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8 Pensar A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 24 DE NOVEMBRO DE 2012 + artigo de capa por JOANA QUIROGA A “PROPRIEDADE” E O GRAFFITI Tendo como uma de suas características mais importantes a recusa ao conceito capitalista de propriedade, a “guerra com spray” atinge a organização arbitrária que constrói uma cidade C omo já indicamos, o graf- fiti tem como uma das características mais im- portantes a recusa ao con- ceito capitalista de pro- priedade. Nesse sentido, a guerra com spray atinge a organização arbitrária que constrói uma cidade. Há muito que estamos habituados ao uso comercial dos espaços – como é o caso da onipresença irrestrita de anúncios e da crescente especulação imobiliária –, e é a sua transformação em “moeda de mercado” que determina o direciona- mento de sua ocupação. Traduzindo, quem tem mais recursos financeiros tem mais “espaço” na cidade. Se pensarmos historicamente, o es- paço urbano é desenhado pelo de- senvolvimento do capitalismo, e na instauração do seu conceito fundamen- tal da “propriedade”: da “área nobre”, residência daqueles que detém os meios de produção, passando pelo “centro”, local de trânsito e negociação do capital, até a periferia, onde se dispõem aqueles à espera de sair da condição de “reserva”. Atualmente é improvável a existência de um espaço que não seja, antes de mais nada, uma propriedade – os dois conceitos pa- recem, aliás, acarretar um no outro. Tal identificação também determinou a es- trutura social, econômica e política não menos problemáticas na qual estamos já habituados a viver: se outrora as formas de dominação davam-se de mo- do declarado, por meio de ditaduras e da inexistência de tantos direitos, nos tempos atuais elas se espraiam de ma- neira camuflada na “liberdade” de es- colha do sujeito e na “propriedade” que ele tem de suas escolhas – que, no entanto, resume-se à ordenação que dará ao consumo, sem sequer ques- tioná-lo. Essa pretensa autonomia, aca- ba por ocultar as tantas outras fra- gilidades e deficiências desse sistema e suas consequências, que tem desuma- nizado os espaços, sem declará-lo. O graffiti desacata, ainda, uma ou- tra noção de “propriedade”, porém não menos capitalista: as obras são necessariamente públicas, isso signi- fica que ele se arma da gratuidade do olhar para exercer seu maior impacto. Ao ser algo que é livremente doado à cidade, ele questiona não somente a lógica da propriedade e do consumo, como também a vida automática, pas- teurizada e segregadora, que esta im- põe ao ritmo da cidade, pois a obra está direcionada para um espaço es- pecífico da cidade, retirando-o por um instante da condição de naturalizada propriedade ou simplesmente de mera passagem –, fazendo dele um lapso nesse automatismo. É essa cidade de “propriedades” bom- bardeadas que Banksy e o graffiti nos convidam a reconstruir: numa cidade em que o espaço é todos, serão outros os critérios, que não o de recursos fina- ceiros, que deverão determinar a “pro- priedade” que alguém tem sobre ele. Para terminar estas provocações, va- le informar que, em seu site oficial, Banksy disponibiliza gratuitamente to- Agenda Dia 2 de dezembro “Mutirão ao Vivo e à Cores”, das 10h às 20h, Pelas ruas, nas proximidades da praça do Bairro Bela Aurora, em Cariacica. Exposições “De Onde Venho” Coletiva aberta para visitação no Museu Capixaba do Negro, até o dia 2 de dezembro. Horário de visitação: segunda, quarta e sexta, das 8h às 18h; terça e quinta, das 8h às 22h; sábado, das 8h às 12h. Avenida República, 121, Centro de Vitória. Mais informações: (27) 3222-4788. ”Alvenaria” Com obras de Fredone Fone, aberta a visitação até 19 de dezembro, no Espaço Cultural Sesi. Visitação mediante agendamento pelo telefone (27) 3334-7300. Rua Tupinambás, 240, Jardim da Penha, Vitória. JON NAAR/DIVULGAÇÃO Contracultura: o graffiti nasceu há mais de 30 anos nos subúrbios de Nova York dos os seus trabalhos. Ao abrir mão da propriedade comercial de suas obras – a primeira frase do livro é que “Co- pyright é para perdedores” –, Banksy confirma que a “propriedade” está no direito de questionar e resignificar o nosso modo de habitar o mundo. E se nem nós mesmos nos “apropriamos” desse direito, por que ele haveria de respeitar algum outro? CRIPTA/DIVULGAÇÃO “Pichação” em prédio de Berlim

A PROPRIEDADE” E O GRAFFITI - WordPress.com · 2013-01-22 · 8 Pensar A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 24 DE NOVEMBRO DE 2012 + artigo de capa por JOANA QUIROGA A “PROPRIEDADE”

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Page 1: A PROPRIEDADE” E O GRAFFITI - WordPress.com · 2013-01-22 · 8 Pensar A GAZETA VITÓRIA, SÁBADO, 24 DE NOVEMBRO DE 2012 + artigo de capa por JOANA QUIROGA A “PROPRIEDADE”

8PensarA GAZETAVITÓRIA,SÁBADO,24 DE NOVEMBRODE 2012

+ artigo de capapor JOANA QUIROGA

A “PROPRIEDADE”E O GRAFFITITendo como uma de suas características mais importantes a recusa ao conceito capitalista depropriedade, a “guerra com spray” atinge a organização arbitrária que constrói uma cidade

Como já indicamos, o graf-fiti tem como uma dascaracterísticas mais im-portantes a recusa ao con-ceito capitalista de pro-priedade. Nesse sentido, a

guerra com spray atinge a organizaçãoarbitrária que constrói uma cidade. Hámuito que estamos habituados ao usocomercial dos espaços – como é o casoda onipresença irrestrita de anúncios eda crescente especulação imobiliária –,e é a sua transformação em “moeda demercado” que determina o direciona-mento de sua ocupação. Traduzindo,quem tem mais recursos financeirostem mais “espaço” na cidade.

Se pensarmos historicamente, o es-paço urbano é desenhado pelo de-senvolvimento do capitalismo, e nainstauração do seu conceito fundamen-tal da “propriedade”: da “área nobre”,residência daqueles que detém osmeios de produção, passando pelo“centro”, local de trânsito e negociaçãodo capital, até a periferia, onde sedispõem aqueles à espera de sair dacondição de “reserva”. Atualmente éimprovável a existência de um espaçoque não seja, antes de mais nada, umapropriedade – os dois conceitos pa-recem, aliás, acarretar um no outro. Talidentificação também determinou a es-trutura social, econômica e política nãomenos problemáticas na qual estamosjá habituados a viver: se outrora asformas de dominação davam-se de mo-do declarado, por meio de ditaduras eda inexistência de tantos direitos, nostempos atuais elas se espraiam de ma-neira camuflada na “liberdade” de es-colha do sujeito e na “propriedade” queele tem de suas escolhas – que, noentanto, resume-se à ordenação quedará ao consumo, sem sequer ques-tioná-lo. Essa pretensa autonomia, aca-ba por ocultar as tantas outras fra-gilidades e deficiências desse sistema esuas consequências, que tem desuma-nizado os espaços, sem declará-lo.

O graffiti desacata, ainda, uma ou-tra noção de “propriedade”, porémnão menos capitalista: as obras sãonecessariamente públicas, isso signi-fica que ele se arma da gratuidade doolhar para exercer seu maior impacto.Ao ser algo que é livremente doado àcidade, ele questiona não somente a

lógica da propriedade e do consumo,como também a vida automática, pas-teurizada e segregadora, que esta im-põe ao ritmo da cidade, pois a obraestá direcionada para um espaço es-pecífico da cidade, retirando-o por uminstante da condição de naturalizadapropriedade – ou simplesmente demera passagem –, fazendo dele umlapso nesse automatismo.

É essa cidade de “propriedades” bom-bardeadas que Banksy e o graffiti nosconvidam a reconstruir: numa cidadeem que o espaço é todos, serão outros oscritérios, que não o de recursos fina-ceiros, que deverão determinar a “pro-priedade” que alguém tem sobre ele.

Para terminar estas provocações, va-le informar que, em seu site oficial,Banksy disponibiliza gratuitamente to-

Agenda

Dia 2 de dezembro“Mutirão ao Vivo e à Cores”, das 10h às 20h,Pelas ruas, nas proximidades da praça doBairro Bela Aurora, em Cariacica.

Exposições

“De Onde Venho” Coletiva aberta paravisitação no Museu Capixaba do Negro, atéo dia 2 de dezembro. Horário de visitação:segunda, quarta e sexta, das 8h às 18h; terçae quinta, das 8h às 22h; sábado, das 8h às 12h.Avenida República, 121, Centro de Vitória.Mais informações: (27) 3222-4788.

”Alvenaria” Com obras de Fredone Fone,aberta a visitação até 19 de dezembro, noEspaço Cultural Sesi. Visitação medianteagendamento pelo telefone (27) 3334-7300.Rua Tupinambás, 240, Jardim da Penha, Vitória.

JON NAAR/DIVULGAÇÃO

Contracultura: o graffiti nasceu há mais de 30 anos nos subúrbios de Nova York

dos os seus trabalhos. Ao abrir mão dapropriedade comercial de suas obras –a primeira frase do livro é que “Co-pyright é para perdedores” –, Banksyconfirma que a “propriedade” está nodireito de questionar e resignificar onosso modo de habitar o mundo. E senem nós mesmos nos “apropriamos”desse direito, por que ele haveria derespeitar algum outro?

CRIPTA/DIVULGAÇÃO

“Pichação” em prédio de Berlim

Documento:AGazeta_24_11_2012 1a. SABADO_CP_Pensar_8.PS;Página:1;Formato:(274.11 x 381.00 mm);Chapa:Composto;Data:22 de Nov de 2012 17:38:16