A Pejotização e a Precarização Das Relações De

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Pesquisa sobre a pejotização.

Citation preview

  • A PEJOTIZAO E A PRECARIZAO DAS RELAES DE TRABALHO NO BRASIL

    Eduardo Soares do Couto Filho*

    Luiz Otvio Linhares Renault*

    RESUMO

    O presente artigo visa analisar a viabilidade e legalidade das contrataes de

    trabalhadores intelectuais atravs de pessoa jurdica, bem como a possibilidade de o destinatrio da norma trabalhista despojar-se da proteo que este ramo do Direito lhe confere, inclusive no tocante queles considerados de indisponibilidade absoluta, quando consider-la inconveniente aos seus

    interesses.

    PALAVRAS CHAVE

    Pejotizao; Pessoa Jurdica; Trabalhador intelectual; Lei n 11.196/2005; Precarizao.

    1. INTRODUO

    Em um passado relativamente recente, sculo XVIII, durante a Revoluo

    Industrial na Inglaterra, observamos os catastrficos resultados causados pelo liberalismo, no que tange s relaes de trabalho.

    Este perodo de liberdade econmica sem limites foi marcado pela desigualdade econmica e social, o que acarretou em conflitos que ameaavam a estrutura da

    sociedade e sua estabilidade, tornando-se necessria a interveno do Estado por meio de uma legislao predominantemente imperativa, de fora cogente e insuscetvel de renncia pelas partes.1

    1 * Advogado. Artigo elaborado em parceiria e sob a superviso do Prof. Luiz Otvio Linhares

    Renault, no segundo semestre/2008, quando o Autor cursou disciplina isolada no Curso de Ps-Graduao em Direito, rea de concentrao em Direito do Trabalho, perante a PUCMINAS; atualmente frequenta aulas do mesmo professor, na condio de ouvinte. Ps-graduado latu sensu pela Universidade Gama Filho.

  • O Direito do Trabalho no apenas serviu ao sistema econmico capitalista

    deflagrado com a Revoluo Industrial; na verdade, ele fixou controles para esse sistema, conferiu-lhe certa medida de civilidade, inclusive buscando eliminar as formas mais perversas de utilizao da fora de trabalho pela economia2.

    Pode-se dizer que o Direito do Trabalho um fenmeno tpico do fim do sculo XVIII e do curso do sculo XIX, uma vez que neste perodo se maturaram, na Europa e nos Estados Unidos, todas as condies fundamentais de formao do trabalho livre e

    subordinado e de concentrao proletria, que propiciaram a emergncia deste ramo do Direito3.

    Neste sentido o entendimento de Evaristo de Moraes Filho:

    O direito do trabalho um produto tpico do sculo XIX. Somente nesse sculo surgiram condies sociais que tornaram possvel o aparecimento do direito do trabalho, como um ramo novo da comum cincia jurdica, com caractersticas prprias e autonomia.4

    A regulao e a efetivao do Direito do Trabalho objetivam conferir ao trabalhador condies dignas de trabalho e proporcionar-lhe uma melhor condio econmica e social. Esses valores incorporaram-se internacionalmente aos direitos dos trabalhadores, mormente a partir do Tratado de Versalhes (1919) e da Declarao dos Direitos do Homem (1948)5.

    O Direito do Trabalho no Brasil deve ser analisado a partir da extino da escravatura (1888), uma vez que o trabalho livre pressuposto histrico-material para o surgimento do trabalho subordinado e, conseqentemente, da relao empregatcia.

    Este perodo ps-abolio da escravido (1888-1930) foi marcado por manifestaes incipientes e esparsas, podendo se verificar relaes empregatcias de

    2* Professor dos Curso de Graduao e de Ps-Graduao em Direitoda PUCMINAS; membro do Colegiado da Ps-graduao em Direito da PUCMINAS; Desembargador Federal do Trabalho; Diretor da Escola Judicial do TRT/3a. Regio.

    Barros, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4 Ed. So Paulo : LTr, 2008 p.67. 2 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Curso de Direito do Trabalho. 6

    ed. So Paulo : Ltr, 2007. p. 81 3 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Curso de Direito do Trabalho. 6

    ed. So Paulo : Ltr, 2007. p. 86 4 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Curso de Direito do Trabalho. 6

    ed. So Paulo : Ltr, 2007. p. 86 apud MORAES FILHO, Evaristo de. Tratado Elementar de Direito do Trabalho. Vol. 1. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1960, p. 69. 5 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Breves consideraes sobre a histria do direito do trabalho no

    Brasil. In: Correia, Marcus Orione Gonalves(org.). Curso de direito do trabalho. vol. 1 : teoria geral do direito do trabalho. 1 ed. So Paulo : LTr, 2007. P. 83.

  • modo relevante apenas no setor agrcola avanado de So Paulo, na emergente

    industrializao experimentada na capital paulista e no Rio de Janeiro (Distrito Federal), assim como no segmento porturio do Estado de So Paulo, principalmente em Santos.

    Alm disso, no havia um quadro poltico e social favorvel criao de leis voltadas aos interesses das classes de trabalhadores no referido perodo. Jorge Luiz Souto Maior identifica os seguintes fatores para justificar tal quadro:

    primeiro, porque essa classe era formada, basicamente, por imigrantes, que ainda sonhavam em voltar para a Europa, e ex-escravos, que consideravam j ter conquistado muito ao terem sido libertados; segundo, porque, a indstria no ocupava um lugar de destaque no cenrio econmico nacional, e as greves feitas pelos trabalhadores, decorrentes das pssimas condies de trabalho a que eram submetidos, semelhantes s do inicio da Revoluo industrial na Europa, no geraram um risco para a estabilidade econmica do pas (as conquistas de alguns direitos eram momentneas e logos perdidas); terceiro, porque o poder estatal era integrado por uma aristocracia, preocupada com os negcios internacionais do caf e com a consagrao de seus privilgios6.

    Assim, durante o referido perodo surgiram de forma assistemtica e dispersa

    alguns diplomas e normas justrabalhistas. A partir de 1930, inicia-se a fase de institucionalizao do Direito do Trabalho,

    movida principalmente pelo novo padro de gesto sociopoltica que se instaura no pas aps a derrocada da hegemonia exclusivista do segmento agroexportador de caf.

    Esta segunda fase da evoluo do ramo justrabalhista no Brasil (1930-1945), politicamente conhecida como Era Vargas, foi marcada pela poltica centralizadora e

    autoritria do presidente Getlio Vargas, o que acarretou na institucionalizao das normas trabalhistas sob uma matriz corporativa e intensamente autoritria.

    As normas justrabalhistas estruturadas no Brasil foram reunidas em um nico diploma normativo, a Consolidao das Leis do Trabalho (Decreto Lei n 5.452, de 1.5.1943), que manteve seus plenos efeitos at pelo menos a promulgao da Constituio da Repblica de 1988.

    A partir da dcada de 90, perodo iniciado pelo Presidente Collor, percebemos a absoro o iderio ultraliberalista de gesto econmico-social, no qual se deve reduzir ao mximo o valor da fora de trabalho, seja atravs de desregulamentao e flexibilizao do Direito do Trabalho, seja atravs do aumento dos trabalhadores

    6 MAIOR, Jorge Luiz Souto. Breves consideraes sobre a histria do direito do trabalho no

    Brasil. In: Correia, Marcus Orione Gonalves(org.). Curso de direito do trabalho. vol. 1 : teoria geral do direito do trabalho. 1 ed. So Paulo : LTr, 2007. p. 78.

  • disponveis do mercado, ocasionando a diminuio dos salrios em razo da grande

    procura e pouca oferta de trabalho7. Ademais, neste perodo ps Constituio Federal de 1988, firmou-se no pas, no

    mbito oficial e nos meios privados de formao de opinio pblica, um pensamento estratgico direcionado a total desarticulao das normas estatais trabalhistas, com a direta e indireta reduo dos direitos e garantias laborais8.

    E assim ocorre at os dias de hoje, com governos subseqentes adotando ideologias ultraliberais e desregulamentadoras relativas ao Direito do Trabalho, viabilizando posturas precarizantes das relaes de trabalho pelos empregadores, o que

    acarreta em uma das piores distribuies de renda do mundo. Neste sentido podemos citar as recentes prticas brasileiras relativas s

    cooperativas9, contrato provisrio de emprego10, banco de horas11 e a terceirizao, que aumentaram a acumulao de capital pelos empregadores sem reciprocidade.

    Importante destacar que o principal fundamento empresarial para justificar a necessidade de precarizao das relaes trabalho, no sentido de que a fora de trabalho

    formal brasileira extremamente onerosa e um verdadeiro obstculo para insero e competitividade do Pas na economia mundial desprovida de respaldo tcnico, segundo dados de comparao internacional.

    De acordo com a escala de valores, podemos citar a Alemanha (U$24,87) como o pas com melhor remunerao horria da fora de trabalho no setor manufatureiro, seguido pela Noruega (U$21,90); pelos Estados Unidos (U$ 16,40); pela Frana (U$16,26); pela Espanha (U$11,73); por Portugal (U$4,63); por Hong Kong (U$4,21). O custo total horrio da mo-de-obra brasileira, em 1993, foi calculado em cerca de apenas U$ 2,6812.

    Acerca da precarizao das relaes de trabalho, Mauricio Godinho Delgado cita alguns efeitos:

    7 DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, Trabalho e Emprego: Entre o paradigma da

    destruio e os caminhos de reconstruo. 1 ed. So Paulo : LTr, 2006. p. 137 8 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Curso de Direito do Trabalho. 6

    ed. So Paulo : Ltr, 2007. p. 115 9 Lei n 8.949/1994.

    10 Lei n 9.601/1998.

    11 Idem.

    12 DIEESE - Encargos Sociais, "Custo Brasil" e Competitividade disponvel em

    http://www.dieese.org.br/bol/cju/cjujul97.xml (acessado em 05/05/09)

  • A propsito, a precarizao trabalhista implementada na dcada de 1990 em decorrncia do prestigio oficial da estratgia desarticuladora radical do ramo justrabalhista produziu efeitos dramticos no cenrio social brasileiro: o pas, de renda, teve piorados seus ndices de desigualdade social naqueles dez anos, conforme dados oficiais da fundao IBGE. De fato a renda aumentou no Brasil, na dcada de 90, mas junto com ela, cresceu a distancia salarial entre os 10% mais ricos e os 40% mais pobres.13

    Neste contexto de precarizao e desregulamentao do Direito do Trabalho surge o sistema denominado Pejotizao, fenmeno que passaremos a analisar:

    2. PEJOTIZAO

    O sistema denominado Pejotizao pode ser conceituado como a contratao de trabalhadores para a prestao de servios intelectuais atravs de pessoa jurdica.

    Esta prtica foi viabilizada pelo artigo 129 da lei n 11.196/2005, in verbis:

    Art. 129. Para fins fiscais e previdencirios, a prestao de servios intelectuais, inclusive os de natureza cientfica, artstica ou cultural, em carter personalssimo ou no, com ou sem a designao de quaisquer obrigaes a scios ou empregados da sociedade prestadora de servios, quando por esta realizada, se sujeita to-somente legislao aplicvel s pessoas jurdicas, sem prejuzo da observncia do disposto no art. 50 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Cdigo Civil.

    Utilizando esta autorizao legal, alguns empregadores/contratantes passaram a

    contratar mo-de-obra para prestao de servios intelectuais, atravs pessoa jurdica sem relao de emprego.

    Diante desta situao, surgiram duas correntes acerca da viabilidade e legalidade da Pejotizao.

    A primeira sustenta principalmente que a proteo trabalhista parte do pressuposto da hipossuficincia do trabalhador, no importando suas condies

    econmicas ou prestgio frente ao poderio econmico do empregador.

    13 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Curso de Direito do Trabalho. 6

    ed. So Paulo : Ltr, 2007. p. 116 apud Gazeta Mercantil, So Paulo, 05.04.2001, p. A 10 - Renda cresce e desigualdade persiste.

  • Alm disso, defende que a legislao trabalhista de natureza cogente e que o

    pargrafo nico do artigo 3 da CLT garante a inexistncia de distines entre o trabalho intelectual, tcnico ou manual14.

    Por outro lado, a corrente contrria sustenta especialmente que o servio intelectual elimina a hipossuficincia do trabalhador, cabendo-lhe a escolha da lei de regncia relativa ao trabalho prestado, defendendo, ainda, que os incentivos fiscais e previdencirios compensariam os benefcios trabalhistas15.

    Portanto, a dvida que se apresenta aos intrpretes diz respeito possibilidade de o destinatrio da norma trabalhista poder se despojar da proteo que lhe inerente, principalmente no tocante aos direitos de indisponibilidade absoluta.

    2.1. REALIDADE FTICA DOS TRABALHADORES BRASILEIROS

    Ao analisar as possibilidades legais e a realidade dos trabalhadores brasileiros, consegue-se apurar que, ao contrrio do que se depreende no artigo 129 da lei n 11.196/2005, pelo qual, em tese, a contratao de trabalhadores intelectuais atravs de pessoa jurdica serviria para diminuir os encargos sobre o trabalho, aumentando, tambm em tese, o valor-trabalho, o que se constata que a contratao atravs deste sistema acarreta apenas a inaplicabilidade dos direitos e protees trabalhistas, sendo mantidos os valores do salrio base como valor pago pela prestao de servios pessoa jurdica.

    Observe-se que os trabalhadores contratados sob a forma de pessoa jurdica no esto protegidos por normas sobre limitao da jornada de trabalho, salrio mnimo, perodos de frias e repouso, garantias contra dispensas imotivadas, segurana e medicina do trabalho, dentre outras.

    Assim, percebemos que inclusive direitos trabalhistas de indisponibilidade absoluta so suprimidos atravs da Pejotizao da mo-de-obra. Mauricio Godinho Delgado assim entende a respeito destes direitos:

    Tais parcelas so aquelas imantadas por uma tutela de interesse pblico, por constiturem um patamar civilizatrio mnimo que a sociedade democrtica no

    14 BELMONTE, Alexandre Agra. Pejotizao, intermediao de venda de seguros, participao

    em blogs de consultas e opinies e contratos de figurao avulsa algumas reflexes. In Suplemento Trabalhista n 066/07. So Paulo: LTr, 2007 15

    Idem

  • concebe ver reduzido em qualquer segmento econmico profissional, sob pena de se afrontarem a prpria dignidade da pessoa humana e a valorizao mnima defervel ao trabalho (arts. 1, III, e 170, caput, CF/88).16

    Alm disso, verifica-se que a pssima distribuio de renda e a necessidade do trabalho para a subsistncia da grande maioria da populao brasileira ocasionam a aceitao pelos trabalhadores de condies precrias, impostas pelos empregadores/contratantes.

    Note-se que, no perodo compreendido entre a instituio da lei 5.107/66 que criou o FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio e a promulgao da

    Constituio Federal de 1988, a presso exercida pelos Empregadores, quase na maioria dos casos, para que os novos Empregados fizessem a opo pelo sistema fundirio, sob pena de no serem contratados, causando o desuso e posteriormente a extino da estabilidade decenal prevista no artigo 492 da CLT17.

    Ora, nos casos em que a vontade das partes deve ser expressa, prevalece a vontade real de uma delas - a mais forte, qual seja a da empresa.

    Por outro lado, no seria exagerada a afirmao de que as alteraes contratuais lesivas so objeto de concordncia por parte do trabalhador, em face da crise mundial.

    No fundo, nem os sindicatos tm resistido s presses exercidas pelas categorias econmicas, vidas em flexibilizar ainda mais as relaes trabalhistas, conforme se verifica de inmeros acordos e convenes coletivas de trabalho.

    As supracitadas alteraes contratuais, inclusive relativas reduo de salrios,

    muitas vezes so consideradas vlidas com base no disposto no artigo 7, III da CR/88. Ora, se o empregado aceita coletivamente a precarizao de suas condies de

    trabalho para preservar o emprego, oportunidade em que possui menor dificuldade para exercer seu direito de resistncia, individualmente, sem sombra de dvidas, aceitar condies bem piores impostas pelos Empregadores.

    Neste norte, posiciona-se Gabriela Neves Delgado ao analisar o caso do

    arremesso de anes, julgado em que o Conselho de Estado Francs desconsiderou o consentimento dos trabalhadores quanto atividade que exerciam, proibindo o trabalho

    16 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Curso de Direito do Trabalho. 6

    ed. So Paulo : Ltr, 2007. p. 117 17

    Art. 492 - O empregado que contar mais de 10 (dez) anos de servio na mesma empresa no poder ser despedido seno por motivo de falta grave ou circunstncia de fora maior, devidamente comprovadas.

  • degradante de anes, sob a justificativa de que no se pode renunciar a dignidade, porque uma pessoa no pode excluir de si mesma a humanidade 18.

    Alm disso, os trabalhadores contratados sob a forma de pessoa jurdica tero grandes dificuldades de sindicalizao e de unio para reivindicarem direitos e impedirem os possveis abusos dos contratantes.

    Portanto, diante dos fundamentos apresentados, os trabalhadores intelectuais brasileiros no possuem condies reais de exercerem livremente o direito de opo

    para a contratao de seus servios atravs de pessoa jurdica ou pelo vnculo de emprego.

    2.2. PRINCIPIOS E REGRAS TRABALHISTAS APLICVEIS

    Aps a anlise da realidade ftica dos trabalhadores brasileiros, no tocante a

    existncia de livre manifestao de vontade para optarem sobre a forma de contratao, torna-se necessrio discorrer sobre os princpios e regras aplicveis aos trabalhadores

    intelectuais em contrapartida ao sistema denominado Pejotizao. A Consolidao das Leis do Trabalho, em seus artigos 2 e 3, pe em evidncia

    os cinco elementos fticos-jurdicos componentes da relao de emprego: prestao de trabalho por pessoa fsica, com pessoalidade pelo trabalhador, trabalho esse revestido da no eventualidade, sob subordinao e com onerosidade.

    Merece especial destaque inexistncia de distino pela CLT relativa espcie

    do emprego e as condies do trabalhador, nem entre os trabalhos intelectuais, tcnicos e manuais19.

    Portanto, diante da controvrsia entre as normas aplicveis (Lei 11.196/2005 versus CLT), necessrio recorrer-se aos princpios, por serem normas genricas e basilares do sistema jurdico trabalhista.

    citada controvrsia enquadram-se perfeitamente os princpios da proteo e da norma mais favorvel.

    Alice Monteiro de Barros ensina que:

    18 DELGADO, Gabriela Neves. Trabalho e Movimentos Sociais. Belo Horizonte : Del Rey. 2008.

    p59. apud HIRONAKA, Giselda Maria Fernandez Novaez. Responsabilidade pressuposta, 2002. Tese (mestrado) Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo, 2002, 209 e 214. 19

    Pargrafo nico do artigo 3 da CLT.

  • O princpio da proteo consubstanciado na norma e na condio mais favorvel, cujo fundamento se subsume essncia do Direito do Trabalho. Seu propsito consiste em tentar corrigir desigualdades, criando uma superioridade jurdica em favor do empregado, diante de sua condio de hipossuficiente20.

    O fundamento do principio da norma mais favorvel a existncia de duas ou mais normas, cuja preferncia na aplicao o objeto de polemica. Esse principio autoriza a aplicao da norma mais favorvel, independentemente de sua hierarquia21.

    Outros princpios do ramo justrabalhista devem ser aplicados presente situao: a) imperatividade das normas trabalhistas; b) indisponibilidade dos direitos trabalhistas.

    Esses princpios prevem a irrenunciabilidade das protees e garantias trabalhistas.

    Mauricio Godinho Delgado preleciona que:

    As regras justrabalhistas so, desse modo, essencialmente imperativas, no podendo, de maneira geral, ter sua regncia contratual afastada pela simples manifestao de vontade das partes.

    Ele traduz a inviabilidade tcnico-jurdica de poder o empregado despojar-se, por sua simples manifestao de vontade, das vantagens e protees que lhe asseguram a ordem jurdica e o contrato22.

    Ainda pode-se citar o princpio da Primazia da Realidade sobre a Forma, tendo

    em vista que a contratao de trabalhadores sob a forma de pessoa jurdica nada mais que a camuflagem de uma real relao de emprego em uma relao comercial, que

    dever ser considerada nula de acordo com o artigo 9 da CLT23. Veja-se a definio de Amrico Pl Rodrigues para o princpio da Primazia da

    Realidade: Significa que em caso de discordncia entre o que ocorre na prtica e o que surge de documentos e acordos se deve dar preferncia ao primeiro, isto , ao que sucede no terreno dos fatos.

    20 Barros, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4 Ed. So Paulo : LTr, 2008 p.180

    21 Idem.

    22 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. Curso de Direito do Trabalho. 6

    ed. So Paulo : Ltr, 2007. p. 201. 23

    Art. 9 - Sero nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicao dos preceitos contidos na presente Consolidao.

  • Alm dos princpios trabalhistas acima mencionados, merece especial destaque o

    princpio constitucional da dignidade da pessoa humana24, em torno do qual se erigem todos os demais princpios justrabalhistas.

    Deste modo, diante do confronto de normas aplicveis contratao de trabalhadores intelectuais, ressalvadas as hipteses de trabalho realmente autnomos, entende-se como vlidos somente os contratos firmados com vnculo de emprego, por ser a nica forma de se manter os trabalhadores em condies dignas de trabalho e de

    sobrevivncia, alm de alcanar a finalidade de proteo do Direito do Trabalho.

    2.3. FISCALIZAO DO TRABALHO

    A situao dos trabalhadores contratados sob a forma de pessoa jurdica poderia ser pior, caso o Presidente da Repblica no vetasse a nova redao do 4 do artigo 6 da Lei n 10.593 de 06/12/200225.

    O veto se deu em razo da preocupao acerca da impossibilidade da

    fiscalizao do trabalho atuar para coibir relaes de emprego disfaradas por contrataes por meio de pessoas jurdicas.

    Caso este dispositivo no fosse vetado pelo Presidente da Repblica as autuaes s seriam possveis aps anlise do Poder Judicirio, o que reduziria a efetividade das normas trabalhistas.

    2.4. TRABALHADORES NO INTELECTUAIS

    Apesar deste artigo dedicar-se aos servios prestados por trabalhadores intelectuais, necessrio discorrer brevemente sobre os impactos da Lei 11.196/2005 e da Pejotizao sobre os demais contratos de trabalho.

    24 CR/88 Art. 1 A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e

    Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana; Art. 170. A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social (...) 25

    Veja-se o disposto no 4 do artigo 9 da lei n 11.457 de 16 de maro de 2007, vetado pelo Presidente da Repblica: 4o No exerccio das atribuies da autoridade fiscal de que trata esta Lei, a desconsiderao da pessoa, ato ou negcio jurdico que implique reconhecimento de relao de trabalho, com ou sem vnculo empregatcio, dever sempre ser precedida de deciso judicial.

  • Independentemente de a lei supracitada permitir a contratao apenas de

    trabalhadores intelectuais atravs de pessoas jurdicas e servir supostamente como incentivo fiscal tanto para os trabalhadores quanto para os contratantes, o que se tem

    verificado a contratao de diversos trabalhadores que prestam servios de natureza no intelectual camuflados de trabalhadores intelectuais, com o intuito de fraudar a aplicao da legislao trabalhista.

    Para corroborar essa afirmao podemos citar a investigao realizada pelo

    Ministrio Pblico do Trabalho acerca da fraude nas relaes de trabalho dos jornalistas26 e diversos protestos oriundos dos respectivos sindicatos sobre a Pejotizao27.

    Nestes casos, tornam-se desnecessrias grandes discusses acerca da validade das contrataes. No se tratando de trabalhadores intelectuais, estes devero ser contratados com vnculo de emprego, sob pena de o contrato firmado sob a forma de

    pessoa jurdica ser considerado nulo, por impedir e fraudar a aplicao das garantias e direitos trabalhistas, conforme disposto no artigo 9 da Consolidao das Leis do Trabalho28.

    3. CONCLUSO

    Aps analise dos fundamentos da viabilidade e legalidade do modelo denominado Pejotizao, bem como a possibilidade de o destinatrio da norma trabalhista optar por sua aplicao ou no, entende-se que o referido sistema no deve ser utilizado em razo da realidade ftica do Direito do Trabalho brasileiro, devendo,

    quando presentes os requisitos da relao de emprego prevista nos artigos 2 e 3 da CLT, considerar-se os trabalhadores como empregados, ainda que executem trabalhos de natureza intelectual.

    26 Sindicato dos Jornalistas do Estado de So Paulo. Disponvel em

    http://www.sjsp.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1209&Itemid=2 (acessado em 24/11/2008). 27

    FEDERAO NACIONAL DOS JORNALISTAS. Disponvel em http://www.lutafenaj.org/nosso_programa.htm (acessado em 24/11/2008) e CENTRAL NICA DOS TRABALHADORES CUT. Disponvel em http://www.cut.org.br/index2.php?option=com_content&task=view&id=5788&pop=1&page=0&Itemid=170 (acessado em 24/11/2008). 28

    Art. 9 - Sero nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicao dos preceitos contidos na presente Consolidao.

  • Ademais, diante da situao analisada, se verificou que a Pejotizao impede a efetividade do princpio da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos do Estado Democrtico de Direito previsto na Carta Magna, assim como dos princpios

    basilares do direito do trabalho, tais como o da primazia da realidade, da proteo, da Imperatividade e Indisponibilidade das normas trabalhistas e da norma mais favorvel.

    Alm disso, a Pejotizao e outras alteraes normativas trabalhistas precarizantes ocorridas a partir dos anos 90 tiveram o condo, na verdade, de inviabilizar a insero mais favorvel e civilizada dos trabalhadores na economia e sociedade brasileira29, perdendo-se, assim, um importante mercado consumidor para os

    produtos derivados do sistema, extremamente necessrios mormente nos dias atuais em razo da crise mundial.

    4. REFERNCIAS

    BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4 Ed. So Paulo : LTr, 2008..

    BELMONTE, Alexandre Agra. Pejotizao, intermediao de venda de seguros, participao em blogs de consultas e opinies e contratos de figurao avulsa algumas reflexes. Suplemento Trabalhista n 066/07. So Paulo: LTr, 2007

    CENTRAL NICA DOS TRABALHADORES CUT. Disponvel em http://www.cut.org.br/index2.php?option=com_content&task=view&id=5788&pop=1&page=0&Itemid=170 (acessado em 24/11/2008).

    DELGADO, Gabriela Neves. Direito fundamental ao trabalho digno. So Paulo : LTr, 2006.

    _________. Trabalho e Movimentos Sociais. Belo Horizonte : Del Rey. 2008. DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, Trabalho e Emprego: Entre o

    paradigma da destruio e os caminhos de reconstruo. 1 ed. So Paulo : LTr, 2006. _________. Curso de Direito do Trabalho. Curso de Direito do Trabalho. 6 ed.

    So Paulo : Ltr, 2007. DIEESE - Encargos Sociais, "Custo Brasil" e Competitividade disponvel em

    http://www.dieese.org.br/bol/cju/cjujul97.xml (acessado em 05/05/09)

    29 DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, Trabalho e Emprego: Entre o paradigma da

    destruio e os caminhos de reconstruo. 1 ed. So Paulo : LTr, 2006. p. 140

  • FEDERAO NACIONAL DOS JORNALISTAS. Disponvel em http://www.lutafenaj.org/nosso_programa.htm (acessado em 24/11/2008)

    MAIOR, Jorge Luiz Souto. Breves consideraes sobre a histria do direito do trabalho no Brasil. In: Correia, Marcus Orione Gonalves(org.). Curso de direito do trabalho. vol. 1 : teoria geral do direito do trabalho. 1 ed. So Paulo : LTr, 2007.

    SINDICATO DOS JORNALISTAS DO ESTADO DE SO PAULO. Disponvel em http://www.sjsp.org.br/index.php?option=com_content&task=view &id=1209&Itemid=2 (acessado em 24/11/2008).