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A PEDAGOGIA VISUAL NA EDUCAÇÃO DOS SURDOS: DAS POSSIBILIDADES À REALIZAÇÃO Lilian Cristine Ribeiro Nascimento Universidade Estadual de Campinas Resumo Este artigo apresenta o resultado de uma pesquisa realizada em dois espaços educacionais com alunos surdos, uma escola bilíngue particular de um Município da Grande São Paulo e uma classe bilíngue em escola pública municipal, considerada escola pólo bilíngue, de um município de grande porte do estado de São Paulo. Ambas escolas desenvolvem proposta de educação bilíngue para alunos surdos, tendo a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) como língua de instrução. Além disso, dispõem de professores surdos no processo educacional, tanto para o ensino de LIBRAS, como para o ensino de outras disciplinas curriculares. O objetivo do trabalho foi analisar as práticas pedagógicas que utilizassem recursos visuais no processo ensino-aprendizagem, a fim de evidenciar o conceito de Pedagogia Visual e sua eficiência na educação dos surdos. Foram observadas situações de sala de aula nas duas escolas e verificou-se uma ênfase em recursos visuais nestes ambientes, que inclui no uso da tecnologia da informática e da internet, projetor multimídia, fotografias, gravuras, dramatizações, excursões, experiências, desenhos e vídeos. Os resultados apontam para o fato de que a ênfase em recursos e estratégias visuais otimiza a aprendizagem do aluno surdo, favorecendo a compreensão de conceitos, fixação de conhecimentos e rapidez no raciocínio lógico matemático. Conclui-se que a ênfase em práticas educacionais que priorizam a visualidade na educação dos surdos é adequada a este alunado e é consequência das pesquisas educacionais e práticas que valorizam as peculiaridades dos alunos surdos e, em grande parte, da incorporação do professor surdo nestes espaços educacionais. Palavras-chaves: Educação de surdos, Pedagogia visual e visualidade Introdução Este artigo relata parte da pesquisa realizada como professora da disciplina Educação de surdos e LIBRAS na faculdade de educação da Universidade Estadual de Campinas. A pesquisa tem como objetivo refletir sobre as novas formas de ensinar e de pensar a educação dos surdos, não centradas na normalização, que incorporam a Língua de Sinais e respeitam as peculiaridades e modos de aprender dos sujeitos surdos. A área de educação de surdos no Brasil tem sofrido grandes mudanças neste século XXI. As mudanças têm ocorrido, em parte, pelos avanços tecnológicos e pelos recursos Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade EdUECE - Livro 3 00614

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A PEDAGOGIA VISUAL NA EDUCAÇÃO DOS SURDOS:

DAS POSSIBILIDADES À REALIZAÇÃO

Lilian Cristine Ribeiro Nascimento

Universidade Estadual de Campinas

Resumo

Este artigo apresenta o resultado de uma pesquisa realizada em dois espaços

educacionais com alunos surdos, uma escola bilíngue particular de um Município da

Grande São Paulo e uma classe bilíngue em escola pública municipal, considerada escola

pólo bilíngue, de um município de grande porte do estado de São Paulo. Ambas escolas

desenvolvem proposta de educação bilíngue para alunos surdos, tendo a LIBRAS (Língua

Brasileira de Sinais) como língua de instrução. Além disso, dispõem de professores

surdos no processo educacional, tanto para o ensino de LIBRAS, como para o ensino de

outras disciplinas curriculares.

O objetivo do trabalho foi analisar as práticas pedagógicas que utilizassem

recursos visuais no processo ensino-aprendizagem, a fim de evidenciar o conceito de

Pedagogia Visual e sua eficiência na educação dos surdos. Foram observadas situações

de sala de aula nas duas escolas e verificou-se uma ênfase em recursos visuais nestes

ambientes, que inclui no uso da tecnologia da informática e da internet, projetor

multimídia, fotografias, gravuras, dramatizações, excursões, experiências, desenhos e

vídeos.

Os resultados apontam para o fato de que a ênfase em recursos e estratégias visuais

otimiza a aprendizagem do aluno surdo, favorecendo a compreensão de conceitos, fixação

de conhecimentos e rapidez no raciocínio lógico matemático. Conclui-se que a ênfase

em práticas educacionais que priorizam a visualidade na educação dos surdos é adequada

a este alunado e é consequência das pesquisas educacionais e práticas que valorizam as

peculiaridades dos alunos surdos e, em grande parte, da incorporação do professor surdo

nestes espaços educacionais.

Palavras-chaves: Educação de surdos, Pedagogia visual e visualidade

Introdução

Este artigo relata parte da pesquisa realizada como professora da disciplina

Educação de surdos e LIBRAS na faculdade de educação da Universidade Estadual de

Campinas. A pesquisa tem como objetivo refletir sobre as novas formas de ensinar e de

pensar a educação dos surdos, não centradas na normalização, que incorporam a Língua

de Sinais e respeitam as peculiaridades e modos de aprender dos sujeitos surdos.

A área de educação de surdos no Brasil tem sofrido grandes mudanças neste século

XXI. As mudanças têm ocorrido, em parte, pelos avanços tecnológicos e pelos recursos

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EdUECE - Livro 300614

de mídia e comunicação. A internet, por exemplo, permite que conhecimentos sobre

experiências educacionais do mundo todo pudessem circular, assim como as pesquisas

neste campo. Permite, também, que os surdos se comuniquem com facilidade entre si

fazendo uso das ferramentas das redes sociais, dos emails, e mensagem por celular.

Experiências nunca vivenciadas na agilidade de comunicação foram possibilitadas aos

surdos, com estes recursos, usando a escrita ou se comunicando em Língua de Sinais pela

webcam, o que os coloca em igualdade de oportunidades com os ouvintes, pelo menos

neste campo.

Todos estes avanços, porém, não seriam suficientes para propiciar mudanças

significativas nos processos educacionais dos surdos. Foram necessárias, também,

mudanças sociológicas e políticas. Se por séculos, a educação dos surdos teve sua

hegemonia no modelo oralista, que preconizava a língua oral como única forma de acesso

aos conhecimentos, os atuais modelos preconizam o uso da língua de sinais na formação

destes sujeitos.

Estas mudanças se constituem em rupturas com os saberes postos e cristalizados,

e só foram possíveis devido às lutas dos próprios surdos. Sobre a ocorrência de mudanças

na história, Foucault questiona:

Como é possível que se tenha em certos momentos e em certas ordens de

saber, estas mudanças bruscas, estas precipitações de evolução, estas

transformações que não correspondem à imagem tranquila e continuista que

normalmente se faz? Mas o importante em tais mudanças não é se serão

rápidas ou de grande amplitude, ou melhor, esta rapidez e esta amplitude são

apenas o sinal de outras coisas: uma modificação nas regras de formação dos

enunciados que são aceitos como cientificamente verdadeiros. Não é portanto

uma mudança de conteúdo (refutação de erros antigos, nascimento de novas

verdades), nem tampouco uma alteração da forma teórica (renovação do

paradigma, modificação dos conjuntos sistemáticos).

O que está em questão é o que rege os enunciados e a forma como estes se

regem entre si para constituir um conjunto de proposições aceitáveis

cientificamente e, consequentemente, susceptíveis de serem verificadas ou

infirmadas por procedimentos científicos (FOUCAULT, 1979, p. 5).

De fato, o que vivenciamos na atualidade na educação de surdos, não é “uma

mudança de conteúdo (refutação de erros antigos, nascimento de novas verdades)”, mas

“uma modificação nas regras de formação dos enunciados que são aceitos como

cientificamente verdadeiros” (FOUCAULT, 1979, p. 5). O discurso da importância da

Língua de sinais na educação dos surdos é, na atualidade, o mais aceito cientificamente.

A principal mudança na educação dos surdos diz respeito à possibilidade do surdo

dizer-se na sua língua, dizer-se em Língua de Sinais. Na história da Educação dos surdos,

o ideal hegemônico durante séculos foi o da oralização dos sujeitos surdos. A

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EdUECE - Livro 300615

normalização sempre foi a meta, uma vez que a surdez era entendida como deficiência.

O fato emblemático da normalização na educação dos surdos foi o “Congresso de Milão”,

em 1880, no qual: “especialistas e educadores ouvintes empenharam-se não só em

defender o uso exclusivo da língua oral para o ensino de pessoas surdas como também a

implantação de meios para controlar e proibir a língua de sinais” (NASCIMENTO, 2002,

p. 51). E conseguiram. Por muitos anos a Língua de Sinais foi proibida nas escolas.

Entendida como doença, a surdez foi capturada como objeto da medicina, a qual

ditou, por um grande período histórico, as diretrizes educacionais. A surdez era

compreendida como um sofrimento, pois era considerada uma doença. Canguilhem assim

define a doença: “aquilo que perturba os homens no exercício normal de sua vida e em

suas ocupações e, sobretudo, como aquilo que os faz sofrer” (CANGUILHEM, 1995, p.

67).

Desvencilhar-se desta imagem de sofredor, de doente ou de alguém que necessita

de recuperação, e de que a surdez perturbava o exercício normal da vida, foi necessário

para a mudança na história. Constituir-se como um ser que se difere da maioria, por se

comunicar por uma língua viso-gestual e não como deficiente, foi a grande ruptura que

as resistências surdas produziram.

As resistências surdas possibilitaram que estes sujeitos se desfizessem da couraça

do título de doentes e, com isso, se formou um novo grupo social, a “comunidade surda”,

o qual entende sua surdez como uma inventividade. Sobre isso podemos refletir com

Canguilhem: “Na medida em que seres vivos se afastam do tipo específico serão eles

anormais que estão colocando em perigo a forma específica, ou serão inventores a

caminho de novas formas? Conforme formos fixistas ou transformistas consideraremos

de modo diferente um ser vivo portador de um caráter novo” (CANGUILHEM, 1995, p.

110).

Neste outro paradigma - fora da normalização - uma nova concepção de surdez se

organizou, acreditando que “não existe fato que seja normal ou patológico em si. A

anomalia e a mutação não são em si mesmas patológicas. Elas exprimem outras normas

de vida possíveis” (CANGUILHEM, 1995, p. 113).

Esta forma de entender a surdez tem sido nomeada de visão sócio-antropológica

da surdez, como define Skliar: "Os surdos formam uma comunidade linguística

minoritária caracterizada por compartilhar uma língua de sinais e valores culturais,

hábitos e modo de socialização próprios" (SKLIAR, 1997, p. 141).

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EdUECE - Livro 300616

Ao admitir tal perspectiva, os educadores da atualidade, no Brasil, incorporam nos

seus processos educacionais a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais).

Quadros (1997) defende a proposta de educação bilíngue e define que o que a

sustenta é o respeito às pessoas surdas no seu direito de utilizar a Língua de Sinais em

diferentes espaços: institucionais, acadêmicos ou no dia-a-dia. "Os Estudos têm apontado

para essa proposta como sendo mais adequada para o ensino de crianças surdas, tendo em

vista que considera a língua de sinais como natural e parte desse pressuposto para o ensino

da língua escrita" (QUADROS, 1997, p. 27).

Propostas de educação bilíngue são ainda iniciais no Brasil, uma vez que tal

modelo começou a ser difundido a partir da década de 1990, mas muitas experiências têm

se mostrado exitosas.

Salientamos que a visualidade é apontada por pesquisadores da área da surdez,

como o meio mais eficaz de atingir os surdos e favorecer a sua produção de

conhecimentos (CAMPELLO, 2007; LODI e LACERDA, 2009, QUADROS, 1997).

Campello (2007) propõe que se use intensamente a visualidade na educação dos surdos e

defende uma “pedagogia visual”, explicada como aquela que faz uso da língua de sinais

e elementos da cultura surda como:

(...) contação de história ou estória, jogos educativos, envolvimento da cultura

artística, cultura visual, desenvolvimento da criatividade plástica, visual e

infantil das artes visuais, utilização da linguagem de Sign Writing (escrita de

sinais) na informática, recursos visuais, sua pedagogia crítica e suas

ferramentas e práticas, concepção do mundo através da subjetividade e

objetividade com as “experiências visuais” (CAMPELLO, 2007, p. 129).

Se o surdo é definido como um sujeito visual (SKLIAR, 1997, QUADROS, 1997,

SOUZA, 2007), podemos afirmar que é pela visualidade que os conhecimentos

acadêmicos seriam adquiridos com mais facilidade. Então podemos prever que as escolas

adotem a visualidade com intensidade na educação dos surdos. Porém, a pesquisadora

Lebedeff constatou exatamente o contrário, ou seja, que, embora haja o discurso de que

o surdo aprende pela experiência visual, nem sempre isso se aplica às estratégias de

ensino. Ela relata sobre suas observações que "(...) a tendência maior é a de reprodução

de atividades e experiências ouvintes, com tímidas incursões pelo letramento visual e pela

cultura surda (LEBEDEFF, 2010, p. 177)".

Segundo a autora, se as pesquisas afirmam que o surdo aprende pela experiência

visual, seria esperado que as escolas utilizassem a visualidade como estratégia principal

nos processos pedagógicos, mas não é o que acontece: "Esta distância entre discurso (o

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 300617

surdo é sujeito visual) e prática (experiência visual não é privilegiada na escola) pode ser

observada tanto na escola para ouvintes com alunos surdos incluídos como nas próprias

classes de surdos, seja com professores surdos ou ouvintes (LEBEDEFF, 2010, p. 176 -

177)".

Na atual pesquisa me propus a analisar estratégias de ensino e recursos didáticos

inseridos no conceito de Pedagogia Visual. Foram realizadas observações em situações

reais de sala de aula, em dois espaços educacionais - uma escola particular para surdos

em um município da Grande São Paulo (doravante Escola A) e em uma escola pública

municipal, pólo de educação bilíngue em uma cidade do interior do estado de São Paulo

(doravante Escola B). Nestas observações focalizamos as estratégias pedagógicas e

recursos didáticos utilizados pelos professores, pontuando qual o destaque dado à

visualidade neste contexto. Nestas salas de aula, os professores utilizam a LIBRAS

como língua de Instrução. Os alunos contam também com aulas com o professor surdo

de LIBRAS, modelo linguístico em sua Língua Materna. A Escola A tem outros

professores surdos que ministram aulas em turmas regulares e não somente a disciplina

de Libras.

Resultados:

As observações foram realizadas durante o segundo semestre de 2013, em sessões

semanais com duração de 3 horas. Na escola A foram realizadas duas observações em

cada sala do Ensino Fundamental I, de primeiro a quinto ano. Na Escola B foram

realizadas cinco observações na sala de aula bilíngue do Ensino Fundamental I, sala

multisseriada com alunos de 1°a 5° ano.

Em ambas escolas, as salas são equipadas com computador provido de internet e

projetor multimídia. Este recurso possibilita o uso de imagens e vídeos em qualquer

situação de ensino aprendizagem. Dispõem também de sinal luminoso para aviso do

intervalo e final da aula. Tal situação é prevista no Decreto 5626, que trata, em seu

capítulo IV, do uso e da difusão da libras e da língua portuguesa para o acesso das pessoas

surdas à educação. No artigo 14 deste capítulo, afirma a obrigatoriedade das escolas em:

"Disponibilizar equipamentos, acesso às novas tecnologias de informação e comunicação,

bem como recursos didáticos para apoiar a educação de alunos surdos ou com deficiência

auditiva" (BRASIL, 2005).

Episódios observados na escola A:

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 300618

Em várias situações de ensino-aprendizagem foi possível observar o uso de

ferramentas tecnológicas para elucidar conceitos. Poucas vezes, na escola A, os textos

eram escritos na lousa, na maior parte do tempo eram digitalizados pela professora e

apresentado em arquivo word na tela pelo projetor. Chamou a atenção o fato de, nesta

escola, os alunos utilizarem, a partir do segundo ano, a letra imprensa também no caderno,

letra pouco usual em situações de escrita manuscrita em outras escolas.

A leitura dos textos era realizada em sinais, e o vocabulário a ser fixado colocado

em um glossário que servia de consulta para posteriores atividades de leitura e escrita,

como modelo (vide figura 1 em anexos).

Os alunos dispunham deste glossário o tempo todo para consulta e o utilizavam

na escrita de novos textos em sala de aula e em casa. Um outro recurso disponível era um

dicionário ilustrado, produzido por uma editora, adquirido pela escola para cada aluno.

Na aula de matemática, uma professora surda utilizou também o recurso de fotos.

Ela apresentava o glossário de palavras possivelmente desconhecidas pelos alunos antes

da proposição do problema. (vide figura 2, em anexos).

Problema proposto:

Juliana encontrou três cestas contendo caquis no quintal. Na primeira cesta havia

44 caquis, na segunda 25 e na terceira 10. Quantos caquis havia nas três cestas?

A professora realizou a leitura do texto acima e questionou qual era a operação do

problema. Os alunos responderam que era adição; somente depois realizaram a operação.

A mesma professora fazia algumas dramatizações de situações problemas e solicitava aos

alunos a definição mental da operação a ser realizada.

As gravuras e fotos foram utilizadas em diversas atividades proporcionando o

aumento da compreensão pelos alunos. O recurso da dramatização também foi utilizado

pelo professor surdo de Libras para explicar vários conceitos, um deles foi o conceito do

adjetivo "egoísta". O mesmo dramatizou uma situação em que uma criança tem um pacote

de biscoito e não reparte com os amigos.

O uso da expressão corporal foi frequente na elucidação de conceitos. Na aula de

Geografia, a professora surda realizou uma expressão corporal para representar a inclusão

de classes nos conceitos de mundo, continente, país, estado, município e bairro. Após

mostrar, pela interne, imagens de todos os elementos, se pôs a explicar que cada um deles

continha o outro de forma decrescente. Para tanto, a professora posicionou-se no canto

direito da sala e deu passos à esquerda a cada conceito sinalizado. Ao mesmo tempo

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EdUECE - Livro 300619

representava com os braços estendidos que as dimensões diminuíam a cada novo território

descrito. Desta forma, demonstrava aos alunos que o mundo contém os continentes, estes,

os países e assim sucessivamente. No caderno, os alunos realizaram uma atividade

colando gravuras na sequência decrescente de inclusão e, posteriormente, realizaram a

mesma atividade com as palavras que representam os conceitos em português.

A aula de Matemática no quarto ano, materiais concretos foram utilizados para a

realização da operação de divisão. Diante do algoritmo de uma divisão (45 : 3 =), a

professora propôs que os alunos utilizassem 3 canetas de cores diferentes representando

o divisor e o material dourado representando o dividendo. (vide figura 3, em anexos).

Em seguida, os alunos distribuíam os elementos do material dourado igualmente

entre as canetas. A troca da barrinha de dezena por 10 unidades foi realizada de forma

espontânea, o que permitiu perceber que tal material já era usado em outras operações e

os alunos estavam familiarizados a ele. A realização deste tipo de operação foi realizada

em duplas de alunos, sendo que a compreensão da divisão foi se dando pela interação

entre os alunos e entre eles e o material, com a mediação da professora.

Confecção de cartazes e modelos com sucata foi utilizada na aula de Ciências do

5° ano para representar os componentes do sistema respiratório. Esta atividade foi

realizada em grupos pelos alunos. (vide figura 4, em anexos).

Foi possível observar que a representação do sistema respiratório por desenho ou

montagem teve para os alunos um efeito facilitador da compreensão e fixação de

conteúdo.

Episódios observados na Escola B:

Nesta escola, a primeira observação ocorreu na aula de Ciências e o conteúdo que

estava sendo trabalhado era sobre "os vegetais". As professoras realizaram uma excursão

pela área externa da escola, onde os alunos puderam observar os vegetais e conversar

sobre suas características. Fotos da internet foram apresentadas ilustrando também o

conteúdo. Após discussão com os alunos, procedeu-se uma pesquisa de gravuras pelos

alunos, a fim de sistematizar os conhecimentos deste tema. (vide figura 5, em anexos)

A atividade que encerrou o conteúdo foi o plantio de uma árvore na área externa

da escola pelos próprios alunos.

Na aula de Matemática, o conteúdo trabalhado era sobre os numerais pares e

ímpares. Inicialmente, a professora propôs uma dramatização de uma situação de "uma

festa", onde os alunos dançariam em pares. Demonstrou a eles que sempre que alguém

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 300620

sobrava, ficava sem par, o número total de alunos era ímpar. Na atividade de

sistematização do conteúdo no caderno, era solicitado que os alunos identificassem se o

numeral era ímpar ou par. Esta forma visual ilucidou o conceito e proporcionou a

compreensão da classificação numérica em pares e ímpares.

Nestes episódios pudemos observar o quanto as imagens são importantes na

constituição do pensamento científico do sujeito surdo, como afirmam Nery e Batista:

Na linguagem verbal, a palavra possibilita a generalização e o raciocínio

classificatório, e, no caso dos surdos, a representação visual poderá auxiliar

nesses processos de pensamento. Além destas funções, a imagem favorece um

pensamento relacional, utilizando os elementos visuais para estabelecer

relações e comparações (NERY e BATISTA, 2004, p. 290)

A tabela abaixo sintetiza os elementos visuais observados nas situações

educacionais nas escolas analisadas:

Elementos compreendidos no conceito de Pedagogia Visual

Elemento Uso Vantagem

Disponibilização de

equipamentos tecnológicos:

computador, internet, projetor

Diversos Permite o acesso rápido a

imagens e vídeos

Glossário contendo palavra em

português e gravura

(com ou sem o sinal)

Em situações de leitura de

textos ou de problemas

matemáticos

Permite a compreensão e

fixação de vocabulário

Dramatização Em situações de explanação de

conceitos e de problemas

matemáticos.

Facilita a compreensão

Material dourado, jogos e outros

materiais concretos (palitos,

peças de EVA, dados, etc.)

Em situação de atividades

matemáticas

Permite a compreensão, fixação

e rapidez no raciocínio

Cartazes e reprodução com

sucata

Em situação de atividades de

Ciências

Permite a compreensão e

fixação do conteúdo

Exploração do ambiente e

experiências

Em situação de atividades de

Ciências

Permite a compreensão e

fixação do conteúdo

Considerações Finais

Os episódios observados em ambas escolas demonstram uma priorização dos

recursos visuais nas estratégias de ensino aprendizagem no contexto escolar. A LIBRAS

é a língua de instrução em ambos espaços, e isso já se constitui como uma possibilidade

de aprendizagem realmente centrada na singularidade do aluno surdo. Os professores são

fluentes em Língua de Sinais e a interação ocorre de modo significativo para os alunos.

Mas isto só não seria suficiente. O que pode-se observar nas duas escolas é que, além de

se comunicarem na língua do aluno, os professores primam pela busca de recursos que

otimizam a aprendizagem de seus alunos, uma vez que sua apreensão da realidade se dá

pela via visual.

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 300621

Citando Reily (2003), Nery e Batista (2004) afirmam

(...) o processo de ensino do aluno surdo se beneficia do uso das imagens

visuais e que os educadores devem compreender mais sobre seu poder

construtivo para utilizá-las adequadamente; a formação de conceitos seria

facilitada utilizando representações visuais, e a sua adoção, nas atividades

educacionais, auxiliaria no processo de desenvolvimento do pensamento

conceitual, porque a imagem permeia os campos do saber, traz uma estrutura

e potencial que podem ser aproveitados para transmitir conhecimento e

desenvolver o raciocínio (p. 290).

O que pudemos concluir que o que torna um espaço educacional bilíngue não é

somente a utilização da Língua de Sinais, mas o fato de compreender a realidade do aluno

surdo e suas necessidades educacionais. Acredito que esta compreensão só ocorre nestes

espaços educacionais porque ambos incorporam professores surdos como atores do

processo ensino-aprendizagem. Sem a presença do professor surdo, a lógica do ensino se

manteria na perspectiva do ouvinte e se repetiriam as práticas logocêntricas, numa

tentativa de homogeneização e normalização do surdo ao padrão ouvinte.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Decreto nº. 5.626, de 22 dez. 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de

abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras, e o art. 18 da Lei

nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de dez. 2005.

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LODI, A. C. B. (Org.) & LACERDA, C. B. de F. (Org.). Uma escola duas línguas:

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1 ed. Porto Alegre: Editora Mediação, 2009.

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QUADROS, Ronice Muller de. Educação de surdos: A aquisição da linguagem. Porto

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STROBELL. Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis. Editora

da UFSC, 2008.

ANEXOS:

Figuras correspondentes aos episódios observados nas escolas A e B:

Figura 1. Glossário para atividade de escrita:

htpp//libraseducadosurdos.blogspot.com

Figura 2: Glossário de matemática

GATO

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caquis cesta

Figura 3: Divisão com material dourado

Figura 4: Representação do sistema respiratório

Figura 5: Pesquisa de gravuras sobre vegetais

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EdUECE - Livro 300624

Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade

EdUECE - Livro 300625