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civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 1 A proteção do consumidor-criança frente à publicidade no Brasil Thaynara de Souza OLIVEIRA * Diógenes Faria de CARVALHO ** SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Fundamento de proteção à infância; 3. Regulamentação da publicidade dirigida à criança no Brasil; 3.1. Os sistemas de controle da publicidade e a opção brasileira; 3.2. Dispositivos constitucionais sobre a publicidade; 3.3. O CDC e a publicidade infantil; 3.4. O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e a publicidade infantil; 3.5. Comentários e uma visão comparada da regulamentação legal da publicidade infantil no Brasil; 4. Estrutura do controle da publicidade infantil no Brasil; 4.1. O controle estatal da publicidade infantil; 4.2. O controle privado da publicidade infantil; 5. Conclusões; Referências. RESUMO: O presente trabalho tem por escopo o estudo da tutela das crianças consumidoras frente à publicidade. Após apresentar os fundamentos de proteção à infância, pretende-se estudar o tratamento que se tem dispensado à publicidade infantil no ordenamento jurídico pátrio, assim como examinar a estrutura orgânica do controle das mensagens publicitárias no País, oferecendo-se críticas e sugestões para a regulamentação e o controle. Para tanto, adotou-se, primordialmente, o método dedutivo e procedeu-se a uma vasta pesquisa bibliográfica. PALAVRAS-CHAVE: 1. Direito do Consumidor. 2. Criança. 3. Proteção. 4. Publicidade. ENGLISH TITLE: The Protection of Children as Consumers against Publicity in Brazil SUMMARY: 1. Introduction; 2. Fundaments of childhood protection; 3. Regulation of publicity directed to children in Brazil; 3.1. The control systems of publicity and the Brazilian option; 3.2. Constitutional dispositions on publicity; 3.3. Consumer law and children’s publicity; 3.4. The Brazilian Code of Publicity Self-Regulation and children’s publicity; 3.5. Comments and a compared view on legal regulation of children’s publicity in Brazil; 4. Structure of children’s publicity’s control in Brazil; 4.1. State control of children’s publicity; 4.2. Private control of children’s publicity; 5. Conclusions; References. ABSTRACT: This work has as its principal objective the study of the youngsters’ protection against the advertising directed at them. After * Estudante de Direito. ** Doutorando em Psicologia (Análise do comportamento do consumidor) pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e Mestre em Direito Econômico-Empresarial pela Universidade de Franca - SP (UNIFRAN).

A proteção do consumidor-criança frente à publicidade no ...civilistica.com/wp-content/uploads/2015/02/Carvalho-e-Oliveira... · Jose da Costa Rica) que, em seu art. 19, dispõe

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  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 1

    A proteo do consumidor-criana

    frente publicidade no Brasil

    Thaynara de Souza OLIVEIRA*

    Digenes Faria de CARVALHO**

    SUMRIO: 1. Introduo; 2. Fundamento de proteo infncia; 3.

    Regulamentao da publicidade dirigida criana no Brasil; 3.1. Os sistemas

    de controle da publicidade e a opo brasileira; 3.2. Dispositivos

    constitucionais sobre a publicidade; 3.3. O CDC e a publicidade infantil; 3.4.

    O Cdigo Brasileiro de Autorregulamentao Publicitria e a publicidade

    infantil; 3.5. Comentrios e uma viso comparada da regulamentao legal

    da publicidade infantil no Brasil; 4. Estrutura do controle da publicidade

    infantil no Brasil; 4.1. O controle estatal da publicidade infantil; 4.2. O

    controle privado da publicidade infantil; 5. Concluses; Referncias.

    RESUMO: O presente trabalho tem por escopo o estudo da tutela das crianas

    consumidoras frente publicidade. Aps apresentar os fundamentos de

    proteo infncia, pretende-se estudar o tratamento que se tem dispensado

    publicidade infantil no ordenamento jurdico ptrio, assim como examinar

    a estrutura orgnica do controle das mensagens publicitrias no Pas,

    oferecendo-se crticas e sugestes para a regulamentao e o controle. Para

    tanto, adotou-se, primordialmente, o mtodo dedutivo e procedeu-se a uma

    vasta pesquisa bibliogrfica.

    PALAVRAS-CHAVE: 1. Direito do Consumidor. 2. Criana. 3. Proteo. 4.

    Publicidade.

    ENGLISH TITLE: The Protection of Children as Consumers against Publicity in Brazil

    SUMMARY: 1. Introduction; 2. Fundaments of childhood protection; 3.

    Regulation of publicity directed to children in Brazil; 3.1. The control

    systems of publicity and the Brazilian option; 3.2. Constitutional

    dispositions on publicity; 3.3. Consumer law and childrens publicity; 3.4.

    The Brazilian Code of Publicity Self-Regulation and childrens publicity;

    3.5. Comments and a compared view on legal regulation of childrens

    publicity in Brazil; 4. Structure of childrens publicitys control in Brazil;

    4.1. State control of childrens publicity; 4.2. Private control of childrens

    publicity; 5. Conclusions; References.

    ABSTRACT: This work has as its principal objective the study of the

    youngsters protection against the advertising directed at them. After

    * Estudante de Direito. ** Doutorando em Psicologia (Anlise do comportamento do consumidor) pela Pontifcia Universidade Catlica de Gois (PUC-GO) e Mestre em Direito Econmico-Empresarial pela Universidade de Franca - SP (UNIFRAN).

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    presenting the foundations of the childrens protection, we will study the

    treatment that has been given to childrens advertising in the Brazilian

    legal system, as well as examine the structure of the advertisings control in

    Brazil, offering criticisms and suggestions for regulation and control. For

    this purpose, we have primarily adopted the deductive method and

    proceeded to a vast bibliographic research.

    KEYWORDS: 1. Consumer Law. 2. Child. 3. Protection. 4. Advertising.

    1. Introduo

    Nas sociedades contemporneas, as crianas desempenham um relevante papel

    econmico no mercado. Elas so, ao mesmo tempo, consumidoras de produtos e

    servios infantis, influenciadoras das decises familiares de compra e os futuros

    consumidoras adultos, j habituados e fidelizados a determinadas marcas.

    Acompanhando o crescimento desse nicho mercadolgico, a publicidade dirigida aos

    infantes se tornou mais expressiva. Ocorre que as crianas constituem alvos fceis para

    as mensagens publicitrias, j que possuem uma diminuta capacidade de seleo e

    contra-argumentao, no compreendem os objetivos econmicos da publicidade, so

    incapazes at certa idade de diferenciar programas no comerciais e publicidade e,

    ainda, atribuem muita credibilidade televiso.

    Com efeito, a publicidade infantil, programtica e manipulativa, alm de suscitar

    efeitos perversos aos infantes, inevitavelmente acaba apresentando um grande

    potencial abusivo.

    Diante disso, prope-se a seguir um estudo da tutela das crianas na seara da

    publicidade. Para tanto, aps apresentar os fundamentos de proteo infncia,

    analisar-se- a regulamentao vigente e examinar-se- a estrutura orgnica do

    controle das mensagens publicitrias infantis no Brasil.

    2. Fundamento da proteo infncia

    A ideia de que as crianas necessitam de proteo tem sua origem na teoria do

    desenvolvimento infantil. Tendo em vista a sua falta de maturidade fsica e mental, os

    infantes so considerados no mundo ocidental como pessoas em desenvolvimento.

    Cuida-se do chamado paradigma desenvolvimentista segundo o qual:

    as crianas progridem em um conjunto fixo de estgios

    naturais, biologicamente definidos por habilidades cognitivas e

    emocionais, at alcanarem seu pice na maturidade da vida

    adulta. A teoria tambm assume que as crianas so

    incompletas e imaturas, carecem de aperfeioamento de seus

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    comportamentos e de direcionamento por parte dos adultos.1

    Baseando-se nesse paradigma tradicional da proteo infantil, as naes ocidentais

    comearam a envidar esforos conjuntos para a criao de uma poltica de defesa da

    criana. Essa preocupao tem sido externada desde a Declarao de Genebra de 1924,

    que enunciava a necessidade de proporcionar criana uma proteo especial,

    passando pela Conveno Americana sobre os Direitos Humanos de 1969 (Pacto San

    Jose da Costa Rica) que, em seu art. 19, dispe que toda criana tem direito s medidas

    de proteo que na sua condio de menor requer, por parte da famlia, da sociedade e

    do Estado, at a mais recente Conveno sobre os Direitos da Criana da ONU,

    aprovada em 1989, que reconhece que "a criana, em virtude de sua falta de

    maturidade fsica e mental, necessita proteo e cuidados especiais, inclusive a devida

    proteo legal, tanto antes quanto aps seu nascimento" e obriga as Naes a adaptar

    suas legislaes internas a fim de constiturem a proteo da criana como uma

    prioridade2- 3.

    Como se observa, a preocupao com a dignidade da criana em mbito internacional

    no nova, mas sim bastante consolidada, e foi seguida de um processo gradual de

    incorporao pelos Estados, em seus ordenamentos jurdicos, da defesa das crianas

    como princpio de absoluta prioridade. No caso do Brasil, a experincia no foi

    diferente.

    A Constituio da Repblica de 1988, pela primeira vez na histria, tratou com

    destaque, em seu Ttulo VIII, Captulo VII, da questo da proteo da criana. Em

    rigorosa consonncia com os princpios de proteo integral da criana sistematizados

    na Conveno sobre os Direitos da Criana da ONU, a Lei Maior brasileira aborda a

    defesa do infante como prioridade, enunciando, em seu art. 227, que sua proteo

    dever da famlia, da sociedade e do Estado, seno veja-se:

    Art. 227. dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar

    criana, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito

    vida, sade, alimentao, educao, ao lazer,

    profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e

    convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda

    forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade

    e opresso. 4

    1 SCHOR, Juliet B. Nascidos para comprar: uma leitura essencial para orientarmos nossas crianas na era do consumismo. So Paulo: Editora Gente, 2009, p. 214. 2 SILVA, Antnio Fernando do Amaral e; CURY, Munir et al. Estatuto da Criana e do Adolescente Comentado. 3 ed. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 11-12. 3 No mesmo sentido, so ainda citados na doutrina: Declarao Universal dos Direitos Humanos das Naes Unidas de 1948 que apelava ao direito a cuidados e assistncia especiais; Declarao Universal dos Direitos da Criana de 1959, adotada pela ONU; Regras Mnimas das Naes Unidas para a Administrao da Justia da Infncia e da Juventude Regras de Beijing (Resoluo 40/33 da Assembleia-Geral de 29.11.85); as Diretrizes de Riad (Assembleia-Geral da ONU de novembro/1990); Regras Mnimas das Naes Unidas para a Proteo dos Jovens Privados de Liberdade (Assembleia-Geral da ONU de novembro/1990); dentre outros. 4 Cumpre anotar que no obstante tenham sido tratados os direitos da criana e do adolescente em destaque no Ttulo VIII da Constituio, encontram-se eles intrnsecos nos demais Ttulos, uma vez que a Constituio em seu todo garante o direito de cidadania, e as crianas e adolescentes so titulares de todos esses direitos. (FIRMO, Maria de Ftima Carrada. A criana e o adolescente no ordenamento jurdico brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.22).

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    Instituiu-se, pois, no ordenamento jurdico ptrio a diretriz de proteo integral

    criana e, implicitamente, o dever de respeito condio peculiar de pessoa em

    desenvolvimento. Neste diapaso, o constituinte outorgou aos infantes diversos direitos

    sociais especiais, sublinhando que os mesmos devem ser observados com prioridade,

    alm de ter incumbido famlia, sociedade e ao Estado, em conjunto, o dever de

    proteo dos menores. Assegurou-se, assim, pelo menos formalmente, todas as

    condies de vida adequadas ao desenvolvimento fsico, mental, espiritual, moral e

    social de toda criana.

    A fim de implementar a proteo dos menores estabelecida na Constituio, foi

    promulgado o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), sob a forma da Lei n.

    8.069, de 13 de julho de 1990, que revogou o antigo Cdigo de Menores de 1979. O ECA

    prega como diretriz nica e bsica no atendimento de crianas e adolescentes a

    doutrina da proteo integral, em observncia ao previsto na Constituio, e estabelece

    medidas concretas para a garantia dos direitos dos infantes.

    Essa proteo integral, como esclarece Momberger, deve ser entendida em seu sentido

    mais amplo, visto que a criana necessita de amparo fsico, material, psicolgico ou

    espiritual, a fim de que sejam supridas suas necessidades de afeto, alimento, vesturio,

    sade, educao, lazer, etc., e lhe seja dispensado todo o cuidado e proteo em face de

    qualquer forma de explorao5.

    De tal arte, conclui-se que as crianas devem ser protegidas em todos os aspectos,

    inclusive frente publicidade. Assegurar s crianas todas as oportunidades de

    desenvolvimento pleno e harmonioso, com respeito e dignidade, certamente, envolve a

    proteo especial contra a abusividade da publicidade. E incumbe ao Estado, famlia e

    sociedade, conjuntamente, a consecuo dessa tarefa.

    3. Regulamentao da publicidade dirigida s crianas no Brasil

    3.1. Os sistemas de controle da publicidade e a opo brasileira

    Considerando que a publicidade, inclusive a infantil, constitui fenmeno social inerente

    ao sistema capitalista, tem-se que no pode ser rechaada ou proibida, devendo,

    contudo, ser controlada, regulamentada. A publicidade, pois, no constitui exceo

    regra de que nenhuma atividade humana est isenta de controle.

    Existem trs sistemas de controle do fenmeno publicitrio em geral, a saber, o

    autorregulamentar, o legal e o misto, que variam de acordo com o sujeito a quem

    caber o controle, conforme se ver adiante.

    O sistema autorregulamentar (ou sistema exclusivamente privado) corresponde ao

    controle interno da publicidade realizado por rgo privado e ligado ao setor

    publicitrio6.

    5 MOMBERGER, Noem Friske. A publicidade dirigida s crianas e adolescentes: regulamentaes e restries. Porto Alegre: Memria Jurdica Editora, 2002, p. 41-42. 6 CHAISE, Valria Falco. A publicidade em face do Cdigo de Defesa do Consumidor. So Paulo: Saraiva,

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    Assinala Calais-Auloy 7 que os profissionais foram os primeiros a compreender os

    perigos de uma publicidade desenfreada. Se todos os desvios fossem permitidos, um

    sentimento de desconfiana no tardaria em se instaurar no esprito dos consumidores

    e a publicidade no poderia mais cumprir sua funo. Os profissionais organizaram,

    ento, um sistema de autodisciplina.

    Esse sistema parte da ideia de que o prprio mercado tem incentivos mais do que

    suficientes para a correo dos eventuais desvios surgidos e, ademais, nos casos em que

    os incentivos mercadolgicos se revelarem ineficientes, o prprio consumidor

    prejudicado pode recorrer aos tribunais sem qualquer interveno do Estado8.

    Chaise 9 , alicerando-se nas lies de Segade, aponta as seguintes caractersticas

    fundamentais desse sistema: a) a existncia de uma associao de empresrios

    estabelecida segundo o direito privado e de livre adeso; b) a presena de regras ticas,

    a fim de estabelecer limites para as mensagens comerciais e, simultaneamente, evitar a

    arbitrariedade dos rgos de controle; c) a criao de rgo de controle competente

    para fiscalizar a observncia das regras fixadas; d) a competncia para impor sanes

    aos infratores; e) a presena de poder de presso para o cumprimento da sano.

    De acordo com a autora, o sistema em apreo apresenta como principal vantagem a

    garantia ao consumidor de solucionar o conflito mediante a arbitragem e a composio,

    evitando a morosidade e o custo da apresentao da controvrsia ao Judicirio10.

    De outra parte, vrias objees podem ser feitas a este sistema. Nesse sentido,

    Benjamin pontua que o controle, nesse caso, no se faz pelo ngulo do consumidor,

    mas agregando-se a preocupaes dessa natureza outras que pouco tm a ver com ele,

    na sua posio de parte vulnervel no mercado, como aquelas relativas concorrncia

    desleal e moralidade e, ademais, este sistema de controle no abarca todos os

    operadores, mas apenas aqueles que o aderem voluntariamente11.

    No sistema legal (ou sistema exclusivamente estatal), em contraposio ao controle

    autorregulamentar, compete exclusivamente ao Estado controlar a publicidade. Em

    outros termos, somente o Estado pode regulamentar e controlar as mensagens

    comerciais, inexistindo qualquer participao de atores publicitrios.

    Cuida-se de um controle externo, isto , uma forma de interveno do Estado na

    iniciativa privada. Por isso, os agentes econmicos interessados na operao

    publicitria empenham-se no mundo todo, tentando afastar o espectro sempre

    2011, p. 25. 7 No original: Les professionnels ont, les premiers, compris les dangers dune publicit dbride. Si tous les coups taient permis, un sentiment de dfiance ne tarderait pas sinstaurer dans lesprit des consommateurs et la publicit ne pourrait plus remplir as fonction. Les professionnels ont donc organis des systmes dautodiscipline (CALAIS-AULOY, Jean; STEINMETZ, Frank. Droit de la consommation. 5 ed. Paris: Dalloz, 2000, p. 124). 8 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9 ed. rev. atual. e amp. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2007, p. 313. 9 CHAISE, Valria Falco. Op. cit., p. 25-26. 10 Idem, p. 26. 11 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al. Op. cit., p. 313-314.

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    ameaador do Estado-legislador12.

    No obstante essa oposio, parece-nos evidente a necessidade de um controle estatal

    das prticas publicitrias, tendo em vista, sobretudo, a posio imparcial do Estado e

    seu poder coercitivo sobre os particulares. No se exclui, todavia, o controle

    corporativo 13 . Nesse sentido, Calais-Auloy reconhece que a autodisciplina no

    suficiente para afastar todos os abusos da publicidade14.

    O sistema misto, por seu turno, consiste na adoo do controle voluntrio da

    publicidade por intermdio de entidade autorregulamentar conjuntamente ao controle

    estatal. Trata-se de modalidade que aceita e incentiva ambas as formas de controle,

    aquele executado pelo Estado e outro a cargo dos partcipes publicitrios15.

    A doutrina majoritria entende que no Brasil hoje vigora o controle misto da

    publicidade16. Isso tendo em vista que, conforme se ver adiante, subsistem o controle

    interno ou corporativo levado a efeito pelo Conselho Nacional de Autorregulamentao

    Publicitria (CONAR) juntamente com o controle exercido pelo Estado segundo as

    normas constantes do CDC.

    Feitas essas consideraes, antes de adentrarmos no contedo da regulamentao legal

    e privada da publicidade em relao s crianas, imperioso apresentar o tratamento

    da matria na Constituio Federal.

    3.2. Dispositivos constitucionais sobre a publicidade

    A Constituio da Repblica garante, em seu art. 5, inciso IX, a liberdade de expresso

    da atividade intelectual, artstica, cientfica e de comunicao, vedando expressamente

    a censura. No mesmo sentido, o art. 220, caput, prescreve que a manifestao do

    pensamento, a expresso e a informao, sob qualquer forma, processo ou veiculao

    no sofrero qualquer restrio, observado o disposto nesta Constituio e, no 2,

    resta vedada toda e qualquer censura de natureza poltica, ideolgica ou artstica.

    A proibio de censura no texto constitucional bastante ampla, referindo-se

    liberdade intelectual (qualquer forma de expresso e informao), e no apenas

    liberdade de imprensa. A censura uma exacerbao do poder de polcia do Estado, em

    12 PASQUALOTTO, Adalberto. Os efeitos obrigacionais da publicidade no cdigo de defesa do consumidor. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 67. 13 Nesse sentido, a Diretiva n. 84/450 da Comunidade Europeia, em seu art. 4, repudia modelo exclusivamente autorregulamentar e sugere que os Estados-Membros estipulem meios adequados e eficazes para o controle da publicidade enganosa, como os controles administrativo e judicial. (Disponvel em: . Acesso em 20 set. 2013). 14 No original: Si bien faite soit-elle, lautodiscipline ne saurait carter tous les abus de la publicit (CALAIS-AULOY, Jean; STEINMETZ, Frank. Op. cit., p. 126). 15 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al. Op. cit., p. 314. 16 Nesse sentido: Valria Falco Chaise, Jos Carlos Maldonado de Carvalho, Antnio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Srgio Rodrigues Martinez, dentre outros. Em sentido contrrio, Walter Ceneviva e Adalberto Pasqualotto. Este ltimo jurista entende que inexiste uma regulamentao mista no Pas, j que as normas do CONAR no so aptas para a produo de efeitos jurdicos perante terceiros. O autor afirma que o advento da regulamentao estatal da publicidade com o CDC ocupou inteiramente o espao antes deixado livre autonomia privada e, portanto, a lei no deixou margem alguma para a regulamentao privada dessa matria. (PASQUALOTTO, Adalberto. Op. cit., p. 69).

    http://eur-lex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexapi!prod!CELEX%20numdoc&lg=PT&numdoc=384%20L0%20450&model=guichetthttp://eur-lex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexapi!prod!CELEX%20numdoc&lg=PT&numdoc=384%20L0%20450&model=guichett

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    que se visa impedir a comunicao indiscriminada.

    Apesar de a publicidade, como forma de manifestao de pensamento, criao,

    expresso da atividade intelectual, artstica, de comunicao e informao, ser a priori

    livre, impende consignar que essa liberdade no absoluta17-18. O poder pblico, no

    intuito de defender padres mnimos de moralidade ou direitos constitucionalmente

    assegurados, pode (e deve) exercer controle sobre a expresso intelectual, sobretudo

    quando veiculada pelos meios de comunicao em massa19. De modo que sobre a

    publicidade inevitavelmente incidiro limitaes, impostas pelo Estado.

    No h na Magna Carta um captulo referente restrio da publicidade, no entanto

    encontra-se em seu texto diversos dispositivos ligados ao tema. O texto constitucional

    estabelece que a competncia para legislar sobre publicidade da Unio (art. 22,

    XXIX), alm de prever que compete lei federal estabelecer meios legais que garantam

    pessoa e famlia a possibilidade de se defenderem da publicidade de produtos,

    prticas e servios que podem ser nocivos sade e ao meio ambiente (art. 220, 3) e

    determinar que a publicidade de tabaco, bebidas alcolicas, agrotxicos, medicamentos

    e terapias ser sujeita s restries legais (art. 220, 4).

    Assim, se por um lado a Lei Maior estabelece a liberdade de comunicao, a qual,

    segundo Silva, consiste num conjunto de direitos, formas, processos e veculos, que

    possibilitam a coordenao desembaraada da criao, expresso e difuso do

    pensamento e da informao20, estando a includa a propagao de ideias relativas a

    produtos e servios; de outra parte, existem restries s eventuais exacerbaes no

    exerccio desse direito de informao, estando, pois, obviamente, constitucionalizada a

    coibio aos abusos na publicidade21.

    Contudo, como se nota, a Constituio apenas apresenta as diretrizes supra e no

    regula a publicidade, atribuindo competncia Unio para faz-lo por meio de lei

    ordinria federal, de sorte que inexistem dispositivos constitucionais especficos sobre

    a publicidade infantil.

    3.3. O CDC e a Publicidade Infantil

    Ante a determinao constitucional do art. 22, XXIX, o CDC regulamentou a

    publicidade em seus vrios aspectos. O Cdigo trouxe uma estrutura sistemtica para a

    regulao da questo, com uma clusula geral proibitiva das publicidades enganosa e

    abusiva. Deste modo, o regramento fragmentrio anterior22, que contava com diversas

    17 GUIMARES, Paulo Jorge Scartezzini. A publicidade ilcita e a responsabilidade civil das celebridades que dela participam. 2 ed. rev. amp. e atual. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 86. 18 Filiamo-nos, neste ponto, ao posicionamento segundo o qual o objetivo comercial no macula o discurso publicitrio, no o desabilita proteo contra a censura estatal, visto que constitui, sem dvida alguma, pura expresso do pensamento e da criatividade humana (MELLO, Helosa Carpena Vieira de. Preveno de riscos no controle da publicidade abusiva. Revista de Direito do Consumidor, v. 35. So Paulo: Revista dos Tribunais, jul.-set. de 2000, p. 126). 19 Celso Ribeiro Bastos apud MOMBERGER, Noem Friske. Op. cit., p. 49. 20 SILVA, Jos Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 31 ed. rev. e atual. So Paulo: Malheiros, 2008, p. 243. 21 MORAES, Paulo Valrio Dal Pai. Cdigo de defesa do consumidor: o princpio da vulnerabilidade no contrato, na publicidade, nas demais prticas comerciais. Porto Alegre: Editora Sntese, 1999, p. 269. 22 Pontue-se que o novo regramento do CDC no exclui o preexistente, sempre que haja compatibilidade com os princpios gerais que orientam o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, como bem esclarece Benjamin. (BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al. Op. cit., p. 325).

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    leis e dispositivos esparsos, se estruturou com o advento do diploma consumerista, o

    qual dedicou a Seo III do Captulo V ao enfrentamento do tema.

    Ao dispensar tratamento comunicao comercial, o legislador reconheceu que a

    relao de consumo no apenas a contratual, surgindo tambm por meio das tcnicas

    de estimulao do consumo, como a publicidade23. Neste nterim, restou evidenciado

    que a proteo do consumidor no se exaure no regramento das relaes contratuais,

    mas tem incio em momento anterior ao ato de compra. Da porque o Cdigo d

    especial ateno publicidade, regulamentando-a.

    Impende anotar que os dispositivos que regulamentam a publicidade no tm por

    objetivo bani-la, mas somente conter seus abusos para que os consumidores,

    considerados os entes vulnerveis nas relaes de consumo, no sejam prejudicados24.

    Assim, ressai clarividente que o regramento da publicidade no viola o direito de livre

    manifestao, mas apenas incide sobre o excesso no exerccio desse direito, em

    consonncia com o princpio da interveno do Estado nas relaes de consumo e,

    sobretudo, com a defesa do consumidor que, por sua vez, constitui postulado norteador

    da ordem econmica na qual a comunicao comercial se insere.

    Nesta senda, o Cdigo salvaguarda a universalidade dos destinatrios da publicidade

    dos produtos e servios em geral, elencando princpios, padres e reprimendas, entre

    os quais a condenao da oferta enganosa ou abusiva25. Sobre a regulamentao da

    publicidade instituda pelo Cdigo do Consumidor, Campos assinala:

    O CDC constitui o meio pelo qual o Estado intervm na sociedade visando

    regulamentar as relaes de consumo, cabendo a ele, por meio da criao de leis

    especficas e de fiscalizao de mercado, limitar os riscos e corrigir as deformaes

    daquilo que se considera nocivo em termos de publicidade, notadamente imputando

    responsabilidade s mensagens enganosas e abusivas, e submetendo seus responsveis

    s penalidades previstas.26

    Com vistas a regulamentar a publicidade e instituir uma proteo ao consumidor, o

    CDC, como antes indicado, adotou vrios princpios norteadores, dentre os quais,

    considerando o estudo aqui proposto, destacam-se o princpio da identificao da

    publicidade e o princpio da no-abusividade.

    O princpio da identificao da publicidade decorre do teor do art. 36, que dispe: A

    publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fcil e imediatamente, a

    identifique como tal. A mensagem comercial no pode ser mascarada, mas sim

    caracterizada, devendo ser de pronto identificada pelo destinatrio sem exigir grande

    conhecimento ou nvel intelectual. Sendo a mensagem persuasiva, deve ser

    identificada desde logo, possibilitando ao destinatrio que se previna e resista aos

    argumentos ou ceda, se quiser 27 . Cuida-se de postulado decorrente da boa-f

    23 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al. Op. cit., p. 326. 24 MOMBERGER, Noem Friske. Op. cit., p. 51. 25 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al., Op. cit., p. 359. 26 CAMPOS, Maria Luiza de Saboia. Publicidade: responsabilidade civil perante o consumidor. So Paulo: Cultural Paulista Editora, 1996, p. 213. 27 PASQUALOTTO, Adalberto. Op. cit., p. 84.

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 9

    objetiva, estabelecendo os deveres de lealdade e de transparncia.

    O princpio da no-abusividade, por sua vez, almeja reprimir desvios na mensagem

    publicitria que prejudiquem os consumidores28. Este postulado encontra-se previsto

    no art. 37, 2, do CDC, que veda a publicidade abusiva com intuito de proteger valores

    tidos como importantes para a sociedade de consumo. O legislador entendeu que a

    publicidade no pode se sobrepor aos valores sociais mais caros, quer dizer, a liberdade

    publicitria no pode ir de encontro com determinados imperativos de ordem pblica,

    que so superiores s intenes promocionais dos anunciantes29.

    luz desses princpios norteadores da comunicao comercial, o CDC, como cedio,

    instituiu a proibio da publicidade abusiva, elencando, inclusive, a proteo do

    consumidor em face dela como um direito bsico (art. 6, IV). E neste ponto que se

    observa um regramento mnimo que se aplica publicidade infantil em particular.

    O estatuto consumerista, em seu art. 37, 2, classificou como abusiva, dentre outras, a

    publicidade que se aproveite da deficincia de julgamento e experincia da criana.

    Trata-se de norma bastante genrica que buscou observar a prioridade na proteo

    integral criana, em consonncia com o disposto na Constituio da Repblica, no

    ECA e tambm com o teor do art. 36 da Conveno sobre os Direitos da Criana da

    ONU, o qual dispe que os Estados Partes protegero a criana contra todas as demais

    formas de explorao que sejam prejudiciais para qualquer aspecto de seu bem-estar.

    O Cdigo, num esforo enumerativo (porm, no exaustivo), mencionou expressamente

    a ateno especial que merecem as crianas contra abusos publicitrios.

    Ora, inegvel que os infantes, devido sua condio peculiar de pessoa em

    desenvolvimento, so bastante influenciveis e no possuem a mesma capacidade de

    um adulto para tomar decises e avaliar outros critrios subjetivos relativos

    publicidade30. Por consequncia, a eles deve ser dispensada proteo especial em

    vrios aspectos, inclusive na seara da comunicao comercial a elas dirigida. Constitui,

    pois, dever do Estado intervir na publicidade infantil, impondo limites na lei e

    estabelecendo um controle efetivo.

    Isso a fim de que seja concretizada tambm a proteo da criana contra qualquer

    contedo a elas nocivo, nos termos do previsto no art. 71 do ECA, que preceitua o

    respeito condio peculiar da pessoa em desenvolvimento, no que tange s

    informaes, produtos e servios dirigidos aos infantes. O legislador desse estatuto,

    apesar de no contemplar disposio especfica sobre a publicidade dirigida criana31,

    preocupou-se em proteger os infantes do contedo da programao, inclusive o

    publicitrio, inadequado e passvel de causar danos psicolgicos, tendo em vista a sua

    falta de maturidade.

    28BENJAMIN, Antnio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 199. 29 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al., Op. cit., p. 351. 30 MOMBERGER, Noem Friske. Op. cit., p. 64. 31 O ECA no contemplou o teor do art. 66 do j revogado Cdigo de Menores (Lei n. 6.697/1979), o qual classificava como infrao sujeita a pena o ato de Exibir, no todo ou em parte, filme, cena, pea, amostra ou congnere, bem como propaganda comercial de qualquer natureza, cujo limite de proibio esteja acima do fixado para os menores admitidos ao espetculo.

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 10

    Sendo assim, em uma interpretao sistemtica do disposto no art. 37, 2, do CDC e

    no art. 71 do ECA, tem-se que a publicidade infantil deve observar a idade do

    destinatrio e respeitar sua condio de hipervulnervel, sob pena de se revelar abusiva

    e incorrer nas sanes previstas no estatuto consumerista, sobretudo a

    contrapropaganda, ex vi do art. 56, XII, do CDC.

    Digno de meno tambm o disposto no art. 39, IV, do CDC. Tal norma prev a

    proteo dos infantes ao vedar ao fornecedor prevalecer-se da fraqueza ou ignorncia

    do consumidor, tendo em vista sua idade, sade, conhecimento ou condio social,

    para impingir-lhe seus produtos ou servios.

    No obstante o referido dispositivo esteja inserido na Seo IV, que trata de prticas

    abusivas, verifica-se que reafirma o mesmo mote da proibio abusividade na

    publicidade infantil. O fornecedor no pode valer-se de todos os meios, inclusive na

    seara da publicidade, para constranger os infantes ao ato de compra. Sua condio

    especial de pessoa em desenvolvimento e mesmo sua dignidade devem ser respeitadas,

    de sorte que a inteno promocional da empresa no se sobreponha

    hipervulnerabilidade dos infantes.

    Toda a lgica do sistema consumerista em termos de proteo criana frente

    publicidade se resume ao respeito de sua condio de hipervulnervel, a qual decorre

    de sua deficincia de julgamento, inexperincia, condio de pessoa em

    desenvolvimento, etc. O princpio geral da prioridade de proteo criana institudo

    na Carta Magna resta, pois, observado no Direito do Consumidor, em especial no

    campo da publicidade em que as crianas so mais vulnerveis no mercado, tendo em

    vista, sobretudo, o preceito contido no art. 37, 2, do CDC. O Cdigo, desta feita, se

    coaduna e se harmoniza com a legislao nacional e internacional de proteo

    infncia.

    No entanto, embora com o advento do CDC tenha-se dado enfoque especial no plano

    jurdico publicidade, afora os mencionados dispositivos da lei consumerista, no

    encontramos na legislao brasileira outras normativas especficas referentes

    publicidade infantil, cabendo, pois, ao julgador, no exame do caso concreto, avaliar e

    definir as situaes de abusividade direcionadas s crianas32, o que evidencia o

    sistema jurdico aberto baseado em clusulas gerais institudo pelo legislador no CDC.

    H, contudo, no mbito da autorregulamentao, regramento da matria, conforme

    ser demonstrado no item a seguir.

    3.4. O Cdigo Brasileiro de Autorregulamentao Publicitria e a

    Publicidade Infantil

    O Cdigo Brasileiro de Autorregulamentao Publicitria (CBARP) um cdigo de

    conduta tica dirigido aos anunciantes, o qual foi aprovado em 1978 por entidades

    representativas do mercado brasileiro publicitrio. Cuida-se de forma de expresso

    secundria do direito (fonte subsidiria) para defesa dos interesses dos consumidores

    em matria publicitria. Porm, por se tratar de uma regulamentao tica corporativa,

    32 DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhes. Publicidade e direito. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 184.

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 11

    desprovida de cogncia legal.

    Nesse sentido, Benjamin afirma que as regras da autorregulamentao no so

    normas jurdicas, faltando-lhes, por isso mesmo, a qualidade de generalidade,

    obrigando somente aos aderentes, isto , opera to-s no plano normativo interno33.

    O CBARP revela-se, pois, como mera gama de recomendaes para elaborao de

    mensagens publicitrias com o intuito de evitar abusos que prejudiquem os

    consumidores. Neste passo, o referido Cdigo cuida da publicidade abusiva e enganosa

    e cobe condutas julgadas inadequadas.

    O universo de normas do CBARP obedece uma sistemtica que se inicia com conceitos

    genricos e abstratos, chegando ao tratamento especfico da regulamentao da

    publicidade de diferentes categorias de produtos e servios, dando, em certo ponto,

    relevo s crianas.

    O diploma em comento dedicou a Seo 11 publicidade dirigida s crianas e aos

    jovens, partindo do pressuposto de que os esforos de pais, educadores, autoridades e

    da comunidade devem encontrar na publicidade fator coadjuvante na formao de

    cidados responsveis e consumidores conscientes.

    E, diante disso, estabelece que nenhum anncio dirigir apelo imperativo de consumo

    diretamente criana e que as mensagens comerciais devero refletir cuidados

    especiais em relao segurana e s boas maneiras, devendo abster-se das condutas

    abaixo elencadas:

    a. desmerecer valores sociais positivos, tais como, dentre outros, amizade,

    urbanidade, honestidade, justia, generosidade e respeito a pessoas, animais e ao meio

    ambiente;

    b. provocar deliberadamente qualquer tipo de discriminao, em particular

    daqueles que, por qualquer motivo, no sejam consumidores do produto;

    c. associar crianas e adolescentes a situaes incompatveis com sua condio,

    sejam elas ilegais, perigosas ou socialmente condenveis;

    d. impor a noo de que o consumo do produto proporcione superioridade ou, na

    sua falta, a inferioridade;

    e. provocar situaes de constrangimento aos pais ou responsveis, ou molestar

    terceiros, com o propsito de impingir o consumo;

    f. empregar crianas e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto,

    recomendao ou sugesto de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participao

    deles nas demonstraes pertinentes de servio ou produto;

    g. utilizar formato jornalstico, a fim de evitar que anncio seja confundido com

    notcia;

    33 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al. Op. cit., p. 313.

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 12

    h. apregoar que produto destinado ao consumo por crianas e adolescentes

    contenha caractersticas peculiares que, em verdade, so encontradas em todos os

    similares;

    i. utilizar situaes de presso psicolgica ou violncia que sejam capazes de

    infundir medo.

    Afora isso, prev que quando os produtos forem destinados ao consumo por crianas e

    adolescentes seus anncios devero guiar-se pelas seguintes diretrizes, litteris:

    a. procurar contribuir para o desenvolvimento positivo das relaes entre pais e

    filhos, alunos e professores, e demais relacionamentos que envolvam o pblico-alvo;

    b. respeitar a dignidade, ingenuidade, credulidade, inexperincia e o sentimento

    de lealdade do pblico-alvo;

    c. dar ateno especial s caractersticas psicolgicas do pblico-alvo, presumida

    sua menor capacidade de discernimento;

    d. obedecer a cuidados tais que evitem eventuais distores psicolgicas nos

    modelos publicitrios e no pblico-alvo;

    e. abster-se de estimular comportamentos socialmente condenveis.

    Rechaa-se, ainda, a ao de merchandising ou publicidade indireta contratada que

    empregue crianas, elementos do universo infantil ou outros artifcios com a deliberada

    finalidade de captar a ateno desse pblico especfico. Alm disso, prescreve que

    crianas e adolescentes no devero figurar como modelos publicitrios em anncio

    que promova o consumo de quaisquer bens e servios incompatveis com sua

    condio.

    Ao final, a Seo 11 dispe que o planejamento de mdia dos anncios de produtos

    dirigidos s crianas e adolescentes levar em conta que esses destinatrios tm sua

    ateno especialmente despertada para as mensagens comerciais, de modo que as

    mesmas refletiro as restries tcnica e eticamente recomendveis, e adotar-se- a

    interpretao mais restritiva para todas as normas dispostas no Cdigo.

    Verificam-se, ainda, disposies relativas publicidade infantil no Anexo H do Cdigo,

    o qual trata das mensagens comerciais de alimentos, refrigerantes, sucos e bebidas

    assemelhadas.

    De acordo com esse anexo, os anncios desses produtos, no que concerne aos infantes,

    devero, em sntese: a) abster-se de desmerecer o papel dos pais, educadores,

    autoridades e profissionais de sade quanto correta orientao sobre hbitos

    alimentares saudveis e outros cuidados com a sade; b) ao utilizar personagens do

    universo infantil ou apresentadores de programas dirigidos a este pblico-alvo, faz-lo

    apenas nos intervalos comerciais, evidenciando a distino entre a mensagem

    publicitria e o contedo editorial ou da programao; c) abster-se de utilizar crianas

    muito acima ou muito abaixo do peso normal, segundo os padres biomtricos

    comumente aceitos, evitando que elas e seus semelhantes possam vir a ser atingidos em

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 13

    sua dignidade; d) abster-se de qualquer estmulo imperativo de compra ou consumo,

    especialmente se apresentado por autoridade familiar, escolar, mdica, esportiva,

    cultural ou pblica, bem como por personagens que os interpretem, salvo em

    campanhas educativas, de cunho institucional, que promovam hbitos alimentares

    saudveis.

    O CBARP oferece, assim, importante contribuio com a classificao de publicidade de

    produtos e servios, dirigindo-lhes regras especficas em funo do pblico-alvo

    infantil, que est mais exposto s manipulaes34.

    Nesta senda, a regulamentao levada a efeito pelo CBARP, apesar de sucinta,

    estabelece diretrizes relevantes para a publicidade infantil, que, caso fossem realmente

    observadas, minimizariam o desrespeito hipervulnerabilidade dos infantes que pode

    ser observado atualmente. Sem embargo, repise-se que tais preceitos constituem meras

    recomendaes aos anunciantes, faltando-lhes o carter coercitivo e obrigatrio da lei.

    Aps apresentarmos todo o sistema existente de regulamentao da publicidade em

    relao aos infantes tanto na esfera privada quanto na pblica, teceremos a seguir

    alguns comentrios sobre o enfrentamento legal da matria no Pas.

    3.5. Comentrios e uma viso comparada da regulamentao legal da

    publicidade infantil no Brasil

    Embora tenhamos afirmado que o princpio da proteo integral criana encontra

    guarida no CDC (por meio do disposto no art. 37, 2), foroso reconhecer que a

    regulamentao legal da tutela dos infantes frente publicidade ainda se revela

    bastante genrica e imprecisa.

    O enunciado do referido artigo sucinto e no especifica com exatido como e quando

    a publicidade realmente se aproveita da deficincia de julgamento e experincia da

    criana. Isso talvez porque o objetivo do Cdigo seja mesmo traar linhas gerais sobre a

    regulamentao da publicidade, sem adentrar em questes mais especficas,

    constituindo um verdadeiro piso mnimo da tutela do consumidor35.

    De qualquer modo, o que se vislumbra uma ausncia de regramento complementar

    detido sobre o assunto no ordenamento jurdico ptrio. E isso, frise-se, pode prejudicar

    a efetividade da proibio legal constante do CDC, delegando completamente ao juiz

    (ou ao administrador) a tarefa de instituir os verdadeiros limites da publicidade infantil

    a partir da anlise casustica, o que, por sua vez, gera insegurana jurdica.

    Com efeito, muito se discute sobre a necessidade de uma normatizao legal especfica

    no que tange aos contornos da publicidade destinada aos infantes, havendo, inclusive,

    projetos de lei em trmite no Congresso Nacional nesse sentido, mas que se restringem,

    em sua maioria, ao tratamento da questo da publicidade de alimentos ricos em

    34 CAMPOS, Maria Luiza de Saboia. Op. cit., p. 239. 35 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al. Op. cit., p. 359.

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 14

    gordura, sal e acar36.

    em funo do reconhecimento da hipervulnerabilidade dos infantes que alguns

    parmetros especiais devem ser traados pela legislao. A regulamentao legal da

    publicidade dirigida s crianas, bastante especfica, trazendo baila limites claros aos

    publicitrios promover uma melhor efetivao da proteo integral da criana e do

    respeito de sua vulnerabilidade agravada.

    Destarte, defendemos que cabe ao Poder Legislativo instituir uma regulamentao

    setorial mais detalhada e restritiva com intuito de refrear os constantes desvios da

    publicidade dirigida aos infantes. Nesse orbe, estabelecer parmetros mais concretos

    para esse tipo de publicidade medida que se impe para que possamos fazer valer o

    princpio de proteo integral das crianas.

    Sublinhe-se que a norma genrica constante do art. 37, 2, do CDC no se revela

    suficiente para dirimir os abusos publicitrios contra as crianas, devendo o referido

    preceito ser complementado, suprindo-se a ausncia de um arcabouo legal protetivo

    que de fato permita a imposio de comandos mais restritivos.

    Isso porque, embora as regras constantes do CBARP sejam pertinentes e promovam

    maior detalhamento da questo, tem-se que a falta de coercitividade das mesmas acaba

    dando margem ao seu descumprimento. De fato, no h fora obrigatria nessas

    normas, que no so normas jurdicas. incontroverso que s a cogncia da norma

    jurdica intimida e vincula37.

    Ora, se a escolha do legislador brasileiro no sentido de no proibir a publicidade cujo

    pblico-alvo so as crianas posicionamento este que nos parece acertado -, urge a

    emisso de comandos legais pertinentes para, verdadeiramente, regular o setor nesse

    mbito e, por conseguinte, assegurar de forma mais detida a proteo dos infantes

    frente publicidade. Na trilha desse entendimento, Dias assinala:

    Com efeito, a regulamentao dos limites da publicidade dirigida s crianas menores

    de 12 anos parece, de fato, ser o melhor caminho, luz, inclusive da normativa

    estrangeira, em que, com exceo de dois pases e uma provncia (Sucia, Noruega e

    Quebec, respectivamente), a publicidade infantil permitida, observadas certas

    restries ao seu exerccio38.

    36 Dias elenca alguns projetos de lei nesse sentido, a saber, Projeto de Lei 6.080/2005 (restringe a publicidade de alimentos e bebidas obesognicos entre as 18h e 21h); Projeto de Lei 1.637/2007 (institui regras para a publicidade de alimentos com elevados teores de gordura saturada, acar, gordura trans e sdio, alm de bebidas com baixos valores nutricionais, restringindo sua publicidade ao horrio de 21h s 06h na televiso e na mdia eletrnica, sendo completamente vedada a sua transmisso durante a programao infantil); Projeto de Lei 1.755/2007 (probe a venda de refrigerantes em escolas de educao bsica); Projeto de Lei 6.848/2002 (trata da comercializao de guloseimas nas escolas de educao bsica, restringindo a venda de frituras, molhos industrializados e alimentos calricos) (DIAS, Lucia Ancona Lopes de Magalhes. Op. cit., p. 186-187). Digno de meno tambm o Projeto de Lei 5.921/2001, de autoria de Luiz Carlos Hauly do PSDB/PR, que acrescenta um pargrafo ao art. 37 do CDC, "proibindo a publicidade destinada venda de produtos infantis, assim considerados aqueles destinados apenas criana". 37 LOPES, Maria Elizabete Vilaa. O consumidor e a publicidade. Revista de Direito do Consumidor, v. 1. So Paulo: Revista dos Tribunais, jul.-set. de 1994, p. 153. 38 DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhes. Op. cit., p.190.

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 15

    Por mais que se argumente que a edio de uma lei especial para tratar da publicidade

    infantil talvez no acarrete transformaes significativas, inegvel que a elaborao de

    normas que estabeleam limites claros e especficos, levando em considerao a

    condio especial de pessoa em desenvolvimento da criana, certamente incrementar

    a tutela dessa categoria to vulnervel aos apelos comerciais. Isso mormente tendo em

    vista a obrigatoriedade de sua observncia pelos agentes do setor.

    Assim, parece-nos que a melhor soluo para enfrentar a problemtica da tutela dos

    infantes frente publicidade a normatizao legal especial da matria.

    Na esteira desse entendimento, valendo-se do regramento vigente no Reino Unido para

    a publicidade veiculada na televiso e no rdio (The UK Code of Broadcast

    Advertising), seguem alguns contornos e restries mais duras de contedo e horrio

    da publicidade dirigida s crianas que podem constar de eventual regulamentao

    legal brasileira.

    Cumpre observar, de incio, que no Reino Unido, a Ofcom39 (Independent regulator

    and competition authority for the UK communication industries) que tem o dever legal

    de manter os padres para a publicidade na televiso e rdio. Contudo, consoante o

    Communications Act 2003 (decreto do parlamento que delimita as competncias da

    Ofcom), a entidade pode buscar formas alternativas de regulao. Com fulcro nessa

    previso legal, em 2004, a instituio estabeleceu uma parceria com a ASA

    (Advertising Standards Authority) para a co-regulao do setor40.

    Um dos comits da ASA responsvel por elaborar e manter o UK Code of Broadcast

    Advertising, sendo que, em caso de alteraes mais relevantes do Cdigo, a Ofcom

    pode intervir. Sendo assim, a ASA regula a publicidade no rdio e na televiso sob a

    gide do contrato firmado com a Ofcom. Esse sistema tem sido descrito como uma

    autorregulamentao dentro de uma estrutura de co-regulao41.

    Feitos esses esclarecimentos, verifica-se que o UK Code of Broadcast Advertising no

    tem carter legal stricto sensu, havendo, contudo, todo um sistema de sanes aos

    agentes do mercado em caso de descumprimento. Apesar de se tratar de cdigo

    elaborado e administrado mormente pela iniciativa privada, as normas contidas nesse

    39 A Ofcom atua sob a gide do Communications Act 2003, que determina que a entidade deve promover os interesses dos cidados e dos consumidores. A Ofcom, que financiada pelas taxas impostas ao setor de comunicaes (alm de contar com ajuda financeira por parte do governo) e presta contas ao Parlamento, institui as regras tcnicas da regulamentao, implementando e aplicando a lei. (Disponvel em: www.ofcom.org.uk. Acesso em 24 out. 2013). 40 No original: There is a statutory duty placed on Ofcom to maintain standards in broadcast advertising. However, better regulation principles that were included in the Communications Act 2003 placed a duty upon Ofcom to pursue alternative forms of regulation where practical. Ofcom took advantage of this provision and established a co-regulatory partnership with the ASA in 2004. (Disponvel em: http://www.asa.org.uk/About-ASA/About-regulation/Co-regulation-of-broadcast-advertising.aspx. Acesso em 24 out. 2013). 41 No original: In practice, this means that the ASA system is responsible on a day-to-day basis for broadcast advertising content standards. The Broadcast Committee of Advertising Practice (BCAP) is responsible for writing and maintaining the UK Code of Broadcast Advertising, but Ofcom retains overall sign-off on major changes to the Code. The ASA is responsible for administering the Code, but is able to refer broadcasters to Ofcom for further action, if needed. This is extremely rare. The system has been described as self-regulation within a co-regulatory framework. (Disponvel em: http://www.asa.org.uk/About-ASA/About-regulation/Co-regulation-of-broadcast-advertising.aspx. Acesso em 24 out. 2013).

    http://www.ofcom.org.uk/http://www.asa.org.uk/About-ASA/About-regulation/Co-regulation-of-broadcast-advertising.aspxhttp://www.asa.org.uk/About-ASA/About-regulation/Co-regulation-of-broadcast-advertising.aspx

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 16

    regramento se revelam bastante precisas e pertinentes, podendo sim ser reproduzidas

    no caso de elaborao de lei especial no Brasil.

    O Cdigo em comento trata da proteo das crianas (com at 16 anos) frente

    publicidade na Seo 5, alicerando-se no princpio de que elas devem ser protegidas de

    mensagens publicitrias que possam causar dano fsico, psquico ou moral, e institui as

    seguintes regras, litteris:

    Rules

    5.1 Advertisements that are suitable for older children but could

    distress younger children must be sensitively scheduled (see Section

    32: Scheduling).

    5.2 Advertisements must not condone, encourage or unreasonably

    feature behavior that could be dangerous for children to emulate.

    Advertisements must not implicitly or explicitly discredit established

    safety guidelines. Advertisements must not condone, encourage or

    feature children going off alone or with strangers.

    This rule is not intended to prevent advertisements that inform

    children about dangers or risks associated with potentially harmful

    behavior.

    5.3 Advertisements must not condone or encourage practices that are

    detrimental to childrens health.

    5.4 Advertisements must not condone or encourage bullying.

    5.5 Advertisements must not portray or represent children in a sexual

    way.

    5.6 Advertisements must not imply that children are likely to be

    ridiculed, inferior to others, less popular, disloyal or have let someone

    down if they or their family do not use a product or service.

    5.7 Advertisements must not take advantage of childrens

    inexperience, credulity or sense of loyalty. Advertisements for

    products or services of interest to children must not be likely to

    mislead; for example, by exaggerating the features of a product or

    service in a way that could lead to children having unrealistic

    expectations of that product or service.

    5.8 Child actors may feature in advertisements but care must be taken

    to ensure that those advertisements neither mislead nor exploit

    childrens inexperience, credulity or sense of loyalty.

    5.9 Advertisements must neither directly exhort children to buy a

    product or service nor encourage them to ask their parents, guardians

    or other persons to buy or enquire about a product or service for

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 17

    them.

    5.10 Advertisements that promote a product or service and invite

    consumers to buy that product or service via a direct response

    mechanism must not be targeted directly at children. For a definition

    of direct response mechanism, see Section 8: Distance Selling.

    5.11 If it includes a price, an advertisement for a childrens product or

    service must not use qualifiers such as only or just to make the

    price seem less expensive.

    5.12 Television only Advertisements for a toy, game or comparable

    childrens product must include a statement of its price or, if it is not

    possible to include a precise price, an approximate price, if that

    product costs 30 or more.

    5.13 Advertisements for promotions targeted directly at children:

    5.13.1 must include all significant qualifying conditions

    5.13.2 must make clear if adult permission is required for children to

    enter.

    Advertisements for competitions targeted directly at children are

    acceptable only if the skill required is relevant to the age of likely

    participants and if the values of the prizes and the chances of winning

    are not exaggerated.

    5.14 Promotions that require a purchase to participate and include a

    direct exhortation to make a purchase must not be targeted directly at

    children.42

    42 Regras 5.1 Mensagens publicitrias que sejam adequadas para crianas mais velhas, mas que possam afligir crianas mais novas devem ter sua exibio sensivelmente programada (veja Seo 32: Programao). 5.2 Mensagens publicitrias no devem admitir, encorajar ou exibir de forma insensata comportamento que poderia ser perigoso para as crianas imitarem. A publicidade no deve implicitamente ou explicitamente desacreditar as diretrizes de segurana estabelecidas. Comerciais no devem admitir, encorajar ou apresentar crianas saindo sozinhas ou com estranhos. Essa regra no pretende impedir publicidade que informa as crianas sobre os perigos ou riscos associados com comportamentos potencialmente lesivos. 5.3 Mensagens publicitrias no devem admitir ou encorajar prticas que so prejudiciais para a sade das crianas. 5.4 Comerciais no devem admitir ou encorajar o bullying. 5.5 Publicidade no deve retratar ou apresentar crianas com conotao sexual. 5.6 Mensagens publicitrias no devem insinuar que as crianas possivelmente sero ridicularizadas, tidas como inferiores, menos populares, desleais ou que tero decepcionado algum caso elas ou suas famlias no usem o produto ou servio. 5.7 Comerciais no devem se aproveitar da inexperincia, credulidade e senso de lealdade das crianas. Publicidade de produtos ou servios de interesse das crianas no devem induzir a erro; por exemplo, por meio do exagero nas caractersticas do produto ou servio, dando azo a expectativas irreais pelas crianas. 5.8 Atores mirins podem figurar em comerciais, mas devem ser tomadas precaues para assegurar que estas mensagens publicitrias no enganem ou explorem a inexperincia, credulidade ou senso de lealdade das crianas. 5.9 Comerciais no devem incitar diretamente as crianas a comprar um produto ou servio nem encoraj-las a pedir que seus pais, responsveis ou outras pessoas comprem ou se informem sobre o produto ou servio para elas. 5.10 Mensagens publicitrias que promovem um produto ou servio e estimulam os consumidores a compr-lo por meio de um mecanismo de resposta direta no devem ser destinados diretamente s crianas. Para definio de mecanismo direto de resposta, veja Seo 8: Venda distncia. 5.11 Caso o anncio de um produto ou servio infantil inclua o preo, no devem ser usadas expresses como apenas ou somente

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 18

    Do regramento supra, destacam-se a proibio de anncios que encorajam

    comportamentos perigosos ou contrrios sade da criana e daqueles que incentivam

    o bullying e apresentam os infantes com conotao sexual. Merece destaque, ademais,

    o fato de que as mensagens publicitrias, alm de no poderem se aproveitar da falta de

    experincia, credulidade e senso de lealdade das crianas, quando apresentarem

    produtos e servios destinados aos infantes no podem dar margem ao engano (a

    exemplo do exagero nas caractersticas do produto ou servio, de maneira a dar azo a

    expectativas irreais pelas crianas).

    Interessante, tambm, a disposio que probe a utilizao das expresses como

    apenas ou somente em anncios de produtos ou servios destinados s crianas,

    com o escopo de fazer com que o preo parea mais baixo. Outrossim, bem pertinente a

    regra segundo a qual os comerciais de brinquedos, jogos ou outros produtos

    assemelhados dirigidos aos infantes devem indicar o preo do bem anunciado ou, caso

    no seja possvel indicar um valor preciso, um preo aproximado, se o produto custar

    30 libras ou mais.

    Como se observa, trata-se de regulamentao bastante abrangente e protetiva, que

    assegura o respeito condio de hipervulnerabilidade das crianas frente

    publicidade de forma mais precisa, contando at com exemplos. Essas normas so

    ainda completadas pelo disposto na Seo 32 do Cdigo.

    Alm do regramento protetivo inscrito na Seo 5, nos termos acima analisados, o

    Cdigo do Reino Unido traz, na Seo 32, uma srie de restries concernentes aos

    horrios de exibio dos comerciais com vistas a minimizar o risco de exposio dos

    infantes. A proteo das crianas na seara da publicidade abarca, assim, regras que

    restringem os horrios de transmisso de mensagens publicitrias susceptveis de

    assustar ou afligir os infantes ou que sejam imprprias para eles (item 32.3).

    Nessa Seo ressalta-se a regra que probe a exibio de comerciais de loterias, jogos de

    azar, jogos de computador ou videogame com indicao para maiores de 15 anos,

    remdios, vitaminas, dentre outros, durante ou de forma adjacente (leia-se:

    imediatamente antes ou depois) aos programas direcionados a pessoas com menos de

    16 anos ou que possam interessar particularmente esse grupo (item 32.4). Na mesma

    proibio incidem os anncios de alimentos ou bebidas que contm grande quantidade

    de gordura, sal ou acar, assim classificados pela tabela da Food Standards Agency

    (item 32.5.1).

    Digna de meno tambm a vedao de publicidade de produtos sanitrios e

    para fazer com que o preo parea mais baixo. 5.12 Apenas para televiso Comerciais de brinquedo, jogo ou outro produto assemelhado dirigido aos infantes devem indicar o preo do bem anunciado ou, caso no seja possvel indicar um valor preciso, um preo aproximado, se o produto custar 30 ou mais. 5.13 Mensagens publicitrias de promoes destinadas diretamente s crianas: 5.13.1 devem conter todas as condies necessrias relevantes para participao. 5.13.2 devem deixar claro se necessria permisso de um adulto para que as crianas participem. Comerciais de competies direcionadas especialmente s crianas so aceitveis apenas nos casos em que a habilidade requerida seja relevante para a idade dos possveis participantes e caso os valores dos prmios e as chances de ganhar no sejam exageradas. 5.14 Promoes que requerem uma compra para participao e que incluam uma exortao direta para a compra no devem ser direcionadas diretamente s crianas. (traduo livre) Disponvel em: http://www.cap.org.uk/Advertising-Codes/~/media/Files/CAP/Codes%20BCAP%20pdf/BCAP%20 Section%205.ashx. Acesso em 24 out. 2013.

    http://www.cap.org.uk/Advertising-Codes/~/media/Files/CAP/Codes%20BCAP%20pdf/BCAP%20%20Section%205.ashxhttp://www.cap.org.uk/Advertising-Codes/~/media/Files/CAP/Codes%20BCAP%20pdf/BCAP%20%20Section%205.ashx

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 19

    preservativos durante ou de forma adjacente aos programas direcionados aos menores

    de 10 anos ou que possam interessar particularmente esse grupo (item 32.6). Ademais,

    comerciais em que crianas so exibidas tomando remdio, vitaminas ou outros

    suplementos alimentares no podem ser veiculados antes das 21 horas (item 32.7).

    O regramento probe, outrossim, a publicidade de produtos relacionados

    programao infantil nas duas horas antes e nas duas horas depois do programa, de

    modo a evitar o apelo excessivo ao seu consumo pelos infantes, sendo permitida, ainda,

    a majorao desse intervalo de proibio do comercial em casos especficos e at

    mesmo a total vedao de quaisquer mensagens publicitrias enquanto o programa

    estiver no ar (item 32.8).

    Afora isso, o Cdigo, na Seo 32, restringe a difuso para somente aps as 21 horas de

    comerciais em que pessoas (incluindo fantoches), que aparecem regularmente e

    qualquer programa infantil num canal de televiso no Reino Unido, apresentam ou

    incentivam o uso de produtos de interesse especial das crianas (item 32.9). E, ainda,

    os comerciais com apario de pessoas que participam de um programa infantil no

    podem ser exibidos nas duas horas anteriores e posteriores a um episdio ou edio do

    respectivo programa (item 32.11).

    Por fim, constata-se uma especial preocupao com a identificao da mensagem

    publicitria pelas crianas. Neste passo, a veiculao de anncios, em que figura uma

    personalidade conhecida ou algum que dirige ou cuja participao seja central num

    programa infantil, proibida para os intervalos ou de forma adjacente ao respectivo

    programa (item 32.10).

    Vislumbra-se, pois, que vige no Reino Unido uma regulamentao bastante completa e

    detalhada, com limitaes claras de contedo e horrio de exibio de anncios

    dirigidos s crianas e das mensagens comerciais que possam de alguma forma lhes ser

    nociva.

    A elaborao de normatizao legal brasileira especfica nestes moldes consistiria em

    um grande avano, h muito aguardado. Isso porque, considerando o carter

    persuasivo da publicidade e seus efeitos no pblico infantil, facilmente se percebe que a

    legislao atualmente em vigor no logra xito na proteo dos infantes frente

    publicidade.

    Mister se faz que a lei regulamente com profundidade e de forma restritiva a

    publicidade em relao s crianas, impondo limites aos comerciais durante a

    programao infantil, exigindo divises claras que ajudem as crianas a discernir

    quando um programa termina e quando comea a publicidade, e at mesmo

    estabelecendo restries de horrios para exibio de determinados comerciais43.

    A adoo de uma lei especial nesse sentido - cuja inobservncia acarrete sanes de

    natureza jurdica -, aliada a uma poltica pblica de educao para o consumo voltada

    ao pblico infantil, figuraria como um importante passo para efetivao, no mbito do

    43 Nesse sentido, o posicionamento de Dias, que afirma que certos limites de horrio e contedo de sua veiculao, quando direcionada s crianas, pessoas ainda em desenvolvimento, podem se justificar (DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhes. Op. cit., p. 190).

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 20

    direito do consumo, do princpio da proteo integral das crianas, consagrado na

    Constituio.

    Entretanto, na ausncia de legislao especfica e sistematizada regulamentando a

    publicidade em consonncia com o pblico-alvo da mensagem, no caso, as crianas,

    arrazoado dizer que vigem as regras contidas no CBARP, as quais, como fontes

    subsidirias, podem ser aplicadas pelos magistrados no intuito de robustecer a

    proteo das crianas frente publicidade ilcita44-45.

    4. Estrutura do controle da publicidade infantil no Brasil

    To relevante quanto a existncia de um regramento adequado e completo da

    publicidade em relao s crianas tambm a implementao de um controle efetivo,

    que de fato consiga punir os fraudadores da lei, a fim de, em ltima anlise, mitigar a

    ocorrncia de publicidade ilcita nociva aos infantes.

    O controle da publicidade no Pas, por se adotar o sistema misto, conta com uma

    estrutura composta por rgos autorregulamentares e pblicos, aos quais compete

    fiscalizar e impingir punies aos responsveis pela veiculao das mensagens

    publicitrias contrrias aos parmetros vigentes. Verifica-se, portanto, a existncia de

    uma estrutura privada de controle e de uma estrutura pblica de controle da

    publicidade.

    Vejamos, pois, de forma sinttica, como a concretizao da regulamentao legal e

    corporativa tem sido levada a efeito, tanto a nvel privado como a nvel pblico, sob o

    prisma da efetividade da proteo dos infantes frente publicidade.

    4.1. O controle estatal da publicidade infantil

    O controle da publicidade pelo Estado se faz essencial, pois somente o poder pblico

    possui os meios necessrios a compelir o particular a cumprir suas obrigaes quando

    da realizao de um ato publicitrio. Para tanto, vrios rgos com funes distintas

    compem a estrutura pblica de controle da publicidade.

    Martinez46, em trabalho sobre o tema, elenca as associaes de consumidores, os

    Procons e o Ministrio Pblico como os rgos componentes desse sistema.

    As associaes de consumidores, no obstante possuam natureza jurdica de direito

    44 Nesse sentido, o art. 16 do CBARP prev: Embora concebido essencialmente como instrumento de autodisciplina da atividade publicitria, este Cdigo tambm destinado ao uso das autoridades e Tribunais como documento de referncia e fonte subsidiria no contexto da legislao da propaganda e de outras leis, decretos, portarias, normas ou instrues que direta ou indiretamente afetem ou sejam afetadas pelo anncio. 45 Na trilha desse entendimento, Campos chega a afirmar que as normas contidas no CBARP devem ser reconhecidas como forma legtima de direito, sendo imperativa sua aplicao pelos juzes (CAMPOS, Maria Luiza de Saboia. Op. cit., p. 243). Em sentido contrrio, Benjamin anota que nenhum relevncia externa conferida s regras de autorregulamentao (BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al. Op. cit., p. 313). 46 MARTINEZ, Srgio Rodrigo. Estrutura orgnica do controle da publicidade de consumo no Brasil. Revista de Direito do Consumidor, v. 42. So Paulo: Revista dos Tribunais abr.-jun. de 2002.

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 21

    privado, atuam de maneira complementar ao sistema pblico de controle da

    publicidade. Sua atuao se resume a examinar o contedo das mensagens comerciais e

    orientar os consumidores acerca de seus direitos, alm de ter legitimidade para propor

    aes coletivas e ser a elas facultado encaminhar denncias aos rgos de defesa do

    consumidor. Sua importncia resta evidenciada na previso do CDC de concesso pelo

    poder pblico de estmulos sua criao e ao seu desenvolvimento (art. 5, V).

    Os Procons, por seu turno, so rgos de natureza jurdica de direito pblico,

    pertencentes administrao direta dos Estados ou dos Municpios, que atuam em

    defesa dos interesses dos consumidores.

    Desempenham papel especial na seara da publicidade ilegal, figurando como

    autoridade pblica competente para aplicar sanes administrativas quando cabvel -

    estando, contudo, desprovidos de competncia para suspender a veiculao de

    publicidade ilegal, cabendo essa tarefa ao Poder Judicirio -, alm de propor aes

    coletivas e atuar, por meio, principalmente, de procedimento conciliatrio frente a

    reclamaes individuais dos consumidores pretensamente lesados.

    Os Procons atuam, ademais, no mbito preventivo, ao conscientizar os consumidores

    quanto a seus direitos bsicos, sobre as formas ilcitas de publicidade, bem como acerca

    dos mecanismos de tutela. Concretizam, nesse passo, a educao para o consumo,

    princpio constante do art. 4, IV, do CDC.

    Outrossim, o Ministrio Pblico, como fiscal da lei e defensor da cidadania, exerce

    atribuies de suma relevncia para o controle pblico da publicidade. O Parquet tem

    legitimidade para pleitear em juzo em nome da coletividade em face da ocorrncia

    lesiva da publicidade, alm de poder instaurar inquritos civis.

    O inqurito civil um procedimento administrativo de carter inquisitorial e

    informativo que permite a verificao da existncia de ilicitude na publicidade. Ao

    instaurar um inqurito civil, o Ministrio Pblico, por um lado, evita por vezes a

    propositura de medida judicial, j que este instrumento objetiva a composio

    extrajudicial dos conflitos e, por outro lado, procede colheita de provas e demais

    elementos de convico que fundamentam a eventual ao civil pblica na defesa dos

    interesses da coletividade de consumidores47.

    A ao civil pblica, como medida subsidiria (utilizada em caso de esgotamento das

    formas conciliadoras de resoluo do conflito), constitui um instrumento fundamental

    para o controle das mensagens publicitrias, inclusive daquelas dirigidas s crianas.

    Cuida-se de procedimento judicial que, nos termos da atual redao do art. 5 da Lei

    n. 7.347/1985, poder ser ajuizado no s pelo Ministrio Pblico, mas tambm pelas

    associaes de proteo aos consumidores, desde que estejam constitudas h pelo

    menos um ano, pelos Procons (visto que integram a administrao direta), como

    tambm pela Defensoria Pblica.

    A referida ao revela-se como medida eficaz para a tutela dos consumidores-criana,

    uma vez que possibilita a suspenso e a cessao da difuso de uma publicidade

    47 MARTINEZ, Srgio Rodrigo. Op. cit., p. 218.

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 22

    patolgica considerada abusiva por, de algum modo, se aproveitar da deficincia de

    julgamento e experincia dos infantes, alm de permitir a imposio da

    contrapropaganda, nos termos do art. 56, XII, do CDC, bem como a responsabilizao

    dos responsveis pelo anncio em virtude dos danos morais e patrimoniais causados,

    em consonncia com o art. 6, VI, do CDC48.

    Diante disso, ressai induvidosa a importncia da utilizao desse instrumento pelos

    legitimados ativos a fim de que seja realizado um controle exitoso da publicidade

    infantil ilcita.

    Por fim, afora os rgos citados por Martinez, cumpre destacar a atuao da Defensoria

    Pblica na seara do controle da publicidade. Trata-se de rgo de Estado cuja

    finalidade precpua consiste em prestar assistncia jurdica aos necessitados, na forma

    do art. 5, LXXIV, da Constituio.

    No desempenho deste mister, incumbe Defensoria Pblica a defesa dos consumidores

    necessitados, orientando-lhes e representando-os em juzo, dispondo inclusive, com o

    advento da Lei n. 11.448 de 15 de janeiro de 200749, de legitimidade ativa para a

    propositura de ao civil pblica.

    Diante do breve panorama aqui apresentado, verifica-se que, como pontua Carvalho, o

    controle da publicidade exercido pelos rgos pblicos possibilitou uma atuao mais

    direta e efetiva no combate s prticas lesivas aos direitos dos consumidores 50 ,

    inclusive das crianas.

    4.2. O controle privado da publicidade infantil

    O controle da publicidade ilcita no Brasil, alm de ser realizado no mbito pblico,

    contando com a atuao dos rgos acima citados, igualmente feito na seara privada

    pelo Conselho Nacional de Autorregulamentao Publicitria.

    O CONAR, a quem incumbe a autorregulamentao da publicidade, uma sociedade

    civil sem fins lucrativos, com sede em So Paulo, criada em 5 de maio de 1980 e

    constituda, nos termos do art. 8 de seu Estatuto Social, por entidades representativas

    das agncias de publicidade, dos veculos de comunicao e dos anunciantes e,

    isoladamente, por agncias de publicidade, veculos de comunicao, anunciantes,

    fornecedores da indstria de propaganda, e ainda por entidades privadas dotadas de

    personalidade jurdica e que objetivem a defesa do consumidor.

    Essa entidade privada representativa de empresas que compe o setor publicitrio e de

    comunicao tem por escopo principal a aplicao e a fiscalizao do cumprimento dos

    limites ticos da publicidade, nos termos do Cdigo Brasileiro de Autorregulamentao

    48 Art. 6 So direitos bsicos do consumidor: (...) VI - a efetiva preveno e reparao de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. 49 A Lei n. 11.448/2007 alterou a redao da Lei n. 7.347/1985 para fazer constar no rol dos legitimados para propositura da ao civil pblica a Defensoria Pblica (art. 5, II). 50CARVALHO, Jos Carlos Maldonado de. Direito do Consumidor: fundamentos doutrinrios e viso jurisprudencial. 4 ed. rev. e amp. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 140.

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 23

    Publicitria. Nesse sentido, vejamos o teor do art. 5 do Estatuto Social, que trata das

    finalidades da instituio:

    Artigo 5. So finalidades do CONAR:

    I. Zelar pela comunicao comercial, sob todas as formas de propaganda, fazendo

    observar as normas do Cdigo Brasileiro de Autorregulamentao Publicitria, que

    prevalecero sobre quaisquer outras.

    II. Funcionar como rgo judicante nos litgios ticos que tenham por objeto a

    indstria da propaganda ou questes a ela relativas.

    III. Oferecer assessoria tcnica sobre tica publicitria aos seus associados, aos

    consumidores em geral e s autoridades pblicas, sempre que solicitada.

    IV. Divulgar os princpios e normas do Cdigo Brasileiro de Autorregulamentao

    Publicitria, visando a esclarecer a opinio pblica sobre a sua atuao

    regulamentadora de normas ticas aplicveis publicidade comercial, assim entendida

    como toda a atividade destinada a estimular o consumo de bens e servios, bem como

    promover instituies, conceitos e ideias.

    V. Atuar como instrumento de concrdia entre veculos de comunicao e anunciantes,

    e salvaguarda de seus interesses legtimos e dos consumidores.

    VI. Promover a liberdade de expresso publicitria e a defesa das prerrogativas

    constitucionais da propaganda comercial.

    Do trecho suso transcrito, infere-se que a atuao do CONAR se d mormente no

    sentido de promover e controlar a aplicao do seu Cdigo de tica, inclusive no que

    concerne s disposies relativas publicidade infantil, as quais foram apresentadas

    em linhas pretritas.

    O regramento constante do Cdigo de Autorregulamentao, apesar de sucinto e

    genrico, como vimos, traz a lume importantes diretrizes para a publicidade dirigida s

    crianas, que, caso estritamente observadas pelos agentes do meio publicitrio, dariam

    azo a importante avano prtico na proteo das crianas consumidoras.

    Ocorre que a submisso das mensagens publicitrias ao CONAR e a eficcia de suas

    decises (que aplicam o CBARP) tem por espeque o fato de que a ele so associados

    todos os setores econmicos envolvidos com a atividade publicitria. Desta sorte, a

    observncia das deliberaes decorre de vnculo obrigacional, como pontua Miragem.51

    Nesse sentido, a exigibilidade e eventual descumprimento das decises do conselho

    resolvem-se como inadimplemento, ao contrrio da cogncia e autoridade da deciso

    estatal52.

    Assim sendo, as decises do CONAR, que impem as punies de advertncia,

    recomendao de alterao ou correo do anncio, recomendao de sustao da

    51 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 3 ed. rev. atual. e amp. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 226. 52 Idem, p. 226.

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 24

    veiculao do anncio so de cumprimento espontneo53, estando desprovidas de efeito

    vinculativo ou fora cogente. Nesta linha, Pasqualotto explica que os estatutos da

    entidade no lhe outorgam nenhum poder coativo e, de qualquer modo, esse poder

    sempre seria limitado, por se tratar de sociedade privada54-55.

    Destarte, o CONAR, por deter apenas o poder tico de retirar de circulao a

    publicidade enganosa ou abusiva, carece de autoridade para impor suas decises aos

    anunciantes e aos veculos de comunicao. Isso, repise-se, porque os atos dessa

    entidade se revelam apenas como recomendaes, pareceres, opinies, sem qualquer

    coercitividade. De modo que o controle privado da tica publicitria realizado pelo

    CONAR no se confunde com o controle jurdico que emerge de normas de proteo do

    consumidor com fora de lei, em que o interesse pblico se pe em questo.

    Diante disso, de fcil constatao o fato de que o controle privado da publicidade no

    Brasil no suficiente para coibir as desconformidades das mensagens comerciais56.

    A concretizao da autodisciplina como fenmeno especfico do regime corporativo

    apresenta ainda mais um problema. Referimo-nos ausncia de um controle prvio das

    mensagens publicitrias, subsistindo somente um controle posterior de cunho tico das

    publicidades j veiculadas.

    Esse exame tico a posteriori das mensagens publicitrias em que haja suspeita de

    abusividade pode se revelar ineficaz, visto que o dano j pode ter sido perpetrado na

    coletividade das crianas que foram expostas ao anncio.

    Isso posto, entendemos que seria bastante adequado e efetivo um controle anterior

    realizado pelo CONAR, com vistas a mitigar o grande volume de publicidades

    inadequadas ao pblico infantil que acabam sendo difundidas.

    Neste ponto, cumpre ressaltar que o papel de promover a proteo prioritria e integral

    das crianas, a qual foi instituda pela Constituio da Repblica, incumbe no s ao

    Estado e famlia, mas toda sociedade, nela includa os anunciantes e todos os outros

    integrantes do setor de comunicao comercial.

    Assim, como antes declinado, nos termos do art. 227, da Lei Maior, compete ao Estado,

    famlia e sociedade, conjuntamente, a consecuo dessa tarefa de proteger as

    crianas em todos os aspectos, inclusive frente publicidade, a fim de que lhes seja

    assegurado um desenvolvimento pleno e harmonioso, com respeito e dignidade.

    Neste diapaso, justifica-se plenamente a defesa de um controle mais severo e prvio da

    publicidade pelo CONAR, j que cabe tambm a essa entidade, como participante da

    sociedade, envidar todos os esforos para a atenuao de possveis interferncias no

    bem-estar dos infantes em razo da publicidade antitica.

    53 PASQUALOTTO, Adalberto. Op. cit., p. 68. 54 Idem, p. 68. 55 Por outro lado, Campos entende que, tendo em vista que as decises do Tribunal de tica do CONAR so prontamente atendidas pelos veculos de comunicao, h eficcia no cumprimento de suas recomendaes, o que, segundo ela, confere atuao do Conselho fora coercitiva, advinda do costume e do uso inveterado. (CAMPOS, Maria Luiza de Saboia. Op. cit., p. 241). 56 CHAISE, Valria Falco. Op. cit., p. 27.

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 25

    Nesta linha, traz-se baila novamente a experincia estrangeira, a fim de servir-nos de

    inspirao para uma melhor efetivao da proteo das crianas frente publicidade.

    No Reino Unido, alm de existir um controle posterior das mensagens publicitrias, h

    um controle prvio (pre-clearance) da publicidade veiculada no rdio e na televiso57.

    Os anunciantes nos pases do Reino Unido devem tomar medidas a fim de assegurar

    que as publicidades que sero veiculadas so compatveis com o UK Code of Broadcast

    Advertising. Para ajud-los, o setor de comunicao comercial fundou e financia dois

    centros de controle prvio, o Clearcast para comerciais televisivos e The Radio

    Advertising Clearance Centre para os anncios veiculados nas rdios58.

    A observncia das normas autorregulamentares tratada com tamanha seriedade que,

    em se tratando de televiso e rdio - veculos de comunicao aos quais esto expostos

    a massa de consumidores -, a vasta maioria das mensagens publicitrias submetida a

    um controle prvio.

    Outrossim, em Portugal e na Espanha, o Instituto Civil de Autodisciplina da

    Comunicao Comercial (ICAP) e a Asociacin para la Autorregulacin de la

    Comunicacin Comercial (AUTOCONTROL), respectivamente, apresentam a

    possibilidade de um controle a priori bem semelhante ao ingls.

    Cuida-se de servio de aconselhamento jurdico confidencial gratuito para todos os

    associados e sujeito custo para os no-associados, prestado pelo Gabinete Tcnico-

    Jurdico, num prazo exguo, e que permite a correo tico-legal do projeto de anncio

    antes de sua difuso. Aps a apreciao jurdica, cabe ao responsvel a difuso ou no

    da mensagem, de sorte que o parecer prvio (Copy Advice) emitido no possui carter

    vinculativo59.

    Esse sistema complementar tem como escopo reduzir o risco de descumprimento das

    normas de regulao da publicidade e, apesar da ausncia de carter vinculativo, tem se

    mostrado extremamente til. Nesta linha, Castallo assinala que essa ferramenta tem

    prevenido infraes e melhorado o conhecimento dos limites legais da publicidade por

    parte da indstria publicitria, o que tem se traduzido em um aumento significativo do

    nmero de anncios que obtm um parecer positivo60.

    O autor aduz, ainda, que na Espanha, no mbito da publicidade televisiva, tem se

    envidado grandes esforos para a proteo das crianas, sendo que, em 2010, a

    AUTOCONTROL revisou previamente, por solicitao dos anunciantes e agncias,

    cerca de 90% da publicidade televisiva dirigida infncia61.

    57 Ademais, com relao a todas as mensagens publicitrias, incluindo as no veiculadas no rdio e TV, os Advertising Codes determinam que devam ser fundamentadas antes se serem veiculadas. (Disponvel em: http://www.asa.org.uk/About-ASA/About-regulation.aspx. Acesso em 26 out. 2013). 58 Disponvel em: http://www.asa.org.uk/About-ASA/About-regulation.aspx. Acesso em 26 out. 2013. 59 ALMEIDA, Susana. A autorregulao da comunicao comercial em Portugal: panaceia para a inoperncia do modelo regulador tradicional? Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, vol. II, n. 4. Curitiba: Editora Bonijuris, dez. de 2012, p. 240. 60 CASTALLO, Jos Domingo Gmez. La autorregulacin de la publicidad en Espaa. Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, vol. I, n. 4. Curitiba: Editora Bonijuris, dez. de 2011, p. 181. 61 Idem, p.183.

    http://www.asa.org.uk/About-ASA/About-regulation.aspxhttp://www.asa.org.uk/About-ASA/About-regulation.aspx

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 26

    Ante os impactos positivos do controle privado prvio das mensagens publicitrias,

    pode-se dizer que, caso uma sistemtica similar fosse implantada no Brasil, certamente

    a grande quantidade de publicidades inadequadas dirigidas s crianas no seriam

    veiculadas, evitando toda sorte de danos ao desenvolvimento saudvel dessa categoria

    hipervulnervel de consumidores.

    Ante o exposto, conclui-se que a atuao do CONAR, apesar de relevante por

    desestimular a veiculao de publicidade antitica, no ressai to efetiva por duas

    razes principais, a saber, a falta de coercitividade de suas decises, as quais so de

    cumprimento espontneo e incidem apenas sobre aqueles que aderiram ao controle

    exercido pela instituio; e a ausncia de um controle prvio, a exemplo do que

    realizado em outros pases.

    5. Concluses

    Do estudo aqui proposto, verificou-se que no Brasil hoje vigora o controle misto da

    publicidade, coexistindo um controle privado levado a efeito pelo CONAR juntamente

    com um controle estatal exercido segundo as normas do CDC.

    O estatuto consumerista, ante a determinao constitucional do art. 22, XXIX,

    regulamentou a publicidade em seus vrios aspectos, instituindo a proibio da

    publicidade abusiva no art. 37, 2. Neste ponto, o Cdigo classificou como abusiva,

    dentre outras, a publicidade que se aproveite da deficincia de julgamento e

    experincia da criana. O CDC, outrossim, instituiu a proibio para o fornecedor de

    prevalecer-se da fraqueza ou ignorncia do consumidor, tendo em vista sua idade, para

    impingir-lhe seus produtos ou servios (art. 39, IV).

    Por intermdio desses preceitos genricos, vislumbra-se que o CDC observou a

    prioridade na proteo integral criana e reconheceu, implicitamente, a sua

    hipervulnerabilidade no mercado de consumo, inclusive na seara da comunicao

    comercial a elas dirigida.

    Todavia, afora os mencionados dispositivos da lei consumerista, no encontramos no

    ordenamento jurdico brasileiro outras normativas especficas referentes publicidade

    infantil, competindo ao juiz in casu avaliar e definir as situaes de abusividade

    direcionadas s crianas. Existem, no entanto, disposies que tratam da matria no

    Cdigo de Autorregulamentao Publicitria. Apesar de tal regramento estabelecer

    diretrizes bastante pertinentes, tem-se que esses preceitos constituem meras

    recomendaes aos anunciantes, faltando-lhes o carter coercitivo e obrigatrio da lei.

    Isso posto, foroso reconhecer que a regulamentao legal da tutela dos infantes

    frente publicidade ainda se revela bastante genrica e imprecisa, sendo imperioso que

    o piso mnimo da tutela do consumidor constante do CDC seja complementado por

    normatizao legal especfica que traga baila limites claros e mais severos para a

    publicidade destinada aos infantes, a fim de que, em ltima anlise, se promova uma

    melhor efetivao da proteo integral da criana e do respeito de sua vulnerabilidade

    agravada.

  • civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 27

    Nesse sentido, valendo-se das disposies do The UK Code of Broadcast Advertising,

    prope-se alguns contornos e restries de contedo e horrio da publicidade dirigida

    s crianas que podem constar de eventual regulamentao legal brasileira, dentre os

    quais se destacam os seguintes:

    - as mensagens publicitrias quando apresentarem produtos e servios destinados aos

    infantes no podem dar margem ao engano (a exemplo do exagero nas caractersticas

    do produto ou servio, de maneira a dar azo a expectativas irreais pelas crianas);

    - fica vedada a exibio de comerciais de alimentos ou bebidas que contm grande

    quantidade de gordura, sal ou acar durante ou de forma adja