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Universidade Federal de Pernambuco - Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação - 1 - A presença dos gêneros digitais nos livros didáticos do ensino fundamental II Amanda Carla Silvestre Teixeira 1 (UPE) Resumo: Neste trabalho, analisamos o livro didático (LD), ferramenta típica do domínio pedagógico, com base em um corpus de cinco coleções de livros didáticos avaliados e recomendados pelo PNLD, a fim de identificar os gêneros digitais mais trabalhados, bem como analisar as atividades que costumam ser desenvolvidas. Para isso, baseamo-nos nas pesquisas sobre gêneros digitais desenvolvidas por diversos autores, entre eles, Bezerra (2009), além da teoria sociorretórica de Swales (2004) e Bhatia (2004). Palavras-chaves: gêneros digitais, livros didáticos, ensino. Abstract: In this paper, we analyze the textbook, a typical tool in teaching domains, based on a corpus of five collections of textbooks evaluated and recommended by PNLD in order to identify the use of digital genres as well the activities that tend to be developed. For this, we base our research on digital genres developed by several authors, among them, Bezerra (2009), besides the socio-rhetorical theory developed by Swales (2004) and Bhatia (2004). Keywords: digital genres, textbooks, teaching. Introdução Segundo Marcuschi (2002, p. 22), os gêneros “são formas verbais de ação social relativamente estáveis realizadas em textos situados em comunidades de práticas sociais e em domínios discursivos específicos.” Conforme o autor, os gêneros são uma forma de ação social, de categoria cultural, servindo de subsídio para a organização social por meio de ações retóricas e estruturas textuais. Pois trata-se de acontecimentos textuais, caracterizados como artefatos colaboradores da interação sócio-cultural, os quais proporcionam variadas formas de transmissões comunicativas, sócio-discursivas e cognitivas. O estudo dos gêneros embasado na teoria sociorretórica de John Swales (2004) e Vijay Bhatia (2004) tem como preocupação o significado que têm as ações e os eventos para as pessoas ou grupos estudados, tendo como referência uma determinada circunstância social envolvendo o uso da linguagem para se obter o

A presença dos gêneros digitais nos livros didáticos do ... · Na atualidade, os gêneros textuais encontrados nos suportes digitais acham-se em grande evidência, uma vez que,

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A presença dos gêneros digitais nos livros didáticos do ensino fundamental II

Amanda Carla Silvestre Teixeira1 (UPE)

Resumo: Neste trabalho, analisamos o livro didático (LD), ferramenta típica do domínio pedagógico, com base em um corpus de cinco coleções de livros didáticos avaliados e recomendados pelo PNLD, a fim de identificar os gêneros digitais mais trabalhados, bem como analisar as atividades que costumam ser desenvolvidas. Para isso, baseamo-nos nas pesquisas sobre gêneros digitais desenvolvidas por diversos autores, entre eles, Bezerra (2009), além da teoria sociorretórica de Swales (2004) e Bhatia (2004). Palavras-chaves: gêneros digitais, livros didáticos, ensino. Abstract: In this paper, we analyze the textbook, a typical tool in teaching domains, based on a corpus of five collections of textbooks evaluated and recommended by PNLD in order to identify the use of digital genres as well the activities that tend to be developed. For this, we base our research on digital genres developed by several authors, among them, Bezerra (2009), besides the socio-rhetorical theory developed by Swales (2004) and Bhatia (2004). Keywords: digital genres, textbooks, teaching.

Introdução

Segundo Marcuschi (2002, p. 22), os gêneros “são formas verbais de ação

social relativamente estáveis realizadas em textos situados em comunidades de

práticas sociais e em domínios discursivos específicos.” Conforme o autor, os

gêneros são uma forma de ação social, de categoria cultural, servindo de subsídio

para a organização social por meio de ações retóricas e estruturas textuais. Pois

trata-se de acontecimentos textuais, caracterizados como artefatos colaboradores

da interação sócio-cultural, os quais proporcionam variadas formas de transmissões

comunicativas, sócio-discursivas e cognitivas.

O estudo dos gêneros embasado na teoria sociorretórica de John Swales (2004)

e Vijay Bhatia (2004) tem como preocupação o significado que têm as ações e os

eventos para as pessoas ou grupos estudados, tendo como referência uma

determinada circunstância social envolvendo o uso da linguagem para se obter o

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propósito comunicativo ambicionado,ou seja, trata-se de um estudo etnográfico.

Swales afirma que a compreensão a respeito de gêneros só é possível se

entendemos a noção de comunidade discursiva e vice-versa. Ele define

comunidades discursivas como “redes sociorretóricas que se formam a fim de atuar

em favor de um conjunto de objetivos comuns” (SWALES, 1990).

Os gêneros digitais

Tratando-se de um recurso fundamental para interação humana, os gêneros

textuais se encontram em constante evolução, de acordo com as necessidades

cotidianas de cada meio cultural. Acoplados ao progresso tecnológico, os gêneros

vão surgindo, se ajustando e evoluindo nos múltiplos ambientes linguísticos,

tornando-se, consequentemente, pré-requisito para a compreensão dos processos

de interação.

Mediante o uso diário do computador e da Internet, grande parte da interação

social é estabelecida via comunicação virtual, ocasionando o surgimento de

inúmeros gêneros como, por exemplo, o fórum e o chat, ou ainda a evolução de

outros gêneros já existentes nos suportes impressos, como é o caso da carta

pessoal, comparada com o e-mail em sua função de correio eletrônico. Conforme

Marcuschi (2002, p. 13),

Os gêneros emergentes nessa nova tecnologia digital são relativamente variados, mas a maioria deles tem similaridades em outros ambientes, tanto na oralidade como na escrita. Muitos desses gêneros digitais são evoluções de outros já existentes nos suportes impressos (papel), ou em vídeos (ex.: vídeos, fotografias). Porém essa tecnologia comunicativa verdadeiramente gerou novos gêneros, como por exemplo: os chats e os fóruns.

Assim a Internet não só envolve uma gigantesca multiplicidade de registros

inseridos em um continuum que envolve da escrita à oralidade, como também,

através da sua tecnologia torna-se possível a superação dos limites de espaço e

tempo, além de proporcionar grandes contribuições para o enriquecimento e

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desenvolvimento das produções textuais, que se tornaram graficamente mais

originais e criativas.

Uma característica muito peculiar desses “novos” gêneros seria o conjunto de

aspectos existentes em sua função. Como exemplo, podemos citar a

hipertextualidade, que oferece diversificadas possibilidades de integração de

textos, por meio de suas formas semióticas: textos, sons e imagens. A

diferenciação e definição dos gêneros podem ser decididas não só por

características dos aspectos sociocomunicativos, como também por suas formas e

pelos ambientes em que estão situados.

Na atualidade, os gêneros textuais encontrados nos suportes digitais acham-se

em grande evidência, uma vez que, diante do surgimento e uso crescente das novas

tecnologias de informação e comunicação, adquirem maior atenção não só da

academia, mas também da escola e dos domínios profissionais, pois se trata de

uma ferramenta fundamental de socialização universal.

Essa inovação na visão a respeito da interação social virtual servirá como um

grande impulso à evolução dos gêneros, ressaltando “o papel da linguagem na

internet e o efeito da internet na linguagem” (CRYSTAL apud MARCUSCHI, 2008).

A postura da escola diante dos gêneros digitais

Ainda que ante a gramática a linguagem virtual pareça desordenada, nota-se

que os usuários independentemente de suas variações regionais unificaram alguns

recursos utilizados em suas interações. Pois todos os internautas brasileiros

conseguem compreender uns aos outros independentemente da região em que se

encontrem, utilizando abreviaturas, emoticons (risos e expressões faciais), sinais

gráficos mais ou menos padronizados, entre outros recursos. Essas características

surgem frequentemente pela necessidade de rapidez e objetividade na interação

mediada por esses gêneros.

É notório que, com o surgimento da era digital, a linguagem “da internet”

passa a apresentar inúmeros novos aspectos, em meio a eles, escrita com traços

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orais, uma nova ortografia e novas palavras criadas para dar conta de novas

situações (neologismos). A mídia digital torna possível romper os preconceitos

existentes na linguagem oral e escrita, fornecendo diversas fontes de pesquisas e

estudos sobre os gêneros digitais, inclusive com fins pedagógicos. Boa parte dos

estudos desenvolvidos possuem como finalidade romper os obstáculos existentes

entre professores e alunos, possibilitando assim maior interatividade entre os

mesmos. É nesse sentido que Bezerra afirma:

A meu ver, impõe-se [para a escola] a necessidade de reflexão a respeito do fascínio que esses recursos comunicativos e interacionais [do Orkut] exercem sobre os jovens, uma vez que os estudantes, que de acordo com o senso comum não gostam nem têm o hábito de ler e escrever, de fato escrevem e lêem bastante quando se trata dos gêneros do Orkut (2009, p. 116).

Considerando o grande fascínio exercido pelas mídias e gêneros digitais sobre

a juventude, por que não utilizá-lo também como uma das ferramentas auxiliares

nas práticas pedagógicas? Os objetivos de tal uso poderiam ser, entre outros,

diminuir as distâncias entre professores e alunos, trabalhar e desenvolver novas

práticas de leitura e escrita, conhecer os novos gêneros pertencentes à mídia

digital e ampliar a capacidade do aluno interagir com o meio social através dessas

novas formas comunicativas. Esses novos recursos podem trazer grandes

descobertas e aprendizagens para o ambiente escolar, desde que não sejam vistos

com olhares retrógrados e preconceituosos por parte da escola e professores.

Nesse sentido, afirmamos com Bezerra (2009) que “é de se supor e esperar

que a escola e os professores a cada dia se mostrem mais preparados para lidar

com as práticas discursivas dos estudantes onde quer que estas se manifestem. E a

continuidade das pesquisas sobre a linguagem desejavelmente terá um papel a

desempenhar nesse processo”.

A escola deve ter como uma de suas funções formar cidadãos preparados para

interagir com competência no meio virtual, não se restringindo somente ao ensino

da produção de dissertações, cartas, bilhetes, ou seja, não trabalhar com o aluno

unicamente os gêneros convencionais do meio impresso, ou como se constituem os

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discursos presenciais, face a face. É preciso que sejam trabalhados também os

gêneros digitais e, quando trabalhados, que sejam da forma adequada, pois esses

gêneros fazem parte da realidade e prática diária dos jovens. Percebe-se também

que os gêneros virtuais são os mais emergentes na atualidade e embora possuam

uma escrita próxima de aspectos da oralidade mantêm suas bases na escrita

convencional, apesar da sua multimodalidade.

Entende-se que não há uma “fala por escrito”, mas uma hibridização dos

gêneros e das modalidades oral e escrita. Fenômenos como as mesclas de gêneros,

em que uma forma de gênero serve à função de outro gênero, são bastante

frequentes no ambiente virtual e não só nele. Por exemplo, um gênero com a

forma de uma receita culinária, mas com a função de instruções ou de um guia de

caráter didático, com a intenção de instruir e convencer o interlocutor para que

assuma um determinado comportamento para conseguir êxito nas avaliações

escolares. Embora o texto traga as características de uma receita, não o é de fato,

porque o leitor compreende que não se trata de instruções para que se possa

preparar uma comida. Marcuschi (2008. p. 165) apresenta um exemplo de

hibridização utilizando uma “bula” com função publicitária de uma livraria.

Podemos citar como um exemplo híbrido de gênero digital, o chat, um gênero

hipertextual que carrega sinais de transmutação do diálogo cotidiano, mesclando

oralidade e escrita em um mesmo texto e suporte.

O hipertexto

Devido a sua estrutura intricada, o hipertexto proporciona uma leitura

dinâmica e não sequencial ao hiperleitor, que tem a opção de percorrer díspares

caminhos em busca de informações. Por conta de sua estrutura não sequencial,

muitos leitores, quando não bem preparados para esse tipo de leitura e pesquisa,

terminam por submergir o seu foco inicial de pesquisa. O hipertexto pode ser visto

como uma mídia de leitura, onde se encontram facilmente a multimodalidade e a

hibridização, devido aos mais variados recursos oferecidos por essa modalidade

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textual, que leva o hiperleitor ao que Marcuschi (2007) classificou como “stress

cognitivo”, pois no hipertexto são múltiplas as opções de se transcorrer a leitura, o

que ocasiona requisições cognitivas não encontradas em textos impressos. A

multimodalidade liga-se intimamente à hibridização dos gêneros textuais, no

sentido de que, proporcionando variados recursos para sua construção, facilita a

combinação das suas características com as de outros gêneros, ficando difícil a

identificação de eventuais fronteiras, como alertava Paltridge (2009).

Quanto aos escritores do hipertexto, é notório o cuidado que necessitam ter

ao produzirem seus textos, pois os links de um site podem ser acessados de

variados modos, ou seja, dependendo de cada internauta, podendo assim acarretar

uma interpretação distinta da ambicionada pelo autor.

Seja qual forem as opções didáticas da escola, os gêneros fazem parte de

nossa realidade linguística, social e cultural. Retirá-los de sua realidade concreta,

transpô-los para o universo escolar e transformá-los em objetos de estudo implica

observar o desenvolvimento total dos alunos em relação às suas aptidões

linguísticas, além de pensar em sequências didáticas que viabilizem aos estudantes

o contato, o estudo e a assimilação dos gêneros. Pois com o trabalho de produção

textual centralizado nos gêneros, a ação de escrever é democratizada: todos os

estudantes devem aprender a escrever a maior diversidade possível de textos.

É importante que a escola se dedique mais à questão dos gêneros, visto que

nossas ações linguísticas cotidianas se dão por meio de modalidades orais e

escritas. Um indivíduo que não domina com facilidade as diversas formas textuais

tende a perder seu poder de interagir com o meio social, assim como seus poderes

persuasivos e argumentativos, restringindo suas possibilidades comunicativas na

fala e na escrita nas mais diversas situações discursivas presentes em seu cotidiano.

Os gêneros digitais nos livros didáticos

O livro didático apresenta-se como um suporte onde se encontra uma grande

diversidade de gêneros, que são retirados de seus contextos originais para serem

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objeto do trabalho pedagógico, acarretando adições em suas funções enquanto

gêneros. Contudo, não perdem sua identidade, apesar de no momento

apresentarem outras funcionalidades. Para Marcuschi (2003), ocorre uma

“reversibilidade de funções” nos gêneros transpostos para o LD. Relacionando os

conteúdos do e-mail na função de correio eletrônico com os livros didáticos, se

verifica que ambos transportam os mais variados gêneros, como bilhetes, cartas

comerciais, propagandas, mensagens informativas, dentre outros.

Com certeza o livro didático é uma ferramenta proeminente no

desenvolvimento das atividades escolares, auxiliando na resolução dos mais

diversificados problemas da área pedagógica, nos programas de ensino. Devido às

diretrizes oficiais de ensino, atualmente o LD vem reunindo algumas variedades de

gêneros digitais, que se encontram inseridos no cotidiano dos alunos, em suas

táticas de ensino de leitura e produção de textos. No entanto, na grande maioria

das vezes, esses suportes apresentam os gêneros digitais apenas como pano de

fundo para o trabalho com a gramática.

Apesar de muitas pessoas ainda se encontrarem excluídas da mídia virtual,

isso não modifica o fato que essa nova maneira de interagir será permanente e

possibilita um mundo ilimitado de informações, um inovador subsídio em favor da

comunicação.

Contextualizando a pesquisa

A pesquisa, iniciada em fevereiro de 2010 e ainda em andamento, tem como

corpus as edições mais recentes de 05 coleções de livros didáticos avaliados pelo

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), com o propósito de identificar e

discutir os gêneros digitais mais trabalhados, a diversidade desses gêneros no LD e

as atividades que são desenvolvidas. Busca-se traçar um panorama atual dos

interesses manifestos pelos livros didáticos no que diz respeito aos gêneros digitais,

trazendo vários aspectos importantes sobre o desenvolvimento das práticas

pedagógicas relacionadas ao tema, com base nos estudos desenvolvidos por Bezerra

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(2009) e enfocados por meio da observação e análise crítica das atividades de

leitura e escrita. A identificação dos gêneros segue os parâmetros da teoria

sociorretórica de John Swales (2004) e Vijay Bhatia (2004).

Na análise dos tipos de atividades desenvolvidas com os gêneros digitais,

levamos em conta principalmente os eixos gramática, leitura e escrita, verificando

quais são os mais utilizados, com que frequência e como esses gêneros estão sendo

abordados. Por exemplo, se são trabalhados de fato como gênero, sem que sejam

colocados como mero pano de fundo ou enfeite para a apresentação de uma

atividade exclusivamente gramatical.

Análise e resultados

Apresentamos, para os fins deste trabalho, alguns exemplos de nossa análise

de duas coleções, quais sejam: o livro Português: linguagens (Cereja e Magalhães)

e o livro Novo diálogo (Beltrão e Gordilho).

Livro português: linguagens

Ao realizar a análise dessa coleção de livros didáticos, percebemos que o

livro referente ao 6º. ano é o único da coleção que, apesar de serem apenas dois

exercícios, não só faz uma boa descrição de dois gêneros digitais (e-mail e blog),

como também remete os alunos à prática de atividades com esses gêneros,

despertando a percepção e aprendizagem dos alunos ao realizar a comparação de

uma carta pessoal com o e-mail e de um diário com o blog, como será visto mais

adiante.

O restante da coleção faz apenas pequenas alusões em relação aos gêneros

digitais, como no livro destinado ao 7º. ano (p. 208-212), onde encontramos uma

breve descrição do gênero entrevista não presencial comparada com entrevistas

presenciais e escritas.

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Fonte: Livro didático Português:linguagens (Cereja e Magalhães), destinado ao 7°. ano, p. 211

O livro destinado ao 9º. ano (p. 137-163) traz o gênero debate, propondo em

uma das atividades o trabalho com debates da Internet, o blogs e o fóruns. O livro

didático do 8º. ano não traz gêneros digitais. Como o restante da coleção, limita-se

a fazer a indicação de sites de pesquisa nas páginas iniciais de cada unidade, junto

a outras opções de pesquisa como livros e vídeos. Nota-se por parte dos autores a

concepção de que os alunos já dominam os gêneros virtuais, devido à grande

maioria dos jovens manter contato diário com o computador e a Internet, supondo

possivelmente que não seja necessário explorar mais a prática desses gêneros em

ambiente escolar.

Os gêneros analisados são encontrados nas páginas 142-146 e 162-166 do

livro didático direcionado ao sexto ano (5ª. série).

Análise do gênero carta pessoal

No exemplo dado pelo livro didático, a carta pessoal é descrita como um

gênero primário ou simples, ou seja, possui características de tipos de enunciado

espontâneos e naturais, que ocorrem no contexto imediato da fala, diferentemente

do gênero secundário que é caracterizado por tipos de enunciados da fala

aperfeiçoados através da escrita, devido à utilização de uma linguagem formal.

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Aqui, portanto, os autores do LD se apóiam na conhecida distinção estabelecida por

Bakhtin.

Através do conteúdo veiculado percebe-se que a relação estabelecida pelos

participantes é íntima por empregar algumas palavras e expressões que são usadas

em conversas informais, mais íntimas, com familiares e amigos.

A situação em que esse gênero se situa seria pública, pois qualquer pessoa

pode escrever uma carta. O suporte seria o papel (meio impresso).

No exemplo do livro, por a carta tratar de um assunto pessoal, melhor

dizendo, os correspondentes são pai e filho, o garoto (remetente) emprega algumas

palavas e expressões que usamos, no dia a dia, em conversas mais íntimas, como

por exemplo, “... a mãe tá bem, eu tô bem.... Mas têm acontecido coisas

misteriosas por aqui de uns dias pra cá...” e gírias; “E aí pai, beleza?” “...E que

história, pai! D+, um arraso!”

Fonte: Livro didático Português: linguagens (Cereja e Magalhães), destinado as 5° séries, p.144

Análise do e-mail

Segundo os autores, o e-mail, como correio eletrônico, é um meio de

transmissão de vários gêneros. Porém há um novo o e-mail ou mensagem eletrônica

que seria uma hibridização, ou seja, uma mistura de vários gêneros.

O e-mail caracteriza-se como um gênero digital escrito, o seu meio de

transmissão, a velocidade e a assincronia na interação entre os internautas.

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No e-mail, há o vocativo, a assinatura do remetente, destinatário(s), o

assunto, a data, hora em que a mensagem foi enviada, a despedida e se quiser a

assinatura. Os e-mails podem tratar tanto de assuntos de ordem pessoal, como é o

caso do exemplo oferecido no livro, quanto os de ordem comercial e empresarial

que tratam de assuntos profissionais.

Para se enviar um e-mail, é obrigatório o preenchimento na primeira linha

com o(s) endereço(s) digitais do destinatário (os). Os outros dois espaços (cc e cco)

são reservados para enviar cópias para outras pessoas. Na linha referente ao

assunto é opcional, mas através do assunto pode-se fazer a escolha de leitura ou

descarte e ainda filtrar as mensagens indesejadas.

As mensagens enviadas por e-mail podem ser transmitidas a várias pessoas de

uma só vez e ao mesmo tempo, assim como podem também ser impressas,

arquivadas, copiadas, re-encaminhadas e re-utilizadas. Podem ser anexados

arquivos. No e-mail há muito mais facilidade na colaboração e discussão, podendo

ser visto como um instrumento de comunicação de comunidades discursivas.

Nesse e-mail o assunto é pessoal, por isso algumas palavras são abreviadas e

Thete (emissora) utiliza algumas gírias.

Os usuários determinam o tipo de linguagem, utilizando abreviaturas para

atender à agilidade do gênero e emoticons para suprir a ausência de dados do

contexto, como risos e expressões faciais. Embora exista tanta diversidade

lingüística, percebe-se que os recursos usados possuem padrões que possibilitam a

compreensão a todos os internautas.

Fonte: Livro didático Português: linguagens (Cereja e Magalhães), destinado as 5° séries, p.147

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Como podemos ver, o exercício traz várias perguntas e informações sobre as

características, finalidades, suporte, tema, entre outras peculiaridades do gênero

e-mail, levando o aluno a um estudo aprofundado a respeito desse gênero digital.

Mais adiante é proposta a produção de um e-mail e para finalizar a atividade é

pedido que avalie o e-mail produzido.

Análise do diário e do blog

No diário são descritos fatos de cunho pessoal, privado e íntimo, podendo-se

utilizar no mesmo uma linguagem espontânea, informal e uma variedade lingüística

não padrão. O diário contém ocorrências do cotidiano ou notas produzidas por

quem o escreve, segredos, pensamentos, idéias, opiniões, observações, etc. Pode

ser assinado ou não, como já mencionado anteriormente a variedade da linguagem

do texto pode ser padrão ou não padrão, isso vai depender do locutor e o quais são

suas pretensões , geralmente é escrito na primeira pessoa do singular, possui uma

estrutura livre, geralmente no geral é direcionado e pode ou não ser dado a

alguém.

No exemplo do livro, o diário de Janaína Bauman, a linguagem utilizada no

texto é a variedade padrão e encontra-se na primeira pessoa do singular. Devido ao

momento histórico em que ocorreram os fatos (época de guerra), o tempo verbal é

o presente, pois ela descreve acontecimentos vivenciados no momento, como se

estabelecesse um “diálogo” com ela mesma e com os leitores. Provavelmente para

não comprometer sua família, amigos e a si própria, Janaína prefere não assinar o

diário, pois o mesmo poderia ser descoberto. A finalidade do diário de Janaína

Bauman, seria testemunhar os horrores da Segunda Guerra Mundial. No exercício é

proposto a produção de uma página de diário e logo em seguida são elaboradas três

instruções básicas para que o aluno faça a análise da página do diário que criou.

Quanto ao blog, a idéia inicial do gênero seria a de um diário eletrônico, mas

em que, diferentemente do diário de papel, não há segredos. Porém hoje já

existem blogs com outras funções, como é o caso dos blogs comunitários, onde

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todos os participantes podem expor seus textos, os blogs educativos, ou com a

finalidade de um bate papo. Permitem um novo tipo de produção original e

criativa, pois cada locutor é um co-construtor do texto. Os blogs oferecem espaço

para comentários de seus leitores. Neles encontramos também uma grande

diversidade semiótica, como, por exemplo, textos escritos, imagens (fotos,

animações e desenhos), sons, entre outros.

No caso dessa atividade (p. 164-167), o livro faz uma detalhada descrição do

gênero blog, comparando-o com o diário convencional, para em seguida apresentar

um exemplo de uma página de um blog. Mais adiante (p. 168), propõe a criação de

um blog comunitário, indicando também o endereço de sites e provedores que

podem explicar como se faz para montar um blog.

Fonte: Livro didático Português: linguagens (Cereja e Magalhães), destinado às 5° séries, p.167

Análise das atividades

É notória a importância do conhecimento e domínio dos diferentes gêneros

textuais no plano de ensino e aprendizagem de produções de textos, por parte do

estudante, pois os gêneros não só ampliam sua compreensão da realidade,

mostrando-lhe maneiras concretas de melhor interação social, como também os

preparam para eventuais práticas linguísticas. Diante deste fato ao realizar uma

análise nas atividades oferecidas no livro didático Português: linguagens, destinado

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ao sexto ano (5ª. série), percebemos que o mesmo supre bem as necessidades do

aluno em relação às descrições e ao conhecimento dos gêneros, bem como realiza

um bom trabalho didático envolvendo tipologia textual. Percebemos também que o

livro direciona o estudante a criar, o mais próximo possível da realidade, as

condições da situação em que socialmente o gênero é produzido e lido/ouvido

pelos interlocutores.

A conclusão da análise do livro referente ao sexto ano foi bastante positiva,

porém verificamos que seria viável desenvolver maior número de atividades

relacionadas aos gêneros digitais, visto que na internet é onde podemos encontrar

maior diversidade de gêneros, não esquecendo evidentemente que a internet

tornou-se o mais eficiente e utilizado meio de interação social. As atividades

desenvolvidas com os gêneros digitais são muito bem elaboradas e levam o aluno ao

conhecimento e compreensão sistemática a respeito dos gêneros digitais (e-mail e

blog), porém as atividades são mínimas, visto que na respectiva coleção

encontramos em apenas em um dos livros (5ª. série), duas atividades específicas ao

tema. O restante da coleção traz apenas pequenas alusões sobre os gêneros

digitais.

Análise da coleção 2007: novo diálogo

No livro didático destinado ao sexto ano (5ª. série), pertencente à coleção

Novo diálogo, das autoras Eliana Santos Beltrão e Thereza Gordilho, editora FTD,

foram encontradas duas atividades em que são utilizados dois gêneros digitais, o

blog e o e-mail (os mesmos gêneros utilizados na coleção de Cereja e Magalhães).

Porém, após iniciar-se a análise das respectivas atividades, percebeu-se que os

gêneros são utilizados apenas como um pano de fundo para o trabalho gramatical.

Também foram encontradas indicações de sites de pesquisa ao término de algumas

atividades do LD.

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Fonte: Livro didático destinado ao sexto ano (5°série), pertencente à coleção Novo diálogo

(Beltrão e Gordilho), p. 32

Nota-se que todo o livro didático analisado tem como alicerce o trabalho

quase que exclusivamente gramatical, excluindo não só gêneros virtuais, como

outras modalidades de gêneros. O livro se utiliza de outros conteúdos fora do

contexto gramatical, sempre como um subsídio para a gramática normativa.

Fonte: Livro didático destinado ao sexto ano (5°série), pertencente à coleção Novo diálogo

(Beltrão e Gordilho), p. 32

A atividade oferecida pelo livro didático Novo diálogo é exclusivamente

gramatical, visto que se trata apenas do estudo de oração e período, tendo como

um adorno o gênero digital blog.

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Como podemos observar a próxima atividade do livro didático envolvendo

gênero digital, no caso o e-mail também utiliza o gênero apenas como enfeite,

para trabalhar somente a ortografia.

Fica perceptível a deficiência do livro em relação à inserção e ao trabalho

com os gêneros digitais. Não diferente de tantos outros livros didáticos, é

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perceptível mais uma vez a falha concepção dos autores (as), de que os alunos já

dominam os gêneros virtuais, pois a grande maioria dos jovens utilizam o

computador e Internet diariamente. Assim, não se faz necessário explorar mais a

prática desses gêneros em ambiente escolar. Esta afirmação torna-se plausível,

quando ao término de algumas das atividades do livro, aparecem indicações de

sites de pesquisa, para os alunos, pois caso sintam necessidade em saber mais

sobre os conteúdos abordados como pano de fundo ou enfeite, para a

aprendizagem gramatical, já sabem por onde pesquisar.

Considerações finais

Grande parte dos livros didáticos que apresentam gêneros digitais fogem do

tema, utilizando esses gêneros apenas para o trabalho referente à gramática

normativa. Os gêneros quase sempre aparecem como mero pano de fundo para as

atividades gramaticais. Os gêneros digitais, nesses casos, não são vistos como

subsídios à comunicação ou mesmo descritos e estudados de forma sistemática a

preparar o aluno para uma visão mais crítica e intelectiva em relação a esses

gêneros, os quais são diariamente utilizados pela maioria desses jovens fora do

ambiente escolar. Pois hoje em dia é quase impossível se esquivar dessa nova

forma de interação social que cria cada vez mais novos gêneros para o universo

discursivo.

Referências Bibliográficas

BEZERRA, Benedito Gomes. Leitura e escrita no Orkut: o que os professores veem

e o que não veem. Comunicação apresentada no 3° Encontro Nacional sobre

Hipertexto. Belo Horizonte/MG, 29 a 31/10/2009.

Universidade Federal de Pernambuco - Núcleo de Estudos de Hipertexto e Tecnologias na Educação - 18 -

BEZERRA, Benedito Gomes. A distribuição das informações em resenhas

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1 Amanda Carla SILVESTRE, Graduanda. Universidade de Pernambuco (UPE) Campus Garanhuns [email protected]