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A Propósito Do Regime Interno Dos Bolcheviques; A Visão de Trostsky (Enio Bucchioni)

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Enio Buchionni a propósito do regime interno dos bolcheviques. Visão interessante sobre alguns fatos da revolução russa de 1918.

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  • A propsito do regime interno dosbolcheviques: a viso de TrotskyEnio Bucchioni

    As divergncias internas a um Partido significam necessariamente o reflexo da existncia depresses de classe em seu interior, ou seja, numa discusso interna uma das alas a proletria,revolucionria e as outras so pequeno-burguesas ou pr-burguesas?

    Buscando debater com estes questionamentos, o texto a seguir narra, nas mais diversas situaes eem anos distintos, seja no interior do partido bolchevique, seja posteriormente na IV Internacional, acompreenso de Trotsky sobre o regime interno das organizaes leninistas. No se pretende, nemseria possvel, encerrar por aqui a concepo de regime interno de um partido desse tipo. Nossoobjetivo, portanto, fornecer informaes para que todos os interessados no tema possam conhecer,aprofundar e meditar sobre as palavras, idias e concepes desse grande revolucionrio.

    A burocracia stalinista reflete qual interesse de classes?

    muito comum a adjetivao de classe em relao aos adversrios numa luta poltica com o objetivode desqualificao dos oponentes, s vezes at mesmo de carter pessoal. Em vez de argumentos,fatos e anlises, tenta-se imprimir um rtulo desqualificativo para, na luta interna, ganhar militantescom pouca ou nenhuma formao marxista. A afirmao mecnica de que diferentes tendncias emum partido representam diferentes fraes de classe, porm, era estranha a Trotsky. Ao narrar umade suas polemicas internas no partido bolchevique, ele afirmava

    Por outra parte, no h de se entender de maneira demasiadamente simplista o pensamento dequem sustenta que as divergncias no Partido e, com maior razo, os reagrupamentos, no sooutra coisa do que uma luta de influncias de classes opostas. Em 1920, a questo da invaso daPolnia suscitou duas correntes de opinies, uma que preconizava uma poltica mais audaz, eoutra que predicava a prudncia. Estas duas correntes diferentes constituam tendncias declasses? No creio que se possa afirmar isso. Tratava-se somente de divergncias na apreciaoda situao, das foras e dos meios. O critrio essencial era o mesmo para ambas as partes.

    Acontece com frequncia que o Partido est em condies de resolver um problema por diferentesmeios. E, se nesse caso, se produzem discusses, apenas para se saber qual desses meios omelhor, o mais eficaz, o mais econmico. Segundo o problema em discusso, essas divergnciaspodem interessar a setores considerveis do Partido, porm isso no quer dizer necessariamenteque exista uma luta entre duas tendncias de classe.[1]

    Muitas vezes, uma maioria de uma direo partidria que caracteriza qualquer dissidncia dedesvios pequeno-burgueses, considere-se revolucionria e proletria e sempre com a linhacorreta. Como ficou comum em organizaes stalinistas, elas tendem a se transformar numaburocracia permanente, numa frao majoritria que toma o poder dentro do Partido. Em geral,h interesses materiais nesse tipo de agrupamento, mas h tambm o que se chama de pequenopoder, principalmente no interior de organizaes muito pequenas. a conquista do prestgio e atentao de preserv-lo ad eternum, seja como for possvel.

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  • Esse pequeno poder bem real, pois tende a alinhar ao seu redor os bajuladores desejosos departicipar desse crculo. Dentro de tal corte, muito comum que surjam os ataques mais raivososcontra todos aqueles que discrepam da linha oficial, com o objetivo de afast-los do Partido. Isso feito, muitas vezes, atravs da auto excluso, ou seja, o(s) que est (o) em minoria acaba (m) porse afastar voluntariamente da organizao.

    Assim se referia Trotsky sobre o poder da burocracia stalinista:

    Todo desvio pode, no curso de seu desenvolvimento, se converter na expresso dos interesses deuma classe hostil ou semi-hostil ao proletariado. Dito isto, o burocratismo um desvio, e umdesvio nada saudvel; esperamos que esta afirmao no seja polemica. No momento que issoocorre, ela ameaa desviar o partido de sua linha justa, de sua linha de classe; a que reside operigo. Porm (e esse um fato muito instrutivo e tambm um dos mais alarmantes) os queafirmam com maior nitidez, com maior insistncia, e at brutalmente, que toda divergncia decritrios, todo grupo de opinio, ainda que seja temporrio,so uma expresso dos interesses dasclasses inimigas do proletariado, no querem aplicar esse critrio burocracia.[2]

    O centralismo democrtico para Trotsky

    No livro Em Defesa do Marxismo Trotsky fazia a perfeita relao entre o regime interno do Partidocom seus militantes, com as tendncias e fraes provisrias. Deve-se assinalar que a nica fraopermanente foi a frao da burocracia incrustrada nas entranhas dos aparatos do Partido e doEstado sovitico, e, por seus interesses como camada social, acabou por exterminar todas as outrastendncias e fraes. Todo burocrata que se preze no larga jamais a direo do seu partido,qualquer que seja a poltica e a linha do mesmo. Segundo Trotsky

    O regime interior do partido bolchevique se caracteriza pelos mtodos da centralizaodemocrtica. A concordncia dessas duas noes no implica nenhuma contradio. O partidovelava para que suas fronteiras estivessem sempre estritamente delimitadas, porm entendia quetodos os que pertencessem a essas fronteiras tivessem o direito de determinar a orientao de suapoltica. A liberdade crtica e a luta de ideias formavam o contedo intangvel da democracia dopartido. A doutrina atual que proclama a incompatibilidade do bolchevismo com a existncia defraes est em desacordo com os fatos. um mito da decadncia. A histria do bolchevismo ,em realidade, a da luta de sus fraes. Como uma organizao autenticamente revolucionria quese prope a mudar por completo o mundo e rene sob suas bandeiras aos negadores, aossublevados, aos combatentes de toda temeridade, poderia viver e crescer sem conflitosideolgicos, sem agrupamentos, sem formaes fracionais temporais?. A clarividncia da direodo partido conseguiu atenuar e abreviar vrias vezes as lutas fracionais, porm no pode fazermais que isso. O Comit Central se apoiava nessa base efervescente de onde extraia a audcia dedecidir e ordenar. A perfeita justeza de sua linha lhe conferia uma alta autoridade, preciosocapital moral da centralizao.[3]

    H quem pense, seja nas ideologias de direita, seja nos meios de esquerda, que o conceito decentralismo-democrtico significa pura e simplesmente a submisso dos militantes partidrios sdecises da cpula dirigente. Assim, caberia to somente aos adeptos do partido implementar,

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  • executar as diretrizes da toda poderosa direo partidria. Tal afirmao, porem, se choca com otrotskismo de Trotsky

    Os problemas de organizao do bolchevismo esto intimamente ligados aos de programa ettica ()

    Sabemos que que o regime se baseava nos princpios do centralismo democrtico. Se supunha,desde o ponto de vista terico, (e assim foi, desde o comeo, na prtica) que esses princpiosimplicavam a possibilidade absoluta para o partido de discutir, de criticar, de expressar seudescontentamento, de eleger, de destituir, ao mesmo tempo que permitia uma disciplina de ferrona ao, dirigida com plenos poderes pelos rgos dirigentes eleitos e removveis. Se se entendiapor democracia a soberania de todo o partido sobre todos os organismos, o centralismocorrespondia a uma disciplina consciente, ajuizadamente estabelecida, que pudesse garantir decerto modo a combatividade do partido ()

    No decorrer dos ltimos anos, temos visto os representantes de maior responsabilidade dadireo do partido fazer toda uma srie de novas definies da democracia no partido, que sereduzem, no fundo, a dizer que a democracia e o centralismo significam simplesmente asubmisso aos rgos hierrquicos superiores ()

    No se pode conceber a vida ideolgica do partido sem grupos provisrios no terreno ideolgico.At agora ningum descobriu outra maneira de proceder[4]

    Naturalmente, os grupos so um mal necessrio, tanto como as divergncias de opinies. Porm,esse mal constitui um componente to necessrio da dialtica da evoluo do partido com as toxinascom relao vida do organismo humano.

    Trotsky, as fraes internas e as fraes pblicas

    Em fins da dcada de 1930 e comeos dos anos 1940, houve uma imensa luta interna no SocialistWorkers Party (SWP) norte-americano. A discusso, em essncia, era sobre a defesa ou no da UnioSovitica, das conquistas da revoluo de Outubro face guerra mundial que se avizinhava e apossibilidade da Unio Sovitica vir a ser derrotada pelo imperialismo.

    Era uma questo de princpio, numa realidade bastante complexa, pois Stalin acabara de fazer umpacto com Hitler e, em consequncia, o exrcito vermelho e os nazistas invadiram a Polnia e aocuparam meio a meio.

    A forte minoria, uns 40% do SWP, no defendia a Unio Sovitica por causa da existncia daburocracia stalinista e pela invaso da Polnia. Trotsky e a maioria do SWP defendiam as conquistasde Outubro e, em consequncia, a luta mortal contra os imperialismos que ameaavam invadir aUnio Sovitica e esmagar aquelas conquistas colossais do proletariado mundial. Ao mesmo tempo,propugnavam a mais impiedosa luta pela revoluo poltica contra o stalinismo.

    A dimenso da democracia interna, nas palavras e propostas de Trotsky, assume umapreponderncia extraordinria e levada mxima potncia com o intuito de preservar a unidadedo SWP at as ltimas instncias. No entanto, ao mesmo tempo, ele totalmente inflexvel naargumentao poltica contra a minoria.

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  • Em meio a calorosas disputas com a minoria, Trotsky viria, em uma carta a Joseph Hansen,relembrar seus partidrios da importncia de garantir o mais amplo e livre debate como instrumentopara preservar o partido. A importncia poltica da disputa exigia flexibilidade democrtica. AfirmaTrotsky

    Alguns dos dirigentes da oposio esto preparando uma ciso; para isso apresentam a oposio,no futuro, como minoria perseguida. E muito caracterstico de sua mentalidade. Creio quedevemos responder-lhes mais ou menos da seguinte forma:

    Vocs j esto preocupados com as nossas futuras represses? Prometemos garantias mtuaspara a futura minoria, independentemente de quem possa ser essa minoria, vocs ou ns. Estasgarantias podem ser formuladas em quatro pontos:

    1) No proibio de fraes;

    2) Nenhuma restrio atividade fracional, alm das ditadas pela necessidade da ao comum;

    3) As publicaes oficiais devem, evidentemente, representar a linha estabelecida pelo novoCongresso ;

    4) A futura minoria pode ter, se assim desejar, um boletim interno destinado aos membros dopartido, ou um boletim comum de discusso com a maioria.

    A continuao dos boletins de discusso depois de uma larga discusso e um Congresso no ,evidentemente, uma regra, mais sim uma exceo, alis, deplorvel. Mas no somos, de modoalgum, burocratas. No temos regras imutveis. Tambm no terreno organizativo somosdialticos. Se temos no partido uma minoria importante que no est satisfeita com as decises doCongresso, incomparavelmente prefervel legalizar a discusso depois do Congresso, do que teruma ciso.

    Se for necessrio, podemos inclusive ir mais longe e propor-lhes publicar, sob a superviso donovo Comit Nacional, resumos especiais da discusso, no s para os membros do partido, comotambm para o pblico em geral. Devemos ir o mais longe possvel neste aspecto, com o fim dedesarmar as suas queixas, que so no mnimo prematuras, colocando-lhes obstculos queimpeam a preparao de uma ruptura.

    De minha parte, acredito que, nas atuais condies, o prolongamento da discusso, se canalizadacom boa vontade pelas duas partes, s pode servir para a educao do partido.[5]

    Parlamentarismo, sindicalismo e o regime interno

    A burocratizao dos partidos revolucionrios, principal responsvel pela morte dos debatesinternos, se relaciona a diversos fatos. Muitas vezes, nas democracias-burguesas mais estveis, adaptao ao regime liberal-burgus o principal responsvel por isto.

    Nestes casos, corre-se o risco do partido sofrer presses eleitoreiras. Tambm um fato que sempreexistiram organizaes que queriam mais e mais parlamentares achando que o socialismo poderiavir atravs de uma maioria no Parlamento e/ou fazendo alianas com setores progressistas da

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  • burguesia. Esse perigo existe.

    Deve-se relembrar, no entanto, que a falncia da II Internacional h um sculo no foi apenas pelaadaptao ao Parlamento e aos governos de seus respectivos pases. Os poderosssimos sindicatosdominados pela antiga socialdemocracia tambm tiveram papel central nessa adaptao. Tanto osambientes parlamentares como os sindicais refletem ideologicamente no interior de qualquerpartido e podem criar correntes e agrupamentos reformistas, ainda que camuflados por umaverborragia superradical.

    Seria uma imbecilidade pensar que a ala proletria do partido perfeita. Os trabalhadores salcanam gradualmente uma clara conscincia de classe. Os sindicatos sempre criam um caldo decultivo para desvios oportunistas. Inevitavelmente teremos que enfrentar essa questo numa dasprximas etapas. Mais de uma vez o partido ter que recordara seus prprios militantes sindicaisque uma adaptao pedaggica s camadas mais atrasadas do proletariado no deve setransformar numa adaptao poltica burocracia conservadora dos sindicatos. Toda nova etapade desenvolvimento, todo aumento nas fileiras do partido e a complexificao dos mtodos de seutrabalho, no somente abrem novas possibilidades como tambm engendra novos perigos. Osoperrios nos sindicatos, ainda que educados na mais revolucionria das escolas, frequentementedesenvolvem a tendncia a se liberar do controle do partido[6]

    Trotsky, a juventude e o regime interno

    Entre os instrumentos para garantir a vida sadia no partido, Trotsky via na rebeldia justa dos jovensum potente aliado. O espirito questionador, dinmico e no-conformista da Juventude seriamimportantes barreiras burocracia.

    No artigo sobre o Novo Curso, assim Trotsky entendia a juventude estudantil na sociedade ps-revolucionria e no interior do Partido, relacionando-os com o regime partidrio e o processo deburocratizao em curso:

    Esta ltima (a juventude estudantil) como temos visto, reage de maneira particularmentevigorosa contra o burocratismo. Justamente Lenin havia proposto, para combater o burocratismo,recorrer decididamente aos estudantes. Devido sua composio social e suas vinculaes, osjovens estudantes so um reflexo de todos os grupos sociais do nosso partido, assim como seuestado de nimo. Sua sensibilidade e seu mpeto os levam a imprimir imediatamente uma foraativa a esse estado de nimo. Como estudam , eles se esforam para explicar e generalizar. Issono quer dizer que todos os seus atos e estados de nimo reflitam tendncias sadias. Se assimocorresse, significaria, e no esse o nosso caso, ou que tudo marcha bem no partido ou que ajuventude j no o reflexo do partido.

    Em princpio, justo afirmar que nossa base no so os estabelecimentos de ensino, mas osncleos de fbrica. Porm, ao dizer que a juventude nosso barmetro, designamos um valor noessencial s suas manifestaes polticas, mas algo sintomtico. O barmetro no cria o tempo,apenas se limita a registr-lo. Na poltica, o tempo formado na profundeza das classes e nosterrenos onde essas classes entram em contato entre si.

    () Alm disso, um setor considervel de nossos novos estudantes so comunistas que tiveram

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  • uma experincia revolucionria bastante importante. E os partidrios mais obstinados doaparato se equivocam enormemente ao desprezar essa juventude que nosso meio deautocontrole, que dever tomar nosso lugar e a quem pertence o futuro.[7]

    Assim era o regime interno para Trotsky, em perfeita continuidade com o partido bolchevique e comLenin, o grande artfice e criador do partido e do regime interno.

    Assim era o regime interno da IV Internacional enquanto viveu o seu maior dirigente.

    Assim deve ser o regime para todos os que aderiram ao legado desses dois dos nossos maioresmestres.

    Referncias bibliogrficas:

    TROTSKY, Leon. Textos sobre o Centralismo Democrtico. Buenos Aires: Antdoto, 1992.

    TROTSKY, Leon. Em Defesa do Marxismo. So Paulo: Proposta, s.d.

    Notas:

    [1] Trotsky, 1923, p 29

    [2] Trotsky, 1923, p 28

    [3] Trotsky, 1937

    [4] Trotsky, 1923, 47-48

    [5] Trotsky, 1940

    [6] Trotsky, 1940

    [7] Trotsky, 19