19
A prática da enfermagem frente aos eventos adversos pós-vacinação INTRODUÇÃO O perfil da morbimortalidade do Brasil apresentou uma mudança marcante nas últimas décadas, principalmente em relação às doenças infecciosas e parasitárias, decorrente de medidas de controle, dentre elas a vacinação(1). Entretanto, as vacinas, como qualquer medicamento ou fármaco, requerem especial atenção porque, apesar de serem consideradas seguras e proporcionarem benefícios para o controle de doenças, podem desencadear eventos adversos leves ou graves, alguns esperados, outros inusitados(2), os quais, se não identificados, investigados e acompanhados, poderão prejudicar a adesão ao programa de imunização(3-4). Com o crescimento da população brasileira, ocorreu o aumento do número de doses de vacinas aplicadas e, consequentemente, a incidência de Eventos Adversos Pós-Vacinação (EAPV)(5). Neste cenário, a preocupação da população com os EAPV pode tornar-se maior do que com a doença prevenida pela vacina. Este fato é uma das justificativas para a incorporação às ações dos serviços de saúde, da Vigilância dos Eventos Adversos Pós-Vacinação (VEAPV) e da análise constante dos possíveis riscos da utilização de uma vacina, o que exige, do profissional assistente, conhecimento técnico-científico para tomada de decisão, sobretudo, para garantir a qualidade do programa de imunização e a confiabilidade no serviço. A atuação do enfermeiro no Sistema Único de Saúde (SUS) gerou uma demanda crescente às consultas de enfermagem, requerendo

A prática da enfermagem frente aos eventos adversos pós.docx

Embed Size (px)

Citation preview

A prtica da enfermagem frente aos eventos adversos ps-vacinao

INTRODUO

O perfil da morbimortalidade do Brasil apresentou uma mudana marcante nas ltimas dcadas, principalmente em relao s doenas infecciosas e parasitrias, decorrente de medidas de controle, dentre elas a vacinao(1). Entretanto, as vacinas, como qualquer medicamento ou frmaco, requerem especial ateno porque, apesar de serem consideradas seguras e proporcionarem benefcios para o controle de doenas, podem desencadear eventos adversos leves ou graves, alguns esperados, outros inusitados(2), os quais, se no identificados, investigados e acompanhados, podero prejudicar a adeso ao programa de imunizao(3-4).

Com o crescimento da populao brasileira, ocorreu o aumento do nmero de doses de vacinas aplicadas e, consequentemente, a incidncia de Eventos Adversos Ps-Vacinao (EAPV)(5). Neste cenrio, a preocupao da populao com os EAPV pode tornar-se maior do que com a doena prevenida pela vacina. Este fato uma das justificativas para a incorporao s aes dos servios de sade, da Vigilncia dos Eventos Adversos Ps-Vacinao (VEAPV) e da anlise constante dos possveis riscos da utilizao de uma vacina, o que exige, do profissional assistente, conhecimento tcnico-cientfico para tomada de deciso, sobretudo, para garantir a qualidade do programa de imunizao e a confiabilidade no servio.

A atuao do enfermeiro no Sistema nico de Sade (SUS) gerou uma demanda crescente s consultas de enfermagem, requerendo atualizao permanente dos profissionais a fim de melhorar a resolutividade dos servios prestados(6-8). Porm, no domnio dos eventos adversos relativos imunizao observa-se incipincia no conhecimento, o que reflete na dificuldade para tomada de deciso, deixando lacunas tanto na investigao do caso quanto na interveno sobre ele, caracterizando risco de danos ao cliente(9-10). O enfermeiro de unidades bsicas de sade demonstra pouco interesse em EAPV, considera-o muito complexo e limita suas atividades para as prticas de vacinao no nvel local, repassando a vigilncia dos eventos para enfermeiros ou outros profissionais da vigilncia epidemiolgica(9).

O Evento Adverso Ps-Vacinao (EAPV) conceituado como qualquer ocorrncia clnica indesejvel em indivduo que tenha recebido algum imunobiolgico(5). Podem ser sistmicos ou locais e so classificados quanto intensidade como: a) grave: ocorre hospitalizao por, no mnimo, 24 horas; apresenta disfuno ou incapacidade significativa e/ou persistente (sequela); resulte em anomalia congnita; risco de morte (necessidade de interveno imediata para evitar o bito) e bito, b) moderado: quando necessita de avaliao mdica, exames complementares e tratamento mdico, e c) leve: quando no necessita de exames complementares e tratamento mdico(5). Este ltimo grupo caracterizado como rea de atuao da prtica da enfermagem.

Os eventos tambm podem ser classificados quanto causa: a) induzido pela vacina: relacionados s caractersticas dos componentes; preparo da vacina e resposta individual do vacinado, que no ocorreria sem a vacinao, b) potencializado pela vacina: que ocorreria independente da vacinao, mas foi precipitado por ela; c) erros programticos: relacionados a tcnica de preparao, manipulao ou administrao da vacina, d) coincidente: associado temporalmente vacina, o evento j existia no momento da vacinao, embora no manifesto ou no valorizado(11).

Um evento pode estar associado temporalmente ao uso da vacina, porm, no necessariamente haver uma relao causal com a mesma. A maioria dos eventos, tanto locais como sistmicos, so leves e autolimitados. As aes de vigilncia priorizam os eventos moderados e graves com o objetivo de afastar causas que so atribudas, indevidamente, s vacinas. Desta forma, justifica-se a utilizao do termo evento adverso temporalmente relacionado vacina, em substituio ao termo reao adversa, pois a palavra reao sugere uma relao causal com a vacina, que muitas vezes confundida com alguma doena coincidente ao perodo da vacinao(5). A utilizao de nomenclatura apropriada e padronizada para caracterizar um evento adverso fundamental para impedir informaes ambguas que podem resultar em interpretaes incorretas e imprecisas, prejudicando a sua avaliao e seguimento(2).

Durante as dcadas de 1980 e 1990, o esclarecimento da populao e dos profissionais de sade sobre a segurana das vacinas resultou na queda da incidncia de doenas imunoprevenveis, em decorrncia do aumento das coberturas vacinais. A anlise de custo-benefcio era favorvel s vacinas, porm, a reduo das doenas e o crescente nmero de doses aplicadas muda a percepo das pessoas sobre estas e surge o medo dos eventos adversos ps-vacinao(12).

Este problema tambm ocorreu em outros pases, alm do Brasil, solucionado, parcialmente, com a implantao da vigilncia epidemiolgica dos EAPV. Em 1986, nos Estados Unidos da Amrica, foi criado um sistema nacional de registros de eventos adversos vacina, Vaccine Adverse Events Reporting System (VAERS)(13). Aps sua implantao, bem como do sistema da Inglaterra, a Organizao Mundial de Sade (OMS), em 1991, recomendou aos demais pases a sua adoo.

Em 1992, o Ministrio da Sade (MS), em ao conjunta com o Programa Nacional de Imunizao (PNI), cria o Sistema Nacional de Vigilncia dos Eventos Adversos Ps-Vacinao (VEAPV), que se efetiva, em 1998, com a publicao do Manual de Vigilncia Epidemiolgica de Eventos Ps-Vacinao (VEEAPV)(12). Este manual tem como objetivos principais: normatizar o reconhecimento e a conduta em casos suspeitos de EAPV; identificar eventos novos e/ou raros e permitir maior conhecimento sobre a origem dos EAPV; estabelecer ou descartar, se possvel, a relao de causalidade com a vacina; possibilitar a identificao de imunobiolgicos ou lotes com desvios de qualidade na produo, resultando em acrscimo na reatogenicidade e deciso quanto sua utilizao ou suspenso(5).

O sistema de VEAPV operacionalizado por meio do manual, da lista de eventos de notificao, da ficha de notificao/investigao e do Sistema de Informao de Eventos Adversos Ps-Vacinao. Todos os casos suspeitos de EAPV devem ser investigados e notificados como agravo de notificao compulsria, seguindo os critrios do PNI/MS e a lista de eventos, conforme Portaria n 33/SVS/MS de 2005(5). Embora funcione regularmente, o sistema brasileiro, assim como o americano, um sistema passivo, com vrias limitaes, dentre estas, a notificao de casos relacionados temporalmente mas sem relao causal com as vacinaes(12), o que prejudica, em algumas situaes, a qualidade das informaes geradas pelo sistema de informao.

A partir do ano 2000, foi implantado o Sistema de Informao de Eventos Adversos Ps-Vacinao (SI-EAPV), um sistema informatizado com o objetivo de agilizar a anlise dos casos, contemplar maior nmero de variveis das fichas de notificao e investigao e, sobretudo, promover a consolidao e anlise dos dados de EAPV ocorridos no pas num nico sistema(5). Est instalado em todos os estados brasileiros, centralizado nas Secretarias Estaduais de Sade, responsveis pela incluso do EAPV no sistema.

O SI-EAPV possibilita consultar a base de dados e a produo de relatrios, por cliente ou por imunobiolgico, por municpio ou regional de sade e por perodo de tempo previamente definido. Diferente de sistemas de outros pases, o sistema brasileiro utiliza como denominador para calcular a incidncia de EAPV o nmero de doses de vacinas aplicadas, conferindo maior validade dos indicadores do pas(14).

Estudos realizados em vrios pases apontam a alta incidncia de alguns eventos adversos, com maior frequncia os leves, com destaque dos eventos locais. O mesmo foi evidenciado em pesquisas no Brasil, onde os eventos locais esto em torno de 40%(14-16) e que as causas de alguns destes estavam relacionadas a erros programticos, como procedimentos incorretos no preparo e aplicao das vacinas(14-15).

Vale ressaltar que a administrao de medicamentos, incluindo-se as vacinas, de competncia do enfermeiro e requer responsabilidade, tica, conhecimento cientfico e habilidade tcnica(17) e que, no SUS, o programa de imunizaes executado, principalmente, por aes da enfermagem, que vo desde a aplicao da vacina, do atendimento de evento adverso leve at a vigilncia epidemiolgica de EAPV(7). Entretanto, em parte pela necessidade de capacitao especfica nesta rea, h subnotificao de EAPV, m qualidade das informaes e investigao insuficiente dos casos suspeitos, podendo resultar no cuidado inadequado ao agravo(10).

Diante deste contexto, este artigo focaliza os eventos do SI-EAPV considerados foco da ateno da enfermagem e discute o potencial de atuao do enfermeiro neste domnio de cuidado.

OBJETIVOS

Identificar os eventos adversos ps-vacinao foco da prtica da enfermagem em base de dados do Sistema de Informao de Eventos Adversos Ps-Vacinao e discutir o potencial de atuao do enfermeiro na vigilncia de eventos adversos ps-vacinao.

MTODO

Trata-se de uma pesquisa descritiva documental, de abordagem quantitativa. A base da investigao foi constituda do manual de VEEAPV(5) e dos dados secundrios do SI-EAPV/PNI/MS, constando o registro de notificao espontnea de casos de eventos adversos ps-vacinao referentes a todas as vacinas aplicadas na rede pblica de sade do Brasil, compreendendo o perodo de 1999 a 2008.

O estudo foi desenvolvido em trs momentos: o levantamento dos eventos prevalentes na base de dados do SI-EAPV; a identificao dos eventos foco da prtica da enfermagem e a verificao da adequao das intervenes de enfermagem, propostas pelo manual de VEEAPV, para estes eventos.

Aps conhecer o contedo da base de dados do SI-EAPV, foi realizada a seleo das variveis de interesse para o estudo, ou seja, aquelas que possibilitariam conhecer os tipos de EAPV e suas classificaes. Foram selecionadas evento (tipo de evento adverso) e fechamento (classificao do evento como confirmado; associado a outra vacina - confirmado, mas no possvel especificar qual das vacinas aplicadas causou o evento; indefinido; em investigao; e descartado).

Procedeu-se a limpeza da base, com a eliminao das variveis no utilizadas e correo dos erros de digitao, e a estratificao por fechamento. Para este estudo foram considerados somente os tipos de eventos classificados como confirmado e associado a outra vacina.

A lista dos eventos elencados da base de dados do SI-EAPV foi comparada com a lista dos eventos de notificao compulsria, constante no manual de VEEAPV(5), em virtude da atualizao dos critrios para estabelecer e notificar EAPV, ocorrida em 2008.

Na sequncia, foi verificada a conduta a ser adotada para cada evento no referido manual (atendimento mdico, de enfermagem ou solicitao de exames complementares), de forma a classific-los como foco da prtica da enfermagem ou da prtica mdica. Os EAPV do domnio de atuao da enfermagem foram comparados com os eventos de notificao do manual de VEEAPV(5), para que estivessem de acordo com os eventos de notificao preconizados pelo PNI. Neste caso, os eventos notificados como um conjunto de sintomas, como dor, calor e rubor foram separados porque no manual so considerados independentes.

Os eventos elencados serviram de base para a verificao da adequao das intervenes definidas pelo PNI/MS. Nesta fase, cada interveno constante no manual de VEEAPV(5) foi analisada segundo a literatura de enfermagem, verificando-se a equivalncia entre ambas, para discutir o potencial de atuao do enfermeiro neste domnio.

Os dados foram apresentados, quantitativamente, por meio de grficos e tabelas, por frequncia absoluta e relativa e discutidos luz da literatura disponvel sobre o tema.

A pesquisa que deu origem a este estudo foi aprovada pelo Comit de tica em Pesquisa da Pontifcia Universidade Catlica do Paran, sob nmero 1298/07, atendendo a resoluo n 196/96 do Conselho Nacional de Sade.

RESULTADOS E DISCUSSO

Foram encontrados, na base de dados do SI-EAPV, 65.442 registros de EAPV, segundo a varivel fechamento, sendo que destes, 59.899 so classificados como confirmados e 1.403 associados com outra vacina, o que corresponde a 93,6% do total dos registros (Figura 1), sendo estes a base quantitativa de anlise.

Como a base disponibilizada possui temporalidade no compatvel com o manual em vigor, devido a atualizaes dos EAPV de notificao compulsria, houve necessidade de comparar os tipos de eventos da base com os constantes no manual de VEEAPV para que as declaraes de enfermagem a serem formuladas estivessem de acordo com o preconizado pelo PNI/MS. Dos 64 tipos de eventos da base: 24 foram excludos, seis permaneceram para notificao em surtos e 34 foram mantidos para notificao compulsria (Figura 2). Cabe ressaltar que em sua atualizao o manual incluiu nove eventos novos.

Os eventos do SI-EAPV e do manual de VEEAPV elencados para notificao, foram classificados em: foco da ateno mdica e foco da prtica da enfermagem, resultando em 16 EAPV focos da prtica da enfermagem, com 21.727 registros, correspondente a 35,4% da base de dados do SI-EAPV (Tabela 1 e Figura 3).

Aps a seleo inicial dos EAPV considerados foco da prtica da enfermagem, verificou-se que no manual de EAPV febre maior ou igual a 39C no referia conduta de atendimento mdico, mas mencionava risco de convulso febril em crianas de trs meses a seis anos de idade. Portanto, este evento foi excludo da lista inicial, persistindo apenas febre abaixo de 39C no domnio de atuao da enfermagem.

Apesar do protocolo de 2008(5) ter diminudo o nmero de EAPV de notificao compulsria (Figura 2), os eventos foco da prtica da enfermagem aumentaram proporcionalmente de 25,4% para 32,5% (Figura 4), demonstrando a possibilidade de atuao do enfermeiro nesta rea, reforada pelos dados do SI-EAPV, em que 43,5% dos eventos so considerados locais (Tabela 1), sendo eles: abscesso frio; dificuldade de deambular; dor; calor; rubor; endurao; linfadenite no-supurada; linfadenite supurada; e lcera maior de 1 cm, sendo muitos destes relacionados a falhas na tcnica de administrao(5).

Na comparao dos eventos do SI-EAPV com o manual de VEEAPV(5), observou-se a utilizao de termos ou frases para caracterizar o evento capazes de gerar confuses e ambiguidades quanto ao seu significado e dificultar a avaliao do evento e o desencadeamento das aes necessrias ao cuidado e acompanhamento do cliente, prejudicando inclusive sua notificao(2). Por exemplo, na descrio de um mesmo evento local em vacinas distintas, o manual utiliza trs termos: vermelhido, rubor e eritema, dificultando a busca rpida e objetiva do sintoma durante o atendimento do EAPV, que poder ser interpretado erroneamente e resultar em condutas inadequadas, como a contraindicao de doses subsequentes ou substituio por outro tipo de vacina(10).

Quanto s intervenes estabelecidas pelo manual de VEEAPV(5) para os eventos foco da prtica da enfermagem, a maioria estava de acordo com o recomendado na literatura de enfermagem. Entretanto, para eventos comuns a vrias vacinas, foram encontradas diferenas entre as condutas, alm de serem mais completas numas que em outras, como observado na febre decorrente da vacina febre amarela que indica apenas medicamentos sintomticos e observao, enquanto que na vacina tetravalente (DTP+Hib) acrescenta oferecer leite materno e/ou gua.

A uniformizao das intervenes, de acordo com as caractersticas da vacina e do EAPV, necessria, assim como devem ser includas outras aes, a exemplo dos cuidados no-farmacolgicos e da orientao de retorno ao estabelecimento de sade, caso intercorrncia. Sabe-se que o atendimento nas primeiras manifestaes clnicas favorece o diagnstico precoce, com as intervenes necessrias, diminuindo o risco de complicaes. A falta de orientao ao cliente sobre os possveis EAPV imediatos a aplicao da vacina pode estar associada a eventos graves, principalmente nos grupos de maior risco, como observado na vacina tetravalente, que 75% dos eventos ocorrem nas primeiras seis horas(14).

Em face da prevalncia de febre (21%) e de eventos locais (43,5%), onde esto concentrados os erros programticos, discute-se com destaque as intervenes referentes a estes EAPV.

As intervenes para febre, indicadas no manual, so convergentes s recomendadas na literatura de enfermagem, ou seja: repousar em local arejado; administrar gua e outros lquidos; manter aleitamento materno e usar antitrmicos recomendados por rotina institucional. Estas aes ser complementadas com a incluso de tcnicas no medicamentosas como o uso de bolsa de gelo, compressas de gua fria e banho morno(18).

Para a maioria dos eventos locais, o manual(5) recomenda intervenes limitadas vigilncia epidemiolgica e teraputica medicamentosa, com pouca nfase em outras aes no farmacolgicas, como o uso de compressa fria no local da aplicao para alvio da dor e/ou vermelhido. Por conseguinte, estas intervenes no so prescritas ao cliente ou orientadas pelo vacinador(16).

A febre e os eventos locais englobam as situaes relacionadas aos erros programticos, que, na maioria dos casos decorrente da tcnica incorreta no preparo e aplicao(5). Este fato corroborado pelo resultado de uma pesquisa realizada em unidade de sade, que apontou falhas no processo da vacinao, envolvendo a falta da lavagem das mos; a diluio incorreta do imunobiolgico; a delimitao errnea da rea de aplicao e a injeo rpida do contedo vacinal, determinando o aparecimento de eventos locais como irritao, inflamao, granuloma e necrose tecidual(16), alm de abscesso local quente (infeccioso) causado por contaminao.

Um estudo realizado sobre erro de medicao(19) estima que apenas 25% so notificados e que 40% dos eventos no foram notificados por causa da conotao negativa atribuda ao incidente, alm da exigncia da elaborao de relatrios. Refere, ainda, que a subnotificao tem como causas: o desconhecimento do que , realmente, um erro de medicao; quais intervenes devem ser realizadas e a preocupao com o futuro profissional.

A relao entre as falhas na aplicao de vacinas e os erros programticos verificada nos EAPV relacionados com a vacina BCG, que representam 14,9% do total de eventos que so foco de ateno da enfermagem (Tabela 1). Os mesmos poderiam ser evitados, pois, em sua maioria foram provocados devido tcnica incorreta do preparo da vacina ou de sua aplicao. Estudos direcionados a erros na administrao de medicamentos discutem que a falta de conhecimento do enfermeiro sobre questes bsicas da administrao de medicamentos, o que aumenta a incidncia de erros(17,19). Concomitantemente, as instituies de sade no demonstram interesse na identificao das causas dos erros, uma vez que as chefias de enfermagem tentam resolver o problema por meio de punies(17), o que, indiretamente, promove a subnotificao.

Embora os EAPV foco da prtica da enfermagem representem 35,4% dos registros do SI-EAPV, sabe-se que os dados no refletem a situao real, devido a falhas operacionais, pois a fidedignidade da informao depende de uma rede de conhecimento que engloba desde o profissional que faz o diagnstico e notifica o EAPV at aquele que o inclui no sistema de informao(20).

Numa anlise das intervenes dos profissionais em EAPV verificou-se que 20%, em mdia, estavam em desacordo com as do PNI(10). Considerando que, em qualquer rea, 50% do conhecimento tcnico torna-se obsoleto em cinco anos, em razo da dinamicidade da cincia, das novas tecnologias e da rpida difuso da informao(17), identifica-se a necessidade premente de capacitao no domnio de eventos adversos ps-vacinao.

CONCLUSO

Atualmente, a necessidade de garantir a qualidade da assistncia prestada, com o menor risco possvel, tanto nas aes preventivas quanto curativas, vem destacando as aes da farmaco-vigilncia, incluindo-se os EAPV. O SI-EAPV, apesar de ser um sistema passivo, com limitaes, viabilizou conhecer o perfil dos EAPV no Brasil e, sobretudo, identificar a possibilidade da atuao do enfermeiro neste domnio, haja vista que estas informaes so relevantes no s para a Enfermagem, mas tambm para atualizao das normas, proporcionando segurana e confiabilidade no PNI e, consequentemente, mantendo altas coberturas vacinais.

Esta pesquisa confirmou que o enfermeiro tem uma participao significativa neste domnio; contudo, ainda existem lacunas no seu conhecimento, refletido na incidncia de eventos evitveis. Este problema pode ser solucionado atravs da sensibilizao dos gestores e dos prprios enfermeiros sobre a necessidade da formao de recursos humanos, com a implantao da educao continuada nos servios de sade. Tambm vale ressaltar a necessidade urgente de sensibilizar o enfermeiro sobre a sua responsabilidade legal e tica, como coordenador da equipe de enfermagem, pois as aes de imunizao so realizadas pela sua equipe, mas sob a sua superviso. de suma importncia o envolvimento das escolas de enfermagem, tanto profissionalizantes quanto as universidades, nesta discusso sobre EAPV e erros programticos, fazendo com que os profissionais egressos destas instituies tenham condies tcnico-cientficas de ocupar o amplo espao disponvel para o exerccio da Enfermagem neste domnio.

REFERNCIAS

1. Moraes JC, Ribeiro MCSA. Desigualdades sociais e cobertura vacinal: uso de inquritos domiciliares. Rev Bras Epidemiol. 2008;11(1):113-24. [Links]

2. Marodin G, Goldim JR. Confusions and ambiguities in the classification of adverse events in the clinical research. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2009 [cited 2010 May 15];43(3):690-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v43n3/en_a27v43n3.pdf[Links]3. Kimmel SR. Vaccine adverse events: separating myth from reality. Am Fam Physician. 2002;66(11):2113-20. [Links]

4. Chen RT, Orenstein W. The reporting sensitives of two passive surveillance systems for vaccine adverse events. Epidemiol Rev. 1996;18(2):99-117. [Links]

5. Brasil. Ministrio da Sade. Manual de vigilncia epidemiolgica de eventos adversos ps-vacinao. 2 ed. Braslia; 2008. [Links]

6. Gonalves ML, Almeida MCP, Gera SC. A municipalizao da vacinao em Ribeiro Preto, Estado de So Paulo, Brasil. Cad Sade Pblica. 1996;12(1):79-87. [Links]

7. Oliveira RG, Marcon SS. Opinio de enfermeiros acerca do que trabalhar com famlias no programa sade da famlia. Rev Latino Am Enferm. 2007;15(3):431-8. [Links]

8. Rodrigues VM, Fracolli LA, Oliveira MAC. Possibilidades e limites do trabalho de vigilncia epidemiolgica no nvel local em direo vigilncia sade. Rev Esc Enferm USP. 2001;35(4):313-9. [Links]

9. Pedersoli EC, Antonialli E, Vila TCS. O enfermeiro na vigilncia epidemiolgica no municpio de Ribeiro Preto 1988-1996. Rev Latino Am Enferm. 1998;6(5):99-105. [Links]

10. Arajo MEA, Carvalho MGC, Vieira RDF. Anlise dos eventos adversos ps-vacinais ocorridos em Teresina. Rev Bras Enferm. 2007;60(4):444-8. [Links]

11. Brito GS. Eventos adversos e segurana de vacinas. In: Farhat CK, Weckx LY, Carvalho LHF, Succi RCM. Imunizaes: fundamentos e prtica. 5 ed. So Paulo: Atheneu; 2007. p. 43-64. [Links]

12. Martins RM, Maia MLS. Eventos adversos ps-vacinais e resposta social. Hist Cinc Sade Manguinhos. 2003;10(2):807-25. [Links]

13. Varricchio F, Iskander J, Destefano F, Ball R, Pless R, Braun M, et al. Understanding vaccine safety information from the Vaccine Adverse Event Reporting System. Pediatr Infect Dis J. 2004;23(4):287-94. [Links]

14. Freitas FRM, Sato HK, Aranda CMSS, Pacheco MA, Waldman EA. Eventos adversos ps-vacina contra a difteria, coqueluche e ttano e fatores associados sua gravidade. Rev Sade Pblica. 2007;41(6):1032-41. [Links]

15. Saparolli EC, Adami NP. Avaliao da qualidade da consulta de enfermagem criana no Programa de Sade da Famlia. Acta Paul Enferm. 2007;20(1):55-61. [Links]

16. Jesus DM, Bastos MA, Carvalho EC. Estudo dos eventos adversos provocados pela vacina tetravalente. Rev Enferm UERJ. 2004;12(3):299-305. [Links]

17.Telles Filho PCP, Cassiani SHB. Administrao de medicamentos: aquisio de conhecimentos e habilidades requeridas por um grupo de enfermeiros. Rev Latino Am Enferm. 2004;12(3):533-40. [Links]

18. Thompson H, Kirkness CJ, Mitchell PH, Webb DJ. Fever management practices of neuroscience nurses: national and regional perspectives. J Neurosci Nurs. 2007;39(3):151-62. [Links]

19. Bohomol E, Ramos LH. Erro de medicao: importncia da notificao no gerenciamento da segurana do paciente. Rev Bras Enferm. 2007;60(16):32-6. [Links]

20. Pedrazzani ES, Cordeiro AMA, Furquim EC, Souza FF. Implantao de um banco de dados em vacinao: experincia desenvolvida em um projeto de integrao. Rev Latino Am Enferm. 2002;10(6):831-6. [Links]

Correspondncia: Lcia Helena Linheira Bisetto Rua Imaculada Conceio, 1155 CEP 80242-980, Curitiba, PR, Brasil

Recebido: 03/02/2010 Aprovado: 29/11/2010

All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License

Revista da Escola de Enfermagem da USP

Av. Dr. Enas de Carvalho Aguiar, 419 05403-000 So Paulo - SP/ BrasilTel./Fax: (55 11) 3061-7553

[email protected]

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0080-62342011000500014&script=sci_arttext