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COLEÇÃO PARA ESTUDAR VANDA ARANTES DO VALE Universidade Federal de Juiz de Fora HISTÓRIA SOCIAL DA CULTURA EM MINAS GERAIS: Pintura brasileira do século XIX – Museu Mariano Procópio e Medicina e sociedade brasileira (1860- 1910) – Baú de ossos

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COLEÇÃO PARA ESTUDAR

VANDA ARANTES DO VALE

Universidade Federal de Juiz de Fora

HISTÓRIA SOCIAL DA CULTURA EM MINAS GERAIS:Pintura brasileira do século XIX – Museu Mariano Procópio e Medicina e

sociedade brasileira (1860-1910) – Baú de ossos

CLIO EDIÇÕES ELETRÔNICASJUIZ DE FORA

2001

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FICHA CATALOGRÁFICA

VALE, Vanda Arantes. História social da cultura em Minas Gerais: Pintura brasileira do século XIX – Museu Mariano Procópio e Medicina e sociedade brasileira (1860-1910) – Baú de ossos. Juiz de Fora: Clio Edições Eletrônicas, 2000.

1. Clio Edições Eletrônicas 2. Editoras Eletrônicas

Clio Edições Eletrônicas-Departamento de História da UFJF

E-mail: [email protected]

http: www.clionet.ufjf.br/clioedel

Endereço para correspondência:Departamento de História da UFJFICHL – Campus UniversitárioJuiz de Fora – MG – Brasil

CEP: 36036-330

Fone: (032) 229-3750Fax: (032) 231 –1342

UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORAReitoraVice-Reitor: Prof. Paulo Ferreira PintoPró-Reitor de Pesquisa: Prof. Dr. Murilo Gomes de OliveiraDiretora do ICHL: Profa. Dra. Terezinha ScherChefe do Departamento de História: Prof. Luiz Antônio V. ArantesDiretor do Arquivo Histórico da UFJF: Prof. Galba Di MambroDiretora da Editora: Profa. Vanda Arantes do Vale

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SUMÁRIO

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Introdução

A publicação História social da cultura em Minas Gerais no século XIX é dividida em duas partes: I- Pintura brasileira do século XIX – Museu Mariano Procópio e II- Medicina e sociedade brasileira (1860-1910) – Baú de ossos. A finalidade do estudo é de subsidiar a disciplina História social da cultura em Minas Gerais – século XIX, oferecida pelo Curso de Especialização em História de Minas Gerais, organizado pelo Departamento de História da Universidade de Juiz de Fora - 2000/2001- com carga horária de 30 horas.

Pintura brasileira do século XIX – Museu Mariano Procópio foi por nós apresentado como conferências para o Mestrado de Letras – UFJF – 1999. Contudo, já havíamos estudado o assunto na dissertação de Mestrado Pintura brasileira do século XIX – Museu Mariano Procópio – UFRJ – 1995. Preocupou-nos, na apresentação, em 1999, o aprofundamento nas propostas teóricas de Néstor Garcia Canclini, solicitação feita pela coordenação do Mestrado de Letras. Elaboramos o texto com a preocupação de explicitar o instrumental teórico adotado na pesquisa. Assim, o fizemos por crermos que este procedimento seria útil a alunos envolvidos com a escrita de monografias.

Medicina e sociedade brasileira (1860-1910) – Baú de ossos foi elaborado para este curso. Partindo de um obra literária – Baú de ossos – memórias – autoria de Pedro Nava, buscamos identificar aspectos que envolveram as relações Medicina e sociedade brasileira no período de 1860-1910. Grande parte do Baú de ossos é ambientada em Juiz de Fora. Tratamos, pois, da identificação dos fatos envolvidos com a Medicina, no período, visíveis nesta cidade.

O período, envolvendo os textos, fins do século XIX e as três primeiras décadas do XX, ficou conhecido como “Belle – époque” , momento em que o capitalismo monopolista se estendeu mundialmente. Tempo de intensa movimentação na sociedade brasileira, sendo marcos visíveis, em Minas Gerais, a construção de Belo Horizonte para capital do estado e a industrialização de Juiz de Fora. Partindo do estudo da pintura brasileira do século XIX que, se encontra no Museu Mariano Procópio e da organização da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Juiz de Fora, buscamos desvelar diversos significados envolvidos na organização destas instituições.

Os textos apresentam como que um roteiro para o estudo das questões propostas. O aprofundamento em Pintura brasileira do século XIX – Museu Mariano Procópio pode ser feito com a leitura de nossa dissertação de Mestrado. Os diversos aspectos que envolvem a Medicina, no período, podem ser aprofundadas com a leitura de textos apresentados na bibliografia e futuramente como nossa tese de doutorado, em elaboração, -Medicina e sociedade brasileira (1890-1940) nas memórias de Pedro Nava.

A publicação eletrônica dos textos têm caráter experimental. Faz parte do projeto Clioedel que se está organizando e buscando a criação de um espaço para edições eletrônicas na área de História. Esperamos que esta publicação contribua para os estudos sobre Minas Gerais e Brasil, proposta que tem norteado nosso trabalho.

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Vanda Arantes do [email protected] [email protected]

RESUMO

Os textos – Pintura brasileira do século XIX – Museu Mariano Procópio e Medicina e sociedade brasileira (1860-1910) – Baú de ossos- pretendem mostrar aspectos das propostas das elites nacionais no período. Instituições localizadas em Juiz de Fora – Minas Gerais - Brasil são exemplos de instituições organizadas, no momento em que o capitalismo possibilitou a instalação de indústrias na América Latina.

Palavras chaves: pintura, museu, memórias, Medicina , História.

ABSTRACT

The texts – Brazilian painting of century XIX – Museum Mariano Procópio and –Medicina and Brazilian Society (1860-1910) – Baú de ossos – intend to show some aspects of the proposals of the national elites during this period. Institutions located in Juiz de Fora – Minas Gerais – Brasil are examples of institutions organized at the moment in which the capitalism made possible the installation of industries in Latin America.

Key words: painting, museum, memories, Medicina, History

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TEXTO I

PINTURA BRASILEIRA DO SÉCULO XIX

MUSEU MARIANO PROCÓPIO

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PINTURA BRASILEIRA DO SÉCULO XIX - MUSEU MARIANO PROCÓPIO

Introdução

Quando escolhemos estudar a Pintura Brasileira do Século XIX – Museu

Mariano Procópio, como tema de nossa dissertação de Mestrado em História e Crítica

da Arte 1 – dois aspectos foram importantes em nossa decisão. Primeiro, queríamos

fazer um trabalho que tivesse ligação com a comunidade de Juiz de Fora, cidade onde

moramos. Em segundo lugar, desejávamos colocar nossos estudos alinhados com o

Departamento de História da Universidade Federal de Juiz de Fora, onde trabalhamos, e

que tem desenvolvido pesquisas sobre a cidade.

Como trabalhávamos com História da Arte, escolhemos a pintura brasileira e

decidimos estudar os exemplares da mesma, pertencentes ao Museu Mariano Procópio

em Juiz de Fora. Buscamos o entendimento sobre o significado desta coleção de

pinturas e da existência de um museu como o Mariano Procópio para a cidade.

Delimitamos como objeto de estudo uma parte da pinacoteca, a constituída de pinturas

brasileiras feitas por artistas nascidos no século XIX, nacionais e estrangeiros que se

radicaram ou estiveram trabalhando no país . Como metodologia, foi condutor de

nossas pesquisas o texto de Néstor Garcia Canclini- A produção simbólica2. Faremos, a

seguir, a exposição das idéias defendidas pelo autor e que foram por nós adotadas para

este trabalho.

Néstor Garcia Canclini, sociólogo argentino, radicado no México, onde trabalha

na Escola Nacional de Antropologia Social, tem vários textos publicados sobre a 1 VALE, Vanda Arantes. Pintura brasileira do século XIX – Museu Mariano Procópio. Rio de

Janeiro: EBA/ UFRJ, 1995 (dissertação de Mestrado).2 CANCLINI, Néstor Garcia. A produção simbólica – teoria e metodologia em sociologia da arte.

Rio de Janeiro, 1979.

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produção simbólica na América Latina. Para nossa dissertação de Mestrado, o

interesse específico foi A produção simbólica – teoria e prática na América Latina.

Segundo Canclini, os problemas principais da Sociologia, ao se estudar a arte,

relacionam-se com sua localização na estrutura social. Aponta como problemas chaves:

(...)a determinação do contexto com o qual se vincula a arte, o caráter dessa vinculação e em que consistem as semelhanças e diferenças dos fatos artísticos dos demais.3

Canclini4 elaborou um modelo de pesquisa para o estudo da correlação entre o

desenvolvimento sócio-econômico e movimentos artísticos na Argentina. Comenta, no

entanto, que ao formulá-lo, preocupou-se com um grau de abstração que o tornasse apto

para estudos dentro de outros casos do capitalismo dependente. Ao reproduzirmos o

modelo de pesquisa proposto por Canclini, indicaremos nossas investigações em cada

item.

MODELO DE PESQUISA PROPOSTO POR CANCLINI

1.1 – SITUAÇÃO DA ARTE NA ESTRUTURA SOCIAL

Esta etapa abrange os seguintes passos:

a) Análise da estrutura geral da sociedade e sua localização – relações de

dependência – dentro do sistema capitalista (modo de produção, formação sócio-

econômica e conjuntura).

No Capítulo I- Contexto: Brasil – Juiz de Fora –nossa preocupação foi encontrar os

elementos formadores do Brasil independente, como uma sociedade agro-escravocrata-

exportadora. Priorizamos a organização institucional do país, os aspectos racistas que

perpassaram estes espaços e suas relações com a Academia Imperial de Belas Artes,

posteriormente, com a República, Escola Nacional de Belas Artes. De Juiz de Fora, 3 ------. p. 44.4 ------. p. 75 – 76.

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destacamos a industrialização no momento em que o capitalismo monopolista se

estendeu a nível internacional. Buscamos, nos hábitos e costumes da cidade, a

identificação de um centro urbano laico que organizou suas instituições como ícones da

industrialização.

b) Análise do lugar atribuído à arte no conjunto da estrutura social, suas relações

com as demais partes (economia, tecnologia, política, religião, etc.) e a

vinculação com a estrutura de classes.

No Capítulo II – Academias e Museus – pesquisamos o significado da organização das

Academias de Belas Artes e Museus como instrumentos ideológicos do capitalismo e o

significado da transposição destes modelos para um país de economia periférica, como

o Brasil.

1.2 – A ESTRUTURA DO CAMPO ARTÍSTICO

1.2.1- A organização material. Esta segunda etapa inclui os seguintes aspectos:

a) Meios de produção (os recursos tecnológicos para a produção artística e

modificações ocorridas pela introdução de novos materiais – acrílicos, plásticos – e

novos procedimentos – multiplicação, mecânica ou eletrônica da imagem).

Ainda no Capítulo II, preocuparam-nos as condições materiais do ensino artístico no

Brasil do século XIX, verbas e questões relativas ao “modelo vivo”.

b) Relações sociais de produção (entre artistas, intermediários e público: relações

institucionais, comerciais, publicitárias; interação dentro do país e com a arte

estrangeira).

Continuando com o Capítulo II, investigamos o recrutamento dos artistas entre as

camadas pobres da população, o papel referendador das exposições, as lojas de vendas

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de objetos artísticos, o mercado de retratos e decorações de interiores e o

encaminhamento dos artistas premiados para aperfeiçoamento na Europa.

1.2.2– O processo ideológico

a) Elaboração em imagens (na obra) dos condicionamentos sócio-econômico por

parte dos artistas.

No Capítulo III, apresentamos biografias e obras de pintores brasileiros, nascidos ao

longo do século XIX e que fazem parte da pinacoteca do Museu Mariano Procópio.

Preocupou-nos a premiação dos artistas, a incorporação de novas técnicas ao ensino

artístico, como decorrência de um procedimento do mercado comprador, a elite do

período. Foram características do comportamento político deste grupo os ajustes

institucionais modernizadores, como Abolição e República, mantendo intocável a

estrutura econômica. Esta elite que permaneceu no poder até 1930 patrocinou o

Academicismo Eclético do período, adotou inovações sem romper com as diretrizes

neoclássicas do ensino.

b) Elaboração ideológica realizada em outros textos por artistas, difusores e público

(manifestos, entrevistas, ensaios, críticas jornalísticas, autobiografias, inquéritos, etc.).

Os dados biográficos coletados não foram uniformes. De alguns artistas conseguimos

críticas jornalísticas do período, reportagens e autobiografia, como a de Antônio

Parreiras; de outros, poucas ou nenhuma informação. Na conclusão do trabalho,

buscamos alcançar a explicação sociológica proposta por Canclini, para quem importa:

(...) se o artista ao conformar sua obra estabelece preferentemente seus laços com a história da arte, isto é, com o passado; outros artistas contemporâneos; de um mesmo movimento ou de movimentos rivais; do exterior ou do próprio país; os marchands ou editores; as instituições promotoras da arte (galerias, museus, fundações) o

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público (caso em que se analisará com que classe ou fração de classe); os meios de comunicação de massa; a censura e outros.5

Canclini tem desenvolvido estudos sobre as relações arte-sociedade na América

Latina, publicado textos apresentados em congressos. Em 1990 foi publicado, de sua

autoria, o texto La modernidad después de la posmodernidad6 , apresentado no

seminário Modernidade: vanguardas artísticas da América Latina ocorrido em São

Paulo. Este texto aprofunda e amplia idéias expostas em A produção simbólica,

norteadoras e aprofundadas em Culturas híbridas7. Seguiremos identificando as idéias

principais de La modernidad después de la modernidad, buscando correlacioná-las com

nossa investigação- Pintura brasileira do século XIX- Museu Mariano Procópio.

Canclini8 apresenta a tese inicial do texto. Defende a idéia de que os

movimentos pós-modernos são pertinentes ou interessam na medida que criam

condições para reformular os vínculos entre tradição, modernidade e pós-modernidade.

Em subtítulo- Modernismo sin modernización- diante das contradições violentas da

América Latina, visíveis na organização do universo institucional brasileiro ao longo do

século XIX, afirma que:

La modernidad suele ser vista como una máscara, un simulacro urdido por las élites y los aparatos estatales, sobre todo los que se ocupan del arte y cultura, pero que por lo mismo los vuelve irrepresentativos e inverosímiles.9

No subtítulo – Qué significa ser modernos - identificamos os movimentos

básicos: 1- um projeto emancipador; 2- um projeto expansivo; 3- um projeto renovador

e 4- um projeto democratizador. Como projeto emancipador entende a secularização

dos campos culturais; aspecto visível, estudado por nós, quando identificamos nos atos

administrativos do Príncipe Regente D. João medidas que objetivaram a por abaixo as

instituições mantenedoras do Pacto Colonial. As Academias de Belas Artes, no

5 ------. p 77.6 CANCLINI, Néstor Garcia. La modernidad después de la posmodernidad. In; Modernidade:

vanguardas artísticas na América Latina. São Paulo: Memorial/ UNESP, 1990 (p. 202-238).7 ------. Culturas híbridas – estratégias para entrar e sair da modernidade; 2ª ed. São Paulo:

EDUSP, 1998, 8 ------. La modernidad después de la modernidad. 1990, p. 202.9 ------. p. 203.

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continente, tiveram o objetivo de criar uma iconografia racional e laica para os estados

nacionais latino-americanos, antigas colônias ibéricas.

O projeto expansivo é a denominação dada por Canclini à tendência da

modernidade em se ampliar o conhecimento, o domínio da natureza, a produção, a

circulação e o consumo de bens. Os objetos de nossa pesquisa formaram o universo

estético brasileiro no período de 1870-1930. Período onde as estruturas coloniais que

sobreviveram ao Império tornaram-se inadequadas ao capitalismo monopolista.

Atendendo às necessidades, do momento, organizaram-se ou reorganizaram-se

instituições, adequadas aos novos tempos, Abolição e República, dentre elas.

O projeto renovador segundo Canclini10,abrange dois aspectos, muitas vezes

contraditórios: 1- busca de melhoria e inovação contínuas, próprias da relação com a

natureza e sociedade liberada de todos os limites sacros e 2- necessidade de se

reformular, às vezes, os signos de distinção social que são desgastados pelo consumo de

massa. A organização do ensino artístico ao longo da Independência, Regência e

Segundo Reinado sintetizam essas contradições. A pintura histórica e a escultura laica,

opostas às sacras da colônia e os aspectos formais do Academicismo Eclético são

tentativas, em artes plásticas, de se inovar, contudo, sem rupturas.

Canclini11 chama de projeto democratizador o momento da modernidade que

objetivam a melhoria da sociedade através de políticas racionais e morais. O autor fala

que estas políticas não têm tido êxito na América Latina. Para entender as razões da

falência destas posturas, Canclini busca distinguir a modernidade como processo

histórico, a modernização como processo social que vai construindo a modernidade e

os modernismos, projetos presentes em diversos momentos do capitalismo. Proposta

desconhecida em nosso período de estudo. Tratamos em nossas pesquisas de como as

idéias racistas perpassaram as instituições brasileiras no período de 1870-1930 e

buscavam justificar as desigualdades sociais pelas diferenças raciais.

Em Vanguardias: anticipo o anacronismo? O autor estuda as diversas posturas

que norteiam os estudos sobre a modernidade latino-americana. Identifica como que a 10 ------. p. 205.11 ------.

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modernidade se circunscreve a pequenos grupos. Canclini chama a atenção para

aspectos pertinentes aos nossos estudos. As observações do autor, transcritas a seguir,

desvelam o significado do Museu Mariano Procópio, exemplo iconográfico das

propostas do período da Industrialização tardia da America Latina. Assim, Canclini

identifica a modernização latino-americana:

Mordenización com expansión restringida del mercado, democratización para minorías, renovación de las ideas pero com baja eficacia en los procesos sociales. Los desajustes entre modernismo y modernización son utiles a las clases dominantes para preservar sua hegemonia, y a veces no tener que preocuparse por justificarla, para ser simplemente clases dominantes. En la cultura escrita, lo consiguieron limitando la escolarización y el consumo de libros y revistas. En la cultura visual, mediante tres operaciones que hicieron posible a las élites restablecer una y otra vez, ante cada cambio modernizador, su concepción aristocrática: a) espiritualizar la producción cultural bajo el aspecto de “creación” artística, com la consecuente división entre arte y artesanías; b) congelar la circulación de los bienes simbólicos en colecciones, concentrándolos, en museus, palacios y otros centros exclusivos; c) proponer como única forma legítima de consumo de estos bienes esa modalidad también espiritualizada, hierática, de recepción que consiste en contemplarlos.12

Prosseguindo com a busca das principais idéias do texto, deparamos com o autor

destacando a postura errônea de avaliarmos nossa modernidade por modelos dos países

centrais. Propõe caminhos em Como interpretar una cultura hibrida. Aponta as falhas

do determinismo sociológico nos estudos sobre as relações arte- sociedade. Procura

identificar as especificidades históricas que formam o continente. A convivência de

aspectos da modernidade, sobrepostos a coloniais e pré-hispânicos merece de Canclini a

denominação de Heterogeneidad multitemporal. Faz observações13 ao livro de Roberto

Schwarz – Ao vencedor as batatas- denominando este momento do texto de Importar,

traducir, construir lo proprio. Canclini, ainda, faz observações sobre as relações dos

intelectuais modernistas na década de 20 com os governos nacionais.

Em Expansión del consumo y voluntarismo cultural detém-se no estudo de

aspectos da década de 30 nos países latino-americanos. Entende que o período foi palco

da organização de sistemas mais autônomos de produção cultural. En El estado cuida

12 ------. p. 208.13 ------. p. 214.

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el patrimonio, las emprezas lo modernizan identificar os diversos aspectos que

envolvem a questão:

Mientras el patrimonio tradicional sigue siendo responsabilidad de los Estados, la promoción de la cultura moderna es cada vez más tarea de empresas y organismos privados. De esta diferencia derivan dos estilos de acción cultural. En tanto los gobiernos entienden su política en términos de protección y preservación del patrimonio histórico, las iniciativas innovadoras quedan en manos de la sociedad civil, especialmente de quienes disponen de poder económico para financiar arriesgando. Unos y otros buscan en el arte dos tipos de crédito simbólico: los Estados, legitimidad y consenso al aparecer como representantes de la historia nacional; las empresas quieren obtener lucro y construir a través de la cultura de punta, renovadora, una imagen “no interesada”de su expansión económica.14

O último subtítulo do texto- Hacia fin de siglo: la organización posmoderna é

o espaço onde Canclini trata o pós-moderno como uma reorganização das relações

internas da modernidade e suas conexões com as tradições. Observa que o tradicional e

o moderno não possuem mais fronteiras rígidas e definidas. Identifica as transformações

da “indústria cultural” nas diversas formas e países da América Latina.

Resumidamente expusemos as idéias centrais que Canclini tem desenvolvido

em seus estudos sobre as relações arte-sociedade na América Latina. Nos próximos

parágrafos apresentaremos um resumo de nossa pesquisa – Pintura brasileira do século

XIX – Museu Mariano Procópio onde aplicamos algumas das propostas metodológicas

do autor. Nossos critérios na escolha dos objetos a serem estudados foram: telas de

artistas nacionais, radicados ou que estiveram no país, nascidos ao longo do século XIX

e presentes na pinacoteca do Museu Mariano Procópio. Buscamos a comprovação das

seguintes hipóteses formuladas no início do trabalho:

1- a coleção de pintura brasileira do século XIX- Museu Mariano Procópio – é uma

amostragem da pintura brasileira do período, exemplo do universo estético nacional

(1870-1930);

2- a coleção é parte de um universo simbólico, ícone da industrialização da cidade;

14 ------. p. 216

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3- a preocupação em criar um Brasil com características européias perpassa a pintura

brasileira do período.

I - Contexto: Brasil – Juiz de Fora (1870-1930)

1.1. Brasil (1870-1930)

A independência das Treze Colônias Americanas, em 1776, a Revolução

Francesa, de 1789 a 1815, são os fatos mais conhecidos que evidenciam os traços de

uma nova época, marcos factuais do mundo capitalista industrial. Novos símbolos

visuais deveriam ser criados para o universo das revoltas coloniais, nacionalismos,

rebeliões populares, anti-clericalismo e racionalismo, elementos identificadores do

Liberalismo. A arte sacra do universo formado pelo Pacto Colonial deveria ser

laicizada. No Novo Mundo, as elites locais fizeram as independências nacionais, em sua

maioria de 1811 a 1825, norteadas pelas idéias liberais inglesas e francesas. Artistas

europeus com formação nas Academias de Belas Artes foram contratados para a

montagem das iconografias dos novos estados.

Sinais do Liberalismo no Brasil15 podem ser detectados em medidas

administrativas tomadas após a transferência da Corte para o país em 1808. Atos

administrativos como a abertura dos portos, permissão para a instalação de manufaturas,

doações de Sesmarias em áreas despovoadas, instalação dos primeiros imigrantes,

Escolas de Medicina do Rio e Bahia, Imprensa Régia, Banco do Brasil, identificam

modificações substitutivas da organização colonial. A contratação do grupo de artistas e

estudiosos que ficou conhecida como Missão Francesa de 1816 assinala o desejo de se

montar no país, uma nova organização simbólica, substitutiva da colonial. O artesão-

santeiro da colônia deveria ser substituído pelo artista intelectualizado do vice-reinado e

posteriormente do país independente.

15 VIOTTI DA COSTA, Emília. Da monarquia república: momentos decisivos. São Paulo: Ed. Grijalbo, 1977 (texto básico para a identificação de fatos do período).

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O ensino artístico atrelado ao Governo Imperial foi um de seus sustentáculos

ideológicos; ambos inadequados ao final do século XIX, quando foi proclamada a

República e a disciplina neoclássica entrou em declínio. A ligação do ensino acadêmico

no Brasil com o Império pode ser percebida na divisão que Adolfo Morales de Los

Rios16 faz do mesmo: 1816 a 1826- preparação;1827 a 1840- encaminhamento; 1841 a

1860- consolidação e de 1861 a 1890 como caracterização. Segundo Taunay:

(...) Ao empirismo, ou automatismo dos processos correntes de aprendizagem artística e profissional, substituiu uma metodologia. Terminava a época antididática e iniciava-se a de caráter didático.17

(... ) na pintura- o antigo, a mitologia e a história substituíram a obra quase que exclusivamente sacra dos "santeiros"pictoriais da colônia e do último Vice-Reinado.18

O Brasil, até a década de 70 do século XIX, foi uma sociedade de poucos

homens livres-brancos, uma imensa maioria negra-escrava e uma camada média sem

expressão. Esta organização retardou o aparecimento de um mercado de bens artísticos,

o que já existia na Europa desde o século XVI. Até a década de 60, a aquisição de

obras de arte ficou na órbita do governo imperial. Nos anos 70, aumentou-se a

circulação de mercadorias artísticas, graças ao lucro com o plantio e comércio do café,

mudando-se o quadro no comércio de arte. Como as telas por nós estudadas, em sua

maioria, são de artistas atuantes de 1870 a 1930 e estas datas também identificam a

industrialização de Juiz de Fora, sobre o período, faremos algumas observações nos

próximos parágrafos.

Em nossos estudos sobre a pintura brasileira de inícios do século XIX19, dentre

vários aspectos detectados na mesma, chamou-nos a atenção a quase total ausência de

negros como temática. Percebíamos no atrelamento ao estado da Missão Francesa -

Academia Imperial de Belas Artes- Escola Nacional de Belas Artes, o desejo de se

montar uma iconografia laica, racional e branca do país. Contudo, faltavam-nos

16 LOS RIOS, Adolfo Morales. O ensino artístico – subsídio para sua história. Rio de Janeiro; Imprensa Nacional, 1942, p. 71.

17

18 TAUNAY, Afonso de E. A missão artística de 1816. Brasília: EUNB, 1983, p. 49.19 VALE, Vanda Arantes. Pintores estrangeiros no Brasil “Museu Mariano Procópio”. Petrópolis:

Vozes Cultura, n. 2, março – abril, 1993, p. 55-62.

16

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informações que corroborassem nossas observações. Esta questão foi resolvida com a

leitura do livro O Espetáculo das Raças de Lilian Schwarcz.

Os estudos de Schwarcz20 mostram que a Razão Científica, porta-voz do

Capitalismo Industrial, postulada como neutra, descobriu, nas características e

peculiaridades étnicas, justificativas para as políticas expansionistas e nacionalistas de

países europeus. Em países como o Brasil, apontado na época como caso único de

miscigenação, "homens de ciência", formularam teorias que, na prática referendavam a

dominação econômica e as desigualdades sociais.

A discussão racial envolveu as instituições brasileiras de 1870 a 1930. O

assunto foi abordado nos estudos de Frenologia dos Museus Etnográficos, na leitura dos

Germânicos pela Escola de Recife, na análise liberal da Escola de Direito de São

Paulo, no meio católico Evolucionista dos Institutos Históricos e Geográficos, nas

questões Eugênicas das Faculdades de Medicina e no ensino artístico da Academia

Imperial de Belas Artes- Escola Nacional de Belas Artes. Como falamos anteriormente,

estas instituições foram criadas ou reorganizadas como parte do aparato urbano que se

estava implantando e contemporâneas à preocupação da intelectualidade com o

reconhecimento de uma identidade nacional.

Negros e índios foram vistos como “problemas” nestas instituições e foram

apresentadas diversas soluções21, a exemplo, as propostas pelo Instituto Histórico e

Geográfico Brasileiro. A herança do pensamento iluminista de civilização e progresso

entendia o Brasil como um desdobramento da Europa nos trópicos; a nação brasileira

tratada como branca, ficando excluídos negros e índios por não serem civilizados. A

solução do grupo ligado ao evolucionismo positivista era a da instrução escolar; a

vertente religiosa propunha a redenção catequética; os românticos queriam o indígena

como símbolo nacional e os ideólogos do branqueamento, defendiam a mestiçagem.

Os princípios do Neoclassicismo nortearam a fundação ou reorganização das

Academias de Belas Artes. Estes estabelecimentos foram porta-vozes das revoluções

20 SCHWARCZ, Lilian. O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.21 VALE, Vanda Arantes. Pintura brasileira do século XIX – Museu Mariano Procópio. EBA/ UFRJ,

1995, p. 42.

17

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burguesas na Europa e nas Américas. A retomada de temáticas greco-romanas,

visavam à exaltação de virtudes cívicas como lealdade ao Estado e bravura militar. O

assunto foi estudado por Jean Starobinski22 em 1789 Os Emblemas da Razão. A

estética neoclássica, perpassada de naturalismo idealista, teve como resultado para a

pintura a normatização das seguintes técnicas: composição de Rafael, claro-escuro de

Leonardo da Vinci, desenho de Miguel Ângelo e o colorido de Ticiano. Técnicas

adequadas para a pintura de cenas históricas, mitológicas e retratos dos governantes.

Na America Latina, a organização das Academias de Belas Artes objetivou a

construção das iconografias nacionais dos estados independentes do século XIX. O

antigo mundo ibérico organizou estados agro-exportadores mantendo as elites coloniais

e alijando da participação política a maioria negra ou indígena. Não é de se estranhar,

portanto, que os imaginários nacionais, montados no período, objetivassem a se

assemelharem com europeus. Durand23 observa que negros, na visão da Academia, não

interessavam como tema e modelos. João M. Mafra, professor e diretor da instituição,

pede ao governo a contratação de imigrantes europeus para trabalharem como modelos.

Argumenta que negros e mulatos que se dispunham a posarem em troca de poucos

trocados, “não seriam tão belos nem tão eugênicos quanto o desejável”.

Caracteriza-se o período pela urbanização. Capitais excedentes do café, caso

brasileiro, possibilitaram a instalação de indústrias de bens de consumo. Intensificou-se

a imigração e novas áreas de povoamento foram abertas, a exemplo, Juiz de Fora.

Propostas ecléticas, em arquitetura construiram cidades como Belo Horizonte, Goiânia

e Teresina no Brasil ou reconstruíram capitais dos países latino-americanos como Rio

de Janeiro, Buenos Aires, Montevideu, etc. Silvio Romero (1851-1914),

contemporâneo das transformações mencionadas assim percebeu o seu tempo:

De repente, por um movimento subterrâneo, que vinha de longe, a instabilidade de todas as coisas se mostrou e o sofisma do Império apareceu em toda a sua nudez. A Guerra do Paraguai estava a mostrar a todas as vistas os imensos defeitos de nossa organização militar e o acanhado de nossos progressos sociais, desvendando repugnantemente a chaga da escravidão; e então a questão dos cativos se agita e após é seguida da questão religiosa; tudo se põe em discurso: o aparelho

22 STAROBINSKI, Jean. 1789 – Os emblemas da razão. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.23 DURAND, José Carlos. Arte, privilégio e distinção. São Paulo: Perspectiva?EDUSP, 1989, p. 5.

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sofístico das eleições, o sistema de arrocho das instituições políticas e das magistraturas e inúmeros problemas econômicos; o partido liberal expelido do poder comove-se desusadamente e lança aos quatro ventos um programa de extrema democracia; quase um verdadeiro socialismo; o partido republicano organiza e inicia um programa que nada faria apagar. Na política, é um mundo inteiro que vacila. Nas regiões do pensamento teórico, o tratamento da peleja foi ainda mais formidável, porque o atraso era horroroso.24

As instituições anteriormente mencionadas funcionaram como instrumentos

ideológicos para a inserção do Brasil na ordem capitalista. A Abolição, em 1888, e a

República em 1889 foram modernizações institucionais que garantiram a permanência

no poder das oligarquias do Império até 1930. As fraturas desta organização se fizeram

visíveis com o movimento dos Tenentes em 1922, 1924 e 1926, a fundação do Partido

Comunista e a Semana de Arte Moderna em 1922.

1.2- Juiz de Fora

Juiz de Fora, cidade industrial, "Manchester Mineira", organizada após a década

de 60 do século XIX, constitui-se um ícone das forças econômicas e sociais que

puseram abaixo resquícios coloniais que adentraram no Brasil pelo século XIX. Cidade

nascida em decorrência da abertura do Caminho Novo (fins do século XVIII), plantio

do café após 1840 e industrializada de 1870 a 1930. A industrialização da cidade deu-se

no contexto denominado Capitalismo Monopolista por alguns economistas, como João

Cardoso de Mello25 , e, a implantação de indústrias em cidades como Juiz de Fora é

identificada como Industrialização Tardia da América Latina.

Em Juiz de Fora foram fatores da industrialização: a transformação da força de

trabalho em mercadoria (assalariamento), tornando-a farta através da imigração; criação

de um mercado interno, no caso o café, gerando a necessidade e a capacidade de se

importarem alimentos, meios de produção e bens de consumo; condições favoráveis de

24 LEITE, Dante Moreira. O caráter nacional brasileiro. São Paulo: Pioneira, 1983, p. 195.25 MELLO, João Cardoso de. O capitalismo tardio. São Paulo: Brasiliense, 1995.

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financiamento governamentais; baixos salários; isenção tarifária concedida à

importação de máquinas e equipamentos. Neste quadro foi possível então, surgirem

indústrias de bens de consumo, especialmente a têxtil. O memorialista Pedro Nava

(1901-1983) identificou a Rua Halfeld como um divisor geográfico dos grupos sociais

da cidade:

A Rua Halfeld desce como um rio, do morro do Imperador e vai desaguar na Praça da Estação. Entre sua margem direita e o alto dos Passos, estão a Câmara; o Forum; a Academia de comércio com seus padres; o Stela Matutina, com suas freiras; a Matriz com suas irmandades; a Santa Casa de Misericórdia, com seus provedores; a cadeia com seus presos (testemunhas de Deus- contraste das virtudes do Justo)- toda uma estrutura social bem pensante e caferdenta que, se pudesse amordaçar a vida e suprimir o sexo, não ficaria satisfeita e trataria ainda, como na frase de Rui Barbosa de forrar de lã o espaço e caiar a natureza de ocre. Já a margem esquerda da Rua Halfeld marcava o começo de uma cidade mais alegre, mais despreocupada e mais revolucionária. O Juiz de Fora que se dirigia para as que conduziam a Mariano Procópio era, por força do que continha, naturalmente oposto e inconscientemente rebelde ao Alto dos Passos. Nele estavam o Parque Halfeld e o Largo do Riachuelo, onde a escuridão noturna e a solidão favoreciam a pouca vergonha. Esta era mais desoladora ainda nas vizinhanças da linha férrea, onde a rua Hipólito Caron, era o antro de treponemas. Havia fábricas, como a do Eugeninho Teixeira Leite, e a Mecânica, onde homens opacos se entregavam a um trabalho que começava cedo e acabava tarde no meio de apitos de máquinas e palmadas de couro nas polias. Foi dali e do Largo do Riachuelo que vi, uma dia bando escuro vir desfilar desajeitadamente na Rua Direita, com estandartes, cantos e bandeiras (tão lento que parecia uma procissão!) e ser dispersado a espaldeiradas diante da casa de minha avó que aplaudia da janela a destreza dos policiais. Ouvi pela primeira vez a palavra greve- dita por uma das minhas tias, tão baixo e com um ar de tal escândalo, que pensei que fosse uma indecência igual às que tinha apreendido no Machado Sobrinho e corei até as orelhas.26

As instituições mapeadas por Nava identificam a organização de uma sociedade

industrial. Cidade laica e possuidora de instituições necessárias a seu funcionamento.

Estes fatos fizeram da cidade um centro urbano não somente diferente, mas oposto aos

núcleos populacionais coloniais. Cidade que, além dos descendentes de portugueses e

africanos, teve na formação de sua população a presença de diversas correntes

imigratórias, com destaque em ordem cronológica, para os alemães, italianos, sírios e

26 NAVA, Pedro. Baú de ossos – memórias. Rio de Janeiro: Sabiá, 1972, p. 14

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libaneses. Marca a cidade também o pluralismo religioso; além de numerosos espíritas,

fazem parte da história educacional de Juiz de Fora: o colégio católico- Academia de

Comércio e o metodista Granbery.

2. Academias e Museus

2.1. Academias

O ensino sistematizado das artes plásticas tem suas origens na Academia

Imperial de Belas Artes27 em Florença (1563) por Vasari. No século XVIII, o controle

estatal do Absolutismo francês levou a pintura e a escultura para sua órbita, fundando a

Academia Real de Pintura e Escultura em 1648. Após 1667, adotou-se a exposição de

trabalhos de alunos, a cada dois anos, no Salon d’Apolon, no Louvre, origem do nome

“Salão” para exposições desse tipo.

Após a Revolução Francesa (1789), abriu-se o Salon, em 1791, para todos os

artistas franceses. As relações do estado burguês francês com as artes plásticas não

foram lineares. Com a Revolução de 1848, houve mais flexibilidade no julgamento e

aceitação das obras de arte. Em 1857, retornou-se à rigidez neoclássica, propulsora dos

acontecimentos que, em 1863, deram origem ao “Salão dos recusados”, marco

importante da ruptura com a arte normatizada nas Academias de Belas Artes.

A instalação da Academia Imperial de Belas Artes, no Brasil, como falamos

anteriormente, esteve entre as medidas de inserção da antiga colônia no mundo

capitalista. Organizou-se o ensino artístico laico, perpassado pelos postulados

neoclássicos, oposto ao colonial, empírico, sacro e com formas maneiristas, barrocas e

rococós. Sustentáculo ideológico do Império, a Academia monopolizou o ensino

artístico no Brasil até a década de 30, do século XX; espaço social possível de acesso a

27 LEITE, José Roberto Teixeira. Dicionário crítico de pintura no Brasil. Rio de Janeiro: Artlivre, 1988, p. 12.

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jovens negros (minoria), mulatos e brancos pobres, homens livres em uma sociedade

escravocrata.

A Academia Imperial de Belas Artes – Escola Nacional de Belas Artes montou a

iconografia nacional dominante até a década de 30. No período de 1870-1930,

elaborou-se o Academicismo Eclético. Caracateriza-se o Academicismo Eclético pela

adoção de temas e técnicas românticas, realistas e impressionistas, contidas pelo rigor

do Desenho, postulado básico da estética neoclássica.

2.2. Museus

O objeto feito símbolo identifica, no grupo social, quem o possui ou o usa. O

Renascimento, movimento burguês, antropocêntrico e individualista, teve nas artes

plásticas um dos mais importantes veículos ideológicos para sua sustentação. O

colecionismo e o mecenato foram elementos da organização do Sistema de artes

plásticas no Ocidente.28 Ainda fazem parte deste universo: a transformação da arte em

mercadoria, objeto que vale por si mesmo, aparato teórico para sua valorização, crítica,

história da arte, etc.

As revoluções burguesas de fins do século XVIII e inícios do XIX são marcos

factuais da organização da sociedade capitalista. A razão postulada como neutra,

deveria conduzir e inserir o homem nesta sociedade; mundo dessacralizado que

sacralizou a razão. Goethe (1789 – 1939) narrou o que sentiu ao visitar a Galeria de

Dresde em 1768:

Chegou a hora ansiosamente esperada da abertura da Galeria. Entrei no recinto sagrado e meu assombro superou tudo o que eu havia imaginado. Esta sala que se refletia em si mesma, na qual reinava a suntuosidade junto ao maior dos silêncios; as molduras resplandecentes, mais do que quando foram douradas, o piso encerado, os recintos, mais freqüentados por espectadores do que por

28 BULHÕES, Maria Amélia. Considerações sobre o sistema das artes plásticas. In: Porto Arte. Porto Alegre: UFRS, 1990, p. 35-45.

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empregados, proporcionavam um sentimento de solenidade, único em sua espécie, que faz recordar mais a sensação com a qual se entra em uma igreja do que a decoração de muitas delas. Estes ornatos pareciam serem objetos de adoração, instalados com fins artísticos e sagrados.29

No Ocidente, a organização dos museus deu-se junto à elaboração dos marcos

simbólicos da hegemonia burguesa. Em 1753, a Inglaterra abriu o estatal British

Museum ao público. Em 1793, o Museu Francês do Louvre abriu suas portas à

visitação pública e gratuita. A criação de museus como suportes visuais30 dos avanços

do capitalismo e símbolos de formação de imaginários nacionais pode ser percebida

nos estados germânicos, do século XIX, como um dos esforços para sua unificação.

Percebemos no mapeamento da industrialização a criação de museus como parte do

aparato institucional da mesma. Pelas especificidades de Juiz de Fora não é de se

estranhar a presença de um museu com as características do Mariano Procópio.

A criação de museus no Brasil foi contemporânea a seus similares em outros

países . Lilian Schwarc trata do assunto no texto O nascimento dos museus brasileiros

(1870-1930).31 A autora estuda a criação e os propósitos dos Museu Nacional no Rio de

Janeiro, Paulista em São Paulo e Goeldi no Pará. O Museu Mariano Procópio foi

criado, se não com os mesmos propósitos, ao menos com o mesmo significado do

Museu paulista. Ambos foram criados em cidades brasileiras que se desenvolveram

com a industrialização feitas com excedentes do café. Nas duas cidades, a

industrialização forjou uma nova organização do espaço físico e a criação de

instituições necessárias à administração.

A História Natural foi o núcleo inicial da organização do Museu Mariano

Procópio. Vemos que, numa cidade como Juiz de Fora, vista, anteriormente, em seus

aspectos sócio-econômicos, não foi estranha ou inesperada a criação de um museu

como parte de seu universo institucional. Segundo o diretor do Museu Nacional dos

Estados Unidos, Dr. Brown Good, um Museu seria: “uma necessidade em qualquer

comunidade de civilização progredida”.32

29 PENNDORF, Jutta. De la cámara del tesoro al museo. Habana, Ed. Gente Nueva, s/d, p. 43.30 VALE, Vanda Arantes. Op. cit. 1995, p. 97.31 SCHWARCZ, Lilian. O nascimento dos museus brasileiros. São Paulo: Vértice, 1989, p. 20-71.32 ------. p. 44.

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A História do Museu Mariano Procópio é indissociada à de Juiz de Fora. 33

Mariano Procópio Ferreira Lage (1821- 1871) foi um dos pioneiros da cidade. Nome

ligado à construção da estrada União e Indústria para a qual contratou imigrantes

alemães que marcaram profundamente a industrialização da cidade. Nas proximidades

das oficinas ligadas à construção da estrada, construiu a "Villa"sede do Museu que

recebeu o seu nome. Inaugurada em 1861, na mesma data da estrada União e

indústria, a casa foi projetada pelo engenheiro alemão Carlos Augusto Gambs.

Estilisticamente, a construção evoca a "Villa"romana como foi vista pela

Renascença. A proposta arquitetônica renascentista, usando linhas retas, com materiais

industrializados, faz desta residência um dos ícones da industrialização da cidade,

mundo que se sobrepôs aos resquícios coloniais com suas curvas barrocas. A

informação de que a construção foi projetada pelo engenheiro germânico Carlos

Augusto Gambs indica para dois aspectos: a valorização da mão de obra

intelectualizada e especializada e o primado da teoria sobre a prática dos mestres-de-

obras. A nacionalidade germânica de Gambs identifica a presença de trabalhadores

livres, imigrantes, necessários à industrialização.

Alfredo Ferreira Lage (1865- 1944), filho e herdeiro de Mariano Procópio, fez

os primeiros estudos na Europa e formou-se em 1890 pela Escola de Direito de São

Paulo. Encontramos, em sua biografia e na adoção de hábitos urbanos, traços de uma

nova maneira de viver da elite brasileira. Herdeiro de imóveis no Rio e em Juiz de

Fora, em 1915 recebeu a “Villa” como herança materna, levando para ela sua coleções

que já então constituíam um museu particular.

Juiz de Fora, por uma série de especificidades já mencionadas, industrializou-se

no período de 1870-1930. Não é estranho, portanto, que um dos representantes de sua

elite se dedicasse ao colecionismo de objetos raros e artísticos. Alfredo Lage, formado

pela Faculdade de Direito de São Paulo, centro difusor do Positivismo, parece que teve,

nesta corrente de pensamento, a influência maior na organização de suas coleções. O

acervo do Museu possui caráter enciclopédico e foi doado ao município de Juiz de Fora 33 BASTOS, Wilson de Lima. Mariano Procópio Ferreira Lage, sua vida, sua obra, descendência,

genealogia. Juiz de Fora: Ed. Paraiso, 1991.

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em 1936, ficando seu fundador como Diretor Perpétuo da instituição até sua morte em

1944.

3. A pintura brasileira do século XIX- Museu Mariano Procópio

O Professor Quirino Campofiorito34 reconheceu na pintura brasileira do século

XIX as seguintes fases: a pintura remanescente da colônia (1800-1830); a Missão

Francesa e seus discípulos (1816-1840); a pintura posterior à Missão Francesa

(1835- 1870); a proteção do Imperador e os pintores do segundo reinado (1850- 1890)

e a República e a decadência da disciplina neoclássica ( 1890- 1930). O acervo do

Museu Mariano Procópio, quanto à pintura brasileira do século XIX, é formado

basicamente por artistas das duas últimas fases. Os estrangeiros, incluídos no estudo,

tiveram atuação no Brasil após os anos 50 do século XIX. Apresentaremos os nomes

dos artistas, data de nascimento, morte e número de obras no Museu em estudo. Ao

final, faremos comentários sobre aspectos básicos da biografia dos artistas como:

premiação, circulação de seus trabalhos e observações sobre o ensino artístico brasileiro

no século XIX.

Em ordem cronológica e com número de telas , os estrangeiros presentes na

coleção de pinturas do Museu Mariano Procópio são: Henry Nicolas Vinet (1817,

Paris- 1876, Brasil) 1 tela ; Nicolao Antonio Fachinetti ( 1824, Itália- 1900, Brasil) 1;

Henry Langerock, (1830, Bélgica- 1915, França) 2; Insley Pacheco (1830, Portugal-

1906, Brasil) 7; Edmond Viancin (1836, França, 1877, Brasil) 2; Edoardo De Martino

(1838, Italia- 1912, Inglaterra) 3; Johan Georg Grimm (1846, Alemanha- 1877,

Alemanha) 2; Benno Treidler (1857, Alemanha, 1931, Brasil) 2; Luis Granner ( 1863,

Espanha- 1929, ?) 1; Francisco Manna ( 1869, Italia, 1943, Brasil) 1; Carlo Servi

(1888, Italia- 1947, Italia); Jules Balla ( ? , França- ?, França) 4; L. Lecor (?) 2; Ad.

Rinc (?) 1 e James Stewart (?) 3.

34 CAMPOFIORITO, Quirino. História da pintura brasileira no século XIX. Rio de Janeiro: Pinakoteke, 1993.

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Dentre os artistas brasileiros, pertencentes ao período denominado por

Campofiorito de A proteção do imperador e os pintores do segundo reinado (1850-

1890), possui o Museu Mariano Procópio telas de: João Zeferino da Costa ( 1840-

1915)1; Pedro Américo de Figueiredo Mello ( 1843-1915) 2; Estevão Roberto da

Silva (1844- 1894) 1; Antônio Correia e Castro (1848-1929) 1; Decio Rodrigues

Villares (1851- 1931) 7; Horácio Hora (1853- 1885) 1; Francisco Aurélio de

Figueiredo Mello (1854- 1916) l; Pedro Alexandrino Borges (1856- 1942) 2; Rodolfo

Amoedo ( 1857- 1941) 5; Henrique Bernadelli ( 1858-1936) 13; Belmiro de Almeida

(1858- 1935) 1; Hipólito Caron 1862- 1892) 5; Alberto André Feijó Delpino (1863-

1942) 1; João Batista da Costa (1865- 1926) 10; Felix Bernadelli (1866- 1905) 3;

Oscar Pereira da Silva (1867-1939) 1; Augusto Luis de Freitas ( 1869-1912) 3.

Com atuação profissional após os anos 90, período denominado por

Campofiorito de A República e a decadência da disciplina neoclássica (1880-1918),

estendido por nós até 1930, encontram-se no Museu Mariano Procópio: Eugéne Latour

(1871- 1942) 2; Lucílio de Albuquerque (1877-1939) 1; Antônio Parreiras (1880-1937)

2; Georgina Albuquerque (1885- 1962) 1; Leopoldo Gotuzzo (1887- 1983) 1; João

Batista de Paula Fonseca (1889- 1960) 3; Anibal Mattos (1889- 1969) 1; Olga Mary

(1891- 1963) 1; Henrique Cavalleiro (1894- 1975) 1; Manuel Faria (1895- 1980) 1;

Luis Fernando de Almeida Junior (1894-1970) 1; Haydéa Santiago (1896- 1980) 1;

Armando Vianna (1897- 1992) 1; Manuel Santiago ( 1897- 1987) 2 e Maria Pardos

( ? - 1928) 37.

Buscamos nas biografias dos artistas nascidos no século XIX, estrangeiros ou

brasileiros presentes com suas telas no Museu Mariano Procópio, o que estas

significaram a nível nacional e na coleção em estudo. Priorizamos as informações

sobre premiação, aceitação ou rejeição pela crítica e presença em publicações.

Enquanto alguns artistas como Amoedo, Zeferino da Costa, Henrique Bernadelli,

Pedro Américo, Batista da Costa e outros já mereceram estudos dos mais diversos,

muitos pintores do período foram esquecidos, constituindo-se em dificuldades de

informações sobre os mesmos, e, de alguns, como L. Lecor e Ad. Rinc, não nos foi

possível obter quaisquer notícias. Por limites do espaço disponível, limitar-nos-emos

aos comentários dos dados coletados.

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As informações sobre os artistas estudados foram encontradas em publicações

editadas até a década de 40 de nosso século. Na década de 50, a proposta modernista

tornou-se dominante após 1950 e os estudos predominantes sobre a criação artística

passaram a eleger como interesse prioritário, este período e o colonial. Durand35 diz

que apenas em meados dos anos oitenta, do século XX,iniciou-se, nos meios

acadêmicos e artísticos, a reavaliação da arte do século XIX. Segundo o autor, este

interesse seria fundamentado no esgotamento do mercado para as obras da primeira

geração modernista. Os artistas por nós pesquisados nasceram entre as décadas de 10 e

90 do século XIX e foram dominantes no mundo artístico brasileiro até os anos 50 do

século XX.

A coleção de pintura brasileira do século XIX do Museu Mariano Procópio é

constituída por trabalhos de 48 artistas, sendo 15 estrangeiros e 33 brasileiros. Os

estrangeiros predominam entre os nascidos nas décadas de 10 a 30 do século XIX e

continuam presentes nas posteriores. Os artistas brasileiros, nascidos na década de

quarenta, despontaram no mundo artístico nos anos 70 e seus trabalhos foram pilares do

academicismo nacional. Ainda que não se obtendo informações sobre a escolaridade de

seis artistas, pode-se observar que os demais 42 tiveram aprendizado formal em

academias ou ateliês. Não conseguimos notícias sobre a premiação de oito artistas e o

exercício de atividades, além das artísticas de 14 e quaisquer informações sobre dois:

L. Lecor e Ad. Rinc. Ainda que contando com estas lacunas no levantamento de dados,

julgamos possíveis algumas observações sobre os mesmos nos parágrafos seguintes.

Comentários e conclusões

O Rio de Janeiro, como capital do país, centralizou o ensino artístico no século

XIX na Academia Imperial de Belas Artes ( Império)- Escola Nacional de Belas Artes

(República). Esta aprendizagem referendada nas Exposições Gerais de Belas Artes

(Império) e Salões Nacionais de Belas Artes (República) criou uma arte brasileira sem

lugar para especificidades regionais. Os artistas estudados neste trabalho passaram pelo

35 Op. cit. p. 5.

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ensino oficial da época, foram referendados socialmente com prêmios e estão presentes

em livros sobre o assunto. Temos, pois, na coleção em estudo, uma amostragem

expressiva da pintura brasileira do século XIX.

Os artistas estrangeiros, pertencentes à historiografia da arte brasileira, presentes

no Museu Mariano Procópio, não constituem um universo heterogêneo no

reconhecimento social de seus trabalhos e qualidade dos mesmos. Langerock, como

outros artistas estrangeiros, foi andarilho na Europa e no Oriente, percorrendo, no

Brasil, novas regiões abertas ao povoamento no século XIX. Não podemos considerar

como estrangeiros Henrique Bernadelli e Maria Pardos, nascidos respectivamente no

Chile e Espanha, pois que no Brasil tiveram suas formações e atividades artísticas.

James Stewart, Viancin, Ad. rinc, L. Lecor e Balla estão no acervo do Museu

Mariano Procópio com retratos, como mostra do predomínio do mercado para este

gênero artístico.

A diversidade física e cultural do Brasil foi percebida de maneiras diferentes

pelos estrangeiros. Na paisagem de Vinet, nota-se o encantamento pela natureza

brasileira; sabemos que o artista adotou o "plein-air", uma inovação no momento.

Fachinetti, minucioso e observador detalhista, procurava captar os elementos "ao

natural" e depois trabalhava-os no ateliê; sua paisagem da coleção estudada é um bom

exemplo desta abordagem. Insley Pacheco, além de fotógrafo e negociante de quadros,

foi aquarelista. Francisco Manna destacou-se no período pela temática social e a busca

de subjetividade, sendo a Cena de Exterior presente na coleção, um exemplo desta

segunda abordagem.

Nome pouco conhecido ou estudado pela historiografia da arte brasileira é

Granner. As paisagens do artista caracterizam-se pelo abandono do desenho

neoclássico, colocando-o como um dos pioneiros do Impressionismo fora da França.

Carlo Servi deixou na paisagem encontrada na coleção, mostra de interesse pelas cores

locais. Finalmente, dentre os estrangeiros, encontramos Grimm, marco da história da

pintura do paisagismo brasileiro. No museu em estudo, estão presentes dois Retratos

feitos pelo pintor alemão, o que nos parece raro em sua obra. Os retratos feitos por

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Grimm diferem dos da maioria, no período, pela ambientação intimista e coloquial que

dá aos retratados.

Quanto aos 33 artistas brasileiros, constituem um universo diversificado. A

coleção é formada por artistas nascidos nas décadas de 40 a 90 do século XIX. Estas

décadas foram diversas em seus aspectos sociais e econômicos, trazendo, portanto,

como veremos a seguir, novas questões e necessidades para o meio artístico. Não

faremos comentários sobre cada artista e obra, pois a proposta do trabalho é a

apresentação da coleção. Nosso interesse é a identificação de características do período,

destacando alguns artistas e telas que julgamos relevantes para a historiografia da arte

brasileira.

A geração de artistas nascidos na década de 40 estudou na Academia Imperial

de Belas Artes já reformulada em 1855 e iniciou sua atuação após os anos 70.

Contemporâneos do aceleramento da urbanização brasileira e do contato com a Europa,

graças à melhoria dos transportes. A pintura do período tem maior diversidade temática

(Natureza morta, Cenas de exterior e Interior e Pintura histórica) , o que identifica o

alargamento do comércio artístico. Correia e Castro nasceu em Vassouras ( cidade

cafeeira fluminense) e após sua formação no Rio e Europa, radicou-se em Belo

Horizonte. A nova capital mineira atraiu profissionais liberais de todo o país e artistas

necessários à sua organização sócio-econômica, como Delpino e Aníbal Mattos.

Estevão Silva, negro, possivelmente filho de escravos, é um exemplo da origem social

dos alunos da Academia. Oriundos de famílias pobres, em sua maioria, buscavam no

estabelecimento uma profissão de homens livres em uma sociedade escravocrata.

Estevão Silva e outros artistas deste universo pesquisado foram alunos e professores do

Liceu de Artes e Ofícios, fundado em 1856, com a finalidade de formar mão-de-obra

especializada. As artes plásticas, no Império, continuaram como na colônia, a serem

o universo possível de ascensão social para negros (minoria), mulatos e brancos

pobres.

Ainda dos nascidos na década de 40, destacaremos a tela Tiradentes

Esquartejado (1893) de Pedro Américo. Trata-se de uma das telas brasileiras mais

29

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reproduzidas. Maraliz de C. Christo em Pintura histórica na América Latina,36

propôs-se a fazer o estudo deste quadro e do venezuelano Arturo Michelena, Miranda

en la Carranca, estabelecendo paralelo com a tela do pintor francês e mestre da pintura

neoclássica Jacques- Louis David ( 1748- 1825 ), no quadro A morte de Marat

(1793) . A autora historizou a montagem da imagem de Tiradentes pelos positivistas

republicanos e identificou os elementos formais usados nesta abordagem sacralizadora.

Segundo Christo:

Tanto David quanto Pedro Américo utilizam a citação do braço pendente da Pietá de Michelangelo, ou do Sepultamento de Cristo de Caravaggio. entretanto, em Marat esta citação apenas eterniza o movimento da morte e seu significado, servindo de elo entre um primeiro plano, onde convivem a faca assassina e a pena do revolucionário, e um segundo plano, onde situa-se a figura do morto. Já no quadro de Pedro Américo esta citação se soma a outras referências utilizadas, como o crucifixo paralelo à cabeça decepada, onde Cristo a fita, aproximando os dois dramas. A perspectiva e posição da cabeça, colocada no eixo vertical e horizontal transformam o cadafalso em altar.37

Vítor Meirelles, Pedro Américo e Zeferino da Costa enfeixam, em suas obras,

características do academicismo nacional. Lígia Costa comenta que, com pequenas

variações, como a precisão do desenho, sobriedade do colorido e cuidado na fatura

ainda têm em comum:

Se há desvelo no desenho, não há entretanto a moderação de atitudes que o neoclassicismo determinava; neste ponto mais se aproximam dos românticos como temas escolhidos. Quanto à cor e à fatura, medeiam entre a emoção fria dos primeiros e a paixão dos segundos. Não admira: formados nos ateliers europeus de representação já estabelecida, onde só era ensinado aquilo que o tempo consagrava, não entravam nossos jovens em contato com a arte mais avançada de seu tempo.38

Nascidos nos anos 50, estão na coleção Belmiro de Almeida, Francisco

Aurélio, Henrique Bernadelli, Rodolfo Amoedo, Horácio Hora, Decio Villares e

36 CHRISTO, Maraliz de Castro Ribeiro. Pintura histórica na América Latina. 1993, p. 331 – 333.37 CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. A pintura histórica na América Latina. Juiz de Fora: 38 COSTA, Lygia Martins (org.). Um século da pintura brasileira. Rio de Janeiro: 1952, p. 9.

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Pedro Alexandrino. Com a exceção de Hora, que faleceu precocemente, os demais

atuaram até a década de 30 do século XX. Contemporâneos de fatos como Abolição,

República, I Guerra Mundial e outros, estes artistas tiveram em comum a aprendizado

na Academia e de especificidades, a maneira como conviveram com as transformações

artísticas do período. Belmiro de Almeida colocou-se na contemporaneidade como

aluno do pontilhista Seurat. Decio Villares, com expressiva obra no Museu Mariano

Procópio ( oito telas) , apresenta diversidade em suas obras. Como retratista,

percebemo-lo procurando no universo feminino uma linguagem mais subjetiva. Segue

o rigor neoclassicista no Cristo e em Tiradentes ( 1928 ) , onde o alferes mineiro

assemelha-se à litografia que o artista divulgou em 1890, facilmente identificado com

Cristo.

Após os anos 70, com a expansão da imprensa, diversos artistas dedicaram-se à

ilustração e à caricatura. No entanto, o meio de sobrevivência mais comum foi o

magistério, como vimos nas informações biográficas. Outro indicador constante nas

biografias é o que, para se alcançar notoriedade, devia-se ser distinguido com

encomendas oficiais. Expandiu-se o consumo de objetos artísticos quando as províncias

começaram também a se preocuparem com a formação de suas iconografias. Antônio

Parreiras, por exemplo, executou telas oficiais do Amazonas ao Rio Grande do Sul.

Ainda no período, destacamos a Ilha de Capri, de Henrique Bernadelli. Percebemos

neste trabalho um certo encaminhamento para o realismo no uso de tonalidades mais

claras e ricas. Amoedo e Pedro Alexandrino mantiveram-se fiéis aos postulados

neoclássicos embora em algumas de suas obras observemos aportes românticos no

colorido.

Dentre os artistas nascidos na década de sessenta, dois nomes, na coleção

Museu Mariano Procópio, mostram orientações diferentes: Hipólito Caron e Oscar

Pereira da Silva. Enquanto Caron, paisagista do grupo Grimm, buscou a ruptura com a

rigidez neoclássica em suas paisagens, Oscar Pereira da Silva permaneceu fiel a ela até

a década de 30. Observamos, no entanto, que Caron trata as Alegorias à maneira

neoclássica, como fazem outros quando tratam de cenas históricas. A também

Alegoria de Oscar Pereira da Silva identifica seu apego aos postulados neoclássicos, o

desenho preciso e minucioso para conter o colorido suave.

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Os artistas do universo artístico carioca, nascidos nas décadas de 70 e 80,

foram contemporâneos dos modernistas paulistas. Encontramos nos trabalhos dos

primeiros, anexações de propostas realistas e impressionistas aos princípios

neoclássicos. Em sua maioria, pertencentes aos segmentos mais desfavorecidos da

sociedade, dependentes das encomendas oficiais e empregos públicos, diferiam em

muito dos paulistas no mesmo período. Os modernistas de São Paulo, pertencentes à

elite econômica, tiveram acesso às vanguardas européias ligadas à burguesia industrial,

como na França. Rupturas e acesso a essas propostas foram impossíveis aos egressos da

Academia Imperial de Belas Artes - Escola Nacional de Belas Artes, direcionados para

os ateliês acadêmicos italianos ou franceses.

Armando Vianna, Haydéa e Manuel Santiago, Henrique Cavalleiro, Luís

Fernando de Almeida Junior, Manuel Faria e Olga Mary tiveram suas carreiras

artísticas ao longo do século XX. Em comum, permaneceram fiéis ao figurativismo.

Aderiram à temática do cotidiano; o colorido, muitas vezes, fazendo a função do

desenho, identifica a formação neoclássica e caracteriza a geração de modernistas do

Rio.

Maria Pardos ( ? , Espanha - 1928 - Rio de Janeiro ) pertence à historiografia

da arte brasileira pela participação, neste universo, como artista plástica e co-

responsável pela organização do Museu Mariano Procópio que possui 37 telas de sua

autoria. Poucas informações de Maria Pardos são encontradas. Sobre o casamento da

artista com Alfredo Lage, sabemos, apenas, que não foi oficializado e parece que se

tornou público, apenas, com a morte da mãe do fundador do Museu em 1913.

Maria Pardos foi aluna de Amoedo junto com Batista da Costa, Visconti, Fiuza

Guimarães, Rafael Frederico, Macedo, Joaquim Fernandes Machado, Evêncio Nunes

Puga Garcia, Rodolfo e Carlos Chambelland, Lucílio de Albuquerque, Bracet, João

Timóteo, Regina Veiga, Adelaide Gonçalves e Silva Meier39 o que nos faz pensar que

está aí a explicação da presença de numerosos discípulos deste mestre na pinacoteca do

Museu Mariano Procópio. A artista foi premiada no Salão Nacional de Belas Artes em 39 RUBENS, Carlos. Pequena história das artes plásticas no Brasil. São Paulo: Nacional, 1941, p.

240.

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1913, com Menção Honrosa de Primeiro Grau; em 1914, com Medalha de Bronze; em

1915, com Medalha de Prata e, em 1918, com 500$000 doados aos pobres. Os trabalhos

apresentados nestes eventos foram: Flores, Conciliadora, Serenidade e Pensativa.

Julgamos que a ausência do nome de Maria Pardos nos estudos recentes da arte

brasileira deve-se ao fato de sua obra não ter sido comercializada, o que era corriqueiro

na época. Os estudos sobre a arte brasileira e outras publicações, anteriores à década de

50, citam a artista. Quando de seu falecimento, a imprensa carioca noticiou o fato em

Paratodos de 10-10-28, FON-FON de 15-0928, o PAÍS de 08-09-28, A Pátria de 08-

09.28, O Mensageiro do Carmelo, de outubro de 1928, e a Revista de Semana de 08-

09-28. Este último, transcreveremos a seguir:

A distinta artista Maria Pardos, ultimamente falecida e que estudou com Rodolfo Amoedo, sendo uma das melhores discípulas desse ilustre mestre que tanto tem contribuído para o fulgor da Arte brasileira, era também um coração extremamente caridoso. A artista, várias vezes premiada em exposições, deixou muitas telas, algumas das quais pertencem hoje à pinacoteca do Museu Mariano Procópio de cuja fundação foi a saudosa pintora a grande colaboradora do Dr. Alfredo Lage, seu esposo. Empregando a sua vida votada à caridade, não se esqueceu, no seu testamento, das instituições pias. Além de vários legados aos necessitados, determinou que fossem vendidas as suas jóias e distribuido o produto às Instituições de caridade do Rio e de Juiz de Fora, cidade pela qual tinha muito carinho. Do Rio foram contemplados o Dispensário São Vicente de Paulo, o Patronato de Menores, o Asilo São Luis, a Liga de Proteção aos Cegos e a Escola de Santa Tereza. O auto-retrato, aqui reproduzido, figurou com mais dois trabalhos seus no Salão da Escola de Belas Artes de 1918. Foi muito elogiado pela crítica e dele o saudoso Américo dos Santos, crítico de arte do Jornal do Comércio, que era um dos melhores retratos daquela exposição. Tendo sido, naquele Salão, contemplada com o prêmio de 500$000, generosamente o doou aos pobres socorridos pela benemérita Irmã Paula, de quem a caridosa artista era grande admiradora. ( A Revista da Semana, 08-09-28.40

Vemos nas informações sobre a artista alguns dados identificadores sobre as

relações arte-sociedade no Brasil, no caso em estudo, o espaço profissional possível a

uma mulher no período. O domínio de elementos básicos de Desenho e Pintura passou a

fazer parte do universo feminino burguês com o capitalismo em expansão no século

XIX. Passaram a ser marca de distinção algumas técnicas de pintura, elementos de 40 BASTOS, Wilson. Op. cit. p. 248-251.

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língua francesa e conhecimento de piano. A profissionalização viria somente na década

de 20, sendo pioneiras Georgina de Albuquerque no Rio, Zina Aita e Tarsila do Amaral

em São Paulo.

Entre os anos de 1840 a 1860 foram realizadas 13 Exposições Gerais onde 15

mulheres apresentaram trabalhos. Alguns nomes evidenciavam origens européias e a

maioria, escondia-se no anonimato. A discrição e o recato, eram virtudes e valores caros

à sociedade agro-exportadora-escravocrata. De 1860 a 1884, igualmente em 13

exposições, aparecem os nomes de 28 mulheres. Podemos fazer a ligação destes

números com a urbanização do país e a adoção de novos hábitos e valores pelas

mulheres. Vemos sobrenomes nacionais na maioria e nenhuma autora se escondendo no

anonimato. Segundo Marta Rossetti:

As obras das “artistas pintoras”, existiam várias- estavam dentro da definição tacitamente aceita no mundo acadêmico do que fosse a pintura feminina. As mulheres não se dedicavam aos temas maiores- históricos e alegóricos- e dificilmente à paisagem. A “pintura feminina”por excelência restringia-se à temática própria de seu mundo: os retratos- de preferência de mulheres, crianças e de pequenas cenas domésticas; ou naturezas-mortas- de preferência com flores. Temas que deviam ser executados com técnica tal que deixasse transparecer toda a delicadeza- de assunto, cor ou pincelada- eminentemente feminina.41

Juiz de Fora teve seus suportes visuais importados da Europa, nos palacetes

ecléticos e fábricas de modelos ingleses, por isso denominaram-na “Manchester

Mineira”. Diríamos que não é estranho que a Europa fosse evocada na criação de um

museu com as características do Museu Mariano Procópio. No Velho Mundo, a criação

de museus no século XIX acompanhou a geografia da industrialização. O estudo desta

parte da pinacoteca do Museu Mariano Procópio, com seus retratos, cenas históricas,

alegorias, marinhas, paisagens, cenas de exterior e interior, leva-nos a identificar a

pintura como um dos símbolos do modus vivendi de nossas elites no período. Este

grupo marcou visualmente sua posição na sociedade através dos retratos, importou o

Neoclássico e, junto, seus emblemas, destinados a dissiparem a treva barroca – Pacto

Colonial. Ocultando o trabalho escravo, posteriormente o proletário, as populações

negras e indígenas e o misticismo, a elite brasileira de então quis mostrar, nas pinturas 41 DURAND, José Carlos. Op. cit. p. 48.

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do período, apreço ao lirismo, quando valorizou marinhas e paisagens, ao realismo, nas

naturezas-mortas, ao intelectualismo, nas alegorias, ao heroísmo, nas cenas históricas e

à tolerância, nas cenas de gênero.

BIBLIOGRAFIA

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VIOTTI DA COSTA, Emília. Da monarquia à república: momentos decisivos.

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TEXTO II

MEDICINA E SOCIEDADE(1860 – 1910)

EM JUIZ DE FORA - BAÚ DE OSSOS

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MEDICINA E SOCIEDADE (1860 – 1910) EM JUIZ DE FORA - BAÚ DE OSSOS

Introdução

O objetivo deste texto é a identificação em Baú de ossos, primeiro volume da

obra memorialística de Pedro Nava (1903-1984), de aspectos que fazem, desta obra

literária, documento e contribuição para os estudos História da Medicina em Juiz de

Fora no período de 1860-1910. Pedro Nava nasceu em Juiz de Fora, formou-se em

1927 na Faculdade de Medicina de Belo Horizonte. Atuou como médico, por breve

período, em Juiz de Fora, Belo Horizonte e Monte Aprazível. Em 1933, mudou-se para

o Rio de Janeiro onde exerceu a profissão até a sua aposentadoria em 1968 e onde

faleceu em 1984. Baú de ossos (1972) veio a público quando o autor estava com 69

anos, recebido com entusiasmo pela crítica e merecendo numerosas edições. “Um

desses monumentos que se erguem a cada cem anos” no dizer de Francisco de Assis

Barbosa e “mais importante para a cultura brasileira do que Proust para a França”

segundo Otto Maria Carpeaux 42.

Escolhido Personalidade Literária do ano e recebeu o Prêmio Luisa Claúdia de

Souza pelo Pen Club do Brasil e Associação dos Críticos de Arte de São Paulo em

1973. Em 1974 recebeu o Prêmio Fernando Chinaglia da Associação Paulista de

Críticos de Arte e o Prêmio Jabuti pela Câmara Brasileira do Livro. Em 1975 o

reconhecimento é comprovado pela eleição como Personalidade Global Literária ( O

Globo e TV Globo) e Prêmio Fundação Cultural do Distrito Federal. No ano de sua

morte, 1984, estão Prêmio “Livro do Ano”do Museu de Literatura de São Paulo e da

Secretaria do Estado de São Paulo, após uma eleição de 600 intelectuais, escritores e

jornalistas em todo o país. Em 1985 a premiação passou a ser denominada de Prêmio

Pedro Nava. Ainda, neste ano, Prêmio José Olímpio, criado pelo Sindicato nacional de

Editores de Livros em 1982. Atribuído em vida, após pesquisas entre a maioria de seus

associados, o SNEL premiou o melhor autor do livro editado no País, em 1983- Círio

Perfeito. Entretanto, o interesse do médico pela Literatura e Artes advinha de sua

juventude, amizade com modernistas paulistas e atuação como modernista mineiro em

Belo Horizonte na década de 20.

42 WITKOWSKI, Ariane. Pedro Nava ou a renovação da autobiografia. In: Leitura . São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, ano 18, n. 9, setembro de 2000, p. 15.

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Quando estudante de Medicina, ilustrou, em 1926, o livro de Austen Amaro-

Juiz de Fora; recém-formado em 1928, ilustrou Macunaíma de Mario de Andrade e em

1937 Guia Lírico de Ouro Preto de Afonso Arinos de Mello Franco. Em 1938 publicou

o poema O Defunto que e foi incluído na Antologia dos Poetas Bissextos organizada

por Manuel Bandeira em 1946. Nava teve ampla atuação como médico e professor,

escreveu, aproximadamente, 350 artigos desta área, publicados em revistas

especializadas ou apresentados em congressos. Ainda, atuando como médico, na

década de 40, interessou-se pela História da Medicina, publicando Território de

Epidauro em 1947 e Capítulos da história da medicina no Brasil (1949), onde, na

contracapa, encontramos a informação que estavam sendo preparados: Crônicas e

histórias da História da Medicina (2ª série), Capítulos da História da Medicina no

Brasil (2ª serie) e O Doutor Torres Homem, projeto que não foi realizado. Sobre a não

conclusão, do último, comentou no seu quinto livro de memórias – Galo das Trevas:

Esse esboço transformei-o num quadro a óleo – lembrança dos tempos em que escrevia aquele livro que jamais acabei. Sabem? quem o interrompeu. Quem ? Getúlio Dornelles Vargas e Henrique de Toledo Dodsworth. Essa biografia era, de minha parte, um trabalho de admiração pelo prodigioso mestre. Se derramava em ternura pela terra em que ele nascera. Com a punição dos assinantes do Manifesto Mineiro – o coice que tomei dos dois, colocou-me em estado de náusea pelo governo. Esse nojo confundiu-se com o trabalho em que eu estava empenhado. É curioso: jamais pude juntar uma linha aos dois capítulos que tenho prontos na gaveta. São independentes um do outro e fazem dois ensaios que nas suas quase trezentas páginas podem dar livro de tamanho apresentável. Aquele quadro lembra minha fase “Torres Homem”.43

Território de Epidauro é um livro de crônicas e reflexões sobre a Medicina.

Observações que mostram o caráter enciclopédico da abordagem de Nava ao tratar

questões médicas. Com o título Revivescências – esboço histórico e interpretativo da

posição de espírito do doente diante do tratamento- escreve um texto perpassado por

observações antropológicas e psicanalíticas:

É sempre muito interessante para o médico observador, verificar a posição e as reações obscuras do psiquismo dos doentes, com relação

43 NAVA, Pedro. Galo das trevas – memórias 5; 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981, p. 40.

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aos remédios e tratamentos que lhe são impostos. Porque, se há recursos e agentes terapêuticos que inspiram sempre desconfiança ( ao paciente inteligente, do mesmo modo que ao estúpido, ao culto ao ignorante), - existem outros que, são recebidos tacitamente, sem discussão, com confiança cega, quando não com verdadeiro fervor. E a análise dessas simpatias e antipatias, aparentemente sem explicação, vai mostrá-las radicando nestas dobras da personalidade onde, vivem sua vida, profunda, as idéias mágicas, onde os complexos de culpa, com necessidades correlatas de punição, os conceitos de inviolabilidade de todo individual, os instintos de comunhão com a energia universal, e, da incorporação desta, à economia do microcosmo.44

Território de Epidauro mereceu de Carlos Drummond de Andrade os seguintes

comentários:

Rio, 6 se setembro de 1947

Meu caro Nava,

Tive uma grande alegria com seu “Território de Epidauro”. Nunca me conformei com o fato de você continuar sem o nome na capa de um livro. Uma geração é vaidosa de si mesmo, e sentir você tão bem dotado e ao mesmo tempo tão esquivo era o mesmo que sentir fraudado aquele nosso grupo da década de 20. Você, muito manhosamente, se refugiava num bissextismo cômodo, mas essa solução não me satisfazia, nem de resto a comunidade de seus amigos. Por isso mesmo, êste “Território”, tão inteligente, tão rico de perspectivas para o leigo, a quem você desvenda aspectos pitorescos, poéticos e humanos da medicina – é uma espécie de pagamento de dívida. O livro saiu digno de você, cheio de ilustração sem pedantismo, e vasado numa forma literária gostosíssima. Agora você fica intimado a nos dar outros.Um abraço do seu velhoCarlos 45

Em Capítulos da História da Medicina no Brasil apresenta o título dos

capítulos, sumário do assunto tratado e bibliografia ao final. Transcrevendo o Índice:

Capítulo I – Introdução ao estudo da História da Medicina no Brasil; II- O ciclo da

influência portuguesa na Medicina do Brasil; III – O ciclo da influência francesa na

Medicina do Brasil, particularmente do ensino médico-cirúrgico no Rio de Janeiro; IV

44 ------. Território de Epidauro. Rio de Janeiro: C. Mendes Junior, 1947, p. 17-18.45 Arquivo do Museu da Literatura Brasileira (AMLB) – PN038.

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– Apontamentos para a História das instituições ligadas ao exercício e ao ensino

médico na cidade do Rio de Janeiro, à luz de alguns documentos referentes à sua

fundação; V- Apontamentos para o estudo da História das doenças epidêmicas no

Brasil; VI- Apontamentos para o estudo da História da Medicina científica e da

experimentação no Brasil; VII- Charlatães, médicos, cirurgiões, cientistas e academias

no Brasil colonial e VIII – Introdução ao estudo da História da Medicina popular.

Perguntado se a Medicina preencheu sua vida, respondeu:

Teria preenchido e preencheu muito bem. Por outro lado, minha obra literária não deixa de ser obra de médico. Quem olhar com atenção, perceberá o médico em cada página, a experiência dele na apreciação do ser humano.46

A obra memorialística de Nava tem caráter enciclopédico, razão pela qual, tem

possibilitado vários estudos. Artigos, Ensaios, Dissertações de Mestrado e Teses de

Doutorado têm tratado aspectos diversos dos escritas de Pedro Nava. Destacamos os

trabalhos de AGUIAR, Joaquim Alves de. Espaços da memória – um estudo sobre

Pedro Nava. São Paulo: EDUSP/FAPESP, 1998. ARRIGUCCI JR. , David. “Móbile

da Memória”. Enigma e Comentário. Ensaio sobre Literatura e Experiência. São Paulo:

Companhia das Letras, 1987, pp. 67-111. BANDEIRA, Manuel. “Nava”. Poesia e

Prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958, vol. II, pp. 424-425. BUENO, Antônio Sérgio.

Vísceras da Memória. Uma leitura da obra de Pedro Nava. Belo Horizonte, Faculdade

de Letras da UFMG, 1984 (tese de doutorado). CAMPOS, Marta. O desejo e a morte

nas memórias de Pedro Nava. Fortaleza: Edições da UFC, 1992. CANDIDO,

Antonio. “Poesia e ficção na autobiografia”. A Educação pela noite & outros ensaios.

São Paulo: Ática, 1987, pp. 51-69. COVIZZI, Lenira Marques. Porto Inseguro:

formas cativas de ossos nas linguagens das memórias d’O defunto. Pedro Nava. São

Paulo: FFLCH – USP, 1980 (tese de doutorado). DIAS, Fernando Correia. O prisma

de Nava. Brasília: UNB, 1997. GARCIA, Celina Fontenele. A escrita

frankensteniana de Pedro Nava. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 1994

(tese de doutorado). LE MOING, Monique. A solidão povoada – uma biografia de

Pedro Nava. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: 1996. PANICHI, Edina Regina Pugas. O

processo criativo e a adjetivação de Pedro Nava na obra Beira-mar – memórias 4. 46 Revista Veja – 14.07.74 ( Páginas Amarelas).

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Assis: Instituto de Letras, História e Psicologia da UNESP, 1987 (dissertação de

mestrado). PEREIRA, Maria Luiza Medeiros. As memórias indiciárias de Pedro

Nava – entre a História, a autobiografia e a ficção. Campinas: Instituto de Estudos da

Linguagem da UNICAMP, 1993 (dissertação de Mestrado). SALGADO, Ilma de

Castro Barros e. Pedro Nava - mulheres veladas e reveladas. Juiz de Fora: Editar

Editora Associada, 1999. SUSSEKIND, Flora. “A página do lado”. Papéis colados.

Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1993, e pp. 253-259 e LEITURA – Pedro Nava baú

de esboços. São Paulo: Publicação cultural da Imprensa Oficial do Estado de São

Paulo, ano 18, n. 9, set. de 2000.

As memórias naveanas tratam da vida social; o cotidiano em suas diversas

facetas, ensino, urbanização, vida intelectual, Medicina e outros aspectos da sociedade

brasileira do período de 1860 a 1940. Por problemas de espaço limitar-nos-emos ao

estudo dos aspectos identificadores das relações Medicina e sociedade, em Juiz de Fora,

amostragem de questões envolvedoras da sociedade brasileira no período. Nava foi

testemunha de oito décadas do século XX no Brasil. Como um anatomista dissecou a

sociedade em que viveu. Apontaremos em cada livro os temas centrais e os períodos

tratados pelo autor. Baú de ossos -memórias (1972)- reconstitui as raízes familiares;

trajeto da família materna que se desloca das regiões auríferas mineiras para Juiz de

Fora; trajetória e deslocamentos da família paterna pelo Maranhão, Ceará e Rio de

Janeiro; biografia de José Nava (1876-1911), pai do autor, nascido no Ceará, estudante

por um ano na Bahia de Farmácia e Medicina, cursos concluídos no Rio em 1898 e

1901; exercício da Medicina e a atuação de José Nava na sociedade de Juiz de Fora no

período de 1902 –1908; mudança para o Rio e, admissão como médico do serviço

público, falecimento e retorno da viúva com quatro filhos e grávida da quinta para Juiz

de Fora em 1911.

Balão cativo - memórias 2 (1973) – Anos de infância (1911-1913) do

memorialista na casa da avó em Juiz de Fora; escola; resquícios escravocratas nas

relações domésticas; hábitos urbanos e conflitos sociais, a exemplo, greve; mudança da

família para Belo Horizonte; a capital mineira nas primeiras décadas – urbanismo,

povoamento, hábitos, etc; término do ensino primário no Colégio Anglo-mineiro;

contato com primeiros amigos; dificuldades e preconceitos enfrentados pelas

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dificuldades financeiras da família; ida para o Rio em 1916 para estudar no Colégio D.

Pedro II; o contato com o meio intelectual da cidade através do tio Antônio Salles; o

cinema; livrarias; o contato com a literatura portuguesa e brasileira do período;

costumes alimentares e ingresso no internado do Colégio D. Pedro II.

Chão de ferro – memórias 3 (1976)- a rotina e o ensino do internato D. Pedro

II no período de 1916-1920; a convivência com parentes e amigos da família paterna;

férias em Belo Horizonte; gripe Espanhola no Rio; ecos da primeira guerra mundial;

iniciação sexual do adolescente e retorno a Belo Horizonte em 1921; ingresso na

Faculdade de Medicina e no serviço público.

Beira – mar – memórias 4 (1978) – posse de documentação da família que seria

queimada pelo avô materno; dificuldades financeiras e a entrada da mãe para o serviço

público como funcionária dos Correios e Telégrafos em Belo Horizonte; dificuldades

em conciliar estudos e trabalho; vida social e estudos médicos; Rua da Bahia ; Grupo

Estrela; fatos do Governo Raul Soares; comportamento feminino; o centenário da

Independência no Rio; dificuldades em se conciliar estudos e trabalho; terapêuticas do

período; prostituição feminina; modernistas mineiros; Tenentes (1924) e repercussões

em Belo Horizonte; surgimento de A Revista ;ensino médico; formatura em 1927 e

nomeação para médico da Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais.

Galo das trevas – memórias 5 (1981) – comentários e evocações em sua

residência (Glória) no Rio; morte do sobrinho José Hippolito; codinomes Zegão e

Egon; considerações sobre a História da Medicina; reflexões sobre a profissão médica;

confronto com o Prof. Werneck; amizade com a família Andrada; epidemia de tifo em

Sabará, Brumadinho e Santo Antônio do Monte; estadia em Juiz de Fora (Santo

Antônio do Desterro), indisposição na cidade com o grupo de médicos da Santa Casa;

Sociedade de Medicina e Cirurgia e contato desastrosos com os parentes; retorno a Belo

Horizonte; início de consultório particular; reencontro com a prostituta Biluca e fatos

que assinalam a proximidade da Revolução de 1930.

Círio Perfeito – memórias 6 (1983) – atuação como médico nos acontecimentos

envolvidos com a Revolução em Belo Horizonte; Antônio Carlos Andrada; trabalho na

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Santa Casa; episódios que envolvem o reitor da Universidade de Minas Gerais –

Francisco Mendes Pimentel; romance com Lenora; suicídio de Lenora; ida para Monte

Aprazível; convivência com Joaquim Nunes Coutinho Cavalcanti; combate à Malária

no oeste paulista; ida para o Rio em 1933; reencontro com amigos de Juiz de Fora e

Belo Horizonte; Ismael Nery e Murilo Mendes; entrada para o serviço público do Rio

de Janeiro na Reforma Pedro Ernesto; introdução das sulfamidas; serviço Genival

Londres; amizade com Afonso Arinos de Mello Franco; Academia Nacional de

Medicina; itinerários do Rio de Janeiro; comentários da Reforma Pedro Ernesto;

introdução da terapêutica norte-americana, hidratação; perfis médicos e reencontro com

Comendador.

Estes seis livros formam a obra memorialística naveana. Preparava o volume Cera das

almas quando suicidou em 1984.

Nossa proposta é a leitura do primeiro livro das memórias de Pedro Nava – Baú

de ossos -consideradas como um texto – documento, identificador das questões e

transformações que envolvem as relações Medicina e sociedade brasileira no período

de 1860-1911, visíveis em Juiz de Fora. A primeira data, é o início da década em que,

parte da família materna se instala em Juiz de Fora. As décadas de 90 e 10 ocupam

grande parte do primeiro livro de memórias do autor e 1911 é o momento em que José

Nava (1876-1911), pai do autor, faleceu no Rio onde se radicara como médico desde

1908. A atuação de José Nava, como médico, em Juiz de Fora é o centro deste texto.

Em entrevistas, ao longo das memórias, Nava sempre comenta a correlação e as

diferenças entre o memorialista e o historiador. “Guardador”de papéis, objetos,

meticulosamente guardados e catalogados, em vida, Nava doou seu acervo ao Arquivo

Museu de Literatura Brasileira (AMLB) da Fundação Casa Rui Barbosa no Rio de

Janeiro. Usaremos esta sigla sempre que nos referirmos ao Arquivo e PN é a

identificação de Pedro Nava no mesmo. Em entrevista a José Mario Pereira Filho diz:

“O memorialista é forma anfíbia de historiador e ficcionista e ora tem de palmilhar as securas desérticas da verdade, ora nada nas possibilidades oceânicas de sua interpretação. Transfigurar , explicar, interpretar o acontecimento é que é a arte do memorialista”.47

47 AMLB – PN 1147.

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São numerosos os estudos que tratam das relações Literatura-Sociedade. Na

elaboração deste texto foram muito presentes as observações de Sidney Chalhoube e

Leonardo M. Pereira (organizadores) do livro A História contada – capítulos de

História social da Literatura no Brasil 48 e os estudos de Sandra Maria Pesavento (org.)

de Leituras Cruzadas – diálogos da História com a Literatura .49 A História contada-

trata-se de uma coleção de textos, pesquisas sobre obras e autores brasileiros

apresentadas no programa de pós-graduação em História social da Universidade de

Campinas. Como os organizadores, 50 propomo-nos, no estudo da obra literária, inseri-

la em seu contexto social, buscar a identificação de como, esta, “constrói ou representa

a realidade”; tratamento da Literatura como testemunho histórico considerando a obra

como “evidência histórica objetivamente determinada”.

Pesavento, na introdução da publicação Leituras Cruzadas explica a razão de

este grupo de estudos do Rio Grande do Sul ter adotado o nome de Clíope. A autora 51

lembra que Clio e Calíope são irmãs na mitologia grega e como tal têm semelhanças.

Ambas buscaram capturar a vida e re-apresentar o real. Ainda que, usando estratégias

diversas, pode surgir entre as mesmas, um diálogo ou “um cruzamento de olhares” entre

os domínios das duas musas.

Mas, nossa proposta é o estudo da atividade médica nas memórias de um

médico. Também a mitologia grega identifica os aspectos essenciais desta questão.

Além de Clio e Calíope, temos de conhecer os atributos de Apolo, Asclépius, Higéia e

Panacéia. O conhecimento de alguns aspectos da medicina grega (Hipócrates) e da

romana (Galeno) são necessários para o entendimento de aspectos da História da

Medicina, ocidental, brasileira e sua ocorrência em Juiz de Fora.

Hipócrates (460-390 a .C.) - não se tem comprovação 52 da autenticidade dos

vários textos que lhe são atribuidos. Scliar argumenta que, mais do que um trabalho de

48 CHALHOUBE, Sidney – PEREIRA, Leonardo Afonso. História contada – capítulos de História social da Literatura no Brasil. São Paulo: Nova Fronteira, 1998 (Coleção Histórias do Brasil).

49 PESAVENTO, Sandra Jatahy (org.). Leituras cruzadas – diálogos da História com a Literatura. Porto Alegre: EDUFRS, 2000.

50 Op. cit. p. 7-8.51 Op. cit. p. 7-8.52 SCLIAR, Moacyr. A paixão transformada – História da Medicina na Literatura. São Paulo:

Companhia das letras, 1996, p. 19.

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uma pessoa, a obra hipocrática traduz as propostas do século V da civilização grega.

Normatizou posturas morais, como, não dar venenos mesmo se solicitado pela pessoa;

não praticar o aborto e não extrair cáculos renais; atividade desprestigiada, confiada aos

cirurgiões. Apresentamos um resumo dos princípios da Medicina Hipocrática. A vida

seria mantida pelo equilíbrio entre os humores: 1- sangue- procede do coração; 2-

fleuma- do cérebro; 3- bílis amarela do figado e 4- bílis negra do baço. A doença seria o

desequilíbrio entre os humores, causada por alimentos, a água e o ar. A febre seria uma

reação do corpo para cozinhar estes elementos.

A postura hipocrática identificou causas naturais da doença , iniciou-se, assim,

o afastamento do mundo mágico na busca de soluções para as soluções as questões de

saúde. Contudo, os profissionais preparados para o exercício da Medicina ao firmarem

o compromisso profissional juravam: “Juro por Apolo médico, Asclépius, Higéia e

Panacéia, todos os deuses e deusas”. Vários aspectos da Medicina 53 são facilmente

correlacionáveis com estes deuses. Apolo- sol- verdade, seu olhar penetra no futuro,

dispersa a doença e cicatriza as feridas. Adivinha o mal oculto (diagnóstico) e como

enxerga o futuro (prognóstico) conhece o desenrolar da doença. Asclépius – mortal

filho de Apolo. Educado pelo centauro Quiron que lhe ensinou a arte de remediar e

aliviar as dores. Higéia e Panacéia – irmãs, filhas de Asclépius – Higéia é a saúde,

princípio vital, presente em todos seres vivos e Panacéia é o poder curativo encontrado

nas ervas. Ficou conhecida como Medicina Hipocrática a observação atenta do doente,

qualidade do clima e alimentos.

No período de hegemonia de Alexandria sobre a cultura grega ocorreu maior

interesse pela medicação. Drogas orientais trazidas por Alexandre foram incorporadas

no tratamento dos doentes. O conhecimento e a utilização de ervas leva à separação da

atividade médica da farmacêutica. No mundo romano, 54 vários médicos eram escravos.

Neste universo, destacou-se, o grego, Galeno (130-201). Considerava-se como discípulo

de Hipócrates, e foi quem fez a hexegese de seus textos. Aprofundou conhecimentos

de Anatomia, dissecando animais. Descobriu a função de vários nervos, estudou a

respiração e a circulação. Defendeu que o princípio fundamental da vida era o pneuma

53 SAYD, Jane Dutra. Mediar, medicar, remediar – aspectos da terapêutica ocidental. Rio de Janeiro: EDUERJ, 1998, p. 22-23.

54 SCLIAR, Moacyr. Op. cit. p. 40-42.

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com três formas e localizações: cérebro, coração e fígado. Seu método de tratamento55

era a terapia dos opostos – contraria contrariis. Aplicava cataplasmas quentes se a

doença era o resultado de frio, purgativos se o organismo estava sobrecarregado. Usava

os catárticos, principalmente a sangria. Prescrevia fisioterapia e seus remédios eram

preparados com ervas.

As propostas de Galeno dominaram no Ocidente até inícios do século XX.

Muitos dos seus procedimentos são encontrados, ainda, em práticas caseiras e

populares. Segundo Scliar, 56 a sobrevivência das propostas de Galeno, após a queda do

Império romano, ocorreu porque não eram antagônicas (crença na alma) a

fundamentos cristãos, árabes e judaicos. A terapêutica galênica foi dominante no mundo

ocidental até o final do século XIX; no Brasil, sangrias, calomelanos, arsênico e ópio

foram usados até as primeiras décadas do século XX.

Não é nossa proposta a escrita de uma História da Medicina, Européia ou

Brasileira. Nossa proposta é a identificação de propostas médicas, aceitação ou rejeição

e mecanismos de hegemonia das mesmas em Juiz de Fora, palco do Baú de ossos e um

exemplo do que estava ocorrendo no Brasil. Exemplificando a sobrevivência de

propostas hipocráticas e galênicas, no Ocidente, transcreveremos um texto de Nava,

episódio ocorrido em Juiz de Fora em 1885 tendo como protagonista seu bisavô, Luis

Cunha:

(...) Quando todo o ar do vale do Paraibuna já não chegava para o Luis da Cunha, os médicos da família, que eram o Dr. Penido e o Dr. Romualdo, reuniram-se em conferência. Eram concunhados, o Dr. João Nogueira Penido, casado com Dona Maria Cândida, e o Dr. Romualdo César Miranda Ribeiro, com Dona Carlota, irmãs, Lima Duarte, bisnetas do Inconfidente Ayres Gomes. Apesar de concunhados, os dois médicos, na reunião, trataram-se cerimoniosamente e concordaram que era preciso abrir uma fonte. Na perna, queria o Dr. Penido. Não, meu caro Colega, deve ser no braço, preferia o Dr. Romualdo. Aberta com um cáustico, como mandam Graves e toda a escola inglesa, ensinava o primeiro, já empalidecendo. Cáustico? Graves? Peço perdão, meu sábio Colega, mas isso não se usa mais. Prefiro o cautério, como fazem Jaccoud e a moderna escola francesa, pontificava o Dr. Romualdo, ofegante de cólera. Afinal a

55 ------. p. 42.56 ------. p. 42

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fonte foi aberta no braço, com cautério, e deitado sobre a chaga o clássico pedaço de potassa. O Luís da Cunha urrou três dias e três noites e, quando se estabeleceu a escara, recomeçou a discussão doutrinária de Hipócrates dizendo sim e de Galeno redarguindo não. O Hipócrates Penido queria entreter a supuração, pondo na úlcera pedra lipes poída, como era feito nos hospitais de Londres, e o Galeno Romualdo, com um simples grão de ervilha metido nas carnes, segundo se fazia nos de Paris. Afinal decidiram-se pelo uso de uma bolinha de cera reforçada por coberturas de pomada de basilicão salpicada com pedra hume calcinada como recomendava o nosso Valadão. A chamada supuração de bom caráter estabeleceu-se grossa e de um belo amarelo esverdeado, deitada por um braço quente e escarlate. Foi ficando depois francamente verde, perdendo a consistência, passando a uma caldivana fétida que terminou na salmoura podre dissorada por membro frio, arroxeado e estufado como pernil. O Luís da cunha foi mergulhando em águas mais fundas que as do Paraibuna- ai! eram águas do para sempre – e a 25 de outubro de 1885 a grangrena, desabrochada e florindo em toda sua beleza clínica, acabou com o gigante. Foi enterrado no Cemitério Municipal de Juiz de Fora na mesma cova em que repousa seu mano Modesto José.57

Baú de ossos

Capítulo I – SETENTRIÃO

Eu sou um pobre homem da Póvoa do Varzim...(Eça de Queiroz; Carta a João Chagas)

EU SOU um pobre homem do Caminho Novo das Minas dos Matos Gerais. Se não exatamente da picada de Garcia Rodrigues, ao menos da variante aberta aberta pelo velho Halfeld e que, na sua travessia pelo arraial do Paraibuna, tomou o nome de Rua Principal e ficou sendo depois a Rua Direita da Cidade do Juiz de Fora. Nasci nessa rua, no número 179, em frente à Mecânica, no sobrado onde reinava minha avó materna. E nas duas direções apontadas por essa que é hoje a Avenida Rio Branco hesitou a minha vida. A direção de Milheiros e Mariano Procópio. A da Rua Espírito Santo e do Alto dos Passos.58

Assim, Nava se apresenta e inicia suas memórias. Diversos aspectos são

identificados no texto transcrito. Partindo de uma frase de Eça de Queiróz o autor se

identifica como "um pobre homem do Caminho Novo” e sobre este universo faremos

algumas observações. Chamou-se Caminho Novo a picada aberta por Garcia Rodrigues

57 NAVA, Pedro. Baú de ossos – memórias. Rio de Janeiro: Editora Sabiá, 1972, p. 195 – 196.58 ------. p. 13.

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Paes, em fins do século XVIII, ligando a Borda do Campoi através da Mata Mineira, ao

Rio de Janeiro. Com o declínio da mineração, após 1805, iniciou-se na região a

concessão de Sesmarias a famílias tradicionais do Império. Nosso estudo é sobre uma

das povoações surgidas na região - Santo Antônio do Paraibuna - Juiz de Fora. Cidade

entre a Minas Colonial e o Rio de Janeiro, litoral e capital federal. Ponto inicial das

memórias de Pedro Nava. Afirmaríamos que o testemunho naveano é tão significativo

para o estudo da sociedade brasileira quanto Casa Grande e Senzala de Gilberto Freire

e Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda.. Fizemos um corte na obra de Nava,

delimitamos a Medicina em Juiz de Fora. A identificação das correlações das

observações do memorialista com a História da cidade constitui-se em um texto,

amostragem do quadro político e social brasileiro, no período.

O período delimitado para nosso estudo é identificado pela expressão Bélle

Époque. Expressão identificadora do período que vai das últimas décadas do século

XIX ao início da Primeira Guerra Mundial em 1914. Caracterizou-se o período pela

expansão do capitalismo monopolista que se estendeu mundialmente. Universo que teve

suas contradições explicitadas nos acontecimentos que desembocaram na Guerra de

1914-1918 e visíveis nos movimentos artísticos que ficaram conhecidos como

Realismo e Impressionismo, nascedouro das correntes Expressionista, Cubista e

Fovista, diretrizes das artes plásticas no século XX . Nava, assim sintetizou o período:

(...) La belle époque. Teria sido, ao menos, bela? Ou jugamo-la bela pela ilusão de que tudo estava pronto- quando tudo estava é por destruir e que era necessário recomeçar da primeira pedra. Foi apenas um ponto alto de montanha vingado. Mas, era preciso descer de novo, tornar a subir, outra vez descer, ainda subir, mais uma vez rolar. Aquela parada durou uns vinte e quatro anos e ficou entre dois estouros: o da bomba de Vaillant, que sacudiu a Câmara dos Deputados Franceses – La séance continue...- e o do tiro de revólver de Prinzip, que sacudiu Serajevo, a Áustria, a Europa, o Mundo, e depois do qual nada continuou. Belle Époque – fenômeno francês, no tempo em que a terra só tinha uma capital – Paris. Hoje tem várias – Paris dos saudosistas, Londres do nada e mais Roma, Moscou,

i

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Pequim, Washington, Havana...Quando começou esta época? Na hora em Proust ouviu, na Sorbonne, a primeira aula de Bergson, ou quando Guilherme II meteu o pé na bunda de Bismarck? Ou quando Sadi Carnot foi sangrado em Lyon, por um menino italiano. Depois vieram a degradação de Dreyfus, a luz lunar acendida por Roentgen e que torna os homens translúcidos, gentis homens postos a nu, no incêndio do Bazar de la Charité (eles abriam caminho, assomando, a bengaladas, damas em chamas); outro incêndio, o J’Accuse de Émile Zola. O século XIX agonizando juntamente, com Félix Faure – nos braços da bela Madame Steinheil.

Continuando com aspectos do período, no texto está o relato de um episódio,

onde, seu parente, Enes de Souza, na Inglaterra, foi testemunha e protagonista em

episódio de glorificação do imperialismo:

(...) Foi no apagar das luzes do século que se apagou a consciência da Inglaterra e que ela se atirou à Guerra dos Boers. Mais! para comer. Mais um diamante para a coroa de Sua Majestade Graciosa. Londres vibrou com a vitória de Vitória. Que euforia! Ennes de Souza, que lá estava, assistiu, num teatro, a um quadro apoteótico. Aparecia primeiro o mapa da África. Uma espada brandida por trás, dilacerava-o aos acordes do God save the Queen. E pelo rasgão aparecia a rameira que brandira o aço – vestida de escocês, gorda de riso e remexendo a bunda azeda debaixo do kilt. O republicano, indignado, quis ficar sentado em sinal de protesto, mas foi logo arrancado de sua cadeira por mil mãos e atirado à rua aos socos, às caneladas, às joelhadas, aos pontapés. Consolou-se das contusões com as mortes sucessivas de Umberto Primo, às mãos de um anarquista; da própria Rainha Vitória, às unhas do Tempo, de Draga e Alexandre da Sérvia, na garra dos Karajorges. Em compensação reinavam pela graça da beira de cama e aclamação unânime dos povos, Emilienne d’Alençon, Cleo de Mérode, Liane de Pougy e a Bela Otero. O pórtico do século foi a Exposição de Paris.. A ponte Alexandre III era o caminho do futuro. Não foi. Assunção de Anatole France em corpo e alma. O Kaiser desce em Tanger – com ouropéis que faziam desse histrião um misto de beduíno, de arcano, unicórnio e dominó. Ninguém viu o casamento de Pierre Curie e da exilada polaca Maria Sklodowska, mas hoje todos sabem de que coito nasceram as bombas de Nagasaki e Hiroxima, cujo fogo continuou, bateu na lua e não terminou sua reação em cadeia. E mais sangue, sangue real- derramado em Portugal. Dom Carlos e o Príncipe são caçados a carabina, na montaria do Terreiro do Paço. O porco Abdul-Hamid foi expulso deixando no palácio um quarto fechado, como o do Barba-Azul; estava cheio de concubinas decepadas – umas, penduradas, outras,

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deitadas num chão vidrado de sangue. E veio outro estouro, o bom, o de Serajevo – pondo ponto final num mundo imundo.59

Vemos no texto, acima transcrito, a síntese do que foi a Bélle Époque européia

na reconstituição e nas memórias de um homem que viveu no século XX (1903-1984).

Síntese comprometida com a realidade estética, diversa da realidade da natureza ou da

científica, mas, realidade. Realidade que ficou na percepção do escritor. Diversos

estudos têm sido feitos sobre o período, destacamos Viena fin-de-siècle de Carl

Shorske. 60 O autor historiza a organização da sociedade capitalista na Áustria, e, a

importância do conhecimento deste “estudo de caso” para o entendimento das

contradições que se tornaram explícitas com o conflito de 1914-1918. Faremos alguns

comentarios sobre a Áustria no período e depois transcrevendo um texto de Shorske

observaremos similaridades com o de Nava. As observações do historiador (Calíope) se

cruzam e se entrecuzam com as do memorialista (Clio).

O Liberalismo na Áustria, como em outras nações européias, caracterizou-se

pela luta contra a aristocracia e o absolutismo barroco. Os liberais chegaram ao poder

em 1848 61 e estabeleceram um regime constitucional nos anos 60. A sustentação

liberal, no período, estava restrita a alemães e judeus – alemães de classe média urbana.

Na década de 80, em oposição aos liberais, camponeses, artesãos e povos eslavos

formaram partidos de massas para enfrentarem a hegemonia liberal. Foram organizados

os partidos de orientação social-cristã, pangermânica e anti-semita. Segundo Schorske:

Nos últimos anos do século XIX, a Áustria-Hungria parecia servir, como observou um de seus poetas de “pequeno mundo onde o grande faz seus testes”- testes para a desintegração social e política da Europa. O Império Habsburgo estava se desfazendo em suas costuras internas, como a Europa se desfazia internacionalmente: nas linhas verticais da nacionalidade e nas linhas horizontais da classe e ideologia. Até os anos de 1890, as forças políticas em confronto tinham sido as classes liberais versus conservadoras. Mas agora estratos sociais inferiores geravam forças para contestar o poder das elites mais antigas. Dos operários surgiu o socialismo, da classe média baixa surgiram o nacionalismo e o socialismo cristão virulentos.

59 ------. p. 206-207.60 SHORSKE, Carl. Viena fin – de – siécle. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.61 ------. p. 27.

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(...) as forças do preconceito racial e do ódio nacional, que se julgavam dissolvidas pela luz da razão e domínio da lei, ressurgiram com um ímpeto avassalador, enquanto “o século do progresso” soltava seu último suspiro.62

Em Minas Gerais, uma família nos anos sessenta do século XIX mudava-se de

Sabará para Juiz de Fora. Nomes, fatos, período marcante na vida da família materna de

Nava:

(...) Foi por esse caminho que, pelos anos sessenta Luis da Cunha desceu do Centro para a Mata com sua mulher, os filhos, a filha, o genro, o primeiro neto, a nora e os escravos. Vinte jornadas. Hoje de automóvel, seria a metade de vinte horas e, de avião, o dobro de vinte minutos. Vinte dias ao sol mineiro, beirando o Rio das Velhas, passando Raposos, vingando as serras da Carranca e da Moeda, atravessando Soledade, Congonhas do Campo, subindo e descendo a serra do Buarque, a do Pau Grande, varando o Alto do Cangalheiro, chegando à Borda do Campo e à Garganta do João Aires. (...) O dia inteiro passado em Congonhas, um rosário em cada passo, um terço aos pés de cada profeta, o tiro de garrucha que tio Zezé deu no centurião e todos chorando e escarrando na imagem do Judas. (...) A travessia do Alto do Cangalheiro à tardinha, com pés de pau estalando como uma conversa, o hurlyburly como charneca inglesa, um vento alto que parecia desfraldar mortalhas no céu e a estrada movediça, dir-se-ia viva e se sacudindo como um lombo de anta....Todos acompanhando D. Mariana Carolina, que rezava alto as orações fortes de combate às forças do Inferno. A parada em João Aires para engrossar o bando com viajantes que vinham do São João del Rei, da Capela Nova, da Ibituruna, do Turvo, da Itaverava, do Piranga, do Tugúrio. Quando eram magote, desciam a Mantiqueira, pequenas etapas e só dia claro. O mulherio e as crianças, no meio. Retaguarda e vanguarda dos homens e da capangada de arma aperrada prontos para enfrentarem os salteadores da serra. Finalmente a chegada e a passagem pela Fazenda do Juiz de Fora. Inhazinha, bem montada, fina como uma víbora ou como o chicotinho que trazia atravessado seguro junto às rédeas, olhou o casarão apalacetado. Quando o contornaram, ela viu pela primeira vez, na varanda lateral, a figura desempenada, as faces cor de fiambre, os bigodes e as suiças de ouro e prata de um velho cuja cara reluzia ao sol como um tacho de cobre bem areado. Ele cumprimentou os viajantes sorrindo e não tirou de cima de Inhazinha os olhos azuis, enquanto ela esteve à vista. A atenção foi sentida pela menina-e-moça, que voltou uma vez a cabeça para trás e tornou a olhar o Comendador Henrique Guilherme Fernando Halfeld. Que velho simpático... Dois dias depois da chegada, a família estava toda morando na casa comprada por Luís da

62 ------. p. 182 – 183.

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Cunha na subida da Rua da Califórnia. Exatamente onde é hoje o seu cruzamento com a Rua Gilberto de Alencar. A edificação que aí está tem o número 1116 da Rua Halfeld e foi construída no lugar da primitiva. Nela residiu o Dr. Hermenegildo Villaça. 63

No relato de Nava, vemos como que uma espécie de crônica de aspectos da

economia mineira, ao longo do século XIX. O empobrecimento de antigas áreas

mineradoras, desde o início do século e a atração exercida sobre parte de sua população

por uma área cafeeira, após anos 40 que se industrializou após os anos 60. Sobre a

vinda de habitantes do Centro do Ouro para a Mata Mineira, as Cartas de Sesmarias da

região identificam como beneficiários pessoas oriundas de São João del Rei, Sabará,

Caeté, Santa Bárbara e outras localidades mineradoras ou próximas a elas. Em 1836, o

Governo de Minas incumbiu o engenheiro germânico, Henrique Guilherme Fernando

Halfeld, de construir uma estrada de Vila Rica a Paraibuna, retificando o Caminho

Novo. As obras trouxeram, como conseqüência, o abandono do povoado no Morro da

Boiada, atual Bairro Santo Antônio, vindo os habitantes a se concentrarem na região do

novo traçado da estrada, hoje Alto dos Passos. A nova aglomeração, Santo Antônio do

Paraibuna, expandiu-se, rapidamente, gerando necessidades de urbanização e

saneamento. Nos arredores do povoado, o café, vindo do Vale do Paraiba passou a ser

cultivado como em outros pontos da Mata Mineira. A aglomeração cresceu em função

da prestação de serviços à economia cafeeira. Elevada a vila em 1850, a povoação já era

cidade em 1856, com vários distritos. Após a década de cinqüenta, quando se termina

com a doação de Sesmarias pela Lei de Terras de 1850, continuaram os mineiros do

centro chegando para atividades subsidiárias do café.

Diversos aspectos da cidade têm sido estudados. A historiografia local, com

os livros de Paulino de Oliveira - História de Juiz de Fora64 e Sociedade de Medicina e

Cirurgia de Juiz de Fora 65 Wilson de Lima Bastos - Mariano Procópio - sua vida, sua

obra e sua descendência,66 fornecem elementos cronológicos sobre a criação da cidade.

Dos estudos feitos no âmbito da Universidade Federal de Juiz de Fora, destacamos as

63 Op. cit. p. 124 – 125 – 126.64 OLIVEIRA, Paulino. História de Juiz de Fora; 2ª ed. Juiz de Fora: Gráfica Comércio e Indústria

LTDA, 1966.65 ------. Sociedade de Medicina e Cirurgia de Juiz de Fora. IN: Revista do Instituto Histórico e

Geográfico, ano V, n. 5, dezembro de 1969, p. 93 – 103.66 BASTOS, Wilson de Lima. Mariano Procópio Ferreira Lage, sua vida, sua obra, descendência,

genealogia. Juiz de Fora: Ed. Paraiso, 1991.

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obras de Silvia Maria Belfort Vilela de Andrade, Classe operária em Juiz de Fora -

uma história de lutas (1912-1924);67 de Maraliz de Castro Vieira Christo - Europa dos

pobres - o intelectual e o projeto dominante em Juiz de Fora na Belle-Époque mineira;68

Luiz Antônio do Valle Arantes, em A origem da burguesia industrial em Juiz de Fora -

1958-1912 69 identifica a importância dos germânicos protestantes na industrialização

da cidade, e, finalmente, o trabalho de Mônica Ribeiro , Imigração e industrialização:

os alemães e italianos em Juiz de Fora (1854-1920)70, onde a autora relativiza a

importância destas correntes imigratórias na industrialização da cidade.

A expressão "Belle Époque" ("Bela Época") identifica o período

correspondente ao capitalismo Monopolista (1850-1914) quando o mesmo se estende

mundialmente. A vida urbana e as conquistas da industrialização fizeram com que as

pessoas do período tivessem a consciência de que viviam tempos novos, a "Bela

Época". A fábrica foi o signo das relações sociais do período; aponta para novas formas

de ver e sentir o mundo. Nava comenta o período no Brasil, transcrição que faremos no

próximo parágrafo. Ao contrário do que disse Nava, as transformações superestruturais

ocorridas, no Brasil, não se deram com o advento da República, mas nas duas últimas

décadas do Império. Quanto à "fealdade" do período descrito, pelo memorialista,

diríamos, sem desqualificar suas observações, que se trata de preconceito modernista,

postura de muitos ligados a este movimento da década de 20.

E aqui? Também tivemos a nossa belle époque, por sinal que feia como sete dias de chuva. começou com a República. Basta comparar a iconografia imperial com a posterior, para ver a coisa inestética que veio depois de D. Pedro II. Gravuras de Debret e Rugendas, pintores régios, figuras de Angelo Agostini - cheias de nossos usos, costumes, tipos, ruas, casas, campo, estradas, árvores, céus e alegorias - tudo é substituído pelo duro documento fotográfico e pelas pinturas sebentas de Gustav Hastoy, de Manuel Santiago, de Almeida Junior, de Batista da Costa e Giuseppe Boscagli, representando marechais anacrônicos em fardas do tempo da Guerra da Criméia, ou presidentes soturnos nas suas sobrecasacas de croque-morts. Uma densa e má tristeza

67 ANDRADE, Silvia Maria Belfort Vilela. Classe operária em Juiz de Fora: uma história de lutas (1912- 19140. Juiz de Fora: EDUFJF, 1987.

68 CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Europa dos pobres – a belle époque mineira. Juiz de Fora: EDUFJF, 1994.

69 ARANTES, Luis Antônio do Vale. As origens da burguesia industrial de Juiz de Fora 1858 – 1912. Niterói: UFF, 1991 (dissertação de Mestrado).

70 RIBEIRO, Monica. Imigração e industrialização: os alemães e italianos em Juiz de Fora. Niterói: UFF, 1992 (dissertação de Mestrado).

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depreende-se na história da República. Vêm, de saída o despudor do Encilhamento e Floriano deglutindo o Deodoro - que ainda digeria a coroa do benfeitor. A Revolução Federalista ensangüenta o Sul. Degolamentos simples e de "volta". Conhecem a variedade? Não se corta de fora para dentro, como às galinhas . Mete-se longa e afiada faca embaixo da orelha, entre o maxilar e o esterno cleido. Ela sai do outro lado do pescoço e então puxa-se de dentro para fora: de "volta. Saldanha da Gama é lanceado e seus companheiros, sangrados. Eleição e posse de Prudente. Canudos e mais mortes. A cabeça de Conselheiro chega ao litoral da China, "onde deliravam multidões em festa... "O Marechal Bittencourt morre salvando o presidente. Sem ne-nhuma convicção. O magnicida Marcelino Bispo foi reabilitado pelos que o executaram na calada da noite. Mais sangue: o de Gentil Castro. Encerra-se a década, encerra-se o século deixando como lembranças amáveis a fundação de Belo Horizonte, a instalação da Academia de Letras, a risada de Artur Azevedo. Abrem-se os novecentos com as festas do Quarto Centenário e o retrato da bem amada de um ministro nas notas de cinqüenta mil-réis. O prestidigitador Chapot-Prevost, num golpe circense, corta um monstro em duas meninas. Santos Dumont contorna a Torre Eiffel num balão e voa aeroplanos virados às avessas. Rocca e Carleto escreveram seu primeiro romance policial e Oswaldo Cruz sai das páginas de Monsieur de Phocar para acabar com a febre amarela. Acabou também com a peste comprando ratos; com a varíola, comprando os ódios que explodiram na rebelião de Lauro Sodré. Passos, Frontim, Lauro Müller - Cais do Porto, Avenida Central, Flamengo - Pinheiro Machado discursa no Palácio da Liberdade e suas palavras começam a forjar o ferro que serviria mais tarde a Manso de Paiva. Carlos Chagas se iguala a Oswaldo Cruz e os dois fazem pelo Brasil o que os charlatães da política nunca tinham feito. Não contando os burros acatados por trazerem do ventre - caldeirão o "senso grave da ordem" - dizem que nela política, havia gênios também. David Campista , Carlos Peixoto, João Pinheiro, Gastão da Cunha. Em terra de cego quem tem um olho é rei. Em terra de olho quem tem um cego é rei. Em terra de rei quem tem um cego é rei. Afonso Pena morreu traído e dizem que os trinta dinheiros foram para Itajubá. "Toma cachorro!" São as últimas palavras ouvidas por Euclides da Cunha caindo no chão que ele engrandeceu. O "almirante" João Cândido - vestido de ouro e prata - acabou com a chibata, escapou da cal viva da Ilha das Cobras e dos fuzilamentos do Satélite para dar, depois, entrevistas de negro velho. Águia de Haia ou Papagaio de Haia? "Fala, fala, fala, meu bem..." Ganhando, mas não levando. Urucubaca era a dele. O outro foi feito para o Catete, onde se dançou o corta-jaca na era da jupe-culotte. Mil novecentos e doze vem com a morte do Barão de Quintino e novamente sangue na burrice do Ciintestado. Mais um ano, dois anos e ouviu-se aqui ribombo que ninguém entendeu - o eco do tiro de Prinzip. Que foi? Foi nada, não. Um mameluco matou um arquiduque e não temos nada com essa opereta. O diabo é que tínhamos. Pois foi nessa belle époque que doenças, necessidades, obrigações, compromissos, acaso, destino - o

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fatum - fizeram convergir para o Rio de Janeiro gente da família de meu Pai, da minha Mãe.71

A inauguração da Estrada de Ferro D. Pedro II, em 1871, deu-se no momento

em que não só se mudou o nome da cidade para Juiz de Fora, como também melhorias

urbanas mostram o aceleramento de sua industrialização. Andrade 72 assinalou como

datas identificadoras desse processo: 1881 - bonde de tração animal; 1883 - telefone;

1884 - telégrafo; 1885 - água a domicílio; 1887 - Banco Territorial Mercantil; 1889 - 71 Op. cit. 208-209.72 Op. cit. p. 20.iiBIBLIOGRAFIA

1. Obras de Pedro Nava (ordem de publicação)

1.1. Medicina

NAVA, Pedro. Território de Epidauro. Rio de Janeiro: C. Mendes Junior, 1947.

------. Capítulos da história da medicina no Brasil. Rio de Janeiro: s/ed. 1948.

1.2. Memórias

NAVA, Pedro. Baú de ossos – memórias 1. Rio de Janeiro: Editora Sabiá Limitada, 1972.

------. Balão cativo – memórias 2. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973.

------. Chão de ferro- memórias 3; 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1976.

------. Beira – mar – memórias 4; 4ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

------. Galo das trevas – memórias 5; 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981.

------. O Círio perfeito – memórias 6. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983.

2. Bibliografia consultada para elaboração do texto

ALMANACK DE JUIZ DE DORA. Editores: Leite Ribeiro & Companhia, 2º ano, 1892 (p. XIV – XXIV).

ANDRADE, Sílvia M. B. Vilela de. Classe operária em Juiz de Fora; uma história de lutas (1912-1914. Juiz de Fora: EDUFJF, 1987.

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Banco de Crédito Real e energia elétrica. Também em Juiz de Fora foram fatores da

industrialização: a transformação da força de trabalho em mercadoria (assalariamento),

tornando-a farta através da migração; criação de um mercado interno, no caso, o café,

gerando a necessidade e a capacidade de se importarem alimentos, meios de produção e

bens de consumo; condições favoráveis de financiamentos governamentais; baixos

salários; isenção tarifária concedida à importação de máquinas e equipamentos.

ARANTES, Luis Antônio Valle. As origens da burguesia industrial em Juiz de Fora 1858-1912. Niterói: UFF, 1991 (dissertação de Mestrado).

BASTOS, Wilson de Lima. Mariano Procópio Ferreira Lage, sua vida, sua vida, sua obra, descendência, genealogia. Juiz de Fora: Ed. Paraiso, 1991.

CHALHOUB, Sidney – PEREIRA, Leonardo Affonso de M. (org.). A História contada – capítulos de História social da Literatura no Brasil. São Paulo: Nova Fronteira, 1998 (Coleção Histórias do Brasil).

CHALHOUB, Sidney. Cidade febril – cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. Europa dos pobres – a belle – époque mineira. Juiz de Fora: EDUFJF, 1994.

COSTA, Angela Marques da – SCHWARCZ, Lilian Moritz. 1890 – 1914 – no tempo das certezas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000 (coleção Virando Séculos).

CUNHA, Maria Clementina Pereira. O espelho do mundo – Juquery, a história de um asilo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

FOUCAULT, M. A microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1981.

------. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Graal, 1991.

GRAMSCI, Os intelectuais e a organização da cultura; 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.

HERSON, Bella. Cristãos – novos e seus descendentes na Medicina brasileira (1500 – 1850). São Paulo: EDUSP, 1996.

LEENHARDT, Jacques – PESAVENTO, Sandra Jatahy (orgs.). Campinas: EdUNICAMP, 1998 (Coleção Momento).

LUZ, Madel. Medicina e ordem política brasileira – políticas e instituições de saúde(1850-1930). Rio: Edições Graal, 1982.

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Somente assim foi possível surgir a indústria de bens de consumo, especialmente a

têxtil.

Formou-se Juiz de Fora com a industrialização; cidade laica e possuidora de

instituições necessárias a seu funcionamento. Neste período e neste tempo estão as

observações de Pedro Nava nos primeiro Baú de ossos, segundo Balão Cativo e quinto

Galo das trevas volumes de suas memórias. Como vimos, anteriormente, no Baú de

OLIVEIRA, Paulino. História de Juiz de Fora; 2ª ed. Juiz de Fora: Gráfica Comércio e Indústria LTDA, 1966.

------. Sociedade de Medicina e Cirurgia de Juiz de Fora. In: Revista IHGJF, Juiz de Fora: 1969 (p. 93 – 103).

PESAVENTO, Sandra Jatahy. Diálogos da História com a Literatura. Porto Alegre: EDUFRS, 2000.

RIBEIRO, Monica. Imigração e industrialização: os alemães e italianos em Juiz de Fora. Niterói: UFF, 1992 (dissertação de Mestrado).

RIZZOTTO, Maria Lucia Frizon. História da enfermagem e sua relação com a saúde pública. Goiânia: AB, 1999.

ROSEN, George. Uma história da saúde pública; 2ª ed. São Paulo: Editora UNESP, Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva/Manguinhos, 1994.

SALES, Pedro. História da medicina no Brasil. Belo Horizonte: Editora G. Holman LTDA, 1971.

SALGADO, Ilma de Castro Barros. Mulheres reveladas e veladas. Juiz de Fora: Editar Editora Associada, 1999.

SAYD, Jane Dutra. Mediar, medicar, remediar – aspectos da terapêutica na Medicina ocidental. Rio: EDUERJ, 1998.

SCHWARCZ, Lilian M. O espetáculo das raças: cientistas e questão racial no Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

SCLIAR, Moacyr. A paixão transformada. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

WITKOWSKI, Ariane. A renovação autobiográfica no Brasil. In: LEITURA – Nava – Baú de ossos. São Paulo: Imprensa Oficial, ano 18, n.º 9, setembro de 2000, (p. 15-21).

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ossos, o Capítulo I – Setentrião, inicia-se com o autor se apresentando e a Juiz de Fora.

Entretanto, o tema central do capítulo é a trajetória da família no Maranhão, Ceará e

Rio de Janeiro. No Capítulo II – Caminho Novo – Nava começa a reconstituir a

trajetória da família materna em Minas Gerais. Estabelecidos, na região, desde tempos

coloniais o memorialista narra a trajetória do bisavô materno, Luís Cunha, em Santa

Bárbara, Sabará e Juiz de Fora. Na última cidade, a filha, Maria Luisa, aos 20 anos,

casa-se com um dos pioneiros da cidade, Henrique Guilherme Halfeld, 50 anos mais

velho. Ilma de Castro Barros e Salgado em Pedro Nava – mulheres reveladas e

veladas- 73 através, das memórias naveanas, organiza as biografias da avó materna,

Maria Luísa e de Diva, mãe do autor.

Maria Luísa ficou viúva aos 26 anos em 1873, com uma filha e muitos bens.

Casa-se posteriormente com o cearense Joaquim José Nogueira Jaguaribe, cearense,

filho de senador do império, agrimensor, jornalista, agricultor, etc. O segundo marido

com quem tem quatro filhas, inapto para negócios, dilapida o patrimônio deixado por

Halfeld. Nava refaz a trajetória desta mulher que após o afastamento do segundo

marido fica à frente da família. O último capítulo – III – Paraibuna noticia a atuação

do avô paterno , Major Jaguaribe em Juiz de Fora, e, traça a biografia do pai, José Nava

(1876-1911). Nascido em Fortaleza, filho do abastado comerciante, Pedro da Silva

Nava, que, se transferiu para o Rio em 1878 onde faleceu aos 37 anos.

73 SALGADO, Ilma de Castro Barros e. Pedro Nava - Mulheres reveladas e veladas. Juiz de Fora: Editar Editora Associada, 1989.

VALE, Vanda Arantes. Pintores estrangeiros no Brasil “Museu Mariano Procópio”. Petrópolis: Vozes Cultura, n.2, março-abril 1993 (p. 55-62).

------. Pintura brasileira do século XIX – Museu Mariano Procópio. Rio: Escola Nacional de Belas Artes/UFRJ, 1995 (dissertação de Mestrado).

YASBECK, Lola. As origens da Universidade de Juiz de Fora. Juiz de Fora: EDUFJF, 2000.

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Com o falecimento do marido, a avó paterna volta ao Ceará com quatro filhos

menores e, aproximadamente, em 1893, casa-se com o tabelião Joaquim Feijó de Melo,

viúvo de sua irmã.74 José Nava faz seus primeiros estudos em Fortaleza, influenciado

pelo padrasto e cunhados, intelectuais da província. A circulação em Fortaleza das

idéias dominantes no período são mostradas quando trata de uma sociedade cearense de

letras, Padaria Espiritual 75. No texto transcrito, a seguir, Nava faz como que um

apanhado do contexto histórico, vivido por seu pai, dos seis aos vinte anos em

Fortaleza.

Meu Pai tinha 6 anos, em 1882, quando foi fundado no Ceará o Centro Abolicionista. Logo no ano seguinte, a 1º de janeiro, são libertados em massa os escravos de Acarape. A 2 de fevereiro, os de Pacatuba e São Francisco, a 25 de março, os de Icó e Barbalha, a 25 de abril, os de São João do Príncipe, a 20 de maio os de Manguarape e Mecejana, a 23 e 24 do mesmo mês, os de Aquiraz e Fortaleza. A 25 de março de 1883, foi proclamada a libertação de todos os escravos do Ceará. (...) Aos 13 anos, ele deixa de ser súdito da Casa de Bragança e, aos 15, começa a atentar em Floriano Peixoto e ingressa no Liceu do Ceará. Dos mestres do Liceu e das convivências da Padaria trouxe as admirações que dominavam seu espírito por essa época. O conhecimento que já prepararia nele um médico diferente do comum e mais puxado para o gênero do seu futuro amigo Aloysio de Castro – o conhecimento, dizia eu, de Raimundo Correia, Augusto de Lima, Artur Azevedo, Rodrigo Otávio, Araripe Júnior, Bilac, Gonçalves Crespo, Machado de Assis, Álvares de Azevedo, Castro Alves, Luís Murat, Sílvio Romero, Francisco Otaviano e Tobias Barreto. Conhecimento de Camões, Eugênio de Castro, Antero de Quental, Eça de Queirós, Guerra Junqueiro, Alexandre Herculano, Ramalho Ortigão, João de Deus e Antônio Feliciano de Castilho. No estrangeiro, o de Racine, Zola, Musset, Hugo Lamennais, Théophile Gauthier, Lamartine, Alphonse Daudet, Théodore de Banville, Loti, Catulle Mendès, Comte, Shakespeare, Tennyson, Byron, Cowper, Longfellow, Heine e Schopenhauer. Tudo isto intimidade que está comprovada na curiosa coleção de recortes e de retratos de meu Pai - uma –daquelas miscelâneas bem do seu tempo e das quais possuo a sua, a de minha Mãe, as de meu tio Antônio Salles. Curiosos repositórios para estudo de uma personalidade, onde havia surpreendido por parte de meu Pai, a preferência, entre os pintores, por Rubens, Rafael e Van Dick. Admiração musical por Mendelssohn e pela virtuosidade de Battistini e da divina Malibran. (...) Era o ano em que Belo Horizonte alvorecente batia o pleno de suas construções, em que surgiam no sertão os primeiros incidentes com Antônio Conselheiro, em que tomava posse no Governo do Ceará o Doutor

74 Op. cit. p. 80 – 81.75 ------. p. 85 – 98.

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Antônio Nogueira Accioly e em que Prudente de Morais moderava a República a rédea leve. Meu Pai tinha 20 anos.76

A reconstituição que Nava faz da vida intelectual de Fortaleza mostra uma

capital onde se viviam e se discutiam questões similares aos grandes centros. Ainda está

por se conhecer e escrever como as questões colocadas pela Belle Époque foram

presentes em diversos pontos do país. Vemos, na província, os ecos de acontecimentos

nacionais e internacionais. Evolucionismo, Darwinismo e Comtismo foram

preocupações da intelectualidade do período; assinalam a presença de valores urbanos.

As influências mencionadas na transcrição continuaram na primeira série dos curso de

Farmácia e Medicina em 1896 na Bahia, concluídos no Rio em 1898 e 1901,77 período

minuciosamente reconstruído por Nava. Após a primeira formatura, José Nava, monta

uma Farmácia, onde, comercializando a medicação do período, garante seu sustento até

o término do curso de Medicina. Assim, Pedro Nava fala dos produtos farmacêuticos do

período:

“Estavam no primeiro caso os remédios que curavam as anemias, as tosses, os vapores, as asmas, os esgotamentos, as descompensações, as pontadas, as dispepsias, as sífilis e as gonorréias da belle époque, como os cacodilatos, metarsinatos e as lecitinas de Clin; os mercúrios simples da solução de Panas e os idodados da de Prokhorow; a papaína do Dr. Niobey, o Gonosan Riedel, os pós de Legras, o sândalo Midy, as soluções de Trunececk, Picot e Barbosa Romeu; os seruns de Bardet , Cantani e Luton; e mais a neurosina Prunier, as gotas amargas de Gigon, o gomenol e o cloretilo Bengué em frascos obturados a parafuso ou a clapet. No segundo, os percolatos, os xaropes, os elixires, os electuários, os supositórios, os óvulos, as velas, os comprimidos, as pílulas, as cápsulas e os papéis – todo o estadear triunfante da era julepo gomoso – que meu Pai edulcorava, tamisava, pulverisava, fervia, distilava, decantava, coava, secava, espoava ou moldava – com os requisitos da farmácia galênica. Ele manteve a botica e por ela foi mantido até formar-se e só a passou adiante quando se atirou à clínica do interior.78

Descobertas da farmacologia e estudos médicos detectaram causas de doenças e

criaram vacinas contra as mesmas. Medidas e políticas de saneamento melhoraram as

condições de vida nas cidades. O aperfeiçoamento de técnicas agrícolas colocou

76 ------. p. 98 – 99.77 ------. p. 211 – 231.78 ------. p. 217 – 218.

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alimentos à disposição de maior números de pessoas. O período do Iluminismo e das

Revoluções (1750-1830) caracterizou-se pela crença na Razão. Os anos de 1850-1900,

genericamente conhecidos como período do Realismo, foram de aplicabilidade da

postura racionalista na investigação dos diversos campos do universo. O Empirismo-

verdades derivadas da experiência concreta – fez-se vitorioso no progresso científico.

São identificáveis, nomes e conquistas do período que, para o exercício da

Medicina, em seus diversos aspectos, significaram revoluções de posturas e de práticas

médicas. Cronologicamente,79 iniciaremos com Jenner (1749-1823) – vacina contra a

varíola; Pinel (1755-1826) – viu a doença mental como algo distinto de aspectos

religiosos; Foderé (1764-1835) – associou condições sociais com problemas de saúde;

Chadwick (1800-1890)- apresenta propostas de reformas sanitárias; Semmelweis (1818-

1865) – insistiu na necessidade de os obstetras lavarem as mãos como meio de se evitar

a contaminação da febre puerperal; Pasteur (1822-1895)- comprovação da teoria

microbiana da doença; Robert Koch (1843-1910) junto com Pasteur criou a

bacteriologia médica e demonstrou a formação de esporos nos bacilos do antraz,

descobriu os organismos da tuberculose, do cólera e da doença do sono.

Snow (1813-1858) – identificou a natureza transmissível do cólera; Budd (1811-

1880) – aprofundou o conhecimento sobre a transmissão do cólera e do tifo; Ross

(1854-1923) – identificou o parasita malárico no estômago do mosquito Anopheles;

Finlay (1883-1923) – deu à hipótese do mosquito como transmissor da febre amarela

sua formulação clássica ( teoria Havanesa); Reed (1851-1902) – identificou a

transmissão da febre amarela pelo Aëdes aegypti. Fatos e nomes que estiveram em

discussão nas Faculdades de Medicina, Sociedades de Medicina e Cirurgia e

administrações públicas nos diversos países europeus e americanos. Fazem parte do

contexto histórico de nosso objeto de estudo.

Os cursos de Farmácia e Medicina cursados por José Nava, norteados por

modelos franceses, valorizaram a experimentação e a ação junto à sociedade. “Homens

de Ciência”, assim se consideravam, viam-se como porta-vozes e missionários para a

79 ROSEN, George. Uma História da saúde pública; 2ª ed. São Paulo: Hucitec: Editora da Universidade Estadual Paulista; Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Pós – Graduação em Saúde Coletiva, 1994, p. 367- 375.

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solução de problemas sociais; a exemplo, epidemias, falta de saneamento e desnutrição.

Consideradas como expressões da irracionalidade e obstáculos ao progresso, pois,

ameaçavam parte importante da força de trabalho. José Nava formou-se em 1901 pela

Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Os diversos aspectos que envolveram sua

curta existência permitem a reconstituição e o estudo da Medicina do período. Casou-

se se em Juiz de Fora a 14 de junho de 1902 80 com Diva Jaguaribe e radicou-se nas

proximidades da cidade de Juiz de Fora, localidade de Sossego:

Esse era o processo do médico se fixar no interior. Apadrinhado por um fazendeiro que lhe dava o partido de sua fazenda e mais o da dos amigos da redondeza. Dessa forma já se chegava com clínica feita e área de atividade demarcada. Era só esperar o dinheiro. Meu Pai, tão-logo terminou a lua-de-mel, recebeu os clientes da mão do seu Carneiro e transferiu-se para o Sossego. O seu, dito é que acabou, pois via doentes dia e noite e tinha sempre arreado o cavalo ou atrelada a carruagem pra atender os chamados. Estes vinham a qualquer hora, com chuva ou bom tempo e lá saía o moço para as urg6encias do vasto círculo em que ficavam Cotegipe, Ericeira, Chiador, Pequeri, Matias e mais lugarejos, fazendas e sítios de entre os trilhos da central e da Leopoldina e mesmo, à direita dos últimos, numa fatia do Mar de Espanha. Todo esse chão meu pai bateu a burro, besta, cavalo, trole e velocípede de linha. 81.

O autor reconstitui minuciosamente diversos aspectos presentes no cotidiano da

sociedade, o que não é a proposta deste texto. Fizemos, então, um recorte; trataremos

da institucionalização da Medicina em Juiz de Fora, buscando suas correlações com as

questões nacionais que envolveram esta atividade no período. A primeira menção à

Medicina em Baú de ossos é:

Além de genealogista, o tio Itriclio era um hábil curão. Vivia sugerindo tratamento, receitando mezinhas e aconselhando as pílulas de Matos (invenção milagrosa do boticário cearense Antônio José de Matos). Não estou longe de imaginar que a vocação médica de meu Pai – filho de comerciante, enteado de notário – tivesse vindo do contato com seu tio. Hábil carimbamba, eu ainda o vi tratando do Chiquinho, filho do bravo Major Mendes, que era nosso vizinho e aparentado com o Dr. Duarte de Abreu – este, comensal, amigo e mentor político de meu Pai. Retrospectivamente, faço o diagnóstico do menino que regulava idade comigo: reliquats benignos de paralisia infantil. Porque eu fosse companheiro do garoto, o velho Itriclio vinha

80 Op. cit. p. 230 - 23181 ------. p . 231.

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me buscar, diariamente, para ir com ele até o largo do Bispo, onde era a casa do Major. (...) O digno militar, velho aluno de Benjamin Constant, tinha idéias próprias onde se combinavam perfeitamente postulados positivistas, revelações da teosofia e prescrições místico-sanitárias da Christian Science. Era admirador do Padre Kneipp, devoto de Raspail, sequaz das teorias de Hahnemann e infenso à alopatia. Saindo destas bases, era inevitável sua crença numa panacéia. Esta, para o velho Itriclio, era a banha da cobra cascavel, que ele recebia diretamente do Ceará – porque só servia a boa, a verdadeira, a do Aracati. Essa banha curava os reumatismos, depurava os humores, fortalecia os músculos, limpava a vista, desanuviava as idéias, dissipava a melancolia, levantava os corações, descarregava os rins, desopilava o fígado e era um porrete nas perclusões. Segundo meu tio-avô, nem era preciso dá-la internamente. Bastava a aplicação externa porque ela entrava pelo tegumento graças a um finura superior à do azougue. “Tão fina”- dizia ele – “que posta na palma, dentro de minutos atravessa pele, nervos, ossos e começa a pingar pelas costas da mão...” (...) Mas acontece que o Major Mendes aceitou avidamente as teorias terapêuticas do velho cearense, despachou o falante Dr. Austregésilo, mandou passear o taciturno Dr. Pinto Portela e entregou-lhe o tratamento do filho. Com disse, assisti a várias dessas sessões terapêuticas. Eram longas massagens feitas com a banha de cobra no pé e perna doentes e depois sua contenção corretiva dentro de um sistema de talas, invenção também do algebrista amador. Eram fabricadas por ele: com folhas de papel endurecido a goma arábica. Pois apesar da chacota de meu Pai, do tédio do Dr. Duarte e da indignação do João Abreu, o Chiquinho melhorou, cresceu, andou, botou corpo e virou um mocetão do meu tamanho – como eu o reencontrei anos depois, acompanhando sua irmã Amelita, numa viagem a Belo Horizonte.82

Algumas observações, à maneira de um glossário, devem ser feitas para melhor

entendimento do significado do episódio. Carimbamba é a designação dada a

curandeiros em Minas Gerais. “Aluno de Benjamin Constant”, militar identificado por

sua adesão ao Positivismo. Aqui, faremos um parêntese sobre esta questão. O

Positivismo fez inúmeros adeptos entre os organizadores da Medicina Científica de fins

do século XIX. Contudo, os seguidores do Positivismo, no Brasil, destacam-se pela

adesão à Homeopatia, proposta oposta ao mesmo. Segundo Rizzonto,83 a introdução e

aceitação de postulados positivistas na Medicina, método que, seus seguidores,

defendiam como capaz de uma produção “objetiva e neutra” do conhecimento,

reforçou a posição dominante desta profissão e profissionais no campo da saúde.

82 ------. p. 48-49.83 RIZZOTTO, Maria Lucia F. História da enfermagem e sua relação com a saúde pública. Goiânia: AB, 1999, p. 27.

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Christian Science, proposta de uma Medicina feita pelo pregador norte-americano

Sylvester Grahan – preconizava dietas vegetarianas para o restabelecimento da saúde.

Raspail – adepto do uso da cânfora para diferentes doenças. Hahnemann (1755-1843)

médico que construiu as bases da Medicina Homeopática. Padre Kneipp foi o criador da

Hidroterapia que tem grande número de adeptos. Finalmente, “algebrista”, identifica

pessoas em Portugal do período colonial que se dedicavam a tratar das fraturas ósseas.

No texto transcrito, observamos o conflito de opiniões de discursos médicos

com a postura de um “prático”. O episódio poderia ter ocorrido em qualquer cidade da

Europa ou América. A Medicina e os serviços médicos, como hoje o entendemos,

foram sendo elaborados ao longo do século XIX e se fizeram hegemônicos no século

XX. Faremos algumas observações como se organizou a Medicina, dita científica, na

Europa e como se fez o mesmo no Brasil. O episódio, ocorrido em Juiz de Fora,

identifica todas as tensões que envolveram esta questão no período.

Em fins do século XVIII e ao longo do século XIX, revoluções burguesas

configuraram a sociedade capitalista. O Iluminismo foi o corpo teórico da sociedade

organizada racionalmente e organizadora de uma nova maneira de ver e sentir o mundo.

Saúde e doença passaram a ser tratadas em novas perspectivas. As doenças passaram a

ser vistas como decorrentes de causas naturais, descritas com rigor científico e

consideradas como questão pessoal e pública. O hospital, segundo Scliar, 84antes lugar

de caridade, na sociedade capitalista, transforma-se em instrumento de medicalização

coletiva e leiga. Diversos estudos tratam as relações capitalismo e saúde, dentre eles,

Michel Foucault (1926-1984)-Microfísica do poder 85e O nascimento da clínica 86 ;

George Rosen (1910-1977) Da polícia médica à Medicina social 87 e Uma história da

saúde pública 88 e Jane D. Sayd (? ) Mediar, medicar e remediar.89

O corpo na sociedade capitalista passou a ser instrumento de trabalho, doença

significa incapacidade para o mesmo e saúde é a disponibilidade e capacidade para

84 ------. Op. cit.85 FOUCAULT, M. A microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1981.86 ------. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Graal, 1991.87 ROSEN, George. Da polícia médica à Medicina social. Rio de Janeiro: Graal, 1981.88 Op. cit.89 op. cit.

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produção. Saneamento, vacinação, políticas estatais, reformulações do ensino médico,

indústrias de remédios, etc. compõem a postura conhecida como “medicalização da

sociedade”. Também é vertente do Iluminismo a organização da Medicina Social, não

só o corpo individual pode adoecer, mas, toda a sociedade. Ao longo do século XIX, a

Higiene e o Saneamento foram discutidos pelos governos. Buscamos destacar, ajustes

institucionais e montagens do aparato ideológico necessários às transformações

econômicas do Brasil de 1860 a 1930 e na organização de Juiz de Fora, no mesmo

período. A industrialização e seu funcionamento como o surgimento do operariado,

imigração, saneamento, ferrovias, escolas, bancos e outros, opõe-se à ordem

remanescente da colônia. Percebe-se, no país, a formação de setores adeptos do

progresso científico, de valores e hábitos laicos; o país insere-se no capitalismo

monopolista.

Preocupa-nos a identificação dos rumos da atividade médica na sociedade

capitalista. A Medicina no Brasil colonial, exercida por barbeiros, práticos e parteiros,

teve sua adequação ao século XIX. Como outras instituições, as primeiras tentativas de

organizar o ensino médico estiveram entre as medidas administrativas do Príncipe D.

João, na tentativa de organizar 90 o funcionamento da Corte no Brasil. As Escolas de

Medicina do Rio e Bahia foram fundadas em 1813 e 1815 e a condição de ingresso

nestes estabelecimentos era o domínio da escrita e da leitura. Em 1829, criou-se a

Sociedade de Medicina com a incumbência de se analisar o ensino médico, sugestões

acatadas na Reforma de 1838. Passaram a constar dos Exames preparatórios 91 para o

ingresso nas Escolas de Medicina, o domínio de Francês, Inglês, Latim, Filosofia,

Aritmética e Geometria. Caracterizou-se o período pelo ensino retórico, livresco, e,

grandes dificuldades financeiras. O período de 1881-1888, conhecido como Reforma

Sabóia, é o da administração de Vicente Cândido de Figueiredo Sabóia na Faculdade

de Medicina do Rio de Janeiro. O ensino passou a enfatizar a prática médica, permitiu-

se o ingresso de mulheres e foi perpassado por discussões e o contato com as

descobertas do período, assunto falado anteriormente.

90 VALE, Vanda Arantes. Pintura brasileira do século XIX – Museu Mariano Procópio. Rio de Janeiro: EBA/UFRJ, 1995, p. 46.

91 SALES, P. História da Medicina no Brasil. Belo Horizonte: Editora G. Holman LTDA, 1971.

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A Reforma Sabóia ocorreu no momento de transformações na sociedade

brasileira que se tornaram evidentes com a Abolição (1888) e República (1889). A

discussão sobre a vinda e o emprego de imigrantes na substituição do escravo na

lavoura cafeeira, de 1870-1900, caracterizam o período como de transição para o

trabalho livre. Os lucros do café, oriundos da maior circulação de mercadorias no

mercado interno, instalação de bancos, construção de estradas de ferro e a mão de obra

tornada farta e barata pela imigração possibilitaram a instalação de indústrias em

diversos pontos do país, a exemplo, Juiz de Fora.

As Escolas de Medicina da Bahia e Rio de Janeiro foram organizadas e

reorganizadas ao longo do século XIX, inseridas no processo racionalizador capitalista.

Os ideários destes estabelecimentos foram as Revistas Médicas da Bahia e do Rio. Estas

publicações fundamentam-se no Evolucionismo e no Positivismo. Com Nina Rodrigues

(1894-1957), e outros da instituição baiana, dá-se destaque à preocupação de análise

racial e após os anos vinte, aos estudos de Medicina Legal- análise frenológica. No Rio,

os estudos voltaram-se mais ao saneamento e higiene. Em ambas, a população negra era

vista como um problema. As questões sociais teriam causas e tratamentos médicos,

como observou a Gazeta médica da Bahia, texto transcrito do estudo de Schwarcz - O

espetáculo das raças:92

A mestiçagem deve ser até certo ponto encarada psychologicamente como factor de degeneração. Entre nós, é constituída de elementos de várias procedências portadores de caracteres étnicos diversos e con-dições especiais que sob as influências mesologicas devem trazer uma perturbação do equilíbrio inobstavel. A mestiçagem extremada aqui encontrada... retarda ou dificulta a unificação dos typos, ora perturbando traços essenciais, ora fazendo reviver nas populações, caracteres atavicos de indivíduos mergulhados na noite dos tempos. É preciso mudar as raças... (GMB, 1923: 256).

Brasil médico, revista do Rio, conclui que a demência é um caráter racial

negro:

92 SCHWARCZ, Lilian M. O espetáculo das raças: cientistas e questão racial no Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 125-126.

A

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Claro está que um branco imbecil será inferior a um preto intelligente. Não é porém, com excepções que se argumenta. Quando nós referimos a uma raça, não individuallisamos typos dela, tomamol-a em sua acepção mais lata. E assim procedendo vemos que a casta negra é o atraso; a branca o progresso a evolução... A demência, é a forma em que mais avulta os negros. Pode-se dizer que tornam-se elles dementes com muito mais freqüência, por sua constituição, que os brancos... (BM, 1904: 178).

Ao longo do século XIX ,93 a prática médica criou para si uma postura e todo

um aparato institucional, de um modo orgânico, que lhe deu hegemonia, não apenas no

campo econômico, mas também no campo social e político. Gramsci afirma que:

(...) os intelectuais “orgânicos”, que cada nova classe cria consigo e elabora em seu desenvolvimento progressivo, são no mais das vezes, “especializações” de aspectos parciais da atividade primitiva do tipo social novo que a nova classe deus à luz.94

As observações de Gramsci se prestam à proposta de nosso trabalho que é a

identificação de Baú de ossos como fonte para o estudo da Medicina em Juiz de Fora.

Percebemos ao longo do livro, em análise, conflitos e confrontos entre a Medicina

popular e a Medicina Científica em luta por sua hegemonia. Como em outros aspectos,

práticas da Medicina colonial adentraram pelo Império. A organização do ensino

médico com as Escolas de Medicina do Rio e Bahia identificam propostas de

normatização e racionalização da prática médica. Entretanto, a sociedade,

predominantemente agrária, tratava-se com curandeiros, cirurgiões barbeiros, toda uma

mescla de práticas vindas de Portugal, misturadas com práticas indígenas e africanas.

Resultado da divulgação das “idéias científicas”, no Brasil, foi a proliferação de

publicações de manuais para o tratamento de doenças. Escritos por médicos,

destinavam-se a fazendeiros ou donas de casas. Foram muito populares 95 os textos de

João Batista Imbert , francês que em 1834 editou o Manual de Fazendeiro ou Tratado

Doméstico sobre as Enfermidades dos Negros, reeditado várias vezes. O dinamarquês

93 GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura; 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.

94 ------. p. 495 HERSON, Bella. Cristãos – novos e seus descendentes na Medicina brasileira (1500-1850). São

Paulo: EDUSP, 1996, p. 379.

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Theodoro J. H. Laamgard publicou em várias edições do Dicionário de Medicina

Doméstica e Popular, a segunda edição data de 1873. O estudo mais divulgado,

presente nas casas até a década de 30, foi o livro do polonês Pedro Luiz Chernoviz –

Formulário ou Guia Médico do Brasil - editado pela primeira vez em 1841.

Como falamos anteriormente, a Reforma Sabóia no ano de 1882 identifica novas

propostas do ensino médico, necessárias às questões do momento. Iniciam-se as

preocupações do Estado com a saúde coletiva, pois, as “febres” se transformaram em

impecilho para a imigração. A publicação Brasil Médico em 1895 apresenta um estudo,

o primeiro sobre demografia sanitária no país 96 onde identifica a tuberculose como

responsável por 15% das mortes no Rio; em ordem decrescente apareciam a febre

amarela, varíola, malária, cólera, beribéri, febre tifóide, sarampo, coqueluche, peste,

lepra e escarlatina, responsáveis por 42% das mortes na capital federal.

A “Febre amarela” era a doença que mais assustava os imigrantes, sendo os seus

maiores surtos de 1873 e 1876. A expansão cafeeira necessitando de imigrantes e o

crescimento da urbanização tornaram necessária a interferência do Estado nas questões

de saúde da população. Sales em História da Medicina no Brasil 97 identifica datas que

apontam para a organização da Medicina Social no Brasil. Cunha 98 identifica a

presença estatal na organização dos Hospícios em São Paulo-1852; Recife – 1861;

Salvador – 1874 e Porto Alegre – 1884. Adotando o caráter de “polícia médica” e de

controle sanitário, a República aumentou o número de órgãos públicos para o

tratamento da saúde e da doença.

Buscamos, ainda, em Sales, 99 datas indicadoras do Estado, tomando a si a

obrigação com questões de saúde. São fundadas Faculdades de Medicina 100 no Rio

Grande do Sul - 1898; Minas Gerais – 1911; Paraná e São Paulo – 1912. Iniciam-se as

pesquisas 101 sobre o beribéri com a Escola Tropicalista Baiana que também fez estudos

96 COSTA, Angela Marques da – SCHWARCZ, Lilian M. 1890 – 1914 – no tempo das certezas. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 118.

97 Op. cit.98 CUNHA, Maria Clementina Pereira. O espelho do mundo – Juquery, a história de um asilo. Rio de

Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 29.99 Op. cit. 163 – 164.100 ------. p. 183.101 ------. p. 179 – 184.

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sobre a febre amarela, cólera e esquitossomose. Em 1874, ocorrem tentativas de

organização do Instituto Vacínico em São Paulo que começou a funcionar em 1892;

em 1893, o Instituto Bacteriológico já fazia pesquisas no domínio da Zoologia e

Parasitológia e o Instituto Butantã que iniciou suas atividades, pesquisando a peste

bubônica, produzia, também, soros anti-ofídicos, anti-diféricos e outros. Ainda, nesta

província, destaca-se a atuação do sanitarista Vital Brasil (1865-1950).

Na ,então capital federal, Rio de Janeiro,102 o Instituto de Manguinhos, hoje

Oswaldo Cruz , teve a função de ser uma escola experimental para o estudo das

moléstias tropicais. A atuação de Oswaldo Cruz (1872-1917) no Governo Rodrigues

Alves, quando foi Diretor Geral da Saúde Pública, e sua política ficou marcada pelos

protestos populares contra a vacina obrigatória no episódio conhecido como Revolta da

Vacina em 1904. As campanhas de vacinação seguiam modelos de inspiração militar.

Exércitos 103 formados por brigadas e “mata mosquitos” entram nas casas em busca de

focos dos insetos que causam a febre amarela. Como vimos, anteriormente, Finley, em

Cuba, reconheceu o inseto transmissor da doença. Segundo Costa - Schwarcz,

comentando a época das grandes campanhas de vacinação:

(...) passam a ser ministradas em nome do bem geral da nação, a despeito das tensões que esta prática acabava gerando. Impostos de forma abrupta, como se medicasse um paciente, em coma – sem estado de consciência ou arbítrio.104

Sidney Schalhoub em Cidade Febril – cortiços e epidemias na corte imperial

estuda as propostas de higiene veiculadas ao final do Império e início da República.

Atenta para a identificação que se faz entre pobreza e perigo, pois os pobres

ofereceriam a ameaça de contágio. Segundo Chalhoub:

(...) os intelectuais – médicos grassavam nessa época como miasmas na putrefação, ou como economistas em época de inflação: analisavam a “realidade”, faziam seus diagnósticos, prescreviam a cura, e estavam sempre inabalavelmente convencidos de que só a receita poderia salvar o doente . 105

102 ------. p. 186 – 189.103 Op. cit. p. 223 – 224.104 Op. cit. p. 121.105 CHALHOUB, Sidney. Cidade febril – cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo:

Companhia das Letras, 1996, p. 29.

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A Medicina Social 106, no Brasil, foi sendo organizada ao longo do século XIX e

XX. Em 1809 o Príncipe Regente criou o cargo de Provedor-Mor da Saúde e da Corte

do Brasil com o objetivo da fiscalização do exercício da Medicina e vigilância dos

portos. O decreto de 1828 responsabiliza as Câmaras Municipais pelos serviços de

higiene. No segundo Império, volta-se à centralização com a Inspecção de Saúde dos

Portos e Comissão Central de Saúde Pública. Com a epidemia de febre amarela, em

1840, foi criada a Junta de Higiene Publica, na corte, associada ao Instituto Vacínico e à

Inspetoria de Saúde, representados nas províncias pelas comissões de Higiene Pública.

Em 1851, a Junta Central de Higiene centralizou os serviços através de Provedorias e

Comissões de Higiene nas províncias, no mesmo ano são proibidos os enterros em

igrejas.

Em fins do Segundo Império, houve o desdobramento da Junta Central em

Inspetorias de Saúde e Higiene Públicas. Em 1886, foi criado o Conselho Superior de

Saúde Pública e elaborado um código de posturas subordinado diretamente ao

Ministério Público. Com a República, intensifica-se a ação do Estado. Em 1890, a

Diretoria Geral de Higiene atuava nos estados através do Inspetor de Higiene em cada

capital e Delegado de Higiene em cada município. A Constituição, em 1891,

estabeleceu o regime federativo o que significou, para a saúde, a autonomia e

responsabilidade dos estados dos serviços de Higiene. A centralização retornou no

governo Rodrigues Alves (1902-1906) em decorrência de epidemias e a “febre amarela

dizimando vidas e o prestígio do Brasil”107

O Decreto n.º 96, de 2 de janeiro de 1903, transferiu para a União todas as

questões de higiene da capital federal. Em 5 de janeiro de 1904, Rodrigues Alves

sancionou o decreto legislativo 1.151 com 316 artigos, trabalho de Oswaldo Cruz ,

criando a Diretoria Geral de Saúde Pública com delegacias nos estados. Foram

concedidas prerrogativas às autoridades 108 de “tomar as medidas repressivas

necessárias”, “o fechamento e interdição de prédios , obras e construções”. Em

decorrência das medidas, “os prédios serão desocupados amigável ou judicialmente

106 SALES, Pedro. Op. cit. p. 201 – 202.107 ------. p. 204.108 idem

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pelos inquilinos dentro de um a oito dias, demolidos e reparados pelos proprietários no

prazo que lhes for assinado”. Em 1907 Oswaldo Cruz comunicou que a febre amarela,

como epidemia, deixara de existir. A identificação de pobreza-falta de higiene-doença é

uma constante no discurso médico. Nava conheceu o sanitarista Belizário Pena em Juiz

de Fora e comenta:

(...) Não se sabia onde terminava o apóstolo e começava o charlatão; onde terminava o higienista e principiava o caixeiro-viajante do vermífugo, naquela bolinha humana de largura igual à altura que percorreu o Brasil como uma espécie de pregador, de mestre, de camelô, de messias, de orador popular, de empresário e redentor – gozado e sublime! falando a crianças, a adultos, a velhos; discursando nos grupos escolares, nos ginásios, nas faculdades, nas ruas, nos cinemas (como assisti em Belo Horizonte, aí pelos vinte, no Odeon, onde ele urrava: “Dizem que sou caixeiro-viajante! Sou! Sou o caixeiro-viajante da higiene! Caixeiro- viajante da saúde! Sou e sou!”); orando a analfabetos e a homens cultos; ao povo e aos políticos; a governados e governantes; nas fazendas, nas cidades; no Norte e no Sul – ensinando seu Evangelho: “Botina, necatorina e latrina!” Nada de pés descalços por cujas solas penetra a larva filariforme depois da terceira muda...Botina, meus senhores! Abaixo os remédios caseiros, as receitas de comadres, as garrafadas, as coajinguvas, os cozimentos e as pévides de abóbora...necatorina, meus amigos! Necatorina e só Necatorina...Necatorina Merck, cápsulas gelatinosas de tetracloreto de carbono puríssimo, fabricadas por Merck, nos laboratórios de Darmstadt, na Alemanha, representados no Brasil, exclusivamente por Daudt, Oliveira & Cia. E sobretudo nada das cagadas ao vento dos campos, à margem dos rios, em touceira de banana... Buraco no chão, fossa sanitária, latrina, sempre latrina, só latrina, minha excelentíssimas senhoras!109

As questões relacionadas com a saúde em Juiz de Fora serão por nós

identificadas em textos do Baú de ossos e de outros autores. Em artigo denominado

Juiz de Fora à Vol D’oiseau publicado em 1892 encontramos algumas observações que

apontam para a questão. O progresso da cidade é reconhecido, mas, pode ser ameaçado

por doenças, problema identificado e soluções são propostas. Apresentaremos trechos

do artigo 110 ( em itálico) que é assinado por Nemo . Após, os mesmos, faremos

comentários, nossos e de outros autores:

109 op. cit. p. 266 – 267.110 ALMANAK de Juiz de Fora. Juiz de Fora: Leite Ribeiro & Companhia, 2º ano, 1892 (p. XIV –

XXIV)

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Não conta ainda meio seculo de existencia a mais bella, a mais prospera e a mais adeantada cidade mineira.(...)A’ circumstancia de haver sido edificada a pouco, deve a Juiz de Fóra a preciosa vantagem que bem poucas cidades do Brasil possuem, de serem perfeitamente alinhadas todas as suas ruas, subordinadas ao plano traçado pelo finado commendador Halfeld, e de serem geralmente suas casas construidas de tijolo, mais elegantes e confortaveis.

O prédio, hoje, sede do Museu Mariano Procópio, concluído em 1861, é um

ícone das propostas das forças econômicas, atuantes, na cidade. Construído em tijolos

aparentes, revive formas do passado e usa material industrializado. Construção oposta

às de pau-a-pique da colônia. Este tipo de construção foi muito presente, na cidade,

fábricas com modelos ingleses, palacetes e vilas operárias adotaram os tijolos aparentes.

Pela industrialização, hábitos e arquitetura, a cidade, no período, recebeu o epíteto de

“Manchester Mineira”.

(...)A rua Direita que tem mais de 140 palmos de largo, mais de 2 Kilometros de extensão e onde se encontram magnificos predios e alguns bellos jardins - é a principal arteria da cidade, o seu boulevard rectilineo, offerecendo o mais gracioso aspecto.

Falando da atual Avenida Barão do Rio Branco, percebemos, na descrição,

aspectos que identificam a influência francesa no projeto urbanístico da cidade. As

propostas de Haussmann, em vários pontos da América Latina, neste momento,

tornaram- se, nas cidades, a visibilidade das propostas de liquidação dos resquícios

coloniais.

(...)Cidade essencialmente moderna, foi aos poucos tornando-se um centro de attracção das duas forças, invenciveis quando reunidas e intelligentes, - o capital e o trabalho - que elevaram-na ao gráo de riqueza e prosperidade, de que justamente se ufana. - Vamos tentar descrever a vol d’oiseau a cidade yankee, felizes, se o exemplo de seu desenvolvimento servir de estimulo a suas irmãs além Mantiqueira, onde todos reconhecem e lastimam na falta de iniciativa individual a causa única de seu estacionarismo quasi completo.

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Identifica como razão do progresso forças do capitalismo, ausentes em antigos

núcleos coloniais. Contudo, vê, na cidade, problemas que necessitam de solução para

torná-la verdadeiramente moderna. O texto transcrito, a seguir, aponta para os entraves

à modernização da cidade. As observações do jornalista (pântanos) serão discutidas em

diversos momentos da História de Juiz de Fora. O jornalista prossegue em suas

observações:

(...)- Ainda possue Juiz de Fóra o seu pantano e o seu cemiterio, que tanto contribuem para alimentar o injusto descredito que no espirito de muitos constituem os senões da famosa cidade, julgando-a insalubre, o que é, de resto, cabalmente desmentido pela estatistica. – Ambos situados á margem da estrada de ferro Central, contribuem para que o viajante, ao entrevêr a povoação através desse véo, seja muitas vezes injustos nas suas apreciações, de que se penitenciou um illustre mineiro, quando, ao percorrer, pela primeira vez a cidade, que sómente avistára do wagon, disse convencidamente: Juiz de Fóra é cem vezes melhor do que eu suppunha!

Historiza a formação do pântano:

(...)A historia da formação do pântano não se vincula á geologia, e sim á administração publica. – Ao chegar ao começo da povoação, observou a engenharia da antiga Pedro II que o rio Parahybuna formava um arco, vindo margear, á esquerda, a estada União e Industria, onde está hoje a rua Marechal Deodoro. Entre edificar duas pontes para chegar á futura estação, e mudar o curso do rio, atirando-o para a direita do traçado da linha férrea, escolheu-se o alvitre mais barato, embora ficasse entre a cidade, em frente á cadeia e a ferro-via, uma consideravel depressão, por onde passa o corrego da Independencia, sendo então esse terreno chrismado com o nome de pantano.

Os pântanos, desde fins do século XVIII eram considerados locais de criação de

“miasmas”. Emanações de regiões pantanosas produziriam “maus ares”,111 responsáveis

pelo aparecimento da malária. O cólera seria produzido por águas turvas e estagnadas.

A proximidade de Juiz de Fora com o Rio, especificidades de sua urbanização, fizeram

com que, os habitantes da cidade, ficassem conhecidos, jocosamente, como “cariocas

do brejo”. Cremos que a expressão tenha se originado da existência destes terrenos que

111 SCLIAR, M. op. cit. p. 152.

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constantemente estavam alagados. Situados na parte mais baixa da cidade, às margens

da ferrovia, como vimos, era a primeira vista da cidade pelos que chegavam pelo

transporte da época. Em outro momento do texto, voltaremos a mencionar esta questão.

O clima da cidade e os “pântanos” foram responsáveis pelo parecer desfavorável

da comissão que buscava local para a instalação da nova capital de Minas Gerais. A

publicação de autoria do médico Ambrózio Vieira Braga, datada de 1894, com o título

– O clima de Juiz de Fora- segundo parecer do médico hygienista da commissão

technica que estudou as localidades indicadas para a Capital de Minas – refuta as

acusações de insalubridade atribuídas à cidade. Faremos algumas considerações sobre

este texto. 112 O autor afirma que Juiz de Fora foi difamada no Congresso Mineiro

realizado em Barbacena (não diz o ano) onde se afirmou que Juiz de Fora é um foco de

paludismo.

Braga argumenta em defesa da salubridade da cidade e fala das discussões

envolvendo a questão na Sociedade de Medicina e Cirurgia de Juiz de Fora. Mostrando

erudição fala de regiões alagadas e pantanosas de diversos países, a exemplo, Holanda.

Contesta os argumentos relacionados à superficialidade do lençol d’água como

elemento de insalubridade. Dentre as várias observações de Braga, destacamos a

exposição das opiniões sobre a cidade:

Logo na primeira página do relatório médico está encerrada a mais grave e seria accusação formulada contra o clima de Juiz de Fora pelo autor desse relatório, isto é, - o paludismo. Ahi com effeito affirma elle que- “Juiz de Fora, a primeira Cidade de Minas em indústria, commercio e diversas manifestações da actividade humana – a Manchester Mineira – está edificada em solo conquistado aos pantanos pelos trasbordos do Paraybuna, - que sua população naquelle afan de progresso e engrandecimento é frequentemente detida pelo paludismo sob multiplas formas, sendo no receituario dos clínicos do lugar empregados systemática e empiricamente os saes de quinina contra todas as molestias.113

112 BRAGA, Ambrózio Vieira. O clima de Juiz de Fora . Segundo o parecer do medico hygienista da comissao technica que estudou as localidades indicadas para a Capital de Minas. Connsiderações sobre este parecer. Juiz de Fora: Typ. Do Pharol, 1894.

113 -----. p. 22

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No texto de Braga, vemos como, ainda, não era dominante a constatação da

importância do contágio nestas doenças. A argumentação de Braga centra-se na defesa

do clima. As discussões sobre o contágio eram recentes. Argumenta, ao longo do texto,

contra o parecer da Comissão e conclui:

Por motivos políticos poderia não ser esta Cidade o melhor ponto para a futura capital do Estado, - condemnai-a porém por uma insalubridade deduzida de apreciações deficientes e que não condizem com a verdade dos factos, é uma injustiça que não póde ficar sem protesto.114

Voltando ao texto sobre Juiz de Fora:

A Companhia Mineira de Electricidade, fundada pelo benemerito mineiro Bernardo Mascarenhas, dotou a cidade com o mais aperfeiçoado systema de illuminação publica, e que offerece as vantagens de ser a luz mais brilhante, sem o menor risco de incendio e inteiramente fixa.

A cidade reivindica para si o pioneirismo do uso da eletricidade. A luz elétrica é

um dos símbolos do mundo industrial, dia e noite se confundem, vencida a natureza.

Está em Juiz de Fora a “Primeira usina hidroelétrica da América do Sul”. O texto trata,

também da educação na cidade:

A Academia de Commercio, que esta em contrução a cargo da Companhia Constructora Mineira e sob a fiscalização do distincto engenheiro dr. A. Parreira Horta, pela sua planta tem de se tornar o mais vasto e mais elegante edificio de Minas. E' um monumento a que está destinado duplo fim: preparar a mocidade no ensino technico commercial, (que é hoje uma das maiores necessidades de um paz que importa quasi tudo e quasi tudo falsificado), e que constitue ao mesmo tempo o mais nobre documento de haver a população avaliado o que de patriotismo, de abnegação e força de vontade encerra esse projecto, cuja iniciativa e realização se devem aos esforços do benemerito mineiro Francisco Baptista de Oliveira. Seria augmentar consideravelmente a extensão desta noticia, offerecer a relação de todos quantos se têm esforçado para o auxiliar no empenho de erguer em Minas a primeira Academia de Commercio que vae possuir a America do Sul. O edificio está situado na parte mais elevada da cidade, e deve receber apenas 50 alumnos internos.

114 idem.

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O autor não menciona o Colégio Granbery, instituição de orientação metodista,

As propostas e a História do Granbery e Academia de Comércio identificam modelos

educacionais conflitantes na cidade .Os textos de Christo ,já mencionado, e o de Lola

Yasbeck – As origens da Universidade de Juiz de Fora 115, estudam os projetos destes

estabelecimentos de ensino e a importância dos mesmos na História da educação da

cidade. Sobre a industrialização da Manchester Mineira:

De modo consideravel contribuem tambem para expandir o commercio e a industria de Juiz de Fóra as suas fabricas de tecidos, calçados, cervejas e agua gazoza, moveis e outras, sendo que algumas dessas empresas, como a Mechanica Mineira e a Chimico-Industrial, estão edificando primorosos edificios.

Estes aspectos da cidade, têm sido estudados, fato mencionado, anteriormente.

Sobre o cuidado com os doentes o artigo menciona:

Merecem a mais honrosa demonstração de sympathia a casa de Caridade e o Asylo de Mendigos, (este ainda em construção), não só pelo fim altamente humanitario que visam, como tambem pela maneira particular pela qual desempenham essa missão sagrada. A casa de Caridade é uma instituição pauperrima, possuindo apenas 12 apolices da divida publica; mas essa consideração não é sufficiente para impedir que no modesto estabelecimento se recolham annualmente mais de 300 enfermos, grande numero dos quaes vindos de outros pontos. Pensam bem esse benemeritos e incansaveis protectores da enfermidade indigente. A caridade não deve reconhecer limites geographicos e as casas de misericordias desviam-se do seu fim, quando revelam mais orgulho ao mostrar as centenas de apolices que possuem, do que a relação dos desgraçados que acolhem.

Sobre a Santa Casa de Misericórdia, o autor noticia uma instituição para cuidar

de inválidos pobres., resquício colonial português. A organização da instituição pelo

Barão de Ibertioga data de 1866 como o nome de Casa da Misericórdia. Por cláusulas

regulamentais a administração foi colocada sob a responsabilidade da Irmandade dos

Passos. Com o falecimento do fundador a Câmara Municipal, cobra da irmandade,

reparos no estabelecimento.. Hospitais, ainda, eram lugares para desvalidos sociais, a

não eram lugares de tratamento de recuperação da saúde. Somente em 1907, com o Dr. 115 YAZBECK, Lola. As origens da Universidade de Juiz de Fora. Juiz de Fora: EDUFJF, 2000.

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Hermenegildo Villaça em Juiz de Fora e com Marques Lisboa (1906) e Hugo Werneck

(1907), em Belo Horizonte, temos notícias da organização da moderna cirurgia em

hospitais de Minas Gerais. As Santas Casas transformam-se, então, em instituições de

tratamento de doentes. No texto que transcreveremos, a seguir, Nava trata de um

episódio que envolve uma cirurgia em Juiz de Fora no ano de 1905:

(...) Alice. Doce e branca. Era filha de meus tios Luna Freire. Estava passando tempos em Minas. Uma tarde veio coxeando do colégio. Não é nada não, Mamãe, só uma dorzinha fina aqui em baixo... Vai passar. Passou nada. Foi é engrossando, a febre subindo e a barriga endurecendo. Era tempo de nó na tripa e logo o Dr. Dutra chegou querendo dar um clister elétrico. O Dr. Beauclair sugeria, antes, um gole de azougue de quatro em quatro horas para o peso, empurrando, forçar a massa a descer e assim desentupir. O Dr. Vilaça preferiu abrir. A operação foi na nossa sala de jantar, a menina deitada numa escrivaninha, anestesiada a cloretila por meu Pai. Pus, em torrente, da fossa ilíaca direita. Hoje chama-se apendicite supurada e no caso de minha prima, apesar das injeções de electrargol, a coisa terminou em septicemia e morte. Não tenho disso o conhecimento do que contava minha Mãe, que ajudara no ato fervendo guardanapos na cozinha. Cirurgia de 1905.116

Sobre a pobreza na cidade, o articulista assim trata a questão:

O Asylo de Mendigos, que actualmente edifica-se em optimo local, é um monumento que ao proprio nome levanta seu infatigavel e benemerito fundador, que consagra seu tempo e dedicação inteira a essa instituição de caridade, destinada a abrigar em seu seio os que na escada da desventura resvalaram ao ultimo degráo. Entretanto julgamos que a população de Juiz de Fóra deve protestar contra a denominação do edificio chrismando-o com o titulo de Asylo Padre João Emilio. - E' o único meio de vincular-se ao estabelecimento o nome respeitavel do sacerdote que o fundou, a exemplo do que se vê frequentemente em todos os paizes civilizados.

Sobre a construção do Asilo Padre João Emílio, encontramos informações no

artigo de Paulino de Oliveira – Sociedade de Medicina e Cirurgia de Juiz de Fora 117. A

referida instituição, em 1890, fez pronunciamento sobre a construção de um asilo pela

Sociedade Protetora da Pobreza na Rua Antônio Dias. Um dos diretores da entidade

assistencialista, Padre João Emílio , assim se pronunciou sobre o parecer médico:

116 Op. ct. p. 235117 op. cit. 129

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(...) a Sociedade de Medicina e Cirurgia, que vela zelosamente pela salubridade desta florescente cidade, entendeu aconselhar-me para que não construísse o referido asilo no supracitado terreno, por estar no centro da cidade e ser um foco de infecção que pode mais tarde causar inconvenientes à higiene pública.118

A Sociedade se pronunciou sobre a questão, sem ser solicitada pelas autoridades

municipais. Ainda, assim, foi atendida, pois, a construção já iniciada foi embargada.

Sobre a construção do asilo no atual bairro Alto dos Passos, hoje, Asilo João Emílio, a

instituição médica se pronunciou tranqüilizando a vizinhança. Argumentou que o

terreno era elevado e arejado tendo os quesitos necessários à salubridade.

Conclui o artigo:

Uma cidade moderna, industrial, habitada por uma população laboriosa, morigerada, que acolhe com sympathia todos quantos vêm compartilhar sua existencia, tendo deante de si um immenso futuro - tal é Juiz de Fóra a vol d'oiseau e tal, satisfazendo a um lisongeiro convite, eu tentei descrevel-a ao correr da penna.

NEMO. ”

Nava, como já mencionamos, reconstitui a trajetória profissional de seu pai, José

Nava, em Baú de ossos. Na biografia deste médico estão as questões que envolveram

as relações Medicina e sociedade brasileira no período. Transcreveremos a

reconstituição que Nava faz da Medicina em Juiz de Fora e, posteriormente,

buscaremos contextualizá-la. Destacaremos a atuação da Sociedade de Medicina e

Cirurgia de Juiz de Fora, fundada em 1889 pelos médicos João Nogueira Penido e

Romualdo César Monteiro de Miranda.

Falando sobre o discurso de João Nogueira Penido na reunião inaugural da

instituição:

Tinha 67 anos quando, sob sua presidência, instalou-se, a 20 de outubro de 1889, a Sociedade de Medicina e Cirurgia de Juiz de Fora. Seu discurso de abertura é uma ode às últimas conquistas de Arte, que ele enumera entusiasmado: a anestesia pelo clorofórmio; a aplicação

118 idem.

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por via hipodérmica, segundo a técnica de Pravaz; o achado da me-dicação antitérmica; o advento das idéias de Pasteur sobre a fermentação , os proto-organismos e suas conseqüências - a antissepsia pelos corpos da série aromática, ácido carbólico à frente e as inoculações pelos vírus atenuados. Depois dele, falou o Dr. Eduardo de Menezes, sabichão, citando, além de Hipócrates e Bichat, os moderníssimos Orfila, Brown – Séquard, Claude Bernard, Lépine, Charcot e Bouchard.119

(...) Os sucessores do prestígio do velho Penido, dentro da mesma, foram o Dr. Hermenegildo Vilaça. O primeiro, internista, viera da Escola de Torres Homem e fora adjunto de Clínica Médica na Faculdade do rio, exonerando-se em 1890, por motivo da moléstia que o obrigou a procurar o clima de Juiz de Fora. O segundo, operador, deu enorme desenvolvimento à Cirurgia, de que é figura patronímica na cidade e na Zona da Mata. Além desses dois colegas eminentes, meu Pai teve como companheiros na Sociedade, de 1904 a 1909, os doutores João d’Ávila, Duarte de Abreu, Cristóvão Malta, José Dutra, Belisário Pena, José de Mendonça, Ambrósio Vieira Braga, José Cesário Monteiro da Silva, Lindolfo Lage, Henrique de Beauclair, Cornélio Goulart Bueno, Leocádio Chaves, Edgar Quinet de Andrade Santos, Sousa Brandão, José Procópio, Afonso de Morais, Cristóvão Pereira Nunes, Emílio Machado Pereira, Azarias de Andrade, Antônio Goulart Vilela, Ernesto Senra, Fernando de Moraes, José Loures, Ribeiro do Couto, José Peregrino, Las Casas dos Santos, Silva Gomes, Meton de Alencar, Rubens Campos, Aristóteles Dutra, Jaime Gonçalves e Agostinho de Magalhães; os farmacêuticos José Rangel, João Augusto de Massena, Bernardino de Barros, Altivo Halfeld, Carlos Barbosa Leite, José Augusto Pinto de Moura e Felipe Paletta; os dentistas Carlos Gerin, Agnelo Quintela, Antônio Dias de Carvalho, Otoni Tristão, Paulino Bandeira e José Horta; e o veterinário Epaminondas de Sousa.120

Transcrevemos os nomes dos profissionais ligados à saúde, atuantes em Juiz de

Fora, pois a trajetória dos mesmos é fundamental ao nosso trabalho. Além de médicos,

muitos foram professores, fazendeiros, jornalistas e políticos na cidade. O estudo destas

biografias alargam o entendimento do papel social dos profissionais, ligados à saúde.

Neste texto, não aprofundaremos neste aspecto, pois, aqui, pretendemos, tão somente,

apresentar a questão que pretendemos continuar pesquisando. Contudo, lembraríamos

que os trabalhos de Andrade, Christo, Oliveira e Yasbeck contribuem com

informações sobre as atividades desses profissionais.

119 op. cit. 288 – 289.120 Op. cit. 291.

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A preocupação da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Juiz de Fora com a

Higiene e o Saneamento mostram o alinhamento de seus membros à orientação de

Oswaldo Cruz no Rio. Dentre as várias lutas da Sociedade junto à municipalidade, Nava

destaca:

A esses beneméritos, ao seu trabalho na Sociedade e a sua ação social, Juiz de Fora, ficou devendo a luta contra o pó, pelo calçamento; a elevação dos planos das Ruas Santa Rita, Conde d'Eu e do Sapo, para as mesmas poderem receber os tubos de esgoto e de abastecimento d'água; a secagem e aterro do pântano da cadeia, resultante do corte feito no Paraibuna pela Estrada de Ferro D. Pedro II; 121

(...) a maior difusão da vacinação anticarbunculoiiia em Minas; a introdução da vacinação sistemática contra a varíola, o saneamento dos cortiços e o primeiro plano de habitação popular e proletária; o protesto contra a instalação de fábrica dentro do perímetro urbano e contra a imunda vala que servia para o despejo da Cervejaria Kremer; a melhoria das condições do "lazareto", onde a enfermagem era exercida por uma vagabunda e ébria "sacerdotisa de Vênus e Baco", no dizer do Dr. Sivmpaio.122

121 Op. cit. 289.122 -------. 287 – 288.

iii

iv

A obra

História social da cultura em Minas Gerais: Pintura brasileira do século XIX – Museu

Mariano Procópio e Medicina e sociedade brasileira (1860-1930) – Baú de ossos,

da autoria de Vanda Arantes do Vale, publicada pela

Clio Edições Eletrônicas

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A Sociedade de Medicina e Cirurgia teve também a preocupação de combater o

exercício da profissão por leigos. Preocupou-se em intervir na política administrativa do

estado e da cidade, como observou Nava:

[...] lutou ainda contra o exercício ilegal da farmácia, compeliu o Governo do Estado a dar um Delegado de Higiene à cidade e constituiu uma comissão de contato com a imprensa (hoje diríamos de relações públicas), procurando interessá-la nos problemas sanitários e, por seu intermédio, esclarecendo e educando a população. Instituiu

foi editada e formatada com a seguinte configuração:

tamanho do papel: A – 4,

orientação: paisagem, margens: 1,5cm,

medianiz: 0 cm,

distâncias do cabeçalho

e rodapé em relação à

borda do papel: 1,25cm.

O texto foi digitado em

Word para Windows,

Versão Tich Text Format

com fonte Times New Roman 14,

espaço simples e recuo de parágrafo de 1,27 cm.

Os direitos desta edição são propriedade da autora. Esta obra pode ser obtida

gratuitamente através da Clio Edições Eletrônicas <

http://www.ufjf.br/~clionet/clioedel> e reproduzida eletronicamente ou

impressa desde que para uso pessoal e sem finalidades comerciais e não sofra alterações

em seu conteúdo e em sua estrutura eletrônica.

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um prêmio permanente à apresentação periódica de um trabalho sobre a Climatologia, Patologia, Demografia, causas de insalubridade e plano de saneamento da cidade de Juiz de Fora, para o fornecimento de cujos dados, viu-se a Câmara obrigada a proceder aos primeiros recenseamentos bem planejados.123

José Nava foi atuante na instituição:

(...) Meu Pai aparece em suas atas, apresentando casos ou discutindo os de seus pares e dando suas opiniões sobre medidas higiênicas para a admissão de crianças nas escolas com atestado de saúde; discussão da mudança e escolha de novo local para a instalação para o Cemitério Municipal; profilaxia do paludismo e febre-amarela, por extinção do mosquito; organização e verbas da Santa Casa; estudo sobre a Maternidade de Laranjeiras, resultado de um estágio de viagem; higiene de gêneros alimentares; segredo médico, etc., etc. É um dos pioneiros da discussão da idéia da criação de uma Faculdade de Medicina em Juiz de Fora e, entusiasmado com os estudos de Chagas, propõe que a sociedade receba em sessão solene o jovem sábio que passou depois dessa recepção, a freqüentá-la todas as vezes que ia a Juiz de fora em visita a seus parentes e da mulher, ou para caçar macucos com João Penido Filho, Teodorico de Assis, Hermenegildo Vilaça e Albino Machado.124

José Nava junto com o farmacêutico José Rangel foi secretário da SMCJF de

1904 a 1907. Em Juiz de Fora, no breve período de 05 anos José Nava :

Meu Pai, Foi Diretor da Higiene Municipal em Juiz de Fora, nos períodos de administração dos Drs. João d’Ávila e Duarte de Abreu; princípios de 1903 até dezembro de 1907. Coube-lhe, nesse cargo, apoiar e fiscalizar as feiras rurais que realizavam nos arredores da cidade e socorrê-la durante o verdadeiro flagelo que foram as enchentes de 1906. O Paraibuna furioso invadiu a parte baixa da zona urbana, transformando-a numa espécie de Veneza, em que se andava de barcos quase até a Rua de Santo Antônio. 125

(...) Mas o principal serviço prestado por meu Pai a Juiz de Fora foi ter erradicado dali a febre-amarela, introduzindo as medidas preconizadas pela Teoria Havaneza, como ele próprio disse em correspondência enviada ao Brasil-Médico, a 14 de abril de 1903:

123 -------. p. 290.124 -----. p. 291.125 -----. p. 292.

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De acordo com os processos seguidos pela higiene moderna, tenho tomado todas as medidas de precaução, fazendo queimar piretro nos aposentos, aconselhando o uso de cortinados, promovendo a destruição das larvas do Stegomya nos sifões das ruas e nos pântanos.126

Além de Diretor da Higiene, meu Pai foi, em Juiz de Fora, Presidente do Liceu de Artes e Ofícios; Professor de Terapêutica e Matéria Médica da Escola de Odontologia do Granbery –o que o coloca entre os pioneiros do ensino paramédico e de que resultou o médico, na cidade; e diretor do Hospital de Isolamento Santa Helena, que ele refundiu e de que varreu tudo o que ficara do antigo lazareto.127

Por não querermos interromper a narrativa de Nava, razões estéticas, limitamo-

nos a pequenas interferências na sua narrativa. Agora, faremos algumas observações

sobre os fatos relacionados com as questões que envolvem a Medicina na cidade,

consultando os textos de Paulino de Oliveira e a imprensa da época. A primeira notícia

de epidemia na cidade data de 1855 128 e a localidade contava somente com um

profissional, Pedro Maria Halfeld. O progresso da cidade é reconhecido mas, por

“culpa” do pântano é um foco de varíola e tifo, o único lugar considerado saudável é o

atual bairro Alto dos Passos.

Várias epidemias assolaram a cidade, a última, de varíola, em 1874, estendeu-

se , também, aos distritos. Consultando Oliveira,129 temos a informação de que as

inundações em Juiz de Fora foram presentes até os anos 40 do século XX. Em vários

momentos foram feitas obras de drenagem e contenção do Paraibuna. A solução

definitiva, desta questão, deveu-se aos trabalhos iniciados na administração de Eduardo

de Menezes Filho em 1937

A doença e morte aos 11 anos de idade da tia materna Matilde Luisa em 1889,

mesmo ano da fundação da Sociedade de Medicina e Cirurgia mostra do que se adoecia,

como se tratava e de que doenças se morria no período:

126 idem127 ------. p. 294.128 OLIVEIRA. 1966, p. 93 – 94.129 ------. 1969, p. 97 – 98.

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(...) Exatamente como relata até hoje minha tia Iaiá, que a tudo assistiu e que de tudo se lembra apesar de, na ocasião, ter apenas sete para oito anos. Tinha onze, e, 1889, quando a magra bateu novamente à porta de seu pai. Queria desta vez a Matilde Luisa. Começou aquela luta. A menina deperecendo e queimando no fogo lento da febre tifóide. A família sem dormir. Os pais em lágrimas. O Dr. Penido e o Dr. Romualdo fazendo o impossível . O primeiro suprimiu a água. O segundo, tudo quanto levava carne e ovo. Só um caldo de lima pela manhã. Só uma caneca de sopa de arroz pela tarde. Mais nada, mais nada! dieta absoluta! Isso e mudança de ares. Que fossem para a serra. A serra era três quarteirões acima. E lá se foi a menina na sua caminha coberta de filó, como um andor de Senhor Morto, aos ombros de quatro negros, para os altos da Rua Halfeld, onde o Major tomara casa perto da do Dr. Feliciano Pena. Lá é que lhe morreu a filha, apesar da injeção muscular de cafeína que lhe fizera o Dr. Penido (para ver a audaciosa intervenção e o manejo da seringa de Pravaz, estavam presentes os doutores Romualdo, Menezes, Ambrósio, Ávila, Comenale, Lindolfo; os farmacêuticos Fassheber, Balbino, Halfeld; o dentista Raul Alves; curiosos como o Barão de Santa Helena, o João Crisóstomo e o jornalista José Braga, que queria contar o caso no Pharol). O enterro saiu acompanhado por todas as meninas do Colégio Alvarenga, onde estudava tia Iaiá, e do Externato das professoras Onofrina Silva e Olímpia Hungria, onde estivera a defuntinha e estava minha mãe. Antes do saimento, minha avó tirou uma flor de pano de cada coroa. Conheci essas flores que circundavam o retrato da tia morta menina, uma ampliação a fusain, dentro da moldura funda, pendurada na sala de visitas da Rua Direita 179.130

O estatuto da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Juiz de Fora identifica as

propostas de atuação dos profissionais que, ao se organizarem em torno de uma

instituição, traçam estratégias de atuação junto a sociedade:

Art. 1º: a) celebrar sessões em que se discutam assuntos de Medicina e Cirurgia de doentes, epizootias, etc.; b) estudar as causas permanentes ou transitórias de insalubridade da cidade de Juiz de Fora e seu Município ou de qualquer outra localidade e aconselhar medidas provisórias ou definitivas para removê-las ou atenuá-las, protestanto contra as que forem provadamente nulas ou prejudiciais; c) concorrer para o progresso das ciências supra-indicadas e para o cultivo intelectual de seus membros, pela criação de uma biblioteca, de museus, revistas, laboratórios, etc.; d) defender os interesses da classe médica e das outras a que pertencerem os membros da Sociedade.131

130 Op. cit. 329.131 OLIVEIRA. 1969, p. 97 – 98.

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No Capítulo IV – Rio Comprido – Nava narra a mudança da família para o Rio

onde a mãe foi acometida de febre puerperal em 1910 ; os comícios rurais

organizados pelos positivistas; a admissão de José Nava como médico legista da

polícia , a contaminação do mesmo por uma paciente com difteria que o leva à morte

por broncopneumonia infecciosa em 1911; retorno e chegada da viúva para Juiz de Fora

com quatro filhos, grávida da quinta filha que nasceria dias depois. O último episódio

do Baú de Ossos relacionado com a Medicina, envolve a doença e morte de José Nava

em 1911:

(...) Assim é que naquele 30 de junho ele foi ver, na Rua Honório, uma criança com difteria. Aquele frio e aquela umidade com que às vezes o Rio capricha e que era, nefastos ao seu peito amarrado pela asma. E logo, meu Deus! Crupe, a moléstia que ele tinha horror de trazer para os filhos. Voltou impressionado com o que assistira, do menino queimando em febre e morrendo, todo azulado, do estragulamento do garrotilho...(...) No quarto ele tomou o clássico leite pelando, com conhaque, mas quem disse que aquela chapueraba evitava gripe? Veio primeiro, o esperado acesso de asma e às onze da noite o termômetro já tinha subido, como um foguete para 40 graus centígrados. E aquele arrepio, aquele bater de queixos. Não estou me sentindo nada bem. Vocês chamem o Duarte ou o Luna porque eu vou ter algum. Hoje não, que não quero incomodar ninguém a esta hora e com esse tempo. Amanhã cedo. Vieram os dois. Antipirina. Poção de Todd. Cataplasma de mostarda. No terceiro dia as coisas se definiram e o Dr. Duarte de abreu enunciou o diagnóstico. Augusto e solene como um verso. Broncopneumonia gripal infecciosa. E nem ele nem o Adolfo estavam satisfeitos. Ainda se fosse num homem forte, vá lá...Mas numa criatura fraca, esgotada por dois concursos, pelo excesso de trabalho, num asmático que sufocava cada noite, que entrava em crise cada três dias...Com aquele enfisema...(...) As poções, os xaropes, os electuários cintilavam, de todas as cores, dentro de vidros cujas rolhas e gargalos se revestiam de chapeleta pregueda de papel impermeável. Agite antes de usar. Misturavam-se às caixas cheias das pílulas rolando no licopódio, às das cápsulas, às dos papéis parafinados, às das empolas da cafeína, da esparteína e das azuis do óleo canforado, cuja entrada em cena foi recebida como augúrio nefasto. Era considerado remédio extremo para males extremos. Minha Mãe aprendera a fazer as injeções e aplicava-as sem parar, na hora dos delíquios. O doente já não podia mais. O electrargol fracassou fragorosamente.(...) Afinal rebentou o vaso da ira e depois da vômica a febre moderou seu incêndio, estabilizou-se entre 37 e 38, meu Pai parou de divagar, emergiu do delírio, passou a reconhecer as pessoas e a agradecer as xícaras de mingau que tomava confortado. Os médicos,

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entusiasmados, já falavam em convalescença e autorizaram o champanha quatro vezes ao dia. A 30 de julho de 1911, um mês depois de doente, meu pai pasmou de repente, derramou a vasilha de leite que bebia sentado e caiu sobre os travesseiros. Todos correram aos gritos da tia Candoca chamando – o José está morrendo! – minha Mãe quebrou a agulha da última injeção, e o Crucifixo arrancado da parede passou para as mãos do agonizante.132

Comentários e conclusões

Baú, é uma mala de madeira, couro ou latão que se usava na Colônia e Império

para se guardar roupas ou papéis. Na linguagem popular,” tirar do fundo do baú” é

buscar ou lembrar de uma coisa muito antiga. Nava intitula as memórias iniciais de Baú

de ossos. O título do livro indica que as memórias mais antigas, do autor, seriam as dos

antepassados. Interessaram-nos as memórias ligadas à Medicina e partindo delas,

identificar as relações desta profissão, na cidade de Juiz de Fora, com a sociedade.

O último capítulo de Baú de ossos – Rio Comprido- mostra o ingresso de José

Nava como Sanitarista e Higienista no Rio de Janeiro. Morreu em conseqüência de

enfermidade contraída no trabalho e sua mulher, Diva, retorna para Juiz de Fora,

grávida da quinta filha que nasceria dias depois. Pedro Nava tinha oito anos quando se

encerram os episódios que compuseram o Baú de ossos. Fatos reconstruídos e relidos

pelo memorialista. Na organização literária dos fatos ligados à vida de seus

antepassados e de sua infância, Nava criou um documento da sociedade brasileira do

período.

A trajetória de José Nava é uma biografia exemplar dos profissionais que se

dedicaram à Medicina, no período. Oriundo de setores médios da população de

Fortaleza, teve sua educação e formação profissional, permeadas pelas idéias

dominantes de então. O Positivismo de Comte, transformismo de Darwin,

evolucionismo de Spencer, intelectualismo de Taine e Renan são idéias circulantes na

sociedade brasileira do período. A adesão, a este ideário, forma médicos confiantes nas

conquistas científicas, conhecedores dos problemas circundantes, viam-se – se

sacerdotes dos tempos modernos. Os fatos envolvendo a Medicina, em Juiz de Fora,

132 ------. 387 – 388.

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colocam o pai do memorialista no centro de discussões e questões que estavam em

pauta no Brasil e em outros países.

A organização e institucionalização da Medicina Científica, em Juiz de Fora,

podem ser consideradas uma amostragem, destas questões, em níveis nacionais e

internacionais. A atuação do médicos, observadas neste texto foram correlatas a de

outros aspectos da cidade. Caracterizou-se o período pela busca de medidas que

possibilitassem a liquidação dos resquícios coloniais.

Médicos e Medicina em Baú de ossos mostram como estes profissionais foram

agentes da ordem burguesa no período, princípios observáveis nos vários momentos de

suas trajetórias. Em nome da Ciência, postulavam princípios dos grupos dominantes.

Formalizaram e foi oficializada a postura científica no tratamento de questões

relacionadas com a saúde, excluindo-se, então, outras abordagens e práticas. As

questões envolvendo as relações Medicina e sociedade, como as demais que foram

percebidas, no período, explicitaram-se na década de 20 e na de 30 oficializou-se a

presença do Estado nas diretrizes da Medicina.

A expressão “intelectuais orgânicos” é adequada aos médicos do período

estudado (1860-1910) e a atuação dos mesmos em Juiz de Fora. Pudemos observar, nos

textos naveanos, como estes profissionais utilizaram de estratégias e elaboraram

discursos que objetivaram a hegemonia dos mesmos na sociedade. Como em outros

países, quando da organização do capitalismo, as estratégias médicas foram

instrumentos fundamentais de enquadramento das classes buscando a manutenção e

eficiência da produção. Questões de Higiene e Saneamento foram discutidas e soluções

apontadas, questões sociais foram consideradas assuntos médicos.

Iniciamos o texto, mencionando os atributos de Clio, Calíope, Apolo, Asclépius,

Higéia e Panacéia. Calíope foi evocada por pegarmos uma obra literária como ponto

de partida para nosso trabalho. Esperamos ter demonstrado que a obra literária é

histórica; diz de um momento, de uma pessoa, um fato ou uma vida, mas o conteúdo, a

forma e o autor são atores sociais e atuam em palcos com especificidades de seu tempo.

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Clio conduz e norteia a narrativa de Calíope . Como foi dito, no início do texto, seus

olhares se entrecruzam.

Apolo, Asclépius, Higéia e Panacéia, também, foram evocados, pois, nossa

busca foi a identificação de questões que envolvem médicos e Medicina (1860-1910) no

universo nacional, visíveis em Juiz de Fora. O atributo de Apolo, a razão, foi evocada

por estes “homens de ciência” que a postularam como neutra. Se, nos detivéssemos

somente, no universo apolíneo, enumeraríamos descobertas científicas da época e

aplicabilidade das mesmas em Juiz de Fora. Contudo, envolvem a Medicina, também,

os atributos de Asclépius, Higéia e Panacéia. Asclépius, possui a centelha divina e a

porção humana; pode, portanto, perceber os males ocultos e curá-los. A ação de

Asclépius se faz através dos atributos de Higéia e das virtudes de Panacéia.

Concluiríamos, lembrando que a Medicina tem seus lados atemporais. Dor e

doença são próprios da existência humana, universais, portanto. Mas a maneira de se

tratar estas questões é histórica. Do Baú de ossos, destacamos longos textos, onde

Nava falou de doenças, doentes e médicos, homens, mulheres e crianças que sofreram

como quaisquer outros da História da humanidade. Entretanto, no período de 1860 –

1910 foram observados e tratados pelas posturas do momento. Partindo, então, de Baú

de ossos, podemos conhecer aspectos da História da Medicina em Juiz de Fora (1860-

1910), objetivo que foi proposto para a elaboração de nosso texto.

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