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A proposta paulina para a comunidade cristã de Corinto – ressignificando a honra

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A proposta paulina para a comunidade cristã de Corinto – ressignificando a honra

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  • Revista Caminhando v. 19, n. 1, p. 7-26, jan./jun. 2014DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-3828/caminhando.v19n1p7-26

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    A Proposta Paulina para a comunidade crist de corinto Ressignificando a Honra

    Danielle Lucy Bsio Frederico

    ResumoA comunidade crist na cidade de Corinto sob a influncia de pregadores iti-nerantes, auto intitulados apstolos, procuraram desonrar o apstolo em sua ausncia. Sendo uma comunidade crist primitiva no mediterrneo do I sculo, o bem mais valioso era a Honra, esta deveria ser defendida acima de tudo. Para tanto, o apstolo se utiliza do ato de gloriar, como um gnero literrio de sua poca, bem como de outros recursos da retrica na realizao de sua defesa. Ao faz-lo, o apstolo resignifica o ato de gloriar, as caractersticas de um verdadeiro apstolo, bem como trata do sofrimento como algo inerente ao fiel seguidor de Cristo. Desta maneira, o apstolo alm de defender-se expe uma nova proposta no entendimento e vivncia nas relaes sociais, que deveriam passar pelo ato da renncia ao status; constituindo uma comunidade igualitria.Palavras-chave: Honra, Paulo, Gloriar, Autoridade Apostlica, Sofrimento, Corinto

    AbstRActThe Christian community in Corinth under the influence of the traveling prea-chers, self-titled apostles, wanted to dishonor the Apostle while his was out. This community was a primitive Christian community in the Mediterranean of the First Century where the most valuable asset was the Honor and it should be defended above all. So, the Apostle used the act of glory, as a literary genre from his time, as well as other resources of rhetoric to defend himself. Doing that, the Apostle reframes the act of glory, the characteristic of a true apostle, as well as deal with suffering as something inherent to the faithful follower of Christ. This way, the Apostle(besides defending himself) exposes a new proposal on the understanding and experiences in the social relations which should go through renunciation to the status; forming an equal community.Keywords: Honor, Paul, Glory, Apostolic Authority, Suffering, Corinth

    ResumenLa Comunidad Cristiana en Corinto tiene bajo la influencia de los predicadores itinerantes, hayan llamado Apstol, buscaban deshonrar el Apstol em sua ausencia. Siendo una comunidad Cristiana primitiva em el Mediterrneo del siglo primero, el bien ms valioso era la honra, esta debera ser defendida por encima de todo. Para eso, el Apstol usa de acto de la gloria, como uno gnero literrio de su temporada, y tambin otros recursos de retrica em la realizacin de su defensa. Haciendo eso, el Apstol resignifica el acto de la gloria, las caractersticas de um verdadero apstol, y tambin trata el sufrimiento como algo inherente a los fieles seguidores de Cristo. As, el Apstol se defiende y tambin expone uma nueva propuesta em el entendimiento y la experiencia em las relaciones sociales, las quais deberan pasar por el acto de renuncia a la condicin; constituyendo una comunidad igualitria.Palabras clave: Honra, Pablo, Gloriar, Autoridad Apostlica, Sufrimiento , Corinto

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    IntroduoO Mundo do Novo Testamento embasava-se em certas convenes

    que construam e davam significado sociedade do mundo mediter-rneo, bem como indicavam o status social de uma pessoa ou grupo. Essas convenes foram construdas sob uma estrutura piramidal denominada patronagem, que possua como caracterstica principal a busca pela Honra.

    Esse fato gerou uma sociedade voltada para a competio social e a valorizao atravs do recebimento de honrarias, elogios, presentes, jantares e tantos outros atos que elevassem a estima e trouxessem honra social a uma pessoa. As honras eram dadas sempre a algum de des-taque patrono, e a pessoa que oferecia passava a receber proteo, poder e favores que construiriam um relacionamento de dependncia constante cliente.

    A honra era o bem mais valioso no mundo mediterrneo do sculo primeiro. Qualquer ofensa que trouxesse desonra poderia marcar de modo negativo uma pessoa, famlia ou grupo para sempre. A desonra traria descrdito, humilhao, mudana de status social e vergonha pblica a uma pessoa de tal maneira, que dificilmente, esta ascenderia de volta ao status social anteriormente alcanado.

    Nesse perodo, a arte de falar bem fundamentava o poder argu-mentativo e de persuaso, constituindo-se em uma ferramenta poderosa. A autodefesa seguia as regras dos manuais de retrica, em que uma pessoa no deveria utilizar de exaltao e elogios a si mesma, pois seria rejeitada publicamente. A nica exceo era a regra da loucura que fazia parte do arsenal exortativo de um lder.

    O apstolo Paulo, inserido neste contexto scio-cultural do mundo mediterrneo, tem sua honra desafiada por falsos apstolos que chegam comunidade de f em Corinto no perodo de sua ausncia.

    A fim de defender-se frente aos ataques desses falsos apstolos e manter a sua honra frente a comunidade em Corinto; o apstolo faz uso de alguns instrumentos da retrica, comuns a poca. Ao fazer tal defesa, o apstolo prope um novo modelo de relacionamento intra-co-munidade absolutamente contrrio aos padres vivenciados em Corinto e no mundo mediterrneo.

    Assim, veremos na percope de 2 Corntios 12,7-21 a resposta dada pelo apstolo aqueles que tentavam desonr-lo frente a comunidade.

    As epstolas enviadas comunidade de Corinto, tradicionalmente so organizadas em duas cartas, mas esse estudo ser baseado na proposta

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    de que essas so, na verdade, um conjunto de bilhetes formatados no modelo de carta1.

    Em 2 Corntios, temos provavelmente, um conjunto de cinco ou seis bilhetes. O quarto bilhete constitui a carta2 formada pelos captulos 10 a 133, em que se encontra a percope de 2 Corntio 12,7- 21.

    1. A cidade de corintoA cidade de Corinto foi destruda em 146 aC e reconstruda por Jlio

    Csar em 44 aC4 mantendo as trs fontes bsicas da populao roma-na: (1) homens livres, (2) seus prprios veteranos e (3) comerciantes e trabalhadores urbanos.

    O nome formal da colnia romana era Colnia Laus Julia Corinthien-sis, que uma colnia em honra de Julius. Como uma colnia romana, o governo corinto era organizado em uma base tripartida: uma assemblia de cidados votantes, um conclio e magistrados anuais. Tal organizao refletia uma miniatura do governo Romano da Repblica Primitiva5. Uma das honrarias mais populares em Corinto, era o Culto ao Imperador; este reverenciava os dirigentes romanos, que o intitulavam juntamente com sua famlia de: patrono, benfeitor, salvador, e filho de deus. Em Corinto, algumas inscries de patrono dedicadas ao imperador ou a sua famlia

    1 Cf. COMBLIN, Jos. Segunda Epstola aos Corntios. So Leopoldo: So Bernardo: So Paulo: Sinodal: Metodista: Vozes, 1991, pp. 14 15; GARCIA, Paulo Roberto. O Sofrimento e a Misso: Reflexes a partir de 2 Corntios 10 13. In: Caminhando: Revista da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, v.15, n.1 I Semestre de 2010. So Bernardo do Campo, SP: Editeo/Umesp, 1982, p.30; VIDAL, Senn. Las Cartas Originales de Pablo. Madrid: Editorial Trotta, 1996, pp. 19-20; THRALL, Margarete E. A Critical and Exegetical Commentary on The Second Epistle to the Corinthians. Volume II. London: New York: T&T Clark International, 2000, pp. 595 596 e BROWN, Raymond E. Introduo ao Novo Testamento. So Paulo: Paulinas, 2004, p. 724.

    2 (...) a funo primria da carta substituir uma visita e um dilogo direto que no po-dem ser realizados. Seu primeiro papel assegurar uma certa presena do parente, do amigo ou do interlocutor ausente. por essa razo que o anncio de uma prxima visita e o desejo de reencontros, que pode exprimir sentimentos verdadeiros, fazem parte do prprio gnero da carta para a famlia ou para os amigos. (MARGUERAT, Daniel. Novo Testamento: Histria, Escritura e Teologia. So Paulo: Loyola, 2009, p. 196).

    3 Nesta carta, Paulo faz uma apologia a sua autoridade apostlica, decorrente de mudanas e levantes que comearam a acontecer nesta comunidade, a partir da chegada de novos ou falsos apstolos.( HAWTHORNE, Gerald F. e MARTIN, Ralph P. e REID, Daniel G. (Org). Dicionrio de Paulo e suas Cartas. So Paulo: Vida Nova: Paulus: Loyola, 2008, pp. 270 283).

    4 Csar ordenou sua reconstruo para fazer dela a capital da provncia romana da Acaia, que abarcava a metade sul da Grcia atual, enquanto o norte constitua a provncia da Macednia, tendo como capital a cidade de Tessalnica. (QUESNEL, Michel. As Epstolas aos Corntios. So Paulo: Paulinas, 1983, p.18).

    5 THISELTON, Anthony C. The First Epistle to the Corinthians. Michigan: Eerdmans Pu-blishing, 2000, p.3.

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    foram encontradas. Outros fatos que compravam tal poder e autoridade eram: a circulao de moedas com a efgie dos imperadores, a constru-o de imagens e de um Templo onde se cultuava a famlia imperial. Os jogos imperiais6, que honravam o Imperador, aconteciam simultaneamente aos jogos stmicos7. A estrutura administrativa e social era baseada na relao patrono-cliente8.

    Afirma-nos Horsley que: provavelmente havia uma hierarquia com-posta pelo Imperador, pelos funcionrios romanos, pelos notveis locais e pelo povo em geral 9.

    Havia muitos funcionrios romanos em Corinto, os quais serviam como intermedirios entre o Imperador e a populao. Tais funcionrios poderiam ser Procuradores de uma Provncia ou terem autoridade em nvel local e como representantes do Imperador possuam poder, autoridade e riqueza. A honra e o respeito desenvolviam um bom relacionamento com os notveis10 da cidade, alcanariam vrios benefcios pessoais.

    Funcionrios pblicos11 faziam parte da poltica de uma comunidade local e geralmente ocupavam cargos de magistratura. s vezes a sua au-

    6 Horsley nos diz que: Na poca em que Paulo visitou Corinto, j tinham sido acrescen-tados dois novos programas aos jogos stmicos para cantar louvores casa imperial: Cesaria e os torneios imperiais (Richard A. Horsley, Paulo e o Imprio: religio e poder na sociedade imperial romana. So Paulo: Paulus, 2004, p. 116).

    7 Ibidem, pp. 112 a 114.8 Um vnculo patrono-cliente basicamente uma relao assimtrica de troca. As partes

    em ambas as extremidades de um tal vnculo so desiguais no controle de recursos, diferindo com conseqncia disso em termos de poder e de status. Essas partes se acham vinculadas entre si principalmente porque essa sua ligao pode servir a seus interesses mtuos mediante a troca de recursos (Ibidem, p.112).

    9 Grifo meu, ibidem, p. 112.10 So curiosas essas boas relaes entre um funcionrio do governo e as elites locais.

    de presumir que trouxessem benefcios mtuos para as partes. Para os funcionrios, o apoio dos notveis locais seria necessrio, entre outros motivos, para proteg-los de problemas futuros, como queixas de m administrao. Para as elites locais, eles teriam melhores condies do que outras pessoas na consecuo de suas ambies fossem estas o poder, a honra ou os ganhos materiais para si ou para suas cidades, caso conseguissem ter um bom relacionamento com os funcionrios romanos, ou, o que era bem melhor, com o prprio imperador. Para garantir o favor de funcionrios romanos, por vezes trocavam-se presentes, ainda que fosse ilegal a recepo de presentes de provinciais por esses funcionrios. Se os notveis locais eram vidos por estabelecer relaes de amizade, os relacionamentos patronais s podiam ser reforados no nvel das comunidades locais. (Richard A. Horsley, Paulo e o Imprio: religio e poder na sociedade imperial romana. So Paulo: Paulus, 2004, p. 119)

    11 De igual forma, o apoio de um homem influente no conselho da cidade tambm podia ser buscado por quem desejasse subir a escada do poder em Corinto, especialmente quando no vinha de uma famlia particularmente notvel. Uma adequada atividade de relaes pblicas era um importante fator de sucesso na busca da fama e do poder. (Ibidem, p. 122)

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    toridade poderia ser maior do que a de um funcionrio romano. Esse tipo de estrutura interligava as pessoas, desde o Imperador at o funcionrio mais rudimentar.

    Horsley afirma que:

    (...) Embora na Corinto do sculo I a honra e o poder, polticos ou religiosos, fossem buscados por homens ambiciosos, o caminho para a fama era pro-vavelmente marcado por intensa competio. Para subir a escada do poder e da honra, era preciso ir alm dos requisitos bsicos em termos de proprie-dade. Assim, para quem no vinha de uma boa famlia, como os libertos, era essencial cultivar relacionamentos com homens de influncia, e se possvel com as autoridades romanas. Talvez seja por isso que muitos dos notveis locais eram, ao mesmo tempo, sacerdotes do culto ao imperador. Os valo-res e a estrutura da sociedade patronal tambm se refletia nas instituies, como as associaes e casas. Nesses contextos, tem particular interesse observar que as relaes patronais podem ser consideradas projetadas para alm do domnio das relaes humanas, alando-se ao das relaes entre o humano e o divino. Assim, ainda que pudesse ser o patrono de muitos, um proprietrio rico precisava da proteo de um deus padroeiro. Se o patronato era parte to importante da vida da Corinto romana, seria de todo irrealista esperar que os cristos ali residentes estivessem totalmente indefesos sua influncia e se comportassem de maneira totalmente nova logo de pois de sua converso. Pelo contrrio, bem provvel que o patronato venha a ser o fundamento da compreenso dos vnculos relacionais da Igreja e de alguns dos problemas que Paulo discutiu em 1 Corntios.12

    2. A Honra e o status socialAs pessoas se encontravam em um Mundo da Honra e da Vergo-

    nha13, da Pureza e da Impureza, do Limpo e do Sujo. Em um Sistema de rtulos, legitimado pela sociedade que resultava na manuteno de-sejada pelo poder dominante. Qualquer fato desconfortvel ou novo, que causasse desequilbrio era ignorado, distorcido ou punido; a fim de que os pressupostos estabelecidos no fossem perturbados14. Havia regras

    12 Richard A. Horsley, Paulo e o Imprio: religio e poder na sociedade imperial romana. So Paulo: Paulus, 2004, p. 129.

    13 Basicamente, a maioria das pessoas naquele mundo, em qualquer nvel de status social que se encontrassem, desejavam fazer quanto pudessem para obter para si mesmas louvor e honra. Essas mesmas pessoas estavam igualmente decididas a evitar ou ao menos minimizar a repreenso e a vergonha. Todas as aes da vida, as decises que tomavam, os objetivos a que aspiravam, tudo isso passava pelo filtro da honra-vergonha e do louvor-repreenso. E universalmente esse filtro era instalado assiduamente para aumentar a honra e diminuir a vergonha. Honra e vergonha estavam disposio em todo encontro humano, desde o mais pblico at o mais ntimo e privado. (SAMPLE, J. Paul. Paulo no Mundo Greco-Romano: um compndio. So Paulo: Paulus, 2008, p. 22).

    14 DOUGLAS, Mary. Pureza e Perigo. So Paulo: Editora Perspectiva, 1976, pp.51 52.

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    sociais seguidas por todos, que esporadicamente acarretavam em melhoria social, fato quase impossvel15; pois nesse perodo, ningum acreditava que todos os seres humanos pudessem ser dotados de direitos iguais16.

    Assim, a honra se tornava basicamente uma reivindicao que valo-rizava o que era socialmente reconhecido ou admitido17; constituda por trs valores fundamentais: autoridade, status e respeito.

    A autoridade como a habilidade em controlar a conduta ou o com-portamento de outros. O status como o conjunto de obrigaes e direitos em que a pessoa tinha que prestar contas a outros e ter o comportamento esperado, em decorrncia do grupo em que se est inserido18.

    2.1. A Honra Atribuda, a Honra Adquirida e o Desafio-RespostaO status social se estabelecia de acordo com a honra que uma

    pessoa possua; assim havia a Honra Atribuda, a Honrar Adquirida e o Desafio Resposta.

    Para Bruce Malina19, a honra atribuda relacionada a riqueza, conseguida atravs do nascimento, no se faz nada para a adquirir. Tendo nascido em uma famlia honrada, conseqentemente a pessoa era honrada. O fato acontecia atravs da riqueza das genealogias, que sinalizavam o pertencimento a um grupo de pessoas honradas, por causa de seus ancestrais reconhecidos socialmente20. Essa tambm poderia vir de pessoas notveis (reis, aristocratas, etc.); e podia acontecer atravs do reconhecimento social, por conta da excelncia nas relaes sociais e de mrito pessoal.

    15 A cultura, no senso comum, padronizou os valores de uma comunidade, serve de media-dora da experincia dos indivduos. Prove, diariamente, algumas categorias bsicas, um padro positivo no qual as idias e valores so cuidadosamente ordenados. E, acima de tudo, ela tem autoridade, uma vez que cada pessoa levada a consentir porque outras assim o fazem. Mas seu carter pblico torna suas categorias mais rgidas. (Ibidem, p. 54)

    16 MALINA, Bruce J. O Evangelho Social de Jesus. O Reino de Deus em Perspectiva Me-diterrnea. So Paulo: Paulus, 2004, p. 20.

    17 MALINA, Bruce J. The New Testament World. Insights from Cultural Anthropology. Lou-siville: Kentucky: Westminster John Knox Press, 2001, p. 29.

    18 Ibidem, pp. 29 30.19 MALINA, Bruce J. The New Testament World. Insights from Cultural Anthropology. Lou-

    siville: Kentucky: Westminster John Knox Press, 2001.20 Ter um bom nome e uma reputao familiar centrais, porque as familias do mundo do I

    Sculo no eram inteiramente auto-suficientes e independentes economicamente. A vida social requeria nveis de interdependncia, cooperao e ao empresarial. Na sociedade do mediterrneo, a cooperao extrafamiliar compunha uma forma de livre associao de um tipo contratual. Em termos bblicos, as pessoas faziam alianas implcitas ou explicitas uns com os outros (Ibdem, p. 37).

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    A Honra adquirida dava-se atravs de um jogo social21 constante por meio de presentes, palavras/discursos, convites ou eventos. Esses possuam trs fases: 1) uma ao concreta (palavra, ato ou ambos); 2) a percepo desta ao publicamente, alcanando a maior visibilidade possvel; 3) a receptividade individual alcanada e a evoluo desta reao na parte pblica. A resposta positiva seria a entrada no espao social almejado, em que ganharia cuidados, cooperao e benefcios. A resposta negativa seria a desonra temporria ou permanente.

    Outra possibilidade seria atravs do desafio resposta22, em que al-gum que foi desafiado deveria responder ao desafio de tal forma que pro-tegesse sua reputao. Quando uma pessoa desafiada no podia responder ao desafio de seu igual, ela perdia sua reputao aos olhos do pblico. O povo julgava que a pessoa era incapaz ou no sabia defender sua honra23.

    2.2. O Status SocialA sociedade em Corinto, como em todo o Mundo do sculo I era es-

    tratificada. Constituda de uma maioria esmagadora de pobres, que viviam prximos a subsistncia; e uma minoria (1% da populao) de aristocratas que compunham o nvel mais alto da escala social24. Esta ltima formada, segundo Senen Vidal25, por um estrato superior (aristocracia romana e a aristocracia local); e no estrato inferior (pobres, escravos26 e libertos).21 No mundo mediterrneo do I sculo, muitas interaes sociais feitas na famlia ou no cr-

    culo de amigos so percebidas como desafio a honra, uma mtua tentativa para adquirir honra de iguais. Deste modo, presentear, convites para jantar, debates, negcios, arranjos de casamentos. (...) Todos esses gneros de interao feitos de acordo com o padro de honra, chamado desafio e resposta. Porque essas constates e fixadas dicas da Cultura Mediterrnea, antroplogos chamam de cultura agonistic. A palavra agon grega para uma disputa atltica ou uma disputa entre iguais de alguma classificao. O que significa, ento, que nesta sociedade o olhar em todos as interaes sociais ao redor da famlia e na famlia substituta ( circulo de amigos, grupos) como uma disputa de honra. Honra e reputao, todos bons em vida, so limitados, em muitas interaes sociais deste tipo podem ser percebidas uma obrigao de honra, uma disputa ou jogo de honra, em que os jogadores so encarados como vencedores, mentirosos ou perdedores. (Ibdem, p. 36)

    22 A competio por reputao e honra deram forma a uma constante disputa e rivalidade. O nvel do prestigio do membro de uma comunidade um assunto comentado continuamen-te. Muitas brigas/rixas normalmente lideram as imputaes de atos que so desonrveis. O prestgio vem do controle sobre pessoas preferivelmente a coisas. (Ibdem, p. 37)

    23 MALINA, Bruce J. The New Testament World. Insights from Cultural Anthropology. Lou-siville: Kentucky: Westminster John Knox Press, 2001, pp. 32 36.

    24 NOGUEIRA, Sebastiana Maria Silva. Profecia e glossolalia no cristianismo primitivo do primeiro sculo: um estudo em I Corntios 14, 1-19. 2008. Dissertao (mestrado em Cincias da Religio) -- Faculdade de Filosofia e Cincias da Religio da Universidade Metodista de So Paulo, So Bernardo do Campo, pp. 31 33.

    25 VIDAL, Senn. Iniciacin a Pablo. Basauri: Sal Terrae, 2008, pp. 26 27.26 At os escravos no seio da famlia se classificavam a si mesmos; os que tinham tarefas

    mais desejadas gozavam de mais alto prestgio do que os domsticos, e o fato era re-cordado em suas lpides tumulares: ama, pedagogo, pajem. Alguns dos ndices de status mais elevado eram os seguintes: cidadania romana, especialmente nas provncias nos primeiros anos do imprio, quando era rara; cidadania nas poleis locais, comparado com estrangeiros residentes; entre os cidados, os decuries ou conselheiros citadinos

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    A posio social era determinante para a avaliao da pessoa e de seus direitos. O tratamento, os privilgios, poder e influncias27, e tambm as obrigaes e deveres, que diminuam ou aumentavam de acordo com o lugar que ocupava28.

    Segundo Bruce Malina, este se constitua em um sistema fechado entre membros de um grupo de pares, que demandava obrigaes re-cprocas. Esses grupos ofereciam a segurana bsica necessria, bem como influncia, poder, sade, etc; atravs da lealdade e fidelidade29.

    A mobilidade social, quase escassa30, acontecia atravs da riqueza adqui-rida ou da associao com pessoas de estrato social superior; fato que poderia acontecer atravs da premiao de um patrono ou do prprio Imperador31.

    3. o texto bblico 2 corntios 12, 7-21Na percope de 2 Corntios 12, 7-21 que se encontra dentro do

    bloco dos captulos 10 13 (Carta das Lgrimas) , propomos a seguinte subdiviso interna:

    vv. 7 10: conseqncias das vises e revelaes recebidas, o entendimento do ato de gloriar-se nas fraquezas e a finalizao da discurso da loucura32;vv. 11 19: defesa da autoridade apostlica;vv. 20 21: catlogo de vcios em decorrncia do desvio da comunidade as influncias externas.

    de cidades menores; riqueza, cada vez mais, de preferncia herdada mais que conquis-tada, e investida na terra mais que no comrcio; famlia e origem, quanto mais antiga melhor, quanto mais prxima de Roma melhor; gregos mais que brbaros; cargo militar ou status de veterano numa colnia; liberdade por nascimento ainda que um liberto ou mesmo um escravo do imperador ou de um senador fossem muito melhores que muitas pessoas nascidas livres. (MEEKS, Wayne A. O Mundo Moral dos Primeiros Cristos. So Paulo: Paulus, 1996, p. 29).

    27 Pessoas honradas no mundo de vantagens limitadas eram aquelas que sabiam como preservar o status herdado. Esta questo era muito importante para a auto-imagem, pessoas honradas sabiam como usar seus colegas (Cf. MALINA, Bruce J. The New Testament World. Insights from Cultural Anthropology. Lousiville: Kentucky: Westminster John Knox Press, 2001, p. 106).

    28 ARENS, Eduardo. sia Menor nos Tempos de Paulo, Lucas e Joo. Aspectos Sociais e Eco-nmicos para a Compreenso do Novo Testamento. So Paulo: Paulus, 1997, pp. 49 50.

    29 MALINA, Bruce J. The New Testament World. Insights from Cultural Anthropology. Lou-siville: Kentucky: Westminster John Knox Press, 2001, p. 105.

    30 Quando algum emergia de escravo a liberto, de decurio a cavaleiro ou a senador, a mudana dependia da boa vontade de algum mais elevado no esquema social. Este fato tinha muito que ver com a estabilidade do sistema. (MEEKS, Wayne A. O Mundo Moral dos Primeiros Cristos. So Paulo: Paulus, 1996, p.30).

    31 ARENS, Eduardo. sia Menor nos Tempos de Paulo, Lucas e Joo. Aspectos Sociais e Econmicos para a Compreenso do Novo Testamento. So Paulo: Paulus, 1997, p. 50.

    32 FURNISH, Victor Paul. II Corinthians. New York: Doubleday, 1984, p. 554; e BARNETT, Paul. The Second Epistle to the Corinthians. Michigan: Cambridge: Willian B. Eerdmans Publishing Company, 1997, p.566.

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    A partir dessas subdivises, podemos identificar a tentativa do aps-tolo, em resolver os problemas dessa comunidade33.

    Utilizando-se da carta34 e da retrica antiga35 - estratgia mais utili-zada pelas comunidades a fim de convencer, motivar, conseguir a adeso ou rejeio de uma idia dos seus leitores; a percope iniciada.

    Dentre as trs peculiaridades na utilizao da Retrica, apontadas por Nogueira36, identificamos duas na percope em estudo: 1) as acusaes contra os concorrentes feita de forma pesada; 2) a definio do apstolo de que sua postura constitua a s doutrina na qual a comunidade de-veria persistir e se firmar.

    No ataque aos adversrios, denominados de super apstolos, Paulo os acusa de vrias coisas, tais como:

    Avidez por dinheiro37 - sob a tutela de patronos da comunidade, distor-ciam os ensinamentos do apstolo para que assim, esse patrocnio se perpetuasse. No importando o nvel moral ou desvios38 que poderiam incorrer sobre a comunidade de f;

    Levantar suspeitas quanto integridade moral. Quando induziram39 a comunidade a desconfiar de que na coleta para os cristos de Jerusa-

    33 NOGUEIRA, Paulo. Como Ler a Bblia. Segunda Carta de Pedro. O Testamento de Pedro: a Luta por Legitimidade e Espao no cristianismo das Origens. So Paulo: Paulus, 2002, p. 69. Onde afirma e sinaliza a importncia da produo de textos no Novo Testamento.

    34 As diversas vantagens da comunicao epistolar explicam a multiplicidade de seus empregos: a carta pode servir tanto para transformar um saber, para difundir um pen-samento, para promover um ensinamento tico como para resumir um sistema filosfico para o leitor apressado (Epicuro, Carta a Herdoto, citada por MARGUERAT, Daniel. Novo Testamento: Histria, Escritura e Teologia. So Paulo: Loyola, 2009, p. 197).

    35 NOGUEIRA, Paulo. Como Ler a Bblia. Segunda Carta de Pedro. O Testamento de Pedro: a Luta por Legitimidade e Espao no cristianismo das Origens. So Paulo: Paulus, 2002, p. 71.

    36 1) Uso da Pseudomnia; 2) Acusaes contra os concorrentes feitas de forma pesada, mas muito estilizada; 3) Definir sua prpria postura como s doutrina, enquanto o ensino dos demais caracterizado como falso. (Ibdem, p. 71 e 72)

    37 Visto que os pregadores itinerantes podiam ter o privilgio de serem sustentados pela comunidade e/ou por patronos, os quais ao terem estes sob sua tutela gozariam de prestgio e honra frente a comunidade de f.

    38 (...) Os corntios tinham gosto inegvel pela falta de medida, o desejo de se imporem, a aspirao de ocuparem mais espao, a fazerem mais volume do que convinha. Eles se inchavam ou se inflavam( 1 Cor 4,6.18.19; 8,1; 13,4). Tinham as aspiraes, mas no o conhecimento verdadeiro (Cf. CARREZ, Maurice; DORNIER, Pierre; DUMAIS, Marcel; TRIMAILLE, Michel. As Cartas de Paulo, Tiago, Pedro e Judas. So Paulo: Paulus, 1987, p. 84)

    39 Conhecedor da comunidade em corinto, Paulo j havia censurado a situao moral que l havia (2 Cor 12, 20 13,2) num catlogo de vcios. Mas o que de fato o entristeceu foi o fato da comunidade se deixar envolver por agitadores que atacaram o apstolo pesso-almente colocando em xeque sua legitimidade como apstolo. Quem eram esses adver-srios, se torna uma resposta difcil, visto os argumentos utilizados por Paulo no elencar muitos fatos, pois provavelmente era fato conhecido dos leitores. Fato que a acusao destes referente a Paulo no visam apenas uma difamao pessoal, e, sim, sobretudo, a comprovao de que a Paulo falta a qualificao para ser apstolo( Cf. VIELHAUER, Philip. Histria da Literatura Crist Primitiva: Introduo ao Novo Testamento, aos Apcrifos e aos Pais Apostlicos. Santo Andr: SP: Editora Academia Crist Ltda, 2005, p. 175).

  • 16 Danielle Lucy Bsio FreDerico: A proposta paulina para a comunidade crist de corinto

    lm, acontecia o uso indevido do dinheiro, por parte do apstolo; De forma irnica, identifica os adversrios como super apsto-

    los, uma vez que ao se apresentarem, informando suas aptides, experincias e revelaes; essas so extraordinariamente maiores do que a do apstolo Paulo.

    Ao rebater seus adversrios, utilizando-se da retrica antiga40, o aps-tolo demonstrava alm do domnio sobre a arte do falar bem; a definio dos valores bsicos que deveriam estar presentes na comunidade de f e na vida dos que se intitulavam seguidores de Cristo.

    A linguagem41 utilizada pelo apstolo pode ser caracterizada como um discurso irnico, duro, e absolutamente contextualizado; definido por uma releitura das bases da f mediante sua experincia cristolgica. Seu ataque estruturado na centralidade na cruz, a princpio como smbolo de fraqueza, sendo ressignificado por ele, como fora, superao e poder.

    2 corntios 12, 7 10: Conseqncias das vises e revelaes recebidas, o entendimento do

    ato de gloriar-se nas fraquezas e a finalizao do discurso da loucura 42:Nesta primeira subdiviso concordamos com Paul Barnett43 quando

    afirma que, o apstolo Paulo traz o discurso do louco para a concluso, preferindo se vangloriar nas fraquezas, do que na viso revelada. Exal-tando o Cristo e no a si prprio. Denomina essa parte como clmax da fraqueza 44, afirmando que o que poderia trazer orgulho religioso; com a presena do espinho na carne, passa a ser dependncia de Deus. 40 G. W. Hansen fala em seu artigo sobre Crtica Retrica, em que descreve a utilizao desta

    prtica especificamente na carta aos Glatas, indica cinco tcnicas empregadas por Paulo em sua argumentao na citada carta. Entendemos que duas podem perfeitamente se encaixar na carta aos Corintos: 1) Argumento de Autoridade: que depende do prestgio, da reputao ou do carter moral do orador; 2) Argumento pelo sacrifcio: o sacrifcio apresentado como prova do valor da coisa pela qual feito. Paulo indica freqentemente o valor da cruz como a base para o valor da liberdade em Cristo que os falsos mestres procuram destruir. (cf. HANSEN, G.W. Crtica Retrica. In: HAWTHORNE, Gerald F. e MARTIN, Ralph P. Dicionrio de Paulo e suas Cartas. So Paulo: Vida Nova: Paulus: Loyola, 2008, pp. 335 336).

    41 () A leitura atenta dos textos, especialmente dentro do padro exegtico, convida-nos a desenvolver um tipo de discernimento de como um autor utiliza o discurso da honra como parte de uma premeditada estratgia de persuaso, como um instrumento de ere-o e manuteno de um corpo social (isto , a Igreja) em meio a culturas rivais. (Cf. DESILVA, David A. A Esperana da Glria: Reflexes sobre a honra e a interpretao do Novo Testamento. So Paulo: Paulinas, 2005, p.16).

    42 FURNISH, Victor Paul. II Corinthians. New York: Doubleday, 1984, p. 554; e BARNETT, Paul. The Second Epistle to the Corinthians. Michigan: Cambridge: Willian B. Eerdmans Publishing Company, 1997, p.566.

    43 BARNETT, Paul. The Second Epistle to the Corinthians. Michigan: Cambridge: Willian B. Eerdmans Publishing Company, 1997, p.566.

    44 Ibdem, p. 555.

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    Diz ainda que, essa passagem contraria frontalmente a religio or-gulhosa e triunfalista dos superapstolos (vv. 11).

    Citando uma revelao que nada revela, e de uma histria de cura sem cura; o apstolo transforma o que seria orgulho, em uma declarao de fora na fraqueza que parte da convico de que Cristo vive dentro dele.45

    Margarete Thrall46, afirma que a frase kai th uperbolh twn avpokaluyewn dio ina mh uperairwmai (precisa de ateno especial, pois, no claro se concluir o vv. 6 ou iniciar o vv. 7, devido a presena da variante textual no comeo do vv. 7 dio que funciona como uma conjuno intro-dutria no comeo da sentena. J Barnett47, classifica esta construo como poderosamente intencional.

    No versculo 7, o apstolo nos chama a ateno, pela repetio da expresso ina mh uperairwmai. Essa indica que o espinho na carne era algo realmente importante e constrangedor, pois, em havendo a possi-bilidade de uma debilidade fsica (apesar de hoje no se ter clareza do que o espinho na carne significava), esta poderia ser considerada como impureza, o que resultaria na rejeio do apstolo.

    Ao utilizar a palavra skoloy48, significado que provavelmente os co-rntios sabiam, esse serviria como uma preveno a qualquer arrogncia por parte de Paulo.

    Utilizando-se do passivo evdoqh, o texto indica que Deus a origem dessa aflio.

    O espinho foi designado para seu benefcio espiritual, o preservando do prprio orgulho49. 45 Ibdem, p. 567.46 THRALL, Margarete E. A Critical and Exegetical Commentary on The Second Epistle to the

    Corinthians. Volume II. London: New York: T&T Clark International, 2000, p. 803 e 804.47 BARNETT, Paul. The Second Epistle to the Corinthians. Michigan: Cambridge: Willian B.

    Eerdmans Publishing Company, 1997, p.567.48 A palavra skolops, encontrada apenas aqui no NT, era usada para qualquer objeto

    pontiagudo, e.g., uma estaca, a ponta do anzol, uma lasca de madeira ou metal, ou um espinho (Nm 33,55; Ez 28, 24; Os 2,8). Em todos os casos, skolops palavra usada para denotar algo que frustra e causa problema nas vidas das pessoas aflita. (....) a perturbao serviu para manter Paulo bem equilibrado espiritualmente. Foi como uma peso sobre seu esprito, que o impedia de explodir e inchar, pelo excesso de vaidade. (Cf. KRUSE, Colin G. II Corntios. Introduo e Comentrio. So Paulo: Vida Nova: Mun-do Cristo, 1994, pp. 218 e 219). Paul Barnett ainda cita que talvez o espinho estaca poderia se referir a um instrumento de tortura ou execuo (possivelmente equivalente aos cravos da crucificao), o uso desta palavra dar a entender o uso da violncia. Outro fato tambm poderia ser o uso do verbo esbofetear a fim de se identificar ou aproximar de Cristo, quando os soldados o esbofeteiam. Da Paulo afirmar que o espinho era um anjo de Satans. (...) Para ele a linguagem do espinhosugere: 1) que Satans era a causa imediata das dificuldades de Paulo simbolizado pela palavra espinho; 2) que porque o espinho vinha de Deus, satans sujeito a Deus mas no com um igual; 3) que o caminho profundamente misterioso de Deus era a fonte dos espinhos. Paradoxal-mente Deus era a fonte invisvel do sofrimento da vida de Paulo, seu filho e ministrio. (BARNETT, Paul. The Second Epistle to the Corinthians. Michigan: Cambridge: Willian B. Eerdmans Publishing Company, 1997, pp. 569 e 570).

    49 THRALL, Margarete E. A Critical and Exegetical Commentary on The Second Epistle to the

  • 18 Danielle Lucy Bsio FreDerico: A proposta paulina para a comunidade crist de corinto

    Citando Morray-Jones, Jonas Machado em sua tese de doutorado diz que: advertncias contra a auto-exaltao so comuns na literatura mstica judaica, em que se recomenda no se orgulhar aps ter recebido uma revelao 50.

    A presena do espinho na carne era incmoda e trazia constran-gimento, pois no vv. 8, a intensidade da petio feita pelo apstolo de-monstrada pelo nmero de vezes em que essa foi realizada - trs vezes51.

    Esse nmero de repeties indicava a urgncia e o tom insistente, tanto no judasmo como no helenismo,52 possivelmente tambm demons-trava a piedade do suplicante53.

    No vv.9, a resposta a petio do apstolo surpreendente, pois, evidencia e enfatiza no a derrota do suplicante, mas a sua superao, atravs da dependncia da Graa de Deus.

    Para Paul Barnett54 a reposta a orao de Paulo um clmax no apenas aqui e no discurso da loucura, mas ecoa em toda a Carta.

    A partir da resposta kai. eirhken moiV srkeisoih`carijmouh`gar dunamijevn avsqeneia| teleitai, o apstolo traz a tona uma revelao que ir de encontro ao orgulho dos adversrios, bem como da cultura dominante da honra. Onde a fraqueza avsqeneia que precisa ser pos-ta em evidncia e evidenciada; e a vanglria kauchsomai se encontra refletida a partir dela.

    A glria ou a honra de algum vem de sua fraqueza e no o con-trrio. Temos aqui duas questes muito importantes, pois acreditamos como Barnett, que o apstolo est concluindo o discurso da loucura, ao utilizar o termo kauchsomai, que repetido ao longo da carta de 2

    Corinthians. Volume II. London: New York: T&T Clark International, 2000, pp. 807 e 809)50 MACHADO, Jonas. Transformao Mstica na Religio do Apstolo Paulo. A Recepo

    do Moiss Glorificado em 2 Corntios na Perspectiva da Experincia Religiosa. Tese de Doutorado em Cincias da Religio. Faculdade de Filosofia e Cincias da Religio. Programa de Ps-Graduao em Cincias da Religio, Universidade Metodista de So Paulo. So Bernardo do Campo, Maro. 2007, p. 46.

    51 Tanto para o judeu quanto para o grego, o nmero trs associado em vrios momentos com orao (...). A idia inerente a ambas as culturas de que a eficcia da orao se daria se proferida por trs vezes, mas pode tambm significar uma completude. Isto , comeo, meio e fim e indica uma deciso: sucesso ou fracasso (THRALL, Margarete E. A Critical and Exegetical Commentary on The Second Epistle to the Corinthians. Volume II. London: New York: T&T Clark International, 2000, pp. 818/819). Jos Com-blin tambm nos diz que: Este nmero frequente nas narraes de milagres, e pode tambm lembrar a tradio judaica das tres oraes durante o dia. (Cf. COMBLIN, Jos. Segunda Epstola aos Corntios. So Leopoldo: So Bernardo: So Paulo: Sinodal: Metodista: Vozes, 1991, p 227).

    52 VIDAL, Senn. Las Cartas Originales de Pablo. Madrid: Editorial Trotta, 1996, p.272.53 BARNETT, Paul. The Second Epistle to the Corinthians. Michigan: Cambridge: Willian B.

    Eerdmans Publishing Company, 1997, p. 571.54 Ibdem, p.572.

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    Corntios 1013; os ouvintes judeus e gregos so induzidos a evocar um ensino inerente e conhecido55 do mundo em que viviam.

    O discurso da loucura que se encontra diludo dentro de 2 Corntios 10 -13, tem seu desfecho e pice no verso 9 da percope de 2 Corntios 12,7-21. Onde, o apstolo, atravs de uma revelao recebida, afirma que com prazer ele se gloriar em sua fraqueza, pois assim: evpiskhnwshevpV evmeh dunamij tou Cristou, o poder de Cristo viveria nele.

    Ao utilizar kauchsomai e avsqeneia, tendo como resposta a minha graa te basta, a afirmao de Senen Vidal se faz pertinente, pois:

    a fora se aperfeioa na fraqueza esta frase, a grande revelao do Se-nhor, fundamental para a interpretao paulina da fraqueza do emissrio (e do cristianismo em geral): a autntica cura consiste no descobrimento do sentido da fraqueza, e no da eliminao dela. Deste modo, a cura narrada nos vv. 7 9a, em vez de algo falido, se converte em superao do poder taumatrgico, que se gloriavam os opositores56.

    A fora e a potencialidade humana se esvaziam atravs da total dependncia de Cristo;, pois atravs deste que o homem alcanaria a honra e a autoridade desejadas57.

    O versculo 10 conclui essa subdiviso, ao pontuar que as situaes de fraqueza alcanam nveis extremos. Afirmando que, nesses momentos, a presena do Cristo se torna mais forte e completa.2 Corntios 12, 11 19:

    Defesa da autoridade apostlica e seu posicionamento sobre o sustento financeiro

    55 A palavra utilizada era doxa que no grego secular tinha o significado bsico de opinio, conjetura.. O sentido tem uma gama de variaes, desde a opinio acerca de uma pessoa ou coisa que estou disposto a defender, at o valor que outras pessoas atribuem a mim, i., reputao, louvor. Este significado era compartilhado com o Antigo Testa-mento, mas neste a palavra era empregada somente para Deus, pois doxa constitua-se na glria e poder de Deus. (COENEN, Lothar e BROWN, Colin. Dicionrio Internacional de Teologia do Novo Testamento. So Paulo: Vida Nova, 2000, p. 899). Trcio Siqueira nos diz ainda que: doxa tem sua etimologia e significado da raiz de kabod, o qual carre-ga o sentido de honra, dignidade e glria. Assim, Deus (Sl 29,3; Is 42,8), o rei (Sl 145, 11 12), pessoas especiais (Sl 106, 20) e objetos sagrados (I Sm 2,8) trazem honra e dignidade ao lugar onde se fazem presentes. (SIQUEIRA, Trcio Machado. Tirando o P das Palavras. Histria e Teologia de palavras e expresses bblicas. So Paulo: Cedro, 2005, p. 47). De acordo com o Dicionrio Internacional de Teologia do NT, a palavra doxa citada 165 vezes, sendo que 77 vezes das ocorrncias esto em Paulo. (Ibdem, p.900). Sendo assim, h uma intencionalidade do uso repetido pelo apstolo, o que constataremos mais abaixo.

    56 VIDAL, Senn. Las Cartas Originales de Pablo. Madrid: Editorial Trotta, 1996, p. 272-273.57 LINCOLN, Andrew T. Paradise Now and Not Yet. Studies in the role of the heavenly

    dimension in Pauls thought with special reference to his eschatology. London: Cambridge, 1981, p.76.

  • 20 Danielle Lucy Bsio FreDerico: A proposta paulina para a comunidade crist de corinto

    Concludo o discurso da loucura 58, o apstolo justifica o porqu de sua atitude. Essa deveria ser entendida como uma demonstrao de amor, que o levou as ltimas conseqncias.

    Ao afirmar que em nada foi inferior aos superapstolos, ele se utiliza do tempo aoristo do verbo usterhsa - hystereo (ser inferior). Isto aponta para um tempo especial no passado59, em que o grupo comuni-trio deveria ter reconhecido a autoridade do apstolo; frente aos recm chegados pregadores a Corinto. A esses, Paulo denomina ironicamente de superapstolos 60.

    Atravs do versculo 12, comprova sua autoridade61 apostlica, a partir dos sinais realizados na comunidade.

    provvel que a frmula irnica utilizada por Paulo de, supera-pstolos, foi uma forma de desacredit-los, passando a citar os sinais

    58 Colin Kruse diz que: Com estas palavras, Paulo encerra a conversa insensata. Diz ele que o exerccio todo no passou de um ato de loucura. (...) Eles deviam t-lo defendido, para que Paulo no precisasse mergulhar na loucura de ostentar-se em benefcio prprio (...). Tal ato seria um suicdio social tendo conseqncias ministeriais, dado a cultura em que vivia. (Cf. KRUSE, Colin G. II Corntios. Introduo e Comentrio. So Paulo: Vida Nova: Mundo Cristo, 1994, p. 221).

    59 KRUSE, Colin G. II Corntios. Introduo e Comentrio. So Paulo: Vida Nova: Mundo Cristo, 1994, p. 222.

    60 Visto suas recomendaes, estes podem ser identificados como missionrios judeus--cristos de maneira controvertida; pois provavelmente no so os judastas combatidos em Glatas pois Paulo no faz meno de circunciso e nem de nomismo. Uma outra proposta de que esses seriam delegados da comunidade primitiva de Jerusalm que tentam jogar Paulo contra a autoridade dos proto-apstolos e simultaneamente possuem caractersticas pneumticas (E. Kasemann). Outra proposta que talvez fossem gnsticos judeus-cristos, intimamente relacionados com os pneumticos combatidos em 1 Corntios e por ltimo que seriam judeus-cristos helenistas (D.Georgi). Enfim, o autor termina por afirmar que: a suposio de que os intrusos judeus-cristos seriam gnsticos, ou pneumticos gnostizantes, semelhantes aos de 1 Corntios, dever ser aquela que mais corresponde ao que o texto revela. Ela tambm esclarece melhor do que outras o fato do rpido sucesso dessa gente entre os corntios reconquistados para Paulo. Embora no se possa identificar com exatido as especificidades judaicas dos intrusos, parece, no obstante, que j trouxeram consigo sua inimizade contra Paulo. Para Vielhauer, esses intrusos de 2 Corntios tem um foco pessoal em Paulo. (VIELHAUER, Philip. Histria da Literatura Crist Primitiva: Introduo ao Novo Testamento, aos Apcrifos e aos Pais Apostlicos. Santo Andr: SP: Editora Academia Crist Ltda, 2005, pp.175 180).

    61 De qualquer forma, nessa passagem Paulo defende as credenciais de seu apostolado perante a Igreja de Corinto contra um grupo oponente que colocava em xeque justamente tal ponto. No apela, entretanto, para sua fora. Pelo contrrio, d nfase sua fraqueza e adversidades como seu orgulho, e, paradoxalmente, suas provas de ser um autntico apstolo de Jesus Cristo. (Cf. MACHADO, Jonas. Paulo, o visionrio Vises e reve-laes extticas como paradigmas da religio paulina. In: NOGUEIRA, Paulo Augusto de S. Religio de Visionrios. Apocalptica e Misticismo no Cristianismo Primitivo. So Paulo: Loyola, 2005, p.175).

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    de um verdadeiro apstolo (vv. 12): perseverana, milagres, prodgios e atos de poder.

    Dos versculos 13 15, o apstolo reafirma a deciso de no aceitar o sustento financeiro dos patronos62 existentes na comunidade.

    De forma irnica, ir defender seu posicionamento. Utilizando-se de carisasqe e avdikian, evoca um imperativo junto a comunidade visto ser seu lder. Com o mesmo tom de ironia pede perdo pela injustia cometida de no ter sido um fardo.

    Era comum comunidade sustentar seu lder e/ou pregadores itine-rantes, especificamente os patronos, os quais possuam condies para mant-los o tempo que fosse necessrio.

    O apstolo vai de encontro cultura, ao negar que o sustento ve-nha da comunidade. Com esta postura, o apstolo no compromete sua mensagem e nem a vincula a benefcios especiais ou impedimentos as correes que se fizessem necessrias, com relao aos fiis63.

    62 (...) Os patronos cristos e suas casas privadas exerciam uma funo muito vital na vida da igreja primitiva. Nos dois primeiros sculos, quase a nica propriedade real que a igreja usava era as salas privadas dos patronos (...). Os hospedeiros das reunies comunitrias, ou igrejas domsticas, podem ser tidos como os patronos dessas comunidades. Como paralelos no mundo helenstico, vemos comunidades polticas e associaes religiosas pagas que gozavam do patronato de benfeitores e patrocinadores individuais (muitas vezes mulheres). Seria lcito dizer que todos os patronos cristos primitivos que abriam suas casas para as igrejas domsticas crists eram patronos. (...) Esses patronos de pequenas igrejas domsticas tinha uma ascendncia sobre os outros membros da igreja no cristianismo paulino? Enquanto saibamos, a resposta no. No havia subordinao vertical esttica sob esses patronos. O patronato cristo no implicava automaticamente uma estrutura hierrquica. As relaes sociais crists primitivas eram menos dinmicas e menos claramente definidas. (Cf. LAMPE, Peter. Paulo, os Patronos e os Clientes. In: SAMPLE, J. Paul. Paulo no Mundo Greco-Romano: um compndio. So Paulo: Paulus, 2008, pp. 440 e 441).

    63 O cliente, por outro lado, era geralmente uma pessoa livre que assumia uma relao de dependncia para com um influente patrono. Os dois faziam um contrato baseado na confiana ou lealdade (fides) mtua. Isso significava que o cliente devia mostrar respeito e gratido ao patrono, prestar-lhe certos servios (operae e obsequium), e apoiar suas atividades polticas, econmicas e sociais. Em troca, o influente patrono protegia os interesses econmicos, sociais e legais do cliente, permitindo que este se valesse das ligaes sociais do patrono e dando-lhe acesso a seus recursos. (Cf. LAMPE, Peter. Pau-lo, os Patronos e os Clientes. In: SAMPLE, J. Paul. Paulo no Mundo Greco-Romano: um compndio. So Paulo: Paulus, 2008, p. 441). Paul Barnett tambm diz que: O assunto agora referente a dinheiro, que , pagamento do ministrio de Paulo e duas questes so minuciosas. Uma a resistncia de Paulo em aceitar o sustento, pois diz que como pai ele quem deve obter o sustento para os filhos da f e no o contrrio. E a outra a sobre os falsos que recebem. (...). Nesta passagem profundamente interpessoal e realmente agressiva: 1) referncia a eu... voc em muitos versos; 2) o enftico eu nos versos 15 16; 3) no mais que cinco questes retricas (vv. 15, 17, 18 (duas vezes), 19). evidente que a poltica de Paulo de auto sustentar-se causava ressentimento em alguns corntios. (BARNETT, Paul. The Second Epistle to the Corinthians. Michigan: Cambridge: Willian B. Eerdmans Publishing Company, 1997, p. 583).

  • 22 Danielle Lucy Bsio FreDerico: A proposta paulina para a comunidade crist de corinto

    Comblin64 afirma que Paulo, a partir desta atitude, deseja reivindicar a paternidade desta comunidade (vv. 14), podendo ser identificado como um pater famlias65.

    De acordo com Margarete E. Thrall, a paternidade espiritual paulina o distinguiria de seus adversrios lhe conferindo autoridade espiritual legtima na Igreja de Corinto66.

    Dentro dessa nomenclatura, o vv. 14 explicita exatamente o cuidado no acmulo de riquezas67 por parte dos pais aos filhos e no ao contr-rio. Que liga a afirmao paulina presente no vv. 15: eu de bom grado gastarei e serei desgastado por vossas almas.

    No verso 19, Paulo finaliza esta subdiviso da percope de 2 Co-rntios 12,7-21; deixando claro que sua inteno no foi a busca por auto-glorificao. Ele no legisla em causa prpria e tem Deus como sua testemunha. Essa afirmao poderia dizer que Paulo apresenta o prprio Deus como o Patrono Supremo que estava dando, legitimidade em todas as suas movimentaes.

    O apstolo escreve no apenas para se defender, todavia para a edificao de seus ouvintes; a fim de que nenhum fiel fosse enganado68.

    Nessa segunda subdiviso da percope de 2 Corntios 12,7-21; encontramos uma intensa defesa da autoridade apostlica por parte de Paulo, o qual, atravs de sua argumentao muito bem elaborada, supera as qualificaes dos superapstolos e aponta caractersticas peculiares de seu apostolado.

    O ato de loucura decorrente do intenso amor pela comunidade, a explicao e defesa de seu auto-sustento na reivindicao como pai es-piritual da comunidade unida a deciso de sua entrega completa, vital, para o estabelecimento do evangelho em Corinto.

    64 COMBLIN, Jos. Segunda Epstola aos Corntios. So Leopoldo: So Bernardo: So Paulo: Sinodal: Metodista: Vozes, 1991, p. 231.

    65 O pater familias era um produto de construo social e cultural romana (...). Como mais geralmente na literatura grega, a expresso latina pater familias no ocorre nas cartas de Paulo. No obstante, o lugar social do pai, e em geral casos da me de famlia, manifestado na organizao social das igrejas paulinas. Fazia parte da estratgia mis-sionria de Paulo que ele organizasse suas comunidades em torno de casas de famlia do lugar. (Cf. WHITE, L. Michael. Paulo e o Pater Familias. In: SAMPLE, J. Paul. Paulo no Mundo Greco-Romano: um compndio. So Paulo: Paulus, 2008, p. 412 e 415).

    66 THRALL, Margarete E. A Critical and Exegetical Commentary on The Second Epistle to the Corinthians. Volume II. London: New York: T&T Clark International, 2000, p.846.

    67 Senen Vidal afirma que a expresso vossas posses um provrbio tradicional que o apstolo utiliza para justificar sua prxis missionria. (Cf. VIDAL, Senn. Las Cartas Originales de Pablo. Madrid: Editorial Trotta, 1996, p.274).

    68 BARNETT, Paul. The Second Epistle to the Corinthians. Michigan: Cambridge: Willian B. Eerdmans Publishing Company, 1997, p. 592-593.

  • Revista Caminhando v. 19, n. 1, p. 7-26, jan./jun. 2014DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-3828/caminhando.v19n1p7-26

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    2 Corntios 12, 20 21: Catlogo de vcios em decorrncia do desvio da comunidade frente

    s influncias externasDevido o aviso de uma possvel terceira visita, citada no versculo 14:

    Eis, que pela terceira vez estou pronto para ir at vs, entende-se que a percope de 2 Corntios 12,7-21 tem seu desfecho com os versculos 20 e 21. Neles, o apstolo, aps a concluso do discurso da loucura, da defesa de autoridade apostlica e, conseqentemente, de seu ministrio; exorta a comunidade apresentando um catlogo de vcios, expondo suas preocupaes, decorrentes do desvio sofrido ao aderirem aos supera-pstolos, passando da apologia para a advertncia.

    Preocupado com o relacionamento e edificao da comunidade em virtude do abalo causado por aqueles, pois, dadas as nfases do aps-tolo, a situao do grupo comunitrio em Corinto era muito preocupante.

    Observamos neste catlogo, segundo Senen Vidal69, quatro pares (v.20) e uma trade (v.21):

    vv. 20: briga e cime, iras e egosmo, falatrio maldoso e fofoca, arrogncia e desordem;vv. 21: impureza e prostituio e falta de vergonha (luxria) Sendo que h uma peculiaridade, pois os dois ltimos pares do vv.20:

    falatrio maldoso e fofoca, arrogncia e desordem, refletem especifica-mente a real situao da comunidade em Corinto70.

    A partir dessa afirmativa, a percope tem sua concluso exatamente em duas reas que poderiam destruir a honra de qualquer pessoa. Atra-vs do falatrio maldoso e da fofoca, o ethos de uma pessoa seria posto em dvida. O peso da recomendao que este grupo viesse a emitir, estaria comprometido. A credibilidade do apstolo e sua aceitao na cidade poderiam ser abalados devido a situao dos pertencentes aquela comunidade e/ou grupo social - desonra social.

    As mesmas conseqncias se dariam devido a arrogncia e desordem. A auto-exaltao era a runa pblica para qualquer cidado dessa poca.

    O apstolo ao se defender, combateu seus adversrios (superaps-tolos) e provavelmente tambm, os desvios oriundos dessa adeso, da comunidade corntia71. Por isso o temor do apstolo, com a possibilidade de no encontr-los como gostaria.

    69 VIDAL, Senn. Las Cartas Originales de Pablo. Madrid: Editorial Trotta, 1996, p. 276.70 Senen Vidal afirma que eles no so fixos nos catlogos deste tipo. (Ibdem, p. 276).71 Comblin afirma que todos estes vcios esto relacionados com o problema da unidade na

    comunidade e possuem relao com a presena do falsos apstolos. (Cf. COMBLIN, Jos. Segunda Epstola aos Corntios. So Leopoldo: So Bernardo: So Paulo: Sinodal: Metodista: Vozes, 1991, p. 234)

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    4. A Proposta PaulinaEncontramos o apstolo Paulo exatamente nesta transio e resig-

    nificao frente a comunidade de Corinto, ao propor a inverso da lgica na concepo do que honra.

    Paulo prope que a honra venha atravs das fraquezas, independente do contexto familiar, poltico e financeiro que se tenha. Ele retira o foco da potencialidade humana e o centraliza na fraqueza. O que se glorie que se glorie nas fraquezas, tornando o sofrimento o caminho para se alcanar a honra.

    A compreenso da ressignificao feita pelo apstolo algo desa-fiador, pois os valores e os conceitos estabelecidos na sociedade Greco-romana e judaica do I sculo caminhavam em sentidos opostos.

    A primeira, centrava na busca pela sabedoria atravs do conheci-mento e possibilidades humanas, e a segunda, centrava na observncia da Lei e na busca de sinais milagrosos. Assim, no conseguiriam com-preender a nova proposta do apstolo apenas atravs da adeso72.

    O apstolo prope o fim das diferenas internas da comunidade de f. Todos estariam em um mesmo status social, pois so dependentes de Cristo, e este acessvel a todos. Diferente do sistema de patronato, em que havia privilgios e separaes de grupos.

    Frente nova proposta, o relacionamento intra-comunidade tambm deveria sofrer transformaes.

    Ao ressignificar o que Honra e como alcan-la, o apstolo se utiliza de um instrumento conhecido a regra da loucura; fazendo ao mesmo tempo sua defesa e desafiando a comunidade de f estabelecida naquela cidade a uma nova postura e concepo.

    O apstolo faz parte da sociedade mediterrnea, mas prope algo muito alm dela. Os fracos poderiam tornar-se fortes tendo uma vida honrada a partir do momento que os valores de Cristo e da cruz ressigi-ficassem as suas vidas e cosmoviso.

    Esse desafio se faz presente tambm nos dias atuais, quando per-cebemos que a pluralidade ps-moderna parece ter desenvolvido uma falsa sensao de coletividade, em que os valores, metas e objetivos se moldam as personalidades e intentos pessoais.

    Assim, a vida comunitria, nas mais diferentes expresses, com seus desafios, confrontos e regras, se torna um desafio cada vez maior.

    72 Segal trabalha a diferena que existia nos tempos paulinos, onde a converso era um conceito novo inaugurado por Paulo. (...) a pesquisa atual enfatiza a dimenso social da experincia da converso e um indivduo ativo que desenvolve um novo mundo de signifi-cado pela converso e sua entrada numa nova comunidade. (...) Essa percepo do papel ativo do convertido em reformar o mundo chave para entender o escrito de Paulo. Paulo um exemplo desse convertido ativo refazendo seu mundo. (SEGAL, Alan F. Paulo, o Convertido. Apostolado e apostasia de Saulo fariseu. So Paulo: Paulus, 2010, pp. 64).

  • Revista Caminhando v. 19, n. 1, p. 7-26, jan./jun. 2014DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-3828/caminhando.v19n1p7-26

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