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Eixo:Formação de Professores
A POLÍTICA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO
MUNICÍPIO DE ARIQUEMES/RONDÔNIA: UMA ANÁLISE DAS
ESTRATÉGIAS DE ASSIMILAÇÃO DAS PEDAGOGIAS DO
“APRENDER A APRENDER”
Eliane de Araújo Teixeira (CIEPES/UNIR)1
Marilsa Miranda de Souza (UNIR)2
Maria Goretti Cordeiro da Costa (CIEPES/UNIR) 3
Rosely Petry Sarmento (CIEPES/UNIR) 4
RESUMO: Este artigo analisa a Política de Formação de Professores no Brasil a partir
das estratégias de formação continuada de professores do município de Ariquemes,
Estado de Rondônia. Para alcançar tal intento, trataram-se analiticamente as orientações
políticas dos Programas das Agências Mundiais de Financiamento da Educação dos
países em desenvolvimento, os princípios pedagógicos dos Programas PNAIC –
Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa do Ministério da Educação, TSLP –
Tecendo Saberes da Língua Portuguesa e ADN – Além dos Números Programas,
enquanto Cursos de Formação Continuada, associando-os às percepções dos professores
participantes desses cursos. Com base no acervo analítico da Pedagogia Histórico-
Crítica e da Psicologia Histórico-Cultural, chegou-se a conclusão de que os Cursos de
Formação Continuada são uma estratégia de assimilação das pedagogias do “Aprender a
Aprender” e, por conseguinte, das concepções neoliberais propugnadas por aquelas
Agências Mundiais.
Palavras-chave: Formação de professores; Pedagogias do “aprender a aprender”;
Pedagogia histórico-crítica; Psicologia histórico-cultural.
1 Eliane de Araújo Teixeira, Universidade Federal de Rondônia, Rondônia, Brasil. [email protected] 2 Marilsa Miranda de Souza, Universidade Federal de Rondônia, Rondônia, Brasil. [email protected] 3 Maria Goretti Cordeiro da Costa, Universidade Federal de Rondônia, Rondônia, Brasil. [email protected] 4 Rosely Petri Sarmento, Universidade Federal de Rondônia, Rondônia, Brasil. [email protected]
2
INTRODUÇÃO
Este trabalho analisa os princípios econômicos dos programas financiados pelas
Agências Internacionais para a formação de professores. Assim, parte da análise dos
programas de formação de professores no município de Ariquemes-RO a fim de
relacioná-las com a política neoliberal, com destaque para a pedagogia do “aprender a
aprender”.
Neste sentido, delimitaram-se para análise deste trabalho os princípios
pedagógicos dos seguintes programas: Programa Nacional de Alfabetização na Idade
Certa (PNAIC) do Ministério da Educação, Tecendo Saberes da Língua Portuguesa
(TSLP) e Além dos Números Programas (ADN), enquanto Cursos de Formação
Continuada do município de Ariquemes-RO.
Para melhor entendimento da política oficial do Ministério da Educação (MEC),
optou-se pela análise dos principais documentos que norteiam a prática pedagógica das
escolas do município de Ariquemes-RO. Sendo assim, com o objetivo de compreender
como tem sido direcionado este trabalho pedagógico nas escolas, realizou-se a coleta de
dados por meio de questionários com questões semiabertas. Participaram desta pesquisa
cinco professores e três coordenadores pedagógicos. A pesquisa realizada proporcionou
a análise dos dados que se encontram organizados em três tópicos.
1 Os Programas das Agências de Financiamento da Educação e a Política de
Formação de Professores no Brasil
No Brasil, entre o final da década de 80 e a década de 90 do século XX, devido
ao cenário de crise econômica e a luta pela redemocratização do ensino, as orientações
das agências mundiais de financiamento estabeleciam a educação como fator primordial
para o crescimento econômico e para a redução da pobreza dos países em
desenvolvimento. Dessa forma, a partir das orientações do banco mundial, o governo
federal, juntamente com os estados e municípios, implementou programas a fim de
viabilizar o acesso à Universidade e à formação continuada de professores em serviço.
3
Ao fazer uma análise da trajetória da escola pública no longo século XX, Saviani
(2004) demonstra o grande legado da educação brasileira; mas convém lembrar que
assim como aponta o autor, o legado não foi apenas positivo: “vê se, assim, que,
relativamente, a trajetória do século XX representou, do ponto de vista quantitativo, um
significado avanço no campo educacional” (SAVIANI, 2004, p. 51). Por sua vez, os
decretos baixados pelo ministro da Educação e Saúde Pública, já em 1931, conhecidos
como reforma Francisco Campos, contribuíram para a regulamentação e organização
das Universidades5. No entanto, em meio às demais mudanças e reformas ocorridas ao
longo do século XX, não foi desta vez que o Brasil conseguiu nem se quer reduzir o
índice de analfabetismo. Nas palavras do autor:
em razão do imenso déficit histórico que se veio acumulando, mesmo
em termos quantitativos, as deficiências ainda são enormes, o que
pode ser evidenciado ao se observar que em 1890, quando tinha início
para nós, o “longo século XX”, a taxa de analfabetismo estava em
torno de 85% em relação a população total (12.213.356 para uma
população de 14.333.915). Passados cem anos, constata-se uma
redução relativa, já que aquela taxa caiu para cerca de 30%
(oficialmente se registram 21,6% em relação à população de idade
igual ou superior a 7 anos, o que projeta uma taxa de 33,68% para a
população total, tomando-se os dados de 1991), veremos que 33,68%
correspondem a 49.458.776. Portanto, o número de analfabetos
quadruplicou (SAVIANI, 2004, p. 51).
Assim, o modelo político que se desencadeou no Brasil, a partir da década de 90
do século XX, contribuiu para as mudanças tanto no campo da formação inicial quanto
da formação continuada dos professores em serviço. Com a bandeira camuflada da
modernização e da globalização, a educação era posta como o antídoto desse sucesso,
pois só por meio dela seria possível reduzir o desemprego, a fome e a miséria.
Consoante Frigotto (1995), elenca algumas categorias que foram eleitas para estabelecer
bases teóricas como: qualidade total, formação abstrata e polivalente, flexibilidade,
participação, autonomia, descentralização, competividade, equidade, eficiência,
eficácia, e produtividade.
5Ver mais sobre a análise de cada decreto em: SAVIANI, Demerval et al. O legado educacional do século
XX no Brasil. Campinas: Autores Associados, 2004.
4
Segundo o parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE/CP 9/2001), o
avanço e a disseminação das tecnologias da informação e da comunicação estão
impactando as formas de convivência social, de organização do trabalho e do exercício
da cidadania. De acordo com o documento, a internacionalização da economia
confronta o Brasil com a necessidade indispensável de dispor de profissionais
qualificados. Quanto mais o Brasil consolida as instituições políticas democráticas,
fortalece os direitos da cidadania e participa da economia mundializada, mais se amplia
o reconhecimento da importância da educação para a promoção do desenvolvimento
sustentável e para a superação das desigualdades sociais.
Segundo explicita o documento do banco mundial intitulado ‘Prioridades e
estratégias para a educação’, a educação produz conhecimentos, capacidades, valores e
atitudes. Assim, é essencial para a cidadania, para o crescimento econômico sustentável
e para a redução da pobreza. Dessa forma, as orientações das agências internacionais
também estão em consonância com as orientações dos parâmetros nacionais para a
formação de professores.
Ao fazer uma análise sobre essas orientações, Teixeira (2013) evidenciou a
descaracterização do papel do professor e a redução do trabalho educativo a um saber-
fazer circunstancial. Segundo a autora, o discurso oficial defende, ainda, que os saberes
relativos ao desenvolvimento profissional docente devem ser aqueles construídos na e
pela prática, colocando a formação de competências como substituta da formação
teórica e acadêmica.
Esse modelo de formação ocasionou o aligeiramento da formação, a
descaracterização científica por meio dos programas ofertados pelo MEC e a
flexibilidade da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), n° 9.394, promulgada em
20 de dezembro de 1996, possibilitando um crescente número de egressos nos cursos de
licenciaturas. A modalidade de Educação à Distância (EaD) se destacou por oferecer
acessibilidade e flexibilidade nos cursos online por meio da utilização de vídeo-aula,
webcam e acompanhamento dos tutores.
Neste sentido, ainda na década de 90 do século XX, no âmbito dessas discussões
com base no discurso neoliberal, as teorias do filósofo, psicólogo e pedagogo John
Dewey (1859-1952) ganham lugar de destaque nos programas de formação de
5
professores, aparecendo em meio a essas discussões o conceito de “professor reflexivo”.
Sobre essa questão Militão (2004, p. 4) afirma que:
as políticas de formação de professores implementadas pelo governo
federal a partir dos anos 1990, em consonância com as orientações de
organismos internacionais, voltam-se para as políticas de formação em
serviço e de aligeiramento da formação inicial.
Ainda com base nesta questão, Silva (2014, p. 25) aponta que “as políticas
implantadas no âmbito da educação, a partir de 1990, foram financiadas e dirigidas pelo
Banco Mundial, em convergência para atender a interesses da burguesia brasileira”. Ao
que diz respeito à formação de professores no Brasil, pesquisas de Kuenzer (2001),
Duarte (2003), Saviani (2007) e Martins (2013) afirmam que a flexibilização da
legislação para os cursos de licenciaturas vem acontecendo de forma aligeirada, em que,
cada vez mais, se dá menos importância ao conhecimento científico.
No entanto, a formação aligeirada tem resultado, como expressa Kuenzer (2001),
em uma “certificação vazia” e tem refletido, constantemente, na educação. Isso porque,
por falta de conhecimento dos pressupostos teóricos e metodológicos do ensino, muitos
professores acabam contribuindo (sem ter consciência) para a reprodução do
capitalismo.
Esta desvalorização do conhecimento científico abriu espaço para o lema
“aprender a aprender” para a formação de professores em serviço. Essa ideologia
justifica que o conhecimento do fazer e o aprender na prática são mais importantes do
que o conhecimento teórico, ou seja, tudo o que diz respeito a razão, a ciência e a
história são substituídos pelo conhecimento prático. Ao tratar sobre essas tendências,
Duarte (2010, p. 33-34) expressa que:
Elas podem ser consideradas pedagogias negativas, na medida em que
aquilo que melhor as define é sua negação das formas clássicas de
educação escolar [...] o aspecto comum a essas pedagogias é a
ausência da perspectiva de superação da sociedade capitalista, o qual
está associado a uma visão idealista das relações entre educação e
sociedade.
6
Desse modo, a serviço das políticas neoliberais, essas pedagogias têm cumprido
o “dever de casa” para a formação de uma sociedade imediatista que se adapta com
facilidade aos modos de produção capitalista. O capitalismo, então, com o intuito de
produzir capital humano (FRIGOTTO, 1984) e de mãos dadas com a política neoliberal
de um estado burguês tem dominado, há décadas e de forma perversa, o campo da
educação escolar. Todavia, as concepções ideológicas neoliberais a serviço da produção
do capital aparecem de forma camuflada de seus reais propósitos sociais.
Neste sentido, os pilares que sustentam o atual projeto capitalista da educação
fundamentam suas bases filosóficas no Pragmatismo de John Dewey, com destaque ao
individualismo e ao utilitarismo, encarados como investimento em capital humano
competitivo no mercado de trabalho. Baseiam-se nos princípios do aprender a conhecer,
aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser. Ao tratar sobre essa questão,
Arce (2001, p. 261) enfatiza que
os quatro pilares aparecem impregnados de subjetividade, enfatizando
as diferenças individuais como saudáveis e necessárias, sendo a chave
para o indivíduo achar seu lugar em nossa sociedade; retira-se da
aprendizagem o conteúdo que fica reduzido a informações,
instrumentalização das ações posteriores, emergindo um saber
imediato e utilitário, além do princípio básico da flexibilidade, capaz
de torná-lo um sujeito adaptável ao mercado.
Essa concepção utilitarista tem como característica a negação da especificidade
do ensino com a função de cientificidade do ensino do saber histórico e sistematizado.
Sobre essa questão, Duarte (2003, p. 7-10) afirma que há quatro princípios valorativos
contidos no lema “aprender a aprender”. O primeiro desses princípios é o de que
aprender sozinho é melhor do que aprender com outras pessoas. O segundo é o de que a
tarefa da educação escolar não é a de transmissão do conhecimento existente, mas a de
levar o aluno a adquirir um método de aquisição (ou construção) de conhecimentos. O
terceiro princípio é o de que toda atividade educativa deve atender aos e ser dirigida
pelos interesses e necessidades dos alunos. O quarto princípio é o de que a educação
escolar leva o aluno a “aprender a aprender”, pois somente assim esse aluno estará em
condições de se adaptar constantemente as exigências da sociedade contemporânea, a
qual seria uma sociedade marcada por um intenso ritmo das mudanças.
7
Ao referir as atitudes negativas e os princípios valorativos da pedagogia
capitalista contidas no lema ”aprender a aprender”, Duarte (2003) ressalta que “foram
justamente essas pedagogias que orientaram a educação brasileira durante toda a década
de noventa e são essas pedagogias que continuam ainda hoje a dar sustentação
ideológica a esse misto de neoliberalismo e pós-modernismo que tem caracterizado as
políticas educacionais”.
Esta afirmação revela uma das problemáticas que encontramos para a tomada de
espaço do trabalho educativo, baseada nas concepções da pedagogia histórico-crítica,
uma vez que todo o material que sustenta a prática pedagógica dos professores se baseia
nos pressupostos de uma pedagogia que nega o saber historicamente sistematizado.
Outro fator preocupante é que além dessas pedagogias dominarem os documentos
oficiais que norteiam os parâmetros curriculares nacionais para a formação e
concepções de ensino, elas têm sido destaque nos documentos oficiais das Secretarias
de Educação dos Municípios.
Neste sentido, Duarte (2001a, p. 51) considera que o construtivismo tem sido
destaque, no Brasil e tornou um grande modismo a partir da década de 1980
influenciado pelo movimento escolanovista que tem como maior difusor a psicologia
genética de Jean Piaget.
Desse modo, fica claro que os programas com ênfase na formação do professor
reflexivo faz parte do projeto neoliberal da educação que contribui para a formação de
professores qualificados para formação de indivíduos que se adaptam com facilidade
aos modos de produção capitalista. A educação, dessa forma, é vista, segundo Arce
(2001, p. 258), “como a responsável pela formação do homem neoliberal competitivo,
capaz de passar pelas provas que o mercado impõe, adaptando-se, sendo tecnicamente
flexível”.
Diante do exposto sobre os objetivos das políticas do Banco Mundial para a
educação, notadamente percebe-se que os documentos do MEC que norteiam a
formação de professores estão em consonância com a política neoliberal. Arce (2001, p.
266) enfatiza, ao analisar os documentos curriculares, que, “ao definir os critérios para a
formação inicial dos professores, o documento não deixa de lado que esta formação
8
possa se dar em serviço, e que os conhecimentos a receber devam garantir o ensino de
conteúdos do plano do saber, do saber fazer e do fazer”.
Conclui-se, então, referente ao modelo de formação de professores no Brasil, a
partir da década de 1990, que possui ainda grande influência e permanece com seus
reflexos até os dias atuais. Assim, a formação reflexiva, em consonância com as demais
tendências do “aprender a aprender”, pode ser entendida a partir dessa análise como fio
condutor que sustenta as ideias neoliberais na atualidade.
1.1 Concepções das tendências neoliberais do lema “aprender a aprender”
O construtivismo – concepção teórica baseada na Epistemologia Genética de
Jean Piaget –, apesar de a maioria de seus seguidores não admitirem que se trata de uma
pedagogia ou método de ensino, tem se destacado como corrente teórica dominante nos
principais documentos oficiais do Ministério da Educação, norteando os pressupostos de
aprendizagens e práticas de ensino, em especial, das Séries Iniciais do Ensino
Fundamental.
2 Análise do Cenário da Política de Professores no Município de Ariquemes – RO
As discussões realizadas anteriormente acerca das concepções neoliberais das
pedagogias do “aprender a aprender” no âmbito da educação brasileira fundamentaram
a análise dos documentos da SEMED e dos questionários respondidos pelos
professores, demonstrando que o município tem investido fortemente na formação de
professores alfabetizadores com ênfase na tendência construtivista e do professor
reflexivo desde 2005.
Com base na análise desses documentos, verificou-se que o município oferece,
além da formação do Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa (PNAIC),
mais dois programas de formação para os professores do ensino fundamental, sendo que
esses programas fazem parte da parceria que o município tem com o Instituto Avisa Lá,
o qual oferece os materiais e aplica consultoria às formadoras da Secretaria de Educação
por meio dos programas Tecendo Saberes da Língua Portuguesa (TSLP) e Além dos
Números (ADN).
9
A partir das orientações da consultoria do Instituto, as formadoras da SEMED
aplicaram a formação aos coordenadores das escolas, tendo por conteúdos aqueles
referentes à prática do coordenador formador na escola. Com base nos relatos dos
coordenadores das escolas e os materiais da formação disponibilizados pela Secretaria
de Educação, percebeu-se que estes apresentam pouco embasamento teórico e quando
isso ocorre, são apenas fragmentos e recortes que apontam para uma prática
construtivista, principalmente na alfabetização. Assim, demonstra quais são as
competências de um coordenador formador, sendo as que aparecem com destaque: as
atividades relacionadas às ações formativas por meio da prática do professor.
Dessa forma, o material orienta os coordenadores pedagógicos – ditos
“formadores” – a realizar ações que direcionam os professores a aderir à prática
construtivista, trazendo como exemplos da prática os relatos de experiência de
professores que aderiram a esta tendência e foram premiados como professores de
excelência. A maioria desses relatos é retirada da Revista Nova Escola, do Prêmio
Victor Civita6, e traz a imagem de um professor com os seguintes adjetivos:
competente, flexível, colaborador e, acima de tudo (embora o Estado não ofereça
mínimas condições de salário e nem de infraestrutura), que veste a camisa pela
educação.
Esse idealismo do professor construtivista e reflexivo vem acompanhado com a
ideia da formação continuada na escola, pois em todos esses relatos aparece o
coordenador pedagógico competente que desenvolveu ações para que este professor
deixasse suas velhas formas de ensinar e aderisse ao construtivismo, tornando-se um
professor de destaque a nível nacional.
Além desses relatos, são disponibilizados fragmentos de textos teóricos com
base em Jean Piaget (1986-1980), Henri Wallon (1879-1962), Ferreiro e Teberosk
(1985), Perrenout (2000) e Nóvoa (1991). Esses fragmentos direcionam o professor a
um modelo da prática construtivista, sendo que a ideia que se passa (em particular para
a alfabetização) é que o professor não deve corrigir os erros dos alunos, muito menos
soletrar as sílabas durante a escrita. Segundo esta concepção, o professor precisa
6Criado em 1998, o Prêmio Educador Nota 10 reconhece professores da Educação Infantil e do Ensino
Fundamental e, também, gestores escolares de todo o país.
10
oferecer condições adequadas para o aluno refletir sobre sua própria escrita, uma vez
que as crianças apresentam hipóteses de escritas mesmo sem saber ler
convencionalmente. Desse modo, justifica-se que o professor deverá ter a competência
de oferecer condições didáticas adequadas para a criança refletir sobre o próprio erro
porque a verdadeira aprendizagem é aquela construída pelas próprias estratégias.
Outra situação observada é a concepção teórica de Lev Vigotski (1896-1934)
nesses fragmentos como modelo “interacionista-construtivista”. Duarte (2001b, p. 90)
ao tratar sobre esta questão enfatiza que:
...existem muitos elementos escolanovista em certas leituras
“construtivistas” de Vigotski. Esse escolanovismo aparece
basicamente sob duas formas. A primeira é a secundarização da
transmissão do saber historicamente acumulado. Fala-se de diversos
aspectos do pensamento de Vigotski, desde a necessidade das
interações intersubjetivas até a questão semiótica, mas deixa de lado a
questão do ensino dos conteúdos escolares. A segunda forma pela qual
esse escolanovismo aparece é a de que ao se tratar das interações
intersubjetivas pouco ou nada pouco ou nada se comenta da questão
da direção, pelo educador, dessas interações, isto é, pouco ou nada se
analisa do fato de que o educador é que detém a visão dos objetivos
pedagógicos para cujo alcance essas interações devem estar
direcionadas.
No entanto, os fragmentos de textos e relatos de experiências, conforme exposto
acima, são disponibilizados para os coordenadores que têm a incumbência de organizar
a formação continuada e aplicá-la aos professores na escola sobre a orientação da
Secretaria de Educação, por meio de pautas, devolutivas e tematização7, consoante
explicita a coordenadora B:
“A organização da formação continuada na escola se dá por meio de
um programa de rede onde consultores formam os coordenadores
escolares, que com conteúdos em mãos elaboram pautas e atividades
de acordo com a sua clientela e desenvolve uma vez por mês com os
professores da escola após acompanhar a aplicação dos conteúdos
em sala e verificar seus resultados.” (CPB)
7Pautas reflexivas, devolutivas e tematização da prática são ações relacionadas às atividades que o
coordenador realiza para o professor refletir sobre sua prática. Disseminou-se no Brasil principalmente
com a consultoria de Adélia Lerner, orientando os documentos curriculares do MEC.
11
Com base no cenário apresentado a partir do modelo de formação oferecido no
município de Ariquemes, cabe questionar: a formação dos coordenadores e a função que
desempenham na escola são suficientes para assumir a competência de formar
professores em serviço e contribuir para uma educação de qualidade? Como o
coordenador tem assumido este papel em meio às responsabilidades burocráticas
impostas pelas Secretarias de Educação? Como esta formação tem refletido na prática
dos professores? Essas questões levantadas foram analisadas com base nos dados
abaixo.
Dos três coordenadores pesquisados, dois são licenciados em Pedagogia e
possuem pós-graduação em Gestão Educacional e apenas um está cursando Pedagogia.
São servidores efetivos do município onde fizeram o concurso para assumir a função de
professor das séries iniciais. O município não dispõe de vaga específica no concurso
público para coordenador pedagógico, por isso todos os entrevistados assumiram a
coordenação por indicação da Direção da escola.
Esses coordenadores têm, em média, dois anos de experiência em sala de aula e
quatro na coordenação pedagógica, atendendo, aproximadamente, seis turmas por turno.
Dentre as diversas atividades realizadas por eles que não consideram atribuições do
coordenador estão: substituir professores em sala de aula, impressão de materiais
diversos e controle dos materiais pedagógicos.
Quanto às atividades que consideram atribuições do coordenador, as respostas
em comum foram: aplicação da formação continuada na escola e desenvolvimento das
ações reflexivas para o professor refletir sobre a prática. A maioria desses sujeitos
declarou que a formação continuada oferecida pela SEMED e pelo Governo Federal é
necessária, como salienta a coordenadora B: “necessários uma vez que a formação
docente na graduação deixa a desejar quanto à formação completa do professor,
quanto sua didática em sala de aula”.
Assim sendo, a análise dos dados levantados verificou que, embora os
coordenadores tenham consciência da necessidade da formação continuada e admitam
que a formação inicial não foi suficiente para adquirir os conhecimentos necessários,
eles não se demonstram preparados para assumir a responsabilidade de dar continuidade
12
ao processo formativo, uma vez que também fazem parte desse quantitativo de
professores que adquiriram pouco conhecimento na graduação.
Outro fator preocupante é que a função do coordenador ainda não apresenta uma
identidade, sendo que o processo histórico de mudanças da legislação contribuiu para a
construção de um profissional tarefeiro que cumpre as ordens impostas sobre o sistema
e que, embora apareça de forma camuflada, tem a função principal de mediar as
políticas neoliberais entre a escola e o Estado.
Neste sentido, a escola pública da contemporaneidade, fundamentada no
escolanovismo, prega uma ideologia contra qualquer pedagogia que valorize a
transmissão do saber por meio do ensino sistematizado. Diante dessa questão, os
professores buscam, da melhor forma possível, ensinar como podem. Todavia, devido a
precária formação inicial, estes profissionais acabam sendo alienados a um sistema
perverso que os induz a aderirem as tendências que a Educação impõe.
2.1 Análises da pesquisa realizada com os professores alfabetizadores
A análise dos questionários aplicados aos professores teve como objetivo
analisar o perfil da formação dos professores de modo a entender o que pensam sobre as
concepções pós-modernas no processo ensino-aprendizagem da alfabetização. Os dados
demonstraram que cinco são licenciados em pedagogia e que possuem pós-graduação:
um em Psicopedagogia, três em Gestão, Orientação e Supervisão e um em Educação e
Literatura Infantil, sendo que três cursaram a licenciatura na modalidade presencial e
dois na EaD, e todos cursaram o Ensino Superior na rede particular.
Quanto à concepção teórica e metodológica que utilizam para nortear a prática
pedagógica, três se declararam construtivistas e tradicionais e dois construtivistas, sendo
que nenhum apontou para a pedagogia histórico-crítica. Quatro justificaram que a
adesão a sua concepção foi em função dos cursos de formação oferecidos pela SEMED
e apenas um declarou que, além dos cursos oferecidos pela SEMED, as leituras
realizadas em livros, revistas e periódicos contribuíram para a concepção teórica
tradicional e construtivista.
Com base no exposto acima, percebe-se que as formações oferecidas pela
SEMED têm forte influência na prática pedagógica dos professores e, embora alguns se
13
declarem adeptos do modo tradicional, o construtivismo ainda foi unânime em todas as
respostas. Outra questão é que a pedagogia histórico-crítica não apareceu em nenhuma
marcação, demonstrando que ela ainda não conquistou espaço no campo da prática
pedagógica do município de Ariquemes-RO. Desta forma, necessariamente, é preciso
pensar em ações que proporcionem essa tomada de espaço tanto no campo da formação,
quanto na prática pedagógica dos professores.
2.2 O construtivismo e a pedagogia histórico-crítica
A pedagogia histórico-crítica e as concepções das chamadas pedagogias do
“aprender a aprender” têm travado uma luta constante e ideológica no campo da
educação escolar que, na maioria das vezes, tem passado despercebido pelos gestores e
professores. Assim, a transmissão dos conteúdos sistematizados com ênfase no trabalho
educativo luta a favor de uma pedagogia revolucionária que vai ao encontro das
necessidades do filho da classe trabalhadora. Para Saviani (2007, p. 17)
o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente em
cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e
coletivamente pelo conjunto dos homens. Assim, o objeto da educação
diz respeito, de um lado, a identificação dos elementos culturais que
precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana para que
eles se tornem humanos e, de outro lado e concomitantemente, a
descoberta das formas mais adequadas para atingir esse objetivo.
Neste sentido, a pedagogia histórico-crítica valoriza o saber sistematizado no
qual o professor é o transmissor desse saber. Todavia, para que haja a garantia dessa
produção de conhecimento, torna-se necessário que a escola priorize, no currículo
escolar, os conteúdos clássicos.
Desse modo, Saviani (2007) define que clássico é aquilo que se firmou como
fundamental, como essencial. Ainda, ao fazer uma análise da especificidade do
currículo escolar, o autor faz uma crítica sobre o fenômeno que pode ser observado no
dia-a-dia da escola, exemplificando que elas, de um modo em geral, priorizam as
atividades secundárias (datas comemorativas) e as atividades essenciais (aprender a ler e
escrever, aprender a linguagem dos números, a linguagem da natureza e a linguagem da
sociedade).
14
Sendo assim, o campo escolar está disseminado por outra ideologia a favor das
classes dominantes que luta para que os dominados não tenham acesso ao saber erudito.
Segundo Duarte (2003), essa luta não é apenas de agora, pois há mais de um século a
classe dominante tem dominado o espaço escolar com as pedagogias do “aprender a
aprender” que surgiram com as novas roupagens do escolanovismo; “um cavalo de
Tróia” que trouxe em sua bagagem concepções pedagógicas que têm como princípio a
negação pela especificidade da escola. Para essas pedagogias, o professor que tenta
ensinar uma criança é considerado um criminoso, pois considera que a criança constrói
seu próprio conhecimento.
Desse modo, o conhecimento não é visto como verdade, uma vez que está em
constante transformação; seria um trabalho perdido transmitir conteúdos, pois o aluno é
capaz de construir seu próprio conhecimento. Ao contrário desta concepção, a
pedagogia histórico-crítica valoriza o saber elaborado pela humanidade, compreendendo
que a sociedade é divida em classes e que a superação da classe dominante só será
possível através da socialização que os dominantes já dominam. As pedagogias do
“aprender a aprender” negam a valorização do saber da humanidade, pregando uma
ideologia de adaptação social em que a escola tem como objetivo a formação dos
indivíduos para o mercado de trabalho.
CONCLUSÃO
O modelo da política educacional para a formação de professores, disseminada a
partir da década de 1990, ainda tem seu reflexo na contemporaneidade. A valorização
pelo conhecimento tácito e a desvalorização pelo saber científico na formação docente
contribuiu para a formação de profissionais alienados e adeptos ao sistema capitalista.
A política do Estado a favor das pedagogias do “aprender a aprender” contribuiu
para a disseminação da tendência construtivista e para a formação reflexiva no campo
da educação escolar. Ao contrário da pedagogia histórico-crítica que, embora tenha
conquistado nos últimos anos espaço em algumas escolas, ainda não é suficiente, uma
vez que esta pedagogia oferece ameaça ao atual sistema.
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REFERÊNCIAS
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dez passos para se tornar um professor reflexivo. Educação & Sociedade, ano XXII, n.
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DUARTE, Newton. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações
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DUARTE, Newton. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. 3.
ed. Campinas: Autores Associados, 2001b.
DUARTE, Newton. Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões: quatro
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2003.
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L. M.; DUARTE, N. (orgs.). Formação de professores: limites contemporâneos e
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9788579831034.pdf. Acesso em: 1 fev. 2016.
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