organização da reunião festiva anual da Grande Loja deLondres e Westminster, no primeiro quartel do século XVIII -contém referência a ofício que permanece em todas as Lojasmaçónicas, de vários ritos: Guarda Interno ou a dicotomia GuardaInterno e Guarda Externo.

O Guarda Interno é o ofício mais "modesto" da Loja. Tem uma muito breve intervenção no ritual de abertura dos trabalhos e, para além dela, apenas intervém sempre que se torna necessário que alguém entre ou saia da sala onde decorrer a reunião, abrindo e fechando a porta. Não admira que, familiarmente, seja, por vezes referido como o "Oficial Porteiro"... Porventura quando, descontraída e jocosamente, se faz esta referência, não se tem a

256

noção de que... essa mesma foi a designação escolhida pelasRegras Gerais dos Maçons consignadas na Constituição deAnderson de 1723!

O facto de este ofício ser o mais "modesto", o último na hierarquiade ofícios da Loja, não é, porém, sinónimo de menor importância oude que seja menosprezado pelos maçons. Pelo contrário, como emquase tudo o que é feito em Loja, os maçons frequentementeaproveitam para conferir uma carga simbólica a esse ofício. Assim,é corrente que o exercício desse ofício seja assegurado durante umano maçónico por aquele que, no ano anterior, foi o Ex-Venerávelda Loja e, dois anos antes, dirigira a mesma, sentado na Cadeirade Salomão. Aquele que dirigiu a Loja, findo esse seu trabalho,coloca a sua experiência à disposição do seu sucessor,sentando-se, como Ex-Venerável, ao lado deste, disponível paralhe prestar o seu conselho, sempre que necessário. Quando, porsua vez, o seu sucessor termina o seu período de exercício doofício de Venerável Mestre e é ele que assume as funções deEx-Venerável, aquele que dirigiu a Loja e que depois aconselhou oseu sucessor... vai exercer o ofício mais modesto, menos exigente,menos "importante", da Loja.

Com este hábito, procuram os maçons simbolizar várias coisas: (1) que todos os ofícios em Loja são importantes e que o funcionamento harmonioso da Loja depende da conjugação de todos eles, pelo que se reserva o exercício do ofício menos exigente para aquele que, durante dois anos, exerceu sucessivamente, os dois mais "nobres" ofícios da Loja; (2) que o trabalho bem feito é importante e compensador, independentemente da sua "nobreza" ou da sua hierarquia, podendo e devendo aqueles que exerceram as mais exigentes

257

funções assegurar, com o mesmo interesse, pundonor e dedicação,funções tidas como mais humildes ou menos importantes, sem queisso diminua - pelo contrário! - a importância que os seus pares lhereconhecem. Para todos os efeitos, o Guarda Interno é um ofíciosingelo, exercido por um... Antigo Venerável; (3) sic transit gloriamundi (assim passa a glória do mundo): o maçom sabe que aliderança, o "poder", a "importância" são passageiros, que oexercício de ofício em que se dirige é apenas temporário e que,terminado esse ciclo, outras tarefas o aguardam.

Numa Loja bem organizada, esta evolução do ofício mais exigente para o mais modesto revela-se também uma saudável forma de lidar com a evolução da vida maçónica. O maçom é iniciado, faz o seu percurso de Aprendiz e Companheiro, chega a jovem Mestre, progressivamente vê serem-lhe confiadas responsabilidades, primeiro transitoriamente, em substituição de oficiais impedidos, depois pontualmente, em tarefas determinadas e organizações específicas da Loja, em seguida mais permanentemente, com o exercício, como titular, de sucessivos ofícios, em preparação para o culminar da sua tarefa em Loja: dirigi-la como Venerável Mestre. Atingido o cume da colina, há que saber descê-la. Sai-se da liderança para o aconselhamento do sucessor. Depois de vários anos de dedicação e esforço, exerce-se seguidamente, como Guarda Interno, um ofício menos exigente, quase que como um descanso ativo, em transição para a dissolução no conjunto das colunas. A sua tarefa na administração da Loja ficou completa, agora há que apenas manter disponível a sua experiência para auxílio e benefício dos mais novos, tal como anteriormente se beneficiou do apoio dos mais antigos. A Loja, na sua perpétua evolução, é dirigida já pela geração seguinte de iniciados, que

258

prepara a que lhe sucederá, e assim sucessivamente. Os maisantigos asseguram a sua tarefa de depositários da Tradição e daHistória da Loja, contribuindo para a manutenção da suaidentidade, sem prejudicar a sua renovação. E só intervêm quandosolicitados ou em episódica dificuldade, para ajudar a que a Lojaprossiga, sem sobressaltos de maior, o seu percurso. O ofício decharneira entre os períodos de formação e de direção, por um lado,e o período de disponibilidade e aconselhamento dos mais novos é,precisamente o tal ofício menos "importante", menos exigente, deGuarda Interno. Quem porventura considere de menor valia einteresse este ofício, é melhor pensar de novo e pensar melhor!

Há ritos maçónicos que têm apenas o ofício de Guarda Interno(Rito Escocês Antigo e Aceite, por exemplo) e ritos que dispõem deGuarda Interno e Guarda Externo (Rito de Emulação, por exemplo;e, de forma geral, os ritos de origem britânica). O ritual original daGrande Loja de Londres e Westminster previa dois Guardas (oumais, nomeadamente dependendo do número de portas de acessoà sala de reunião).

Esta diferença tem a ver com duas simbolicamente diferentesconceções de um valor que é caro à Maçonaria: a Paz!

Não nos esqueçamos que a Maçonaria Especulativa evolui da sua antecessora Maçonaria Operativa numa época marcada por sucessivas guerras civis em Inglaterra (Lealistas contra Parlamentaristas, Católicos contra Anglicanos, Stuarts contra Hannovers) enfim um período turbulento - e violento - na sociedade britânica. As Lojas maçónicas eram oásis de paz, de concórdia, nesses tempos difíceis, em que adversários políticos, por vezes adversários nos campos de batalha, ali punham de lado as suas divergências e confraternizavam como Irmãos que eram.

259

Porventura desavindos, mas irmãos... Os rituais inglesesdispunham assim que o Templo, a sala de reuniões, sendo umlugar de paz e de concórdia, devia estar livre de armas. O GuardaInterno, o Guarda que estava do lado interior da porta de acesso,estava, assim, desarmado. Mas era necessário garantir asegurança dos que se reuniam e vedar o acesso a quem não tinhalugar nessas reuniões (não nos esqueçamos que, em tempos deconflito, confraternizar com opositores ou inimigos, não erapropriamente bem visto...). Portanto, do lado exterior da sala tinhaque existir pelo menos um homem armado, para o que desse eviesse, o Guarda Externo, esse, sim, então armado da sua espada- e que nunca entraria na sala de reunião com ela.

Já o Rito Escocês Antigo e Aceite e os ritos dele derivados ou porele influenciados partem do princípio de que não são as armas queatentam contra a paz e a concórdia: é o uso que delas se faz quepode atentar contra as mesmas. As armas podem ser necessáriase úteis para prevenir ataques e conflitos, para defender valores.Assim, a presença de armas - espadas - no interior do Templo, dasala de reunião, não é interdita. Mais: vários oficiais usam-nas nosseu ofícios: o Venerável Mestre tem uma espada que é um dossímbolos do poder de que está investido e empunha-a em váriossignificativos momentos rituais. O Experto e o Guarda Interno usamespadas. Momentos rituais existem em que todos os elementos daLoja devem empunhar espadas, não em homenagem ao belicismomas, pelo contrário, em defesa da Paz e dos valores humanistas.

Ainda hoje, nas Lojas que, como a Loja Mestre Affonso Domingues, trabalham no Rito Escocês Antigo e Aceite, regular e rotineiramente se usam espadas. Mas, para que não haja equívocos, as espadas que hoje se usam são meramente cerimoniais, isto é, de lâminas

260

rombas, que nada cortam, a não ser, porventura, manteiga desdeque esteja temperatura de verão... É que o tempo dos espadachinsjá passou, o Diabo tece-as, prevenir é melhor que remediar e nãoqueremos que ninguém se aleije...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 142.

Rui Bandeira

261

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXVII

November 07, 2012

Os Grandes Vigilantes, ou os seus Ajudantes, deverão nomear,antecipadamente, um certo número de Irmãos para servir àmesa, de acordo com que achem necessário para a execuçãode tal tarefa; se desejarem poderão aconselhar-se com osMestres e Vigilantes das Lojas, sobre quais as pessoas maiscapazes para tal função, e seguir as suas recomendações, massó podem ser maçons livres e aceites, para que nesse dia areunião seja livre e harmoniosa.

A regra XXVII insere-se num conjunto de regras que regulavam a Festa Anual dos maçons de Londres e Westminster que tinha lugar pelo S. João. No ágape integrado nessa festa apenas podiam participar maçons. Daí a necessidade de providenciar quem

262

efetuasse o serviço de mesa, já que as vitualhas e bebidas não semovimentam sozinhas e, na época, ainda não se praticava oconceito de repasto em self service...

Ainda hoje, nos ágapes formais, onde apenas estão presentesmaçons, se procede de forma semelhante, sendo a tarefa detransportar e servir os alimentos e bebidas efetuada pelosAprendizes da Loja, incluindo para eles próprios. Os demaiscomensais, Companheiros e Mestres, aguardam que osaprendizes, terminada a sua tarefa e também eles próprios jáservidos, tomem o seu lugar na mesa para, então e só então,começarem a consumir os alimentos.

Desde o início da maçonaria Especulativa que é dada grandeimportância ao ágape anexo ás sessões, porquanto é um momentoprivilegiado para convívio e estabelecimento de laços fraternais. OsAprendizes e Companheiros, que em sessão de Loja têm querespeitar a regra do silêncio, podem e devem no ágape esclareceras suas dúvidas e emitir as suas opiniões.

Os ágapes podem ser formais, com execução de um ritual deágape que é tão exigente e demorado como o ritual de Loja (hojeem dia, apenas em ocasiões especiais assim se procede), normal,com um formalismo aligeirado, ou branco, aberto à participação dassenhoras, familiares e amigos, sem qualquer formalismo, a não ser,quando assim se entender, a execução dos brindes rituais.

Os brindes, nos ritos ingleses, são livres (e, por vezes, muitos...).No Rito Escocês Antigo e Aceite, executam-se sete brindes rituais,podendo, após os mesmos, serem propostos brindes livres.

Os sete brindes rituais, em ágapes em que estejam presentes Grandes Oficiais em funções (não quando obreiros da Loja que sejam Grandes Oficiais estejam presentes , mas não nessa

263

qualidade, apenas como normais da Loja, nem quando visitantesefetuem a visita a título pessoal e não como Grandes Oficiais) sãoos seguintes, em Portugal:

1. A Sua Excelência o Presidente da República (referindo-se onome de quem, no momento, exerce a função).

2. A todos os Soberanos e Chefes de Estado que protegem aMaçonaria (isto é, de todos os países em que é legal e licita aprática da Maçonaria, pois a única proteção que a Maçonariareclama dos poderes públicos é a da Lei).

3. Ao Muito Respeitável Gão-Mestre.

4. Aos Grandes Oficiais.

5. Ao Venerável Mestre.

6. Às Senhoras.

7. A todos os maçons.

Quando não estiverem presentes Grandes Oficiais em funções,mas participarem visitantes no ágape, o quarto brinde é dedicadoao Venerável Mestre da Loja e o quinto aos visitantes. Quando nemGrande Oficiais em funções nem visitantes participem no ágape, oquarto brinde é dedicado ao Venerável Mestre e o quinto aosOficiais da Loja.

Com exceção dos dois últimos brindes, a resposta ao brinde é dadapelos maçons presentes, de pé, empunhando as suas taças eproferindo, antes de beberem um pouco: Fogo!

O brinde dedicado às senhoras é também respondido por todos depé, mas com as palavras: Às senhoras!

Especial significado e beleza tem o último brinde, dedicado a todos os maçons, cujo texto (podendo haver variantes, mas sempre com o mesmo objeto essencial) é: A todos os maçons que se encontrem

264

longe de suas casas, ou afastados dos seus, em sofrimento, ou emviagem, na terra, no ar, ou no mar, desejamos-lhes um prontorestabelecimento, e o seu regresso a casa, se assim o desejarem. A resposta ao brinde é efetuada, por todos os maçons presentes,sempre de pé e empunham as suas taças, proferindo em uníssono:A todos os maçons!. Este brinde é realizado pelo Aprendiz mais recente que estiverpresente, que se coloca de pé imediatamente por detrás doVenerável Mestre (ou do Grão-Mestre, se for este a presidir aoágape), coloca a sua mão esquerda no ombro direito daquele,ergue a sua taça e profere então as palavras acima transcritas, ousimilares.

O Venerável Mestre, ou o Grão-Mestre, pode retribuir este brinde.Levanta-se, vira-se de frente para o Aprendiz, estando este com ataça erguida, toca-a com a sua, e diz: Meu irmão, eu não sou maisque tu; de seguida tocam-se outra vez as taças, e declara: Meuirmão, tu não és menos do que eu; depois, pela terceira vez,tocam-se as taças, e profere: Meu irmão, tu e eu somos iguais:bebamos juntos. De seguida, entrelaçam os braços e bebemsimultaneamente. Os maçons presentes saúdam este final comuma salva de palmas.

Que melhor encerramento dos brindes rituais podia haver?

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 142-143.

Rui Bandeira

265

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXVIII

November 14, 2012

Todos os Membros da Grande Loja devem apresentar-sebastante antes do Jantar, incluindo o Grão-Mestre, ou o seuVice Grão-Mestre, para reunirem, dirigidos por este, a fim de:

1 - Receber qualquer Apelo devidamente apresentado, comoatrás regulamentado, para que o queixoso seja ouvido, e paraque o assunto seja amigavelmente decidido antes do jantar, sepossível; mas se assim não for possível, deve ser adiado atéque o novo Grão-Mestre seja eleito; e se não puder serdecidido após o jantar, a decisão deve ser adiada e o casoentregue a um comité especial, que deve resolver o mesmo emharmonia, relatando o resultado na Reunião Trimestralseguinte; para que o amor fraternal seja preservado.

2 - Prevenir que qualquer querela ou diferença ocorra nesseDia; para que nada perturbe a harmonia e o prazer dessaGrande Festa.

266

3 - Analisar tudo o que diga respeito à decência e decorodessa Grande Assembleia, para evitar qualquer indecência,mau comportamento ou promiscuidade.

4 - Receber e considerar qualquer moção, ou matériaimportante e oportuna, trazida pelos representantes das Lojas,ou seja, Mestres e Vigilantes.

No século XVIII, o que ocorria pelo S. João era a Festa Anual dosmaçons de Londres e Westminster. O ponto alto, o essencial damesma, era o Jantar de Confraternização. Antes dele, havia areunião preparatória do mesmo. Depois dele ocorria então aGrande Assembleia formal.

A reunião preparatória do jantar anual destinava-se, comoclaramente resulta do texto da regra, a prevenir, tratar e resolverquaisquer pontos de conflito que tivessem surgido ou se previsseque podiam surgir, de forma a que nada ensombrasse a festividadee a preparação da mesma. Só residualmente se previa otratamento de qualquer questão que fosse colocada pelorepresentante de qualquer Loja.

Com efeito, a Festa Anual era isso mesmo, uma festividade. Osassuntos substantivos que devessem ser decididos pela GrandeLoja deviam ser, preferentemente, tratados nas assembleiastrimestrais.

Presentemente, as formais Assembleias de Grande Loja são essencialmente cerimoniais e festivas, reduzindo-se a atividade administrativa ao mínimo, seja a breve apresentação dos relatórios de atividade, seja a ratificação de deliberações tomadas na sessão administrativa. Para tanto, em regra as Sessões de Assembleia de Grande Loja formais são precedidas de assembleias administrativas, onde têm assento os representantes das Lojas,

267

que, sem formalismos rituais, analisam os assuntos pendentes etomam as deliberações pertinentes.

Na GLLP/GLRP é também habitual fazer-se preceder asassembleias administrativas de uma sessão do Conselho dosVeneráveis, onde têm assento os Veneráveis Mestres de todas asLojas e que, como o próprio nome indica, tem competênciasconsultivas do Grão-Mestre. Dessa forma, o Grão-Mestre podeauscultar o sentimento dos Veneráveis Mestres das Lojas e assimpreparar a assembleia administrativa tendo em conta essesentimento, de forma a permitir uma mais rápida e eficazdeliberação dos assuntos da agenda.

Após a sessão formal de Grande Loja, por regra segue-se umágape, sempre branco e em honra das Senhoras.

Não sendo uma regra, há a tendência de as Assembleias deGrande Loja dos solstícios terem um pendor mais cerimonial efestivo e as dos equinócios serem mais dedicadas á resolução dasquestões administrativas.

As sessões formais de Grande Loja efetuam-se em ritual deGrande Loja, sendo admitidos a participar nelas todos os maçonsda Obediência, incluindo os Aprendizes e Companheiros, além dosVisitantes de outras Grandes Lojas e Grandes Orientes erepresentantes dos Corpos de Altos Graus. No entanto, essaparticipação tem essencialmente um caráter de assistência. O usoda palavra é reservado aos representantes das Lojas, aos GrandesOficiais e aos Visitantes. O direito de voto incumbe exclusivamenteaos representantes das lojas.

Mas deve ter-se presente que, se há aspeto em que a diversidade das práticas entre Obediências é mais patente, é precisamente

268

este, da preparação e realização de Assembleias de Grande Loja.Cada Obediência, como entidade maçónica soberana que é, tem assuas regras e práticas, por vezes decorrentes de longa Tradição,que, como é evidente, são totalmente respeitadas pelas demais.Assim, os Visitantes das Grandes Lojas com quem a Obediênciamantém relações fraternais, comportam-se segundo as indicaçõesque resultam da prática da Obediência visitada.

Num aspeto, porém, verifica-se uma tendência para ahomogeneidade: a entrada ritual dos Visitantes, quando ela seprocesse. Por regra, os Grandes Oficiais das Obediências comquem se mantém relações fraternais dão entrada na sala da sessãopor ordem inversa da antiguidade da Obediência, sendo, portanto,sempre o representante da Grande Loja Unida de Inglaterra,quando presente, o último a entrar.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 143.

Rui Bandeira

269

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXIX

November 21, 2012

Depois de todos esses assuntos discutidos, o Grão-Mestre eseu Vice Grão-Mestre, os Grandes-Vigilantes, ou seusrepresentantes, o Secretário, o Tesoureiro, os Funcionários, etodas as pessoas, devem retirar-se e deixar só os Mestres eVigilantes das Lojas para que possam discutir amigavelmentesobre a eleição do novo Grão-Mestre ou a continuidade doatual se não o tiverem feito no dia anterior. Se forem unânimessobre a continuidade do atual Grão-Mestre, este deverá serchamado e humildemente convidado a que honre aFraternidade, dirigindo-a no ano seguinte. Mas só após o jantarserá conhecida a decisão, pois tal só pode ser revelado comoresultado do ato eleitoral.

270

Esta regra regulava a tomada de decisão sobre a continuidade ousubstituição do Grão-Mestre em funções. O mandato doGrão-Mestre era anual, podendo haver, sem limite, recondução dotitular em exercício.

A regra da duração anual do mandato do Grão-Mestre permanecena maioria, se não na totalidade, das Grandes Lojas dos EstadosUnidos da América. Na Europa e na América do Sul, os mandatostêm normalmente uma maior duração, podendo ou não haverrecondução do titular e, quando a mesma é possível, podendo ounão haver limite ao número de reconduções possíveis.

Aquando da fundação da GLLP/GLRP (então apenas GLRP), a duração do mandato do Grão-Mestre era de cinco anos, sem possibilidade de recondução. Foi essa a duração dos mandatos do Grão-Mestre Fundador, Fernando Teixeira, e do seu sucessor, Luís Nandin de Carvalho. A partir do terceiro Grão-Mestre, a duração do mandato passou para três anos, também sem possibilidade de recondução. Assim se processaram os mandatos dos terceiro e quarto Grão-Mestres, José Manuel Anes e Alberto Trovão do Rosário. À beira do início do mandato do quinto Grão-Mestre, Mário Martin Guia, e muito por persuasão deste, foi alterada de novo a duração do mandato do Grão-Mestre, passando este a ser de dois anos, mas sendo permitida uma recondução. Sempre prudente e cauteloso, entendia Martin Guia - e obteve vencimento nesse seu entendimento - que assim se possibilitava a avaliação do desempenho do Grão-Mestre ao fim de dois anos. Se esse desempenho fosse bom, o mais natural e provável é que fosse reconduzido. Se fosse insatisfatório, seria eleito um outro Grão-Mestre e o abreviado período de exercício de funções com menos felicidade ou acerto não causaria grande mossa ou, pelo

271

menos, causaria menor dano do que se um mandato menos bemconseguido perdurasse por quatro anos. Mário Martin Guia cumpriuassim um primeiro mandato de dois anos, findos os quais foireconduzido para um segundo mandato, que abreviaria em algunsmeses, por vontade própria. O atual, e sexto, Grão-Mestre, JoséMoreno, cumpre agora o seu segundo mandato bianual.

Voltando à regra XXIX, é interessante notar como a mesma traduzbem o equilíbrio entre o poder (originário) das Lojas e o poder doGrão-Mestre. Finda a reunião preparatória sob a direção doGrão-Mestre, ele e todos os Grandes Oficiais e, mesmo, osfuncionários da Obediência, retiravam-se, ficando a reunião restritaaos representantes das Lojas (Mestres - hoje, Veneráveis Mestres -e Vigilantes). Era nessa configuração restrita, e obviamente livre depressões e constrangimentos, que era tomada a deliberação dereconduzir, ou não, o Grão-Mestre em exercício. A deliberação derecondução tinha de ser unânime. Era a manifestação do poderoriginário das Lojas em todo o seu esplendor! Mas, havendodeliberação unânime de recondução do Grão-Mestre em funções,este era chamado e humildemente convidado a que honrasse aFraternidade, acedendo a dirigi-la por mais um ano. O poderoriginário das Lojas, uma vez escolhido por estas o dirigentemáximo da Obediência, era-lhe de imediato transmitido, ao pontode a própria solicitação de permanência em funções serhumildemente apresentada e de ser considerada uma honra para aFraternidade que o Grão-Mestre acedesse a continuar emexercício...

Este extraordinário equilíbrio entre o Poder originário e o Poder delegado ou conferido é uma marca da Maçonaria Especulativa desde o seu início. As Lojas são, e assumem-se como tal, a fonte

272

do Poder na Obediência. Mas, uma vez escolhido um dirigente paraa Obediência, e enquanto durar o seu mandato, esse Poder é-lhetransmitido sem reservas, sendo tal evidente no própriocomportamento de absoluto respeito assumido perante o escolhido.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 143.

Rui Bandeira

273

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXX

November 28, 2012

Após esta conversa, os Mestres, Vigilantes e todos os Irmãospodem conversar livremente, ou entreterem-se juntos, até queo jantar seja servido, devendo cada Irmão tomar o seu lugar àmesa.

Esta singela Regra aparenta ser desnecessária, ou mesmo semdignidade suficiente para ser incluída no conjunto das RegrasGerais da Fraternidade. Com efeito, nada de especial,aparentemente, consigna.

Mas se a considerarmos com um pouco mais de atenção, não é tão inútil ou fútil como aparenta, porquanto, ao inocentemente referir que, entre a reunião preparatória da Assembleia anual e a deliberação sobre a continuidade, ou não, do Grão-Mestre em funções e o Jantar Festivo, a que se seguirá a reunião pública da

274

Grande Loja, haverá um período de descontração, de convívio livreentre Irmãos, está também a referir o que não se pode fazer! E oque não se pode fazer é prosseguir na discussão ou comentáriodos assuntos tratados na reunião preparatória ou relativos àdeliberação de recondução, ou não, do Grão-Mestre em exercício.

A Maçonaria, desde a sua transformação na atual vertente especulativa que se assume como um espaço e método de aperfeiçoamento pessoal dos seus membros, incluindo-se neste conceito também a noção de escola e prática de Valores morais e correspondentes e adequados comportamentos sociais. No seu processo de autoaperfeiçoamento, o maçom necessariamente que tem de olhar para o interior de si mesmo, de se conhecer a si próprio, mas, em simultâneo deve manter presente que o Homem é um animal social, que cada um verdadeiramente é o que é, não apenas em si e por si, mas também enquanto elemento enquadrado socialmente e socialmente interagindo. Por isso o maçom, em bom rigor, não declara ser maçom, afirma que os seus Irmãos como tal o reconhecem. O Homem não é uma ilha, não basta Ser perante si próprio apenas; o seu Ser só adquire pleno significado enquanto ator social. Esta noção implica que o maçom permanentemente deve agir sobre si perante si, mas também perante todos aqueles com quem se relaciona. Pouco importará se alguém cultiva um coração de ouro, uma exemplar tolerância, se, por outro lado, permanece um intratável bicho-do-mato, incapaz de agir de forma a que os demais possam entrever o seu dourado coração e beneficiar da sua estimável tolerância...

275

A aquisição destes conceitos e, sobretudo, o adequado trabalho, em equilíbrio, nestas duas vertentes diversas, o Eu perante mim e o Eu perante os outros, não é fácil, não é algo intuitivo, inevitavelmente gera erros, recuos, hesitações, sobretudo na fase inicial de aprendizagem desse trabalho que perpetuamente se deve efetuar. Daí a absoluta necessidade do período de silêncio a que os Aprendizes e Companheiros são sujeitos - e cuja utilidade, por vezes, demora a ser entendida... Esta singela e aparentemente inútil Regra é um afloramento de princípios de conduta social que são de evidente utilidade, não só para os maçons, como para todos os que se inserem civilizadamente na sociedade: há tempo e lugar adequados para tudo; não se deve misturar o que não deve ser misturado; os assuntos tratam-se nos lugares e momentos próprios para serem tratados. A preparação das deliberações a assumir na Assembleia Anual tem lugar na reunião prévia. É aí que se tem de discutir o que se tiver de discutir, esclarecer o que houver para esclarecer, opinar o que cada um entenda por bem opinar. Uma vez saídos dessa reunião, não é útil, não é produtivo, não é acertado, não é socialmente adequado, continuar a discutir ou comentar, fora de local, fora de tempo, porventura na presença de quem não teve assento na reunião, os assuntos que a esta dizem respeito. Esta atenção que os maçons cultivam, no sentido de não tratar os seus assuntos fora do local onde devem ser tratados, do tempo

276

adequado para o fazer e apenas com a presença dos que osdevem tratar, é, pelos detratores da Maçonaria, considerada comoultrajante e perigoso sigilo conspirativo. Coitados! Perdoai-lhes,senhores leitores, pois não sabem do que falam, nem sequer seapercebem de que se trata de um puro princípio de boa educação ede prática de conduta social que todos deveriam aprender epraticar desde criancinhas: que há tempos e locais próprios eadequados para tratar de tudo e que falar fora de tempo e do lugaradequado e perante quem não tem nada que ver com o assunto é,além do mais, demonstrativo de falta de educação e dedesconhecimento de como as pessoas se devem comportar emSociedade! Nem sequer se trata de sigilo versus coscuvilhice: ésimplesmente boa-educação versus rudeza... Ora vejam lá onde nos levou uma mais atenta reflexão sobre umaaparentemente insignificante Regra...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 143.

Rui Bandeira

277

Que significa Huzza, Huzza, Huzza?

November 29, 2012

A pergunta que dá título a este texto, foi a mesma que um I:. da R:.L:.Fernando Pessoa, me colocou há uns tempos atrás, por ocasião da minha primeira visita à sua Loja. Não lhe soube oferecer resposta alguma, porque, efetivamente não tinha forma de lhe responder, eu, pura e simplesmente não tinha informação suficiente para lhe responder com a assertividade que o momento exigia. Não considero grave não saber a resposta, seria enquanto maçom, muito mais grave não saber a resposta e ignorar esse desconhecimento, portanto o que havia a fazer era trabalhar para, investir para e por fim, ter aprendido. Pareceu-me um bom móbil para escrever um artigo sobre isso. E o texto que se segue é o fruto desse trabalho. Assim: Huzzé, tem origem hebraica, que pronuncia-se “Huzzá”, há mesmo várias formas de a escrever, desde Uzé, Huzzé, Houzzé e claro está Huzzá. Para os antigos árabes, Huzzá era o nome dado a uma espécie de Acácia, consagrada ao Sol, sendo símbolo da imortalidade, que significaria, “Força e Vigor”. Exotericamente a palavra é formada por duas sílabas, que

278

constituem a aclamação no seu todo, assim, deve ser pronunciada com voz forte, tratando-se de uma descarga para o nosso organismo e, segundo o dicionário maçónico, ao pronunciar a aclamação estamos a expulsar o “ar impuro”, mandando embora todo o negativismo que carregamos no dia-a-dia profano. Por outro lado, Huzza! Huzza! Huzza! é uma velha aclamação escocesa que significa “Viva o Rei” e que se pronuncia “Houzé”. Para Alberto Lantoine, Maçon e Ensaísta Francês, a palavra Huzzá, é apenas sinónimo de Hurra, aclamação vulgarmente conhecida por todos nós como, Hip, Hip, Hurra, mas acrescenta este que, há no inglês o verbo “To Huzza” que quer dizer aclamar, repare-se nas seguintes definições: “Definition: huzza: “A shout of huzza; a cheer; a hurrah” e Specialty definition:huzza “A shout of joy; a foreign word used in writing only, and most preposterously, as it is never used in practice. The word used in our native word hoora, or hooraw.”. Para o médico, escritor e historiador, José Castellani, a palavra é francesa, é uma aclamação e não uma exclamação, que seria usada em honra a um acontecimento feliz, quer para a Loja, quer para um I:.. Há quem sugira que a palavra foi adoptada do inglês, pelos maçons franceses, logo em inglês a sua grafia é Huzza e a pronúncia ÚZÊ, em Francês é Huzzé, com uma grafia diferente mas com uma pronúncia muito semelhante, ou seja, UZÊ. Em hebreu por exemplo, OZA significa “força”, que por extensão

279

significa “VIE”, tal como a palavra “Vivat”. Nós, maçons portugueses do R:.E:.A:.A:., pronunciamos a aclamação dizendo a palavra com a vogal “a”, aberta: Huzzá! Huzzá! Huzzá! Claro que as diferenças de pronúncia pouco importam para os maçons, pois na realidade a aclamação é mais um momento de união, que fortalece o espirito de grupo e de família que tão bem nos carateriza, onde cada um está consigo próprio e ao mesmo tempo está com todos os Irmãos. E esta união, este espírito de grupo não é, naturalmente, algo nosso, da Maçonaria, é algo de vários “mundos” e nomeadamente em desportos coletivos, já todos assistimos ao tradicional Haka da equipa de rugby da Nova Zelândia, ainda que seja uma antiga dança do povo Maori, é ao mesmo tempo um grito de incentivo para toda a equipa. É, não mais que uma forma de potenciar a vontade coletiva do grupo, contando com o melhor desempenho possível a nível individual de cada um dos elementos que o compõem em prol do grupo. Daniel Martins Fontes: http://pt.scribd.com/doc/509839/DICIONARIO-DA-MACONARIA http://www.samauma.biz/site/portal/conteudo/opiniao/r009uzze.html

280

http://www.maconaria.net/portal/index.php?option=com_content&view=article http://www.obreirosdeiraja.com.br/huzze/

281

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXXI

December 05, 2012

Depois do jantar a Grande Loja reúne, não em separado, masna presença de todos os Irmãos, mesmo os que dela ainda nãosão membros, os quais, no entanto, não poderão falar excetose autorizados e se a palavra lhes for concedida.

Esta Regra elucida-nos que, na assembleia anual, festiva, a reunião formal da Grande Loja encerrava o dia. Com efeito, a festividade que tinha lugar pelo São João iniciava-se com uma reunião de trabalho, administrativa, onde eram resolvidos os assuntos urgentes e deliberada a continuidade do Grão-Mestre em funções ou escolhido quem iria ser apresentado para eleição formal, seguindo-se o jantar e terminando o dia com a assembleia formal, cerimonial, mas na qual era formalmente reeleito ou eleito o

282

Grão-Mestre.

Nos dias de hoje, a refeição tomada festivamente em conjuntocostuma ocorrer depois do encerramento dos trabalhos, até porque,com frequência, essa refeição é um ágape branco, em honra dassenhoras e não faria sentido que, finda a refeição, as senhorasficassem plantadas enquanto se retomavam trabalhos...

O texto da Regra é algo enigmático, mesmo contraditório, aos olhosde hoje: a Grande Loja reúne "na presença de todos os Irmãos,mesmo os que dela ainda não são membros...". Se ainda não sãomembros, então não são Irmãos. Quando muito, seriam apenascandidatos... Não faz, porém, muito sentido que fossem admitidosnão-iniciados na Assembleia de Grande Loja... A frase não é,seguramente, feliz, e carece de uma cuidada interpretação. Deveatentar-se que, como elucida a Regra XII, a Grande Loja eraconstituída pelos Mestres (Veneráveis Mestres) e Vigilantes detodas as Lojas, além do Grão-Mestre e seu Vice Grão-Mestre.Estes os membros da Grande Loja. Na sessão anual, festiva, sãoadmitidos a assistir todos os Irmãos, todos os obreiros de todas asLojas, mesmo que dela, Assembleia, ainda não sejam membros -isto é, mesmo que não sejam Veneráveis Mestres ou Vigilantes deLojas e, portanto, não integrem a Grande Loja.

O interessante desta passagem acaba por ser o advérbio "ainda",porquanto mostra o que é uma vocação da Maçonaria, desde o seuinício: a plena Igualdade dos seus membros e a assumidapotencialidade de que todos cheguem a assumir o ofício deVenerável Mestre ou, pelo menos, o de Vigilante.

Com efeito, na Maçonaria não há distinções de qualificações ou aptidões intrínsecas. Todos, desde que minimamente interessados e participativos, têm oportunidade de assumir ofícios de crescente

283

responsabilidade, até assegurar a direção de uma das Colunas daLoja ou mesmo a direção desta.

Na GLLP/GLRP, aliás, é condição necessária para se poder sereleito Venerável Mestre o prévio exercício de ofício de Vigilante.

Finalmente, a Regra pontua que, no entanto, os obreiros quepodem assistir à Grande Loja, mas dela não fazem parte, nãopodem usar da palavra (e muito menos votar, acrescento eu...).Segue-se a indicação de uma exceção um pouco bizarra: "excetose autorizados e se a palavra lhes for concedida". Esta exceção éalgo bizarra porque, mesmo os participantes de pleno direito daGrande Loja só podem usar da palavra quando para tal autorizadose a palavra lhes for concedida, sob pena de não se estar numaassembleia ou reunião, mas numa algazarra desordenada... Maisuma vez, a frase é algo infeliz e carece de cuidada interpretação.No fundo, o seu alcance é de que o direito ao uso normal dapalavra (bem entendido, após concessão da mesma) se restringeaos participantes de pleno direito da Grande Loja. No entanto,excecionalmente, por qualquer razão, podia ser concedida apalavra a um obreiro não participante de pleno direito na GrandeLoja.

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 143.

Rui Bandeira

284

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXXII

December 12, 2012

Se o Grão-Mestre em exercício, após conferenciar com osMestres e Vigilantes em particular, antes do jantar, concordarem continuar como tal no ano seguinte, alguém da GrandeLoja, nomeado para esse efeito, fará o elogio, perante todos osIrmãos, da sua gestão, etc, pedindo-lhe humildemente, paradar a Grande Honra à Fraternidade (no caso de ser um Nobre;e se não o for, dirá a "grande gentileza"), de continuar a ser oseu Grão-Mestre no ano seguinte. Então o Honorável declararáo seu consentimento, através de uma vénia ou um discurso,como desejar. Após o que, o dito delegado membro da GrandeLoja, proclamá-lo-á Grão-Mestre, e todos os membros dasLojas devem saudá-lo como tal. E todos terão, então, algunsminutos para que manifestem a sua satisfação. prazer econgratulações.

285

Esta Regra retoma o que já constava da Regra XXIX: previamenteao jantar, em privado, os Veneráveis Mestres e os Vigilantes detodas as lojas, isto é, os representantes de todas as Lojas decidiamsobre a continuidade ou não do Grão-Mestre em exercício; optandopela afirmativa, chamavam o Grão-Mestre em exercício esolicitavam-lhe a continuidade. Tal como no final da Regra XXIX sepostulava, só após o jantar, na formal Assembleia a decisãotomada era divulgada.

É tipicamente britânico o cuidado posto na prévia definição docerimonial: um porta-voz dos representantes das Lojas efetuaanálise, necessariamente elogiosa (pois se a análise do mandatodo Grão-Mestre tivesse sido negativa, este não teria sido convidadoa continuar), da gestão do Grão-Mestre que termina o mandato e pede-lhe que dê à Fraternidade a Grande Honra (se se tratar deum nobre) ou a "grande gentileza" (se se tratar de um plebeu) decontinuar a exercer o ofício de Grão-Mestre por mais um ano.

Esta Regra ilustra bem uma prática que acompanha a Maçonariaao longo de toda a sua evolução: a prática da cortesia!

A cortesia nunca passa de moda. Não é algo que já não se usa. Pelo contrário, é intemporal e sempre atual. Distingue aqueles que prezam e respeitam os seus semelhantes dos que apreciam prioritariamente a sua própria imagem e cuidam exclusivamente dos seus interesses. O maçom deve ser sempre cortês. Porque

286

praticar a tolerância, isto é, respeitar os outros e as suas opiniõese as suas escolhas, independentemente de concordar ou não comelas (sobretudo quando com elas não concorda) também édedicar-lhes um tratamento correto, digno, em suma, cortês.

A Maçonaria ensina aos seus obreiros que não basta a Sabedoria e não é suficiente que àquela se junte a Força. A obra, a conduta, que aspira a aproximar-se da Perfeição tem de ser simultaneamente Sábia, Forte e Bela. Entre algo que é sábio e forte, mas não é belo e o que, sendo sábio e forte também é belo, qualquer um escolhe a segunda opção. Ao incluir a Beleza na trindade de caraterísticas dos atos, palavras e obras merecedores do nosso esforço, a Maçonaria chama a nossa atenção para o relevo que a Estética tem em tudo o que é humano e civilizado. Não basta estar certo, tomar a decisão acertada, seguir o caminho correto. Isso é, obviamente essencial, pois é a substância do comportamento e das escolhas desejáveis. Mas, tal como o conteúdo só o é porque está dentro de um continente, a Substância, tendo inestimável valor intrínseco, necessita de Forma. Tanto melhor se aproveita a substância quanto esta se apresentar na Forma adequada. E mais fácil, mais agradável, mais suscetível de obter a nossa preferência, é a utilização de substância que esteja dotada de uma Forma que consideramos bela, agradável. Os maçons aprendem assim que não basta ter Razão, há que saber expô-la de forma compreensível e tão agradável, bela, quanto possível. Um Sábio que seja um Bruto não deixa de ser Sábio - mas continua a ser um Bruto! Entre o Sábio Bruto e aquele que, talvez até porventura um pouco menos sábio, menos

287

experiente, ainda precisando de fazer um pouco de caminho parachegar onde o Bruto já está, mas que, ao contrário dele, sabe exporo seu pensamento, apresenta a sua um pouco menor sabedoriacom o atavio da Beleza, é este último que será seguido, quesingrará, que fará valer as suas ideias. E, no entanto, o Bruto sabeum pouco mais... Os maçons procuram que o Sábio Bruto remova as suas asperezase aprenda a expor a sua Sabedoria com a Força da suainteligibilidade e a Beleza que a torna apetecível - esimultaneamente que o menos Sábio mas loquaz e eleganteaprenda o que lhe falta para vir a saber o que o outro já sabe. Nãolhe interessa decidir se é melhor a Sabedoria ou se o são a Força ea Beleza. Pretende juntar todas e assim obter o melhor resultadopossível. Entre o Sábio Bruto e o menos sábio Convincente eElegante, prefere deles fazer dois Sábios Convincentes eElegantes, pois é isso que é o melhor para eles e para todos os quecom eles privam...

A prática do cerimonial, o treino contínuo da cortesia, que osmaçons praticam contribui para a sua melhoria no seucomportamento social. Aquele que se habitua, se treina, que dáatenção, a comportar-se com cortesia adquire a naturalidadenesse comportamento. Consequentemente, virá a distinguir-se poresse traço, a ser reconhecido por ele, a ser mais bem consideradodevido a essa sua capacidade.

Também o hábito de ser cortês nos evita alguns erros de reação dominada pela impulsividade. Aquele que se habitua a agir com

288

cortesia aprende a não responder desbragadamente, a moderar osseus impulsos, a agir, não sob o efeito da ira, mas racionalmente.Assim se evitam erros que se poderiam pagar caro.

Muito se enganam, pois, todos aqueles que consideram obsoletos ocerimonial e a cortesia que os maçons continuam a observar!

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, páginas 143-144.

Rui Bandeira

289

Regras Gerais dos Maçons de 1723 - XXXIII

December 19, 2012

Mas se os Mestres e os Vigilantes, na dita reunião particularantes do jantar ou no dia anterior, não desejarem acontinuação do atual Grão-Mestre, ou este, quando desejadonão tenha consentido, então o último Grão-Mestre devenomear seu sucessor para o ano seguinte, o que, se aprovadopor unanimidade pela Grande Loja, e se ali presente, deve serproclamado, saudado e declarado o novo Grão-Mestre comoatrás dito, e imediatamente empossado pelo últimoGrão-Mestre de acordo com o Costume.

As Regras anteriores postulavam o que se fazia quando aassembleia de representantes das Lojas desejava a continuaçãoem funções do Grão-Mestre em exercício e este acedia a continuar.

290

Esta Regra regula a situação em que, ou a assembleia derepresentantes das Lojas não queria a continuidade doGrão-Mestre em exercício, ou este não aceitava continuar emfunções.

A regra para a escolha do sucessor era assim de que oGrão-Mestre em fim de mandato tinha o poder de propor o seusucessor, o qual, sendo unanimemente aceite, seria de imediato(pressupõe-se: na sessão pública após o jantar) por ele empossadocomo novo Grão-Mestre. Se a proposta do Grão-Mestre cessantenão fosse sufragada por unanimidade, então a Regra subsequenteregularia a questão.

Esta Regra dá plena aplicação a um princípio essencial daorganização maçónica: a conjugação da Igualdade essencial detodos com o exercício do Poder por quem nele o mesmo édelegado.

O Grão-Mestre é o maçom a quem é delegado o poder de dirigir aFraternidade. Deve exercê-lo com plenitude até ao momento emque cessa as suas funções e esse momento é o da posse do seusucessor. Uma das atribuições do Grão-Mestre é proceder àescolha dos mais capazes, em cada momento, para o exercício dosofícios. O dele incluído! A Fraternidade achou que era melhor a suanão continuidade, ou ele próprio assim o decidiu. Mas continua emfunções até o seu sucessor ser empossado e, portanto, continua aser sua obrigação propor para lhe suceder aquele que considerarser o melhor para tal. Se a sua proposta merecer a aprovaçãounânime da assembleia, está o assunto decidido - e passa-seadiante!

Esta Regra é, acima de tudo, de um bom-senso desarmante! Realmente, quem melhor para sugerir, indicar, propor, para o

291

exercício de uma função do que aquele que a está a exercer e,portanto, a conhece e conhece os requisitos necessários para apreencher? E que sabe quem está dentro dos assuntos e temcapacidade para assegurar a direção da Fraternidade? É, pois,puro bom-senso determinar que o titular do ofício proponha o seusucessor.

Mas a soberania está na Fraternidade e é exercida pelosrepresentantes das Lojas! Consequentemente, a escolha feita nãopassa de uma mera proposta, que tem de ser sufragada porunanimidade. Verificado esse consenso, ótimo! Inexistindo omesmo, de outra forma se resolverá a questão.

É claro que esta Regra só é satisfatoriamente exequível perante umnúmero razoável de representantes de Lojas, portanto no quadrode um número limitado de Lojas. Quanto maior for o universo dedecisores, mais difícil é a obtenção de unanimidade. A realidade eo crescimento da Fraternidade impuseram que, modernamente, aescolha do Grão-Mestre se faça pelo normal processo eleitoral.

Mas lá que a opinião do Grão-Mestre em funções, desde que o seumandato tenha sido satisfatoriamente exercido, continua a ter umpeso importante na eleição do seu sucessor, lá isso continua...

Fonte:

Constituição de Anderson, 1723, Introdução, Comentário e Notasde Cipriano de Oliveira, Edições Cosmos, 2011, página 144.

Rui Bandeira

292

Um trecho de Albert Pike, a propósito de Maçonaria, Crisee Sociedade

December 26, 2012

Um leitor deste blogue, em comentário ao texto Regras Gerais dosMaçons de 1723 - XXX, expressou a sua insatisfação pelo facto de,em tempos de crise em Portugal e na Europa, não ver aquicomentário à mesma. Seguiu-se uma troca de comentários em quepenso ter explicado a posição dos maçons que aqui escrevemsobre o assunto.

Mas, ao documentar-me sobre as respostas a dar, recordei umapassagem de Morals and Dogma, de Albert Pike, que julgointeressante para se ver como a Maçonaria já desde há muitotempo que sabe muito bem como cada um dos maçons deveintervir na Sociedade.

Os teóricos da conspiração costumam muito citar Pike e a sua obra Morals and Dogma para elocubrarem sobre o pretenso projeto da

293

Maçonaria de dominar a Humanidade e criar a Nova OrdemMundial (seja lá o que isso for). Mas não se dão ao cuidado de lerPike e Morals and Dogma...

Este excerto que aqui transcrevo ilustra bem, creio, a postura dosmaçons perante a Sociedade. E, quanto à presente Crise,destaquei e sublinhei uma passagem. Para bom entendedor...

Por muito negro que seja o momento, a tormenta há de passar eeste Povo há de ressurgir mais forte e mais capaz de superar asadversidades!

Que assim seja!

Eis o excerto:

Mas o grande mandamento da Maçonaria é: “Dou-vos um novomandamento: Amareis uns aos outros! Aquele que disser estar naluz e odeia seu irmão, ainda estará na escuridão”.

Estas são as obrigações morais de um Maçom. Porém, tambémserá obrigação da Maçonaria ajudar a elevar o nível moral eintelectual da sociedade; cunhando conhecimento, trazendo ideiasà circulação e fazendo crescer a mente da juventude; e colocandoa raça humana em harmonia com seu destino, gradualmente,mediante ensinamento de axiomas e pela promulgação de leispositivas.

É desse dever e trabalho que o Iniciado é aprendiz. Não deve imaginar que não pode afetar nada, e com isso desiludir-se e permanecer inerte. Está nisso, assim como está na vida diária de alguém. Muitas grandes obras são executadas nas pequenas lutas da vida. Existe, nos dizem, bravura determinada porém invisível, que se defende passo a passo, na escuridão, contra a invasão fatal da necessidade e da baixeza. Existem triunfos nobres e misteriosos, que os olhos não vêem, que não têm recompensas

294

renomadas e que não recebem a saudação de fanfarras detrompetes.

A vida, o infortúnio, o isolamento, o abandono, a pobreza, sãocampos de batalha que têm seus heróis – heróis obscuros, masalgumas vezes maiores do que aqueles que ficam famosos. OMaçom deve lutar da mesma maneira e com a mesma bravuracontra aquelas invasões da necessidade e da baixeza que atingemas nações assim como às pessoas. O Maçom deve enfrentá-lastambém, passo a passo, mesmo no escuro, e protestar contra oerro e a insensatez; contra a usurpação e contra a invasão dessahidra, a Tirania.

Não há eloquência mais soberana do que a verdade indignada. Émais difícil para um povo manter do que conseguir sua liberdade.Sempre são necessários os Protestos da Verdade. O direito devecontinuamente protestar contra o Facto. Existe, verdadeiramente,Eternidade no Direito.

O Maçom deve ser um sacerdote e um guerreiro desse Direito. Seo seu país tiver roubadas as suas liberdades, não deve desesperar.O protesto do Direito contra o Facto persiste para sempre.

O roubo de um povo nunca prescreve. O reclamo de seus direitosnunca é barrado. Varsóvia não pode mais ser tártara do queVeneza teutónica. Um povo pode resistir à usurpação militar,Estados subjugados ajoelham-se a Estados e usam a cangasob a pressão da necessidade; mas, quando a necessidadedesaparece e se o povo estiver preparado para a liberdade, opaís submerso virá à tona e reaparecerá e a Tirania será julgadapela História por ter assassinado suas vítimas.

Seja lá o que ocorrer, devemos ter Fé na Justiça e na Sabedoria soberana de Deus, Esperança no Futuro e benevolência Afetuosa

295

para com os que erram. Deus torna Sua vontade visível às pessoasatravés de acontecimentos; um texto obscuro, escrito numalinguagem misteriosa. As pessoas traduzem-na imediata, rápida eincorretamente, com muitos erros, omissões e interpretaçõesfalhas. A nossa visão do arco do grande círculo é tão curta! Poucasmentes compreendem o idioma Divino. Os mais sagazes, os maiscalmos, os mais profundos, decifram hieróglifos lentamente; e,quando voltam com seu texto, talvez a necessidade já se tenha idohá tempo; já existem vinte traduções – a maioria é incorreta e, éclaro, são as mais aceites e populares.

De cada tradução nasce um partido; de cada interpretação falha,uma fação. Cada partido acredita ou finge que detém o único textoverdadeiro; e cada fação acredita ou finge que apenas ela possui aLuz. Além disso, fações são gente cega que aponta apenas parafrente, e erros são projéteis excelentes, atingindo habilmente e comtoda a violência que salta de argumentos falsos, onde quer que umdesejo de lógica naqueles que defendem o direito os façavulneráveis como uma falha numa couraça.

Portanto, muitas vezes seremos derrotados ao combater o errodiante do povo. Antaeus resistiu a Hércules por longo tempo, e ascabeças da Hidra cresceram tão rapidamente quanto foramcortadas. É um absurdo dizer-se que o Erro, ferido, agoniza em dore morre no meio dos seus adoradores. A Verdade conquistalentamente. Há uma vitalidade surpreendente no Erro.

A Verdade, realmente, na maioria das vezes, atira por sobre ascabeças das massas; ou, se um erro estiver prostrado por ummomento, levantar-se-á num instante, vigoroso como nunca. Nãomorrerá quando o cérebro tiver sido arrancado; e os erros maisestúpidos e irracionais serão os mais duradouros.

296

A Crise há de ser superada. A Sociedade é e será o que cada umde nós e todos em conjunto delas fizermos. Que cada um aprimorea sua Sabedoria, melhore a sua Força e em tudo o que faça ponhaBeleza para que do melhor de nós resulte uma Sociedade melhor,antes, durante e depois de qualquer crise!

Rui Bandeira