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A poesia brasileiro modernista pós- heroica. Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Vinícius de Moraes, Cecília Meireles,

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Page 1: A poesia brasileiro modernista pós- heroica. Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Vinícius de Moraes, Cecília Meireles,

A poesia brasileiro modernista pós-heroica.

Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Vinícius de Moraes, Cecília Meireles,

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Aspectos gerais

Poesia desenvolvida após a chamada “fase heroica” do modernismo brasileiro.

Uma conquista de dimensões temáticas novas: política em Drummond e em Murilo Mendes; religiosa em Murilo Mendes, Cecília Meireles e Augusto Frederico Schmidt; experiências metafísicas em Vinícius de Moraes, Cecília Meireles, Henriqueta Lisboa, etc.

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Carlos Drummond de Andrade

Nascido em Itabira em 1902, o poeta morreu, quando possuía 85 anos, no Rio de Janeiro.

Possuía uma aguda percepção de um intervalo entre as convenções e a realidade, elementos mesclados aos humor, traço constante na poesia drummondiana.

Seus poemas de temática política se encontram Rosa do povo. Entretanto, essa fase durou pouco.

Em Claro Enigma (1948-1951) o desencanto passou a permear a poesia de Drummond.

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Carlos Drummond de Andrade

Assim, os poemas drummondianos passam a escavar o real mediante um processo de interrogações e negações que acaba revelando o vazio à espreita do homem no coração da matéria e da história.

O mundo define-se como “um vácuo atormentado, um sistema de erros.

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Carlos Drummond de Andrade

agudo olfato,o agudo olhar, a mão, livre de encantos, se destroem no sonho da existência. (A Ingaia Ciência)

De tudo quanto foi meu passo caprichosona vida, restará, pois o resto se esfuma, uma pedra que havia em meio do caminho. (Legado)

E calamos em nós, sob o profundo instinto de existir, outra mais puravontade de anular a criatura. (Fraga e Sombra)

É sempre nos meus pulos o limite

É sempre nos meus lábios a estampilhaÉ sempre no meu não aquele trauma

Sempre no meu amor a noite rompe.Sempre dentro de mim meu inimigo.E sempre no meu sempre a mesma ausência. (Enterrado vivo)

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Carlos Drummond de Andrade

A abolição de toda crença, o apagar-se de toda esperança trazem consigo o autofechamento do espírito que se crispa entre a sensação e a Coisa, recusando-se a operar o salto, a ruptura, a passagem, que lhe parecem apenas como ilusões a perder.

Nas páginas finais de Claro enigma, o momento da negatividade traduz-se pela dor do desgaste cósmico, como se a sina da queda não tivesse poupado nenhum ser vivo, condenando todo o existente a regredir ao silêncio do reino mineral:

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Carlos Drummond de Andrade

As mais soberbas pontes e edifícios,o que nas oficinas se elabora,o que pensado foi e logo atinge

distância superior ao pensamento, os recursos da terra dominados,e as paixões e os impulsos e os tormentos

e tudo que define o ser terrestreou se prolonga até nos animais

e chega às plantas para se embeber

no sono rancoroso dos minérios,dá volta ao mundo e torna a se engolfar,na estranha ordem geométrica de

tudo,.........................................................

e o absurdo original e seus enigmas,suas verdades altas mais que todosmonumentos erguidos à verdade:

e a memória dos deuses, e o solenesentimento de morte, que floresceno caule da existência mais gloriosa,

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Cecília Meireles

Nasceu em 1901, no Rio de Janeiro, e morreu em 1964.

Suas obras são marcadas por um certo distanciamento do real imediato. Além disso, seus versos estão norteados por um processo imagético para a sombra, o indefinido, quando não para o sentimento da ausência e do nada.

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Cecília Meireles

Traze-me um pouco das sombras serenas que as nuvens transportam por cima do dia!

Um pouco de sombra, apenas,- vê que nem te peço alegria.Traze-me um pouco da alvura dos luares que a noite sustenta no teu coração!

A alvura, apenas, dos ares:- vê que nem te peço ilusão.Traze-me um pouco da tua

lembrança,

aroma perdido, saudade da flor!-Vê que nem te digo - esperança!

-Vê que nem sequer sonho - amor!

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Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa. Não sou alegre nem triste: sou poeta. Irmão das coisas fugidias, não sinto gozo nem tormento. Atravesso noites e diasno vento.Se desmorono ou edifico,se permaneço ou me desfaço,- não sei, não sei. Não sei se ficoou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.Tem sangue eterno e asa ritmada.E sei que um dia estarei mudo: - mais nada.

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Cecília Meireles

Herança

Eu vim de infinitos caminhos, e os meus sonhos choveram lúcido pranto pelo chão.

Quando é que frutifica, nos caminhos infinitos, essa vida, que era tão viva, tão fecunda, porque vinha de um coração?

E os que vierem depois, pelos caminhos infinitos, do pranto que caiu dos meus olhos

passados, que experiência, ou consolo, ou prêmio alcançarão?

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Henriqueta Lisboa

Poeta mineira (1901 – 1985) que foi a primeira a ocupar uma cadeira na ABL.

É conhecida como “poeta da morte”, contudo, escreveu também poemas infantis.

Manuel Bandeira considerou Henriqueta Lisboa uma das mais perfeitas poetas brasileiras.

São principais livros são: Flor da morte e Face Lívida.

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Henriqueta Lisboa

Acalanto do morto

Em seio propício dorme. De olhos sob musgo, boca descarnada e ouvidos de pedra, dorme.

Com violência de hordas tua morte avança. Dorme, dorme, dorme, para que não vejas esta sombra informe crescendo dos vales, subindo com as águas,

nivelando abismos. Próximo dilúvio, perdida palmeira!

Só a morte existe, só a morte vive, com cem braços móveis, com cem braços fixos, com palavras quentes e frios delíquios, ciprestes fugindo para a lua _ a morte!_ com vagares, com propostas e enigmas de fera na jaula.

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Henriqueta Lisboa

Acalanto do morto

Tudo está conforme desígnios preciosos. Viverá comigo tua morte. Dorme. Guardarei impávida tua morte. Dorme. Tua morte é minha, não a sofras. Dorme Dorme. Dorme.

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Henriqueta Lisboa

No enterro de uma criança, de Medeiros e Albuquerque

Trago a blasfêmia nos meus lábios frios - hei de lançá-la sobre o teu caixão! Soltem os padres: – vendilhões sombrios o grasnido venal do cantochão!

Soltem, que, há muito, d’água benta os rios correm das tumbas no gelado chãoe nos sepulcros, afinal, vazios,nada dos vermes diminui ação.

Por isso, junto do teu corpo leve, que à sepultura descerá em breve,trazendo os roucos sacrilégios vim.

Se as preces vãs que sobre ti sacodem nada alcançarem, quero ver, se, enfim,pôde a blasfêmia o que orações não podem.

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Henriqueta Lisboa

É uma criança

Por que tantos soluços?É uma criança. Brincoue adormeceuOs anjos estão presentes(não soluceis)com delicados pés de lãe asas de neve.

Que tragam flores outras crianças.

Nada mais lindo que uma

pálidacriança adormecida entre flores.E, enquanto os anjos dedilhamcítaras de ouro, suavíssimas,as outras crianças em tornoda que repousa, dancem.

Dancem como flexibilidade de junco à beira do rio. Dancemcom inocência de borboletasà entrada do bosque. Dancemcom leveza de zéfirolevantando cortinas.

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Henriqueta Lisboa

É uma criança

Dancem com os cabelos livrese os tenros braços no altoem forma de foice. Ou de arco.(A foice para ceifar as espigasO arco para protegê-las.)

Dancem de modo tão perfeito(nos lábios coral e pérola)que a criança sonhee murmure consigo: a morte, como é bela

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Henriqueta Lisboa

Caixinha de música

Pipa pingaPinto pia.Chuva claracomo o dia— de cristal.Passarinhoscampainhascolherinhasde metal.

Tamborilatamborilauma goteirana lata.Está vistoque é só isso,não precisode mais nada.

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Murilo Mendes

Poeta nascido em Juiz de fora (1901 – 1975).

Em sua poesia, o pensamento não rói o real, mas multiplica-o, exalta-o e, com materiais tomados à fantasia, opera uma potencialização das imagens cotidianas.

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Murilo Mendes

Visão lúcida

— Debruçada à varanda

Que enxergas no horizonte?

— Órfãos, loucos, aleijadosEm carros tintos de sangue,E cegos guiados por cegos.

— Que enxergas mais no horizonte?

— Vejo a morte graciosa.

— Vês a morte graciosa?

— Sim, ela inda é muito moça,Prepara o vestido novoPara receber a guerraQue cresce no bojo desta.

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Murilo Mendes

Poema do fanático

Não bebo álcool, não tomo ópio nem éter,Sou o embriagado de ti e por ti.Mil dedos me apontam na rua:Eis o homem que é fanático por uma mulher.

Tua ternura e tua crueldade são iguais diante de mimPorque eu amo tudo o que vem de ti.Amo-te na tua miséria e na tua glóriaE te amaria mais ainda se sofresses

muito mais.

Caíste em fogo na minha vida de rebelado.Sou insensível ao tempo – porque tu existes.Eu sou fanático da tua pessoa,Da tua graça, do teu espírito, doaparelhamento da tua vida.

Eu quisera formar uma unidade contigoE me extinguir violentamente contigo na febre da minha, da tua, da nossa poesia.

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Murilo Mendes

Reflexão número 1

Ninguém sonha duas vezes o mesmo sonhoNinguém se banha duas vezes no mesmo rioNem ama duas vezes a mesma mulher.Deus de onde tudo derivaE a circulação e o movimento infinito.

Ainda não estamos habituados com o mundoNascer é muito comprido.

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Murilo Mendes

Meninos

Sentado à soleira da portaMenino tristeQue nunca leu Júlio VerneMenino que não joga bilboquêMenino das brotoejas e da tosse eterna

Contempla o menino rico na varandaRodando na bicicletaO mar autônomo sem fim

É triste a luta das classes.

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Murilo Mendes

Cartão postal

Domingo no jardim público pensativo.Consciências corando ao sol nos bancos, bebês arquivados em carrinhos alemãesesperam pacientemente o dia em que poderão ler o Guarani.

Passam braços e seios com um jeitãoque se Lenine visse não fazia o Soviete.Marinheiros americanos bêbedos

fazem pipi na estátua de Barroso,portugueses de bigode e corrente de relógio abocanham mulatas.

O sol afunda-se no ocasocomo a cabeça daquela menina sardentana almofada de ramagens bordadas por Dona Cocota Pereira.

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Murilo MendesEndereço das cinco Marias

Sou o tipo acabado do sujeitoque não arranja nada nesta vida.

Gosto de cinco Marias nesta vida.

A primeira tinha uma pinta na cara,eu adorava aquela pinta.Maria do Rosário jurava pela alma da mãe delaque só havia de casar comigo.Um belo dia apareceu um tenenteque usava polainas e dançava com muito garbo.Foi a conta:ela fugiu pra São Paulo com o tenente

e me deixou na mão.

A segunda,Maria do Carmo,era uma pequena dos bons temposque a gente conversava no portão de noite,romântica de olhos pretos não gostava de bailes. Aquela sim, mas apanhou um resfriado de tanto conversar comigo no portão e bateu a bota.

Lá está num cemitério em Belo Horizonteonde tem muita paisagem.

As três Marias restantes estão no céu.