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UNIVERSIDADE PARANAENSE - UNIPAR RECONHECIDA PELA PORTARIA - MEC N.º 1580, DE 09/01/93 - D.O.U. 10.11/93 MANTENEDORA: ASSOCIAÇÃO PARANAENSE DE ENSINO E CULTURA - APEC JOÃO MILTON SALLES A PROVA DO CRIME ANTECEDENTE NO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO UMUARAMA 2008

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UNIVERSIDADE PARANAENSE - UNIPAR RECONHECIDA PELA PORTARIA - MEC N.º 1580, DE 09/01/93 - D.O.U. 10.11/93 MANTENEDORA: ASSOCIAÇÃO PARANAENSE DE ENSINO E CULTURA - APEC

JOÃO MILTON SALLES

A PROVA DO CRIME ANTECEDENTE NO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO

UMUARAMA

2008

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JOÃO MILTON SALLES

A PROVA DO CRIME ANTECEDENTE NO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO

Trabalho de dissertação apresentado como requisito para a conclusão do Curso de Mestrado em Direito Processual e Cidadania da Universidade Paranaense - UNIPAR. Área de concentração: Processo Penal Linha de Pesquisa: Eficácia Processual Orientador: Fábio André Guaragni ______________________________________ Profº. Dr. Fábio André Guaragni ______________________________________ Profº. Dr. ______________________________________ Profº. Dr. Umuarama, ____ de _______ de 2008.

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AGRADECIMENTOS

Ao Professor Dr. José Alfredo de Oliveira Baracho, a quem tenho

grande apresso e gratidão.

Ao meu orientador, professor, colega e amigo, Dr. Fábio André

Guaragni, meu incentivador e referencial de profissão.

E aos colegas do Curso de Mestrado em Direito e Cidadania da

Universidade Paranaense que, de alguma maneira, contribuíram para esta

dissertação, notadamente à amiga Cristiane Codoli Siqueira.

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SALLES,João Milton. A prova do crime antecedente no crime de lavagem de dinheiro. 2008. 92 f. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito e Cidadania da Universidade Paranaense – UNIPAR.

Resumo: A presente dissertação trata da criminalidade organizada, suas origens históricas, da problemática de sua conceituação, da lavagem do dinheiro proveniente das suas atividades ilícitas, da tipificação penal do crime de lavagem de dinheiro, notadamente, das questões referentes à prova dos crimes antecedentes para o recebimento da denúncia e para o processo e julgamento da ação penal proposta, conforme disposição legal dos arts. 1° e 2°, incisos II e § 1°, ambos da Lei n.° 9.613, de 3 de março de 1998. Palavras-chave: Criminalidade organizada. Lavagem de dinheiro. Prova e incídios do crime antecedente

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SALLES, João Milton. A prova do crime antecedente no crime de lavagem de dinheiro. 2008. xxx f. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito e Cidadania da Universidade Paranaense – UNIPAR.

Abstract: The present dissertation aims at talking about organized criminality, its historical origins, its controversial conceptualization, money laundering originating from illicit activities, kind of penalty for money laundering crime, notoriously, from issues referred to the proofs of preceding crimes to the receipt of report and to the sue and judgment of the penal lawsuit proposed, according to legal disposal from articles 1º and 2º, II and § 1º, both from Law # 9.613, March 3rd 1998. Key words: organized criminality, money laundering, proof of preceding crime, enough clues of preceding crime.

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SUMÁRIO

RESUMO.......................................................................................................... 04 ABSTRACT...................................................................................................... 05 INTRODUÇÃO.............................................................................................. 07 1 RAZÕES HISTÓRICAS............................................................................... 091.1 O ANTECEDENTE DO CRIME ORGANIZADO......................................... 091.2 O CONCEITO DE CRIME ORGANIZADO................................................. 161.3 DA LAVAGEM DE DINHEIRO E O SEU CONCEITO................................ 181.4 ETAPAS DA LAVAGEM DE DINHEIRO.................................................... 211.5 CONVENÇÕES E ORGANISMOS INTERNACIONAIS............................. 251.6 DA LEI N° 9.613/98.................................................................................... 29 2 BEM JURÍDICO............................................................................................ 332.1 O BEM JURÍDICO PROTEGIDO NO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO........................................................................................................

41

3 O TIPO DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO...................................... 523.1 SUJEITOS DO CRIME............................................................................... 54 3.1.1 Sujeito Ativo........................................................................................ 54 3.1.2 Sujeito Passivo.................................................................................... 563.2 NÚCLEOS DO TIPO.................................................................................. 573.3 OBJETO MATERIAL.................................................................................. 613.4 O TERMO CRIME COMO ELEMENTO NORMATIVO DO DELITO DE LAVAGEM DE DINHEIRO...............................................................................

63

3.5 TIPO SUBJETIVO...................................................................................... 69 4 DESDOBRAMENTOS ALUSIVOS AO ELEMENTO NORMATIVO............. 724.1 DESDOBRAMENTOS PROBATÓRIOS ATÉ O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA: ARTIGO 2°, § 1°, DA Lei 9.613/98..............................................

72

4.2 DESDOBRAMENTOS PROBATÓRIOS RELATIVOS AO PROCESSO E AO JULGAMENTO...........................................................................................

78

CONCLUSÃO........................................................................................ 87 BIBLIOGRAFIA............................................................................................ 89

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INTRODUÇÃO

A criminalidade organizada, embora não seja um fenômeno social recente,

adquiriu proporções nunca imaginadas: é capaz de gerar riquezas e proporcionar

uma circulação de capitais ao redor do mundo maior que o produto interno de

vários países.

As atividades criminosas dessas organizações criminosas vão desde a

produção e comercialização de substâncias entorpecentes, a exploração da

prostituição, pirataria, tráfico de armas e pessoas, espionagem industrial,

corrupção até a exploração de jogos de azar, dentre outras.

Muitas das atividades criminosas praticadas por tais organizações contam

com o consentimento de parcelas significativas das sociedades que, ou

consumindo os produtos ilícitos ofertados ou simplesmente apoiando uma

ideologia proposta, fomentam tais atividades. E isso, aliado à corrupção e ao

ingresso de integrantes dessas organizações nas estruturas políticas e

administrativas dos estados, dificulta sobremaneira o combate ao crime

organizado.

Além da lesividade dos crimes praticados, essas organizações criminosas,

que atingem os mais variados bens jurídicos como a vida, a integridade física, a

saúde, o patrimônio, geram grande volume de bens, direitos e valores os quais

são inseridos na economia mundial, misturando-se com as movimentações lícitas

de capitais, lesando, assim, a ordem econômica.

Para tanto, as organizações criminosas se valem das tecnologias

disponíveis e de mecanismos de circulação de capitais bastante ágeis,

característicos da globalização da economia mundial.

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Diante de tal panorama e tendo em vista a impossibilidade de combate aos

crimes praticados pelas organizações criminosas, chegou-se à conclusão de que

para se combater de forma eficaz o crime organizado é necessário perseguir a

atividade de ocultação e reinserção na economia dos bens, direitos e valores

provenientes das suas atividades.

O primeiro documento internacional a tratar do assunto foi a Convenção

Contra o Tráfico ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas –

Convenção de Viena – aprovado na Áustria no ano de 1988, do qual o Brasil foi

signatário e, cerca de sete anos depois, cumpriu o preceito referente ao combate

à lavagem de dinheiro com a edição da Lei n.° 9.613, de 03 de março de 1998.

Essa lei, ao tipificar a conduta de lavagem de dinheiro, no seu art. 1°,

enumerou, de forma taxativa, os crimes antecedentes, geradores dos bens,

direitos e valores objetos da descrição fática.

A partir daí surge a discussão a respeito da autonomia do crime de

lavagem de dinheiro em relação aos crimes antecedentes, eis que o art. 2° da Lei

n.º 9.613/98, no seu inciso II, dispõe que o processo e o julgamento do crime de

lavagem de dinheiro independem do processo e julgamento dos crimes

antecedentes e, no seu § 1°, dispõe que para o recebimento da denúncia basta a

demonstração de indícios da existência desses crimes.

Resta, pois, analisar qual o alcance dessas normas, uma vez que a

independência do crime antecedente deve ser apreciada de forma relativizada,

pois o que não se exige é a demonstração da autoria deste crime antecedente,

sendo necessária a sua materialidade para que reste demonstrada a origem ilícita

dos bens, direitos e valores utilizados.

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1 RAZÕES HISTÓRICAS

1.1 O ANTECEDENTE DO CRIME ORGANIZADO

Duas vertentes históricas vêm à baila quando o tema abordado é a

lavagem de dinheiro: a primeira, refere-se ao surgimento e evolução do crime

organizado em um contexto mundial, e a segunda engloba o histórico legislativo

internacional e nacional para o combate do crime organizado e da lavagem de

dinheiro.

Como meios para acúmulo de riquezas, anteriores ao surgimento da

máfia, Albérico Camelo de Mendonça (2006, p.21/23) destaca o regime

escravocrata, a pirataria e o corso.

Para o autor, o regime escravocrata, inicialmente visto pelo Estado como

prática autorizada, surgiu quando o homem passou a enxergar no próximo um

meio para exploração de trabalho e conseqüente aumento do seu capital, assim o

mais poderoso escravizava o mais fraco. O mesmo autor informa que nos dias

atuais ainda ocorrem tráfico e escravização de seres humanos, garantindo

suporte ao crime organizado e à lavagem de dinheiro (2006, p. 22).

Quanto à pirataria e ao corso, destaca o autor:

Outra prática infame muito utilizada no passado para obtenção e acúmulo de riquezas foi a pirataria e o corso. A primeira foi usada desde os tempos antigos, tanto pelos fenícios, quanto pelos gregos e romanos. Ambas foram utilizadas pelos portugueses, espanhóis, ingleses, holandeses, franceses e até chineses. Embora desenvolvessem a mesma atividade, isto é, o roubo e o saque de navios e de populações marítimas indefesas, a diferença entre piratas e corsários é que os primeiros roubavam por conta própria e os segundos faziam por ordem e proteção de reis ou de pessoas detentoras de autoridade. Os corsários, por serem subordinados, tinham que prestar contas aos seus superiores, entregando-lhes parte do produto roubado. Considerados heróis em seus países, piratas e corsários eram vistos em outros países como bandidos da mais alta periculosidade. (MENDONÇA, 2006, p.22)

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O texto acima demonstra uma forma de organização criminosa, na qual

há distribuição de tarefas e a presença de hierarquias, que é representada

modernamente pelo surgimento das máfias italianas.

Rodolfo Tigre Maia (1997, p. 06/07) destaca que o surgimento da máfia

se deu como uma reação defensiva à exploração durante séculos dos

camponeses sicilianos, resultado da não implementação da reforma agrária, da

manutenção dos latifúndios improdutivos e da opressão feudal, pela inexistência

de uma classe média e a rigidez do sistema de ascensão social, da absoluta

ausência do Estado e pela elevada instabilidade política e sucessivas invasões

estrangeiras. E, sobre o tema, continua:

Inicialmente, na sua vertente criminosa (controverte-se acerca da existência de uma vertente comprometida com mudanças sociais e políticas e da época em que tal variante surgiu), aflora na região de Palermo, no século XVIII, logo espraiando-se por toda a Sicília. Já naquela época, os relatórios policiais referiam-se a ela como “uma rede de quadrilhas de extorsão politicamente protegidas (...) como grupos de criminosos que aterrorizam a comunidade local, vivendo de extorsões e outros ganhos ilegais, e controlam o acesso aos empregados e mercados comunais”. Com seu advento novos elementos estruturais passam a caracterizar as associações de criminosos, já que a originalidade desta sociedade secreta estava “em parecer como uma família, vinculada não pelo sangue mas pela nacionalidade siciliana. Através de um compromisso solene todos votavam nunca revelar os segredos da Máfia mesmo sob dor ou morte. A disciplina que manteve a Máfia unida através dos séculos foi a omertá, que significa ‘honradez’ ou, usualmente, ‘silência’. Esse foi o código da Máfia então e o é até agora. (MAIA, 1997, p. 07)

O objetivo primordial dessa modalidade de organização criminosa volta-

se para a obtenção de lucro fácil, sem qualquer vinculação a um objetivo social ou

mesmo político. Desta forma, verifica-se que a máfia, na verdade, pretendia

manter a situação desprivilegiada, sem a possibilidade de mudança. Rodolfo Tigre

Maia ilustra essa evolução:

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(...) ao analisar como a organização sobreviveu ao período de predominância do capitalismo agrário e de formação do estado nacional, no século XIX, resistindo portanto ao processo de modernização na Sicília, as razões de sua manutenção residem na “persistência de um idêntico padrão clientelista de mobilização política nos níveis nacional, regional e local. Apesar do lapso de tempo decorrido desde os oitocentos, apesar, igualmente, do interlúdio de governo fascista – o arranjo político que foi determinante do ascenso da Máfia permaneceu protegendo-a, pelo menos até o verão de 1992”, donde decorre que ela “é organicamente e simbioticamente ligada as elites políticas”, Acrescentam estes autores, também, que ‘da perspectiva de um procurador ou investigador antimafia, mafiosos que proclamam não estar envolvidos no maligno tráfico do final de século vinte – drogas, armas, lavagem de dinheiro – simplesmente não merecem crédito (...) Mafiosi que buscam legitimidade através da identificação com antiga tradição rural, são suspeitos, porque aos olhos dos procuradores, a mafia sempre procurou monopolizar poder e recursos através de meios ilegais e violentos”. É assim, dentre outras razões, no bloco histórico das contradições antagônicas entre capitalismo e feudalismo, entre indústria e latifúndio, entre cidadania e clientelismo nas relações políticas da formação social italiana que encontramos alguns dos fatores determinantes do surgimento e da persistência do fenômeno mafioso naquele país nos dias de hoje. Ao contrário da Camorra, sua congênere napolitana de origem urbana, e da ‘Ndrangheta, surgido na Calábria, hoje uma das mais poderosas OC, ambas de penetração social mais lenta, já na década de 20 deste século a Mafia dominava inteiramente o cenário político e econômico siciliano e possuía sólidas ramificações em diversas cidades norte-americanas que depois se organizaram autonomamente sob o nome de La Cosa Nostra (LCN). (...) na década de 40, “a história das sociedades criminosas italianas neste país começa pouco antes da virada do século, quando gânsgsters do velho mundo, integrantes da Mafia e da Camorra vieram para a América”. (MAIA, 1997, p. 08/09, grifos do original)

Com a expansão da máfia italiana para os Estados Unidos, originou-se a

máfia norte-americana-italiana (ou ítalo-americana), uma modalidade de crime

organizado caracterizada pela internacionalização e por uma organização

bastante rígida, demarcada pelo respeito incondicional aos seus dirigentes.

Também se desenvolveram em várias localidades do mundo máfias de cunho

interno ou regional (GOMES. CERVINI. 1997, p. 73).

Nos Estados Unidos a criminalidade organizada originou-se no período

da “Proibição”, quando foi instituída a Lei Seca. Em 1920 adotou-se uma

legislação federal no país proibindo a fabricação, a venda e o transporte de

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bebidas com teor alcoólico superior a 0,5%, salvo se comprovada utilização para

fins medicinais. Este contexto favoreceu o surgimento de inúmeras organizações

criminosas atuantes em um mercado de fornecimento de produtos e serviços

ilegais vinculados à produção e ao consumo de álcool, os quais movimentavam

milhões de dólares anualmente. É nesse cenário que o conhecido Al Capone

conquista sua fortuna, atuando, principalmente, na região de Chicago (MAIA,

1999, p.26/28).

Atualmente várias são as máfias e organizações criminosas em atuação.

Na Itália atuam a Camorra (Campânia), N’Drangheta (Calábria), Cosa Nostra

(Sicília) e Sacra Corona Unita (Puglia); na Rússia, países desmembrados da

URSS, Espanha e Portugal está presente a Máfia Russa; na China e sudoeste

asiático as Tríades Chinesas, na Colômbia os Cartéis Colombianos, no Japão a

Yakussa, nos Estados Unidos a La Cosa Nostra etc. (MENDONÇA, 2006, p. 28).

O dinheiro das organizações criminosas advém das mais variadas

práticas delituosas, dentre elas: tráfico ilícito de drogas, tráfico de armas, tráfico

de seres humanos e do comércio ilegal (principalmente de produtos piratas ou

contrabandeados), espionagem industrial, dentre outras.

Vejamos, brevemente, os ilícitos a que se dedicam as principais máfias

em atividade no mundo: as Tríades Chinesas, os Cartéis Colombianos, a Máfia

Siciliana e a Máfia Russa (BLANCO CORDERO, 2002, p. 39).

Dentre as atividades ilegais praticadas pelas Tríades Chinesas estão:

tráfico de heroína para os Estados Unidos e Europa, contrabando de armas,

roubo e contrabando de automóveis de luxo, intervenção em mercados de iates

de luxo, práticas fraudulentas contra cartões de crédito (BLANCO CORDERO,

2002, p. 40/41), exploração da prostituição, transporte ilegal de pessoas que

pretendem fugir do comunismo, indústria do lazer e entretenimento e mídia, com

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as quais lucram, anualmente, algo por volta de 200 bilhões de dólares

(TOGNOLLI. ARBEX JR., 2004, p. 36).

Segundo dados do próprio governo chinês, as Tríades praticamente controlam o tráfico de containers entre a China continental e os portos de Hong Kong e outros países do Sudeste asiático. É claro que isso propicia o desenvolvimento de tráfico de drogas, do contrabando, do transporte ilegal de todo tipo de mercadoria – incluindo seres humanos. Isso tudo tem um impacto social altamente nocivo e desestabilizador, já que as máfias funcionam como fonte de suborno e corrupção das autoridades, assim como criam “bolsões” de simpatia entre a população local por conta de sua proximidade étnica e de oportunidades de ganhar algum dinheiro com pequenos negócios vinculados às atividades do crime organizado. (TOGNOLLI. ARBEX JR., 2004, p. 36)

Os Cartéis Colombianos dedicam-se exclusivamente ao tráfico de drogas

e atividades relacionadas, atuando com grande incidência na Europa. Foram

apoiados financeiramente pela Cosa Nostra (italiana) no momento em que

passaram a plantar a cocaína exclusivamente na Colômbia1 (MENDONÇA, 2006,

p. 29).

Já dissemos, no início, que os recursos e a atividade das máfias no mundo contemporâneo foram, em grande parte, gerados e estimulados pelos cartéis de droga da Colômbia, em especial os de Cali e Medellín. O poder e os tentáculos que estas organizações conquistaram nos anos 80 são amplamente conhecidos em todo o mundo, sem que haja necessidade, aqui, de maiores detalhamentos. Basta dizer que, juntos, produziram 80% de toda a cocaína consumida nos Estados Unidos, faturavam, anualmente, US$ 200 bilhões e constituíam – de longe – o setor produtivo mais importante da economia colombiana. (TOGNOLLI. ARBEX JR. 2004, p. 38)

A Cosa Nostra, máfia instalada na Sicilia, é a mais antiga dentro do seu

país e possui as suas atividades voltadas, dentre outras, à prática de suborno, às

adjudicações fraudulentas, ao tráfico de heroína e à proteção a instituições

1 Informa Alberico Mendonça que, anteriormente a esse período, os cartéis atuaram no Peru e na Bolívia utilizando produtos brasileiros para refino da cocaína, sendo que os laboratórios localizavam-se na região amazônica.

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financeiras e bancos como garantia no auxílio à lavagem de dinheiro (BLANCO

CORDERO, 2002, p. 45).

Está instalada em 390 municípios sicilianos, conta com cerca de 5 mil

afiliados e caracteriza-se por uma estrutura de hierarquia piramidal. É a máfia

responsável pelos homicídios de Giovanni Falcone e Paolo Borselino,

magistrados que combatiam a máfia de forma enérgica, e o general Carlo Alberto

Dalla Chiesa, reconhecidamente a maior autoridade italiana contra a máfia dentro

do país. Continua em expansão enviando famílias para a Rússia e América Latina

(principalmente Brasil, Colômbia e Venezuela) e, de acordo com dados da

Interpol, auxilia os cartéis colombianos e as Tríades chinesas na lavagem de

dinheiro, a partir de uma base no Caribe que presta serviços turísticos, em troca

do fornecimento de cocaína daquela e de papoula, ópio e heroína desta

(TOGNOLLI. ARBEX JR. 2004, p. 45).

A Máfia Russa tem no seu rol de atividades ilícitas o tráfico de drogas, de

matérias-primas, material nuclear, tráfico de mulheres, crianças e adolescentes

para prostituição (MENDONÇA, 2006, p. 28). Esta máfia originou-se devido à

fragilidade econômica, pela economia mascarada e corrupção dentro da antiga

União Soviética, fatos que geraram reflexos dentro da justiça penal, a qual não

contava com leis para o combate das organizações criminosas (BLANCO

CORDERO, 2002, p. 47).

Los grupos delictivos son muy numerosos y están muy repartidos por el território ruso. Se dedican a múltiples actividades, ligadas, generalmente, al pillage de los recursos locales. Una de las particularides de la mafia rusa es su extrema violencia, dirigida tanto contra los demás miembros del grime organizado – lo que es algo tremendamente corriente em todas las mafias – como contra las personas ajenas a las organizaciones mafiosas. Esta violencia, unida a um estraordinario dinamismo delictivo, convierte a la máfia rusa en extraordinariamente peligrosa, tanto más cuanto domina casi por completo la economia rusa. Los mafiosos más emprendedores dejan Rusia y se instalan por todo el mundo, imponiendo sus métodos. El

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Estado, tanto el ruso como el de las antiguas repúblicas soviéticas, piensa que es totalmente impossible acabar com ella. Más bien al contrario, tanto en Rusia como en el resto del mundo se expande vertiginosamente. (MAILLARD, 2002, p. 71)

Segundo dados oficiais, atualmente, a máfia russa controla 40% dos

negócios privados na Rússia, número que pode subir até 80% se consideradas as

taxas extorquidas de empresas por grupos mafiosos em troca de “proteção”. E

ainda, das empresas que foram privatizadas nos meados dos anos 90, 60% estão

sob o controle total ou parcial da máfia, 50% dos bancos moscovitas possuem

estreita relação com a máfia (índice que aumenta para 70% quando considerado

o sistema bancário russo em geral), 70% do comércio, hotéis e serviços estão sob

o comando dos mafiosos e qualquer nacional ou estrangeiro que pretenda abrir

um escritório de representação em Moscou deve entregar à máfia 15% dos seus

lucros. Há, ainda, fortes indícios de que muitos oficiais e generais russos estejam

ligados à máfia em práticas de corrupção (TOGNOLLI. ARBEX JR., 2004, p. 56).

No Brasil, tem-se conhecimento que uma organização criminosa

chamada Scuderie Le Cocq foi fundada no Rio de Janeiro em 1964, a partir do

homicídio contra um detetive chamado Milton Le Coqc. Desde então, criminosos

eram encontrados mortos ao lado de um cartaz com o desenho de um crânio,

símbolo da organização. Registros mostram que a Scuderie foi criada com o

objetivo de servir à comunidade, combatendo a criminalidade e tóxicos.

Essa organização só passou a ser vista como criminosa a partir de 1992,

quando um menor foi morto depois de conversar com policiais militares (os quais,

juntamente com policiais civis, integram a organização). Quando sua sede, no

Espírito Santo, foi revistada foram encontrados registros de sócios, dentre os

quais estavam um juiz e um promotor (TOGNOLLI. ARBEX JR., 2004, p. 77/79).

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1.2 O CONCEITO DE CRIME ORGANIZADO

Não há consenso quanto à conceituação de crime organizado e, dentro

destas perspectivas, esta é uma tarefa à qual poucos se arriscam.

Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo (2003, p. 23) afirma que “penalistas

e criminólogos confessam não saber definir crime organizado” pois se trata de

“uma expressão sem nenhum rigor científico; verdadeira figura de linguagem, ao

invés de conceito jurídico e sociológico”.

Evandro Fernandes de Pontes e Guilherme Madeira Dezem, em artigo

intitulado Crime Organizado e Devido Processo Legal, admitem a dificuldade de

conceituação de crime organizado, matéria que está longe de ser objeto de um

entendimento pacífico dentre os estudiosos do tema em todo o mundo (2000, p.

249).

Em contraponto à idéia de Hegel, de que o crime é uma decorrência natural da vida em sociedade, sendo impossível erradicá-la do meio social, podemos afirmar que o crime organizado seja a faceta delitual da própria sofisticação da sociedade, qual seja, é o uso de meios mais complexos oriundos de outros gêneros do conhecimento humano com o intuito da prática delituosa. O crime organizado é a atuação de um fenômeno social não mais de forma eventual, mas de forma autônoma e sistemática nos moldes empresariais. (PONTES. DEZEM, 2000, p. 249)

Rodolfo Tigre Maia (1997) indica alguns conceitos de crime organizado

elaborados pela doutrina estrangeira, dentre eles destacam-se:

c) O atual diretor do FBI, órgão do Departament of Justice do Governo norte-americano, o classifica como “uma conspiração criminal continuada, possuidora de uma estrutura organizada empresarial, conspiração alimentada pelo medo e pela corrupção” e esta agência o define como “qualquer grupo possuidor em algum nível de uma estrutura formalizada e cujo objetivo primário é obter dinheiro através de atividades legais. Estes grupos mantêm sua posição através do uso da violência, corrupção de funcionários públicos, tráfico de influência ou

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extorsão, e geralmente alcançam um impacto significativo na população dos locais ou regiões do país”; d) a Interpol formalmente já o definiu como “qualquer empresa ou grupo de indivíduos engajados em uma contínua atividade ilegal que tem por objetivo primário a geração de lucros, para além das fronteiras nacionais. Recentemente, a unidade de Crime Organizado da instituição modificou o conceito para incluir a utilização da violência e de suborno (...)”; (MAIA, 1997, p. 38)

Para entender o crime organizado é preciso ter em mente a necessidade

de estudo do contexto social e cultural em que ele está inserido, visto que

acompanha a evolução social. Assim, estudando o homem, seus princípios e

valores, é possível conhecer a nossa sociedade, sua ordem jurídica e seus

conceitos éticos, nos quais o crime organizado está presente, utilizando-se dos

fenômenos modernos, da tecnologia, eficiência nas comunicações para se

desenvolver (PONTES. DEZEM. 2000, p. 250/251).

Acertadamente, lembra Luiz Flávio Gomes (1997, p. 80) que as

organizações criminosas representam um crime organizado mercantilista.

Entretanto, não se pode esquecer que “o crime organizado possui o seu lado

‘dourado’, isto é, ele também é praticado por gente de colarinho branco. Em torno

da corrupção, favorecimentos ilegais, crimes contra a concorrência pública,

evasão de divisas, sonegação fiscal, etc, há muita organização criminosa”.

No Brasil a Lei n.° 9.034/95 dispõe sobre meios operacionais para

prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas. O artigo

1° desta Lei previa, inicialmente, a sua aplicação aos crimes praticados por

quadrilhas ou bando. Com o advento da Lei n.° 10.217/01, este rol de

aplicabilidade foi estendido para ações criminosas praticas por organizações e

associações criminosas de qualquer tipo. Em que pese a alteração da Lei, esta

em momento algum apresentou os conceitos de bando, quadrilha, associação ou

organização criminosa para fins de sua aplicação.

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O Código Penal Italiano, em sentido contrário, define organização

criminosa, chamada em seu texto de associazione di tipo mafioso, no artigo 416

bis, como sendo aquele que exige a participação de pelo menos três pessoas e a

utilização por parte dos membros do grupo de força intimidativa do vínculo

associativo, da condição de submissão ou da lei do silêncio dali oriunda, para

adquirir, de modo direto ou indireto, a gestão ou o controle de atividades

econômicas, de concessões ou de permissões de serviços públicos, para obter

lucro ou vantagem ilícita. Punem-se, também, as ações que visem obstruir o livre

exercício do direito de voto, ou a utilização de poder intimidatório para captar

votos para si ou para outrem2.

Embora haja tal dificuldade doutrinária e jurisprudencial na elaboração do

conceito de crime organizado, é consenso nessas esferas que este está

intimamente ligado a mecanismos e procedimentos voltados para tornar lícito o

dinheiro advindo da atividade delituosa, prática historicamente conhecida como

lavagem de dinheiro.

1.3 DA LAVAGEM DE DINHEIRO E O SEU CONCEITO

Certo é que as organizações criminosas, nas suas diversas áreas de

atuação, geram um grande volume de dinheiro, bens e direitos decorrentes de

2 Chiunque fa parte di un'associazione di tipo mafioso formata da tre o piu' persone (...) L'associazione e' di tipo mafioso quando coloro che ne fanno parte si avvalgono della forza di intimidazione del vincolo associativo e della condizione di assoggettamento e di omerta' che ne deriva per commettere delitti, per acquisire in modo diretto o indiretto la gestione o comunque il controllo di attivita' economiche, di concessioni, di autorizzazioni, appalti e servizi pubblici o per realizzare profitti o vantaggi ingiusti per se' o per altri ovvero al fine di impedire od ostacolare Il libero esercizio del voto o di procurare voti a se' o ad altri in occasione di consultazioni elettorali (...). Disponível em http://www.unifr.ch/ddp1/derechopenal/legislacion/it/cp.htm, acesso em 15 de novembro de 2007.

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suas atividades ilícitas, os quais necessitam ingressar na economia de forma a

encobrir sua origem criminosa.

As organizações criminosas e a lavagem de dinheiro não coexistem separadamente. Não é possível imaginar uma organização criminosa que não pratique a lavagem de dinheiro obtido ilicitamente, como forma de viabilizar a continuidade dos crimes, sempre de maneira mais aprimorada. (...) (...) As organizações criminosas operam sempre sobre o eixo dinheiro-poder. O dinheiro atrai o poder e vice-versa. Assim, pode-se dizer que toda organização criminosa precisa e necessariamente pratica lavagem de dinheiro, mas inverso nem sempre é verdadeiro, pois nem sempre quem lava dinheiro pertence a uma organização criminosa. (MENDRONI, 2006, p. 09/10)

Lavagem de dinheiro é “o processo pelo qual se busca atribuir faceta lícita

a ganhos advindos de atividades ilegais, tencionando assim, além de obstar a

atividade estatal (...) a criação de um canal seguro de transferência de valores de

forma a incrementar a atividade delituosa” (MACEDO, 2007, p. 30).

Cada uma das organizações criminosas acima citadas como sendo as

principais em atuação utiliza um procedimento para a lavagem de dinheiro e,

certamente, o avanço tecnológico vem contribuindo para a criação de novas

práticas capazes de burlar o rastreamento de bens e valores.

Para legitimarem os lucros da atividade delituosa, as Tríades Chinesas

agem da seguinte forma:

Los sistemas que emplean para blanquear el dinero han sido descritos de la seguiente manera. Los chinos transportan el dinero desde el lugar de recolección hasta el lugar de la inversión en metálico. Se trata, por tanto, de un sistema de trenasporte físico del dinero, estimándose que alrededor de unos 10 millones de dólaresem metálico dejan los EE UU para ser reinvertidos en las operaciones de un contrabandista taiwanés ubicado en Bolívia. Posteriomente se produce la integración del dinero mediante la inversión de millones de dólares en negócios situados en zonas econômicas especiales de Guandong e Fujian. (BLANCO CORDERO, 2002, p. 42)

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Os Cartéis Colombianos, devido à grande soma de dinheiro que

arrecadam com o tráfico de drogas, desenvolveram uma forma sofisticada para

lavagem de dinheiro. Esta organização criminosa conta com uma estrutura

hierarquizada, dotada de especialidades e divisão de trabalho (BLANCO

CORDERO, 2002. p. 42). O Brasil também foi apontado pelos Estados Unidos

como sendo o país com mais investimentos e negócios dos Cartéis Colombianos

(TOGNOLLI. ARBEX JR., 2004, p. 65).

(...) Na época, os detidos eram comerciantes e prestadores de serviços recém-capitalizados que, depois do Plano Collor, faliram e passaram a alugar suas empresas a traficantes, para usá-las como fachada. A PF chegou a elencar quinze cidades ao norte e ao noroeste de São Paulo invadidas por este tipo de neotraficantes. (...) (TOGNOLLI. ARBEX JR., 2004, p. 65)

Com a expansão dos Cartéis Colombianos Cali e Medellín, o Brasil voltou

ao cenário das investigações internacionais sobre o crime organizado. O Brasil

passa a ser visto, em 1993, a partir de relatório realizado pelo Departamento de

Estado dos Estados Unidos, como sendo a maior rota de distribuição de cocaína

oriunda dos dois principais cartéis colombianos, e ainda, aparece em segundo

lugar na lista de países que possuem dinheiro gerado pelo narcotráfico

(TOGNOLLI. ARBEX JR., 2004, p. 63/64).

A Máfia Siciliana inicialmente utilizava métodos comuns para lavagem de

dinheiro, entretanto, atualmente, também possuem formas sofisticadas de

investimentos, sendo que, inclusive, conta com a colaboração de empresas

nacionais e internacionais com profissionais especializados na lavagem de

dinheiro de organizações criminosas. Mas também fazem investimentos próprios,

sempre com o objetivo de não perder o controle do dinheiro saído da organização,

comprando apartamentos, empresas de importação e exportação, restaurantes,

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sendo ajudados, muitas vezes, por membros da máfia que tenham imigrado a

outros países (BLANCO CORDERO, 2002, p. 45).

En lo que se refiere al ámbito interno italiano, há aumentado la presión en el norte de Itália, fundamentalmente en Milán donde existen 8.000 negocios financeiros y 173.000 empresas de comercio. Aquí han encontrado nuevas condiciones para negocios de compensación financiera, operaciones de venta fictícias y operaciones financieras nacionales e internacionales. La diversificación de la mafia va en el sentido del sector financiero y bancario, hacia empresas que comercian con títulos valores o de prestación de servicios bancarios como el ramo del seguro. (BLANCO CORDERO, 2002, p. 46)

O crime organizado no mundo, de uma forma geral, especializou-se na

elaboração de técnicas econômicas e financeiras com a finalidade de movimentar

o dinheiro oriundo de suas atividades ilícitas, sem que o Estado, que condena

esta prática, possa rastrear estes investimentos, os quais voltam à origem com a

faceta livre de qualquer impedimento, a ponto de gerar uma economia criminal

paralela, mas inserida no contexto financeiro mundial3.

1.4 ETAPAS DA LAVAGEM DE DINHEIRO

O processo de lavagem de dinheiro conta com algumas etapas e a

doutrina preocupou-se em documentar alguns destes processos.

3Assim é possível constatar a versatilidade do crime organizado, o qual está amparado e adaptado e amparado pelos avanços advindos da globalização. Nesse sentido, Rodolfo Tigre Mais coloca que ainda mais quando se trata de instrumento legal indispensável para combater um inimigo poderoso, astuto e feroz, que atua melhor em uma sociedade cada vez mais globalizada, na qual os recursos da informática e da telemática aplicados ao fluxo de informações possibilitam uma intensa e rápida movimentação transnacional de capitais, inclusive através deste inigualável canal de comunicação, distribuição de produtos, informações e serviços que é a internet.O crime organizado assimilou estas transformações, combinando as inovações tecnológicas inerentes ao processo de globalização com as antigas tradições culturais ainda remanescentes em alguns Estados nacionais. MAIA, Rodolfo Tigre. Lavagem de dinheiro (lavagem de ativos provenientes de crime) – anotações às disposições criminais da Lei nº 9.613/98). São Paulo: Malheiros, 1999, p. 15.

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O modelo elaborado por Bernasconi descreve a lavagem de dinheiro

realizada em duas etapas: a primeira conhecida como money laudering, que

“consiste en aquel conjunto de actuaciones a traves de las cuales se libera a los

bienes contaminados, en un corto periodo de tiempo, de los rastros de su origen

delictivo” (BLANCO CORDERO, 2002, p. 56). A segunda fase é a chamada

recycling e se trata de operações para lavagens de bens em médio e longo prazo,

até que não se consiga fazer a conexão com a atividade delituosa. Neste último

momento é que são feitos os investimentos em restaurantes, cinemas, transações

financeiras internacionais por meio de bancos e bolsa de valores.

O modelo de ciclos para lavagem de dinheiro proposto por Zünd é mais

extenso devido à previsão de algumas particularidades; conta com 10 etapas,

assim descritas: 1 – precipitação: é o dinheiro oriundo da atividade criminosa

recolhido em espécie; 2 – infiltração: é a conversão do dinheiro em espécie em

bens e notas de maior valor; 3 – corrente de águas subterrâneas: refere-se a

consórcio de empresas, momento em que o dinheiro volta para a organização

criminosa e é transformado em outros bens; 4 – lagos subterrâneos: o dinheiro é

direcionado uma parte para a organização criminosa especializada em lavagem

de dinheiro, ou então é dado como pagamento a uma empresa responsável por

realizar a transação internacional; 5 – nova acumulação de lagos: é o repasse de

fundos que estão no exterior para agentes especializados em lavagem; 6 –

estação de bombeiros: o dinheiro entra no sistema financeiro por meio de contas

em bancos e compra de bens; 7 – estação de depuração: nova depuração com o

auxilio de testas de ferro; 8 – aplicação/aproveitamento: com o dinheiro dentro

dos bancos é executada a sua movimentação entre diversas contras legais até a

total ocultação da origem ilícita; 9 – evaporação: diante da ocultação da origem do

dinheiro, este pode retornar, ou não, à sua origem; 10 – nova precipitação: com

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os devidos impostos pagos, o dinheiro pode ser usado para atividades legais,

completando o esquema que sempre recebe novos fundos (BONFIM, M.

BONFIM, E., 2005, p. 33/34 e BLANCO CORDERO, 2002, p. 57/59).

Dentre outros modelos criados pela doutrina descrevendo o procedimento

para lavagem de dinheiro pelas organizações criminosas, tem-se o modelo

elaborado pelo GAFI (Grupo de Ação Financeira Internacional), modelo este

adotado em larga escala.

Esse modelo prevê três fases na lavagem de dinheiro (BLANCO

CORDERO, 2002, p. 62/70 e MAIA, 1999, P. 38/40), quais sejam:

1 – Introdução: momento em que se introduz no sistema financeiro o

dinheiro em espécie advindo da atividade ilícita. É uma fase bastante difícil, pois o

agente deve utilizar a sua identidade para poder introduzir os valores no sistema

financeiro quando o dinheiro já se encontra na localidade onde será investido,

onde chegou transportado por “mulas”. Nessa fase são efetuados depósitos

bancários, aplicações, abertura de contas convencionais ou em paraísos fiscais,

compra de bens e até mesmo cassinos são utilizados.

2 – layering ou ocultação: é a ramificação do dinheiro ilícito injetado no

sistema econômico por meio de transações eletrônicas de valores para contas

nacionais e no exterior, conversão de moeda em aplicações, suporte de

sociedades off-shore, onde o controle estatal é falho ou inexistente, a realização

de um falso rastro documental sobre o destino do dinheiro etc. É nesta fase em

que existe a colaboração da tecnologia na tentativa de mascarar a origem do

dinheiro.

3 – integração: esta última fase corresponde ao momento em que os

valores inicialmente ilícitos voltam a sua origem de forma lícita por meio de

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investimentos ou simples compra de bens. É o dinheiro disfarçado no lucro do

negócio.

Jean de Maillard (2002, p.88) faz uma crítica a este modelo de lavagem

de dinheiro afirmando que a partir dele se consegue abranger somente as

técnicas arcaicas para lavagem de dinheiro, as quais podem ser facilmente

descobertas e, também, porque este modelo não atende às exigências das

atividades delituosas que atuam hoje na casa dos milhões, e continua:

Por conseguiente, el enfoque clásico, basado en esta clasificación en ter estapas, no soluciona los problemas que plantea el bloqueo de dinero negro cuando se sobrepasan determinadas cotas. También desconoce la diversidad de destinos posibles del dinero blanqueado, sobre todo dentro del sistema financiero y, por tanto, cuáles son las diferentes estrategias posibles de uso del dinero delictivo. Este enfoque supone, inocentemente, que los fondos blanqueados tendrían que volver a invertirse automáticamente en actividades tradicionales (consumo, inversiones productivas). Por encima de ciertas sumas de dinero, és más probable lo contrario: cuando las cantidades son muy importantes, no pueden volver a introducirse tan fácilmenre en la economia real; ni siquiera pueden permanecer en la esfera financeira (...). Por el contrario, las enormes cuantidades de dinero de las organizaciones delictivas están muy interesadas en permanecer discretamente ocultas en los mercados financieros donde nadie les va a preguntar nada; podrán ganar dinero sin hacerse notar, pues, en la esfera virtual de las finanzas mundiales, ya da igual que sea dinero sucio o limpo. Los intereses que producen estas inversiones serán más que suficientes para asegurar el tren de vida de los padrinos mafiosos o dirigentes corruptos. (MAILLARD, 2002, p. 88)

Em que pese toda dificuldade acadêmica na redação do conceito de

crime organizado e na elaboração de modelos de lavagem de dinheiro, o fato é

que ambos existem e devem ser combatidos por organismos e legislações

eficientes. Desde os primórdios, quando o crime organizado era ilustrado pela

pirataria, a lavagem de dinheiro já andava paralelamente a ele, fazendo com que

coexistissem e evoluíssem no contexto mundial.

Com o crescimento do crime organizado e das práticas de lavagem de

dinheiro, os Estados, isolados e conjuntamente, com apoio de organizações

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intergovernamentais passaram a se dedicar à produção instrumentos jurídicos e

colaboração interna no intuito de combater a criminalidade transnacional e

desmantelar os esquemas para tornar lícito o dinheiro advindo de práticas

delituosas.

1.5 CONVENÇÕES E ORGANISMOS INTERNACIONAIS

O primeiro documento de âmbito internacional elaborado com o objetivo

de combater a lavagem do dinheiro das organizações criminosas, notadamente

aquelas ligadas ao tráfico de substâncias entorpecentes, foi a Convenção Contra

o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, conhecida como

Convenção de Viena, aprovada na Áustria em 1988.

A Convenção de Viena teve, portanto, o propósito de gerar conscientização dos Estados de que, tendo a criminalidade organizada tomado forma empresarial globalizada, seria necessário o seu combate através de uma cooperação internacional em relação às questões ligadas ao tráfico ilícito de entorpecentes. (MENDRONI, 2006, p. 15)

A Convenção de Viena possui uma breve exposição de motivos para

justificar a necessidade de tal iniciativa, dentre elas: a preocupação dos países

com a crescente produção e demanda de substâncias entorpecentes que causam

prejuízos à saúde dos seres humanos e descaso com as bases econômicas,

políticas e culturais da sociedade; a preocupação com a entrada das drogas

ilícitas em diferentes grupos sociais e, principalmente, devido à utilização de

crianças como consumidoras, instrumento de produção, distribuição e comércio

dos entorpecentes; o reconhecido vínculo existente entre o tráfico de drogas e

outras atividades criminosas ligadas às organizações que desafiam o mercado

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lícito, a segurança e a soberania dos Estados; pelo conhecimento das grandes

fortunas oriundas do comércio de entorpecentes que permite que as organizações

transnacionais invadam e corrompam a administração pública, as atividades

comerciais e a sociedade em todos os seus níveis; o reconhecimento de que a

erradicação do tráfico ilícito é de responsabilidade dos Estados, os quais devem

atuar em cooperação uns com os outros a fim de combatê-lo; e a necessidade de

engrandecer o aparato jurídico eficaz no sentido de combater os crimes

internacionais de tráfico de drogas, etc4.

A Convenção foi ratificada pelo Brasil a partir do Decreto n.º 154, de 26

de junho de 1991. Desde então o país se obrigou, dentre outras tarefas, a tomar

providências para que, no âmbito legislativo penal interno, fossem tipificadas

como crime diversas condutas ligadas ao tráfico internacional de substâncias

entorpecentes (de acordo com aquelas previstas no artigo 3° da Convenção),

para criação de normas processuais referentes à jurisdição e competência, para

realizar o confisco de substâncias entorpecentes e dos bens adquiridos com o

dinheiro oriundo da atividade delituosa5, a erradicar as plantações que contenham

ou se prestem a fabricar substâncias psicotrópicas, bem como colaborar com as

investigações no âmbito internacional etc.

Não se utiliza na Convenção o termo lavagem de dinheiro, citado em

alguns de seus documentos preparatórios, entretanto, esta mantém punição das

condutas intimamente ligadas à definição de lavagem, relacionadas apenas ao

crime de tráfico de drogas (BLANCO CORDERO, 2002, p. 105).

4 De acordo com a Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, concluída em Viena, Áustria, em 20 de dezembro de 1988. Disponível no site http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=112636. 5 Inclusive, importante ressaltar que, no artigo 5°, o qual trata do confisco, no item 3, a Convenção prevê a possibilidade de as autoridades competentes ordenarem a apresentação ou confisco de documentos bancários, financeiros ou comerciais, não sendo possível se alegar sigilo bancário para descumprimento da determinação. É neste momento que se vê mais claramente a intenção de combater a lavagem de dinheiro.

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Ainda em 1988 editou-se a chamada Declaração da Basiléia, cuja

destinação voltou-se ao setor financeiro internacional. Apresentaram-se apenas

princípios a serem seguidos, sem qualquer obrigatoriedade, para evitar que as

transações bancárias fossem utilizadas para esquemas de lavagem de dinheiro

(MENDRONI, 2006, p. 16). Com esta mesma característica, voltada ao setor

econômico, foi elaborada a Recomendação n.° R (80) 10 do Comitê de Ministros

do Conselho da Europa, em 27 de junho de 1980, a qual versava sobre medidas

de combate a transferência e o “encobrimento de capitais” (BONFIM, M. BONFIM,

E., 2002, p. 16).

Em 1990, foi editada a Convenção sobre Lavagem, Identificação,

Apreensão e Confisco de Produtos do Crime, em Estrasburdo, durante uma

reunião do Conselho da Europa. Foi o primeiro documento a trazer definições

importantes como a de produto, bens, instrumentos, confisco e delito principal.

Mas o seu destaque é merecido pelo fato de ter ampliado o rol de crimes

antecedentes, deixando para trás a exclusividade concedida ao tráfico de drogas

na Convenção de Viena (BONFIM, M. BONFIM, E., 2002, p. 19).

O GAFI, Grupo de Ação Financeira Internacional, foi criado, à época, pelo

G-7, em 1989, no intuito de combater a lavagem de dinheiro. No ano seguinte,

com a adesão de novos Estados, inclusive a do Brasil no ano de 2000, publicou

40 Recomendações tratando de questões penais, financeiras e de cooperação

internacional no tocante à lavagem de dinheiro. É um instrumento importante, pois

também ampliou o rol de delitos antecedentes à lavagem de dinheiro e enfatiza

uma colaboração administrativa, sem intervenção judicial, para que o combate ao

crime seja mais eficiente (BONFIM, M. BONFIM, E., 2002, p.17/18).

No âmbito da Organização dos Estados Americanos, OEA, foi criada a

Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas, responsável pela

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elaboração do Regulamento Modelo sobre Delitos de Lavagem Relacionados com

o Tráfico Ilícito de Drogas e outros Delitos Graves, aprovado na XXII Assembléia

Geral da OEA, em 1992. Marcelo Mendroni (2006, p.18) destaca como pontos

principais deste documento, dentre outros, a de tipificação da lavagem de dinheiro

como crime autônomo, medidas cautelares sobre os bens, produtos ou

instrumentos utilizados para o crime, bem como o seqüestro destes por delitos

praticados no estrangeiro, estabelecimento de unidade para recebimento e

análise de informações, definição das pessoas sujeitas às medidas preventivas,

cooperação internacional etc.

No ano de 1994, realizou-se em Miami – EUA, a primeira Cúpula das

Américas, no âmbito da OEA, integrada pelos Chefes de Estados dos países

americanos, quando restou consignada a seguinte recomendação: “Ratificarão a

Convenção das Nações Unidas sobre o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e

Substâncias Psicotrópicas de 1988 e sancionarão como ilícito penal a lavagem

dos rendimentos gerados por todos os crimes graves”, a qual está expressa na

exposição de motivos n° 692/MJ referente à Lei n.° 9.6136/98. A segunda Cúpula

das Américas realizou-se em Santiago – Chile, em 1998, quando foi aprovado

“um sistema de avaliação multilateral para temas relacionados ao tráfico ilícito de

estupefacientes e delitos conexos, entre os quais a lavagem de dinheiro”

(MENDRONI, 2006, p.17).

Foi criado, a partir de uma reunião em Bruxelas, em 1995, o Grupo de

Egmont, cuja função é funcionar como uma rede internacional de agregação de

unidades financeiras de inteligência dos países e, a partir das trocas de

informações, promover um combate efetivo à lavagem de dinheiro no mundo.

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Para tanto, buscam descobrir a rota do dinheiro advindo do tráfico ou de

outros crimes considerados graves até chegar a seus donos (MENDRONI, 2006,

p.20).

O Brasil faz parte deste grupo que, atualmente, conta com 93 membros,

grupo este caracterizado mais por ações repressivas do que preventivas

(MACEDO, 2007, p. 52).

1.6 DA LEI N.º 9.613/98

O Brasil ratificou a Convenção de Viena três anos após a sua criação,

entretanto, só cumpriu os preceitos destinados ao combate à lavagem de dinheiro

no âmbito interno por volta de sete anos depois, com a edição da Lei n.° 9.613 de

03 de março de 1998, a qual tipificou como crime a lavagem de dinheiro, com

pena de reclusão de três a dez anos e multa.

A exposição de Motivos n° 692/ MJ, referente à Lei n.° 9.613/98, destaca

como textos internacionais influentes de tal legislação a Convenção contra o

Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de substâncias Psicotrópicas, aprovado em

Viena no ano de 1988 e ratificado pelo Brasil mediante o Decreto n° 154/1991; o

Regulamento Modelo sobre os Delitos de Lavagem Relacionados com o Tráfico

Ilícito de Drogas e Delitos Conexos aprovado na XXII Assembléia-Geral da OEA,

em Bahamas; o Plano de Ação elaborado durante a Cúpula das Américas

ocorrida em Miami no ano de 1994, documento que recomendava a ratificação do

documento elaborado na Convenção de Viena; e, por fim, a Declaração de

Princípios relativa ao tema firmado em Buenos Aires, em 1995, durante a

Conferência Ministerial sobre a Lavagem de dinheiro e Instrumento do Crime.

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O termo “Lavagem de Dinheiro”, segundo a Exposição de Motivos n°

692/MJ, foi adotado pelo legislador pois se entendeu como pertinente a utilização

de um termo que denotasse limpeza e também pela natureza da ação praticada,

dadas as características da conduta, a qual tem o condão de transformar dinheiro

advindo do crime, ou seja, sujo, em dinheiro limpo. Considerou-se, ainda, o fato

de que o termo “Lavagem de Dinheiro”, à época, já estava inserido no rol de

expressões das atividades financeiras, bem como na linguagem formal e coloquial

do Brasil, ao contrário do termo “branqueamento” utilizado em outros países de

língua portuguesa.

O anteprojeto da Lei foi obra do Ministério da Justiça sob a coordenação

de Nelson Jobim, então Ministro, e previa apenas quatro delitos antecedentes ao

de lavagem de dinheiro: tráfico de entorpecentes, aqueles praticados por

organizações criminosas, terrorismo e os crimes contra a administração pública

(CASTILHO, 2004, p. 47).

A lei, no seu art. 1°, previu que somente haverá o delito de lavagem de

dinheiro se restar demonstrado que os bens, direitos ou valores “lavados” são o

resultado dos seguintes crimes antecedentes: tráfico de drogas, terrorismo,

contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção,

extorsão mediante seqüestro, crimes contra a administração pública, contra o

sistema financeiro nacional e aqueles praticados por organizações criminosas.

Vale destacar que esta é considerada uma lei de segunda geração, uma

vez que elencou rol taxativo de crimes antecedentes ao de lavagem de dinheiro,

assim como ocorre nas legislações da Alemanha, Espanha e Portugal. São

consideradas normas de primeira geração aquelas que prevêem somente o crime

de tráfico de drogas como crime antecedente, e de terceira geração aquelas que

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admitem como crime antecedente ao delito de lavagem de dinheiro qualquer

delito, como ocorre na Bélgica, França, Itália, Suíça e Estados Unidos.

A Exposição de Motivos 692/MJ assim justifica a escolha do rol dos

crimes antecedentes:

21. (...) algumas dessas categorias típicas, pela sua própria natureza, pelas circunstâncias de sua execução e por caracterizarem formas evoluídas de uma delinqüência internacional ou por manifestarem-se no panorama das graves ofensas ao direito penal doméstico, compõem a vasta gama da criminalidade dos respeitáveis. Em relação a estes tipos de autores, a lavagem de dinheiro constitui não apenas a etapa de reprodução dos circuitos de ilicitudes como também, e principalmente, um meio para conservar o status social de muitos de seus agentes. 22. Assim, o projeto reserva o novo tipo penal a condutas relativas a bens, direitos ou valores oriundos, direta ou indiretamente, de crimes graves e com características transnacionais.

Não estão incluídos no rol de crimes antecedentes, como bem se notou,

os crimes contra a ordem tributária. A justificativa, para tanto, de acordo com a

Exposição de Motivos da Lei é que nesta espécie de crimes não existe um

aumento no patrimônio do agente devido ao não cumprimento de uma obrigação

fiscal, e sim, manutenção de seu patrimônio. Quando o agente não paga tributo

está sonegando e não lavando bens, direitos ou valores oriundos de atividade

delituosa, uma vez que o dinheiro é seu (CASTILHO, 2004, p, 50).

Devido à previsão da Lei n.° 9.613/98, foi criado no Brasil o Conselho de

Controle de Atividades Financeiras (COAF), unidade de inteligência financeira

destinada a proteger a economia nacional. Está ligado ao Grupo Egmont na

tentativa de auxiliar ao combate a lavagem de dinheiro no mundo. O COAF

elaborou, juntamente com a Federação Brasileira de Bancos, uma coletânea de

legislação para combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo

e, na apresentação da obra, Antônio Gustavo Rodrigues, então presidente do

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COAF, informou que este órgão consolidou-se durante os primeiros sete anos de

sua criação. (COAF, 2005, p. 3).

Sem adentrar no mérito quanto à eficácia da lei, pode-se afirmar que o

Brasil, ao tipificar a lavagem de dinheiro como crime, está atendendo a uma

exigência mundial de combate à criminalidade globalizada de natureza

econômica, que oferece novos riscos à sociedade e utiliza os avanços

tecnológicos, bem como da nova feição político-econômica mundial marcada pela

globalização, que possibilita uma rápida circulação de capitais. É o direito penal

atuando em áreas antes impensadas.

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2 BEM JURÍDICO

Em épocas remotas da história, o delito estava ligado à idéia de pecado

devido às transgressões de normas tidas como divinas. Aquele que

desobedecesse a vontade de Deus tinha como pena a expulsão do meio social e

cultural. O delito era caracterizado pelo sentido ético, vez que havia uma confusão

entre delito e pecado (PRADO, 2003, p. 27/28).

A sociedade e o direito passaram por diversas transformações até o

surgimento do iluminismo, época em que se enalteceu o uso da razão como

forma de progresso. Nesse contexto, foi preciso que o direito penal

acompanhasse as transformações para poder atender aos novos anseios sociais.

A partir de então, o delito rompeu com as preocupações ético-religiosas e

encontrou a “sua razão de ser no contrato social violado” (PRADO, 2003, p. 27) e

a pena passou a atuar como medida preventiva.

Em precedentes históricos o direito penal possuía uma característica

eminentemente individualista atuando em defesa de direitos subjetivos, sem

considerá-los, contudo, bens jurídicos. Esta noção kantiana, presente na doutrina

de Feuerbach, está intimamente ligada à proposta de autonomia subjetiva,

característica do contratualismo.

Trata-se do poder punitivo vinculado à proteção de direitos individuais, em

que a vítima é bastante considerada (YACOBUCCI, 2005, p. 77).

O delito seria sempre a violação de um direito subjetivo variável, de acordo com a alteração da espécie delitiva e pertencente à pessoa (física ou jurídica) ou ao Estado. A ação delitiva deve contrariar um direito subjetivo alheio. O Direito Penal desse período se expressou na doutrina jurídica privatista de Feuerbach: lesão de um direito subjetivo. O fundamental não é que a conduta lesiva se dirija contra uma coisa do mundo real. O objeto da proteção, integrado por uma faculdade jurídica privada ou uma atribuição externa individual constitutivas de direito

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subjetivo, representa o núcleo essencial do fato punível, sobre o qual se deve configurar o conceito jurídico de delito. (PRADO, 2003, p. 29).

Na tentativa de superar idéia de um direito penal individualista é que

nasce o conceito de bem jurídico. Ocorre, neste período, um processo de

estatização do direito penal, sendo o Estado o único autorizado a punir. O foco se

volta para a busca do status anterior ao crime e a inserção do criminoso na

sociedade, sem, contudo, oferecer a mesma atenção à vitima, antes tida como o

centro do conflito (YACOBUCCI, 2005, 76/77). É abandonada a perspectiva de

um indivíduo afetado pela conduta do outro, já que esta pode representar um

risco e influir nos pressupostos essenciais da vida em comum, como a “ordem, a

paz e a segurança”. (YACOBUCCI, 2005, p. 78).

Assim, em meados do final do século XIX, o delito passa a ser visto como

lesão ou perigo de lesão a um bem, o qual se revela objeto da tutela penal. Nessa

época, a partir da doutrina de Birnbaum (1834), nasce o conceito de bem jurídico,

o qual se caracteriza por um bem de cunho material protegido pelo Estado. O

crime não pode violar um direito subjetivo, pois o direito não pode ser violado

(GOMES, 2006, p.7/18).

Segundo a concepção de Birnbaum, de 1834, os direitos subjetivos são deslocados do centro da proteção penal, ocupando seu lugar a noção de bem, entendida em boa hora como objeto ou coisa. Nessa perspectiva sobressai a idéia de lesão ou colocação em perigo que, considerada naturalisticamente, não parece adequada ao conceito de direito subjetivo; é porém congruente com a afetação das coisas ou objetos. A postura de Birnbaum, de fato, supõe a ampliação do horizonte de proteção do direito penal, pois na prática inclui condutas lesivas de moralidade e da religião estatal (bens imateriais). (YACOBUCCI, 2005, p. 78).

A partir de então, a noção de bem jurídico passou a ser objeto de estudo

e sofreu diversas alterações com o tempo. Contudo, ainda se está longe de um

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consenso a respeito do tema. Nesse sentido, Figueiredo Dias, nos dizeres de

Alice Bianchini, entende que até o presente momento não foi possível obter uma

segurança em relação ao tema, sendo, portanto, impossível convertê-lo em um

conceito, que qualifica como “fechado”, que nos permita ter certeza do que pode

ou não ser criminalizado (BIANCHINI, 2002, p. 37).

Retornando ao conteúdo histórico, é necessário destacar a doutrina de

Franz von Liszt, para quem a noção de bem jurídico está intimamente ligada à

“existência das pessoas dentro da sociedade” (YACOBUCCI, 2005, p. 78).

O bem jurídico, objeto da proteção do direito, em última análise é sempre a existência humana nas suas diversas formas e manifestações. Ela é que é o bem jurídico, isto é, centro de todos os interesses juridicamente protegidos. Mas a existência humana aparece-nos como existência do homem considerado na sua individualidade ou como existência dos membros da comunhão na sua coletividade. Todos os interesses atacados pelo crime e protegidos pelo Direito Penal se distinguem consequentemente em bens do indivíduo e em bens da coletividade. (LISZT, 2003, 27)

Quando afirma que o indivíduo, como ser existente, deve ser o objeto da

proteção do direito, quer dizer que o ordenamento jurídico, como ordem de paz,

deve lhe assegurar o livre exercício de suas faculdades, cujo contexto engloba em

primeiro lugar a proteção da vida física. Destaca como bens da coletividade o

Estado, a administração pública e o poder público (LISZT, 2003, p. 28/30).

Como informa Luiz Régis Prado (2003, p. 36), na concepção de Liszt, o

bem jurídico localiza-se no limite entre a política criminal e o direito penal. “O bem

jurídico vem a ser, portanto, uma criação da experiência e como tal é um

interesse vital do indivíduo ou da comunidade”.

Assim, não é função do ordenamento jurídico criar bens jurídicos e sim

elevá-los a este nível a partir de sua importância dentro do contexto social, visto

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que “o centro da noção de bem jurídico se relaciona com a pessoa que vive em

sociedade” (YACOBUCCI, 2005, p. 78).

Binding, em sentido contrário, destaca que bem jurídico é tudo aquilo que

o legislador entende como relevante para o ordenamento jurídico, oferecendo,

portanto, uma visão metodológica diversa, ou seja, o bem jurídico está

diretamente vinculado à norma. Diego-Manuel Luzón Peña (2004, p. 326) assim

se manifesta sobre o tema:

Una posición conservadora y positivista, que arranca de Binding, considera que bien jurídico es todo objeto (en sentido amplio, material o inmaterial) que la ley, y concretamente la ley penal en los respectivos tipos, considera digno de protección jurídica, y sólo esse objeto legalmente reconocido como valioso y protegido; es decir que el catálogo de bienes jurídicos se desprende de la ley y es definido por la propia ley.

Com relação à pena imposta ao criminoso, Binding entendia que esta

incidia não em virtude do dano causado, mas sim por um cumprimento de dever

do Estado (YACOBUCCI, 2005, p. 81).

A partir do século XX, já no direito penal contemporâneo, toma lugar uma

concepção metodológica do bem jurídico. Trata-se de um valor abstrato, de cunho

social juridicamente protegido. Nesse sentido, tem-se a doutrina de Hans-Heinrich

Jescheck (2002, p. 08):

Las normas jurídico-penales no protegen a los bienes jurídicos sencillamente en su existencia, sino únicamente frente a acciones humanas. Por eso al Derecho penal no le interesan catástrofes naturales inevitables, incluso aunque éstas casen graves daños. De significado jurídico-penal son únicamente las consecuencias de la voluntad humana que desatiende la pretención de validez del bien jurídico, socavando así la base de confianza necesaria en la convivencia de las personas. El desvalor de acción del hecho punible reside en la acción peligrosa objeto del ataque. El derecho penal materializa la protección de bienes jurídicos, pues busca mantener la concordancia entre la voluntad de los destinatarios de la norma y las exigencias del Ordenamiento jurídico. El delito se muestra así,

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similtáneamente, como la lesion del bien jurídico y la infracción del deber.

Nesse sentido, destaca-se o bem jurídico como um valor cultural, no qual

o delito se situa no campo valorativo e não no social; é o bem jurídico protegido

em conseqüência da “observância dos valores da consciência jurídica”. Para

Guilhermo Jorge Yacobucci (2005, p. 82):

Sem discutir a importância do conceito de bem jurídico, Welzel supervalora, na década de sessenta, a relevância do desvalor da ação em relação ao desvalor de resultado. O bem jurídico, diz, é “todo Estado social desejável que o direito quer resguardar de lesões. A soma dos bens jurídicos constitui a ordem social”. Neste âmbito explica o mestre alemão que o direito penal quer proteger determinados bens vitais da comunidade, porém esta proteção se faz com a ameaça de uma sanção a certas condutas dirigidas a lesão de bens jurídicos. (YACOBUCCI, 2005, p. 82)

Na Alemanha, modernamente, desenvolveram-se as teorias sociológicas

na evolução da noção de bem jurídico. Tais teorias outorgam ao bem jurídico uma

característica social, de caráter funcionalista.

O bem jurídico é ligado à idéia de disfuncionalidade para o sistema social,

oportunidade em que o jus puniendi atua em desfavor de condutas danosas ao

meio.

(...) Assim, o direto penal só pode criminalizar condutas socialmente danosas (exigência esta que a própria Constituição alemã impõe ao definir o Estado alemão como um Estado de Direito); é socialmente danoso o facto disfuncional, o facto que dificulta ou impede que o sistema social resolva os problemas da sua sobrevivência e manutenção – o crime é um caso particular de facto disfuncional. Ao Direito Penal compete agir em sentido contrário ao do crime – impor uma sanção que tem por finalidade repor a confiança na funcionalidade do sistema. (CUNHA, 1995, p. 92)

É bem verdade que esta doutrina não conseguiu apresentar um conceito

material de bem jurídico que indicasse qual o bem que a conduta criminosa

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lesiona, bem como não expressou por que certas sociedades criminalizam

determinados comportamentos (PRADO, 2003, p. 39 e 43).

Por outro turno, a Itália adotou em grande parte as teorias constitucionais

do bem jurídico. Esta teoria tem como objetivo conferir ao legislador ordinário

parâmetros para compor ilícitos penais a partir da Constituição. Nos dizeres de

Luiz Régis Prado, opera-se uma “espécie de normativização de diretivas político-

criminais” (PRADO, 2003, p. 62). Para Claus Roxin (2003, p.56):

El punto de partida correcto consiste en reconocer que la única restricción previamente dada para el legislador se encuentra en los principios de la Constitución. Por tanto, un concepto de bien jurídico vinculante politicocriminalmente sólo se puede derivar de los cometidos, plasmados en la Ley Fundamental, de nuestro Estado de Derecho basado en la liberdad del individuo, a través de los cuales se le marcan sus límites a la potestad punitiva del Estado. En consecuencia se puede decir: los bienes jurídicos son circunstancias dadas o finalidades que son útiles para el individuo y su libre desarrollo en el marco de un sistema social global estructurado sobre la base de esa concepción de los fines o para el funcionamento del propio sistema.

No entendimento de Rudolphi, citado por Luiz Régis Prado (2003, p. 64),

a Constituição deve ser utilizada como parâmetro para apuração de valores

fundamentais, estando o legislador ordinário adstrito à proteção de bens jurídicos

previamente estabelecidos à ordem jurídica penal. O Estado de Direito deve estar

vinculado ao princípio da legalidade, encontrando legitimação na justiça material.

Desse modo, o bem jurídico é visto como uma unidade de função social,

indispensável à manutenção da sociedade e que vê na norma constitucional a

base do sistema.

Destaca Luiz Régis Prado (2003, p. 62) que a Constituição deve ser

observada pelo legislador ordinário, cuja limitação para definir bens jurídicos está

na consideração de valores consagrados no texto constitucional, os quais já

dotam de reconhecimento social. “Encontram-se, portanto, na norma

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constitucional, as linhas substanciais prioritárias para a incriminação ou não de

condutas”.

Por todo o exposto, é fácil constatar uma grande dificuldade doutrinária

para conceituar bem jurídico, o qual vem sendo objeto de estudo constantemente,

a ponto de ser considerado um conceito em crise.

Em nosso tempo, entretanto, esse conceito foi posto em crise desde duas perspectivas diferentes. De um lado na política criminal, já eu o legislador utilizou o direito penal em áreas da vida social, econômica, etc., em que os objetos de proteção carecem da mesma determinação que nos casos de bens essenciais da pessoa individual. Porém, o outro ponto de crise vem desde o campo da dogmática penal. Neste sentido o pensamento penal dos nossos dias chega a duvidar que o direito penal dos nossos dias chega a duvidar que o direito penal realmente proteja bens jurídicos. Nas posições mais extremas voltou-se a critérios que dizem que o substancial do delito é a desobediência à norma. (...) (YACOBUCCI. 2005, p. 73)

Entretanto, é correto afirmar que a maior parte da doutrina considera

como função primeira do direito penal a proteção de bens jurídicos. Atualmente,

cabe ao legislador elencar o rol de bens jurídicos a serem protegidos, a partir da

necessidade de cada sociedade e momento histórico (SILVEIRA, 2003, p.35).

Partindo do pressuposto de que o direito penal é uma matéria em

expansão, e considerando a constante evolução da sociedade, nada mais natural

do que se prever o surgimento de novos bens jurídicos a serem tutelados, ou

então de uma nova valoração a situações preexistentes. Também devem ser

considerados determinados bens, que devido a sua escassez recente, passaram

a ter uma importância maior dentro da sociedade, como, por exemplo, o meio

ambiente (SILVA SÁNCHEZ, 2002, p. 27).

As mudanças causadas pela verdadeira revolução tecnológica notada na sociedade das últimas décadas foram também sentidas no âmbito sociológico. Praticamente, todas as relações socioeconômicas sofreram profundas alterações. A confirmação de que estas transformações

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propiciaram o surgimento de uma nova criminalidade chega a ser preocupante. Como se viu, desde Birnbaum, muito avançou a conceituação de bem jurídico. Este veio a mudar o paradigma do Direito Penal, sendo que, hoje, este direito não se refere a considerações unicamente quanto aos indivíduos, senão no objeto de proteção penal. Tem-se, por certo, antes de tudo, um problema de decisão política e não de subjetividade do sujeito (SILVEIRA, 2003, p. 35)

A doutrina estrangeira mostra que na Espanha e na Alemanha, pelo

menos nos últimos dez anos, a política criminal está focada na criminalização, e

não na descriminalização.

As novas tendências do direito penal não estão focadas em sua parte

geral ou naquelas referentes à pena e ao sistema penitenciário. É dever do

legislador preocupar-se com as novas tendências tecnológicas advindas do

avanço científico.

Assim, a parte especial do direito penal e as legislações penais especiais

estão em destaque devido à necessidade de criação de novos tipos penais em

áreas como meio ambiente, economia, processamento de dados, drogas,

impostos, mercado exterior e todos aqueles delitos ligados à criminalidade

organizada (HASSEMER, 1999, p. 52).

Os bens jurídicos supra-individuais são aqueles bens mais genéricos e elementares, que visam proteger não a um bem individual, nem um bem pertencente a todos, mas a um bem que pertence a um agrupamento de indivíduos. Assim, de um lado podemos encontrar bens jurídicos gerais, que se caracterizam por pertencerem à generalidade das pessoas que se integram na comunidade social e, de outro, há bens jurídicos denominados difusos que, diferentemente dos antecedentes, afetam a totalidade das pessoas. (CASTELLAR, 2004, p. 40)

Nos dizeres de Renato de Mello Jorge Silveira (2003, p. 56/57), o Estado

Democrático de Direito determinou uma exagerada preocupação com os bens

jurídicos atinentes à pessoa, o que não pode prejudicar a valoração de outros

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bens, os quais se referem a novos bens jurídicos supra-individuais. Estes bens

de cunho supra-individuais devem ser considerados jurídicos, e, portanto,

passíveis de tutela penal, a partir do momento em que reflitam na vida social da

pessoa, fazendo com que se deixe de lado o conceito iluminista de uma

consideração da pessoa no campo individual.

Lênio Luiz Streck afirma que no âmbito jurídico nacional esta crise

também persiste. Entendo o autor que o país continua ligado a “um paradigma

penal de nítida feição liberal-individualista” (2004, p. 307), sem conter preparo

para enfrentar delitos de cunho transindividual (de bens jurídicos coletivos), os

quais compõem “majoritariamente o cenário desta fase de desenvolvimento da

Sociedade brasileira” (2004, p. 307).

2.1 O BEM JURÍDICO PROTEGIDO NO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO

A possibilidade de o direito penal tutelar bens jurídicos supra-individuais é

de suma importância no tema atinente à lavagem de dinheiro, pois, embora a

doutrina não seja unânime a indicar qual o bem jurídico protegido com a

criminalização da lavagem de dinheiro, como se verá adiante, parte dela entende

o crime inserido nos delitos econômicos, que são direcionados a bens de

natureza coletiva.

Nesse contexto, aplicando esta nova ordem de proteção de bens jurídicos

supra-individuais, ou coletivos, ao delito de lavagem de dinheiro, é possível

afirmar que a introdução de dinheiro advindo de práticas delituosas nos sistemas

financeiros nacional e mundial passou a desestabilizar determinados setores da

economia, fazendo com que as atenções se voltassem à necessidade de coibir tal

prática, que tem o condão de transformar os lucros do crime em dinheiro lícito.

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O legislador pátrio tipificou o crime de lavagem de dinheiro no texto da Lei

Federal n.º 9.613/98, como cumprimento à recomendação da Convenção de

Viena. A ementa de Lei reza que esta “dispõe sobre os crimes de ‘lavagem’ ou

ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema

financeiro para os ilícitos previstos nesta Lei; cria o Conselho de Controle de

Atividades Financeiras – COAF, e dá outras providências” (BRASIL, Lei n.°

9.613/98).

São citados como possíveis bens jurídicos, dentre outros, a

administração da justiça, a ordem econômica ou mesmo bem jurídico tutelado

pelos crimes antecedentes.

Omar Orsi (2007, p. 295) traça uma relação entre as etapas evolutivas do

crime de lavagem de dinheiro e o bem juridicamente tutelado por este delito.

Assim, quando em uma primeira etapa, o delito de lavagem de dinheiro

estava exclusivamente ligado ao tráfico de substâncias entorpecentes, o bem

jurídico tutelado era a saúde pública, o mesmo protegido pela criminalização do

tráfico de drogas. Era, pois, combatido como um meio para atingir o tráfico de

drogas.

Quando a lavagem de dinheiro deixou de estar ligada exclusivamente ao

tráfico de drogas, foi criada a base, segundo o autor para que o crime fosse

considerado um delito autônomo.

Numa terceira etapa, o delito de lavagem de dinheiro, já considerado

autônomo, deixa de estar ligado a outros delitos prévios pelo bem jurídico ou por

uma relação de meio e fim, passa a ter um fim em si mesmo, adquirindo todos os

requisitos de um delito autônomo.

Assim, passa-se a discutir a natureza do bem jurídico tutelado pela

criminalização da lavagem de dinheiro. Para aqueles que vêem a lavagem de

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dinheiro como uma espécie do gênero sonegação, o bem jurídico a ser tutelado é

o correto funcionamento da administração da justiça; para os que o vêem como

um delito que recai sobre a economia e suas regras de regulamentação, o bem

jurídico é constituído em torno da ordem socioeconômica ou do direito de

preservação da livre concorrência etc.

Como fuere, la rapidez con que estas dos ultimas se alternaran en la sucesión de la primera lleva a relativizar las diferencias que entre ellas median. En efecto, tales discrepancias no parecen ser más que meros desacuerdos conyuturales sobre el alcance práctico de las regulaciones, pues ambas encajan perfectamente en el contexto que les ha dado vida: el afloramiento y expanción del de los control de los flujos financeiros. Así, aun cuando se discuta si el hecho previo debe limitarse a los delitos graves a cierto número de ilícitos o si, por otro lado, cabe encuadrar el fenómeno en la receptación, el encubrimiento o en los delitos contra el orden económico, lo cierto es que tras todo ello sobrevuela la Idea de resguardar el orden económico y la posibilidad mediata de que, con su socavamiento, se afecte la estabilidad política y social. (ORSA, 2007, p. 298/9).

Não existe um consenso doutrinário acerca de qual seria o bem jurídico

tutelado com a tipificação do delito de lavagem de dinheiro, sendo essa uma das

maiores discussões dentro do tema de lavagem de dinheiro.

Omar Orsi (2007, p. 303), inicialmente sem tomar posicionamento, faz um

estudo analítico expondo as razões pelas quais se pode considerar determinados

bens como protegidos juridicamente pela criminalização da lavagem de dinheiro:

1. O mesmo bem jurídico do delito prévio: o bem jurídico da lavagem de

dinheiro pode coincidir com o do delito que deu origem ao capital a ser lavado.

Dentro de um plano integral a lavagem funciona como um fim, completando o

delito prévio e promovendo sua reiteração.

Duas vertentes se manifestam dentre aqueles que acatam o bem jurídico

do delito antecedente como aquele protegido pela criminalização da lavagem de

dinheiro. A primeira relaciona a lavagem de dinheiro com a lesão concreta

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causada pelo crime antecedente, assim, busca-se perseguir aqueles que

colaboraram para garantir o proveito alcançado, impedindo o término do crime

inicial, dentro do qual a lavagem de dinheiro funciona como uma nova progressão

ao ataque do mesmo bem jurídico. A segunda vertente trata do perigo de lesão,

ou seja, o crime antecedente não pode ser visto como uma conduta isolada, e sim

parte de um elo de uma meta criminal prolongada, ou seja, a lavagem de dinheiro

mantém a continuidade do delito por meio da garantia econômica necessária. Não

se trata, portanto, de uma lesão já ocorrida, mas daquela que poderá ocorrer

mediante o patrocínio advindo da lavagem de dinheiro. (ORSI, 2007, p. 304)

2. Ordem Pública: considerando-se que a lavagem de dinheiro auxilia o

autor do delito prévio a colocar no sistema econômico os proventos de sua

atividade delituosa, pode-se afirmar que a lavagem de dinheiro em si não está

ligada, necessariamente, a nenhum delito em particular.

Para configurar a lavagem de dinheiro basta que o capital advenha de

delitos ligados a uma atividade criminosa continuada, dentro de um plano criminal

organizado, fazendo com que, conseqüentemente, a ordem e a tranqüilidade

pública sejam lesionadas.

Nessa perspectiva, os autores deste crime podem agir como uma

organização criminosa isolada, responsável apenas pela lavagem de dinheiro,

sem possuir qualquer relação com os autores e prática do crime antecedente, ou

então a lavagem de dinheiro pode funcionar como uma vertente da organização

criminosa que comente o delito antecedente e poderia ser punida também como

uma atividade de apoio e desenvolvimento da atividade criminal. (ORSI, 2007, p.

305/306)

3. Administração Pública: neste plano a criminalização da lavagem de

dinheiro não protege o Estado e sim o bom funcionamento dos órgãos do governo

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e de todos os desdobramentos dos três poderes. Os atos praticados para ocultar

a origem ilícita dos proventos do crime destinam-se a esconder esta origem dos

órgãos governamentais competentes, comprometendo o bom funcionamento

destes setores específicos. Desta forma, não se estaria lesionando um sujeito ou

uma coletividade e sim as delegações conferidas dentro do Estado para garantir

ordem, no campo econômico, em benefício dos cidadãos.

Dentro dessa perspectiva, um outro posicionamento mais aceito afirma

que as condutas praticadas com o fim de ocultar a origem ilícita dos bens, direitos

e valores advindos do crime, de esconder autores e co-autores dos delitos e a

evitabilidade de confiscação de bens lesionam e dificultam a administração da

justiça, situação em que se considera mais o valor probatório do que o valor dos

bens ocultados em si. (ORSI, 307/308)

4. Fé pública: a fé pública em seu sentido original é ligada ao Estado, em

relação à verdade acerca de atos, documentos, signos ou símbolos fundamentais

para exercício das atividades da vida civil. Passou de um bem jurídico destinado

aos atos do Estado para os atos praticados por particulares, representando uma

confiança geral. O delito de lavagem de dinheiro fere a fé pública quando os

sujeitos do crime se utilizam da confiança estabelecida dentro dos negócios e

transações comerciais para conferir aparência lícita aos proventos criminosos. Há

quem considere que a fé pública em seu sentido original possa ser o bem jurídico

lesionado pela lavagem de dinheiro quando o sujeito ativo do crime pratica

condutas de falsidade documental, gerando documentos falsos ou alterando

documentos verdadeiros para garantir a ocultação da origem delitiva do bem ou

valor. (ORSI, 2007, p. 309/310)

5. Ordem Socioeconômica: entende o autor que a ordem socioeconômica

não pode ser bem jurídico tutelado pela criminalização da lavagem de dinheiro

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visto que o Código Penal assim não o considera dentro de sua parte especial, em

que pese seja ela reconhecida pela Constituição Federal e por leis especiais. Há,

neste caso, somente uma violação ao marco normativo constitucional e especial,

os quais legitimam e regulamentam o livre mercado e seus objetivos. (ORSI,

2007, p.313)

6. Propriedade: pode ser a propriedade um bem jurídico protegido pela lei

de lavagem de dinheiro quando se consideram os efeitos nocivos da inserção de

dinheiro advindo de crime na economia.

Para tanto, devem ser considerados os patrimônios constituídos de bens

ou direitos dotados de valor econômico e sejam alvo de proteção jurídica. Esta

situação pode ser constatada, por exemplo, pela troca de bens ilícitos por lícitos

envolvendo-se terceiro de boa-fé na negociação, o qual supõe adquirir bem

negociável.

A lavagem de dinheiro ainda pode trazer desfalque financeiro àqueles

que precisam competir comercialmente com capital advindo de atividade

delituosa, ou a usuários de bens e serviços. Uma empresa constituída com

capitais ilícitos não opera com o mesmo custo-benefício de uma lícita, fazendo

com que estas percam clientes de suas carteiras a estes outros. Pode-se,

considerar, portanto, que a inserção de ativos ilícitos no mercado causa efeitos

negativos à economia de forma geral. (ORSI, 2007, p.314)

Para Marcelo Batlouni Mendroni (2006, p. 30/31), os bens jurídicos

protegidos pela Lei de Lavagem de Dinheiro limitam-se à administração da justiça

e à ordem econômica.

Afirma ele que nos “crimes parasitários”, que dependem de outro anterior,

o bem juridicamente tutelado seria a administração da justiça a partir do momento

em que esta visa contribuir para a apuração e punição de delitos agressores à

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ordem pública e não conseguem vislumbrar um retorno eficiente desta mesma

administração no intuito de defender a sociedade. Justifica a ordem econômica

como bem jurídico devido ao impacto negativo da introdução de grandes somas

de dinheiro no sistema socioeconômico.

Esse dinheiro pode gerar o quebramento de empresas regulares (o que

acarreta em demissões e domínio de mercado, por exemplo), pois o crime

organizado dispõe de capital suficiente para praticar ações de dumping,

underselling, formação de cartel com outras de igual condição etc. E, ainda,

porque esta inserção de dinheiro no mercado econômico possibilita o

aprimoramento do crime.

Por outro turno, Carlos Márcio Risse Macedo (2007, p. 62/63) elege a

ordem econômica como bem jurídico protegido pela Lei de Lavagem de Dinheiro

e destaca que esta foi prevista constitucionalmente desde a Constituição de 1946,

vigorando, também, no atual texto constitucional, fazendo com que o legislador

pátrio, atento às evoluções do direito, editasse a lei incriminadora da lavagem de

dinheiro.

Os fundamentos apresentados para justificar tal proteção são,

basicamente, os mesmos apresentados pelo autor acima citado. Aceita, ainda,

como objeto jurídico da lavagem de dinheiro os bens jurídicos atacados pelos

crimes antecedentes.

A lavagem de dinheiro é crime acessório, podendo somente existir a

partir da ocorrência de delitos prévios, fazendo com que se torne inevitável a

proteção dos bens jurídicos destes crimes, os quais também se pretende evitar.

Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo (2003, p. 74/75) informa que a

perspectiva de ver como bem jurídico da Lei de lavagem de dinheiro o bem

jurídico do crime antecedente está ligada à primeira fase de caracterização do

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delito prévio, quando este somente se referia ao tráfico de entorpecentes, fazendo

com que a lavagem de dinheiro, conseqüentemente, tutelasse apenas a saúde

pública. Sendo assim, o delito de lavagem de dinheiro teria o objetivo apenas de

coibir o tráfico. O autor não concorda com este entendimento “porque almeja criar

um supertipo, cuja função seria atuar nas hipóteses de ineficácia de outro tipo

penal, o que implicaria a própria negação da idéia de tipo”. E continua:

Não fosse isso, ainda, se estaria pretensamente prevenindo o cometimento de um crime, impondo-se ‘pena a sujeito diverso daquele cujo comportamento se quer evitar’ (...). Não se mostram idênticos os bens jurídicos, porque o agente, na lavagem de dinheiro, não contribui com a manutenção do ataque ao bem jurídico já lesionado ou posto em perigo pelo autor do crime antecedente. (PITOMBO, 2003, p. 74)

O autor retro-citado também não é partidário da idéia de que a

administração da justiça seja um bem jurídico tutelado pelo tipo penal do crime de

lavagem de dinheiro.

Dentre várias críticas formuladas a esse entendimento, indica como

sendo o principal problema o fato de que, se assim o fosse, haveria o

desaparecimento da finalidade limitadora do ius puniendi, o qual entende ser

inerente ao conceito de bem jurídico, pois, dessa forma, o direito penal restaria

submisso a qualquer tendência ideológica.

Assim, entende ele ser somente a ordem econômica o bem jurídico

tutelado pelo delito em tela, tendo em vista que, exercendo a atividade

empresarial, as organizações criminosas adotam práticas que prejudicam a livre-

iniciativa, a propriedade, a concorrência, o meio ambiente, o consumidor, dentre

outros setores da ordem socioeconômica (PITOMBO, 2003, p. 77-79).

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Willian Terra de Oliveira (1998, p. 322) admite uma generalização do

conceito de bem jurídico devido a uma tendência atual na elaboração de tipos

penais, pois vivenciamos uma realidade distinta daquela que serviu de

fundamento para construção de tipos penais tradicionais. Isso se deve à

criminalidade organizada, da qual emerge uma complexa delinqüência econômica

que requer uma previsão penal mais específica e abrangente. Em relação ao

objeto jurídico protegido na lavagem de dinheiro, afirma:

Portanto, diante desse quadro é que se costuma afirmar que a conduta de lavagem de dinheiro atinge interesses metapessoais ou tansindividuais, e por esse motivo o bem juridicamente protegido não poderia ser outro senão a própria ordem socioeconômica. O sistema econômico é na verdade o substrato e a quintessência global de interesses individuais, mas trata-se de um bem jurídico independente e autônomo, porém de característica coletiva. Atribui-se esse perfil mataindividual ao objeto de proteção da norma para impedir o comprometimento dos destinos econômicos de toda uma sociedade e evitar a erosão do sistema democrático de direito. (OLIVEIRA, 1998, p. 323)

João Carlos Castellar (2004, p. 179) possui um posicionamento

totalmente diverso da doutrina até aqui citada, da qual ele faz um rápido resumo

antes de adentrar às suas razões. Não acata a possibilidade de as organizações

criminosas comandarem certos setores da economia a partir do poder concedido

pelas enormes quantias de dinheiro advindo de suas atividades ilícitas, resultando

no comprometimento da livre concorrência. Frisa que grandes empresas já

comandam determinados setores da economia, fato que é inerente à lei do

mercado na sociedade capitalista, o que não ofende a livre competição. No

entendimento do autor, aqueles que sustentam a tese de que o delito de lavagem

de dinheiro ofende o sistema financeiro deixaram de atentar ao fato de que o

sistema financeiro é apenas o meio utilizado pelas organizações criminosas para

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dispersar o dinheiro no mercado, não sendo possível admitir que o sistema

financeiro seja prejudicado somente pela origem do capital.

O autor destaca, ainda, que o direito penal deve ser utilizado como ultima

ratio na proteção de determinado bem jurídico, ou seja, é necessário que outros

ramos do direito não sejam capazes de fazê-lo. Entretanto, no caso da lavagem

de dinheiro o autor demonstra que o direito administrativo brasileiro possui meios

eficazes para garantir a proteção dos bens jurídicos citados pela doutrina como

sendo os juridicamente tutelados (ordem econômica, administração da justiça

etc). Menciona, para ilustrar o seu entendimento, determinados procedimentos

adotados por diferentes órgãos nacionais, dentre eles o Banco Central do Brasil,

Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e COAF (criado inclusive pela lei que

tipificou o delito de lavagem de dinheiro). Do mesmo modo, não se pode admitir

que o direito penal seja visto como meio de perseguição e confisco dos bens

resultantes da prática criminosa, a partir de um tipo penal autônomo de lavagem

de dinheiro, pois o direito administrativo poderia atuar com normas de confisco de

bens de origem ilícita (CASTELLAR, 2004, p. 183-191).

Sendo assim, João Carlos Castellar (2004, p. 195) afirma que a

criminalização da lavagem de dinheiro não atua como meio de proteger algum

bem jurídico, mas trata-se, somente, de um meio mascarado de confisco de bens

e valores oriundos da atividade criminosa. As operações econômicas indicadas

como forma de lavagem de dinheiro poderiam encontrar respaldo típico dentro de

outras condutas previstas na lei penal, como, por exemplo, na receptação ou

favorecimento real, o que evitaria sobremaneira tipos penais capazes de exigir

flexibilização de garantias de cunho constitucional e processual penal.

Isidoro Blanco Cordero (2002, p. 183-198) faz um estudo acerca do bem

jurídico tutelado pela criminalização da lavagem de dinheiro na doutrina

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comparada. Na Suíça, onde parece existir consenso sobre o tema, o bem

juridicamente protegido é a administração da justiça. Na Alemanha a doutrina se

mostra dividida, uma vez que admite como bens jurídicos no delito de lavagem de

dinheiro os bens jurídicos dos delitos prévios, a administração da justiça, a luta

contra a criminalidade organizada e a ordem econômica. Na Itália o entendimento

majoritário recai sobre a administração da justiça. Por sua vez, na Espanha

elenca-se uma gama de possibilidades de bens jurídicos, dentre eles: os bens

jurídicos dos delitos prévios, a administração da justiça, a eficácia da

administração da justiça, a ordem econômica, a transparência do sistema

financeiro, a legitimidade da atividade econômica, a livre concorrência, a

circulação de bens no mercado e, em um plano mediato, a saúde pública.

Resta evidente, portanto, que além de uma dificuldade secular para se

definir bem jurídico, há uma dificuldade generalizada na doutrina mundial para

delimitação do bem jurídico protegido com a criminalização da lavagem de

dinheiro.

Diante dos posicionamentos acima mencionados, por todos os seus

fundamentos, o sistema financeiro parece-nos ser o mais afetado em virtude das

práticas de lavagem de dinheiro. Esta conduta criminosa é capaz de abalar todo

um sistema diante do dinheiro oriundo de práticas criminosas injetados na

economia mundial.

Somente com o reforço de medidas preventivas e repressivas às formas

de colocação de dinheiro sujo em circulação é que se pode garantir eficiência ao

combate à criminalidade organizada, que necessita destes mecanismos, seja para

gozar dos frutos de suas atividades, seja para capitalizar as próprias empreitadas

criminosas.

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3 O TIPO PENAL DO CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO

A partir de preceitos advindos da Convenção de Viena, no intento de

combater a lavagem de dinheiro no país, foi editada a Lei n.° 9.613/98.

Como destaca Willian Terra Oliveira (1998, p. 318), o tipo penal criado no

ordenamento jurídico brasileiro segue o modelo internacional, uma vez que a

edição de uma legislação internacional uniforme para o combate do crime

organizado “é uma das bases dos sistemas globais de controle do delito”.

A lavagem de dinheiro foi tipificada no artigo 1° da Lei n.° 9.613/98, in

verbis:

Art. 1° - Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: I – de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; II – de terrorismo; III – de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; IV – de extorsão mediante seqüestro; V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência , para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; VI – contra o sistema financeiro nacional; VII – praticado por organização criminosa; VIII – praticado por particular contra a administração pública estrangeira. Pena: reclusão de três a dez anos e multa. §1° Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo: I – os converte em ativos lícitos; II – os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere; III – importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros. §2° Incorre, ainda, na mesma pena quem: I – utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabem serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo; II – participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei. §3° A tentativa é punida nos termos do parágrafo único do artigo 14 do Código Penal. §4° A pena será aumentada de um a dois terços, nos casos previstos nos incisos I a IV do caput deste artigo, se o crime for cometido de forma habitual ou por intermédio de organização criminosa.

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§5° A pena será reduzida de um a dois terços e começará a ser cumprida em regime aberto, podendo o juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se o autor, co-autor ou patícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.

Willian Terra de Oliveira (1998, p. 318/319) afirma que a estrutura do tipo

penal do artigo 1° acima pode ser descrita da seguinte forma:

a) em primeiro plano está o caput, complementado pelos incs. I a VII, descrevendo a principal forma de lavagem; b) em seguida temos as formas especiais ou derivadas descritas nos §§ 1° e 2°; c) além disso, a lei se ocupa em descrever causas ou circunstâncias relacionadas à dosimetria da pena, que irão influenciar no cômputo da resposta penal, quer por representarem institutos como o da tentativa (§3°) quer por descreverem situações de especial reprovabilidade (como o conceito de habitualidade - § 4°), ou finalmente por possibilitarem a diminuição de pena ante o reconhecimento do instituto da delação premiada (§5°). (grifos do original)

O caput do artigo 1°, da Lei n.º 9.613/98, descreve as condutas que

indicam a idéia central do tipo e a razão do injusto, qual seja: “punir os processos

de atribuição de aparência de licitude a bens, direitos e valores cuja origem deita

raízes em fatos ilícitos anteriores” (OLIVEIRA, 1998, p. 319).

Rodolfo Tigre Maia (1999, p. 64) classifica este tipo penal como

acessório, tendo em vista a exigência de um crime anterior como antecedente

lógico de sua ocorrência, a exemplo do que ocorre na receptação e no

favorecimento.

Por outro lado, o autor destaca que se trata de um crime autônomo em

relação aos crimes antecedentes, no sentido de que mesmo desconhecidos os

autores destes, ou se absolvido o acusado ou se este for inimputável, ainda assim

haverá o delito de lavagem de dinheiro (1999, p. 65).

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Willian Terra de Oliveira, por sua vez, entende que o artigo 1° da Lei n.°

9.613/98 não trata de um delito meramente acessório a crimes anteriores, pois

possui estrutura típica própria, com preceito primário e secundário, “pena

específica, conteúdo de culpabilidade própria e não constitui uma forma de

participação post-delectum”.

Ele classifica os crimes antecedentes como diferidos ou remetidos, já que

o art. 1° menciona uma relação de crimes anteriores, dos quais depende para sua

caracterização (1998, p. 333, grifos do original).

3.1 SUJEITOS DO CRIME

3.1.1 Sujeito ativo

Alguns tipos penais não indicam objetivamente o sujeito ativo do delito,

admitindo qualquer pessoa como autora do crime, pois não exigem “qualquer

qualidade ou condição pessoal ou especial do autor da infração penal”

(BITENCOURT, 2004, p. 253). Tais tipos penais são classificados como crimes

comuns, a exemplo do delito de lavagem de dinheiro.

O sujeito ativo do delito de lavagem de dinheiro pode ser qualquer pessoa

que pratique qualquer das condutas previstas no caput e incisos dos parágrafos

do artigo 1° da Lei n.º 9.613/98, pois o legislador não lhe atribuiu nenhuma

qualidade específica.

O autor do delito de lavagem de dinheiro também não se confunde com o

autor dos crimes antecedentes, expressos nos incisos I a VIII do artigo 1°, ou

mesmo tenha concorrido para a sua prática, fato que reforça a idéia de autonomia

do crime de lavagem de dinheiro. Todavia, como assevera Marcelo Mendroni

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(2006, p. 32), há oportunidades em que o autor do crime antecedente pode ser

autor da lavagem de dinheiro, o que não retira a autonomia delitiva deste último,

cujas condutas e penas são expressas e distintas.

Rodolfo Tigre Maia (1999, p. 91), citando o entendimento de parte da

doutrina, sem contudo adotar tal entendimento, discorre que quando o autor do

crime antecedente também é o autor da lavagem de dinheiro, esta deixa de ser

vista como um tipo penal autônomo para ser considerada mero exaurimento

impunível, pois passa a ser o objetivo desejado na atividade criminosa praticada

pelo agente ativo.

Tal entendimento é decorrente da analogia com o crime de receptação,

quando o autor, co-autor ou partícipe do crime antecedente respondem apenas

por este e não pelo crime acessório.

Todavia, o autor acima citado discorda deste entendimento e fundamenta:

De fato. Em primeiro lugar por tratar-se, aqui, da realização de ações tipicamente relevantes e socialmente danosas, que não se confundem com as condutas constantes daqueles. Em segundo lugar pela diversidade das objetividades jurídicas e sujeitos passivos dos tipos envolvidos. Aqui não se trata de mero exaurimento do crime antecedente, com a imediata disposição ou fruição do produto do crime, como ocorre na receptação, mas de prática pelo criminoso de novas condutas destinadas a obstaculizar a atuação das forças da ordem para lograr a impunidade do crime primário e a fruição tranqüila dos ganhos assim obtidos, em detrimento da administração da justiça e em prejuízo das vítimas daquele crime, colocando em risco outros valores especialmente resguardados, tais como o sistema financeiro e a ordem econômica. Em terceiro lugar porque as atividades de “lavagem” de dinheiro processam-se via de regra sob a direção e o controle dos autores dos crimes antecedentes, que, nestes casos, por não transferirem a titularidade dos produtos do crime e possuírem o domínio do fato típico, configuram-se como autores. Aliás, nesta hipótese, outro entendimento pode conduzir a uma situação em que existam partícipes ou cúmplices (atuantes apenas na reciclagem) de um crime sem autores. Em quarto lugar, como apontado anteriormente (...), a própria etiologia da incriminação da “lavagem de dinheiro”, originada de sua intensa lesividade quer à administração da justiça, quer à ordem econômica, remete à ampliação dos limites de responsabilidade penal por sua prática, destarte, a “lavagem” de dinheiro é crime comum, qualquer

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pessoa pode cometê-lo, inclusive, e principalmente, os autores dos crimes que a antecedem (MAIA, 1999, p. 92, grifos do original).

O Código Penal Argentino, por exemplo, no artigo 273 exclui

expressamente o autor do delito do crime antecedente como autor do delito de

lavagem de dinheiro. “(...) quien há realizado la conducta de blanqueo de

capitales no debe haber participado en el delito previo que dio origen a los

bienes” (RODRÍGUES VILLAR. GERMÁN BERMEJO, 2001, p. 98), ao contrário

da lei brasileira, a qual admite que o autor, co-autor ou partícipe do crime

antecedente sejam o autor do delito de lavagem de dinheiro (BONFIM, 2005, p.

52).

Com relação à co-autoria e participação no delito de lavagem de dinheiro,

informa Carlos Márcio Rissi de Macedo (2007, p. 68) que a legislação pátria não

previu esta possibilidade, fazendo com que todos os que de alguma forma

participaram no processo de lavagem sejam considerados autores do crime.

Entretanto, o autor discorda deste posicionamento e, para tanto, cita o artigo 29

do Código Penal, o qual deve incidir no tipo para se referir à participação no delito

de lavagem de dinheiro.

3.1.2 Sujeito passivo

De uma forma geral, sujeito passivo de um delito é o titular do bem

jurídico tutelado pelo tipo (MACEDO, 2007, p. 71). Assim, a delimitação do sujeito

passivo do delito de lavagem de dinheiro depende do entendimento acerca de

qual é o bem juridicamente tutelado pela criminalização da conduta.

Rodolfo Tigre Maia (1999, p. 90) entende que a administração da justiça

é, de forma imediata, o bem jurídico lesado pela lavagem de dinheiro. Neste

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sentido adota como principal sujeito passivo o Estado, o qual detém o monopólio

da justiça.

De forma mediata considera como bens jurídicos tutelados os bens

jurídicos dos crimes antecedentes, fazendo com que os sujeitos passivos destes

delitos sejam, também de forma mediata, sujeitos passivos da lavagem de

dinheiro.

Para Carlos Márcio Rissi de Macedo (2007, p. 71), o bem juridicamente

tutelado na lavagem de dinheiro são aqueles afetados pelo crime antecedente e a

ordem econômica. Cita, para exemplificar o seu entendimento, o delito de tráfico

ilícito de entorpecentes, na qual a saúde pública é o sujeito passivo, bem como a

ordem econômica, o próprio sujeito passivo, pois é atingida pela circulação de

ativos ilícitos.

Marcelo Mendroni (2006, p. 33) coloca a sociedade ou a comunidade

local como sujeito passivo devido o “abalo das estruturas econômicas e sociais,

além da soberania dos Estados”.

O entendimento de que o bem jurídico lesado é a ordem econômica

corrobora com a afirmação de que o sujeito passivo do crime de lavagem de

dinheiro é a sociedade.

3.2 NÚCLEOS DO TIPO

No caput do artigo 1° da Lei n.° 9.613/98 duas são as condutas descritas

representativas do núcleo do tipo, quais sejam, ocultar e dissimular. Para Willian

Terra de Oliveira (1998, p. 329), no contexto em que estão inseridas, elas se

referem às “finalidades específicas do agente”. Afirma, ainda, o autor que a

conduta de ocultar é o processo básico utilizado pelo sujeito ativo, e representa o

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primeiro passo para transformar em lícito o dinheiro advindo de crime, uma vez

que a sua intenção é causar desconhecimento acerca de sua origem, natureza,

localização, propriedade, movimentação ou disposição.

Seguindo esse raciocínio, a conduta de dissimular refere-se ao segundo

passo, objetivando manter a ocultação e, para tanto, o sujeito ativo se utiliza de

diversas manobras e muita atenção. O intuito desta ação é manter a invisibilidade

ou, pelo menos, garantir a intangibilidade da origem, natureza, localização,

propriedade, movimentação ou disposição dos bens, fazendo com que se tornem

mais difíceis a investigação e a fiscalização pelo Estado, proporcionando ao

agente uma tranqüila disposição de tais bens (OLIVEIRA, 1998, p. 329).

Carlos Márcio Rissi de Macedo (2007, p. 73/74) se manifesta no seguinte

sentido:

As condutas de ocultar ou dissimular, constantes na cabeça do artigo, podem ser compreendidas como sendo aquelas características da primeira fase do processo de reciclagem de ativos (...), que em linhas gerais estão relacionadas a transações financeiras realizadas com o objetivo de fracionar em quantias menores o capital ilícito, pulverizando-o em investimentos financeiros diversos, obstando a investigação quanto a sua origem. A prática destas condutas pode se dar, consoante a própria dicção do texto legal, de forma como a ocultação ou dissimulação quanto à natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores. Ocorre a ocultação ou dissimulação quanto à natureza ou origem quando o agente busca despistar as características essenciais do bem, diretamente relacionadas ao crime antecedente. Quanto à localização, disposição ou à movimentação, haverá encobrimento da própria localização espacial do bem. Em relação à propriedade busca despistar-se a titularidade do bem, atividade que se dá, essencialmente, através da utilização dos chamados “laranjas”.

O caput trata-se de um tipo penal misto alternativo, pois a realização de

qualquer uma das duas condutas ali previstas já faz existir o ilícito, e se houver

subsunção aos dois núcleos do tipo, não restará configurada a pluralidade de

crimes. Assim como se houver a lavagem de vários bens resultantes de apenas

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um dos crimes elencados como antecedentes haverá apenas uma violação penal

se efetuada concomitantemente (MAIA, 1999, p. 65).

No § 1°, do artigo 1°, da Lei n.° 9.613/98 estão previstas formas especiais

de agir no procedimento de lavagem de dinheiro. Os incisos I a III do referido

parágrafo descrevem condutas utilizadas para legitimar os bens, direitos e valores

provenientes dos delitos anteriores, descritos nos incisos I a VIII do caput.

O tipo descreve a conduta do agente que possibilita que os bens, direitos ou valores oriundos dos graves crimes descritos no caput possam ser reintroduzidos no circuito econômico, mediante determinadas operação (descritas nos incisos I, II e III), assegurando desta forma sua disponibilidade e fruição, bem como a impunidade. Os três incisos do § 1° são a ilustração de típicas operações de lavagem de dinheiro, representadas por negócios jurídicos de aquisição, troca, guarda, movimentação e transferência, algumas vezes em relação ao exterior, que acabam por gerar riquezas de aparência lícita e de pronta disponibilidade. (OLIVEIRA, 1998, p.335, grifos do original).

Carlos Márcio Rissi de Macedo afirma que o § 1° estabelece condutas

assemelhadas e típicas. Acredita que o autor que a partir desta disposição tem-se

o intuito de incriminar co-autores e partícipes, “que não tenham efetivamente

participado do crime antecedente, mas de alguma forma atuaram no processo de

reciclagem” (2006, p. 74).

Considerando a existência de incontáveis mecanismos de lavagem de bens, direitos e valores, torna-se necessária a previsão, também, das respectivas transformações, em todos os sentidos. Se se visou, no caput do artigo, punir a obtenção de resultado do processamento direto dos ganhos ilícitos, pretendeu-se aqui punir o “meio” percorrido para se atingir o processamento de tais ganhos. Usou-se aqui, para tanto, o termo para (que se pode substituir pela expressão: “com a finalidade de...”) – ocultar ou dissimular, demonstrando a conduta indireta, e especificando as várias formas possíveis. (MENDRONI, 2006, p. 53, grifos do original)

Neste sentido, para que haja a consumação do previsto no §1°, basta que

o agente tenha praticado as condutas descritas nos seus incisos com o dolo

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específico de ocultar ou dissimular bens, direitos ou valores advindos da prática

de algum dos crimes antecedentes, independentemente do seu “sucesso ou êxito

econômico, ou que os valores venham a alcançar uma efetiva situação de

segurança fática ou jurídica” (OLIVEIRA, 1998, p. 336).

No inciso I, do § 2°, do artigo 1° da Lei n.° 9.613/98, está prevista a

conduta de utilizar, na atividade econômica, valores, bens ou direitos advindos

dos ilícitos tidos como crimes antecedentes. Trata-se de comportamento

localizado nas fases mais avançadas da lavagem de dinheiro, na qual deve se

verificar o dolo direto do agente, em outros termos, o sujeito ativo deve ter o real

conhecimento de que aqueles valores, bens ou direitos são provenientes dos

delitos elencados nos incisos do caput do artigo (OLIVEIRA, 1998, p. 336). Basta

apenas a utilização dos bens, direitos e valores, ou seja, não é necessário que o

agente pretenda ocultar ou dissimular a origem ilícita dos bens (BONFIM, 2005, p.

47).

No incido II do parágrafo e artigo retromencionados o tipo imputa as

mesmas penas do caput àqueles que participam de grupo, associação ou

escritório sabendo que aquele local se destina a prática dos crimes mencionados

na Lei. Willian Terra de Oliveira (1998, p. 337) afirma que esta figura típica é

“derivada de uma forma especial de participação, ou, por assim dizer, da

ampliação do conceito de autoria” e elenca alguns requisitos para se verificar a

incidência deste tipo, quais são: a) demonstração de que o grupo de fato existe;

b) a presença de uma mínima estabilidade associativa; c) a ocorrência de

finalidades concretas destinadas à prática dos crimes previstos na Lei; e d) deve

se verificar se a conduta do agente contribuía para a efetivação dos planos

coletivos e se o agente aderia voluntariamente àqueles planos (OLIVEIRA, 1998,

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p. 337-338). Verifica-se, portanto, que neste tipo penal, também é indispensável a

configuração de dolo específico do sujeito ativo.

3.3 OBJETO MATERIAL

Márcia M. Bonfim e Edilson M. Bonfim (2005, p. 38) noticiam que objeto

material do delito é o objeto corpóreo, pessoa ou coisa sobre os quais incide a

ação passível de punição. O tipo penal pode indicá-lo direta ou indiretamente,

entretanto, não se confunde com o bem jurídico tutelado.

A Lei n.° 9.613/98, no artigo 1°, elenca expressamente os seus objetos

materiais, quais sejam, “bens direitos e valores”. Pode-se observar que a redação

implica objetos materiais bastante genéricos.

Desde a Convenção de Viena os diversos instrumentos internacionais que mais influenciaram as diferentes legislações nacionais, adotaram sempre uma definição ampla de objeto material do delito de lavagem de dinheiro. Depois dessa Convenção, que definiu bens como “os ativos de qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e os documentos legais que comprovem a propriedade ou outros direitos sobre referidos ativos”, a Diretiva n. 308/1991 (art. 1°) e a Convenção de Estraburgo (art. 1°, “b”), também o fizeram no mesmo sentido. (BONFIM, 2005, p. 39)

Certamente, é devido a influências dos modelos acima descritos que a lei

incriminadora da lavagem de dinheiro no país não faz menção expressa ao termo

“dinheiro”, o qual, por óbvio, está inserido na expressão “bens”. Esta previsão

ampla dos objetos materiais do delito faz com que não se busquem somente os

objetos dos delitos anteriores, mas também aqueles derivados dos bens, direitos

e valores, que sofreram mutações durante o procedimento de lavagem de

dinheiro (OLIVEIRA, 1998, p. 325). Esta autorização consta no caput do artigo 1°,

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que trata de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, dos

crimes antecedentes.

Com relação aos bens, direito ou valores de procedência indireta, um

problema discutido pela doutrina diz respeito à contaminação sem fim do objeto

material. Márcia M. Bonfim e Edilson M. Bonfim assim se referem ao tema:

Alguns autores utilizam as diversas teorias da relação de causalidade para atribuir ou não a existência de um nexo causal entre os bens, direitos ou valores, transformados ou substituídos várias vezes, e dos respectivos delitos do qual se originam. Assim, no exemplo da doutrina, apenas para ficarmos no terreno da teoria imputação objetiva, um bem não tem sua origem num fato delitivo quando esse fato não é juridicamente significativo para o bem, introduzindo dessa forma o critério da “importância”, com base no qual se pode resolver uma série de hipóteses. Por isso, preferimos as soluções apresentadas na Espanha (...) nas hipóteses de mescla, será objeto material da lavagem apenas a parte que procede de um dos delitos, não o bem, direito ou valor em sua totalidade. No caso de transformações, ao revés, os bens, direitos ou valores mantêm a origem delitiva, independentemente da perda ou não da identidade do bem. Por fim, nos casos de substituição, o bem de origem lícita, que toma lugar daquele de origem criminosa, adquire o mesmo caráter delitivo, sem contar que esse bem (de origem delitiva, que foi substituído por um de procedência lícita) permanece contaminado, não havendo saneamento. A contaminação alcança o bem substituído e o bem substituto. (2005, p.40)

Rodolfo Tigre Maia (1999, p. 61/62) faz uma crítica à utilização das

expressões “bens, direitos ou valores” na elaboração do tipo, pois tal situação

torna frágil a função garantista do tipo penal, uma vez que remete a conceitos de

ordem valorativa ou cultural. Dessa forma, afirma que os objetos materiais do

delito de lavagem de dinheiro devem preencher dois requisitos: 1 – devem se

caracterizar, em sentido amplo, como produto de crime; e 2 – deve ser possível a

sua individualização ou especialização no caso concreto. Dentre os bens

passíveis de legitimação, não se podem incluir os instrumentos utilizados para a

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prática do crime antecedente, pelo mero fato de que são meios de prática e não

produtos do crime6.

3.4 O TERMO CRIME COMO ELEMENTO NORMATIVO DO DELITO DE

LAVAGEM DE DINHEIRO

Os incisos I ao VIII, do artigo 1° da Lei n.° 9.613/98 elencam quais os

delitos antecedentes ao de lavagem de dinheiro. Ou seja, a lavagem de dinheiro,

embora seja crime autônomo, é acessório, visto que depende da ocorrência de

delitos prévios para sua configuração. O termo crime, portanto, é elemento

normativo do tipo penal.

Márcia M. Bonfim e Edilson M. Bonfim (2005, p. 54) afirmam que basta

que o crime antecedente seja típico e antijurídico, não se exigindo que seja

culpável, para a ocorrência da lavagem de dinheiro. Entretanto, se houver

qualquer situação que exclua tipicidade ou uma das causas excludentes da

antijuridicidade do crime antecedente não será possível incriminar a lavagem de

dinheiro. Situação que não se verifica quando presente alguma causa excludente

da culpabilidade ou quando esta é extinta, já que se referem ao sujeito ativo e não

ao delito.

Como já citado anteriormente7, a Lei n.° 9.613/98 é uma lei de 2ª geração,

uma vez que elenca rol específico de crimes antecedentes aos de lavagem de

dinheiro, quais sejam: tráfico ilícito de substâncias entorpecentes, terrorismo,

contrabando ou contrabando de armas, munições ou material destinado à sua

6 Nesse contexto o autor cita o artigo 91, II, “a” do Código Penal, no qual se prevê, que para efeitos da condenação, há perda em favor da União, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé, dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito. 7 Vide nota 5.

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produção, extorsão mediante seqüestro, crimes contra a Administração Pública,

inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer

vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos

administrativos, crime contra o sistema financeiro nacional e crime praticado por

organização criminosa e delito praticado por particular contra a administração

pública estrangeira.

O tráfico ilícito de substância entorpecente, atualmente incriminada no

Brasil pela Lei n.° 11.343, artigo 33, foi o primeiro delito a estar ligado

legislativamente à lavagem de dinheiro. Evidentemente, devido à sua gravidade

nunca deixou de pertencer ao rol dos crimes antecedentes, no qual já esteve

sozinho em legislações de primeira geração.

Não por acaso foi a primeira forma criminosa a ser catalogada no dispositivo legal. Isto porque toda a discussão a respeito da necessidade de regramento legal de crimes de lavagem de dinheiro surgiu da preocupação da comunidade internacional com os efeitos lesivos à sociedade causados pela prática de tráfico e consumo de entorpecentes em todo o mundo. Foi, por assim dizer, a causa da criação do modelo da legislação, que depois acabou ampliado para outros delitos. São condutas criminalizadas em todo o mundo, mais ou menos drasticamente, e que portanto sempre permitirão o processamento criminal do agente pela prática da lavagem, ainda que não no país de origem. (MENDRONI, 2006, p. 40)

O terrorismo, em que pese seja mencionado pela Constituição Federal –

artigo 5°, inciso XLIII – e pelas Leis n.° 7.170/83 – Lei de Segurança Nacional – e

8.072/90 – Lei de Crimes Hediondos – não existe na legislação penal pátria como

tipificação legal. Sobre a lavagem de dinheiro que tem como delito prévio o

terrorismo, Carlos Márcio Rissi de Macedo (2006, p. 88) se manifesta no seguinte

sentido:

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Nesse sentido, embora não existam dúvidas quanto ao conceito do que se chama de terrorismo, mal que tanto tem afligido o mundo contemporâneo, não há viabilidade na aplicação do preceito contido na Lei 9.613/98 porquanto a legislação acessória não estabelece limites condizentes com a garantia constitucional da legalidade de forma a viabilizar sua aplicação.

O contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado a sua

produção é conduta que encontra previsão na Lei n.° 10.826/03, nos artigos 17 e

18. Noticia Willian Terra de Oliveira (1998, p. 331) que as Nações Unidas,

baseadas em estudos da época, afirmaram que esta conduta é responsável pela

movimentação de grandes somas de dinheiro anualmente, a qual é inserida no

sistema econômico, fazendo com que se justifique a previsão deste delito como

antecedente ao de lavagem de dinheiro.

O quarto crime elencado como antecedente é a extorsão mediante

seqüestro, previsto no artigo 159 do Código Penal; é prevista como crime

hediondo pela Lei n.° 8.072/90. De acordo com o entendimento de Willian Terra

de Oliveira (1998, p. 331), a intenção do legislador é evitar que os valores

conseguidos com seqüestros possam ser “utilizados e desfrutados por seus

agentes”.

É o texto do inciso V, do artigo 1°: “contra a Administração Pública

inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer

vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos

administrativos”. Tal redação é, certamente, dotada de absoluta incoerência,

evidenciando total falta de técnica legislativa daquele que a elaborou. Rodolfo

Tigre Maia realiza acertada crítica sobre o dispositivo, vejamos:

Esta primeira parte do inciso é lamentável do ponto de vista da técnica jurídico-penal (a) por ampla em demasia, envolvendo incontáveis tipos penais, inclusive alguns de pequena lesividade, enfraquecendo a função de garantia da norma incriminadora; (b) por referir indistintamente ilícitos

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que sequer propiciam diretamente a aquisição de bens passíveis de “lavagem” de dinheiro. Assim, e.g., os crimes de prevaricação, condescendência criminosa, abandono de função, resistência, desobediência, desacato, inutilização de edital ou de sinal, reingresso de estrangeiro expulso, exercício arbitrário das próprias razões, arrebatamento do preso, motim de presos, etc. A segunda parte do dispositivo (“inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos”), resultante da emenda aditiva aprovada pelo Parlamento, consegue ser pior: (a) é rebarbativa, eis que a hipótese anunciada estaria subsumida ao objeto jurídico já enunciado (contra a Administração Pública); (b) é inconsistente, eis que a conduta descrita não corresponde com exatidão a qualquer dos tipos penais vigentes em nosso ordenamento jurídico (aproxima-se um pouco com a corrupção passiva e da concussão). (1999, p. 77)

Marcelo Mendroni considera que tais condutas são das que mais afetam o

desenvolvimento do país, já que o “Estado corrupto não consegue encontrar

campo fértil para o desenvolvimento” (2006, p. 46).

O conceito de instituição financeira e os crimes contra o sistema

financeiro nacional estão previstos na Lei n.° 7.492/86. Willian Terra de Oliveira

considera que a inclusão dos crimes contra o sistema financeiro nacional como

delitos prévios à lavagem de dinheiro foi feita de forma acertada, entretanto, um

tanto tímida, uma vez que poderia ter “incluído outras ordens de delitos afins,

como o de abuso de poder econômico ou aqueles que atingem a economia

popular ou a livre concorrência” (1998, p. 331).

Quando prevê os crimes cometidos por organizações criminosas como

sendo antecedentes, evidencia, a Lei n.° 9.613/98, portanto, estreita relação com

a Lei n.° 9.034/95, qual seja, Lei do Crime Organizado. Entretanto, mesmo com lei

especial, o crime organizado não possui definição em nosso ordenamento

jurídico, não se podendo falar, portanto, em crime organizado anterior à lavagem

de dinheiro, “o que implica em deixar vácuo na política criminal” (PITOMBO, 2003,

p. 117).

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Com o Decreto n.° 5.015 de 2004, o Brasil promulga a Convenção das

Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional8. A definição de crime

organizado presente neste documento é o que vem sendo utilizada

subsidiariamente, permitindo, portanto, a utilização do dispositivo da Lei de

Lavagem de Dinheiro, independentemente de definição legal (MENDRONI, 2006,

p. 51). Assim, sendo verificada a existência de organização criminosa, qualquer

crime por ela praticado poderá ser crime antecedente ao de lavagem de dinheiro.

A Lei n.° 10.467, de 2002, inseriu na Lei n.º 9.613/98 o inciso VIII no artigo

1°, que prevê como crime antecedente ao de lavagem de dinheiro aquele

praticado por particular contra a administração pública estrangeira. A mesma Lei

inseriu no Código Penal Brasileiro os artigos 337-B, 337-C e 337D, que tipificam

os crimes de corrupção ativa em transação comercial internacional, tráfico de

influência em transação comercial internacional e a definição de funcionário

público estrangeiro para fins de aplicação dos artigos, respectivamente.

No entendimento de Antônio Sérgio de A. Moraes Pitombo (2003, p. 117),

essas alterações legislativas servem para demonstrar reciprocidade e

cooperação, em matéria penal, com os Estados Unidos, visto que trazem a

definição jurídica ao direito nacional de disposições legais do Foreign Corrupt Act.

É sabido que no Direito Penal brasileiro existe distinção entre crime e

contravenção penal. Assim, quando a Lei n.° 9.613/98 se referiu expressamente

ao termo crime, excluiu a possibilidade de contravenções penais fazerem parte do

rol de delitos antecedentes, mesmo que praticados por organizações criminosas.

8 Artigo 2 – Terminologia – Para efeitos da presente Convenção, entende-se por: a) "Grupo criminoso organizado" – grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material; (...)

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Tiago Ivo Odon (2003, p. 342/343) faz acertada crítica a esta previsão e cita

alguns exemplos de práticas que conduzem à lavagem de dinheiro ou são meios

para, mas que não permitem a aplicação da lei, dentre elas o jogo do bicho, o

bingo, máquinas caça-níqueis, loterias não autorizadas, comércio clandestino de

obras de arte etc.

O jogo do bicho, por exemplo, uma das maiores chagas da criminalidade nacional, é uma contravenção penal e não um crime. Assim, se um bicheiro introduz proventos do jogo no sistema financeiro para ocultar ou dissimular a origem, não estará praticando crime nenhum, por maior que seja o montante. Hoje há um vácuo legislativo com relação ao bingo. Foi editada medida provisória dando à Caixa Econômica Federal poder para fiscalizar e licenciar, mas necessita de regulamentação. O Poder Judiciário tem atrapalhado bastante a fiscalização e repressão da Caixa, pois tem concedido liminares contra o descredenciamento de várias dessas atividades. Atualmente proliferam-se no Brasil as máquinas caça-níqueis. (...) É um negócio que movimenta R$ 40 milhões por ano só no DF. É típico jogo de azar cujos proventos podem ser injetados no sistema financeiro sem risco de incriminação, pois o jogo é mera contravenção penal. O mesmo ocorre com a promoção de loterias não autorizadas, nacionais ou estrangeiras, que também é contravenção penal. (...) Estima-se que há cerca de 9 mil revendedores lotéricos no país, os quais podem comprar bilhetes premiados para fins de lavagem. Outra contravenção é o comércio clandestino de obras de arte, um dos mercados mais utilizados atualmente para lavagem de dinheiro. Muitos bancos europeus têm aceitado sem maiores problemas obras de arte como garantia para empréstimos, muitas das quais furtadas ou roubadas.no Brasil, qualquer pessoa poderia furtar ou roubar obras de arte caríssimas, oferecê-las como garantia de um empréstimo correspondente ao seu valor, para, em seguida, não pagar o empréstimo: o banco ficaria com um bem sujo e o criminoso com dinheiro limpo (com uma origem a ser declarada), e ele não seria punido por isso.

Ela Wiecko V. de Castilho (2004, p. 46), em artigo publicado na Revista

Brasileira de Ciências Criminais, faz uma análise do delito de lavagem de dinheiro

buscando responder o motivo pelo qual os delitos contra a ordem tributária não

estão inseridos no rol de crimes antecedentes. Concluiu que a exclusão deste

delito se deve a razões econômicas para proteção daqueles que detêm o capital

nos países ricos, visto que 50% dos depósitos são oriundos de evasão fiscal de

multinacionais e pessoas físicas muito ricas, 30 a 40% se devem à corrupção de

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autoridades políticas de alta classe e, somente, 10 a 20% são oriundos de

organizações criminosas atuantes no tráfico de drogas, armas e seres humanos.

Nelson Jobim, em 1997, perante a Comissão de Finanças e Tributação da

Câmara dos Deputados, como informa Ela Wiecko V. de Castilho (2004, p.50),

declarou que na sonegação fiscal o agente passivo não se desfaz do seu

patrimônio para dar cumprimento a uma obrigação fiscal, não sendo caracterizado

um aumento no seu patrimônio, e, se deixa de pagar tributo, não está lavando

dinheiro. “No momento em que compra um apartamento, faz um investimento.

Transfere dinheiro para o exterior. Ele está transferindo um dinheiro seu, não de

outrem e nem dinheiro oriundo de atividade criminosa”. Esta seria, portanto, a

justificativa para não elencar os crimes tributários dentre aqueles antecedentes à

lavagem de dinheiro.

3.5 TIPO SUBJETIVO

As condutas criminosas elencadas no artigo 1° da Lei n.° 9.613/98

admitem somente a forma dolosa, uma vez que o artigo não faz referência à

possibilidade de crimes culposos. Nesse sentido, a construção do tipo considerou

a recomendação da Convenção de Viena (PITOMBO, 2003, p. 135).

Para incidência das penas previstas no tipo sobre o agente é necessário

que este tenha conhecimento de que está ocultando ou dissimulando dinheiro,

bens, valores ou direitos advindos de prática anterior relacionada aos crimes

previstos como antecedentes.

O conhecimento do crime antecedente é parte integrante do dolo típico. Não se deve, assim, embaralhá-lo com a potencial consciência da

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ilicitude, porque quem conhece a antijuridicidade do crime anterior não deduz, necessariamente, a proibição da lavagem de dinheiro. (...) Esse juízo de reprovabilidade vincula-se ao reconhecimento da potencial consciência do desvalor da conduta, mas, antes, depende do pleno conhecimento, pelo agente, do significado do agir, o qual se configura como elemento do dolo. O elemento cognitivo, na lavagem de dinheiro, apresenta dois planos diferentes: conhecer a origem criminosa dos bens e ter a possibilidade de entender a ilicitude da ocultação, da dissimulação e da integração de tais bens à economia. (PITOMBO, 2003, p. 137/138)

Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo (2003, p. 138) destaca que

“integram o dolo típico da conduta de lavagem de dinheiro: conhecer os bens; a

ocorrência de crime antecedente; e a relação entre tais bens e o crime

antecedente”. Assim, no momento em que pratica a conduta típica o agente deve

ter conhecimento de todos esses elementos para que se possa falar em dolo, não

sendo suficiente o dolo antecedente na fase preparatória, ou dolo posterior à

conduta (PITOMBO, 2003, p. 144).

É importante ressaltar que a Exposição de Motivos da Lei n.º 9.613/98,

em seu artigo 41, admite a possibilidade de dolo eventual somente no caput do

artigo 1°, vejamos a redação:

“40. Equipara o projeto, ainda, ao crime de lavagem de dinheiro a importação ou exportação de bens com valores inexatos (art. 1o, § 1o, III). Nesta hipótese, como nas anteriores, exige o projeto que a conduta descrita tenha como objetivo a ocultação ou a dissimulação da utilização de bens, direitos ou valores oriundos dos referidos crimes antecedentes. Exige o projeto, nesses casos, o dolo direto, admitindo o dolo eventual somente para a hipótese do caput do artigo”. (grifos nossos)

Rodolfo Tigre Maia (1999, p. 87) questiona se a “dúvida acerca do objeto

material ou da natureza do crime anterior, à qual o agente permanece indiferente,

assumindo os riscos e realizando a conduta típica” poderia configurar dolo

eventual. Para responder à questão, utiliza-se da referência acima retirada da

Exposição de Motivos da Lei. Explica ainda, o autor, que a figura do dolo eventual

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é muito próxima da culpa consciente, fato que dificultaria a sua caracterização na

prática, visto que se trata de elemento interno do agente, e nem sempre é por ele

externado (1999, p. 87/88).

Willian Terra de Oliveira somente aceita o instituto do dolo eventual se o

agente estiver localizado em uma posição de garantidor “em relação à

evitabilidade do resultado ou se sua conduta é relevantemente causal no

processo de lavagem de dinheiro”. Cita como exemplo um diretor de instituição

financeira que, ao saber de determinada transação financeira que se destina à

lavagem de dinheiro, deixa de comunicar o fato às autoridades competentes

(1998, p. 328).

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4 DESDOBRAMENTOS ALUSIVOS AO ELEMENTO NORMATIVO

4.1 DESDOBRAMENTOS PROBATÓRIOS ATÉ O RECEBIMENTO DA

DENÚNCIA: ARTIGO 2°, § 1°, DA Lei n.º 9.613/98

A denúncia nos crimes de lavagem de dinheiro, além de atender aos

requisitos elencados nos artigos 41 e seguintes do Código de Processo Penal, no

que tange à ação penal pública, possui regra específica descrita no § 1°, do artigo

2° da Lei n.° 9.613/98, in verbis:

Art.2°. O processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei: (...) §1° A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência do crime antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor daquele crime.

A doutrina processual penal moderna não se contenta somente com as

condições da ação penal como aquelas tradicionalmente estudadas e elencadas

pela teoria geral do processo, quais sejam: legitimidade de parte, possibilidade

jurídica do pedido e interesse de agir, como faz Fernando da Costa Tourinho Filho

(2007, p. 195).

Afrânio Silva Jardim entende a legitimidade de parte, a possibilidade

jurídica do pedido e o interesse de agir como condições para regular o exercício

do direito de ação. E, ainda, estabelece uma quarta condição chamada de justa

causa, a qual também é reconhecida pela doutrina moderna (1997, p. 95).

Aury Lopes Junior afirma que na tentativa de adequar os requisitos acima

ao processo penal “é feita uma verdadeira ginástica de conceitos, estendendo-se

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para além de seus limites semânticos. O resultado é uma desnaturação completa

que violenta a matiz conceitual”, sem, contudo, oferecer um retorno ao processo

penal. Para o autor, tais requisitos constituem categoria do processo civil e são

inaplicáveis ao processo penal, visto que este está caracterizado pelo principio da

necessidade9, algo que não se exige naquele. (2007, p. 348/349).

Para estabelecer as condições da ação dentro de uma perspectiva

moderna deve-se utilizar como parâmetro o artigo 43 do Código de Processo

Penal, in verbis:

Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I – o fato narrado evidentemente não constituir crime; II – já estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa; III – for manifesta a ilegitimidade de parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal; Parágrafo único – nos casos do n° III, a rejeição da denúncia ou queixa não obstará ao exercício da ação penal, desde que promovida por parte legítima ou satisfeita a condição.

A partir de uma análise, a contrário do senso, do artigo retrocitado, tem-se

que as condições da ação no processo penal são: prática de fato aparentemente

criminoso (fumus commissi delict), punibilidade concreta, legitimidade de parte e

justa causa (LOPES JUNIOR, 2007, p. 351). Assim, deixa-se de lado a análise

das condições de ação da doutrina tradicional, evidenciando-se, portanto, o

entendimento da doutrina moderna.

Para saber se o fato narrado na denúncia constitui ou não crime é

necessário realizar uma análise dentro do conceito analítico, ou seja, verificar se a

conduta é típica, antijurídica e culpável. Não basta, portanto, que a conduta seja

9 Esclarece Aury Lopes Junior que o princípio da necessidade “impõe, para se chegar à pena, o processo como caminho necessário e imprescindível, até porque o direito penal somente se realiza no processo penal. Está relacionado à impossibilidade de auto-composição, isto é, a partir do momento que o Estado chamou para si o poder-dever jurisdicional e a exclusividade da aplicação da lei penal, o processo passou a ser caminho necessário à imposição da pena”. (2007, p. 349)

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considerada como típica. Deve-se, ainda, verificar se estão presentes alguma das

causas de exclusão da antijuridicidade ou da culpabilidade. Quando presente

alguma dessas causas, descriminantes ou exculpantes, desde que incontestáveis

e capazes de formar o convencimento do juiz acerca da inexistência do crime, a

denúncia ou queixa, certamente, será rejeitada (LOPES JUNIOR, 2007, p. 351-

354).

Por fim há de se considerar ainda a quarta condição da ação, que se

refere à justa causa, magistralmente tida por Afrânio Silva Jardim como “suporte

probatório mínimo que deve lastrear toda e qualquer acusação penal” (1997, p.

95).

Desta forma, torna-se necessário ao regular exercício da ação penal a demonstração, prima facie, de que a acusação não é temerária ou leviana, por isso que lastreada em um mínimo de prova. Este suporte probatório mínimo se relaciona com indícios de autoria, existência material de conduta típica e alguma prova de sua antijuridicidade e culpabilidade. Somente diante de todo esse conjunto probatório é que, ao nosso ver, se coloca o princípio da obrigatoriedade do exercício da ação penal pública. (JARDIM, 1997, p. 100/101)

Para o recebimento da denúncia não basta que esta esteja formalmente

correta, nos termos no artigo 41 do Código de Processo Penal. É necessário,

ainda, que os fatos narrados tenham ligação com o apurado e registrado no

caderno investigatório, ou seja, tenham sido apurados anteriormente, mesmo que

não em sua totalidade. Não se exige a constatação de prova cabal, uma vez que

a justa causa pressupõe apenas um “mínimo lastro probatório” (JARDIM, 1997, p.

101).

Esses requisitos mínimos exigidos pela justa causa também terão o

condão de, eventualmente, evitar a estigmatização do suposto autor do delito,

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visto que o Estado não deve atuar em desfavor do cidadão “sem o mínimo de

segurança da real ocorrência de um fato delitivo” (CAMPOS, 2001, p. 14)

A existência de um crime antecedente é requisito obrigatório para o

oferecimento da denúncia no crime de lavagem de dinheiro. Para tanto, é

necessário constatar a existência de um suporte probatório da ocorrência do

crime antecedente que possibilite, desta forma, o recebimento da denúncia.

A lei exigiu, para tanto, somente indícios suficientes da existência do

crime antecedente.

Inicialmente, faz-se importante uma análise acerca da palavra “indícios”,

tanto em uma perspectiva geral no processo penal pátrio, para depois estender à

aplicabilidade no processo de lavagem de dinheiro.

O artigo 239 do Código de Processo Penal define indícios como a

circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por

indução10, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.

A palavra indício tem a sua origem etimológica no termo latino indicium, que significava o que é apontado, o que é indicado, isto é, aquele que, pelos elemento colhidos, pelas circunstâncias fáticas assinaladas, é o provável autor do fato. (...) (...) Há uma definição que já se tornou clássica: é o fato provado que, por sua ligação com o fato probando, autoriza a concluir algo sobre este último. Ou como bem definido por Alsina: “É todo resto, vestígio, pegada, circunstância e, em geral, todo o fato conhecido, ou seja, devidamente provado, perceptível de conduzir, por interferência do conhecimento, ao fato desconhecido. (ARANHA, 2006, p. 218) (grifos do original)

10 Em que pese o texto trate de método indutivo, parte da doutrina acredita ter havido um erro de redação, acreditando, portanto, que o método a ser seguido é do dedutivo, dentre eles Adalberto Camargo Aranha, para quem a indução “é método de conhecimento pelo qual, da passagem do particular para o geral, chega-se a uma determinada conclusão” e a dedução “é a argumentação que torna explícitas as verdades particulares contida em verdades universais”, sendo o ponto de partida o antecedente e o de chegada o conseqüente (2006, p. 219). Guilherme de Souza Nucci, por outro lado, não acata este entendimento. Afirma o autor que o legislador utilizou o termo correto, pois a utilização de indícios para chegar a um veredicto no processo trata-se, de fato, de método indutivo (2003, p. 421).

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Como destaca Aury Lopes Junior, não se pode confundir indícios com

prova, embora aquele tenha sido inserido no Título VII do Código de Processo

Penal. Os indícios não podem ensejar um édito condenatório e pensar de forma

diversa seria negar o sistema de direito e garantias elencados na Constituição

Federal (2007, p. 651). Posição contrária, entretanto, é a de Fernando da Costa

Tourinho Filho, uma vez que acata os indícios como meio de prova e lhe garante

valor probatório semelhante às chamadas provas diretas (2007, p. 579).

Entretanto, o momento é de referir-se a indícios suficientes de crime

antecedente para oferecimento da denúncia pelo crime de lavagem de dinheiro, e

não para sentença condenatória. Estão intimamente ligados, neste ponto, os

temas de indícios suficientes e justa causa necessária para oferecimento da

denúncia.

Mas a denúncia pelo crime de lavagem de dinheiro, conforme preceitua o art. 2°, §1°, deve ser instruída com indícios suficientes do crime antecedente (tráfico de drogas, armas, contrabando, etc.). É preciso que se examine a “justa causa” da ação, que se revela em tais indícios. Não havendo justa causa, leia-se, uma base probatória mínima e razoável, impõe-se a rejeição da denúncia. Se o delito de “lavagem” de bens é um crime derivado, porque pressupõe a existência de outro precedente, nada mais lógico que exigir a demonstração (ainda que indiciária) da origem ilícita dos bens. Cuida-se do fumus boni iuris, na parte relacionada com a existência do crime. Observe-se, porém, que não são quaisquer indícios (vagos, imprecisos, obscuros) que já justificam o surgimento do processo: a lei exige “indícios suficientes”, isto é, razoáveis, prováveis. (GOMES, 1998, p. 356) (grifos do original)

O Ministro Paulo Medina, atuando como Relator no Recurso Ordinário em

Habeas Corpus n° 14.575 – MS, admite a possibilidade de a denúncia ser

oferecida com bases em inquérito civil, leia-se administrativo, sobre a ocorrência

do delito antecedente. Afirmou, ainda, que se a Lei n.° 9.613/98 exigisse certeza

com relação ao crime antecedente para oferecimento da denúncia, estaria

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obstaculizada e raramente poderia ser elaborada em crimes de lavagem de

dinheiro, vejamos:

Sob o aspecto material, a denúncia vem amparada em elementos colhidos em inquérito civil, que teve como objeto a apuração de atos lesivos ao patrimônio público, por parte de servidores da própria Secretaria da Fazenda. De antemão, é preciso tornar claro que, em tese, elementos, originários de inquérito civil, são perfeitamente admissíveis para formação do juízo provisório formulado na denúncia e suficientes para a fundamentação do ato de seu recebimento. Primeiro, porque a fonte de onde provêm indícios que autorizam a denúncia é procedimento investigatório de inteira competência do Ministério Público; segundo, porque o conjunto desses elementos é o que o Código de Processo Penal chama de "peças de informação" - quaisquer peças diferentes do inquérito policial que, de forma intensa ou menos vigorosa, indiquem a existência da materialidade e da autoria do delito. Sem razão os recorrentes, portanto, ao afirmarem que o inquérito civil público não é meio adequado para chegar-se à certeza quanto à prática de crime anterior. A categórica certeza quanto ao crime antecedente é totalmente dispensável para o oferecimento da denúncia. Se na fase de instauração da Ação Penal fosse exigível a inteira demonstração dos fatos atribuídos ao réu ou a própria certeza que fundamenta sua condenação, raramente seria possível a oferta de denúncia em face das figuras que constituem genericamente a "lavagem de dinheiro". (STJ – RHC n° 14.575/MS – Relato Min. Paulo Medina – Sexta Turma - DJU 6/12/2004) (grifos nossos)

Como revela expressamente a redação final do §1°, do artigo 2°, da Lei

n.º 9.613/98, é desnecessário o conhecimento da autoria delitiva do crime

antecedente, sendo que deve haver indícios suficientes somente da sua

ocorrência, o que resta demonstrado por meio da materialidade. É o que reza a

Exposição de Motivos da referida Lei:

(...) 60. Trata-se de uma relação de causa e efeito que deve ser equacionada por meio de fórmula processual que, viabilizando a eficácia da incriminação do ilícito posterior, exija razoável base de materialidade do ilícito anterior. Segue-se daí a necessidade de a denúncia pelo delito de ocultação ou dissimulação de bens, direitos ou valores ser instruída com "indícios suficientes da existência do crime antecedente" (§ 1o do art. 2o). Tais indícios podem restringir-se à materialidade de qualquer dos fatos puníveis referidos pelo caput do art. 1o, sem a necessidade de se apontar, mesmo que indiciariamente, a autoria. Tal ressalva se torna óbvia diante dos progressos técnicos e humanos da criminalidade

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violenta ou astuciosa, máxime quanto à atomização da autoria em face da descentralização das condutas executivas. (grifos do original) (...)

Conceição Maria Leite Campos é partidária do posicionamento de que

não bastam somente indícios suficientes da materialidade do crime anterior para

oferecer a denúncia. Entende a autora pela existência de um suporte probatório

mínimo da ocorrência de um crime, e isso inclui a gente culpável. Entretanto, por

questões de política criminal a Lei não exige a verificação de culpabilidade do

delito antecedente (2001, p. 19).

4.2 DESDOBRAMENTOS PROBATÓRIOS RELATIVOS AO PROCESSO E AO

JULGAMENTO

Os procedimentos judiciais para a apuração e o julgamento dos crimes de

lavagem de dinheiro são os previstos nos artigos 394/405 e 498/502 Código de

Processo Penal.

Luiz Flávio Gomes lamenta que a Lei n.º 9.613/98 não tenha exigido a

chamada defesa preliminar, apresentada antes do recebimento da denúncia que,

no entendimento do autor, deveria ser estendida a todo tipo de crime (1998, p.

354).

Em regra, tem-se que a competência para julgamento dos crimes de

lavagem de dinheiro é da Justiça Estadual, entretanto, esta competência é

prorrogada para a Justiça Federal nos casos previstos nas alíneas “a” e “b”, do

inciso III, do artigo 2° da Lei, quais sejam: quando o crime for praticado em

detrimento do sistema financeiro e a ordem econômico-financeira, ou contra bens,

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serviços ou interesses da União, de entidades autárquicas ou empresas públicas

e nas hipóteses em que o crime antecedente for de competência Federal.

Restaria à Justiça Estadual, por exemplo, por exclusão, a competência residual, ou seja, não sendo o caso afeto à Justiça Federal ou mesmo às Justiças Especiais, seriam de sua alçada o processamento e o julgamento da lide. Assim, considerando a exegese literal do texto e o entendimento já sustentado de que o bem juridicamente tutelado pela Lei de Lavagem de Dinheiro é também a ordem econômico-financeira, não haverias dúvidas quanto à competência exclusiva da Justiça Federal para processar e julgar os crimes desta espécie. Há, contudo, os que entendem que, se a lesão não for de grande monta, de forma a não tangenciar bens ou interesses da União, a competência seria da Justiça Estadual: (MACEDO, 2006, p. 106)

Nos termos do artigo 2°, inciso II, da Lei n.º 9.613/98, o processo e

julgamento dos delitos previstos no artigo 1° são independentes com relação ao

processo e julgamento do crime antecedente, mesmo que praticados no exterior.

Esse inciso combinado com o disposto na parte final do §1°, do mesmo

artigo 2°, marca a independência, dotada de real autonomia, dos crimes e

processos de lavagem de dinheiro em relação ao crime antecedente e o seu

processo.

Os dois dispositivos consagram a autonomia dos crimes e dos respectivos processos de lavagem de dinheiro em relação aos delitos antecedentes e os seus correspondentes processos. Basta que se prove a existência de um dos delitos prévios, do qual procedam os bens, direitos ou valores (fato típico e antijurídico, sendo prescindível que seja culpável), que podem ter sido cometidos no Brasil ou no estrangeiro, sem que seja necessário processo, julgamento ou apuração de autoria. (BONFIM, 2005, p. 72)

É o entendimento proferido em acórdão no Tribunal Regional Federal 4ª

Região:

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O princípio da independência do crime de lavagem de dinheiro em relação ao respectivo crime antecedente éconditio sine qua non para assegurar a repressão desta nefasta criminalidade. Caso contrário, segundo preleciona o eminente Ministro Gilmar Ferreira Mendes (Aspectos Penais e Processuais Penais da Lei de Lavagem de Dinheiro. In: Seminário Internacional sobre Lavagem de Dinheiro. Brasília: CJF, 2000, v. 17, p. 32), "nós nos embrenharíamos numa discussão sem limites e sem fronteiras, uma vez que o crime de lavagem se pratica, em geral, em outro país diferente daquele onde se praticou o crime inicial ou originário.". Entrementes, a incidência desse princípio não se restringe aos aspectos meramente processuais, devendo ser observado, também, no âmbito do direito penal material, inclusive no que concerne à aplicação das penas, uma vez que o artigo 2º, inciso II, da Lei 9.613/98 dispõe que "o processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei: II - independem do processo e julgamento dos crimes antecedentes referidos no artigo anterior, ainda que praticados em outro País". Como é cediço, a dosimetria da pena integra a sentença penal condenatória, que, por sua vez, confere decisão definitiva à demanda proposta pelo Ministério Público, a teor do artigo 162, §1º, do CPC (Sentença é o ato pelo qual o juiz põe termo ao processo, decidindo ou não o mérito da causa.). Nessa linha de intelecção, o ilustre Professor André Luís Callegari, em conferência proferida no âmbito do Currículo Permanente da Emagis (Problemas pontuais da Lei de Lavagem de Dinheiro. In Caderno de Direito Penal nº 2 - volume 1. Porto Alegre: Escola da Magistratura do TRF da 4ª Região: 2005, p. 204), onde, dentre outras questões, sustentou a ocorrência de concurso material do crime de lavagem e o respectivo crime antecedente, invocou valiosas lições de Hassemer no sentido de que "o Direito Penal material e o Direito Processual Penal estão unidos funcionalmente. Um direito penal autenticamente respeitoso com os princípios jurídicos só é possível se também o Direito Penal material for autenticamente respeitoso. A criminalização em grande escala no Direito Penal também deve conduzir a um direito processual regulado para esta grande escala. "Atuar com justiça" não é, por conseguinte, um problema do Direito Processual Penal, senão também do Direito Penal material.". (TRF4 – Apelação Criminal n° 2003.71.00.046933-0/RS, Relator Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Publicado D.E em 25/10/2007) (grifos do original)

Isidoro Blanco Cordero indica duas dificuldades com relação à prova nos

delitos de lavagem de dinheiro: a primeira se refere à dificuldade de determinar a

procedência delitiva dos bens, direitos ou valores e a segunda demonstra que o

sujeito ativo sabia da origem delituosa destes (2002, p. 394).

Para efetuar a prova desses elementos, a jurisprudência espanhola tem

recorrido à prova indiciária, circunstancial ou de presunção, sendo normal que no

decorrer do processo da lavagem de dinheiro não se exija a prova direta do

conhecimento da origem dos bens, direitos ou valores, mas esta é presumida por

meio de uma valoração de dados subjetivos colhidos na instrução (2002, p. 394).

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Também se pode valer de dados objetivos do caso concreto para chegar

à prova do conhecimento, por parte do sujeito ativo, da origem ilícita do bem.

Para tanto, o autor se vale do disposto no item 3.3 da Convenção de

Viena, que dispõe: “O conhecimento, a intenção ou o propósito como elementos

necessários de qualquer delito estabelecido no parágrafo 1 deste Artigo poderão

ser inferidos das circunstâncias objetivas de cada caso” (2002, p. 394).

Acreditar el conocimiento del origen delictivo de los bienes, evidentemente, probar con carácter previo que éstos proceden de un delito grave. Señala Zaragoza Aguado que bastará con la presencia previa de una actividad delictiva grave de modo genérico que, en atención a las circunstancias del caso concreto, permita excluir otros possibles orígenes de los bienes, no siendo necesaria ‘ni la demonstración plena de un acto delictivo específico ni de los concretos partícipes en el mismo’. Más específica debe ser la prueba cuando se trate de un delito relativo a las drogas, pos ello dará lugar a la aplicación de un subtipo agravado, por lo que va a ser necesario un mínimo presupuesto indiciario que apunte hacia esta actividad delictiva concreta. El Tribunal Supremo há afirmado el origen del dinero en un delito relativo a las drogas y el conocimiento de tal origen en un supuesto en el que la sentencia de instancia declaraba probado que el sujeto desconocía las concretas operaciones de tráfico de drogas de las que procedía el dinero (...) (BLANCO CORDERO, 2002, p. 395)

Para demonstrar a procedência delitiva dos bens e o conhecimento desta

circunstância pelo autor da lavagem de dinheiro, pode-se recorrer a elementos

indiciários de grande força, são eles: o aumento imotivado do patrimônio do

agente, operações financeiras de grande porte, uma rápida circulação de valores

em espécie, transferências anômalas de patrimônio, a ocorrências de transações

financeiras fora do contexto das práticas usuais de comércio, ausência de

negócios lícitos, e vinculação com atividades delitivas ou pessoas ligadas a elas.

(BONFIM, 2005, p. 75).

Isidoro Blanco Cordero indica outros elementos indiciários:

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Otros elementos indiciarios son: (...) la utilización de sociedades ficticias carentes de actividad económica alguna, especialmente cuando estén radicadas en paraísos fiscales, el recurso a testaferros sin disponibilidad económica real sobre los bienes, el empleo de identidades supuestas, la existencia de anotaciones irregulares en los libros contables, el fraccionamiento de ingresos en depósitos bancarios para disimular su cuántia, la utilización de falsos documentos en los que se constatan importaciones inexistentes, la simulación de negocios u operaciones comerciales que no responden a la realidad, la percepción de elevadas comisiones por los intermediarios, etcétera. (BLANCO CORDERO, 2002, p. 396)

Há ainda que se mencionar mais especificamente sobre a prova da

ocorrência do delito antecedente. Vejamos um exemplo prático de sua verificação,

no julgamento do HC n.° 65.041 – CE, do Superior Tribunal de Justiça:

Ao contrário do que se pretende fazer crer a impetração, o conteúdo da exordial acusatória aponta indícios do comentimento de crime contra o sistema financeiro nacional, isto é, “fazer operar, sem a devida autorização (...), instituição financeira” (art. 16 de Lei n° 7.492/1986), principalmente em razão da existência de operações bancárias de saques emergenciais, intermediação em pagamentos e recebimentos, transferências de valores, etc, não se relevando razoável que se fale, prima facie, em atipicidade da conduta. Com efeito, a denúncia faz menção a dados obtidos do “notebook” apreendido com o paciente (...), que tratam da concessão do serviço denominado “saque emergencial” e a respectiva cobrança de juros, o marketing sobre esse serviço, encontrando-se ali, inclusive, comprovantes de documentos eletrônicos. Ademais, ressalta a exordial acusatória, como anotado, o laudo que analisou o conteúdo das mensagens de correio eletrônico obtidas do mencionado computador, que revelam a origem da Basecard, os objetivos da constituição da empresa, a intenção de criação de um banco, seus investidores, a política de juros e a cobrança da CPMF. Diante disso, não se tratando de hipóteses de atipicidade da conduta, de inexistência absoluta de indícios de autoria ou de extinção da punibilidade, não é de se falar em ausência de justa causa para a ação penal, o que inviabiliza o trancamento na vis estreita do habeas corpus. (STJ – HABEAS CORPUS n° 65.041-CE, Relator Paulo Galloti. Sexta Turma – DJ 01.10.2007) (grifos do original)

Anteriormente, foi demonstrado que para oferecimento da denúncia basta

haver, o que a lei chamou, de indícios suficientes da existência do crime

antecedente. Entretanto, o questionamento a se fazer é se somente esses

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indícios da materialidade da ocorrência do delito antecedente são suficientes para

ensejar um édito condenatório por crime de lavagem de dinheiro.

A Exposição de Motivos da Lei n.° 9.613/98 reza:

61. Observe-se, no entanto, que a suficiência dos indícios relativos ao crime antecedente está a autorizar tão-somente a denúncia, devendo ser outro o comportamento em relação a eventual juízo condenatório.

Entretanto, o texto da Exposição de Motivos não indica qual seria este

outro comportamento em relação a eventual juízo condenatório. Acredita-se que

se pode fazer uso, nesta oportunidade, do que a Autora Conceição Maria Leite

Campos, anteriormente citada, chamou de “suporte probatório” mínimo da

ocorrência do crime antecedente, excluindo-se, todavia, a exigibilidade de

verificação da autoria.

Fábio Roberto D’Avila faz uma crítica à aceitação de “indícios” do crime

antecedente para embasar um édito condenatório por lavagem de dinheiro (1999,

p. 4). O autor não acata este posicionamento:

Por outro lado, observamos que parte da doutrina jurídico-penal vem assumindo uma curiosa postura ao comentar a relação entre estes dois preceitos: o tipo penal diferido e o tipo penal antecedente. Segundo alguns dos comentários destinados ao tema, por ser o crime de lavagem de dinheiro autônomo, não estaria condicionado ao processamento ou julgamento do crime antecedente, como, aliás, expressamente dispõe o art. 2°, inciso II, da lei, exigindo para a subsunção típica do crime de lavagem, apenas a constatação de “indícios”, “sérios indícios” da existência do crime antecedente. Tais indícios, chamamos a atenção, não serviriam apenas à justa causa para o processamento, mas seriam, até mesmo, suficientes para a condenação do suposto lavandeiro. Salvo melhor juízo, não podemos concordar com tal posicionamento.(...) Por óbvio, a incerteza quanto a ocorrência do crime antecedente, redundaria na incerteza quanto a um dos elementos objetivos do tipo em questão, impossibilitando, conseqüentemente, a sua adequação legal. (D’AVILA, 1999, p. 4)

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Considerou, ainda, que aceitar uma condenação baseada em indícios da

existência de crime antecedente nos faria retroagir a um Direito Penal Inquisitorial,

despótico e autoritário, visto que a mera suspeita substitui a certeza em um afã de

condenação (1999, p. 4). No mesmo sentido Petrucio Ferreira da Silva enfatiza

que a redação do artigo 2°, inciso II, e do §1° “são pérolas dignas dos sistemas

jurídicos de Saddam Hussein ou Hitler” (2000, p. 26).

Em relação à certeza do crime antecedente, Petrucio Ferreira da Silva, o

qual se dedicou à relação ontológica entre o crime antecedente e o de lavagem

de dinheiro, assim se manifestou:

Ora, em se falando de crime, principalmente, quando o mesmo está intimamente ligado a um outro ilícito penal dentro de uma relação ontologicamente necessária e estabelecida por lei, em termos de antecedência à perfeição daquele ou daqueles que lhe serão conseqüentes, está-se a falar de fato assim encontrado por decisão judicial, no quando a certeza jurídica para que se tenha uma conduta como criminosa não existe, não vale, senão decorre de sentença penal, cuja eficácia resultará de seu trânsito em julgado, pois o que dantes existe é uma mera especulação, uma ação noticiada como ilícita a embasar, no máximo, uma denúncia, que, sob o enfoque processual penal, se recebida, dará ensejo a investigação de tal conduta (...) (SILVA, 2000, p. 24).

Mesmo dotados de excelentes argumentos, não se pode concordar com o

posicionamento dos autores acima referidos. Para haver a condenação no crime

de lavagem de dinheiro basta que reste demonstrada a existência concreta do

crime antecedente, ainda que tenha havido absolvição do denunciado por este

com trânsito em julgado. Para isso, o suporte probatório, mesmo que indiciários,

colhidos para o oferecimento da denúncia, juntamente com as provas produzidas

durante a instrução, poderão, sem dúvida, ensejar a condenação pelo delito de

lavagem de dinheiro, desde que comprovados os demais requisitos, por óbvio. É

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o entendimento expressado em acórdão do TRF 4ª Região, já citado neste

trabalho:

Portanto, em regra, o resultado do julgamento do crime antecedente não influencia no deslinde da ação penal instaurada para apurar o delito de lavagem subseqüente, consoante adverte o magistrado federal José Paulo Baltazar Junior (in Crimes Federais. 1. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 424-5), ao afirmar que "em caso de isenção de pena para o autor do delito antecedente por discriminantes putativas, erro de proibição ou inimputabilidade, não será afetado o delito posterior (Pitombo: 121). Do mesmo modo, a absolvição por não restar determinado o autor do crime antecedente não afeta o crime de lavagem de dinheiro.". (TRF4 – Apelação Criminal n° 2003.71.00.046933-0/RS, Relator Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, Publicado D.E em 25/10/2007) (grifos do original)

Vejamos a manifestação Ministro Paulo Gallotti no Habeas Corpus n.°

65.401-CE do Superior Tribunal de Justiça:

Importante salientar, desde logo, a teor do que dispõe artigo 2°, inciso II, da Lei n° 9.613/98, segundo o qual a denúncia pelo crime de lavagem de dinheiro independe do processamento do acusado pela infração que a antecede, mostra-se possível, em princípio a deflagração da ação penal tão-somente em relação àquele delito, desde que a peça acusatória esteja instruída “com indícios suficientes da existência do crime antecedente” (§ 1° do art. 2° do mencionado diploma). (STJ – HC n° 65.401-CE, Relator Min. Paulo Gallotti)

Quando se trata de aceitar “indícios” de crime antecedente como prova

para condenação no crime de lavagem de dinheiro, não se está admitindo uma

condenação baseada em provas frágeis. Estas, certamente, devem se mostrar

sólidas e capazes de formar o convencimento do Juiz:

Neste diapasão, é de se reafirmar “(...) no moderno sistema de livre convencimento não há como hierarquizar, previamente, a diversas categorias probatórias, enaltecendo umas em desprestígio de outras. Somente na apreciação do caso concreto é que a prova, qualquer que seja a sua espécie, poderá ter mais peso e valor que outra prova de natureza diversa. O que importa, em se tratando de prova indiciária, é a sua equilibrada, isenta e correta apreciação sem delírios imaginativos ou metas pré-concebidas, e que, por fim, tudo se ajuste de forma harmônica, em síntese fina do todo o conjunto probatório” (...). (MAIA, 1999, p. 121)

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Dessa forma, o sistema adotado pela legislação brasileira não exige que,

para a condenação pela prática de crime de lavagem de dinheiro, exista a prova

concreta da prática do crime anterior. Isto porque no conceito analítico de crime,

este deve ser uma conduta típica, antijurídica e culpável.

Certo é, todavia, que para o julgamento do crime de lavagem de dinheiro,

nos termos do art. 2°, da Lei n.º 9.613/98 não se faz necessária a condenação de

agentes pela prática do crime antecedente.

Assim, basta a prova da materialidade de da Antijuridicidade do fato típico

antecedente, não sendo, pois, necessária a demonstração da autoria ou, mesmo

que esta seja aparente, não é necessário que o agente seja culpável.

Basta, pois, a prova da origem criminosa dos bens, direitos e valores,

desde que tais crimes sejam elencados no art. 1° da Lei n.° 9.613/98. Tal prova

não é mais a indiciária, suficiente para o recebimento da denúncia, e sim uma

prova robusta, eis que nesta fase processual deve prevalecer o princípio do in

dubio pro reu.

Não se pode confundir, pois, a prova indiciária, exigida no art. 2°, §1°,

com a desnecessidade da condenação de agentes pela prática do crime

antecedente. A existência do fato típico e antijurídico que originou os bens,

direitos e valores “lavados” deve estar devidamente comprovada no processo, sob

pena de absolvição do agente do crime de lavagem de dinheiro por atipicidade da

conduta.

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CONCLUSÃO

A Criminalidade organizada se desenvolveu no mundo em um contexto

socioeconômico globalizado e de grandes avanços tecnológicos que possibilitam

uma agilidade nas atuações ilícitas, bem como na circulação e ocultação dos

recursos financeiros decorrentes de tais atividades criminosas.

Junte-se a isso a circunstância de que grande parte das atividades ilícitas

praticadas por intermédio das organizações criminosas encontra aceitação na

sociedade, que utiliza indiscriminadamente os produtos ofertados, como, por

exemplo, as substâncias entorpecentes, a prostituição, as armas e os produtos

piratas.

Também o próprio dinheiro obtido pelo crime organizado acaba por ser

injetado nas economias mundiais, depois de lavados e passam a integrar o

sistema econômico mundial.

Há de se levar em consideração que com o capital acumulado, as

organizações criminosas acabaram por patrocinar o ingresso de seus integrantes

nas estruturas dos Estados, tanto no Poder Legislativo quanto no Executivo e no

Judiciário, sendo que muitas empresas privatizadas no mundo estão sob o

controle de organizações criminosas, além de exercerem grande influência na

produção legislativa e nas atividades de persecução criminal.

Dessa forma, o poderio econômico, a aceitação social, a influência

política e a ingerência nas administrações públicas por parte das organizações

criminosas tornam extremamente complexas as atividades voltadas para o

combate do crime organizado no mundo.

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Tal modalidade criminosa vem se transformando em um poder paralelo

aos poderes estatais sem similaridade na história da humanidade, e todos os

métodos até agora adotados para combatê-la têm se mostrado ineficazes.

O que se busca, agora, é impedir a lavagem e circulação dos bens,

direitos e valores angariados pelas organizações criminosas, criminalizando

condutas e criando mecanismos administrativos de identificação, rastreamento e

obtenção de tais ativos de origem ilícita.

Este é o grande desafio para o combate ao crime em dimensões

mundiais, uma vez que as organizações criminosas não se adstringem a

fronteiras geopolíticas, não se subordinam às burocracias estatais, valem-se de

recursos tecnológicos modernos e, principalmente, utilizam uma estrutura de

circulação de capitais globalizada.

A Lei n.° 8.613/98 foi editada no Brasil com o objetivo de possibilitar, em

território nacional e em colaboração a outros países, o combate efetivo às

organizações criminosas.

Todavia, temos que apenas a criação de tipos penais não é suficiente

para o êxito deste combate, eis que os estados devem, acima de tudo, impedir a

atuação social desses organismos criminosos, que se aproveitam da carência de

programas sociais para angariar a simpatia da sociedade.

Também se deve atentar para o fato de que muitos dos produtos

ofertados pelo crime organizado têm grande aceitação popular, o que deve ser

objeto de uma atuação efetiva dos poderes públicos no sentido de conscientizar a

sociedade e, em alguns casos, descriminalizar e regulamentar atividades hoje

proibidas e, por essa razão, dominadas por criminosos, os quais acabam por

obter lucros extraordinários.

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