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A Política de Desenvolvimento e seus impactos sobre os direitos humanos em Moçambique. Não existe uma política de desenvolvimento em Moçambique, porém seu conteúdo se encontra prescrito em outros programas e políticas nacionais, assim como internacionais 1 . Actualmente, o desenvolvimento tem duas vertentes: o Desenvolvimento sustentável e o Desenvolvimento humano. Dito isto, surge a necessidade de descrever brevemente como se chega às duas vertentes. Desenvolvimento Sustentável Tal como nos lembra Bresser-Perreira (2004, p. 6), “o desenvolvimento econômico é um fenômeno dos últimos 250 anos. Antes da formação dos Estados nacionais e da revolução industrial as sociedades experimentavam momentos de prosperidade econômica, mas não se podia falar em desenvolvimento na medida que faltavam a esses processos o caráter deliberado e auto-sustentado que lhe é próprio. Foi só depois da mudança estrutural e cultural representada pela revolução capitalista é que surgiu a instituição fundamental dos tempos modernos – o Estado nacional – e as sociedades passaram a ter condições de promover seu desenvolvimento.” A partir do acima citado percebe-se algumas características do desenvolvimento, seja económico ou social, sua busca é movimento consciente e deliberado, na medida, em que só podemos falar deste quando o mesmo consta na agenda do país em causa. O crescimento 1 Programa Quinquenal do Governo (PGQ), Programa Económico e Social (PES) e a Política de Educação, a nível nacional e os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) a nível internacional.

A Política de Desenvolvimento e Seus Impactos Sobre Os Direitos Humanos Em Moçambique

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A Política de Desenvolvimento e seus impactos sobre os direitos humanos em Moçambique.

Não existe uma política de desenvolvimento em Moçambique, porém seu conteúdo se encontra

prescrito em outros programas e políticas nacionais, assim como internacionais1. Actualmente, o

desenvolvimento tem duas vertentes: o Desenvolvimento sustentável e o Desenvolvimento

humano. Dito isto, surge a necessidade de descrever brevemente como se chega às duas

vertentes.

Desenvolvimento Sustentável

Tal como nos lembra Bresser-Perreira (2004, p. 6), “o desenvolvimento econômico é um

fenômeno dos últimos 250 anos. Antes da formação dos Estados nacionais e da revolução

industrial as sociedades experimentavam momentos de prosperidade econômica, mas não se

podia falar em desenvolvimento na medida que faltavam a esses processos o caráter deliberado

e auto-sustentado que lhe é próprio. Foi só depois da mudança estrutural e cultural

representada pela revolução capitalista é que surgiu a instituição fundamental dos tempos

modernos – o Estado nacional – e as sociedades passaram a ter condições de promover seu

desenvolvimento.”

A partir do acima citado percebe-se algumas características do desenvolvimento, seja económico

ou social, sua busca é movimento consciente e deliberado, na medida, em que só podemos falar

deste quando o mesmo consta na agenda do país em causa. O crescimento económico2 tem como

pressuposto a intervenção humana sobre o ambiente.

Todavia esta intervenção, trouxe consequências graves que se tornaram evidentes a diferentes

escalas. A intensidade desta intervenção consequentemente a escala a que o ambiente está sujeito

é tal que, muitas vezes, a destruição de recursos ultrapassa a própria capacidade de recuperação

dos ecossistemas. A solicitação crescente dos recursos não renováveis, não dando tempo para

que a natureza providencie a sua renovação, parece ser uma das características mais flagrantes.

Como resultado do desenvolvimento, principalmente o industrial, tornou-se ameaçador para o

ambiente em que vivemos. (Cândido, 2010, p. 1)

1 Programa Quinquenal do Governo (PGQ), Programa Económico e Social (PES) e a Política de Educação, a nível nacional e os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) a nível internacional.2 Antecedente do desenvolvimento económico.

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Neste sentido, para garantir qualidade de vida e proteger a qualidade do ambiente e dos recursos

é fundamental um desenvolvimento equilibrado, evitando que a degradação ambiental incida

sobre as gerações futuras ou os países mais pobres, pois, o actual modelo de crescimento

económico gerou enormes desequilíbrios; se, por um lado nunca houve desenvolvimento e

prosperidade, por outro lado, a miséria, a degradação ambiental e a poluição aumentam dia-a-dia.

Diante desta constatação, surge a ideia do Desenvolvimento Sustentável, buscando conciliar o

desenvolvimento económico com a preservação ambiental e, ainda o fim da pobreza. (Cândido,

2010, p. 2; 18)

Sendo Moçambique considerado um dos países mais pobres do mundo que desafios terá de

enfrentar para sair desta situação? A condição de pobreza que se encontra o país, cai na chamada

armadilha da pobreza (poverty-trap thesis), onde o pobre para sobreviver degrada o ambiente e,

essa degradação agrava a condição de pobreza através de um círculo vicioso (vicious circle ou

cycle). (Cândido, 2010, p. 3)

Com isto, percebe-se a necessidade de se preocupar com a temática do Desenvolvimento

Sustentável em Moçambique. Esta preocupação é materializada com a aprovação da primeira Lei

do Ambiente3, Lei nº 20/97 de 1 de Outubro, que estabelece as bases da política e do

enquadramento institucional da gestão ambiental em Moçambique.

De acordo com Ismail Serageldin apud Cândido (2010, p. 22), a ideia de Desenvolvimento

Sustentável, pode ser representada por um triângulo cujos vértices são ocupados pela dimensão

social, pela dimensão económica e pela dimensão ambiental:

Dimensão social – equidade, coesão social, participação, empowerment;

Dimensão económica – crescimento sustentável, capital, eficiência;

Dimensão ambiental – Integridade ecossistémica, recursos naturais, biodiversidade.

Desenvolvimento Humano

O Desenvolvimento Humano surge como aspecto fundamental dos modelos de desenvolvimento

das sociedades, que se pretendem sustentáveis. Desde os anos 60 que as Nações Unidas tomaram

consciência das assimetrias económicas do mundo. Face a essa situação durante a década de 90,

3 Uma vez que a aprovação de um dispositivo pelo legislativo constituí um dos primeiros passos de uma política pública. (Pedone, 1986)

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promoveram uma série de cimeiras e encontros sobre as enormes transformações de que as

sociedades estão a ser alvo. Estas cimeiras e encontros tinham como objectivo debater questões

fundamentais para o bem-estar da humanidade, tais como a situação das mulheres, os direitos

humanos, o desenvolvimento social, o ambiente, os direitos da criança. (Cândido, 2010, p. 26-

27)

O conceito de Desenvolvimento Humano, foi criado pelo Programa das Nações Unidas – PNUD

na década de 90, ao desenvolver o Índice de Desenvolvimento Humano. Aderiram a este

conceito a maioria dos países e governos apelando à construção de estruturas que lutem para a

erradicação da pobreza em prol da dignidade humana. O objectivo é criar estruturas que

permitam o desenvolvimento das capacidades humanas, em sistemas sociais com um justo e livre

acesso a oportunidades de modo a equilibrar o crescimento económico das sociedades e partilhar

equitativamente os seus ganhos e gastos. (Cândido, 2010, 27)

Deste Modo, o Desenvolvimento Humano dependerá de condições de sustentabilidade do

processo de Desenvolvimento, ou seja, dependerá da participação e responsabilidade cívicas de

cada indivíduo. “Esta compreensão focaliza-se no conceito de Desenvolvimento Humano no

sentido do progresso de todos os homens e das suas capacidades” (Ambrósio, 2003).

Os Chefes de Estado no ano 2000, reunidos na Cimeira do Milénio em Nova Iorque,

estabeleceram compromissos para criar um mundo mais justo e equilibrado. Foi neste contexto

que a comunidade internacional comprometeu-se a expandir a visão de desenvolvimento, de

forma a promover o Desenvolvimento Humano como a chave para um progresso social e

económico sustentado em todos os países. (Cândido, 2010, p. 28)

Desde 1990 a PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) tem desenvolvido

Relatórios de Desenvolvimento Humano (RDH)4, buscando demonstrar os progressos e

retrocessos no que tange ao desenvolvimento do ser humano. Em consonância com o paradigma

do desenvolvimento humano, os Relatórios adoptam uma abordagem centrada nas pessoas,

prestando especial atenção às disparidades existentes entre os países e no interior dos mesmos.

(PNUD, 2014, p. 1)

4 Veja os anexos.

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Estes Relatórios podem ter um carácter global, regional5 ou nacional6. De acordo com o

Relatório de Desenvolvimento Humano 2014, podemos perceber que o mundo actualmente se

encontra sobre duas faces. A primeira, no sentido de que, os avanços na tecnologia, educação e

rendimentos constituem uma promessa sempre crescente de uma vida mais longa, mais saudável

e mais segura. No cômputo geral, a globalização propiciou grandes progressos no

desenvolvimento humano, sobretudo em muitos países do Sul. A segunda porque, apesar do

progresso, também se vive hoje, em todo o mundo, um sentimento generalizado de precariedade

- no que respeita aos meios de subsistência, à segurança pessoal, ao ambiente e à política

mundial. As grandes conquistas em aspetos cruciais do desenvolvimento humano, como a saúde

e a nutrição, rapidamente podem ser postas em causa por uma catástrofe natural ou uma grave

crise económica. Os roubos e agressões podem deixar as pessoas debilitadas, física e

psicologicamente. A corrupção e instituições públicas sem capacidade de resposta podem privar

aqueles que carecem de ajuda, dos necessários recursos7. As ameaças de índole política, as

tensões entre comunidades, os conflitos violentos, a negligência perante a saúde pública, os

danos ambientais, a criminalidade e a discriminação constituem, todos eles, fatores de

agravamento da vulnerabilidade dos indivíduos e das comunidades. (PNUD, 2014, p. 1)

Impactos da política de desenvolvimento sobre os direitos humanos

O conteúdo sobre o desenvolvimento em Moçambique, além de considerar como fim principal

do desenvolvimento, o bem-estar das pessoas e o crescimento económico como apenas um meio

importante para atingir esse fim, tem também impactos sobre os direitos humanos, pois, esta vai

5 Relatórios do Desenvolvimento Humano Regionais: Nas últimas duas décadas, foram produzidos RDH de âmbito regional sobre as principais regiões do mundo em desenvolvimento, com o apoio dos gabinetes regionais do PNUD. Com análises provocadoras e recomendações políticas claras, estes RDH regionais analisaram questões tão cruciais como o empoderamento político nos países árabes, a segurança alimentar em África, as alterações climáticas na Ásia, o tratamento das minorias étnicas na Europa Central e os desafios suscitados pela desigualdade e a segurança dos cidadãos na América Latina e nas Caraíbas. (PNUD, 2014)6 Relatórios de Desenvolvimento Humano Nacionais: Desde o lançamento do primeiro Relatório do Desenvolvimento Humano Nacional em 1992, foram produzidos RDH Nacionais em 140 países por equipas editoriais locais com o apoio do PNUD. Estes relatórios – cerca de 700 até à data – trazem uma perspetiva de desenvolvimento humano às preocupações das políticas nacionais através de consultas e investigação geridas localmente. Os RDH nacionais têm abordado muitas das questões fundamentais relacionadas com o desenvolvimento, desde as alterações climáticas ao emprego dos jovens, passando pelas desigualdades alimentadas por questões de género ou de etnia. (PNUD, 2014)7 Situação espelhada em Moçambique, ver Relatório de Desenvolvimento Humano em Moçambique 2013.

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demonstrar os cursos de acção sobre como utilizar os direitos humanos. Porque além de ter o

direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal8, um indivíduo também almeja a equidade, a

mobilidade social, a coesão social, a participação, o empowerment, a diversidade cultural e o

desenvolvimento institucional, elementos que encontramos patentes na dimensão social do

desenvolvimento sustentável. Então podemos notar aqui uma relação de complementaridade e

continuidade.

“O Desenvolvimento Humano tem a ver com pessoas, com a expansão das suas opções para

viverem vidas plenas e criativas com liberdade e dignidade. Crescimento económico, maior

comércio e investimento, progresso tecnológico – tudo é muito importante. Mas são meios, e não

fins. Fundamental para a expansão das opções humanas é construir capacidades humanas. As

capacidades mais básicas para o Desenvolvimento Humano são viver uma vida longa e saudável,

ser educado, ter um padrão decente de vida e gozar de liberdades cívicas e políticas para

participar na vida da sua comunidade”. (PNUD, 2003, p. 13).

8 Declaração Universal dos Direitos Humanos. Artigo 3°.

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Referências Bibliográficas

AMBRÓSIO, T. (2003). “A Complexidade da Adaptação dos Processos de Formação e

Desenvolvimento humano”, in Formação e Desenvolvimento Humano: Inteligibilidade das suas

Relações Complexas, Lisboa, MCX/APC Atelier 34.

BRESSER-PEREIRA, Luiz (2004). “Instituições, Bom Estado, e Reforma da Gestão Pública”.

In Ciro Biderman e Paulo Arvate (orgs.). Economia do Setor Público no Brasil. São Paulo:

Campus Elsevier, 2004: 3-15.

CÂNDIDO, Maria Clara de Almeida. (2010). “Desenvolvimento Sustentável e Pobreza no

Contexto de Globalização: O Caso de Moçambique”. Dissertação apresentada como requisito

parcial para a obtenção do grau de Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais com

Especialização Globalização e Ambiente na Universidade Nova de Lisboa.

PEDONE, Luís. (1986). Formulação, Implementação e Avaliação de Políticas Públicas.

Brasília: FUNCEP.

PNUD. (2003). Relatório do Desenvolvimento Humano 2003. Nova Iorque: Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento.

PNUD. (2014). Relatório do Desenvolvimento Humano 2014. Nova Iorque: Programa das

Nações Unidas para o Desenvolvimento.

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Anexo xx

Relatórios do Desenvolvimento Humano 1990–2014

1990 Conceito e Medição do Desenvolvimento Humano

1991 Financiamento do Desenvolvimento Humano

1992 Dimensões Globais do Desenvolvimento Humano

1993 Participação das Pessoas

1994 Novas Dimensões da Segurança Humana

1995 Género e Desenvolvimento Humano

1996 Crescimento Económico e Desenvolvimento Humano

1997 Desenvolvimento Humano para Erradicar a Pobreza

1998 Padrões de Consumo para o Desenvolvimento Humano

1999 Globalização com Uma Face Humana

2000 Direitos Humanos e Desenvolvimento Humano

2001 Fazer as Novas Tecnologias Trabalhar para o Desenvolvimento Humano

2002 Aprofundar a Democracia num Mundo Fragmentado

2003 Objetivos de Desenvolvimento do Milénio: Um Pacto Entre Nações para Eliminar a

Pobreza Humana

2004 Liberdade Cultural num Mundo Diversificado

2005 Cooperação Internacional numa Encruzilhada: Ajuda, Comércio e Segurança num Mundo

Desigual

2006 A Água para lá da Escassez: Poder, Pobreza e a Crise Mundial da Água

2007/2008 Combater as Alterações Climáticas: Solidariedade Humana num Mundo Dividido

2009 Ultrapassar Barreiras: Mobilidade e Desenvolvimento Humanos

2010 A Verdadeira Riqueza das Nações: Vias para o Desenvolvimento Humano

2011 Sustentabilidade e Equidade: Um Futuro Melhor para Todos

2013 A Ascensão do Sul: Progresso Humano num Mundo Diversificado

2014 Sustentar o Progresso Humano: Reduzir as Vulnerabilidades e Reforçar a Resiliência

Fonte: PNUD, 2014.