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A Pintura no convento de S. Gonçalo de Angra UNIVERSIDADE DOS AÇORES DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA, FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS PÓS-GRADUAÇÃO EM PATRIMÓNIO, MUSEOLOGIA E DESENVOLVIMENTO AUTOR: Maria Cristina Macedo Gonçalves SEMINÁRIO: Arte, Património e Identidade nos Açores DOCENTE: Doutora Isabel Soares de Albergaria

A Pintura no Convento de S. Goncalo de Angra

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Page 1: A Pintura no Convento de S. Goncalo de Angra

A Pintura no

convento de

S. Gonçalo

de Angra

UNIVERSIDADE DOS AÇORES

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA, FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS

PÓS-GRADUAÇÃO EM PATRIMÓNIO, MUSEOLOGIA E DESENVOLVIMENTO

AUTOR: Maria Cristina Macedo Gonçalves

SEMINÁRIO: Arte, Património e Identidade nos Açores

DOCENTE: Doutora Isabel Soares de Albergaria

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Plano do Trabalho

INTRODUÇÃO 1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO MONUMENTO 2. REFERÊNCIA BREVE À PROBLEMÁTICA DA ARTE RELIGIOSA NACIONAL NO

PERÍODO PÓS-TRIDENTINO 3. O ESPAÇO CONVENTUAL

3.1. A pintura dos oratórios e do coro alto – vivências locais e pintura de feição regional

4. A IGREJA

4.1. Enquadramento do programa da nave – o bel composto nos programas artísticos do limiar do Barroco 4.1.1. Ciclos da vida da Virgem e da infância de Jesus na pintura

portuguesa e ibérica da transição do século XVII para o século XVIII

4.2. As telas da capela-mor e da sacristia CONCLUSÃO APÊNDICE ANEXOS FONTES E BIBLIOGRAFIA CRÉDITOS DAS IMAGENS

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INTRODUÇÃO

«A história da arte não se constrói com uma soma de emoções jogadas sobre a arte do passado mas na reconstituição de sistemas culturais, onde textos e obras mutuamente se explicam.» (José Fernandes Pereira, História da Arte Portuguesa, Vol. III, p. 11)

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1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO MONUMENTO

Segundo regista Pedro de Merelim em 1960, nas suas Notas sobre os conventos da ilha Terceira, de todos os estabelecimentos religiosos que existiram nessa ilha, apenas o de São Gonçalo mantém a mesma fisionomia do antigo convento pertencente à ordem de Santa Clara – “Urbanistas” – e à obediência ordinária, apesar das várias reparações. «O alçado voltado a oeste mostra catorze janelas – que eram das principais celas das religiosas.» 1

Logo que Brás Pires do Canto, padroeiro do convento, obteve o Breve Apostólico para a sua fundação, concedido em 7 de Outubro de 1542 pelo Bispo de Albano em nome do Papa Paulo III2, iniciou a construção das instalações, «as quais se ultimaram, possivelmente a primeira fase, no ano de 1545»3, data em que foram admitidas, como fundadoras e seculares, duas filhas suas.

Nos finais do século XVI, estendia-se já o convento até ao Alto das Covas, ocupando todo o quarteirão, conforme se observa na carta de Joan Hugues van Linschoten, datada de 1595. O quintal do Paço Episcopal, no outro lado da rua, fronteiriço à igreja, também pertencia a São Gonçalo, estando então ligados por uma “passarelle”4.

O Pe. António Cordeiro, no início do século XVIII, enquadra o edifício na paisagem envolvente e caracteriza-o do seguinte modo: «Fundou-se o dito Convento em sítio descoberto para o poente da cidade de Angra, próprio tiro de peça do grande Castelo de S. João Baptista, com larga vista para as hortas, baía do Fanal, bairro de S. Pedro, e vasto mar do Oeste, e é convento tão grande, que já passou de cem Freiras de véu preto, e muitas mais tem tido, não só

1 Merelim. 1960, Vol. I: 121.

2 Idem. 1960, Vol. III: 55 e segs.

3 Idem. 1960, Vol. I: 100.

4 Ibidem: 119-120.

Pormenor da carta de Linschoten referente ao quarteirão

do Convento de S. Gonçalo. BPARAH

© Instituto Histórico da Ilha Terceira

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nobilíssimas, mas de religião, exemplo e santidade excelente […]; e com bom terreiro para o Sul, e Igreja em tudo mui perfeita.»5

Integrando um corpo do exército francês de apoio à guerra da independência das colónias inglesas da América do Norte, o Conde de Ségur relata, aquando da sua passagem pela ilha Terceira em 1782, as visitas que efectuou ao Convento de São Gonçalo. No dia seguinte ao da sua chegada, acompanhado pelo Duque de Lauzun, pelo Príncipe de Broglie e pelo Visconde de Fleury, foi conduzido por um obsequioso compatriota provençal, que era simultaneamente cônsul de Inglaterra e de Espanha naquela ilha, a um convento onde viram indulgentes freiras e pensionárias 6 muito bonitas. A beleza da narrativa e a importância do seu conteúdo para a compreensão da mentalidade e de uma componente da vivência feminina em clausura no final do Antigo Regime justificam a longa citação:

«As suas tez um pouco trigueiras não enfraqueciam absolutamente o encanto dos seus belos olhos negros, dos seus brancos dentes e da elegância das suas aparências. O seu aspecto consolou-nos das duas tremendas grades que separavam o parlatório do interior do convento.

A madre abadessa, seguida do seu jovem séquito chegou gravemente atrás da grade, com o trajo, o tamanho, a figura que nos apresentam os retratos de abadessas do século XIII – nada faltava a essa semelhança, nem mesmo o báculo, pois trazia um majestosamente na mão.

Após os primeiros cumprimentos, e logo que estas damas se sentaram, o nosso encorajador cônsul disse-nos que seguindo o uso português, uso bastante estranho, nós podíamos por meio das grades, e apesar da presença da senhora abadessa e do seu báculo, mostrar-nos tão galantes quanto desejássemos para com o seu jovem rebanho, porque desde sempre a devoção e a galanteria reinaram juntas sem discórdia nos claustros do cavalheiresco Portugal.

Cada um de nós escolheu pois o objecto que impressionava mais docemente o seu olhar, e que parecia responder com maior gentileza a essas olhadelas. Assim, falámos prontamente de amor, mas muito inocente e platonicamente, graças à presença das duas grades e da senhora abadessa.

Tivemos dificuldade em compreender como, ignorando as nossas amantes a língua francesa e não sabendo nós uma palavra da língua portuguesa, podíamos entender-nos reciprocamente, mas nada era impossível com o nosso oficioso cônsul: encarregou-se do papel de intérprete e aplanou-nos assim a dificuldade primeira da entrevista.

O sinal desta conversação galante foi dado por uma jovem pensionária, a senhora dona Maria Emegilina [sic] Francisca di Marcellos di Connicullo di Garbo. Impressionada pelo bom aspecto, pela fisionomia espiritual e pelo trajo de Lauzun, que trazia o uniforme de hussardo, lançou-lhe, sorrindo, uma rosa através das grades, perguntou-lhe o seu nome e apresentou-lhe uma ponta do seu lenço

5 Cordeiro. 1717: 190.

6 Noviças?

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que ele apanhou e ela puxou de seguida, procurando atrai-lo a si, doce vibração que pareceu passar muito depressa das mãos ao coração.

Todos nós seguimos com prontidão este exemplo: os lenços voltearam rapidamente dos dois lados assim como as flores e, como as nossas jovens Portuguesas nos lançavam olhares que pareciam anunciar o desejo de derrubar as grades, nós cremo-nos obrigados a responder a essas ternas provocações, enviando-lhes beijos, não sem recear, no entanto, parecer demasiado temerários à senhora abadessa. Mas esta brincadeira não perturbava nada a sua gravidade, nem espantava a sua indulgência. Continuámos então a imprimir esses beijos sobre a ponta dos lenços das nossas belas, que por sua vez os devolviam muito gentilmente na ponta do lenço que permanecia nas suas mãos.

Em breve tentámos fazer um pouco de português do pouco de italiano que sabíamos. Este ensaio foi bem sucedido junto das nossas damas que nos imitaram, de sorte que a conversação mais directa tornou-se mais viva, ainda que compreendida a metade, e deu algum descanso ao nosso intérprete consular, que aproveitou para cavaquear com a senhora abadessa.

Enfim, esta boa abadessa intrometeu-se na entrevista e, apercebendo-se talvez que a nossa alegria era tão pouco misturada de surpresa, disse-nos, por intermédio do cônsul, que o amor puro era muito agradável aos olhos de Deus. «Estas jovens pessoas, acrescentou, às quais eu vos deixo oferecer as vossas homenagens, ao estar exercitando-se a agradar, serão um dia mais amáveis para os seus maridos, e aquelas que se consagrarão à vida religiosa, tendo exercitado a sensibilidade das suas almas e o calor da suas imaginações, amarão bem mais ternamente a Divindade. Por outro lado, prosseguia ela, esta galanteria outrora honrada não pode ser senão bastante útil a jovens guerreiros. Ela inspirarvos-á o espírito da cavalaria, excitarvos-á a merecer, por grandes acções, o coração das belas que vós amais e a honrar a sua escolha, ao cobrir-vos de glória.»

Não sei se o cônsul traduzia fielmente, mas o calor dos olhares da senhora abadessa, a sua dignidade, o seu tom e o seu báculo, ao fazer-me admirar a sua eloquência, persuadiam-me que me encontrava transportado nalguma velha ilha encantada de Ariosto e nos bons velhos tempos dos paladinos.

Assim reanimado por tais conselhos, redobrei de ardor esse jogo galante e o intérprete do meu fogo, o lindo lenço da dama dos meus pensamentos, agitava-se e volteava mais que nunca. Ela era menos rica em nomes de baptismo que as suas companheiras, pois a amante do Príncipe de Broglie chamava-se dona Eugénia Eufémia Atanásia Marcelina di Antonios di Mello. A minha chamava-se mais modestamente dona Mariana Isabela del Carmo e, nesse momento, ter-me-ia custado pouco sustentar contra qualquer um, a grandes golpes de lança, que ela era de todas a mais bonita.

Como a variedade é a alma dos prazeres, após as olhadelas, após as mensagens dos lenços e os beijos trazidos pelos ares e pouco esfriados pelas grades, arriscámos os bilhetes doces. Foram introduzidos pelo complacente cônsul. A boa abadessa, tendo-os lido sem deixar o seu báculo nem a sua dignidade, permitiu, sorrindo, a

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livre circulação dessas ternas epístolas e das respostas que elas nos mereciam.

Arrisquei uma canção e o Príncipe de Broglie imitou-me. Não sei se as nossas coplas foram embelezadas ou deturpadas pela tradução do cônsul, mas pareceram ser consideradas encantadoras.

O dia acabava: a senhora abadessa deu o sinal da retirada. Fizeram-se de um lado e de outro tocantes adeuses. Um segundo encontro foi aprazado para o dia seguinte e pode-se crer que aí fomos todos muito exactos.

Ao chegar ao convento, encontrámos a grade ornada de flores de toda a espécie e as nossas damas mil vezes mais amáveis que na véspera. Presentearam-nos com música. A amante do Príncipe de Broglie e a do Duque de Lauzun cantaram em duo árias extremamente ternas, fazendo-se acompanhar à guitarra7.

Durante esse tempo, a amante do Visconde de Fleury e a minha dançavam connosco. Dos dois lados da grade figurávamos os passos que esta nos impedia de executar realmente, mas aquilo que havia talvez de mais divertido era ver a senhora abadessa que fazia o compasso com o seu báculo.

Dona Eufémia deu-nos a conhecer de seguida uma canção improvisada e de duplo sentido, fazendo alusão à Paixão e àquela que Lauzun lhe inspirava.

Para vos fazer julgar do espírito inventivo e pronto do nosso cônsul, sabereis que no momento em que a distância e a espessura das grades, opondo-se aos nossos desejos, paravam a circulação dos nossos bilhetes, o nosso activo intérprete, tendo desenterrado uma pequena pá, aí embarcava as nossas cartas que chegavam assim docemente a bom porto.

Sabe-se que no amor, como na ambição, é difícil parar: a complacência tornou-nos exigentes. Pedimos algumas dádivas de amor. Os nossos desejos foram satisfeitos. Recebemos, com novos bilhetes muito ternos, cabelos, escapulários, que pusemos sobre os nossos corações.

Por nosso lado, enviámos anéis e cabelos. Lauzun e o Visconde de Fleury tinham nas algibeiras os seus próprios retratos, que, não sei por que acidente, lhes tinham sido entregues em França no momento da sua partida. Com eles homenagearam as suas belas.

Eu recebi de Mariana Isabela um escapulário, assegurando-me ela que me traria felicidade e que, enquanto permanecesse no meu pescoço, estaria ao abrigo de qualquer acidente e de todas as doenças. Prometi-lhe jamais me separar dele, mas a sua profecia não se cumpriu, pois, poucos dias mais tarde, fui tomado pela febre, [...] naufraguei junto às costas da América e perdi todas as minhas bagagens.

Os nossos amores platónicos do parlatório inspiraram, disseram-nos, alguma inquietação na cidade. Os irmãos, os tios, os galantes alarmaram-se. Espalhou-se o rumor de que no meio desses jogos tínhamos tido a temeridade de pedir furtivamente às nossas jovens pensionárias o meio de nos encontrarmos juntos sem grade e de

7 Tratar-se-ia de modinhas e lunduns, tão em voga em Portugal e na colónia do Brasil, a partir do reinado

de D. Maria I?

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transpor à noite os muros do jardim. Não sei o que teria podido acontecer e se o nosso pequeno romance não terminaria, à moda antiga espanhola e portuguesa, em algumas serenatas tumultuosas e por quaisquer golpes de espada. O que é certo é que nos apercebemos, ao retirarmo-nos, de diversos homens embuçados que pareciam espiar-nos.

O que quer que fosse, o vento que se levantava ou a prudência de M. de La Touche, dissipou prontamente toda a esperança e toda a inquietude. O sinal da partida foi dado: três tiros de canhão chamaram-nos a bordo e não tivemos senão o tempo de voltar para dizer adeus às nossas belas, que encontrámos inconsoláveis.

As grades do parlatório estavam entristecidas por grinaldas de escabiosas, que as nossas jovens damas chamavam flores de desgosto ou, na sua língua, saudades. A boa abadessa tinha a lágrima no olho. Creio mesmo que, pela primeira vez na vida, ela deixara cair o seu báculo. Cada uma das nossas jovens senhoras presenteou-nos com um pensamento, que prendemos nos nossos distintivos, e um lenço que elas molharam com as suas lágrimas. Partimos enfim com as suas imagens nos nossos corações.

[...] As cenas galantes do parlatório de Angra que acabo de narrar

fielmente, e sobre as quais o Príncipe de Broglie fez também uma pequena relação que vi, feriram de tal forma a imaginação do Duque de Lauzun que inflamaram a sua verve, inspirando-lhe a escrita de um pequeno drama heróico-cómico, cujo título era Le Duc de Marlborough.»8

Francisco Ferreira Drummond inicia, nos seus Anais da Ilha Terceira, o

relato dos acontecimentos ocorridos no ano de 1815 com a seguinte observação: «As ordens monásticas destas ilhas, cuja fundação em todas elas com razão muito custara a consolidar, ofereciam já de tempos mais remotos justificados motivos de censura ao público. Parecia que a licença com seus malignos atractivos perturbara a sã moral, e boa doutrina que nelas se plantara, [...] mas esta demasiada liberdade, proveniente de diferentes causas, havia-se multiplicado em alguns mosteiros de religiosas, mais do que em outros; servindo de largo assunto a apaixonadas narrações de certos homens e escritores, assim naturais como estrangeiros»9.

Na verdade, o que mais parece impressionar os viajantes britânicos no século XIX, como seria previsível por serem educados num credo e numa cultura de princípios protestantes, é a tradição e os rituais religiosos portugueses – integrados na «devoção externa e mecanizada da religião pós-tridentina» 10 , comum aos países da Europa do Sul –, particularmente a licenciosidade dos costumes conventuais. Todavia, os próprios emigrados continentais, aquando da preparação da expedição liberal na cidade de Angra, então sede do governo português, entre os meses de Março e de Maio de 1832,

8 Ségur. 1825: 316-327.

9 Drummond. 1864. Vol. III: 244-245.

10 Jose Antonio Maravall, La Cultura del Barroco – análisis de una estructura histórica, Barcelona,

Editorial Ariel, 1980, p. 223.

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não deixam de fazer referência ao assunto, embora a dissolução do clero e da vida conventual fossem generalizadas a todo o País, pelo menos a partir do reinado de D. João V, decorrendo da forma de estruturação da sociedade de Antigo Regime.

D. José Trazimundo Mascarenhas Barreto, Marquês de Fronteira, menciona nas suas Memórias... : «O Convento das freiras de S. Gonçalo era um grande recurso para a oficialidade dos Corpos, principiando pelo General em Chefe. Todos ali tinham um derriço, como lhe chamavam, e nunca vi nada mais ridículo do que uma quinta-feira de Endoenças na Igreja de S. Gonçalo. As lamentações eram aplaudidas com o mesmo entusiasmo com que são as árias e cavatinas no Teatro de S. Carlos. Mr. de Ségur, indo para a guerra da América, menciona nas suas Memórias as freiras de S. Gonçalo, na ilha Terceira, como extremamente ligeiras; a sua ligeireza não data, portanto, do tempo da Guerra Civil: era já do século passado!»11

O inglês Edward Boid, capitão de marinha e secretário do comandante da frota liberal, Almirante George Rose Sartorius, traça-nos na sua obra A Description of the Azores or Western Islands o seguinte retrato, eivado de sensibilidade romântica:

«O convento principal [...] pitorescamente situado em um

terraço que dá para a esplêndida região da Terra Chã e donde se avistam a distância a Ilha de S. Jorge e a do Pico, com seu barrete de neve, tornou-se, em virtude dos seus atractivos exteriores e superiores fascinações internas, o ponto de reunião mais elegante de maridos infiéis e celibatários maviosos.

Era cena vulgar, ao passar, ver as freiras em colóquios amorosos com os seus namorados por baixo das janelas de grades, onde se faziam favores, se ajustavam combinações e se fixavam horas para as visitas às celas.

Era coisa divertida ver a erva completamente gasta debaixo de todas as janelas deste convento, por efeito da concorrência que ali se observava. [...]

As entrevistas à luz do dia com as freiras às grades tornaram-se agradáveis aos novos conhecidos e distintos visitantes pela conversação galanteadora, pelas merendas de bolos e vinho ou pelo cantar, por vezes excelente, acompanhado à viola.

As vozes delas eram em geral extremamente maviosas e por vezes observei as belas monjas acocoradas no chão durante a cena – reminiscência de costumes mouriscos que dava um aspecto romântico ao grupo quando se entoavam as lindas modinhas portuguesas.»12 De acordo com Pedro de Merelim, ao tempo do Decreto n.º 25, de 17 de

Maio de 1832 (promulgado em Ponta Delgada), que extinguiu os conventos nos Açores, a renda de S. Gonçalo «ascendia a 329 moios e 9 alqueires de trigo, 73 libras de linho, 201 galinhas, 11 canadas de manteiga, 7 de leite e cinquenta de

11

Fronteira. 1928: 221. 12

Boid. 1835: 262.

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vinho, além de 363$585 reis em dinheiro – perfazendo o montante anual superior a dez contos de reis»13. Os bens ingressaram então no património nacional, arrematados pelo Tesouro Público.

Não obstante, o único convento conservado na ilha Terceira pelo referido Decreto foi o de S. Gonçalo, tendo-se nele concentrado as religiosas dos outros conventos suprimidos que desejaram prosseguir a vida monástica. A cada uma foi atribuída uma pensão de 180$00 reis, além do subsídio anual destinado às despesas de culto no montante de 800$00 reis, correspondente aos ordenados do capelão, do confessor, facultativos e fâmulos. «A isto se resumiram os onze conventos existentes nesta ilha e cujos rendimentos se aproximavam da soma global de 36 contos de reis!»14

O Pe. Jerónimo Emiliano de Andrade regista em 1843, acerca deste convento, na sua Topografia...: «É admirável a decência e edificação com que ali vivem as Religiosas actualmente existentes. Dedicadas voluntariamente aos ofícios divinos, elas só formam suas delícias no desempenho das pomposas solenidades que promovem na igreja, executadas por elas mesmas com música mui excelente. Neste género de estudo sempre as religiosas deste arquipélago excederam as de Portugal, e as deste mosteiro em todos os tempos foram reputadas pelas melhores cantoras dos Açores. Hoje ainda conservam, posto que em mui pequeno número, vestígio da sua antiga glória e celebridade.15» O número de religiosas nessa altura seria cerca de quarenta.

O convento extinguiu-se apenas em 20 de Julho de 1885, por ocasião do falecimento da última religiosa professa, a abadessa Matilde Clementina do Carmo. Por Decreto-Lei de 30 de Julho do mesmo ano, publicado no Diário do Governo n.º 175, de 8 de Agosto, foi concedido o edifício do Convento de São Gonçalo de Angra, com a respectiva igreja, alfaias, cerca e granel à Associação Educadora do Sexo Feminino, estabelecida na dita cidade e tendo por padroeira a Virgem, sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição.

Em 1899 e em 1900 foram suprimidas áreas de terreno pertencentes aos quintais e cerca do antigo convento16.

A Associação acima referida fundou uma escola de instrução primária feminina, com entrada pelo Alto das Covas, converteu parte do imóvel em recolhimento para habitação de senhoras idosas e sem meios de subsistência e arrendou, ainda, outra parte ao Lawn Tennis Club, cujos estatutos datam de 31 de Dezembro de 1904.

Segundo os estatutos aprovados por alvará de 9 de Julho de 1914, a Associação Educadora constituiu-se em Recolhimento de S. Gonçalo.

Além do recolhimento, passou mais tarde a funcionar no imóvel o Jardim-Escola Jesus Infante, hoje em dia Colégio de S. Gonçalo, fundado em 1 de Outubro de 1958 pela Rev.ª Irmã Ana Maria de Jesus Infante, com alunos de

13

Merelim. 1960, Vol. I: 137. 14

Merelim. 1960, Vol. I: 138. 15

Andrade. 1843: 118. 16

Rosa. 1998: 160.

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ambos os sexos e de idade pré-escolar. As professoras e educadoras pertencem à Congregação Missionária das Reparadoras do Sagrado Coração de Jesus, erecta em 1931.

Depreende-se, pois, que apesar da extinção do convento em 1885, o imóvel, classificado como de Interesse Público pelo Decreto n.º 516/71, de 22 de Novembro de 1971 17 , continuou a ter uma função algo semelhante até à actualidade.

17

Diário do Governo n.º 274.

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2. REFERÊNCIA BREVE À PROBLEMÁTICA DA ARTE RELIGIOSA NACIONAL

NO PERÍODO PÓS TRIDENTINO

O Concílio de Trento, em particular a sua célebre sessão de 3 de Dezembro de 1563 dedicada à representação das ―imagens sagradas‖, veio decisivamente, nas palavras de Vítor Serrão, «abrir um novo capítulo no desenvolvimento das artes, quer em Itália, quer fora do espaço italiano»18.

Por alvará de 12 de Setembro de 1574, o rei D. Sebastião deu provimento à execução dos decretos deste Concílio, cujas normas foram introduzidas em Portugal através das constituições sinodais. Inicia-se a Contra-Reforma, período em que, na arte religiosa, se defendem vários temas iconográficos, considerados de valor pedagógico, e se proíbem outros. Uma das maiores preocupações dos bispos, nas suas dioceses, relaciona-se com a decência ou ―decoro‖ nos interiores das igrejas, nos altares, nas pinturas e alfaias religiosas. As imagens sagradas, privilegiadas como meio propagandístico, deveriam ser esculpidas e pintadas por inteiro, denotando honestidade nos rostos e perfeição nos corpos.

Como já aludimos no capítulo anterior, nos reinos da Europa do Sul, o quotidiano dos homens dos séculos XVII e XVIII é marcado profundamente pelo espaço sagrado onde se celebram os momentos mais importantes do seu percurso terreno (nascimento, casamento e morte).

Para Carlos Moura:

«Em Portugal, a unificação com a Espanha, primeiro, e a abertura diplomática após 1640, depois, estabelecem directrizes a que teríamos de acrescentar as relações com o Oriente. O País importa soluções, divulga gostos exóticos (nas artes decorativas), inventa e cria um formulário próprio. Maneirismo e barroco são as categorias estéticas em presença, numa sucessão de balizas mal definidas. Mas a história da arte não segue um esquema de desenvolvimento biológico e determinista. Por isso, no campo de forças extremamente complexo que é o da arte seiscentista, a regra que prevalece é o da viragem sectorial para o barroco, mais precoce num domínio, retardatária em outro.» 19

Uma sociedade pobre de Antigo Regime, como foi a sociedade portuguesa, secularmente dominada pelas estruturas do aparelho clerical e pela nobreza provinciana, com níveis de crescimento bastante desiguais e falha de circuitos de informação exterior, foi capaz, mesmo assim, de elaborar as suas próprias matrizes de construção e o seu próprio imaginário de figurinos ornamentais.

18

In “A noção de Contra-Maniera e o maneirismo reformado na arte portuguesa (1570-1620) ” 19

Moura. 1986: 160.

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A grande força da arte portuguesa reside em essência nesse seu comportamento fortemente sui generis, tendo os artistas sabido adoptar uma postura de não compromisso possível, de liberdade e distância face às influências externas – fossem italianas, flamengas, castelhanas ou francesas. Por isso, mesmo nas fases em que o esforço de internacionalização se revelou mais acentuado (com D. Manuel I, Filipe I ou D. João V), «as respostas artísticas não deixaram o tónus vernacular e sincrético, e as artes decorativas (talha, escultura, pintura, azulejo, brutesco, estuque) não esqueceram o refrescante sabor de condutas próprias – e assumiram, em força, as linguagens necessárias de reafirmação nacional.»20

A Igreja, em Portugal, vai encontrar designadamente na talha e no azulejo magníficas expressões artísticas de grande influência na manifestação da religiosidade, atraindo e conduzindo os crentes, por vezes sem que estes tomem consciência, através do estímulo dos seus sentidos, à aceitação dos princípios fundamentais da fé católica e à glorificação de Deus.

Cingindo-nos à pintura, de acordo com Vítor Serrão, ao contrário do que se pensa, o alinhamento deste campo com o figurino proto-barroco processou-se com actualidade.

«Foi o único género onde esse alinhamento à la page sucedeu, reforçado por uma interpretação original das soluções barrocas, e com protagonistas de mérito. Fosse porque a propaganda estimulada pela ideologia tridentina forçasse a uma actualização de modelos, ou porque era visível o esgotamento das receitas maneiristas (após a morte de Fernão Gomes e Diogo Teixeira em 1612), ou porque a influência de Castela e Sevilha fosse facilitada pela União Ibérica, verifica-se a abertura a uma pintura de género, ao retratismo, à paisagem, alegoria, vaidade [sic], à natureza morta, em técnicas receptivas ao penumbrismo de derivação caravagesca e em repúdio pelos cânones da Contra-Maniera. Pintores como André Reinoso (fal. 1650), Domingos Vieira, o Escuro (fal. 1678), José do Avelar Rebelo (fal. 1657), Diogo Pereira (fal. 1658), Baltazar Gomes Figueira (fal. 1674), Josefa de Ayala (fal. 1684), Marcos da Cruz (fal. 1683) e Bento Coelho (fal. 1708), dominam a geração.»21

Quanto ao estatuto social dos pintores, curiosamente, é em nome da Contra-Maniera que a liberalidade e a emancipação autoral se impõem.

Após a tentativa levada a cabo no último quartel do século XVI para se tornarem isentos da submissão à Bandeira de S. Jorge, estrutura a que pertenciam, segundo a regulamentação dos ofícios mecânicos – o maneirismo teorizara a importância da «ideia» e as academias, como a de Florença, rompiam com os últimos resquícios da orgânica medieval –, fundou-se em 1602 a Irmandade de S. Lucas de Lisboa, a exemplo da de Madrid, primeira associação de pintores cuja actividade, no espírito de uma confraria religiosa, se

20

Vítor Serrão, “Do vernáculo ao lirismo efabulista: algumas das linhas confluentes da arte portuguesa”:

3. 21

Idem, “A pintura portuguesa do século XVII: naturalismo e tenebrismo”: 1.

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desenvolveu plenamente na época barroca. Todos os artistas de maior notoriedade aí desempenharam funções.

Ao longo do século XVII, os pintores vêm a sua autonomia garantida, embora sujeitos a normas de estrita obediência. A Inquisição era um poder vigilante e a ortodoxia iconográfica da Contra-Reforma um valor a preservar.

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3. O ESPAÇO CONVENTUAL

Presentemente, o edifício do Convento de São Gonçalo é delimitado a Norte pelo Alto das Covas, a Sul pela rua da Rosa, a Oeste pela rua Gonçalo Velho Cabral (Serrado do Bailão) e a Nascente pela rua Recreio dos Artistas.

O vasto edifício compreende dois claustros, um a Sul e o outro a Norte, com celas, cozinhas e refeitórios, no andar nobre, e, no piso térreo, as cozinhas e fornos primitivos e diversas dependências (lojas).

«Numa zona da ala nascente, que corresponde aproximadamente à ligação entre aqueles dois claustros, forma o edifício uma pequena saliência para leste, dispondo este corpo de mais dois pisos, em parte dos quais se presume tenham sido instaladas a enfermaria e a botica do convento.» 22

O claustro mais antigo, datando da primitiva construção do século XVI, «um dos raros, senão o único daquela época nos Açores»23, de planta quase quadrangular, é formado por arcos de traça manuelina (abatidos ou sarapanel, com expressão de arcos duplos), que suportam as galerias do piso superior (onde se encontram os oratórios) e se apoiam em colunas de fuste quase cilíndrico, cujas bases assentam em banquetas de cantaria. Aquando da

22

Memória histórica de Manuel Coelho Baptista de Lima – documento dactilografado, não datado,

pertencente ao respectivo espólio (MAH). 23

Merelim. 1960, Vol. I: 122.

Vista das alas poente e sul

do convento, em meados do

século XX. © MAH /

espólio Dr. Baptista de Lima

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reedificação da ala oriental, na sequência de ter ruído cerca de 189924 , as respectivas colunas foram substituídas por pilastras de secção rectangular.

A coluna do chafariz de forma circular existente no centro deste claustro, actualmente ajardinado, apresenta algumas pedras lavradas.

A norte deste e separado pela ala central, encontra-se o outro claustro, de dimensões ligeiramente superiores, datando do século XVII. Neste caso, os arcos de volta inteira são suportados por pilastras de secção quadrangular. No centro pode ver-se também um chafariz de forma circular.

As janelas dos corredores que deitam para os claustros eram protegidas por rótulas que assentavam sobre mainéis ou taças de pedra lavrada colocadas sob os peitoris, apoiando-se, na parte superior, sobre mísulas encastradas nas paredes, junto das respectivas ombreiras.

Citando um relatório da DRAC datado de 1982, «uma curiosidade arquitectónica deste convento reside no facto [...] das celas das freiras professas darem para um pequeno corredor de circulação interna e privada que corre paralelamente à galeria por onde se fazia [...] a circulação geral das pessoas que, assim, não quebravam a intimidade de quem se encontrava nas celas ou zonas adjacentes.» 25

24

Merelim. 1960, Vol. I: 122. 25

“Relatório da situação em que se encontram o “Recolhimento de S. Gonçalo”, a “Casa de Repouso de

Angra do Heroísmo” e a “Casa de Nossa Senhora do Livramento”, enviado pelo então Director Regional

dos Assuntos Culturais, Dr. Jorge Forjaz, ao Administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, em anexo

ao ofício n.º 1542, datado de 11 de Junho de 1982.

O claustro do século XVI, com parte da ala reconstruída. © MAH / espólio Dr. Baptista de Lima

Claustro do século XVII. © MAH / espólio

Dr. Baptista de Lima

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No extremo noroeste do edifício, existia o granel, a cujo pátio dava acesso o denominado ―portão dos carros‖. O corpo em frente albergava lojas no piso térreo e um dormitório no andar nobre. Esta zona foi posteriormente cedida, bem como uma parte da cerca, a portaria e o parlatório situados junto ao Alto das Covas, hoje entrada do Colégio de S. Gonçalo, ao Lawn Tennis Club.

Na fachada voltada a sul encontra-se a portaria principal, onde, além do átrio com a respectiva banqueta, se pode observar ainda o recinto interior com a porta original, flanqueada por duas rodas que estabeleciam habitualmente a comunicação com o exterior.

Sobre a portaria, e com acesso próprio para o exterior através de uma escada e pequena porta, actualmente entaipada, junto da porta principal, situa-se o parlatório, constituído pelas habituais duas salas separadas por uma parede dupla, com cerca de dois metros de intervalo, tendo cada uma delas aberto a meio o amplo vão gradeado a que se refere o Conde de Ségur nas suas Memórias.

Por detrás do coro da igreja situa-se o cemitério, fundado em 18 de Abril de 1834, e, por último, o quintal e a cerca.

A grade dupla e o tecto primitivo em maceira.

© Vítor Cardoso / DRaC

O adro, os corpos da sacristia, da capela-mor e da nave da igreja, a torre sineira e a portaria principal, em meados do século XX. © MAH / espólio Dr. Baptista de Lima

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3.1. A pintura dos oratórios e do coro alto – vivências locais e pintura de feição regional

Na intercepção das galerias do piso superior do claustro quinhentista, a que se tem acesso através das escadas situadas no canto de cada uma delas, encontram-se, hoje em dia, quatro oratórios.

No corredor que dá acesso ao coro alto localizam-se os oratórios de Nossa Senhora do Rosário, de Nossa Senhora do Carmo e de S. Mateus (o segundo e o terceiro integrados actualmente num compartimento separado do corredor por uma divisória de madeira, onde funciona um consultório médico).

Pedro de Merelim refere-se-lhes do seguinte modo: «Atardam-se os olhos, não sem emoção, nos três oratórios de bela traça embutidos na parede do corredor do coro. Enriquecidos por talha dourada e colunas salomónicas, exprimem a opulência artística imperante naqueles tempos. Vivos e preciosos nas suas linhas, indiferentes ao rolar das décadas e das centúrias, neles se pode ainda admirar pinturas dos séculos dezassete e dezoito, representando figuras da Igreja, como Nossa Senhora do Rosário, S. Pedro, S. Francisco Xavier, S. Paulo, S. Caetano, Nossa Senhora do Carmo, Santa Catarina de Sena, Santa Rita

Fig. 1 - Sequência de três oratórios, antes da construção da divisória © MAH / espólio Dr. Baptista de Lima

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Delantícia, S. Mateus, S. João Evangelista, Santa Rita, Santa Anastácia, S. Vicente Ferreira e outras que a memória não retém.»26

Noutra ala perpendicular encontra-se o oratório de S. João Baptista. Além dos oratórios mencionados, de acordo com Pedro de Merelim e Baptista de Lima, existiram anteriormente os de Santa Maria Madalena, de Nossa Senhora dos Remédios, dos quais se encontram depositadas no Museu de Angra do Heroísmo diversas partes componentes, à excepção das pinturas centrais, na sequência dos danos causados pelo sismo de 1980, e, ainda, o do Senhor Jesus das Misericórdias, considerado desaparecido na altura em que Baptista de Lima elaborou a memória histórica acima referida.

Baptista de Lima alude também, no dito documento, às capelas do «Senhor amarrado à Coluna e do Senhor dos Passos outrora existentes no corredor que dá acesso ao Coro de Cima.»27

Segundo Pedro de Merelim, as respectivas imagens «foram distribuídas por algumas paróquias, inclusive a do Raminho, e famílias das freiras, com excepção das do Senhor da Coluna e Nossa Senhora do Carmo, que estão no coro superior, e a do Senhor dos Passos, exposta para lá da grade no coro de baixo.»28

Os oratórios apresentam retábulos pintados sobre madeira ou tela (no caso das pinturas centrais de Nossa Senhora do Rosário e de Nossa Senhora do Carmo) e os respectivos volantes uma vez abertos formam, com as pinturas centrais, trípticos ou polípticos, normalmente relacionados com o tema da pintura central. Os volantes apresentam também na face exterior pinturas da mesma época, à excepção do oratório de S. João Baptista.

Na opinião de Baptista de Lima, «estas pinturas de valor diverso que nunca ultrapassa uma mediania, mesmo dentro do maneirismo conventual, pertencem aos séculos XVII e XVIII, embora com restauros e mutilações de épocas posteriores. Entre as pinturas de maior valor destes oratórios ou passos podem-se indicar as do de Santa Maria Madalena e do de S. João Baptista.»29

Concordando na generalidade com Baptista de Lima, parece-nos, no entanto, que as pinturas dos dois últimos oratórios referidos deverão ter sido produzidas ainda no século XVI, sendo, portanto, as mais antigas do conjunto actualmente conhecido, incluindo as componentes depositadas no Museu de Angra do Heroísmo.

Oratório de S. João Baptista

26

Merelim. 1960, Vol. I: 123. 27

Lima, s. d.: 3. 28

Merelim. 1960, Vol. I: 157. 29

Lima, s. d.: 3.

Fig. 2 - «Aspecto exterior do oratório de S. João Baptista» – informação e fotografia de meados do século XX

© MAH / espólio Dr. Baptista de Lima

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Trata-se de uma pintura a óleo sobre tábua de cedro, datando provavelmente do período compreendido entre 1550 – 1625, pois evidencia, quer a nível da técnica, quer do tratamento das figuras, semelhanças com o conjunto de pintura sobre madeira produzida nos Açores durante os séculos XVI e XVII exposto no Museu de Angra do Heroísmo, aquando da sua reabertura ao público, em 1997, nomeadamente com o díptico do Calvário, da primeira metade do século XVI30.

Francisco Pedroso de Lima refere no desdobrável alusivo à dita exposição temporária: «Embora a escassez de elementos e a falta de documentação relativa a estas obras tornem muito difícil a identificação das suas oficinas e mesmo dos seus autores, uma abordagem iconográfica, bem como dos seus materiais de suporte, pode sem dúvida alguma levar-nos a entender qual o contexto e em que circunstâncias históricas surgiram estas pinturas.»

Convém também recordar o que Vítor Serrão afirma, a propósito do Tríptico da Aparição de Cristo à Virgem, obra anterior procedente da Praia da Vitória e actualmente no Museu de Angra do Heroísmo – «[...] pintado em madeira de cedro local por um artista angrense do primeiro terço do século XVI, obra decerto secundária quando comparada com os grandes modelos da pintura de Lisboa dos mesmos anos, e reveladora de um gosto profundamente retardatário, inspirada em modelos goticizantes e em xilogravuras alemãs do século XV, mas sentimos nela, por via ingénua, essa força actualizada e sensorial que é apanágio dos criadores audazes e dos olhares informados: a linguagem é pessoal, explícita, marca um destino e uma comunicabilidade

30

MAH, n.º inv.º R.92.669.

Fig. 3 - Pintura central – “Baptismo de Cristo” © Vítor Cardoso / DRaC

Fig. 4 - Calvário (díptico)

MAH © CECRA

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ardente, que prova em absoluto o desejo de o mercado angrense de Quinhentos desejar [sic], também ele ser produtor dos seus próprios programas imagéticos e de ter, por isso, mão-de-obra disponível para essa função.»31

As colunas laterais estriadas inserem-se na talha de risco maneirista.

As faces interiores dos volantes apresentam pinturas de melhor qualidade que a pintura central, seja no tratamento dos rostos e da anatomia das personagens bíblicas, seja no movimento natural que as envolve, levando-nos a corroborar Francisco Pedroso de Lima, quando afirma: «Os Açores de quinhentos, embora periféricos, como hoje, em relação à Europa, não estavam tão longe dos principais centros de produção artística – o norte da Europa e a península itálica – no que diz respeito à arte pictórica»32. As influências da arte flamenga ou dos antigos Países Baixos são notórias nestas duas pinturas.

De acordo com Dagoberto Markl, nesse período Portugal foi palco do cruzamento das mais importantes correntes artísticas internacionais, chegando ao ponto de, na própria oficina e até mesmo nos próprios pintores, ser notória uma abertura cosmopolita e uma permeabilidade aos mais variados critérios de gosto, incluindo as influências do Oriente decorrentes da expansão marítima. É nesse «seu comportamento fortemente sui generis e libertário» que reside em essência a grande força da arte portuguesa, segundo Vítor Serrão.

31

“Do vernáculo ao lirismo efabulista: algumas das linhas confluentes da arte portuguesa”: 1-2. 32

Desdobrável citado na página anterior.

Fig.s 5 e 6 – Faces interiores dos volantes Lado esquerdo – “Degolação de S. João Baptista” Lado direito – “Visitação de St.ª Isabel”

Pinturas a óleo sobre tábua de cedro © Vítor Cardoso / DRaC

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22

Fig. 7 – «Aspecto exterior do oratório de St.ª Maria Madalena» Informação e fotografia de meados do Século XX – © MAH / espólio Dr. Baptista de Lima Fig.s 7a e 7b – Faces exteriores dos volantes, actualmente, em depósito no MAH.

•Esquerda – Santa Clara de Assis?

•Direita – outra santa clarissa? Século XVI © Paulo Lobão / MAH

7 7a e 7b

Oratório de Santa Maria Madalena

Fig. 8 - Tímpano – escultura ou alto-relevo representando o Padre Eterno, rodeado por anjos pintados a óleo sobre madeira. Vê-se «o fundo de pedra vazio, em virtude de haver sido dele retirada a pintura sobre tela que representava Santa Maria Madalena». Informação e fotografia de meados do Século XX – © MAH / espólio Dr. Baptista de Lima Fig. 8a – Tímpano – Depósito no MAH. 1550 – 1600? © Paulo Lobão / MAH

8

8a

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23

À excepção da pintura central, as restantes partes componentes deste oratório encontram-se, na actualidade, em depósito no MAH.

As mencionadas influências de cariz orientalizante, na representação das figuras e dos espaços ou pormenores envolventes perpassam nas pinturas laterais.

Duas telas existentes no altar lateral de Santa Luzia da Igreja Matriz de Santa Cruz da Graciosa, às quais Hipólito Raposo se refere do seguinte modo: «[...] representam dois santos de fisionomia chinesa, vestidos de roupão talar com efeitos dourados, talvez o próprio quimão (ou queimão) de que falam Fernão Mendes e Diogo do Couto. Para ali trazidas na centúria de seiscentos em nau do Oriente que desse à costa por temporal, ou à ilha viesse procurar refresco, pelo seu raro e expressivo exotismo esses dois quadros bem merecem ser considerados num inventário para estudo de pintura luso-asiática.»33

33

Hipólito Raposo. 1942. Descobrindo Ilhas Descobertas, Porto

Fig. 9 – Lado direito e face interior do volante direito

Fotografia de meados do Século XX – © MAH / espólio Dr. Baptista

de Lima Fig. 9a – Tábua, actualmente em

depósito no MAH Pintura sobre madeira

1550 - 1625? © Paulo Lobão / MAH

9

9a

10ª e 10b - “Sto. IGNATIVS DE IOIOLA” e “S. FRANCISCVS XAVERIVS”

Fig.s 10ª e 10b - Fotografias de pormenor de frente, metade superior, radiação infravermelha, recolhidas durante a intervenção efectuada no CECRA. © CECRA

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24

As inscrições dos nomes dos santos das telas da Matriz de Santa Cruz da Graciosa são semelhantes às inscrições patentes na maioria dos volantes dos oratórios seguintes.

As colunas laterais estriadas que se observam nas fotografias do oratório ainda instalado no seu local de origem são idênticas às do oratório anterior, prevalecendo o gosto maneirista em todos os elementos decorativos da estrutura.

11

11a

Fig. 11 - Lado esquerdo © MAH / espólio Dr. Baptista de Lima

Fig. 11a – Tábua, actualmente em depósito no MAH. Um dos Santos Mártires do Japão (23 franciscanos e 3 jesuítas), mortos em 1597 e canonizados em 1627? A palma é um atributo de todos os mártires. Transição do século XVI para o século XVII? © Paulo Lobão / MAH

12

12b

Fig. 12 - Face interior do volante direito

© MAH / espólio Dr. Baptista de Lima

Fig. 12a – Volante, actualmente em depósito no

MAH.

•Superior – S. Francisco Xavier?

•Inferior – São Jerónimo? Pintura sobre madeira

1550 - 1625? © Paulo Lobão / MAH

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25

13

13a

Fig. 13 – Face interior do volante esquerdo Fotografia de meados do Século XX © MAH / espólio Dr. Baptista de Lima

Fig. 13a – Volante, actualmente em depósito no MAH.

•Superior – Santo cujos atributos são um báculo e um livro (Santo Amaro?).

•Inferior – S. Lucas, Evangelista? Pintura sobre madeira 1550 -1625? © Paulo Lobão / MAH

Fig. 14 – Pintura sobre tela, representando St.ª Maria Madalena, retirada do oratório que lhe era dedicado? – pintura actualmente desaparecida

Fotografia ou postal de meados do Século XX, cuja identificação não consta da listagem manuscrita anexa ao conjunto de fotografias relativas aos exteriores e interiores do Convento de S. Gonçalo que integram o espólio do Dr. Baptista de Lima. Obra inspirada num original de Ticiano (ca. 1530). A legenda de uma pintura exactamente idêntica, inserida na p. 136, do Vol. 8 - ―O Limiar do Barroco‖, da História da Arte em Portugal (Edições Alfa) refere: «Santa Madalena por Soror Maria dos Anjos (Museu Nacional de Lamego). É um exemplo de pintura conventual, produzido por uma freira, explorando um tema que conheceu enorme divulgação na arte seiscentista. O seu nível modesto reflecte o mundo da pintura regional, sem o fulgor, porém, de Josefa de Óbidos.»

14

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26

Oratório de Nossa Senhora dos Remédios (?)

Este oratório já não existiria no Convento de S. Gonçalo à data do levantamento efectuado pelo Dr. Baptista de Lima, dado não constarem do mesmo as respectivas fotografias recolhidas no local, mas as suas partes componentes encontram-se também, e como referimos na página 17, depositadas no Museu de Angra do Heroísmo, à excepção da pintura central.

Não aparenta as influências orientalizantes presentes no oratório anterior, o que nos leva a pensar ser de diferente autoria. O traço e a técnica, assaz rudimentares, bem como a ausência do emolduramento dificultam a datação aproximada deste conjunto, que, todavia, poderá pertencer à primeira metade do século XVII.

Nessa centúria, «o sentimento anti-castelhano manifestado em amplos sectores da sociedade portuguesa, designadamente durante o reinados dos dois últimos Filipes e, sobretudo, com a Restauração e o reinado de D. João IV, originou um muito interessante ―género‖ pictural, que entre nós recebeu particular fortuna: a pintura histórica de ideologia nacionalista.»34

Fig. 15 – Montagem hipotética das partes existentes

Tímpano – anjos e uma coroa de flores pintados a óleo sobre madeira. A respectiva escultura ou alto-relevo foi retirada.

34

Serrão, 2000: 337.

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Faces interiores dos volantes esquerdo e direito

Esquerda Superior – ―A---ARCHA NIÕES‖ [sic] (Tobias e o Arcanjo São Rafael?) Inferior – ―S. CATERINA VIRGEM‖

Direito Superior – ―ARCHANJO:‖ (Arcanjo São Miguel?) Inferior – ―S. VRSVLA‖

Tábuas laterais

Esquerda – ―S. TVILAFONCO‖ (Santo Ildefonso?)

Direita – ―S. BERNARDO‖ Século XVII?

Oratório de Nossa Senhora do Rosário

Trata-se do primeiro oratório da sequência de três, patente na Fig. 1, localizado no corredor que dá acesso ao coro-alto.

Fig. 16 – Volantes Face exterior esquerda

• Superior - S. Pedro • Inferior - S. Francisco

Xavier ? Face exterior direita

• Superior - S. Paulo Apóstolo

• Inferior - S. Caetano ? Pintura sobre madeira. Século XVII? © Vítor Cardoso / DRaC

Fig. 17 – Fundo ou peça central – Nossa Senhora do Rosário, com

S. Domingos e St.ª Catarina de Siena

Pintura sobre tela Século XVII

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28

Influências iconográficas

Importa, uma vez mais, citar Carlos Moura quando refere: «A história da arte produz-se por confronto de experiências, por ensaios que suscitam convergências e antagonismos, por um debate, em suma, entre a rotina cristalizada do passado e a sugestão do novo.

Fig. 18 – Cornelis Galle II VIRGO MARIA SS. MI ROSARII

Gravura flamenga Século XVI – XVII ©Achenbach Foundation For Graphic Arts, E.U.A.

Fig. 19 – Nossa Senhora do Rosário com S. Domingos e St.ª Catarina de

Siena, Bento Coelho

Cerca de 1675-1680 Lisboa, Igreja da Madre de Deus

© P. Cintra e L. Castro Caldas Cat., p. 271

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29

22 – Face interior do volante esquerdo

• Superior - ―S. PEDRO PRINCIPE DA IGREJA‖

• Inferior - ―S. FRANCISCO XAVIER‖ (apresenta os atributos de S. Filipe de Néri)

Pintura sobre madeira. Século XVII?

23 – Face interior do volante direito

• Superior - ―S. PAULO APOSTOLO‖

• Inferior - ―S. CAETANO‖

Pintura sobre madeira. Século XVII?

Page 30: A Pintura no Convento de S. Goncalo de Angra

30

Oratório de N.ª Senhora do Carmo

24 – Volantes

Face exterior esquerda

• Superior – Arcanjo S. Miguel

• Inferior – Arcanjo S. Rafael?

Face exterior direita

• Superior – Arcanjo S. Gabriel

• Inferior – Arcanjo Ezequiel?

Pintura sobre madeira. Século XVII – XVIII?

25 - Vista geral do oratório aberto

Page 31: A Pintura no Convento de S. Goncalo de Angra

31

26 - Fundo ou peça central - Nossa Senhora do Carmo, rodeada por

frades e freiras carmelitas

Pintura sobre tela

Século XVII – XVIII?

27 – Face interior do volante esquerdo

• Superior - ―S. FRANCISCA DO LIVRAMENTO‖, envergando o hábito franciscano

• Inferior - ―S. MARIA DELANTICVA‖, (envergando o hábito franciscano de noviça?) «A Madre Anunciada (como é tratada pelas outras religiosas e pelos confessores, segundo conta) menciona dois livros lidos em voz alta na Comunidade, qualquer deles narrando a vida de uma freira considerada Venerável: os relativos, respectivamente, à autora Maria de la Antigua, falecida em 1617 em Espanha, e a Francisca do Livramento, falecida em 1726 no Mosteiro da Esperança, em Ponta Delgada.» Lalanda. 2005, 298.

Pintura sobre madeira

Século XVIII?

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32

Nota - «La venerable Sor María de la Antigua (1566-1617) - monja visionaria y mística de las clarisas franciscanas en la clausura del convento de la Purísima Concepción ( ―Santa María‖ ) en Marchena ( Sevilla ), quien ―hablaba con Cristo 22 horas al dia‖, expresó sus trances e intercambios espirituales en las 850 páginas de Desengaños de religiosas y almas que tratan de virtud, confesiones que no se llevaron a la imprenta hasta 1678.» In Ignacio Darnaude Rojas-Marcos. Los Otros Evangelios Heterodoxos : vida y enseñanzas de Jesús de Nazaret en modernas obras reveladas. www.galeon.com/...marianas/Evangelios%20Revelados%20E.T.doc

28 – Face interior do volante direito

• Superior - ―S. CATHERINA DECENA‖ , envergando o hábito da Ordem Terceira de S. Domingos

• Inferior - ―S. MARIA DEIESVS‖, envergando o hábito da Ordem Terceira de S. Domingos

Pintura sobre madeira

Século XVIII?

29 - Pormenor da decoração do arco

Page 33: A Pintura no Convento de S. Goncalo de Angra

33

Oratório de S. Mateus

30 – Volantes Face exterior esquerda

• Superior – S. Boaventura

• Inferior – St.º António

Face exterior direita

• Superior – S. Tomás de Aquino

• Inferior – Rafael Pintura sobre madeira

Século XVII – XVIII?

31 - Vista geral do oratório aberto

Page 34: A Pintura no Convento de S. Goncalo de Angra

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32 - Fundo ou peça central – “S. Mateus” Pintura sobre madeira, emoldurada por um retábulo de talha esculpida e dourada ao ―estilo nacional‖ Século XVIII?

Page 35: A Pintura no Convento de S. Goncalo de Angra

35

33 - Face interior do volante esquerdo

• Superior - ―S. VISENTE FEREIRA‖

• Inferior - ―S. ANNAESTASIA‖

Pintura sobre madeira

Século XVII – XVIII ?

34 – Face interior do volante direito

• Superior - ―S. JOAM EVANJELISTA‖

• Inferior - ―S. RITA‖

Pintura sobre madeira

Século XVII – XVIII?

Page 36: A Pintura no Convento de S. Goncalo de Angra

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Coro Alto

«Entre los diversos temas religiosos que manejó Cabrera en su pintura, se encuentran los relacionados con Jesús y la Virgen María. En el Museo Nacional del Virreinato se encuentran dos lienzos que muestran al Divino Pastor y la Divina Pastora, y que simbolizan el cuidado de ambos personajes sobre el género humano — representado por las ovejas — para evitar que caiga en las tentaciones del demonio y el pecado. Ambos óleos muestran una de las características de la pintura novohispana del siglo XVIII: la utilización de colores que ciertos autores han calificado como "dulzones". En general, Miguel Cabrera empleaba los colores pastel en sus composiciones, y combinaba colores fuertes y fríos como el azul y el verde sobre fondos de tonalidades amarillas —lo que suscitaba en el espectador una sensación de calidez y tranquilidad.» MNV/INAH/CONACULTA

47 - “Divina Pastora”

Pintura a óleo sobre tela, emoldurada pela talha do altar lateral do lado do Evangelho

Século XVII - XVIII?

47a e b

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48 - Oratório pequeno envidraçado (maquineta) “Nossa Senhora das Dores”

Pintura rodeada nas extremidades por flores, confeccionadas com búzios, outras conchas, escama de peixe e cera?

Final do Século XVIII – Século XIX ?

«Com muita paciência, engenho e gosto artístico, de flores compostas por mãos delicadas, de búzios e outras conchas que o mar ofereceu, trabalhando cuidadosamente a cera, e contando com as horas e com os dias mais longos do que hoje..., em muitos conventos e mosteiros surgiam os pequenos oratórios envidraçados (maquinetas) [...].» F. J. Cordeiro Laranjo. 1991. Cidade de Lamego: Museu de Lamego. Lamego, Câmara Municipal: 55.

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Portaria

49 - São Miguel Arcanjo e as almas do Purgatório

Segunda metade do século XVII? © José Guedes da Silva - CECRA

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4. A IGREJA

A única referência que se conhece do templo anterior a este, ou seja, do primitivo, consiste na já mencionada planta panorâmica de Linschoten (1595), onde o mesmo aparece representado em sentido perpendicular ao actual35, no ângulo sudoeste da ala sul do imóvel.

A actual igreja encontra-se situada no ângulo sueste, data do século XVII, tendo sido construída em alvenaria, com base num agrupamento de três corpos principais: capela-mor, nave, coro baixo e coro alto, separados do templo propriamente dito por um gradeamento de ferro de forma oblonga.

O edifício assim formado tem um comprimento de 30 m, uma largura de 8,6 m e uma altura de 13,6 m, medida sobre a fileira do corpo do coro alto, que é constituído por dois andares, sendo o seu acesso feito através de uma escada exterior adjacente ao lado esquerdo. A torre que se eleva a 17 m insere-se no topo e no seguimento da escada.36

As coberturas são constituídas por estruturas de madeira, incorporando na capela-mor, na nave e no coro alto tectos de abóbadas de madeira pintada – no caso da nave, a abóbada é atirantada.

A igreja do convento de São Gonçalo é de nave única, caracterizando-se por um estilo austero e vernacular, designado ―estilo chão‖.

Segundo refere Yves Bottineau, no âmbito do longo período maneirista37 - «o perito detecta, imediatamente, em S. Miguel e na Terceira, as características

35

Merelim. 1960, Vol. I: 119. 36

Rosa. 1998: 162. 37

Para José Manuel Fernandes (1989: 51), quanto à evolução urbanística da vila/cidade de Angra, sucede-

se «a uma fase inicial de cariz gótico-manuelina, de que há vestígios escassos, uma época maneirista, que

50 - Fachada nascente da igreja – corpos da capela-

mor, da nave e do coro. © MAH / espólio do Dr. Baptista de Lima

Page 40: A Pintura no Convento de S. Goncalo de Angra

40

às quais Portugal e o Brasil o habituaram: a predilecção pela igreja de concepção unitária, construída a partir de um plano rectangular e reunindo os seus diversos elementos sob um telhado de duas águas38; a influência das catedrais das novas dioceses do século XVI (Leiria e Portalegre); o pertencerem ao «estilo chão» e à sua decoração lisa, densa, maneirista».39

George Kubler, autor no qual se baseiam Yves Bottineau e José Manuel Fernandes, emprega a expressão «estilo chão» para caracterizar a arquitectura portuguesa do período maneirista que utilizou o formulário clássico internacional com elevado grau de depuração, austeridade e sentido simplificatório, e informa-nos, também, que «os interiores destes edifícios enriquecidos somente pelo requinte de proporções, e os seus exteriores friamente racionais, subsistiram sem outra ornamentação por cerca de um século, como se preservados de mudança pela peculiar interrupção temporal sob o domínio espanhol, quando o tempo histórico parece haver parado em Portugal de 1580 a 1640. [...] Contudo, a partir de cerca de 1675 os portugueses começaram a decorar profusamente estes interiores nus com a nova talha dourada [...]».40

Segundo Teresa Fonseca Rosa, no período compreendido entre 1602 e 1605, «realizaram-se importantes obras no convento, sendo feita de novo a Igreja em ―estilo chão‖, por Ordem do Bispo de Angra, D. Jerónimo Feijó, seu prelado, retirando-se a sacristia, que estava na capela-mor, onde foi derrubada a sepultura e jazigo de Brás Pires do Canto em legado perpétuo [...] e retirados os retábulos e oficinas existentes na Igreja.»41 Regista ainda que no ano de 1613 a comunidade religiosa de São Gonçalo fez uma encomenda de madeira da ilha do Pico, para as obras do dito convento.42

Nada no exterior do edifício, de traça austera, denuncia a rica decoração interior da igreja, provavelmente iniciada na transição do século XVII para o século XVIII, à excepção do púlpito e respectiva escada, cuja decoração parece ser anterior.

A entrada principal do templo é feita pela porta do lado do Evangelho. A partir dos finais do século XVII e durante o século XVIII sucedem-se diversas campanhas artísticas de reconstrução na parte estrutural e decoração. Com a unidade ornamental da nave contrasta o altar-mor, que é constituído por um retábulo datando do período rococó (segunda metade do século XVIII).

É na nave e no coro alto que se concentram as maiores riquezas decorativas e ornamentais – uma talha dourada que se integra no ―estilo

se interpenetra no “Estilo Chão”, sensivelmente entre 1570 e meados do século XVIII – e que

corresponde à época áurea da vida angrense.» 38

No caso da igreja de S. Gonçalo, a capela-mor constitui um corpo adjacente, de telhado

significativamente mais baixo, face ao corpo da nave, talvez devido à renovação de que foi objecto na

segunda metade do século XVIII, bem como a sacristia. 39

Bottineau. 1983: 105. 40

Kubler. 1988: 5. 41

Rosa. 1998: 167. Estas informações constam das folhas 2 e 10, Maço 611, Caixa 713 (Ilhas dos Açores)

da documentação do Ministério do Reino existente no Arquivo Nacional / Torre do Tombo. 42

Ibidem: 169. BPARAH, Fernão Feyo (tabelião), “Livro de Notas N.º 1”, 27/03/1613, fl. 3.

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41

nacional‖43 e que emoldura seis pinturas a óleo sobre tela, as duas janelas que, de ambos os lados da nave, se abrem para o exterior, iluminando-a, e a grade oblonga dos coros alto e baixo.

A parte inferior das paredes da igreja «recebeu azulejamento em grandes painéis figurados azuis, que vão do pavimento até às sobreportas, em 29 azulejos de altura [...]. Sobre uma primeira área ornamental de sete azulejos com cartelas centrais ladeadas por anjos trombeteiros – no centro das quais se pintaram passos da vida de S. Gonçalo de Amarante –, erguem-se quatro painéis, a dois por banda, um dos quais interrompido pelo púlpito e respectiva escada.»44 Estes painéis, definidos por cercaduras de dois azulejos de folhagens nos limites horizontais e por putti em pilastras nos limites laterais, relatam a história de José do Egipto, cujos passos são elucidados por legendas latinas.

Santos Simões, na década de 1960, não duvidou «atribuir esta azulejaria aos abadessados da Madre Brites Maria de S. Bernardo, ou seja, de época compreendida entre 1733-42, de tal forma a encontro característica da grande produção azulejar lisboeta deste período, sendo este conjunto [...] o mais expressivamente «joanino» de quantos se conservam no arquipélago.»45

Todavia, mais recentemente, especialistas como José Meco e Alexandre Pais, conservador do Museu Nacional do Azulejo, colocam a hipótese do dito conjunto poder remontar à primeira ou à segunda década do século XVIII, havendo que proceder a um estudo, quer de arquivo, quer de análise comparativa face a outras obras semelhantes existentes no território continental ou no Brasil.

O coro alto conserva ainda todo o cadeiral, apresentando no arco da grade um conjunto de painéis em ―chinoiserie‖, aplicadas a folha de ouro sobre madeira pintada, segundo a técnica do acharoado.

Concordamos com José Fernandes Pereira, ao afirmar no capítulo intitulado ―Resistências e aceitação do espaço barroco: a arquitectura religiosa e civil‖ da História da Arte em Portugal: «Em pleno oceano e na rota para o Brasil, o arquipélago dos Açores conheceu igualmente um florescimento arquitectónico, cujo sentido, em analogia geográfica, o situa entre a Europa e a América do Sul, sem esquecer as peculiaridades insulares.»46 Estas, traduzem-se essencialmente, segundo Yves Bottineau, pelo emprego de materiais escuros, de origem vulcânica, a marcar os ângulos e os limites dos volumes, a enquadrar e ornamentar as aberturas, «esculpidos com tenacidade e sentido poético [...]».47

Também nos Açores, a erupção do barroco é limitada pela presença de ordens religiosas que, tal como no continente português, se mantêm fiéis aos programas herdados. Assim, o desenvolvimento do novo estilo conhecerá

43

Classificação sugerida por Robert Smith, abrangendo o último quartel do século XVII e o primeiro do

século XVIII. 44

SIMÕES. 1963: 47. 45

Ibidem: 48. 46

Moura (coord). 1989. Vol. 8: 58. 47

Bottineau. 1983: 107.

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42

maiores facilidades de imposição por via decorativa, ostentando os azulejos e os retábulos um esplendor idêntico ao continental e pressupondo, conjuntamente, o aumento do número de janelas e de uma melhor iluminação interior, bem como a multiplicação dos ornatos nas fachadas principais48. Para Bottineau, «Entre os prestigiosos exemplos de talha, devem apontar-se os da igreja do Convento de S. Gonçalo em Angra.»49

Este templo sofreu danos generalizados e profundos, provocados pelo sismo de 1980:

- «Fendilhação e deslocamento das paredes de separação dos corpos, com fracturas importantes nos óculos das aberturas e arcos subjacentes.

- Fendilhação e deformação das paredes exteriores do corpo do Coro Alto, com fracturas importantes nos cunhais e nas zonas adjacentes às aberturas.

- Fendilhação das paredes exteriores da Capela-mor, com especial

incidência nas aberturas e no vão (arco) emparedado da empena.»50

Sofreu também estragos vários nos materiais de revestimento, nomeadamente nos painéis de azulejos, na talha dourada, nos revestimentos do altar-mor, nas paredes e nos tectos de madeira pintados.

A obra de recuperação, que decorreu entre Fevereiro de 1989 e Agosto de 1990, foi conduzida de modo a não destruir e danificar os materiais de revestimento e a decoração da igreja.

Acabados os trabalhos de engenharia civil, procedeu-se ao restauro de todas as talhas e mobiliário, trabalho executado por um conjunto de marceneiros locais, colaboradores da SREC / DRAC e formados na Região pela equipa de restauro da Fundação Ricardo Espírito Santo.

Os custos totais da obra importaram em noventa e seis mil contos51.

O restauro da azulejaria foi realizado no ano seguinte pelo então Centro de Estudo, Conservação e Restauro de Obras de Arte, anexo ao Museu de Angra do Heroísmo e criado pelo Decreto Regulamentar Regional n.º 54/80/A, de 18 de Novembro 52.

48

O que não é notório nas fachadas das duas entradas da igreja de S. Gonçalo. 49

Bottineau. 1983: 106. 50

SREC. 1990: 1. 51

GUEDES, J. H. Correia, Dez Anos Após o Sismo dos Açores, 1 de Janeiro de 1980, Vol. II. 52

Funcionou até essa data como oficina do referido museu.

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43

4.1. Enquadramento do programa da nave – o bel composto nos programas artísticos do limiar do Barroco

O bel composto ou relação integral entre géneros decorativos nos programas artísticos do limiar do Barroco

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44

Igreja do Convento de S. Gonçalo

52 – Nave e capela-mor

A actual capela-mor e o respectivo retábulo pertencem a uma campanha de obras mais recente, no contexto do período rococó, em virtude da necessidade de diminuir a sua área primitiva.

53 – Regista Luís de Moura Sobral, na sua obra Do Sentido das Imagens (1996): «deve-se considerar Bento Coelho como um dos criadores, nos finais do século XVII, da decoração típica das igrejas lisboetas ou, mais genericamente, portuguesas, que combinam quadros com caixilhos de talha dourada com grandes painéis de azulejos, esculturas de madeira e outros objectos artísticos. Um bom exemplo desta integração barroca das diversas artes pode admirar-se no Convento das Comendadeiras da Encarnação, em Lisboa, onde todos os quadros foram executados por Bento Coelho nos finais do século.» (p. 60)

51 – Edifício de planta rec- tangular, nave única e dois coros sobrepostos, separados da nave por uma grade oval, emoldurada de forma belíssima por talha barroca de «Estilo Nacional» (finais do século XVII – primeiro quartel do século XVIII), a chamada ―igreja toda de ouro‖. As pinturas a óleo sobre tela, também emolduradas pela talha, representam os ciclos da vida da Virgem e da infância de Jesus. Terão sido executadas em Lisboa por um dos artistas da oficina de Bento Coelho da Silveira (1620 – 1708), dada a semelhança evidente, em alguns casos, com as telas da Igreja de N.ª Senhora da Encarnação das Comenda-deiras de Avis, daquela cidade, pintadas cerca de 1697 pelo referido autor.

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Nave (I)

54 - Desposórios da Virgem Pintura a óleo sobre tela

1690 – 1720?

Segundo Luís Moura Sobral, Bento Coelho da Silveira pintou várias versões deste tema em diversos momentos da sua carreira, seguindo invariavelmente um esquema simétrico na organização da cena. A tela da Igreja de N.ª Senhora da Encarnação das Comendadeiras de Avis, de grandes semelhanças com a do Convento de S. Gonçalo, repete e amplifica a fórmula do quadro, contemporâneo, da igreja do Convento de Santa Helena de Évora – uma nova movimentação dos actores, com um S. José jovem e elegante e um figurante de óculos a olhar com curiosidade para a Virgem -, numa espécie de síntese das anteriores versões.

54a

54b

«Trata-se duma pintura ampla e de tom quase profano, que joga com a variada movimentação das personagens, com a sua distribuição em grupos descontraídos, com a continuidade e descontinuidade narrativa entre esses grupos, com o brilhante cromatismo das roupagens, e com um relativo exagero de certos gestos e expressões.» (Sobral, 1998: 384)

No caso da tela de S. Gonçalo, o esquema será mais simplificado, mas também inclui na parte superior uma glória de anjinhos, dois dos quais se preparam para colocar coroas de flores nas cabeças dos noivos. Poderá ser da autoria de um discípulo ou adjunto de Bento Coelho, talvez um dos membros da família Silva Paz, como propõe Vítor Serrão – Lourenço da Silva Paz (1666 – 1718)?

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46

Nave (II)

55 - Anunciação Pintura a óleo sobre tela

1690 – 1720 ?

A disposição das personagens, em especial a postura da Virgem, assemelha-se mais às gravuras de Willem van de Passe (55a) do que à tela da Igreja das Comendadeiras da Encarnação (55b). Mas, neste caso, o arcanjo Gabriel aponta para a pomba do Espírito Santo com o braço esquerdo, segurando com a mão direita um ceptro, ao invés da flor-de-lis.

55a

55b - «A Anunciação mais integralmente barroca de Bento Coelho – em realidade a primeira Anunciação barroca portuguesa e provavelmente uma das mais belas pinturas portuguesas do século XVII – é sem dúvida a enorme tela das Comendadeiras da Encarnação. A obra é ampla, o espaço está correctamente pontuado pelos dois majestosos protagonistas e por um certo número de móveis e de objectos executados com cuidado. O anjo entra de rompante, transportado numa nuvem e acompanhado por três rechonchudos anjinhos (...). » 55b

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47

Lado do Evangelho

56 - Visitação Pintura a óleo sobre tela, encimando o altar lateral de S. Gonçalo 1690 – 1720?

Mais uma vez, é evidente a semelhança com a tela das Comendadeiras da Encarnação (ca. 1697)

56a

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48

Lado da Epístola

57 - Apresentação do Menino no Templo

Pintura a óleo sobre tela, encimando o altar lateral de Nossa Senhora do Rosário. 1690 – 1720?

À semelhança da pintura de Santa Maria de Olivença (41c), reproduz-se nesta tela com fidelidade quase todo o modelo parisiense de Simon Vouet, com as figuras deslocadas para a direita da composição, o que revela, também, a utilização da estampa de Michel Dorigny.

57b – Gravura de Michel

Dorigny (1641), segundo Simon

Vouet

57a – “La Presentation au Temple”, de Simon

Vouet, pintura a óleo sobre tela datada do segundo quartel do século XVII (Paris, Museu do Louvre)

57c – “Apresentação do Menino no Templo‖, uma das telas da capela-mor da Igreja de N.ª Sr.ª do Castelo, em Olivença, datada de cerca de 1700 e atribuída hipoteticamente a António Pereira Ravasco, segundo decalque fidedigno da gravura de Michel Dorigny, como refere Vítor Serrão (A Cripto-História de Arte, pp. 139-144).

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49

Nave (III)

58 - Fuga para o Egipto Pintura a óleo sobre tela

1690 – 1720? Na pintura da Idade Moderna (séculos XVI – XVIII), verifica-se ser mais frequente a representação da variante iconográfica ―Repouso na fuga para o Egipto‖.

58a – “Fuga para o Egipto”, de Pieter Paulus Rubens

Pintura a óleo sobre madeira

ca. 1613-1614 (Lisboa, Museu Gulbenkian)

58b – “Fuga para o Egipto”, de Cornelis Galle II

Gravura, cujo modelo foi a pintura de Rubens existente no Museu Gulbenkian

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50

Nave (IV)

59 - Jesus entre os Doutores Pintura a óleo sobre tela

1690 – 1720?

59a – Johannes Sadeler I, a partir de Martin de Vos,

Jesus entre os Doutores (1582). (Antuérpia, Stedelijk

Prentenkabinet)

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51

Capela-mor – lado do Evangelho

60 - Adoração dos Pastores

Pintura a óleo sobre tela

1690 – 1725?

Esta pintura, bem como a seguinte, não terá sido produzida pela mesma mão que pintou as seis telas da nave da igreja, evidenciando menor qualidade, mas insere-se no respectivo ciclo. Apesar da inversão das posições das personagens, são claros os paralelismos estilísticos com as obras de Bento Coelho. Na Igreja das Comendadeiras da Encarnação existe uma tela deste autor (ca. 1697) também semelhante à da capela-mor do Convento de São Gonçalo.

60a - Adoração dos Pastores, Bento Coelho

Cerca de 1670-75

Coimbra, Museu Nacional de Machado de Castro

60b - Adoração dos Pastores, Bento Coelho

c. 1697

Igreja das Comendadeiras da

Encarnação de Avis

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52

Capela-mor – lado da Epístola

61 - Adoração dos Reis Magos

Pintura a óleo sobre tela

1690 – 1725 ?

Comparativamente à pintura das Comen-dadeiras da Encarnação, neste caso o Mago Baltazar mantém-se, à maneira tradicional, no lado esquerdo da cena. Verificam-se semelhanças com outras obras de Bento Coelho, ou do seu círculo, sobre o mesmo tema iconográfico, inspiradas em modelos rubensianos – a do Museu de S. Roque (ca. 1655) e a da Igreja de São Tiago de Alfama (ca. 1670), em Lisboa.

61b – Segundo Luís de Moura Sobral, entre as mais espectaculares versões desta história por Bento Coelho, encontra-se «a magnífica e definitivamente barroca, Adoração das Comendadeiras da Encarnação, já dos finais do século [XVII], movimentadíssima, cheia de actores secundários e com um Baltasar soberbamente ataviado, a fechar a composição do lado esquerdo.» (Bento Coelho..., p. 200)

61a – “La Adoración de los Magos”, de Pieter Paulus

Rubens (1577-1640) Óleo sobre tela

Escola Flamenga Século XVII

(Madrid, Museu do Prado) Originariamente mais pequena,

esta tela foi ampliada pelo próprio Rubens, na parte

superior e à direita, vinte anos depois de ter sido pintada.

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53

Sacristia

62 - Crucificação

Pintura a óleo sobre tela

1690 – 1750?

62a - Crucificação, Bento Coelho

Cerca de 1690

Lisboa, Museu Nacional de Arte Antiga, Cat., p. 352

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FONTES E BIBLIOGRAFIA

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