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civilistica.com || a. 3 n. 1. 2014 || 1
A proteo do consumidor-criana
frente publicidade no Brasil
Thaynara de Souza OLIVEIRA*
Digenes Faria de CARVALHO**
SUMRIO: 1. Introduo; 2. Fundamento de proteo infncia; 3.
Regulamentao da publicidade dirigida criana no Brasil; 3.1. Os sistemas
de controle da publicidade e a opo brasileira; 3.2. Dispositivos
constitucionais sobre a publicidade; 3.3. O CDC e a publicidade infantil; 3.4.
O Cdigo Brasileiro de Autorregulamentao Publicitria e a publicidade
infantil; 3.5. Comentrios e uma viso comparada da regulamentao legal
da publicidade infantil no Brasil; 4. Estrutura do controle da publicidade
infantil no Brasil; 4.1. O controle estatal da publicidade infantil; 4.2. O
controle privado da publicidade infantil; 5. Concluses; Referncias.
RESUMO: O presente trabalho tem por escopo o estudo da tutela das crianas
consumidoras frente publicidade. Aps apresentar os fundamentos de
proteo infncia, pretende-se estudar o tratamento que se tem dispensado
publicidade infantil no ordenamento jurdico ptrio, assim como examinar
a estrutura orgnica do controle das mensagens publicitrias no Pas,
oferecendo-se crticas e sugestes para a regulamentao e o controle. Para
tanto, adotou-se, primordialmente, o mtodo dedutivo e procedeu-se a uma
vasta pesquisa bibliogrfica.
PALAVRAS-CHAVE: 1. Direito do Consumidor. 2. Criana. 3. Proteo. 4.
Publicidade.
ENGLISH TITLE: The Protection of Children as Consumers against Publicity in Brazil
SUMMARY: 1. Introduction; 2. Fundaments of childhood protection; 3.
Regulation of publicity directed to children in Brazil; 3.1. The control
systems of publicity and the Brazilian option; 3.2. Constitutional
dispositions on publicity; 3.3. Consumer law and childrens publicity; 3.4.
The Brazilian Code of Publicity Self-Regulation and childrens publicity;
3.5. Comments and a compared view on legal regulation of childrens
publicity in Brazil; 4. Structure of childrens publicitys control in Brazil;
4.1. State control of childrens publicity; 4.2. Private control of childrens
publicity; 5. Conclusions; References.
ABSTRACT: This work has as its principal objective the study of the
youngsters protection against the advertising directed at them. After
* Estudante de Direito. ** Doutorando em Psicologia (Anlise do comportamento do consumidor) pela Pontifcia Universidade Catlica de Gois (PUC-GO) e Mestre em Direito Econmico-Empresarial pela Universidade de Franca - SP (UNIFRAN).
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presenting the foundations of the childrens protection, we will study the
treatment that has been given to childrens advertising in the Brazilian
legal system, as well as examine the structure of the advertisings control in
Brazil, offering criticisms and suggestions for regulation and control. For
this purpose, we have primarily adopted the deductive method and
proceeded to a vast bibliographic research.
KEYWORDS: 1. Consumer Law. 2. Child. 3. Protection. 4. Advertising.
1. Introduo
Nas sociedades contemporneas, as crianas desempenham um relevante papel
econmico no mercado. Elas so, ao mesmo tempo, consumidoras de produtos e
servios infantis, influenciadoras das decises familiares de compra e os futuros
consumidoras adultos, j habituados e fidelizados a determinadas marcas.
Acompanhando o crescimento desse nicho mercadolgico, a publicidade dirigida aos
infantes se tornou mais expressiva. Ocorre que as crianas constituem alvos fceis para
as mensagens publicitrias, j que possuem uma diminuta capacidade de seleo e
contra-argumentao, no compreendem os objetivos econmicos da publicidade, so
incapazes at certa idade de diferenciar programas no comerciais e publicidade e,
ainda, atribuem muita credibilidade televiso.
Com efeito, a publicidade infantil, programtica e manipulativa, alm de suscitar
efeitos perversos aos infantes, inevitavelmente acaba apresentando um grande
potencial abusivo.
Diante disso, prope-se a seguir um estudo da tutela das crianas na seara da
publicidade. Para tanto, aps apresentar os fundamentos de proteo infncia,
analisar-se- a regulamentao vigente e examinar-se- a estrutura orgnica do
controle das mensagens publicitrias infantis no Brasil.
2. Fundamento da proteo infncia
A ideia de que as crianas necessitam de proteo tem sua origem na teoria do
desenvolvimento infantil. Tendo em vista a sua falta de maturidade fsica e mental, os
infantes so considerados no mundo ocidental como pessoas em desenvolvimento.
Cuida-se do chamado paradigma desenvolvimentista segundo o qual:
as crianas progridem em um conjunto fixo de estgios
naturais, biologicamente definidos por habilidades cognitivas e
emocionais, at alcanarem seu pice na maturidade da vida
adulta. A teoria tambm assume que as crianas so
incompletas e imaturas, carecem de aperfeioamento de seus
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comportamentos e de direcionamento por parte dos adultos.1
Baseando-se nesse paradigma tradicional da proteo infantil, as naes ocidentais
comearam a envidar esforos conjuntos para a criao de uma poltica de defesa da
criana. Essa preocupao tem sido externada desde a Declarao de Genebra de 1924,
que enunciava a necessidade de proporcionar criana uma proteo especial,
passando pela Conveno Americana sobre os Direitos Humanos de 1969 (Pacto San
Jose da Costa Rica) que, em seu art. 19, dispe que toda criana tem direito s medidas
de proteo que na sua condio de menor requer, por parte da famlia, da sociedade e
do Estado, at a mais recente Conveno sobre os Direitos da Criana da ONU,
aprovada em 1989, que reconhece que "a criana, em virtude de sua falta de
maturidade fsica e mental, necessita proteo e cuidados especiais, inclusive a devida
proteo legal, tanto antes quanto aps seu nascimento" e obriga as Naes a adaptar
suas legislaes internas a fim de constiturem a proteo da criana como uma
prioridade2- 3.
Como se observa, a preocupao com a dignidade da criana em mbito internacional
no nova, mas sim bastante consolidada, e foi seguida de um processo gradual de
incorporao pelos Estados, em seus ordenamentos jurdicos, da defesa das crianas
como princpio de absoluta prioridade. No caso do Brasil, a experincia no foi
diferente.
A Constituio da Repblica de 1988, pela primeira vez na histria, tratou com
destaque, em seu Ttulo VIII, Captulo VII, da questo da proteo da criana. Em
rigorosa consonncia com os princpios de proteo integral da criana sistematizados
na Conveno sobre os Direitos da Criana da ONU, a Lei Maior brasileira aborda a
defesa do infante como prioridade, enunciando, em seu art. 227, que sua proteo
dever da famlia, da sociedade e do Estado, seno veja-se:
Art. 227. dever da famlia, da sociedade e do Estado assegurar
criana, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito
vida, sade, alimentao, educao, ao lazer,
profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e
convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda
forma de negligncia, discriminao, explorao, violncia, crueldade
e opresso. 4
1 SCHOR, Juliet B. Nascidos para comprar: uma leitura essencial para orientarmos nossas crianas na era do consumismo. So Paulo: Editora Gente, 2009, p. 214. 2 SILVA, Antnio Fernando do Amaral e; CURY, Munir et al. Estatuto da Criana e do Adolescente Comentado. 3 ed. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 11-12. 3 No mesmo sentido, so ainda citados na doutrina: Declarao Universal dos Direitos Humanos das Naes Unidas de 1948 que apelava ao direito a cuidados e assistncia especiais; Declarao Universal dos Direitos da Criana de 1959, adotada pela ONU; Regras Mnimas das Naes Unidas para a Administrao da Justia da Infncia e da Juventude Regras de Beijing (Resoluo 40/33 da Assembleia-Geral de 29.11.85); as Diretrizes de Riad (Assembleia-Geral da ONU de novembro/1990); Regras Mnimas das Naes Unidas para a Proteo dos Jovens Privados de Liberdade (Assembleia-Geral da ONU de novembro/1990); dentre outros. 4 Cumpre anotar que no obstante tenham sido tratados os direitos da criana e do adolescente em destaque no Ttulo VIII da Constituio, encontram-se eles intrnsecos nos demais Ttulos, uma vez que a Constituio em seu todo garante o direito de cidadania, e as crianas e adolescentes so titulares de todos esses direitos. (FIRMO, Maria de Ftima Carrada. A criana e o adolescente no ordenamento jurdico brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p.22).
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Instituiu-se, pois, no ordenamento jurdico ptrio a diretriz de proteo integral
criana e, implicitamente, o dever de respeito condio peculiar de pessoa em
desenvolvimento. Neste diapaso, o constituinte outorgou aos infantes diversos direitos
sociais especiais, sublinhando que os mesmos devem ser observados com prioridade,
alm de ter incumbido famlia, sociedade e ao Estado, em conjunto, o dever de
proteo dos menores. Assegurou-se, assim, pelo menos formalmente, todas as
condies de vida adequadas ao desenvolvimento fsico, mental, espiritual, moral e
social de toda criana.
A fim de implementar a proteo dos menores estabelecida na Constituio, foi
promulgado o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), sob a forma da Lei n.
8.069, de 13 de julho de 1990, que revogou o antigo Cdigo de Menores de 1979. O ECA
prega como diretriz nica e bsica no atendimento de crianas e adolescentes a
doutrina da proteo integral, em observncia ao previsto na Constituio, e estabelece
medidas concretas para a garantia dos direitos dos infantes.
Essa proteo integral, como esclarece Momberger, deve ser entendida em seu sentido
mais amplo, visto que a criana necessita de amparo fsico, material, psicolgico ou
espiritual, a fim de que sejam supridas suas necessidades de afeto, alimento, vesturio,
sade, educao, lazer, etc., e lhe seja dispensado todo o cuidado e proteo em face de
qualquer forma de explorao5.
De tal arte, conclui-se que as crianas devem ser protegidas em todos os aspectos,
inclusive frente publicidade. Assegurar s crianas todas as oportunidades de
desenvolvimento pleno e harmonioso, com respeito e dignidade, certamente, envolve a
proteo especial contra a abusividade da publicidade. E incumbe ao Estado, famlia e
sociedade, conjuntamente, a consecuo dessa tarefa.
3. Regulamentao da publicidade dirigida s crianas no Brasil
3.1. Os sistemas de controle da publicidade e a opo brasileira
Considerando que a publicidade, inclusive a infantil, constitui fenmeno social inerente
ao sistema capitalista, tem-se que no pode ser rechaada ou proibida, devendo,
contudo, ser controlada, regulamentada. A publicidade, pois, no constitui exceo
regra de que nenhuma atividade humana est isenta de controle.
Existem trs sistemas de controle do fenmeno publicitrio em geral, a saber, o
autorregulamentar, o legal e o misto, que variam de acordo com o sujeito a quem
caber o controle, conforme se ver adiante.
O sistema autorregulamentar (ou sistema exclusivamente privado) corresponde ao
controle interno da publicidade realizado por rgo privado e ligado ao setor
publicitrio6.
5 MOMBERGER, Noem Friske. A publicidade dirigida s crianas e adolescentes: regulamentaes e restries. Porto Alegre: Memria Jurdica Editora, 2002, p. 41-42. 6 CHAISE, Valria Falco. A publicidade em face do Cdigo de Defesa do Consumidor. So Paulo: Saraiva,
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Assinala Calais-Auloy 7 que os profissionais foram os primeiros a compreender os
perigos de uma publicidade desenfreada. Se todos os desvios fossem permitidos, um
sentimento de desconfiana no tardaria em se instaurar no esprito dos consumidores
e a publicidade no poderia mais cumprir sua funo. Os profissionais organizaram,
ento, um sistema de autodisciplina.
Esse sistema parte da ideia de que o prprio mercado tem incentivos mais do que
suficientes para a correo dos eventuais desvios surgidos e, ademais, nos casos em que
os incentivos mercadolgicos se revelarem ineficientes, o prprio consumidor
prejudicado pode recorrer aos tribunais sem qualquer interveno do Estado8.
Chaise 9 , alicerando-se nas lies de Segade, aponta as seguintes caractersticas
fundamentais desse sistema: a) a existncia de uma associao de empresrios
estabelecida segundo o direito privado e de livre adeso; b) a presena de regras ticas,
a fim de estabelecer limites para as mensagens comerciais e, simultaneamente, evitar a
arbitrariedade dos rgos de controle; c) a criao de rgo de controle competente
para fiscalizar a observncia das regras fixadas; d) a competncia para impor sanes
aos infratores; e) a presena de poder de presso para o cumprimento da sano.
De acordo com a autora, o sistema em apreo apresenta como principal vantagem a
garantia ao consumidor de solucionar o conflito mediante a arbitragem e a composio,
evitando a morosidade e o custo da apresentao da controvrsia ao Judicirio10.
De outra parte, vrias objees podem ser feitas a este sistema. Nesse sentido,
Benjamin pontua que o controle, nesse caso, no se faz pelo ngulo do consumidor,
mas agregando-se a preocupaes dessa natureza outras que pouco tm a ver com ele,
na sua posio de parte vulnervel no mercado, como aquelas relativas concorrncia
desleal e moralidade e, ademais, este sistema de controle no abarca todos os
operadores, mas apenas aqueles que o aderem voluntariamente11.
No sistema legal (ou sistema exclusivamente estatal), em contraposio ao controle
autorregulamentar, compete exclusivamente ao Estado controlar a publicidade. Em
outros termos, somente o Estado pode regulamentar e controlar as mensagens
comerciais, inexistindo qualquer participao de atores publicitrios.
Cuida-se de um controle externo, isto , uma forma de interveno do Estado na
iniciativa privada. Por isso, os agentes econmicos interessados na operao
publicitria empenham-se no mundo todo, tentando afastar o espectro sempre
2011, p. 25. 7 No original: Les professionnels ont, les premiers, compris les dangers dune publicit dbride. Si tous les coups taient permis, un sentiment de dfiance ne tarderait pas sinstaurer dans lesprit des consommateurs et la publicit ne pourrait plus remplir as fonction. Les professionnels ont donc organis des systmes dautodiscipline (CALAIS-AULOY, Jean; STEINMETZ, Frank. Droit de la consommation. 5 ed. Paris: Dalloz, 2000, p. 124). 8 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9 ed. rev. atual. e amp. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2007, p. 313. 9 CHAISE, Valria Falco. Op. cit., p. 25-26. 10 Idem, p. 26. 11 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al. Op. cit., p. 313-314.
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ameaador do Estado-legislador12.
No obstante essa oposio, parece-nos evidente a necessidade de um controle estatal
das prticas publicitrias, tendo em vista, sobretudo, a posio imparcial do Estado e
seu poder coercitivo sobre os particulares. No se exclui, todavia, o controle
corporativo 13 . Nesse sentido, Calais-Auloy reconhece que a autodisciplina no
suficiente para afastar todos os abusos da publicidade14.
O sistema misto, por seu turno, consiste na adoo do controle voluntrio da
publicidade por intermdio de entidade autorregulamentar conjuntamente ao controle
estatal. Trata-se de modalidade que aceita e incentiva ambas as formas de controle,
aquele executado pelo Estado e outro a cargo dos partcipes publicitrios15.
A doutrina majoritria entende que no Brasil hoje vigora o controle misto da
publicidade16. Isso tendo em vista que, conforme se ver adiante, subsistem o controle
interno ou corporativo levado a efeito pelo Conselho Nacional de Autorregulamentao
Publicitria (CONAR) juntamente com o controle exercido pelo Estado segundo as
normas constantes do CDC.
Feitas essas consideraes, antes de adentrarmos no contedo da regulamentao legal
e privada da publicidade em relao s crianas, imperioso apresentar o tratamento
da matria na Constituio Federal.
3.2. Dispositivos constitucionais sobre a publicidade
A Constituio da Repblica garante, em seu art. 5, inciso IX, a liberdade de expresso
da atividade intelectual, artstica, cientfica e de comunicao, vedando expressamente
a censura. No mesmo sentido, o art. 220, caput, prescreve que a manifestao do
pensamento, a expresso e a informao, sob qualquer forma, processo ou veiculao
no sofrero qualquer restrio, observado o disposto nesta Constituio e, no 2,
resta vedada toda e qualquer censura de natureza poltica, ideolgica ou artstica.
A proibio de censura no texto constitucional bastante ampla, referindo-se
liberdade intelectual (qualquer forma de expresso e informao), e no apenas
liberdade de imprensa. A censura uma exacerbao do poder de polcia do Estado, em
12 PASQUALOTTO, Adalberto. Os efeitos obrigacionais da publicidade no cdigo de defesa do consumidor. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 67. 13 Nesse sentido, a Diretiva n. 84/450 da Comunidade Europeia, em seu art. 4, repudia modelo exclusivamente autorregulamentar e sugere que os Estados-Membros estipulem meios adequados e eficazes para o controle da publicidade enganosa, como os controles administrativo e judicial. (Disponvel em: . Acesso em 20 set. 2013). 14 No original: Si bien faite soit-elle, lautodiscipline ne saurait carter tous les abus de la publicit (CALAIS-AULOY, Jean; STEINMETZ, Frank. Op. cit., p. 126). 15 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al. Op. cit., p. 314. 16 Nesse sentido: Valria Falco Chaise, Jos Carlos Maldonado de Carvalho, Antnio Herman de Vasconcellos e Benjamin, Srgio Rodrigues Martinez, dentre outros. Em sentido contrrio, Walter Ceneviva e Adalberto Pasqualotto. Este ltimo jurista entende que inexiste uma regulamentao mista no Pas, j que as normas do CONAR no so aptas para a produo de efeitos jurdicos perante terceiros. O autor afirma que o advento da regulamentao estatal da publicidade com o CDC ocupou inteiramente o espao antes deixado livre autonomia privada e, portanto, a lei no deixou margem alguma para a regulamentao privada dessa matria. (PASQUALOTTO, Adalberto. Op. cit., p. 69).
http://eur-lex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexapi!prod!CELEX%20numdoc&lg=PT&numdoc=384%20L0%20450&model=guichetthttp://eur-lex.europa.eu/smartapi/cgi/sga_doc?smartapi!celexapi!prod!CELEX%20numdoc&lg=PT&numdoc=384%20L0%20450&model=guichett
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que se visa impedir a comunicao indiscriminada.
Apesar de a publicidade, como forma de manifestao de pensamento, criao,
expresso da atividade intelectual, artstica, de comunicao e informao, ser a priori
livre, impende consignar que essa liberdade no absoluta17-18. O poder pblico, no
intuito de defender padres mnimos de moralidade ou direitos constitucionalmente
assegurados, pode (e deve) exercer controle sobre a expresso intelectual, sobretudo
quando veiculada pelos meios de comunicao em massa19. De modo que sobre a
publicidade inevitavelmente incidiro limitaes, impostas pelo Estado.
No h na Magna Carta um captulo referente restrio da publicidade, no entanto
encontra-se em seu texto diversos dispositivos ligados ao tema. O texto constitucional
estabelece que a competncia para legislar sobre publicidade da Unio (art. 22,
XXIX), alm de prever que compete lei federal estabelecer meios legais que garantam
pessoa e famlia a possibilidade de se defenderem da publicidade de produtos,
prticas e servios que podem ser nocivos sade e ao meio ambiente (art. 220, 3) e
determinar que a publicidade de tabaco, bebidas alcolicas, agrotxicos, medicamentos
e terapias ser sujeita s restries legais (art. 220, 4).
Assim, se por um lado a Lei Maior estabelece a liberdade de comunicao, a qual,
segundo Silva, consiste num conjunto de direitos, formas, processos e veculos, que
possibilitam a coordenao desembaraada da criao, expresso e difuso do
pensamento e da informao20, estando a includa a propagao de ideias relativas a
produtos e servios; de outra parte, existem restries s eventuais exacerbaes no
exerccio desse direito de informao, estando, pois, obviamente, constitucionalizada a
coibio aos abusos na publicidade21.
Contudo, como se nota, a Constituio apenas apresenta as diretrizes supra e no
regula a publicidade, atribuindo competncia Unio para faz-lo por meio de lei
ordinria federal, de sorte que inexistem dispositivos constitucionais especficos sobre
a publicidade infantil.
3.3. O CDC e a Publicidade Infantil
Ante a determinao constitucional do art. 22, XXIX, o CDC regulamentou a
publicidade em seus vrios aspectos. O Cdigo trouxe uma estrutura sistemtica para a
regulao da questo, com uma clusula geral proibitiva das publicidades enganosa e
abusiva. Deste modo, o regramento fragmentrio anterior22, que contava com diversas
17 GUIMARES, Paulo Jorge Scartezzini. A publicidade ilcita e a responsabilidade civil das celebridades que dela participam. 2 ed. rev. amp. e atual. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 86. 18 Filiamo-nos, neste ponto, ao posicionamento segundo o qual o objetivo comercial no macula o discurso publicitrio, no o desabilita proteo contra a censura estatal, visto que constitui, sem dvida alguma, pura expresso do pensamento e da criatividade humana (MELLO, Helosa Carpena Vieira de. Preveno de riscos no controle da publicidade abusiva. Revista de Direito do Consumidor, v. 35. So Paulo: Revista dos Tribunais, jul.-set. de 2000, p. 126). 19 Celso Ribeiro Bastos apud MOMBERGER, Noem Friske. Op. cit., p. 49. 20 SILVA, Jos Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 31 ed. rev. e atual. So Paulo: Malheiros, 2008, p. 243. 21 MORAES, Paulo Valrio Dal Pai. Cdigo de defesa do consumidor: o princpio da vulnerabilidade no contrato, na publicidade, nas demais prticas comerciais. Porto Alegre: Editora Sntese, 1999, p. 269. 22 Pontue-se que o novo regramento do CDC no exclui o preexistente, sempre que haja compatibilidade com os princpios gerais que orientam o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, como bem esclarece Benjamin. (BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al. Op. cit., p. 325).
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leis e dispositivos esparsos, se estruturou com o advento do diploma consumerista, o
qual dedicou a Seo III do Captulo V ao enfrentamento do tema.
Ao dispensar tratamento comunicao comercial, o legislador reconheceu que a
relao de consumo no apenas a contratual, surgindo tambm por meio das tcnicas
de estimulao do consumo, como a publicidade23. Neste nterim, restou evidenciado
que a proteo do consumidor no se exaure no regramento das relaes contratuais,
mas tem incio em momento anterior ao ato de compra. Da porque o Cdigo d
especial ateno publicidade, regulamentando-a.
Impende anotar que os dispositivos que regulamentam a publicidade no tm por
objetivo bani-la, mas somente conter seus abusos para que os consumidores,
considerados os entes vulnerveis nas relaes de consumo, no sejam prejudicados24.
Assim, ressai clarividente que o regramento da publicidade no viola o direito de livre
manifestao, mas apenas incide sobre o excesso no exerccio desse direito, em
consonncia com o princpio da interveno do Estado nas relaes de consumo e,
sobretudo, com a defesa do consumidor que, por sua vez, constitui postulado norteador
da ordem econmica na qual a comunicao comercial se insere.
Nesta senda, o Cdigo salvaguarda a universalidade dos destinatrios da publicidade
dos produtos e servios em geral, elencando princpios, padres e reprimendas, entre
os quais a condenao da oferta enganosa ou abusiva25. Sobre a regulamentao da
publicidade instituda pelo Cdigo do Consumidor, Campos assinala:
O CDC constitui o meio pelo qual o Estado intervm na sociedade visando
regulamentar as relaes de consumo, cabendo a ele, por meio da criao de leis
especficas e de fiscalizao de mercado, limitar os riscos e corrigir as deformaes
daquilo que se considera nocivo em termos de publicidade, notadamente imputando
responsabilidade s mensagens enganosas e abusivas, e submetendo seus responsveis
s penalidades previstas.26
Com vistas a regulamentar a publicidade e instituir uma proteo ao consumidor, o
CDC, como antes indicado, adotou vrios princpios norteadores, dentre os quais,
considerando o estudo aqui proposto, destacam-se o princpio da identificao da
publicidade e o princpio da no-abusividade.
O princpio da identificao da publicidade decorre do teor do art. 36, que dispe: A
publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fcil e imediatamente, a
identifique como tal. A mensagem comercial no pode ser mascarada, mas sim
caracterizada, devendo ser de pronto identificada pelo destinatrio sem exigir grande
conhecimento ou nvel intelectual. Sendo a mensagem persuasiva, deve ser
identificada desde logo, possibilitando ao destinatrio que se previna e resista aos
argumentos ou ceda, se quiser 27 . Cuida-se de postulado decorrente da boa-f
23 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al. Op. cit., p. 326. 24 MOMBERGER, Noem Friske. Op. cit., p. 51. 25 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al., Op. cit., p. 359. 26 CAMPOS, Maria Luiza de Saboia. Publicidade: responsabilidade civil perante o consumidor. So Paulo: Cultural Paulista Editora, 1996, p. 213. 27 PASQUALOTTO, Adalberto. Op. cit., p. 84.
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objetiva, estabelecendo os deveres de lealdade e de transparncia.
O princpio da no-abusividade, por sua vez, almeja reprimir desvios na mensagem
publicitria que prejudiquem os consumidores28. Este postulado encontra-se previsto
no art. 37, 2, do CDC, que veda a publicidade abusiva com intuito de proteger valores
tidos como importantes para a sociedade de consumo. O legislador entendeu que a
publicidade no pode se sobrepor aos valores sociais mais caros, quer dizer, a liberdade
publicitria no pode ir de encontro com determinados imperativos de ordem pblica,
que so superiores s intenes promocionais dos anunciantes29.
luz desses princpios norteadores da comunicao comercial, o CDC, como cedio,
instituiu a proibio da publicidade abusiva, elencando, inclusive, a proteo do
consumidor em face dela como um direito bsico (art. 6, IV). E neste ponto que se
observa um regramento mnimo que se aplica publicidade infantil em particular.
O estatuto consumerista, em seu art. 37, 2, classificou como abusiva, dentre outras, a
publicidade que se aproveite da deficincia de julgamento e experincia da criana.
Trata-se de norma bastante genrica que buscou observar a prioridade na proteo
integral criana, em consonncia com o disposto na Constituio da Repblica, no
ECA e tambm com o teor do art. 36 da Conveno sobre os Direitos da Criana da
ONU, o qual dispe que os Estados Partes protegero a criana contra todas as demais
formas de explorao que sejam prejudiciais para qualquer aspecto de seu bem-estar.
O Cdigo, num esforo enumerativo (porm, no exaustivo), mencionou expressamente
a ateno especial que merecem as crianas contra abusos publicitrios.
Ora, inegvel que os infantes, devido sua condio peculiar de pessoa em
desenvolvimento, so bastante influenciveis e no possuem a mesma capacidade de
um adulto para tomar decises e avaliar outros critrios subjetivos relativos
publicidade30. Por consequncia, a eles deve ser dispensada proteo especial em
vrios aspectos, inclusive na seara da comunicao comercial a elas dirigida. Constitui,
pois, dever do Estado intervir na publicidade infantil, impondo limites na lei e
estabelecendo um controle efetivo.
Isso a fim de que seja concretizada tambm a proteo da criana contra qualquer
contedo a elas nocivo, nos termos do previsto no art. 71 do ECA, que preceitua o
respeito condio peculiar da pessoa em desenvolvimento, no que tange s
informaes, produtos e servios dirigidos aos infantes. O legislador desse estatuto,
apesar de no contemplar disposio especfica sobre a publicidade dirigida criana31,
preocupou-se em proteger os infantes do contedo da programao, inclusive o
publicitrio, inadequado e passvel de causar danos psicolgicos, tendo em vista a sua
falta de maturidade.
28BENJAMIN, Antnio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007, p. 199. 29 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al., Op. cit., p. 351. 30 MOMBERGER, Noem Friske. Op. cit., p. 64. 31 O ECA no contemplou o teor do art. 66 do j revogado Cdigo de Menores (Lei n. 6.697/1979), o qual classificava como infrao sujeita a pena o ato de Exibir, no todo ou em parte, filme, cena, pea, amostra ou congnere, bem como propaganda comercial de qualquer natureza, cujo limite de proibio esteja acima do fixado para os menores admitidos ao espetculo.
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Sendo assim, em uma interpretao sistemtica do disposto no art. 37, 2, do CDC e
no art. 71 do ECA, tem-se que a publicidade infantil deve observar a idade do
destinatrio e respeitar sua condio de hipervulnervel, sob pena de se revelar abusiva
e incorrer nas sanes previstas no estatuto consumerista, sobretudo a
contrapropaganda, ex vi do art. 56, XII, do CDC.
Digno de meno tambm o disposto no art. 39, IV, do CDC. Tal norma prev a
proteo dos infantes ao vedar ao fornecedor prevalecer-se da fraqueza ou ignorncia
do consumidor, tendo em vista sua idade, sade, conhecimento ou condio social,
para impingir-lhe seus produtos ou servios.
No obstante o referido dispositivo esteja inserido na Seo IV, que trata de prticas
abusivas, verifica-se que reafirma o mesmo mote da proibio abusividade na
publicidade infantil. O fornecedor no pode valer-se de todos os meios, inclusive na
seara da publicidade, para constranger os infantes ao ato de compra. Sua condio
especial de pessoa em desenvolvimento e mesmo sua dignidade devem ser respeitadas,
de sorte que a inteno promocional da empresa no se sobreponha
hipervulnerabilidade dos infantes.
Toda a lgica do sistema consumerista em termos de proteo criana frente
publicidade se resume ao respeito de sua condio de hipervulnervel, a qual decorre
de sua deficincia de julgamento, inexperincia, condio de pessoa em
desenvolvimento, etc. O princpio geral da prioridade de proteo criana institudo
na Carta Magna resta, pois, observado no Direito do Consumidor, em especial no
campo da publicidade em que as crianas so mais vulnerveis no mercado, tendo em
vista, sobretudo, o preceito contido no art. 37, 2, do CDC. O Cdigo, desta feita, se
coaduna e se harmoniza com a legislao nacional e internacional de proteo
infncia.
No entanto, embora com o advento do CDC tenha-se dado enfoque especial no plano
jurdico publicidade, afora os mencionados dispositivos da lei consumerista, no
encontramos na legislao brasileira outras normativas especficas referentes
publicidade infantil, cabendo, pois, ao julgador, no exame do caso concreto, avaliar e
definir as situaes de abusividade direcionadas s crianas32, o que evidencia o
sistema jurdico aberto baseado em clusulas gerais institudo pelo legislador no CDC.
H, contudo, no mbito da autorregulamentao, regramento da matria, conforme
ser demonstrado no item a seguir.
3.4. O Cdigo Brasileiro de Autorregulamentao Publicitria e a
Publicidade Infantil
O Cdigo Brasileiro de Autorregulamentao Publicitria (CBARP) um cdigo de
conduta tica dirigido aos anunciantes, o qual foi aprovado em 1978 por entidades
representativas do mercado brasileiro publicitrio. Cuida-se de forma de expresso
secundria do direito (fonte subsidiria) para defesa dos interesses dos consumidores
em matria publicitria. Porm, por se tratar de uma regulamentao tica corporativa,
32 DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhes. Publicidade e direito. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 184.
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desprovida de cogncia legal.
Nesse sentido, Benjamin afirma que as regras da autorregulamentao no so
normas jurdicas, faltando-lhes, por isso mesmo, a qualidade de generalidade,
obrigando somente aos aderentes, isto , opera to-s no plano normativo interno33.
O CBARP revela-se, pois, como mera gama de recomendaes para elaborao de
mensagens publicitrias com o intuito de evitar abusos que prejudiquem os
consumidores. Neste passo, o referido Cdigo cuida da publicidade abusiva e enganosa
e cobe condutas julgadas inadequadas.
O universo de normas do CBARP obedece uma sistemtica que se inicia com conceitos
genricos e abstratos, chegando ao tratamento especfico da regulamentao da
publicidade de diferentes categorias de produtos e servios, dando, em certo ponto,
relevo s crianas.
O diploma em comento dedicou a Seo 11 publicidade dirigida s crianas e aos
jovens, partindo do pressuposto de que os esforos de pais, educadores, autoridades e
da comunidade devem encontrar na publicidade fator coadjuvante na formao de
cidados responsveis e consumidores conscientes.
E, diante disso, estabelece que nenhum anncio dirigir apelo imperativo de consumo
diretamente criana e que as mensagens comerciais devero refletir cuidados
especiais em relao segurana e s boas maneiras, devendo abster-se das condutas
abaixo elencadas:
a. desmerecer valores sociais positivos, tais como, dentre outros, amizade,
urbanidade, honestidade, justia, generosidade e respeito a pessoas, animais e ao meio
ambiente;
b. provocar deliberadamente qualquer tipo de discriminao, em particular
daqueles que, por qualquer motivo, no sejam consumidores do produto;
c. associar crianas e adolescentes a situaes incompatveis com sua condio,
sejam elas ilegais, perigosas ou socialmente condenveis;
d. impor a noo de que o consumo do produto proporcione superioridade ou, na
sua falta, a inferioridade;
e. provocar situaes de constrangimento aos pais ou responsveis, ou molestar
terceiros, com o propsito de impingir o consumo;
f. empregar crianas e adolescentes como modelos para vocalizar apelo direto,
recomendao ou sugesto de uso ou consumo, admitida, entretanto, a participao
deles nas demonstraes pertinentes de servio ou produto;
g. utilizar formato jornalstico, a fim de evitar que anncio seja confundido com
notcia;
33 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al. Op. cit., p. 313.
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h. apregoar que produto destinado ao consumo por crianas e adolescentes
contenha caractersticas peculiares que, em verdade, so encontradas em todos os
similares;
i. utilizar situaes de presso psicolgica ou violncia que sejam capazes de
infundir medo.
Afora isso, prev que quando os produtos forem destinados ao consumo por crianas e
adolescentes seus anncios devero guiar-se pelas seguintes diretrizes, litteris:
a. procurar contribuir para o desenvolvimento positivo das relaes entre pais e
filhos, alunos e professores, e demais relacionamentos que envolvam o pblico-alvo;
b. respeitar a dignidade, ingenuidade, credulidade, inexperincia e o sentimento
de lealdade do pblico-alvo;
c. dar ateno especial s caractersticas psicolgicas do pblico-alvo, presumida
sua menor capacidade de discernimento;
d. obedecer a cuidados tais que evitem eventuais distores psicolgicas nos
modelos publicitrios e no pblico-alvo;
e. abster-se de estimular comportamentos socialmente condenveis.
Rechaa-se, ainda, a ao de merchandising ou publicidade indireta contratada que
empregue crianas, elementos do universo infantil ou outros artifcios com a deliberada
finalidade de captar a ateno desse pblico especfico. Alm disso, prescreve que
crianas e adolescentes no devero figurar como modelos publicitrios em anncio
que promova o consumo de quaisquer bens e servios incompatveis com sua
condio.
Ao final, a Seo 11 dispe que o planejamento de mdia dos anncios de produtos
dirigidos s crianas e adolescentes levar em conta que esses destinatrios tm sua
ateno especialmente despertada para as mensagens comerciais, de modo que as
mesmas refletiro as restries tcnica e eticamente recomendveis, e adotar-se- a
interpretao mais restritiva para todas as normas dispostas no Cdigo.
Verificam-se, ainda, disposies relativas publicidade infantil no Anexo H do Cdigo,
o qual trata das mensagens comerciais de alimentos, refrigerantes, sucos e bebidas
assemelhadas.
De acordo com esse anexo, os anncios desses produtos, no que concerne aos infantes,
devero, em sntese: a) abster-se de desmerecer o papel dos pais, educadores,
autoridades e profissionais de sade quanto correta orientao sobre hbitos
alimentares saudveis e outros cuidados com a sade; b) ao utilizar personagens do
universo infantil ou apresentadores de programas dirigidos a este pblico-alvo, faz-lo
apenas nos intervalos comerciais, evidenciando a distino entre a mensagem
publicitria e o contedo editorial ou da programao; c) abster-se de utilizar crianas
muito acima ou muito abaixo do peso normal, segundo os padres biomtricos
comumente aceitos, evitando que elas e seus semelhantes possam vir a ser atingidos em
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sua dignidade; d) abster-se de qualquer estmulo imperativo de compra ou consumo,
especialmente se apresentado por autoridade familiar, escolar, mdica, esportiva,
cultural ou pblica, bem como por personagens que os interpretem, salvo em
campanhas educativas, de cunho institucional, que promovam hbitos alimentares
saudveis.
O CBARP oferece, assim, importante contribuio com a classificao de publicidade de
produtos e servios, dirigindo-lhes regras especficas em funo do pblico-alvo
infantil, que est mais exposto s manipulaes34.
Nesta senda, a regulamentao levada a efeito pelo CBARP, apesar de sucinta,
estabelece diretrizes relevantes para a publicidade infantil, que, caso fossem realmente
observadas, minimizariam o desrespeito hipervulnerabilidade dos infantes que pode
ser observado atualmente. Sem embargo, repise-se que tais preceitos constituem meras
recomendaes aos anunciantes, faltando-lhes o carter coercitivo e obrigatrio da lei.
Aps apresentarmos todo o sistema existente de regulamentao da publicidade em
relao aos infantes tanto na esfera privada quanto na pblica, teceremos a seguir
alguns comentrios sobre o enfrentamento legal da matria no Pas.
3.5. Comentrios e uma viso comparada da regulamentao legal da
publicidade infantil no Brasil
Embora tenhamos afirmado que o princpio da proteo integral criana encontra
guarida no CDC (por meio do disposto no art. 37, 2), foroso reconhecer que a
regulamentao legal da tutela dos infantes frente publicidade ainda se revela
bastante genrica e imprecisa.
O enunciado do referido artigo sucinto e no especifica com exatido como e quando
a publicidade realmente se aproveita da deficincia de julgamento e experincia da
criana. Isso talvez porque o objetivo do Cdigo seja mesmo traar linhas gerais sobre a
regulamentao da publicidade, sem adentrar em questes mais especficas,
constituindo um verdadeiro piso mnimo da tutela do consumidor35.
De qualquer modo, o que se vislumbra uma ausncia de regramento complementar
detido sobre o assunto no ordenamento jurdico ptrio. E isso, frise-se, pode prejudicar
a efetividade da proibio legal constante do CDC, delegando completamente ao juiz
(ou ao administrador) a tarefa de instituir os verdadeiros limites da publicidade infantil
a partir da anlise casustica, o que, por sua vez, gera insegurana jurdica.
Com efeito, muito se discute sobre a necessidade de uma normatizao legal especfica
no que tange aos contornos da publicidade destinada aos infantes, havendo, inclusive,
projetos de lei em trmite no Congresso Nacional nesse sentido, mas que se restringem,
em sua maioria, ao tratamento da questo da publicidade de alimentos ricos em
34 CAMPOS, Maria Luiza de Saboia. Op. cit., p. 239. 35 BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al. Op. cit., p. 359.
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gordura, sal e acar36.
em funo do reconhecimento da hipervulnerabilidade dos infantes que alguns
parmetros especiais devem ser traados pela legislao. A regulamentao legal da
publicidade dirigida s crianas, bastante especfica, trazendo baila limites claros aos
publicitrios promover uma melhor efetivao da proteo integral da criana e do
respeito de sua vulnerabilidade agravada.
Destarte, defendemos que cabe ao Poder Legislativo instituir uma regulamentao
setorial mais detalhada e restritiva com intuito de refrear os constantes desvios da
publicidade dirigida aos infantes. Nesse orbe, estabelecer parmetros mais concretos
para esse tipo de publicidade medida que se impe para que possamos fazer valer o
princpio de proteo integral das crianas.
Sublinhe-se que a norma genrica constante do art. 37, 2, do CDC no se revela
suficiente para dirimir os abusos publicitrios contra as crianas, devendo o referido
preceito ser complementado, suprindo-se a ausncia de um arcabouo legal protetivo
que de fato permita a imposio de comandos mais restritivos.
Isso porque, embora as regras constantes do CBARP sejam pertinentes e promovam
maior detalhamento da questo, tem-se que a falta de coercitividade das mesmas acaba
dando margem ao seu descumprimento. De fato, no h fora obrigatria nessas
normas, que no so normas jurdicas. incontroverso que s a cogncia da norma
jurdica intimida e vincula37.
Ora, se a escolha do legislador brasileiro no sentido de no proibir a publicidade cujo
pblico-alvo so as crianas posicionamento este que nos parece acertado -, urge a
emisso de comandos legais pertinentes para, verdadeiramente, regular o setor nesse
mbito e, por conseguinte, assegurar de forma mais detida a proteo dos infantes
frente publicidade. Na trilha desse entendimento, Dias assinala:
Com efeito, a regulamentao dos limites da publicidade dirigida s crianas menores
de 12 anos parece, de fato, ser o melhor caminho, luz, inclusive da normativa
estrangeira, em que, com exceo de dois pases e uma provncia (Sucia, Noruega e
Quebec, respectivamente), a publicidade infantil permitida, observadas certas
restries ao seu exerccio38.
36 Dias elenca alguns projetos de lei nesse sentido, a saber, Projeto de Lei 6.080/2005 (restringe a publicidade de alimentos e bebidas obesognicos entre as 18h e 21h); Projeto de Lei 1.637/2007 (institui regras para a publicidade de alimentos com elevados teores de gordura saturada, acar, gordura trans e sdio, alm de bebidas com baixos valores nutricionais, restringindo sua publicidade ao horrio de 21h s 06h na televiso e na mdia eletrnica, sendo completamente vedada a sua transmisso durante a programao infantil); Projeto de Lei 1.755/2007 (probe a venda de refrigerantes em escolas de educao bsica); Projeto de Lei 6.848/2002 (trata da comercializao de guloseimas nas escolas de educao bsica, restringindo a venda de frituras, molhos industrializados e alimentos calricos) (DIAS, Lucia Ancona Lopes de Magalhes. Op. cit., p. 186-187). Digno de meno tambm o Projeto de Lei 5.921/2001, de autoria de Luiz Carlos Hauly do PSDB/PR, que acrescenta um pargrafo ao art. 37 do CDC, "proibindo a publicidade destinada venda de produtos infantis, assim considerados aqueles destinados apenas criana". 37 LOPES, Maria Elizabete Vilaa. O consumidor e a publicidade. Revista de Direito do Consumidor, v. 1. So Paulo: Revista dos Tribunais, jul.-set. de 1994, p. 153. 38 DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhes. Op. cit., p.190.
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Por mais que se argumente que a edio de uma lei especial para tratar da publicidade
infantil talvez no acarrete transformaes significativas, inegvel que a elaborao de
normas que estabeleam limites claros e especficos, levando em considerao a
condio especial de pessoa em desenvolvimento da criana, certamente incrementar
a tutela dessa categoria to vulnervel aos apelos comerciais. Isso mormente tendo em
vista a obrigatoriedade de sua observncia pelos agentes do setor.
Assim, parece-nos que a melhor soluo para enfrentar a problemtica da tutela dos
infantes frente publicidade a normatizao legal especial da matria.
Na esteira desse entendimento, valendo-se do regramento vigente no Reino Unido para
a publicidade veiculada na televiso e no rdio (The UK Code of Broadcast
Advertising), seguem alguns contornos e restries mais duras de contedo e horrio
da publicidade dirigida s crianas que podem constar de eventual regulamentao
legal brasileira.
Cumpre observar, de incio, que no Reino Unido, a Ofcom39 (Independent regulator
and competition authority for the UK communication industries) que tem o dever legal
de manter os padres para a publicidade na televiso e rdio. Contudo, consoante o
Communications Act 2003 (decreto do parlamento que delimita as competncias da
Ofcom), a entidade pode buscar formas alternativas de regulao. Com fulcro nessa
previso legal, em 2004, a instituio estabeleceu uma parceria com a ASA
(Advertising Standards Authority) para a co-regulao do setor40.
Um dos comits da ASA responsvel por elaborar e manter o UK Code of Broadcast
Advertising, sendo que, em caso de alteraes mais relevantes do Cdigo, a Ofcom
pode intervir. Sendo assim, a ASA regula a publicidade no rdio e na televiso sob a
gide do contrato firmado com a Ofcom. Esse sistema tem sido descrito como uma
autorregulamentao dentro de uma estrutura de co-regulao41.
Feitos esses esclarecimentos, verifica-se que o UK Code of Broadcast Advertising no
tem carter legal stricto sensu, havendo, contudo, todo um sistema de sanes aos
agentes do mercado em caso de descumprimento. Apesar de se tratar de cdigo
elaborado e administrado mormente pela iniciativa privada, as normas contidas nesse
39 A Ofcom atua sob a gide do Communications Act 2003, que determina que a entidade deve promover os interesses dos cidados e dos consumidores. A Ofcom, que financiada pelas taxas impostas ao setor de comunicaes (alm de contar com ajuda financeira por parte do governo) e presta contas ao Parlamento, institui as regras tcnicas da regulamentao, implementando e aplicando a lei. (Disponvel em: www.ofcom.org.uk. Acesso em 24 out. 2013). 40 No original: There is a statutory duty placed on Ofcom to maintain standards in broadcast advertising. However, better regulation principles that were included in the Communications Act 2003 placed a duty upon Ofcom to pursue alternative forms of regulation where practical. Ofcom took advantage of this provision and established a co-regulatory partnership with the ASA in 2004. (Disponvel em: http://www.asa.org.uk/About-ASA/About-regulation/Co-regulation-of-broadcast-advertising.aspx. Acesso em 24 out. 2013). 41 No original: In practice, this means that the ASA system is responsible on a day-to-day basis for broadcast advertising content standards. The Broadcast Committee of Advertising Practice (BCAP) is responsible for writing and maintaining the UK Code of Broadcast Advertising, but Ofcom retains overall sign-off on major changes to the Code. The ASA is responsible for administering the Code, but is able to refer broadcasters to Ofcom for further action, if needed. This is extremely rare. The system has been described as self-regulation within a co-regulatory framework. (Disponvel em: http://www.asa.org.uk/About-ASA/About-regulation/Co-regulation-of-broadcast-advertising.aspx. Acesso em 24 out. 2013).
http://www.ofcom.org.uk/http://www.asa.org.uk/About-ASA/About-regulation/Co-regulation-of-broadcast-advertising.aspxhttp://www.asa.org.uk/About-ASA/About-regulation/Co-regulation-of-broadcast-advertising.aspx
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regramento se revelam bastante precisas e pertinentes, podendo sim ser reproduzidas
no caso de elaborao de lei especial no Brasil.
O Cdigo em comento trata da proteo das crianas (com at 16 anos) frente
publicidade na Seo 5, alicerando-se no princpio de que elas devem ser protegidas de
mensagens publicitrias que possam causar dano fsico, psquico ou moral, e institui as
seguintes regras, litteris:
Rules
5.1 Advertisements that are suitable for older children but could
distress younger children must be sensitively scheduled (see Section
32: Scheduling).
5.2 Advertisements must not condone, encourage or unreasonably
feature behavior that could be dangerous for children to emulate.
Advertisements must not implicitly or explicitly discredit established
safety guidelines. Advertisements must not condone, encourage or
feature children going off alone or with strangers.
This rule is not intended to prevent advertisements that inform
children about dangers or risks associated with potentially harmful
behavior.
5.3 Advertisements must not condone or encourage practices that are
detrimental to childrens health.
5.4 Advertisements must not condone or encourage bullying.
5.5 Advertisements must not portray or represent children in a sexual
way.
5.6 Advertisements must not imply that children are likely to be
ridiculed, inferior to others, less popular, disloyal or have let someone
down if they or their family do not use a product or service.
5.7 Advertisements must not take advantage of childrens
inexperience, credulity or sense of loyalty. Advertisements for
products or services of interest to children must not be likely to
mislead; for example, by exaggerating the features of a product or
service in a way that could lead to children having unrealistic
expectations of that product or service.
5.8 Child actors may feature in advertisements but care must be taken
to ensure that those advertisements neither mislead nor exploit
childrens inexperience, credulity or sense of loyalty.
5.9 Advertisements must neither directly exhort children to buy a
product or service nor encourage them to ask their parents, guardians
or other persons to buy or enquire about a product or service for
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them.
5.10 Advertisements that promote a product or service and invite
consumers to buy that product or service via a direct response
mechanism must not be targeted directly at children. For a definition
of direct response mechanism, see Section 8: Distance Selling.
5.11 If it includes a price, an advertisement for a childrens product or
service must not use qualifiers such as only or just to make the
price seem less expensive.
5.12 Television only Advertisements for a toy, game or comparable
childrens product must include a statement of its price or, if it is not
possible to include a precise price, an approximate price, if that
product costs 30 or more.
5.13 Advertisements for promotions targeted directly at children:
5.13.1 must include all significant qualifying conditions
5.13.2 must make clear if adult permission is required for children to
enter.
Advertisements for competitions targeted directly at children are
acceptable only if the skill required is relevant to the age of likely
participants and if the values of the prizes and the chances of winning
are not exaggerated.
5.14 Promotions that require a purchase to participate and include a
direct exhortation to make a purchase must not be targeted directly at
children.42
42 Regras 5.1 Mensagens publicitrias que sejam adequadas para crianas mais velhas, mas que possam afligir crianas mais novas devem ter sua exibio sensivelmente programada (veja Seo 32: Programao). 5.2 Mensagens publicitrias no devem admitir, encorajar ou exibir de forma insensata comportamento que poderia ser perigoso para as crianas imitarem. A publicidade no deve implicitamente ou explicitamente desacreditar as diretrizes de segurana estabelecidas. Comerciais no devem admitir, encorajar ou apresentar crianas saindo sozinhas ou com estranhos. Essa regra no pretende impedir publicidade que informa as crianas sobre os perigos ou riscos associados com comportamentos potencialmente lesivos. 5.3 Mensagens publicitrias no devem admitir ou encorajar prticas que so prejudiciais para a sade das crianas. 5.4 Comerciais no devem admitir ou encorajar o bullying. 5.5 Publicidade no deve retratar ou apresentar crianas com conotao sexual. 5.6 Mensagens publicitrias no devem insinuar que as crianas possivelmente sero ridicularizadas, tidas como inferiores, menos populares, desleais ou que tero decepcionado algum caso elas ou suas famlias no usem o produto ou servio. 5.7 Comerciais no devem se aproveitar da inexperincia, credulidade e senso de lealdade das crianas. Publicidade de produtos ou servios de interesse das crianas no devem induzir a erro; por exemplo, por meio do exagero nas caractersticas do produto ou servio, dando azo a expectativas irreais pelas crianas. 5.8 Atores mirins podem figurar em comerciais, mas devem ser tomadas precaues para assegurar que estas mensagens publicitrias no enganem ou explorem a inexperincia, credulidade ou senso de lealdade das crianas. 5.9 Comerciais no devem incitar diretamente as crianas a comprar um produto ou servio nem encoraj-las a pedir que seus pais, responsveis ou outras pessoas comprem ou se informem sobre o produto ou servio para elas. 5.10 Mensagens publicitrias que promovem um produto ou servio e estimulam os consumidores a compr-lo por meio de um mecanismo de resposta direta no devem ser destinados diretamente s crianas. Para definio de mecanismo direto de resposta, veja Seo 8: Venda distncia. 5.11 Caso o anncio de um produto ou servio infantil inclua o preo, no devem ser usadas expresses como apenas ou somente
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Do regramento supra, destacam-se a proibio de anncios que encorajam
comportamentos perigosos ou contrrios sade da criana e daqueles que incentivam
o bullying e apresentam os infantes com conotao sexual. Merece destaque, ademais,
o fato de que as mensagens publicitrias, alm de no poderem se aproveitar da falta de
experincia, credulidade e senso de lealdade das crianas, quando apresentarem
produtos e servios destinados aos infantes no podem dar margem ao engano (a
exemplo do exagero nas caractersticas do produto ou servio, de maneira a dar azo a
expectativas irreais pelas crianas).
Interessante, tambm, a disposio que probe a utilizao das expresses como
apenas ou somente em anncios de produtos ou servios destinados s crianas,
com o escopo de fazer com que o preo parea mais baixo. Outrossim, bem pertinente a
regra segundo a qual os comerciais de brinquedos, jogos ou outros produtos
assemelhados dirigidos aos infantes devem indicar o preo do bem anunciado ou, caso
no seja possvel indicar um valor preciso, um preo aproximado, se o produto custar
30 libras ou mais.
Como se observa, trata-se de regulamentao bastante abrangente e protetiva, que
assegura o respeito condio de hipervulnerabilidade das crianas frente
publicidade de forma mais precisa, contando at com exemplos. Essas normas so
ainda completadas pelo disposto na Seo 32 do Cdigo.
Alm do regramento protetivo inscrito na Seo 5, nos termos acima analisados, o
Cdigo do Reino Unido traz, na Seo 32, uma srie de restries concernentes aos
horrios de exibio dos comerciais com vistas a minimizar o risco de exposio dos
infantes. A proteo das crianas na seara da publicidade abarca, assim, regras que
restringem os horrios de transmisso de mensagens publicitrias susceptveis de
assustar ou afligir os infantes ou que sejam imprprias para eles (item 32.3).
Nessa Seo ressalta-se a regra que probe a exibio de comerciais de loterias, jogos de
azar, jogos de computador ou videogame com indicao para maiores de 15 anos,
remdios, vitaminas, dentre outros, durante ou de forma adjacente (leia-se:
imediatamente antes ou depois) aos programas direcionados a pessoas com menos de
16 anos ou que possam interessar particularmente esse grupo (item 32.4). Na mesma
proibio incidem os anncios de alimentos ou bebidas que contm grande quantidade
de gordura, sal ou acar, assim classificados pela tabela da Food Standards Agency
(item 32.5.1).
Digna de meno tambm a vedao de publicidade de produtos sanitrios e
para fazer com que o preo parea mais baixo. 5.12 Apenas para televiso Comerciais de brinquedo, jogo ou outro produto assemelhado dirigido aos infantes devem indicar o preo do bem anunciado ou, caso no seja possvel indicar um valor preciso, um preo aproximado, se o produto custar 30 ou mais. 5.13 Mensagens publicitrias de promoes destinadas diretamente s crianas: 5.13.1 devem conter todas as condies necessrias relevantes para participao. 5.13.2 devem deixar claro se necessria permisso de um adulto para que as crianas participem. Comerciais de competies direcionadas especialmente s crianas so aceitveis apenas nos casos em que a habilidade requerida seja relevante para a idade dos possveis participantes e caso os valores dos prmios e as chances de ganhar no sejam exageradas. 5.14 Promoes que requerem uma compra para participao e que incluam uma exortao direta para a compra no devem ser direcionadas diretamente s crianas. (traduo livre) Disponvel em: http://www.cap.org.uk/Advertising-Codes/~/media/Files/CAP/Codes%20BCAP%20pdf/BCAP%20 Section%205.ashx. Acesso em 24 out. 2013.
http://www.cap.org.uk/Advertising-Codes/~/media/Files/CAP/Codes%20BCAP%20pdf/BCAP%20%20Section%205.ashxhttp://www.cap.org.uk/Advertising-Codes/~/media/Files/CAP/Codes%20BCAP%20pdf/BCAP%20%20Section%205.ashx
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preservativos durante ou de forma adjacente aos programas direcionados aos menores
de 10 anos ou que possam interessar particularmente esse grupo (item 32.6). Ademais,
comerciais em que crianas so exibidas tomando remdio, vitaminas ou outros
suplementos alimentares no podem ser veiculados antes das 21 horas (item 32.7).
O regramento probe, outrossim, a publicidade de produtos relacionados
programao infantil nas duas horas antes e nas duas horas depois do programa, de
modo a evitar o apelo excessivo ao seu consumo pelos infantes, sendo permitida, ainda,
a majorao desse intervalo de proibio do comercial em casos especficos e at
mesmo a total vedao de quaisquer mensagens publicitrias enquanto o programa
estiver no ar (item 32.8).
Afora isso, o Cdigo, na Seo 32, restringe a difuso para somente aps as 21 horas de
comerciais em que pessoas (incluindo fantoches), que aparecem regularmente e
qualquer programa infantil num canal de televiso no Reino Unido, apresentam ou
incentivam o uso de produtos de interesse especial das crianas (item 32.9). E, ainda,
os comerciais com apario de pessoas que participam de um programa infantil no
podem ser exibidos nas duas horas anteriores e posteriores a um episdio ou edio do
respectivo programa (item 32.11).
Por fim, constata-se uma especial preocupao com a identificao da mensagem
publicitria pelas crianas. Neste passo, a veiculao de anncios, em que figura uma
personalidade conhecida ou algum que dirige ou cuja participao seja central num
programa infantil, proibida para os intervalos ou de forma adjacente ao respectivo
programa (item 32.10).
Vislumbra-se, pois, que vige no Reino Unido uma regulamentao bastante completa e
detalhada, com limitaes claras de contedo e horrio de exibio de anncios
dirigidos s crianas e das mensagens comerciais que possam de alguma forma lhes ser
nociva.
A elaborao de normatizao legal brasileira especfica nestes moldes consistiria em
um grande avano, h muito aguardado. Isso porque, considerando o carter
persuasivo da publicidade e seus efeitos no pblico infantil, facilmente se percebe que a
legislao atualmente em vigor no logra xito na proteo dos infantes frente
publicidade.
Mister se faz que a lei regulamente com profundidade e de forma restritiva a
publicidade em relao s crianas, impondo limites aos comerciais durante a
programao infantil, exigindo divises claras que ajudem as crianas a discernir
quando um programa termina e quando comea a publicidade, e at mesmo
estabelecendo restries de horrios para exibio de determinados comerciais43.
A adoo de uma lei especial nesse sentido - cuja inobservncia acarrete sanes de
natureza jurdica -, aliada a uma poltica pblica de educao para o consumo voltada
ao pblico infantil, figuraria como um importante passo para efetivao, no mbito do
43 Nesse sentido, o posicionamento de Dias, que afirma que certos limites de horrio e contedo de sua veiculao, quando direcionada s crianas, pessoas ainda em desenvolvimento, podem se justificar (DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhes. Op. cit., p. 190).
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direito do consumo, do princpio da proteo integral das crianas, consagrado na
Constituio.
Entretanto, na ausncia de legislao especfica e sistematizada regulamentando a
publicidade em consonncia com o pblico-alvo da mensagem, no caso, as crianas,
arrazoado dizer que vigem as regras contidas no CBARP, as quais, como fontes
subsidirias, podem ser aplicadas pelos magistrados no intuito de robustecer a
proteo das crianas frente publicidade ilcita44-45.
4. Estrutura do controle da publicidade infantil no Brasil
To relevante quanto a existncia de um regramento adequado e completo da
publicidade em relao s crianas tambm a implementao de um controle efetivo,
que de fato consiga punir os fraudadores da lei, a fim de, em ltima anlise, mitigar a
ocorrncia de publicidade ilcita nociva aos infantes.
O controle da publicidade no Pas, por se adotar o sistema misto, conta com uma
estrutura composta por rgos autorregulamentares e pblicos, aos quais compete
fiscalizar e impingir punies aos responsveis pela veiculao das mensagens
publicitrias contrrias aos parmetros vigentes. Verifica-se, portanto, a existncia de
uma estrutura privada de controle e de uma estrutura pblica de controle da
publicidade.
Vejamos, pois, de forma sinttica, como a concretizao da regulamentao legal e
corporativa tem sido levada a efeito, tanto a nvel privado como a nvel pblico, sob o
prisma da efetividade da proteo dos infantes frente publicidade.
4.1. O controle estatal da publicidade infantil
O controle da publicidade pelo Estado se faz essencial, pois somente o poder pblico
possui os meios necessrios a compelir o particular a cumprir suas obrigaes quando
da realizao de um ato publicitrio. Para tanto, vrios rgos com funes distintas
compem a estrutura pblica de controle da publicidade.
Martinez46, em trabalho sobre o tema, elenca as associaes de consumidores, os
Procons e o Ministrio Pblico como os rgos componentes desse sistema.
As associaes de consumidores, no obstante possuam natureza jurdica de direito
44 Nesse sentido, o art. 16 do CBARP prev: Embora concebido essencialmente como instrumento de autodisciplina da atividade publicitria, este Cdigo tambm destinado ao uso das autoridades e Tribunais como documento de referncia e fonte subsidiria no contexto da legislao da propaganda e de outras leis, decretos, portarias, normas ou instrues que direta ou indiretamente afetem ou sejam afetadas pelo anncio. 45 Na trilha desse entendimento, Campos chega a afirmar que as normas contidas no CBARP devem ser reconhecidas como forma legtima de direito, sendo imperativa sua aplicao pelos juzes (CAMPOS, Maria Luiza de Saboia. Op. cit., p. 243). Em sentido contrrio, Benjamin anota que nenhum relevncia externa conferida s regras de autorregulamentao (BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. et al. Op. cit., p. 313). 46 MARTINEZ, Srgio Rodrigo. Estrutura orgnica do controle da publicidade de consumo no Brasil. Revista de Direito do Consumidor, v. 42. So Paulo: Revista dos Tribunais abr.-jun. de 2002.
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privado, atuam de maneira complementar ao sistema pblico de controle da
publicidade. Sua atuao se resume a examinar o contedo das mensagens comerciais e
orientar os consumidores acerca de seus direitos, alm de ter legitimidade para propor
aes coletivas e ser a elas facultado encaminhar denncias aos rgos de defesa do
consumidor. Sua importncia resta evidenciada na previso do CDC de concesso pelo
poder pblico de estmulos sua criao e ao seu desenvolvimento (art. 5, V).
Os Procons, por seu turno, so rgos de natureza jurdica de direito pblico,
pertencentes administrao direta dos Estados ou dos Municpios, que atuam em
defesa dos interesses dos consumidores.
Desempenham papel especial na seara da publicidade ilegal, figurando como
autoridade pblica competente para aplicar sanes administrativas quando cabvel -
estando, contudo, desprovidos de competncia para suspender a veiculao de
publicidade ilegal, cabendo essa tarefa ao Poder Judicirio -, alm de propor aes
coletivas e atuar, por meio, principalmente, de procedimento conciliatrio frente a
reclamaes individuais dos consumidores pretensamente lesados.
Os Procons atuam, ademais, no mbito preventivo, ao conscientizar os consumidores
quanto a seus direitos bsicos, sobre as formas ilcitas de publicidade, bem como acerca
dos mecanismos de tutela. Concretizam, nesse passo, a educao para o consumo,
princpio constante do art. 4, IV, do CDC.
Outrossim, o Ministrio Pblico, como fiscal da lei e defensor da cidadania, exerce
atribuies de suma relevncia para o controle pblico da publicidade. O Parquet tem
legitimidade para pleitear em juzo em nome da coletividade em face da ocorrncia
lesiva da publicidade, alm de poder instaurar inquritos civis.
O inqurito civil um procedimento administrativo de carter inquisitorial e
informativo que permite a verificao da existncia de ilicitude na publicidade. Ao
instaurar um inqurito civil, o Ministrio Pblico, por um lado, evita por vezes a
propositura de medida judicial, j que este instrumento objetiva a composio
extrajudicial dos conflitos e, por outro lado, procede colheita de provas e demais
elementos de convico que fundamentam a eventual ao civil pblica na defesa dos
interesses da coletividade de consumidores47.
A ao civil pblica, como medida subsidiria (utilizada em caso de esgotamento das
formas conciliadoras de resoluo do conflito), constitui um instrumento fundamental
para o controle das mensagens publicitrias, inclusive daquelas dirigidas s crianas.
Cuida-se de procedimento judicial que, nos termos da atual redao do art. 5 da Lei
n. 7.347/1985, poder ser ajuizado no s pelo Ministrio Pblico, mas tambm pelas
associaes de proteo aos consumidores, desde que estejam constitudas h pelo
menos um ano, pelos Procons (visto que integram a administrao direta), como
tambm pela Defensoria Pblica.
A referida ao revela-se como medida eficaz para a tutela dos consumidores-criana,
uma vez que possibilita a suspenso e a cessao da difuso de uma publicidade
47 MARTINEZ, Srgio Rodrigo. Op. cit., p. 218.
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patolgica considerada abusiva por, de algum modo, se aproveitar da deficincia de
julgamento e experincia dos infantes, alm de permitir a imposio da
contrapropaganda, nos termos do art. 56, XII, do CDC, bem como a responsabilizao
dos responsveis pelo anncio em virtude dos danos morais e patrimoniais causados,
em consonncia com o art. 6, VI, do CDC48.
Diante disso, ressai induvidosa a importncia da utilizao desse instrumento pelos
legitimados ativos a fim de que seja realizado um controle exitoso da publicidade
infantil ilcita.
Por fim, afora os rgos citados por Martinez, cumpre destacar a atuao da Defensoria
Pblica na seara do controle da publicidade. Trata-se de rgo de Estado cuja
finalidade precpua consiste em prestar assistncia jurdica aos necessitados, na forma
do art. 5, LXXIV, da Constituio.
No desempenho deste mister, incumbe Defensoria Pblica a defesa dos consumidores
necessitados, orientando-lhes e representando-os em juzo, dispondo inclusive, com o
advento da Lei n. 11.448 de 15 de janeiro de 200749, de legitimidade ativa para a
propositura de ao civil pblica.
Diante do breve panorama aqui apresentado, verifica-se que, como pontua Carvalho, o
controle da publicidade exercido pelos rgos pblicos possibilitou uma atuao mais
direta e efetiva no combate s prticas lesivas aos direitos dos consumidores 50 ,
inclusive das crianas.
4.2. O controle privado da publicidade infantil
O controle da publicidade ilcita no Brasil, alm de ser realizado no mbito pblico,
contando com a atuao dos rgos acima citados, igualmente feito na seara privada
pelo Conselho Nacional de Autorregulamentao Publicitria.
O CONAR, a quem incumbe a autorregulamentao da publicidade, uma sociedade
civil sem fins lucrativos, com sede em So Paulo, criada em 5 de maio de 1980 e
constituda, nos termos do art. 8 de seu Estatuto Social, por entidades representativas
das agncias de publicidade, dos veculos de comunicao e dos anunciantes e,
isoladamente, por agncias de publicidade, veculos de comunicao, anunciantes,
fornecedores da indstria de propaganda, e ainda por entidades privadas dotadas de
personalidade jurdica e que objetivem a defesa do consumidor.
Essa entidade privada representativa de empresas que compe o setor publicitrio e de
comunicao tem por escopo principal a aplicao e a fiscalizao do cumprimento dos
limites ticos da publicidade, nos termos do Cdigo Brasileiro de Autorregulamentao
48 Art. 6 So direitos bsicos do consumidor: (...) VI - a efetiva preveno e reparao de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. 49 A Lei n. 11.448/2007 alterou a redao da Lei n. 7.347/1985 para fazer constar no rol dos legitimados para propositura da ao civil pblica a Defensoria Pblica (art. 5, II). 50CARVALHO, Jos Carlos Maldonado de. Direito do Consumidor: fundamentos doutrinrios e viso jurisprudencial. 4 ed. rev. e amp. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 140.
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Publicitria. Nesse sentido, vejamos o teor do art. 5 do Estatuto Social, que trata das
finalidades da instituio:
Artigo 5. So finalidades do CONAR:
I. Zelar pela comunicao comercial, sob todas as formas de propaganda, fazendo
observar as normas do Cdigo Brasileiro de Autorregulamentao Publicitria, que
prevalecero sobre quaisquer outras.
II. Funcionar como rgo judicante nos litgios ticos que tenham por objeto a
indstria da propaganda ou questes a ela relativas.
III. Oferecer assessoria tcnica sobre tica publicitria aos seus associados, aos
consumidores em geral e s autoridades pblicas, sempre que solicitada.
IV. Divulgar os princpios e normas do Cdigo Brasileiro de Autorregulamentao
Publicitria, visando a esclarecer a opinio pblica sobre a sua atuao
regulamentadora de normas ticas aplicveis publicidade comercial, assim entendida
como toda a atividade destinada a estimular o consumo de bens e servios, bem como
promover instituies, conceitos e ideias.
V. Atuar como instrumento de concrdia entre veculos de comunicao e anunciantes,
e salvaguarda de seus interesses legtimos e dos consumidores.
VI. Promover a liberdade de expresso publicitria e a defesa das prerrogativas
constitucionais da propaganda comercial.
Do trecho suso transcrito, infere-se que a atuao do CONAR se d mormente no
sentido de promover e controlar a aplicao do seu Cdigo de tica, inclusive no que
concerne s disposies relativas publicidade infantil, as quais foram apresentadas
em linhas pretritas.
O regramento constante do Cdigo de Autorregulamentao, apesar de sucinto e
genrico, como vimos, traz a lume importantes diretrizes para a publicidade dirigida s
crianas, que, caso estritamente observadas pelos agentes do meio publicitrio, dariam
azo a importante avano prtico na proteo das crianas consumidoras.
Ocorre que a submisso das mensagens publicitrias ao CONAR e a eficcia de suas
decises (que aplicam o CBARP) tem por espeque o fato de que a ele so associados
todos os setores econmicos envolvidos com a atividade publicitria. Desta sorte, a
observncia das deliberaes decorre de vnculo obrigacional, como pontua Miragem.51
Nesse sentido, a exigibilidade e eventual descumprimento das decises do conselho
resolvem-se como inadimplemento, ao contrrio da cogncia e autoridade da deciso
estatal52.
Assim sendo, as decises do CONAR, que impem as punies de advertncia,
recomendao de alterao ou correo do anncio, recomendao de sustao da
51 MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 3 ed. rev. atual. e amp. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 226. 52 Idem, p. 226.
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veiculao do anncio so de cumprimento espontneo53, estando desprovidas de efeito
vinculativo ou fora cogente. Nesta linha, Pasqualotto explica que os estatutos da
entidade no lhe outorgam nenhum poder coativo e, de qualquer modo, esse poder
sempre seria limitado, por se tratar de sociedade privada54-55.
Destarte, o CONAR, por deter apenas o poder tico de retirar de circulao a
publicidade enganosa ou abusiva, carece de autoridade para impor suas decises aos
anunciantes e aos veculos de comunicao. Isso, repise-se, porque os atos dessa
entidade se revelam apenas como recomendaes, pareceres, opinies, sem qualquer
coercitividade. De modo que o controle privado da tica publicitria realizado pelo
CONAR no se confunde com o controle jurdico que emerge de normas de proteo do
consumidor com fora de lei, em que o interesse pblico se pe em questo.
Diante disso, de fcil constatao o fato de que o controle privado da publicidade no
Brasil no suficiente para coibir as desconformidades das mensagens comerciais56.
A concretizao da autodisciplina como fenmeno especfico do regime corporativo
apresenta ainda mais um problema. Referimo-nos ausncia de um controle prvio das
mensagens publicitrias, subsistindo somente um controle posterior de cunho tico das
publicidades j veiculadas.
Esse exame tico a posteriori das mensagens publicitrias em que haja suspeita de
abusividade pode se revelar ineficaz, visto que o dano j pode ter sido perpetrado na
coletividade das crianas que foram expostas ao anncio.
Isso posto, entendemos que seria bastante adequado e efetivo um controle anterior
realizado pelo CONAR, com vistas a mitigar o grande volume de publicidades
inadequadas ao pblico infantil que acabam sendo difundidas.
Neste ponto, cumpre ressaltar que o papel de promover a proteo prioritria e integral
das crianas, a qual foi instituda pela Constituio da Repblica, incumbe no s ao
Estado e famlia, mas toda sociedade, nela includa os anunciantes e todos os outros
integrantes do setor de comunicao comercial.
Assim, como antes declinado, nos termos do art. 227, da Lei Maior, compete ao Estado,
famlia e sociedade, conjuntamente, a consecuo dessa tarefa de proteger as
crianas em todos os aspectos, inclusive frente publicidade, a fim de que lhes seja
assegurado um desenvolvimento pleno e harmonioso, com respeito e dignidade.
Neste diapaso, justifica-se plenamente a defesa de um controle mais severo e prvio da
publicidade pelo CONAR, j que cabe tambm a essa entidade, como participante da
sociedade, envidar todos os esforos para a atenuao de possveis interferncias no
bem-estar dos infantes em razo da publicidade antitica.
53 PASQUALOTTO, Adalberto. Op. cit., p. 68. 54 Idem, p. 68. 55 Por outro lado, Campos entende que, tendo em vista que as decises do Tribunal de tica do CONAR so prontamente atendidas pelos veculos de comunicao, h eficcia no cumprimento de suas recomendaes, o que, segundo ela, confere atuao do Conselho fora coercitiva, advinda do costume e do uso inveterado. (CAMPOS, Maria Luiza de Saboia. Op. cit., p. 241). 56 CHAISE, Valria Falco. Op. cit., p. 27.
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Nesta linha, traz-se baila novamente a experincia estrangeira, a fim de servir-nos de
inspirao para uma melhor efetivao da proteo das crianas frente publicidade.
No Reino Unido, alm de existir um controle posterior das mensagens publicitrias, h
um controle prvio (pre-clearance) da publicidade veiculada no rdio e na televiso57.
Os anunciantes nos pases do Reino Unido devem tomar medidas a fim de assegurar
que as publicidades que sero veiculadas so compatveis com o UK Code of Broadcast
Advertising. Para ajud-los, o setor de comunicao comercial fundou e financia dois
centros de controle prvio, o Clearcast para comerciais televisivos e The Radio
Advertising Clearance Centre para os anncios veiculados nas rdios58.
A observncia das normas autorregulamentares tratada com tamanha seriedade que,
em se tratando de televiso e rdio - veculos de comunicao aos quais esto expostos
a massa de consumidores -, a vasta maioria das mensagens publicitrias submetida a
um controle prvio.
Outrossim, em Portugal e na Espanha, o Instituto Civil de Autodisciplina da
Comunicao Comercial (ICAP) e a Asociacin para la Autorregulacin de la
Comunicacin Comercial (AUTOCONTROL), respectivamente, apresentam a
possibilidade de um controle a priori bem semelhante ao ingls.
Cuida-se de servio de aconselhamento jurdico confidencial gratuito para todos os
associados e sujeito custo para os no-associados, prestado pelo Gabinete Tcnico-
Jurdico, num prazo exguo, e que permite a correo tico-legal do projeto de anncio
antes de sua difuso. Aps a apreciao jurdica, cabe ao responsvel a difuso ou no
da mensagem, de sorte que o parecer prvio (Copy Advice) emitido no possui carter
vinculativo59.
Esse sistema complementar tem como escopo reduzir o risco de descumprimento das
normas de regulao da publicidade e, apesar da ausncia de carter vinculativo, tem se
mostrado extremamente til. Nesta linha, Castallo assinala que essa ferramenta tem
prevenido infraes e melhorado o conhecimento dos limites legais da publicidade por
parte da indstria publicitria, o que tem se traduzido em um aumento significativo do
nmero de anncios que obtm um parecer positivo60.
O autor aduz, ainda, que na Espanha, no mbito da publicidade televisiva, tem se
envidado grandes esforos para a proteo das crianas, sendo que, em 2010, a
AUTOCONTROL revisou previamente, por solicitao dos anunciantes e agncias,
cerca de 90% da publicidade televisiva dirigida infncia61.
57 Ademais, com relao a todas as mensagens publicitrias, incluindo as no veiculadas no rdio e TV, os Advertising Codes determinam que devam ser fundamentadas antes se serem veiculadas. (Disponvel em: http://www.asa.org.uk/About-ASA/About-regulation.aspx. Acesso em 26 out. 2013). 58 Disponvel em: http://www.asa.org.uk/About-ASA/About-regulation.aspx. Acesso em 26 out. 2013. 59 ALMEIDA, Susana. A autorregulao da comunicao comercial em Portugal: panaceia para a inoperncia do modelo regulador tradicional? Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, vol. II, n. 4. Curitiba: Editora Bonijuris, dez. de 2012, p. 240. 60 CASTALLO, Jos Domingo Gmez. La autorregulacin de la publicidad en Espaa. Revista Luso-Brasileira de Direito do Consumo, vol. I, n. 4. Curitiba: Editora Bonijuris, dez. de 2011, p. 181. 61 Idem, p.183.
http://www.asa.org.uk/About-ASA/About-regulation.aspxhttp://www.asa.org.uk/About-ASA/About-regulation.aspx
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Ante os impactos positivos do controle privado prvio das mensagens publicitrias,
pode-se dizer que, caso uma sistemtica similar fosse implantada no Brasil, certamente
a grande quantidade de publicidades inadequadas dirigidas s crianas no seriam
veiculadas, evitando toda sorte de danos ao desenvolvimento saudvel dessa categoria
hipervulnervel de consumidores.
Ante o exposto, conclui-se que a atuao do CONAR, apesar de relevante por
desestimular a veiculao de publicidade antitica, no ressai to efetiva por duas
razes principais, a saber, a falta de coercitividade de suas decises, as quais so de
cumprimento espontneo e incidem apenas sobre aqueles que aderiram ao controle
exercido pela instituio; e a ausncia de um controle prvio, a exemplo do que
realizado em outros pases.
5. Concluses
Do estudo aqui proposto, verificou-se que no Brasil hoje vigora o controle misto da
publicidade, coexistindo um controle privado levado a efeito pelo CONAR juntamente
com um controle estatal exercido segundo as normas do CDC.
O estatuto consumerista, ante a determinao constitucional do art. 22, XXIX,
regulamentou a publicidade em seus vrios aspectos, instituindo a proibio da
publicidade abusiva no art. 37, 2. Neste ponto, o Cdigo classificou como abusiva,
dentre outras, a publicidade que se aproveite da deficincia de julgamento e
experincia da criana. O CDC, outrossim, instituiu a proibio para o fornecedor de
prevalecer-se da fraqueza ou ignorncia do consumidor, tendo em vista sua idade, para
impingir-lhe seus produtos ou servios (art. 39, IV).
Por intermdio desses preceitos genricos, vislumbra-se que o CDC observou a
prioridade na proteo integral criana e reconheceu, implicitamente, a sua
hipervulnerabilidade no mercado de consumo, inclusive na seara da comunicao
comercial a elas dirigida.
Todavia, afora os mencionados dispositivos da lei consumerista, no encontramos no
ordenamento jurdico brasileiro outras normativas especficas referentes publicidade
infantil, competindo ao juiz in casu avaliar e definir as situaes de abusividade
direcionadas s crianas. Existem, no entanto, disposies que tratam da matria no
Cdigo de Autorregulamentao Publicitria. Apesar de tal regramento estabelecer
diretrizes bastante pertinentes, tem-se que esses preceitos constituem meras
recomendaes aos anunciantes, faltando-lhes o carter coercitivo e obrigatrio da lei.
Isso posto, foroso reconhecer que a regulamentao legal da tutela dos infantes
frente publicidade ainda se revela bastante genrica e imprecisa, sendo imperioso que
o piso mnimo da tutela do consumidor constante do CDC seja complementado por
normatizao legal especfica que traga baila limites claros e mais severos para a
publicidade destinada aos infantes, a fim de que, em ltima anlise, se promova uma
melhor efetivao da proteo integral da criana e do respeito de sua vulnerabilidade
agravada.
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Nesse sentido, valendo-se das disposies do The UK Code of Broadcast Advertising,
prope-se alguns contornos e restries de contedo e horrio da publicidade dirigida
s crianas que podem constar de eventual regulamentao legal brasileira, dentre os
quais se destacam os seguintes:
- as mensagens publicitrias quando apresentarem produtos e servios destinados aos
infantes no podem dar margem ao engano (a exemplo do exagero nas caractersticas
do produto ou servio, de maneira a dar azo a expectativas irreais pelas crianas);
- fica vedada a exibio de comerciais de alimentos ou bebidas que contm grande
quantidade de gordura, sal ou acar durante ou de forma adja