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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA-UniCEUB FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE - FACS CURSO DE PSICOLOGIA A PSICOTERAPIA COMO PROCESSO DE MUDANÇA É EFICAZ INDEPENDENTEMENTE DA ABORDAGEM UTILIZADA. TÁSSIA RAQUEL LEITE DA SILVA Brasília, Dezembro/2005

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA-UniCEUB FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE - FACS CURSO DE PSICOLOGIA

A PSICOTERAPIA COMO PROCESSO DE MUDANÇA É EFICAZ INDEPENDENTEMENTE DA ABORDAGEM

UTILIZADA.

TÁSSIA RAQUEL LEITE DA SILVA

Brasília, Dezembro/2005

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TÁSSIA RAQUEL LEITE DA SILVA

A PSICOTERAPIA COMO PROCESSO DE MUDANÇA É EFICAZ INDEPENDENTEMENTE DA

ABORDAGEM UTILIZADA

Monografia apresentada como requisito

para conclusão do curso de psicologia do

UniCEUB- Centro Universitário de

Brasília. Professor orientador: Fernando

González Rey

Brasília/DF, Dezembro de 2005

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EPÍGRAFE

“Todo viver verdadeiro é encontro”

(Buber, 1958)

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pela minha vida e pela oportunidade de

estudar e me aprofundar no que realmente é minha paixão.

Aos meus pais por terem sido meus grandes

incentivadores.

A minha irmã amada, pelas sugestões e pelas diversas

revisões realizadas neste trabalho.

Ao Éser por ter demonstrado sempre acreditar em mim,

quando eu já duvidava.

A toda minha família, mas em especial ao meu avô, por

me mostrar todos os dias o quão bela é a vida, à minha vó

Lia por me ensinar o valor de uma boa leitura. À minha vó

Josefa (in memorian) pelos cuidados que me ofereceu e

que, infelizmente, não pôde participar da finalização desta

etapa da minha vida.

Não poderia deixar de agradecer também à tia Osa pelo

estímulo e carinho de todos os dias.

Aos amigos, todos eles, pela contribuição, paciência e

alegria de sempre.

Aos colaboradores da minha pesquisa, porque sem eles

este trabalho estaria profundamente comprometido. À

Ângela e ao Marconi pelo apoio e sugestões. E ao

Professor-Doutor Fernando Luis González Rey, por ter

aceitado e me impulsionado no tema da minha

monografia.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA 12

I. CAPÍTULO TEÓRICO 13

1.1. A ciência e a arte em psicoterapia 13

1.2. O cliente acima de qualquer técnica psicoterapeutica 16

1.3. A postura de “especialista” adotada pelo psicólogo 21

II. CAPÍTULO METODOLÓGICO 23

2.1. Pesquisa qualitativa 23

2.2. Conceitos e características dos modelos qualitativos de pesquisa 25

2.3. Cenário da pesquisa 26

2.4. Instrumentos 26

2.5. Definição dos sujeitos participantes 27

2.6. Desenvolvimento da construção da informação 28

III. CAPÍTULO EMPÍRICO 29

3.1. Construção da informação 29

3.1.1. A importância da abordagem no exercício da profissão 29

3.1.2. O que é psicoterapia? 31

3.1.3. O trabalho individualizado do terapeuta 31

3.1.4. O que faz com que uma intervenção funcione melhor para uma pessoa

do que para outra? 32

3.1.5. A psicoterapia eficaz 33

3.1.6. A postura do terapeuta 34

3.1.7. A técnica 35

3.1.8. Ciência em psicologia 37

CONSIDERAÇÕES FINAIS 38

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 41

ANEXO 43

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RESUMO

O presente trabalho buscou explanar que o processo de mudança em psicoterapia independe da abordagem utilizada pelo terapeuta, pois, não há uma abordagem terapêutica melhor do que a outra já que todas se mostram eficientes. Sendo assim, este trabalho apresentou como objetivo estudar o lugar da técnica na psicoterapia, aprofundar nos processos que influenciam na efetividade da psicoterapia e estudar a posição do cliente na psicoterapia. Para a realização deste trabalho foi utilizada a metodologia qualitativa de pesquisa, havendo a participação de três experientes profissionais de psicologia de abordagens distintas. Neste estudo não se teve a pretensão de validar ou invalidar nenhuma hipótese, mas sim de aprofundar e verificar qual o lugar da técnica em um processo psicoterápico. Palavras-chave: técnica; abordagens; psicoterapia; processo; cliente.

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INTRODUÇÃO

A psicoterapia é um campo da terapêutica, que se desenvolveu e atingiu certa autonomia somente nos últimos cinqüenta anos. As opiniões nesta área foram mudando e diferenciando-se de várias maneiras. As experiências foram se acumulando e dando lugar a diversas interpretações. A causa disso está no fato de a psicoterapia não ser um método simples e evidente, como se queria a princípio. Pouco a pouco foi se verificando que se trata de um tipo de procedimento dialético, isto é, de um diálogo ou discussão entre duas pessoas.

(JUNG, 1998, p.1)

Na citação acima, Jung (1998) apresenta a necessidade de reconhecer que é possível

interpretar os dados da experiência terapêutica de diferentes maneiras, desenvolvendo-se

então diversas escolas de concepções diametralmente opostas. O mesmo autor refere que cada

escola se baseia em pressupostos psicológicos especiais e produz resultados psicológicos

específicos, dificilmente comparáveis entre si, e que muitas vezes nem podem ser

comparados. Dessa forma, para os representantes de cada um dos pontos de vista, é natural e

mais simples considerar errônea a opinião do outro. Entretanto, ao se analisar objetivamente

os fatos reais, percebemos que “cada um desses métodos e teorias tem sua razão de ser, não só

pelo êxito obtido em certos casos, como também por mostrarem realidades psicológicas que

comprovam amplamente os respectivos pressupostos” (JUNG, 1998, p. 2).

Durante o curso de psicologia e diante de algumas disciplinas, me assustei e me

questionei muito a respeito da postura de alguns profissionais de psicologia. Às vezes me

parecia que a escolha de uma abordagem terapêutica era mais importante até do que a ética, a

seriedade, o respeito e a coerência em relação ao cliente. Há tantas discussões na psicologia

do que é ciência, do que funciona e do que não funciona que às vezes o próprio cliente é

esquecido. Incomodam-me as discussões do tipo: “só a comportamental funciona porque é

uma ciência natural, o resto é arte”; “a comportamental não funciona porque só trata

sintomas”, “a psicanálise funciona”, “não, a psicanálise não funciona”. Discussões estas que

tiram a capacidade do terapeuta de perceber que, em determinados casos, um terapeuta pode

ser mais adequado do que outro, o que independe da abordagem. E que em alguns momentos,

o terapeuta tem que ter a humildade e o discernimento de encaminhar o cliente para um outro

profissional, em decorrência de uma limitação do terapeuta ou das técnicas utilizadas por ele.

Belas (2000) expõe que nem sempre uma pessoa que nos procura buscando ajuda

psicoterápica consegue encontrar as melhores condições para que possa mergulhar totalmente

na busca de si mesmo.Quando há uma dificuldade para que o processo psicoterápico caminhe,

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não se pode atribuir isso somente a uma “falha” do terapeuta ou do cliente, mas sim a uma

dificuldade na relação, ou seja, como a psicoterapia acontece em uma relação humana, é bem

provável que quando surgir algum problema nesse relacionamento o processo fique

automaticamente comprometido.

Leloup (2002) refere que qualquer que seja a prática terapêutica é necessário existir

um questionamento se essa terapia tem “coração” (aspas minhas), porque para ele o que é

eficaz em uma prática não é apenas a técnica, mas o “coração” (aspas minhas) com o qual se

pratica essa técnica, pois, “o instrumento justo nas mãos de um homem não-justo tem efeitos

não-justos. Podemos conhecer técnicas e práticas magníficas, mas se o coração não está

presente os efeitos destas práticas poderão ser negativos” (p.62). Outro autor que apresenta

uma idéia semelhante é Ali- Shah (1996), que relata:

Em nenhuma das terapias no Ocidente jamais se encontra qualquer indicação de como, porque ou para que serve o amor. Não sei por que um componente tão importante como esse foi relegado. Creio que é devido ao fato de não poder ser cientificamente controlado; não podem transformá-lo em seu escravo. Já que não pode ser usado incorretamente, as pessoas ou teriam de usá-los de forma correta ou não usá-lo absolutamente. Assim decidiram não usá-lo. (...) Penso que a base de qualquer e toda terapia seja 50% amor e 50% compreensão da pessoa. Se colocar esses dois ingredientes juntos, você automaticamente desenvolverá uma atitude acertada e uma técnica dirigida à pessoa e aos seus problemas. Para mim, esse amor é o fator ausente no pensamento psicológico ocidental (p. 14-15).

Para Borja (2001) assim como há diversos tipos de pacientes, existem vários tipos de

terapeutas. Assim como os pacientes se identificam com certo tipo de tratamento, os

terapeutas se identificam com certas escolas e técnicas determinadas, porque são mais

adequadas às possibilidades de seu ego e nelas se sentem mais aptos e fortes. Dessa forma, se

fizermos muitas concessões a uma determinada técnica, estaremos certamente descuidando de

outras áreas de desenvolvimento. Ou seja, é uma tarefa provavelmente impossível trabalhar o

corpo por meio de uma análise, da mesma forma que é impossível analisar a mente só com

um trabalho corporal. “Cada uma das técnicas é uma mina de riquezas, mas não é a solução

total” (BORJA, 2001, p.33). Ouve-se tanto que uma técnica e/ou uma abordagem é melhor do

que a outra, mas como saber se as duas dão resultados semelhantes?

A existência dos múltiplos enfoques psicológicos possíveis não deveria ser pretexto para se considerarem as contradições insuperáveis e as interpretações, inteiramente subjetivas e não mensuráveis. As contradições em qualquer ramo da ciência comprovam apenas que o objeto da ciência tem propriedades, que por ora só podem ser apreendidas através de antinomias; como a

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natureza ondulatória e corpuscular da luz. Só que a psique é de natureza infinitamente mais complicada que a luz, razão certamente do grande número de antinomias necessárias à descrição satisfatória da essência do psiquismo.

(JUNG, 1998, p. 2)

Nessa citação de Jung (1998), é possível verificar a intenção do autor de valorizar as

diferenças existentes na psicologia. Borja (2001), por sua vez, apresenta uma idéia bastante

interessante quando relata que os diversos estilos da psicoterapia não são nada mais do que

diferentes tipos de psicopatologia. Qual será o motivo pelo qual me identifico com a

psicanálise, com a terapia de confrontação ou com a reichiana? Segundo Borja (2001), me

identifico porque essa teoria corresponde à minha psicopatologia. E relata que devemos

retomar um princípio mais essencial e importante, perguntando pelos criadores: quem foram

Freud, Perls, Reich? Quem foram eles? Questionando sobre eles vemos que a teoria de cada

um não foi nada mais do que o descobrimento da própria doença. Freud que era uma pessoa

com dificuldade de contato corporal, que vivia em um ambiente muito repressivo,

desenvolveu seu trabalho mantendo distância, mas conduziu-o com tal destreza e maestria que

este o levou à saúde. O mesmo vale para Jung e seu interesse no cósmico e no arquetípico.

Assim como o psicodrama: Moreno era dramático e muito expressivo, tinha a habilidade

psicodramática de representar diferentes papéis. Indagando como surgiram as diversas

escolas, percebe-se que sua origem não é outra senão a patologia dos mestres. Eles

reconheceram a própria doença e tomaram conhecimento de como trabalhá-la. A idéia que

Borja (2001) coloca é, a meu ver, bastante inovadora, mas não sei exatamente se as patologias

fizeram com que as teorias se transformassem no que são, mas acredito que questões como

afinidade, estilos de vida são fatores determinantes para a grande diversidade de abordagens

existentes na psicologia.

Guggenbühl–Craig (2004) expõe que os terapeutas muitas vezes se encontram em

posição similar à do sacerdote, pois a única prova do terapeuta é a sua própria experiência e a

de outros, “uma vez que a realidade psíquica não pode ser aprendida estatística ou

carnalmente como ocorre nas ciências naturais” (p.32). O autor afirma que essa extremada

confiança na nossa própria experiência dá margens a algumas dúvidas, como:

E se nós mesmos, ou outros como nós, estivermos enganados? Afinal de contas, há muitos psicoterapeutas íntegros que defendem escolas de pensamento completamente distintas. Estariam todos se enganando? Seriam todos cegos?(...) Será que somos capazes de admitir essas dúvidas para nós mesmos e para o resto do mundo? Ou será que nós psicoterapeutas fazemos com nossas próprias dúvidas e

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medos o que faz o sacerdote, suprimindo-os e pondo uma pedra em cima?

(GUGGENBÜHL-CRAIG, 2004, p.32)

Dessa forma, Borja (2001) relata que é importante que o terapeuta conheça a origem

da escola que segue, pois as escolas não foram criadas por deduções mentais, mas são frutos

de árduos e profundos trabalhos pessoais, envolvendo auto conhecimento e um compromisso

pessoal. Foi o que levou seus criadores a compreenderem que, se tinha funcionado para eles,

provavelmente poderia servir para outros. Esse é o importante trabalho dos grandes homens.

Borja (2001) expõe ainda que se nos considerarmos “discípulos” (aspas minhas) de

algum mestre, o mais importante é averiguar o que ele fez com sua vida, por que ele chegou

até esse ponto. O verdadeiro ensinamento é que eles foram eles mesmos, e puderam ser. Por

isso não se trata de seguir ao pé da letra seus exercícios. O que o terapeuta deve fazer é se

entregar e se disponibilizar a correr riscos. Dessa forma os exercícios serão úteis, mas é

preciso repetir o exercício para descobrir-lhe o valor. Quando o exercício não resultar em

nada, o importante é deixar a técnica em segundo plano e partir para a presença terapêutica

que é algo fundamental em um processo psicoterápico. Rogers e Rosenberg (1977)

apresentam que “os pensadores bem comportados, não são os autores que mais contribuíram

ao conhecimento ou aos rumos escolhidos pelos homens e pelos cientistas na psicologia”

(p.2), pois para estes autores os pensadores que realmente fizeram a diferença foram aqueles

que tiveram a coragem de se expor, expressando suas idéias, sua fé e sua intuição.

Fiorini (1982) apresenta que é indispensável para a formação de um bom terapeuta a

possibilidade de vivenciar e estudar mais de uma técnica psicoterápica, pois é no jogo de

contrastes e semelhanças que se adquire a noção do sentido do existir e dos alcances de cada

uma das técnicas. Podendo perceber então qual a contribuição de cada uma delas, expondo

que:

Certa tradição da escola propôs que o terapeuta se forme em uma técnica e se filie a uma teoria ‘para evitar confusões’. Essa temida confusão é seguramente evitável para qualquer terapeuta de quociente intelectual médio. Temível, isto sim, é a restrição mental que decorre de adotar tal posição, temível é o empobrecimento defensivo frente a palpitante riqueza do campo, a resignação a tanger uma única corda onde explore em sons uma exuberante polifonia. O perigo está em que todo expert em uma técnica mostra-se inclinado a tentar abarcar com ela o mundo. E é mais do que sabido que monocultura e subdesenvolvimento caminham de mãos dadas (p. 14).

Na citação anterior, fica evidenciada a posição de Fiorini (1982) a respeito do cuidado

que devemos ter ao construirmos teorias para entender o homem, pois estas teorias

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construídas muitas vezes nas melhores das intenções podem acabar aprisionando nossa

humanidade, como Martins (2000) apresenta muito bem. Dessa forma, proponho-me neste

trabalho a apresentar a psicologia de forma mais “leve”, não visando, entretanto fazer

apologia a nenhuma abordagem específica, mas valorizando o que há de mais importante em

todas elas: a relação, o encontro.

CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA

TEMA: A psicoterapia como processo de mudança é eficaz independentemente da

abordagem escolhida pelo terapeuta.

PROBLEMA: Como o demasiado foco na técnica pode prejudicar o processo

psicoterapêutico.

Rey (2002) expõe que o início da pesquisa se dá com a definição do esboço do

problema, mas que ao contrário da pesquisa quantitativa, o problema não representa algo fixo,

ou como o autor descreve “não representa uma entidade concreta coisificada” (p.72), mas sim

como um ponto de reflexão para o pesquisador. Dessa forma para este autor a definição do

problema na pesquisa qualitativa não tem obrigatoriedade de ser definida perfeitamente no

início da pesquisa e não tem como objetivo ser uma pergunta a ser respondida no final da

pesquisa, ao contrário “na pesquisa qualitativa o problema se faz cada vez mais complexo e

conduz a zonas de sentidos do estudado imprevisíveis no começo da entrevista” (p.72).

OBJETIVO: Estudar o lugar da técnica na psicoterapia; Aprofundar o estudo dos

processos que influenciam na efetividade da psicoterapia e estudar a posição do cliente na

psicoterapia.

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I-CAPÍTULO TEÓRICO

1.1. A CIÊNCIA E A ARTE EM PSICOTERAPIA

Como devemos encarar a psicoterapia? O psicoterapeuta deve encarar a psicoterapia

como ciência ou como arte? Afinal, o que é ciência? Atualmente, segundo Chalmers

(1999/2000), a ciência é altamente considerada. Existe uma crença amplamente aceita de que

há algo especial a respeito da ciência e de seus métodos. “A atribuição do termo ‘científico’ a

alguma afirmação, linha de raciocínio ou peça de pesquisa é feita de um modo que pretende

implicar algum tipo de mérito ou um tipo especial de confiabilidade” (p.17). O mesmo autor

apresenta ainda alguns questionamentos relevantes como: o que de fato é tão especial em

relação à ciência? O que vem a ser o “método científico” que comprovadamente leva a

resultados especialmente meritórios ou confiáveis? “Muitas áreas de estudo são descritas

como ciências por seus defensores, presumivelmente em um esforço para demonstrar que os

métodos usados são firmemente embasados e tão potencialmente frutíferos quanto os de uma

ciência tradicional como a física” (p.18). É relevante lembrar que a “ciência sempre se quis

como adversária da dúvida, mas só avançou porque era duvidosa (...). Se admitirmos então

que o questionamento é a alma da ciência, não é viável imaginar um questionamento

inquestionável” (Demo,1998, p.89-104).

O desenvolvimento moderno na filosofia da ciência tem apontado com precisão e enfatizado profundas dificuldades associadas à idéia de que a ciência repousa sobre um fundamento seguro adquirido através de observação e experimento e com a idéia de que há algum tipo de procedimento de inferência que nos possibilita derivar teorias científicas de modo confiável de uma tal base. Simplesmente não existe método que possibilite às teorias científicas serem provadas verdadeiras ou mesmo provavelmente verdadeira (p.19).

Chalmers (1999/2000) refere que os argumentos utilizados para defender a afirmação

de que teorias científicas não podem ser conclusivamente provadas ou desaprovadas têm

como base às considerações filosóficas e lógicas, e outros são baseados em uma análise da

história da ciência e das modernas teorias científicas.

Angerami-Camon, Gionanetti & Schmidlin (1999) apresentam que freqüentemente o

profissional de psicologia se depara com a possibilidade de a psicologia se constituir como

ciência. Focault citado em Angerami-Camon, Gionanetti & Schmidlin (1999) refere que a

psicologia, devido ao seu objeto de estudo, não se caracteriza como uma ciência tradicional,

tendo em vista que o seu objeto de estudo ainda hoje não está bem definido. “Por outro lado,

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assumir a indefinição do objeto de estudo como característica básicas das ciências humanas

implicaria numa surpreendente alternativa” (p.9).

Para os mesmos autores, para que se possa situar a psicologia como ciência e daí

estruturar sua situação de pesquisa, primeiramente é importante lembrar como se deu o

advento da ciência. No século XVI, Galileu chegou a uma sistematização teórica a qual

denominou ‘Lei do isocronismo das oscilações pendulares’, “que consiste em uma teoria que

versa sobre as relações de tempo existentes entre as oscilações de uma lâmpada movida por

uma corrente de ar e o bater do pulso” (p.10). A partir daí e de outras descobertas, chegou ao

método experimental em suas quatro fases distintas, sendo essas: percepção dos fenômenos,

intuição da lei da natureza, progresso matemático e confirmação experimental. Hoje esses

momentos podem ser descritos como: observação experimental, hipótese de trabalho,

matematização e experimentação. O método experimental passou a ser considerado como o

método da ciência.

As regras exigidas para que um determinado estudo se tornasse ciência passaram a ser: objetividade, determinismo causal, matematização, generalização, enfim, houve a necessidade de que o objeto de estudos se constituísse numa substância e na obrigatoriedade da experimentação. Com estes princípios, fundou-se toda a física newtoniana e houve uma tentativa de se fundar a ciência psicológica, a qual já havia sido condenada a inexistir como ciência tanto por Kant, filósofo do conhecimento, quanto por Comte, filósofo da ciência. (p.10)

Entretanto, segundo Angerami-Camon, Gionanetti & Schmidlin (1999), os estudiosos

de psicologia “não deixaram de investir na busca de fazer da psicologia uma ciência. A

psicologia, como afirma Japiassu, esforçou-se por seguir os temas gerais para conquistar a

cientificidade das ciências humanas” (p.10). A história da investigação científica na

psicologia revela que ela tem realizado um percurso no sentido de transformar seu estudo em

uma ciência, dessa forma podemos relatar que: Wundt foi um psicofisiólogo que inaugurou o

método experimental na investigação dos fatos psíquicos, mas somente com Skinner o método

experimental ganhou força. “O movimento behaviorista em psicologia, a partir dos

pressupostos da ciência e com base nos alicerces do positivismo, estruturou-se como uma

psicologia científica. Partiu da constituição do comportamento como substância, podendo

então mostrar seu objeto de estudo na forma como era exigido pela ciência” (p.11).

Já com Freud, “inaugura-se o método clínico de pesquisa, onde a psicanálise tornou-se

também um instrumento de investigação psicológica, em que o principal instrumento de

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investigação da psicologia era a interpretação dos sonhos, dos atos falhos, ou ainda das

associações livres” (p.12).

Nas palavras de Edson Savage, o grande orgulho de Freud foi de construir uma psicanálise no ‘berço da cientificidade’, a qual defendia rigorosamente como ciência, chegando a compará-la com a física. Afirmou ainda que a psicanálise se desdobra em teoria, método terapêutico e método de investigação da realidade psíquica. Defendeu a tese de que a psicanálise de Freud tomou como referencial na construção do método psicanalítico a química. O método da química consiste em fragmentar e isolar o todo para descobrir o seu funcionamento. Para manter-se na cientificidade, a psicanálise deve manter este horizonte: ‘surgiu como ciência pretendendo ser científica’. Nas palavras de Freud em projeto de uma psicanálise científica (1895): “A intenção é fornecer uma psicologia como ciência natural, isto é, representar os processos psíquicos como estados, quantitativamente determinados, de partículas materiais possíveis de especificações” (p.117).

Na realidade, há uma certa controvérsia a respeito dos escritos sobre o pensamento de

Freud. Freud, em um dos vários momentos de sua obra se refere à psicanálise como não

científica. Segundo ele, “a psicanálise fez justiça à função sexual do homem fazendo um

exame pormenorizado de sua importância na vida prática e mental - importância que foi

enfatizada por tantos escritores criativos e por alguns filósofos, mas que nunca foram

reconhecidos como ciência”.

Penso que a linha do que um dia foi arte e passou a ser ciência é muito tênue. Dessa

forma, acredito que se o que chamamos de arte hoje em psicologia for utilizada com acuidade,

cautela e ética, funcionar, então, por que não utilizá-la? Hycner (1995) refere que o enfoque

que for mais enfatizado (arte ou ciência) vai afetar de forma significativa o treinamento dos

psicoterapeutas e os valores que surgem desse treinamento. Isso faz muita diferença na atitude

com que o indivíduo aborda a profissão. Não quero, entretanto, com este questionamento

afirmar que qualquer tipo de ação se transforme em psicoterapia, pois se sabe que com o

rótulo “psicoterapia” muitos grupos prometem ações milagrosas que fazem com que as

pessoas que estão normalmente debilitadas e sofrendo se sujeitem a qualquer condição para

ter o seu alívio imediato. Deixo claro então, que não é desse tipo de ação que falo, mas sim de

não usar a teoria como “camisa de força” em um processo psicoterápico. Jung (1964)

apresenta um questionamento interessante, que diz: “por que privar-nos de crenças que se

mostram salutares em nossas crises e dão um certo sentido em nossa vida?” (p. 87). O mesmo

autor faz ainda seguinte analogia do sal com a existência de algo além do que podemos

comprovar: “mesmo que o raciocínio lógico não confirmasse a necessidade de sal na comida,

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ainda assim tiraríamos proveitos de seu uso. Poder-se-ia argumentar que o uso de sal é uma

simples ilusão do paladar ou uma superstição, nem por isso o seu emprego deixaria de

contribuir para o nosso bem estar” (p. 87). É evidente que há um certo desconforto da

aceitação dessa idéia para muitas pessoas, pois esses fatos em geral “não podem ser negados,

mas também não podem ser formulados em termos intelectuais” (JUNG, 1964, p.91). Ao se

tentar racionalizar e explicar todos os fatos e fenômenos que ocorrem, a vida tem perdido um

pouco o sentido. A tendência do ser humano é sempre tornar o “desconhecido, conhecido”,

pois isso de uma forma ou de outra traz segurança e possibilita a formulação de idéias de

maneira precisa. Em contrapartida, quando não se consegue comprovar a existência de algo a

tendência é negar. A postura de Jung é importante, pois demonstra em suas idéias certa

flexibilidade, como ele mesmo diz: “é uma ilusão comum acreditarmos que o que sabemos

hoje é tudo o que poderemos saber sempre. Nada é mais vulnerável que uma teoria científica,

apenas uma tentativa efêmera para explicar fatos, e nunca uma verdade eterna” (JUNG, 1964,

p. 92).

Hycner (1995) apresenta que é inquestionável a existência de um corpo de

conhecimentos dentro da psicologia e da teoria psicoterapêutica que é fundamental no

trabalho com pessoas. Porém, é necessário talhar “sob medida” o conhecimento científico e os

fatos para que estes sirvam a uma única pessoa. Esse é o grande serviço dos terapeutas,

integrarem a arte à ciência da psicoterapia. A desconsideração de uma das duas resulta em um

falta de compromisso com o cliente (Hycner, 1995).

“A consciência do caráter questionável de nosso sistema de valores deveria nos tornar

mais cautelosos quando tentamos impingí-los aos outros” (GUGGENBÜHL-CRAIG, 2004, p.

17). Hunter Adams, mais conhecido como Patch Adams, prega algo de extrema importância.

Ele difunde uma nova filosofia da ‘arte de cuidar’, expondo que os clientes devem ser tratados

com respeito, compaixão e amor, e não como um ‘receptáculo passivo da sabedoria de alguns

semideuses que olham do alto, isolados no seu Olimpo de auto-suficiência, no seu templo de

tecnologia’(informação verbal).

1.2.O CLIENTE ACIMA DE QUALQUER TÉCNICA PSICOTERÁPICA

O radicalismo de alguns profissionais de psicologia tira o foco do cliente e o coloca na

abordagem. O mais importante, no entanto, deveria ser o conhecimento de que uma

abordagem é uma técnica terapêutica necessária, mas que a pessoa está acima de qualquer

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técnica. Martins (2000) expõe que toda ciência objetiva experimental, não pode ser

considerada tudo para atender e entender o apelo vindo do cliente. Sendo assim, somente as

“fórmulas teóricas” não são suficientes para lidar com as pessoas, é preciso fazer parte do

existir do cliente. É evidente também, que o terapeuta tem que escolher uma abordagem que

sirva de base para a psicoterapia, mas com a consciência de que só essa base não é suficiente.

A teoria não consegue dar uma visão nem aproximada do que realmente é o encontro com o

cliente, mas apesar disso “todos nós precisamos de técnicas. Ironicamente, entretanto, uma

ênfase excessiva na orientação técnica fomenta os próprios problemas que ela se propõe a

resolver. Quando as técnicas têm supremacia, o lado humano fica obscurecido”

(HYCNER,1995,p.22).

Mais importante aqui do que o brilho científico, o método inovador ou o esquema teórico perfeito é o ser humano, que tantas vezes os sistemas conceituais e as instituições sociais menosprezam, manipulam, reificam. Vivemos num mundo empresarial que vê a tecnologia como valor máximo, num mundo acadêmico que fala do ser humano como vítima passiva de força (...) custa muito a cientistas e intelectuais não se valer de toda a sua superior esfera de preocupações e de sua bagagem penosamente adquirida de constructos e sistemas, para falar à pessoa sobre convicções básicas fáceis de serem compreendidas.

(ROGERS E ROSENBERG, 1977, p.2)

Quando duas pessoas se encontram, suas psiques se defrontam em sua totalidade; o consciente e o inconsciente, o dito e o não dito, tudo afeta o outro. Não sabemos exatamente como isso acontece. Mas repetidas vezes pode-se observar que a psique de uma pessoa tem um efeito sobre a de outra, com todos os seus desejos, fantasias, sentimentos, emoções, sua consciência e sua inconsciência – mesmo se o que se passa na psique não for declarado nem expresso de forma direta.

(GUGGENBÜHL-CRAIG, 2004, p.50).

Rogers e Rosenberg (1977) relatam que em muitas situações “apenas ouvir de maneira

compreensiva a um cliente, e tentar transmitir esta compreensão, são forças poderosas na

mudança terapêutica da pessoa” (P.31). Dessa forma, se entende que essa atenção empática é

uma brecha de acesso ao funcionamento do psiquismo humano, em toda a sua complexidade.

Ë imprescindível que o terapeuta aprenda sobre o cliente com o próprio cliente. Pois é

a partir da demanda dele que a psicoterapia pode fluir. Hycner (1995) refere que o terapeuta

não deve impor um método na terapia que não é consoante com as necessidades do cliente.

Esse é um perigo ao qual devemos sempre estar atentos, pois o objetivo da terapia é fazer

contato com o cliente e não com a teoria. Martins (1990), por sua vez, relata que, como

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decorrência do encontro de um terapeuta com uma abordagem psicoterápica, vislumbramos

duas possibilidades básicas: de o terapeuta conformar-se a essa abordagem, ou de o terapeuta

conformar a abordagem a si próprio. A primeira das hipóteses leva esse terapeuta a assumir

um papel, apegar-se a ele, erigí-lo como verdade, e não pretender ou não conseguir ultrapassá-

lo, o que acarreta conseqüências danosas à sua integração, sinceridade, naturalidade,

maturidade, honestidade, autenticidade e coerência. A segunda hipótese permite ao terapeuta

ser ele mesmo, o que lhe faculta ultrapassar linhas, ser uma pessoa integrada consigo mesma,

sincera, natural, madura, honesta, autêntica e coerente. Tal conduta proporciona ao ato

terapêutico um clima seguro, não ameaçador e confiável, onde o carinho pode ser expresso de

forma não possessiva.

Martins (1990) sugere então, que o psicoterapeuta deve permitir e aceitar que o cliente

seja o que ele é, e que para que isso ocorra o terapeuta também tem que se permitir ser o que

é, ou seja, aceitar suas vivências, sua história e até mesmo como conseqüência se permitir

ultrapassar a linha terapêutica que adota. Ultrapassar no sentido de adequar e conformar a

teoria a si mesmo. Ressaltando que essa ultrapassagem não tem como objetivo se transformar

em um ecletismo vazio, reunindo várias teorias que não guardem coerência entre si, o que

para ele poderia ser considerado como um desastre. Mas que permitisse ao terapeuta adequar

e ajustar a teoria a si, e não o contrário.

A conversação terapêutica para McNamee & Gergen (1998) “é um esforço no qual há

uma busca mútua de entendimento e exploração através do diálogo de ‘problemas’(...) as

pessoas falam uma ‘com’ as outras e não uma ‘para’ as outras. É um mecanismo pelo qual o

terapeuta e o cliente participam do co-desenvolvimento de novos sentidos, novas realidades e

novas narrativas” (p.39). Para um psicoterapeuta é importante ter em mente que a psicoterapia

é um engajamento recíproco. Se o terapeuta não se joga como pessoa no processo,

transforma-se apenas em um técnico. E não é suficiente para o sucesso de uma psicoterapia

que o terapeuta seja um técnico no sentido exato da palavra. Pois a relação que deve se

estabelecer entre terapeuta e cliente é, antes de qualquer coisa, uma relação humana, ou seja,

um encontro entre duas ou mais pessoas e todas com suas limitações, potencialidades,

qualidades e defeitos.

Hycner (1995) apresenta que ao tomarmos uma técnica como um sistema de terapia,

deixamos de valorizar as riquezas das interações humanas. “Quando terapeutas e/ou clientes

cometem o engano de tomar uma técnica terapêutica por uma filosofia de vida, isso contribui

para a patologia da nossa cultura de superenfatizar os aspectos mecanicistas da existência”

(p.50).

19

As suposições teóricas são muito importantes, mas não dão garantia do sucesso da

psicoterapia.

Sem dúvida, há muito conhecimento científico a ser aprendido, a fim de desenvolver a disciplina e ‘objetividade’ necessárias, e de forma a facilitar a cura psicoterapêutica. Porém, o conhecimento objetivo precisa estar sempre fundamentado na experiência subjetiva do cliente e do terapeuta.(...).O terapeuta precisa ter uma quantidade substancial de conhecimentos sobre os seres humanos em geral; porém, precisa sempre se esforçar para apreciar profundamente a experiência única da pessoa sentada à sua frente. Ambos os aspectos são essenciais para a empatia e compreensão das experiências de outro ser humano. Ainda assim, há entre eles uma forte disputa pela dominância. Constantemente o terapeuta precisa decidir sobre que aspecto atender em um dado momento. Em cada caso existem barganhas e riscos envolvidos. Ainda assim, é o jogo inerente aos riscos que dá força e vida a esse esforço.

(HYCNER,1995,p.28)

Hycner (1995) apresenta que um desafio que o terapeuta deve estar disposto a

enfrentar é de “utilizar a segurança da teoria e ainda assim não utilizá-la como uma defesa

indiscriminada contra o desconhecido” (p.57). O terapeuta deve ser capaz de responder à

singularidade e também a apreciar a base comum de toda humanidade. Dessa forma, “o

terapeuta, ao estabelecer um diálogo com toda a amplitude das possibilidades humanas,

engaja-se em uma tarefa verdadeiramente paradoxal (...)” (p.57).

Borja (2001) apresenta que o trabalho do psicoterapeuta exige um alto grau de

responsabilidade e compromisso. Ninguém se prepara em cinco anos, ninguém se prepara

somente com especializações, porque dessa forma somente adquirimos conhecimentos

acadêmicos, que não são a “cura” (aspas minhas). A verdadeira preparação é o caminho e o

caminho é a própria vida. Não se pode estudar para ser pessoa. Não se estuda para deixar de

ter conflitos e sofrimentos. É preciso realizar um grande trabalho pessoal, pois o essencial de

um terapeuta é estar presente e ser harmônico, para que o processo psicoterápico não se

transforme em um “processo de enganação”.

Segundo Martins (2000), quando construímos teorias tendemos a ‘ver através’. Ver o

homem através da teoria. O ponto principal deste engano (de ver através) é este, diz-nos

Buber (1967) ‘quando um elemento na existência espiritual ou psíquica do homem que

previamente era pouco ou muito pouco percebido é então desvelado ou clarificado

identificamô-lo com a estrutura total do homem, em lugar de inserí-lo dentro da estrutura’.

Existe uma tensão constante em psicoterapia entre a teoria e a prática. Com freqüência parece que as duas estão em conflito. O paradoxo é que se o terapeuta for teórico demais, ele não conseguirá

20

aplicar esse conhecimento. É necessário um tipo de “mente” para assimilar fatos, e outro tipo para assimilar a presença do ser humano.Trata-se de uma habilidade muito especial – até mesmo um dom- estabelecer contato no limiar do relacionamento humano, expandir o próprio ser para receber a dádiva do outro, e encorajar assim, o surgimento da vibração do cliente. Por outro lado, se o terapeuta preocupa-se demais com informações concretas, será privado da ampla profundidade que a teoria pode proporcionar. Este é um problema com sérias conseqüências. Tem sérias implicações na qualidade do contato e na qualidade da relação que se estabelece. Há que se reconhecer que existem profundas diferenças entre o conhecimento teórico sobre um assunto e a aplicação desse conhecimento teórico numa situação concreta, bem como a necessidade de integrar um ao outro

(HYCNER,1995,p.33).

Dessa forma, devemos refletir sobre nossas construções teóricas e inserções filosóficas

em todas as abordagens terapêuticas, sempre lembrando que ter um conhecimento profundo

de uma técnica é importante, assim como também é importante realizar um trabalho

intelectual e formativo; porém, “um bom terapeuta deve largar os instrumentos, deve arriscar-

se a largar a técnica e apoiar-se em si próprio (...). Os méritos dos grandes terapeutas foram

terem sido eles mesmos” (BORJA, 2001, p. 35, 36). Segundo Borja (2001), também é verdade

que preferimos ser técnicos e, quanto mais maquinal formos, mais técnico vamos querer que

seja nosso trabalho. A grande justificativa em relação à técnica é sua eficiência. No entanto, a

relação terapêutica não é de eficiência, mas de consciência.

Entretanto, o que devemos ter sempre em mente é que o terapeuta “não sabe” a priori

qual é a intenção de nenhuma ação do cliente e deve confiar na explicação dada por ele

(cliente). A posição de não saber está relacionada a uma atitude de não julgamento que

McNamee & Gergen (1998) expõem com muita clareza em seu livro:

Não saber é não fazer um julgamento infundado ou inexperiente, mas se referem de maneira mais ampla ao conjunto de suposições, os sentidos que o terapeuta traz para a entrevista clínica. O estímulo para o terapeuta está em aprender a singularidade da verdade narrativa de cada cliente, as verdades coerentes em suas vidas estoriadas (...) agir de outra forma é buscar regularidades e sentidos comuns, que podem validar a teoria do terapeuta, mas invalidam a singularidade das histórias dos clientes, e, logo, sua própria identidade.

(MCNAMEE & GERGEN,1998, p.40)

Hycner (1995) refere que é imprescindível entender que a psicologia é uma profissão

paradoxal. Paradoxal no sentido em que da mesma forma que o terapeuta tem que entrar no

mundo do cliente, o terapeuta também é “desafiado a dar significado à experiência do cliente

21

dentro do esquema racional da teoria” (p.32), ou seja, há uma necessidade de “tornar claro o

dúbio, o ilógico-de criar formas dentro do caos”. E essa motivação é essencial na prática da

psicoterapia.

1.3. A POSTURA DE “ESPECIALISTA” ADOTADA PELO PSICÓLOGO

Outro fator que pude perceber durante o curso é a posição que alguns profissionais de

psicologia ocupam: o de especialista, ou seja, o de conhecedor da dificuldade do outro, aquele

todo-poderoso que não precisa escutar o outro para saber dele. McNamee & Gergen (1998)

apresentam que a perspectiva norteadora da maioria dos esforços terapêuticos deste século

está comprometida com a premissa do conhecedor individual, ou seja, daquele indivíduo que

possui a capacidade de conhecer o mundo e agir adaptativamente dentro dele. É esta imagem

do conhecedor especialista que os terapeutas têm adotado em larga escala neste século.

Entretanto, continua o mesmo autor:

O novo paradigma científico levanta algumas questões que não dizem respeito meramente às técnicas terapêuticas. Ao contrário, elas contestam a própria idéia de psicoterapia, e a identidade do terapeuta. Este é, de fato, um pensamento que questiona as fundações sobre as quais a psicoterapia está assentada como um fenômeno científico social. Esta perspectiva epistemológica questiona as premissas segundo as quais os terapeutas definem a si mesmos, elaboram teorias e práticas, modelos e técnicas, desenvolvem relações interpessoais, sociais e institucionais. Nesta transição, os profissionais têm se deparado com muitos dilemas centrados em questões importantes, que incluem: o questionamento do modelo médico a partir do qual a psicoterapia foi desenvolvida; a desmistificação da capacidade transformadora do terapeuta, e a confusão em torno das responsabilidades éticas e profissionais do terapeuta.

(MCNAMEE & GERGEN ,1998, p.52 e 53)

Borja (2001) apresenta que um erro dos psicoterapeutas é acreditar na possibilidade de

sermos portadores da verdade e da saúde. Isso é negar que tenhamos algo daquilo que o

paciente nos traz. Dessa forma, os terapeutas sentem como um dever serem pessoas

controladas, possuírem um estereótipo da saúde mental. Acreditando que uma pessoa sadia

não pode colocar em risco sua imagem, não pode descontrolar-se no nível verbal. Mantém-se

numa posição de supercontrole. Sugerindo que é um dever nosso afastar a imagem de falsa

pureza e falsa saúde mental diante dos pacientes.

O terapeuta honesto e esclarecido é forçado a enfrentar uma situação de dilema quando se pergunta se realmente está provendo a

22

assistência mais eficaz possível a seus clientes. Além de precisar optar por uma linha de atuação que lhe pareça útil, deve levar em conta inovações e acréscimos que continuamente são divulgados como contribuições valiosas.

(ROGERS E ROSENBERG, 1977,p.50)

Segundo McNamee & Gergen (1998), o terapeuta não deve dominar o cliente com

conhecimentos psicológicos especializados, mas deve se deixar conduzir com o conhecimento

do cliente. Sua tarefa não é, portanto, o de analisar, mas a de tentar entender, entender desde a

perspectiva mutante da experiência de vida do cliente. “Poder-se-ia dizer que o problema de

um terapeuta é nem ser poderoso nem sucumbir ao poder. Ao invés disso ele deve assumir a

responsabilidade por seu poder de construção dentro dos limites do domínio relacional/social”

(McNamee & Gergen ,1998, p.59).

No início da terapia a relação entre terapeuta e paciente é muitas vezes similar à do feiticeiro e seu aprendiz. As fantasias que o paciente tem nesse sentido exercem um poderoso efeito sobre o terapeuta, em cujo inconsciente começa a constelar-se a figura do mágico ou do salvador. O terapeuta começa a pensar que é de fato alguém com poderes sobrenaturais, capaz de fazer maravilhas com sua mágica.

(GUGGENBÜHL-CRAIG, 2004, p 42)

Jung (1998) relata que se um terapeuta estiver disposto a fazer o tratamento psíquico

de um indivíduo, é necessário renunciar à superioridade no saber, a toda e qualquer autoridade

e vontade de influenciar. É necessário optar por um método dialético, que consista em

confrontar as averiguações mútuas. Mas isto só será possível se o terapeuta deixar ao outro a

oportunidade de apresentar seu material o mais completamente possível, sem limitá-lo pelos

pressupostos do terapeuta. Ao colocar-nos dessa forma, o sistema do cliente se relaciona com

o terapeuta, pelo que se produz um efeito dentro do sistema do terapeuta. Este efeito é a única

coisa que um terapeuta pode oferecer ao paciente individual e legitimamente. Guggenbühl –

Craig (2004), refere que:

Muitos analistas trabalham mais do que podem e falam com grande orgulho da longa lista de espera de futuros pacientes. A pretensão interior de poder absoluto e a fantasia de que é o mais poderoso dos feiticeiros impossibilitam-lhe enviar de bom grado certos casos a colegas de status equivalente e não apenas estudantes principiantes (p 43).

23

II. CAPÍTULO METODOLÓGICO

2.1.PESQUISA QUALITATIVA

Segundo Rey (2005), definir pesquisa qualitativa não é tarefa fácil, pois com a

denominação pesquisa qualitativa “são desenvolvidas tendências muito diferentes, tanto nas

ciências naturais de modelação matemática como nas ciências sociais” (p.1). Apesar da

dificuldade apresentada, tentarei esclarecer o que é o modelo qualitativo de pesquisa para

alguns autores. Segundo Pinto (2004), o modelo qualitativo de pesquisa diz respeito “a um

processo personalizado e dinâmico de investigação. Trata-se de um procedimento

essencialmente construtivo-interpretativo, que tem suas raízes históricas na Antropologia

Cultural” (p.71-80). Dessa forma, para ela:

A metodologia qualitativa de pesquisa em psicologia considera a ciência como uma construção da subjetividade humana, em uma forma particular e dentro de um determinado sistema teórico. Essa forma de fazer ciência apresenta uma epistemologia específica, na qual a investigação é construída dentro do fenômeno estudado. É neste sentido que os princípios teóricos dessa metodologia de pesquisa legitimam o conhecimento por construção (p.71-80).

Essa maneira de investigar parte do pressuposto de que o investigador afeta o

investigado e que não há neutralidade possível em uma pesquisa. Pinto (2004) relata que a

neutralidade é o interesse da tradicional pesquisa quantitativa, que tem como foco a

objetividade e neutralidade da pesquisa e do pesquisado. O que não acontece na pesquisa

qualitativa em que é sempre levada em consideração a realidade e subjetividade do

pesquisador. Isto é o que Rey (1998) citado em Pinto (2004) “denominou como princípio do

indeterminismo: o pesquisador atua sobre aquilo que pretende estudar, a partir de uma

interação” (p.71-80). Rey (2002) apresenta que:

A representação da ciência como atividade supra-individual, que supõe a participação do pesquisado e o controle de sua subjetividade, ignora o caráter interativo e subjetivo do nosso objeto, o qual é condição de expressão comprometida na pesquisa (...) compreender a ciência como produção diferenciada de indivíduo com trajetórias individuais únicas pressupõe recuperar o lugar central do cientista como sujeito de pensamento e com isso, o lugar central do teórico na produção científica, que é um dos princípios que temos definido como epistemologia qualitativa (p.28).

Considera-se então “que a pesquisa qualitativa em psicologia clínica realiza uma

ciência de viabilidade, pois não pretende uma verificação direta dos resultados e conclusões,

24

mas visa explicar, apontar para um sentido da realidade, do fenômeno ou do processo

estudado” (p.71-80). Segundo Rey (2005), “a epistemologia qualitativa defende o caráter

construtivo interpretativo do conhecimento, o que de fato implica compreender o

conhecimento como produção e não como apropriação linear de uma realidade que se

apresenta” (p.5). Rey (2005) continua:

Quando afirmamos o caráter construtivo-interpretativo do conhecimento, desejamos enfatizar que o conhecimento é uma construção, uma produção humana, e não algo que está pronto para conhecer uma realidade ordenada de acordo com categorias universais de conhecimento. Disso surgiu o conceito de “zona de sentido” (1997), definido por nós como aqueles espaços de inteligibilidade que se produzem na pesquisa científica e não esgotam a questão que significam, senão que pelo contrário, abrem a possibilidade de seguir aprofundando um campo de construção teórica (...). O conhecimento legitima-se na sua continuidade e na sua capacidade de gerar novas zonas de inteligibilidade acerca do que é estudado e de articular essas zonas em modelos cada vez mais úteis para a produção de novos conhecimentos (p.6).

Rey (2005) apresenta ainda que o interessante do conhecimento é que ele é dinâmico e

está sempre em processo de construção, e que sua validade está justamente na capacidade

infinita de produzir “novas construções no curso da confrontação do pensamento do

pesquisador com a multiplicidade de eventos empíricos” (p.7). O mesmo autor relata,

portanto, que não temos garantia e certezas se o que construímos hoje é o melhor para

solucionar os problemas que nos propomos a estudar.

Um dado relevante informado por Pinto (2004) é que a pesquisa qualitativa possibilita

estabelecer um certo tipo de relação que permite ao pesquisador estar em diversas posições

como o de cientista, sujeito, analista e observador. Fazendo com que a pesquisa se constitua

como uma pesquisa-ação em que a ação vai sendo construída, investigada e interpretada,

sendo que dessa forma, o próprio processo vai sendo modificado. Pinto (2004) apresenta que

essa forma de pesquisa busca realizar uma integração teórica sobre as relações entre eventos

ou processos que muitas vezes só fazem sentido dentro de um processo específico.

Turato (2005) informa que na última década as pesquisas qualitativas se tornaram bem

aceitas, o que, segundo ele, não acontecia em épocas passadas.Os pesquisadores que

realizavam pesquisa qualitativa tinham muitas vezes seu trabalho rejeitado por serem

considerados não científicos.

25

2.2. CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS DOS MODELOS QUALITATIVOS

DE PESQUISA

Segundo Turato (2005), é fundamental que se tenha clareza do que realmente é o

método qualitativo de pesquisa, pois para ele “não se convém imitar ingenuamente o

entendimento que se traz de outras abordagens investigativas” (p.507-514). O que deve ser

feito, entretanto, é evitar assertivas do tipo: o método de pesquisa qualitativa não faz uso de

recursos como números, técnicas estatísticas, amostras numéricas representativas,

questionários fechados, ou escalas de avaliação, mas segundo o autor também não seria o caso

de dizer “que o método qualitativo é usado para estudar a ‘qualidade’ de um objeto”(p.507-

514), continuando:

No contexto da metodologia qualitativa aplicada à saúde, emprega-se a concepção trazida das Ciências Humanas, segundo as quais não se busca estudar o fenômeno em si, mas entender seu significado individual ou coletivo para a vida das pessoas. Torna-se indispensável assim saber o que os fenômenos da doença e da vida em geral representam para elas. O significado tem função estruturante em torno do que as coisas significam, as pessoas organizarão de certo modo suas vidas, incluindo seus próprios cuidados com a saúde. (p.507-514)

Turato (2005) expõe em seu artigo uma definição genérica de métodos qualitativos

apresentada pelos sociólogos Denzin & Lincoln que diz: "Os pesquisadores qualitativistas

estudam as coisas em seu setting natural, tentando dar sentido ou interpretar fenômenos nos

termos das significações que as pessoas trazem para estes” (p. 507-514). Dessa forma pode-se

perceber que o que está em questão na pesquisa qualitativa não é diretamente o estudo do

fenômeno em si, mas o significado que este fenômeno vai gerar para aqueles que o vivenciam.

Minayo citado em Turato (2005), por sua vez, apresenta as metodologias qualitativas

como sendo “aquelas capazes de incorporar a questão do significado e da intencionalidade

como inerentes aos atos, às relações, e às estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto

no seu advento quanto na sua transformação, como construções humanas significativas”

(p.507-514). Dessa forma de acordo com os autores citados acima, o interesse do pesquisador

na pesquisa qualitativa está voltado para a “busca do significado das coisas, porque este tem

um papel organizador nos seres humanos”(p.507-514). Dessa forma, Minayo apresenta que a

pesquisa qualitativa deverá ser realizada no ambiente natural do entrevistado, o pesquisador

deve ser considerado como o próprio instrumento da pesquisa, sendo que, “o método tem

maior força no rigor da validade dos dados coletados, já que a observação dos sujeitos, por ser

26

acurada, e sua escuta em entrevista, por ser em profundidade, tendem a levar o pesquisador

bem próximo da essência da questão em estudo”. Outro fator relevante é que:

A generalização não é a dos resultados (matematicamente) obtidos, pois não se pauta em quantificações das ocorrências ou estabelecimento de relações causa-efeito, ela se torna possível a partir dos pressupostos iniciais revistos, ou melhor, dos conceitos construídos ou conhecimentos originais produzidos. Caberá ao leitor e consumidor da pesquisa usá-los para examinar sua plausibilidade e utilidade para entender casos e settings novo (p.507-514).

É importante ter em mente, segundo Rey (2002), que o objetivo da pesquisa

qualitativa não é o de testar a teoria, mas sim o de desenvolver e construir a teoria. Ou seja,

esta visa descobrir, descrever e compreender a teoria. Possibilitando que as entrevistas sejam

realizadas no intuito de permitir narrativas ricas.

2.3.CENÁRIO DA PESQUISA

Para que este trabalho fosse realizado foram utilizados os princípios da Epistemologia

Qualitativa de Pesquisa, “como forma de satisfazer as exigências epistemológicas inerentes ao

estudo da subjetividade como parte constitutiva do indivíduo e das diferentes formas de

organização social (Rey, 2005, p.28)”.

2.4. INSTRUMENTOS

Os instrumentos da pesquisa adquirem um sentido interativo. O instrumento não é importante só pelo que o sujeito responde ou realiza, mas pelas conversações que suscita, pelas expressões do sujeito diante dele, pelas perguntas que formula durante sua execução, pelas características da execução. O sentido que um instrumento adquire para o sujeito procede, entre outros fatores, do nível de relações constituídas no momento de aplicação do instrumento e no curso da pesquisa em geral.

(REY, 2002, p.56)

Sendo assim, a definição do problema não é algo estático, da mesma forma que a

definição dos instrumentos também não o é. A definição dos instrumentos acompanha a

pesquisa em movimentos permanentes, respondendo às necessidades que a pesquisa gera. Os

instrumentos são considerados então, como indutores de uma informação que não tem o

objetivo de definir o sentido final da informação (Rey, 2002).

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Rey (2002) deixa claro em seus escritos que o processo de aplicação dos instrumentos

é interativo e envolve o sujeito na pesquisa. O autor expõe também que a expressão do sujeito

frente aos instrumentos está ligada em muitos casos com a relação que se estabeleceu com o

pesquisador e do clima dialógico da pesquisa. “O uso de instrumentos abertos facilita a

expressão do sujeito em toda a sua complexidade e aceita o desafio que implica a construção

de idéias e conceitos sobre a informação diferenciada que expressam os sujeitos estudados”

(p.81,82). Rey (2002) assinala ainda que: “nesse tipo de pesquisa não se descobre só o que se

busca, pois surgem elementos que, sem terem sido definidos pelo pesquisador, se convertem

em opções de peso teórico, que podem ser relevantes para o processo de construção de

conhecimento” (p.87).

A pesquisa qualitativa segundo Bauer & Gaskell (2004) se refere a entrevistas do tipo

semi-estruturadas com um único respondente denominada de entrevista em profundidade ou

com um grupo de respondentes denominada como grupo focal.

Na pesquisa qualitativa, a seleção dos entrevistados não pode seguir os procedimentos

da pesquisa quantitativa, pois a finalidade real da pesquisa qualitativa não é contar opiniões

ou pessoas, mas explorar o espectro de opiniões, ou seja, as diferentes representações sobre o

assunto em questão (Bauer & Gaskell, 2004).

Neste trabalho usarei como instrumento de pesquisa a entrevista individual ou de

profundidade que pode ser definida como uma conversação que dura em média uma hora e

uma hora e meia. Segundo Bauer & Gaskell (2004) antes da entrevista o entrevistador deverá

preparar um guia que inclua os temas centrais e os problemas da pesquisa.

2.5.DEFINIÇÃO DOS SUJEITOS PARTICIPANTES

A definição dos sujeitos participantes, se deu depois de muito diálogo com meu

supervisor a respeito de como poderíamos relacionar o assunto da minha monografia, com a

proposta da pesquisa qualitativa. Após essa fase inicial, entramos em um consenso de que

seria interessante verificar a partir da experiência de três profissionais de psicologia de

abordagens diferentes, qual a importância da mesma no exercício da profissão. Os

participantes dessa pesquisa foram escolhidos de acordo com a sua abordagem de trabalho.

28

2.6.DESENVOLVIMENTO DA CONSTRUÇÃO DE INFORMAÇÃO

Conduziu-se uma entrevista com os psicólogos no seu ambiente de trabalho.

Entretanto um contato inicial foi feito com os participantes, verificando assim qual a

possibilidade deles estarem contribuindo para a pesquisa realizada neste projeto. A entrevista

tinha como objetivo gerar uma conversação sobre a experiência profissional dos mesmos.

Inicialmente foi explicado para os profissionais que não se tratava de uma entrevista

estruturada, mas sim de uma conversação e que eles não se preocupassem em preparar nada

porque o intuito da pesquisadora era saber um pouco mais da experiência desses profissionais.

29

III. CAPÍTULO EMPÍRICO

3.1 CONSTRUÇÃO DA INFORMAÇÃO

O processo de construção da informação representa o momento mais difícil na realização da pesquisa qualitativa (...) quando chega o momento da construção da informação, tratam o material empírico como se esse fosse o portador de uma verdade única a qual deve chegar à análise e tentar buscar, nos dados, essa verdade com a qual, inconscientemente, empreendem um caminho totalmente descritivo, próprio da epistemologia positivista.

(REY, 2005, P.115)

Bauer e Gaskell (2004) expõem que “na análise da conversação, os dados de pesquisa

não são considerados como tendo um status especial que os separem de outra fala” (p.272).

Dessa forma, as perguntas que o analista faz não se diferenciam das perguntas que qualquer

pessoa faria em uma conversação. Os mesmos autores relatam, ainda, que em outras áreas das

ciências sociais os pesquisadores rejeitam a literatura sobre a análise da conversação, “porque

ela está interessada em como os participantes organizem a interação de momento a momento;

ela não parece estar interessada com estruturas sociais, mudanças, atitudes, identidades ou

grupos, que são estudados em outros enfoques da ciência social” (p.272). Sendo assim,

segundo Bauer e Gaskell (2004), a análise da conversação pode ser um passo importante na

direção de uma pesquisa mais reflexiva, fazendo com que os pesquisadores se sintam

preparados a considerar o tipo de situação que eles próprios criaram, “a orientação dos

participantes para com ela, e seus próprios papéis nela como pesquisadores” (p.273).

A construção da informação a partir do exposto foi feita inicialmente com a

transcrição das entrevistas e posteriormente com a análise dos dados obtidos nas mesmas.

Dessa forma, apresentarei aqui alguns tópicos relevantes retirados das conversações

realizadas.

3.1.1 A IMPORTÂNCIA DA ABORDAGEM NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO

A partir das entrevistas realizadas, pôde-se notar que apesar das diferenças das

abordagens, os três psicólogos entrevistados acham importante a base teórica para nortear a

prática, deixando claro que a teoria não pode ser considerada tudo em um processo

terapêutico. Notou-se também que as divergências das abordagens estão relacionadas em sua

grande maioria não só à busca da explicação mais favorável para o fenômeno psicológico,

30

mas sim à própria definição do que é esse fenômeno para cada abordagem, por esse motivo

cada linha de pensamento dá ênfase ao que vai nortear a psicoterapia, ou seja, uma linha de

pensamento valoriza mais o corpo; a outra, mais a mente; a outra, o ambiente etc. (Carvalho

Neto & Tourinho, 1995). Para que o aspecto citado acima seja evidenciado, apresentarei

trechos das conversações, expondo qual a abordagem do profissional de cada conversação.

...Eu acho que é importante para o seu estudo, para você estar entendendo melhor. Mas assim, é uma parte apenas do trabalho terapêutico. Assim como o trabalho terapêutico tem a sua técnica, tem o seu saber mesmo, mas um saber que engloba a teoria, engloba a técnica, engloba a sua experiência, engloba a sua formação como pessoa, a sua própria análise... Conversação 1 (Terapia Sistêmica)

Para essa terapeuta, além da teoria e da técnica, é necessário que o profissional de

psicologia esteja presente como pessoa no processo, ou seja, o terapeuta deve estar inserido

no contexto, com toda a sua experiência e limitação.

O Professor Antônio Isidro, por sua vez, refere que o que vai apoiar, sustentar e

orientar a atuação são os modelos teóricos.

...Todos os modelos terapêuticos regem ou são regidos, no caso, por modelos teóricos que sustentam e que apóiam esse tipo de orientação na atuação. Então a teoria dá sustentação para a aplicação, para a postura que o terapeuta deverá ter no processo de ajuda. Conversação 2 (Modelo analítico comportamental)

Já na conversação 3, a terapeuta cita que a prática fundamentada por uma teoria é

importante para dar um suporte concreto à atuação. Ressaltando que a abordagem vai

estruturar o trabalho do terapeuta no desenvolvimento do processo terapêutico.

...Eu acho fundamental, por conta da organização do contexto do trabalho, toda a diretriz... Todo o desenvolver do processo. Acho que a gente, tendo esse fundamento de uma teoria, não que a gente vai seguir de uma forma rígida, eu acho que ela dá um suporte muito concreto na sua atuação. Conversação 3 (Abordagem psicanalista com uma orientação Lacaniana)

...Então por mais que cada percurso terapêutico ele vai sendo único, ele tem um desenvolvimento enquanto uma estrutura de trabalho. Então eu vejo muito essa relação da teoria no suporte a essa diretriz, no que está acontecendo e que vai se norteando... Conversação 3 (Abordagem psicanalista com uma orientação Lacaniana).

É relevante expor que independentemente da linha de pensamento adotada pelos

terapeutas, todas elas deveriam passar necessariamente pelas pessoas. Corroborando com essa

idéia, Martins (1990) apresenta que as linhas terapêuticas são mediadas e filtradas pelas

pessoas que a adotam, que sempre dão um toque pessoal à abordagem. Sendo assim, ele

expõe que não existem, a rigor, linhas e abordagens, o que existe são visões pessoais de um

conjunto de hipóteses, teorias e constatações. Dessa forma, a teoria, a técnica e a abordagem

devem ser consideradas como referências que possibilitem a criação de um espaço que

31

permita o surgimento de uma conversação/diálogo capaz de entender os sentidos construídos

pelo sujeito.

3.1.2. O QUE É PSICOTERAPIA?

Na conversação abaixo foi evidenciado algo que, ao meu ver, é muito importante que

diz respeito ao que realmente pode ser entendido como psicoterapia, pois apesar de todas as

discussões existentes, infelizmente, até hoje, ainda se tem a idéia distorcida de que a

psicoterapia é somente um “bate-papo”.

...A psicoterapia não é uma conversação qualquer, por mais que a gente se baseie no diálogo, por mais que se baseie nas relações entre paciente-terapeuta, ela é uma estrutura de trabalho e nessa estrutura a gente tem os aportes teóricos. Conversação 3 (Abordagem psicanalista com uma orientação Lacaniana).

Na fala acima, a entrevistada 3 não dá muita ênfase à relação terapêutica, relatando

que apesar da psicoterapia se basear na relação entre terapeuta e cliente ela é mais do que isso,

ela é uma estrutura de trabalho. Creio que não existe estrutura de trabalho possível, ou seja,

nada acontece em psicoterapia antes que a relação de confiança e respeito esteja bem

constituída. Não há técnica, não há corrente terapêutica e não há terapeuta que consiga uma

boa evolução do processo terapêutico se a relação estiver comprometida e se o vínculo não

estiver formado. A relação terapêutica é muito importante em uma psicoterapia, pois é nessa

troca que o processo ocorrerá. Nesta relação existirá o cliente com sua palavra e o terapeuta

com sua escuta. E a partir daí haverá a possibilidade de deter o significado da palavra e

também o significado do silêncio. Dessa forma a relação não deveria ser deixada em segundo

plano.

3.1.3. O TRABALHO INDIVIDUALIZADO DO TERAPEUTA

O trabalho muito individualizado do terapeuta, segundo a entrevistada 1,

freqüentemente tira a possibilidade do mesmo de se enriquecer. A terapeuta abaixo apresenta

uma crítica à formação do terapeuta que em sua grande maioria é baseada em uma visão

muito individual.

...Quando eu comecei a estudar, eu estava acostumada com uma abordagem sempre individual, bem linear. Então depois que você começa a estudar a sistêmica você vai vendo as coisas se abrindo e se quebrando e no início eu falava: “gente como isso pode acontecer?”pela própria formação de uma visão muito individual, linear, de

32

causa e efeito, e a sistêmica amplia isso, né?Quebra e faz uma coisa mais horizontal, buscando circular em tudo... Conversação 1 (Terapia Sistêmica)

A formação que se tem hoje é essencialmente baseada em atendimentos individuais.

Talvez pelo motivo das grandes escolas terapêuticas terem tido seu início com este tipo de

atendimento. Esta terapeuta apresenta que é sempre importante no trabalho do psicólogo, a

troca, no sentido do trabalho não ser realizado sempre de forma individual, pois para ela a

riqueza do processo psicoterápico está na possibilidade da troca.

...Essa coisa do psicólogo sozinho no consultório, nessa dificuldade de horário, eu acho que perde muito, perde em riqueza mesmo de tudo, então eu acho que tem que existir sempre essa troca. Você ficar isolado sozinho no seu consultório atendendo seus pacientes, vai ficar ali meio que em um contexto empobrecido profissionalmente. Conversação 1 (Terapia Sistêmica)

Também é verdade que não podemos considerar uma troca somente trabalhos

realizados em grupo ou com co-terapeuta. Às vezes o terapeuta pode estar enriquecendo seu

trabalho com seu próprio estudo, sua própria análise, com o próprio cliente etc. Dessa forma,

penso que ao nos restringirmos somente ao trabalho em família estaremos novamente

cometendo o erro de atribuir a verdade absoluta somente a uma forma de trabalhar.

3.1.4. O QUE FAZ COM QUE UMA INTERVENÇÃO FUNCIONE MELHOR PARA

UMA PESSOA DO QUE PARA OUTRA?

Os diferentes resultados que as aplicações de intervenções vão apresentar, segundo a

entrevistada 1, podem estar relacionados a fatores como o momento de vida da pessoa que

busca a terapia. Ressaltando que se uma técnica não for bem sucedida, não se pode atribuir

isso somente a uma falha do terapeuta ou da técnica, mas também da pessoa que procura a

terapia.

...Eu acho que o próprio momento da pessoa que está buscando a terapia. Será que ela também está aberta para esse aprendizado, pra essa vivência, é muito isso, né? O momento da pessoa, porque às vezes não é o momento dela, ela não se abre. Ela não tem essa espontaneidade toda e acaba não dando certo, porque não é só também o terapeuta, não é só a técnica, mas também tem a pessoa que procurou a terapia. Conversação 1 (Terapia Sistêmica)

A posição citada acima não deve ser desconsiderada, mas é importante que estejamos

atentos para verificar a quem normalmente atribuímos a falha em um processo.

O professor Antônio Isidro, por sua vez, expõe que o insucesso de uma técnica está

mais relacionada à inabilidade do terapeuta. E quando não for esse o motivo, é necessário

33

verificar a qualidade da relação terapêutica, quais as bases acadêmicas que estão sendo

utilizadas no processo.

...Isso não vai existir a não ser por inabilidade do terapeuta. Entende-se que um terapeuta não vai fazer indicação de um procedimento se não houver base, demanda, sem que haja uma compreensão das leis que regem essa demanda, ou seja, das queixas. Conversação 2(Modelo analítico comportamental)

...O que vai fazer um funcionar e o outro funcionar ou um funcionar e o outro não funcionar, é a questão das habilidades, né? Desde a relação terapêutica que é um instrumento primordial que sem uma boa relação terapêutica o processo não evolui mesmo tendo um terapeuta habilitado de aplicar os instrumentos. Então eu posso distinguir 3 questões fundamentais. Primeira: a fundamentação teórica que o terapeuta utiliza, quer dizer, quando ele se apóia em bases acadêmicas científicas e quando eu digo científicas de ciência como ciência natural e não como ciência é...posições acadêmicas não experimentais. Segundo: uma boa relação terapêutica, relações humanas, relações de afetos, relações de confiança com o cliente. E o terceiro é exatamente a habilidade terapêutica, que seria o repertório que o terapeuta desenvolveu como habilidades necessárias ( na intervenção). Conversação 2(Modelo analítico comportamental)

Penso que em relação às três questões fundamentais citadas pelo professor Antônio

Isidro, a primeira seria a formação do vínculo, a segunda, a base teórica em que o terapeuta se

apóia e por fim a habilidade do terapeuta em aplicar instrumentos.

A fala do professor Antônio Isidro nos remete a uma reflexão: se a relação terapêutica

é tida como primordial e sem ela até mesmo um terapeuta habilitado não conseguiria fazer

com que o processo fluísse, e a teoria não possui força suficiente para a mudança se o vínculo

não estiver formado, não seria a relação a base para toda e qualquer psicoterapia?

3.1.5. A PSICOTERAPIA EFICAZ

Uma psicoterapia eficaz, segundo os profissionais que participaram da pesquisa, é

aquela que cria um espaço produtivo para o cliente, oferecendo à pessoa aquilo que ela

precisa para ser feliz e também quando o terapeuta consegue instaurar e sustentar no cliente o

desejo dele próprio resgatar sua história.

... você percebe que ali foi um espaço produtivo para ele (cliente), que houve uma mudança... Conversação 1 (Terapia Sistêmica)

... que oferece à pessoa que busca ajuda, os instrumentos que ele precisa para promover a sua felicidade que está diretamente relacionado com a sua capacidade de lidar com suas condições ambientais. Conversação 2 (Modelo analítico comportamental)

...você oferece à pessoa, aquilo que ela precisa, a habilidade de se auto observar, de se auto conhecer, discriminar adequadamente as condições ambientais e que ela

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tenha novos recursos necessários em termos de comportamento para lidar com essas funções... Conversação 2 (Modelo analítico comportamental)

..o desejo que está mobilizando a pessoa na construção desse percurso de querer saber sobre si mesmo, sobre suas questões, e que também vai estar sustentando a prática profissional, que é de querer implantar esse desejo(...)De instaurar e sustentar, que esse outro deseje buscar sua história. Conversação 3 (Abordagem psicanalista com uma orientação Lacaniana)

... vai permitir que o sujeito construa seu desejo. Essa visão hoje pra mim ela é muito concreta... Conversação 3 (Abordagem psicanalista com uma orientação Lacaniana)

Nota-se a partir desse questionamento que as abordagens possuem como finalidade

uma base comum: o bem estar das pessoas que procuram ajuda. Porém, cada abordagem

busca enfatizar os aspectos que para eles são mais importantes. Umas visam mais às forças

internas, outras ao poder das contingências, outras ao corpo, etc.

No livro “A Pessoa Como Centro”, os autores apresentam que Rogers, durante suas

atividades como terapeuta, descobriu que uma escuta atenta era uma maneira importante de

ajuda. Sendo assim, quando ele estava em dúvida de qual o melhor procedimento a ser usado,

ele limitava-se a ouvir. Fazendo com que ele se surpreendesse de como uma forma passiva de

interação pudesse ser tão eficiente. Sendo assim, creio que uma abordagem e uma técnica

eficiente seja aquela que se atenta para os sentimentos, para as emoções, e que reconheça que

o terapeuta segue o percurso com o cliente e não o contrário, como muito se tem feito.

3.1.6. A POSTURA DO TERAPEUTA

Um dos entrevistados apresentou uma certa crítica a respeito dos profissionais que se

acham superior ao cliente apresentando que:

...como diz o Adalberto Barreto na terapia comunitária ele usa um pouco da sistêmica também, ele rebate muito essa questão do terapeuta que se acha diferente, que fica atendendo sozinho no consultório, aí ele usa a palavra de o terapeuta como um todo poderoso. Conversação 1 (Terapia Sistêmica)

Essa terapeuta evidenciou bastante a questão da postura do terapeuta. O terapeuta, para

ela, não deve se colocar como um “ser superior”. Ele deve ter o discernimento de reconhecer

que ele também se enriquece com o cliente. E que a relação terapêutica se baseia na troca

terapeuta-cliente.

...Você está ali também, está te enriquecendo também, você vai errar, vai se sentir muitas vezes impotente. E você tem que estar atento a isso de que você não vai salvar todo mundo e nem querer salvar todo mundo para que aquela pessoa se sinta agradecida. Conversação 1 (Terapia Sistêmica)

35

É relevante lembrar que em psicologia o atendimento clínico foge um pouco do que é

esperado em uma ciência, previsibilidade e controle, fazendo então com que o mais

importante no processo seja a relação de confiança que irá se estabelecer no espaço.

Outro fator interessante que foi exposto durante a conversação é que o terapeuta não

deve esperar a gratidão do cliente. Quando o terapeuta se coloca como “todo poderoso”,

“curador”, demonstrando parecer mais um xamã e mágico que um terapeuta, ele

conseqüentemente atribui ao cliente o papel de receptor da “benção”, fazendo com que o

cliente se sinta na obrigação de ser grato, porque, afinal de contas, o terapeuta “o curou”.

Portanto, quando o terapeuta entende que o cliente possui sua própria capacidade

curativa e se posiciona como um coadjuvante no processo do outro, o cliente não tem o

porquê demonstrar uma eterna gratidão ao terapeuta.

Dessa forma, entendo que a posição do cliente na psicoterapia está diretamente

relacionada à posição que o terapeuta o coloca, ou seja, está mais relacionada a atitude e a

postura do terapeuta no processo psicoterápico.

...se você, como terapeuta, acha que você vai conseguir essa gratidão eterna do seu cliente, isso não é bom. Porque, ás vezes, os casos que dão mais certo são daquelas pessoas que depois nem vão mais lembrar de você. Conversação 1 (Terapia Sistêmica)

...A terapia sistêmica vê também o próprio cliente como sendo também a sua força. O terapeuta também não é aquele ser superior que vai fazer você enxergar, vai muito de você, vai muito do seu próprio esforço de ver a coisa diferente, de ver o seu papel ali dentro daquela família, dentro daquele contexto que está sendo trabalhado. Conversação 1 (Terapia Sistêmica)

...o terapeuta não tem que esperar por essa gratidão. Ele tem que ser mesmo um habilidoso frustrador... Conversação 1 (Terapia Sistêmica)

Pode-se levantar a hipótese de que essa postura de superioridade do terapeuta esteja

diretamente ligada à “concepção científica idealizada”, à medida em que o terapeuta deve ser

aquele sujeito detentor do poder e da sabedoria, deixando então ao cliente o papel que lhe

resta: o de mais fraco.

3.1.7. A TÉCNICA

A técnica é apresentada como um fator importante nas conversações, mas desde que

sejam usadas de acordo com a necessidade de cada caso. Segundo o professor Antonio Isidro,

ao utilizarmos procedimentos, é necessário compreendermos as leis comportamentais. E

utilizar as técnicas e os procedimentos, de acordo com a necessidade e a demanda de cada

36

caso. Porém, a partir das entrevistas realizadas, observou-se também a atitude dos

profissionais de tentarem adequar o cliente dentro da sua perspectiva de trabalho.

O Professor Antônio Isidro apresenta que os procedimentos devem ser usados

baseados na compreensão das leis comportamentais.

...quando nós formos utilizar procedimentos, nós vamos fazê-lo de acordo com a compreensão das leis comportamentais. Conversação 2 (Modelo analítico comportamental)

...Então às técnicas, os procedimentos, eles são utilizados de acordo com a necessidade clínica, a demanda clínica do cliente. E esses procedimentos eles poderiam ser verbais, que são habilidades que o terapeuta desenvolve no sentido de interferir, (?), sistematicamente na maneira de pensar e perceber as contingências em que o controle se dá. Conversação 2 (Modelo analítico comportamental)

Já no trabalho com a abordagem psicanalítica, a técnica é vista mais como um recurso

no sentido de possibilitar a expressão do sujeito, então a condução da terapia se dá no sentido

de proporcionar ao sujeito esse espaço de expressão.

... Essa questão da técnica pra mim, ela se configura de uma forma diferenciada, porque na psicanálise a gente não se utiliza muito de um recurso técnico(...)a gente trabalha com o eixo da associação livre. A técnica é mais no sentido da interpretação, do manejo da transferência, então é uma técnica que se desenvolve também muito em cima dessa questão de possibilitar essa produção do sujeito, então se a gente for pensar em um eixo técnico para a psicanálise seria um pouco isso, né, de você promover e sustentar a produção. Que o sujeito venha a produzir a partir do seu desejo. Conversação 3 (Abordagem psicanalista com uma orientação Lacaniana)

... essa visão da técnica no contexto da psicanálise, ela também está muito vinculada à sua fundamentação teórica... Conversação 3 (Abordagem psicanalista com uma orientação Lacaniana)

...Eu vejo a técnica como um recurso, como um instrumento mesmo para a gente avançar naqueles objetivos propostos. Agora eu vejo ela muito interligada como objetivo. Foi o que eu te falei, a técnica ela sendo utilizada por mim ela é muito ligada para instaurar a questão do desejo, que é um objetivo da prática. Então elas estão inter-relacionada o tempo todo... Conversação 3 (Abordagem psicanalista com uma orientação Lacaniana) O professor Antônio Isidro expõe que é um engano imaginar que a técnica em si é a

terapia.

...A técnica em si não é a base da terapia, a gente se utiliza da técnica apenas como um instrumento auxiliar no processo terapêutico. O que é um equivoco para muitas pessoas que entendem que a técnica em si é terapia, quando na verdade a técnica é apenas um instrumento auxiliar da terapia. Conversação 2 (Modelo analítico comportamental)

Engano esse que é cometido todos os dias pelos mais diferentes profissionais de

psicologia e outras áreas, como a medicina.

37

3.1.8. CIÊNCIA EM PSICOLOGIA

Há uma grande confusão em psicologia do que vem a ser ciência, pois a psicologia,

principalmente a psicologia clínica, desvia-se do que seria um dos fatores mais importantes de

uma ciência natural: o controle, generalidade e previsibilidade. Entretanto o professor Antônio

Isidro expõe que para ele a ciência em psicologia é bem clara, relatando:

...Eu falo da ciência, por que nós temos ciências como uma atividade acadêmica laboratorial de pesquisas que seriam evidências sobre leis que regem os comportamentos e atividades científicas que são atividades apenas de classificação, descrição, observação dos fenômenos, que tem mais uma preocupação interpretativa, descritiva-interpretativa sem a busca das evidências, através de uma metodologia sistemática... Conversação 2 (Modelo analítico comportamental)

Neubern (2001) relata em seu artigo que a psicologia como a maioria das ciências

sociais surge em um “considerável conflito”, uma vez que seus principais objetivos eram o de

se firmar como conhecimento científico, mas ao se propor a estudar a dimensão humana os

pesquisadores se depararam com o lado subjetivo de ser humano, que faz com que a

psicologia se torne “incoerente com a confiabilidade preconizada na ciência”. Pode-se

levantar como hipótese, segundo Neubern, que a multiplicidade de escolas em psicologia,

“constitui uma afronta ao pressuposto de verdade única”, almejado pela ciência natural. Dessa

forma, apesar da postura firme do terapeuta citado acima, penso que não existem “verdades

imutáveis” em qualquer ciência.

38

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, foram apresentadas algumas discussões encontradas freqüentemente

no meio acadêmico. Uma dessas diz respeito a como a psicoterapia deve ser encarada, como

arte ou ciência. Foi apresentado também que a pessoa que procura ajuda não deve ser

enquadrada em nenhuma linha de pensamento, pois ela está acima de qualquer teoria.

Aspectos como a postura do psicólogo não poderiam deixar de ser explanados no presente

estudo.

Fizemos o esforço de definir “pesquisa qualitativa”, seus conceitos e características,

juntamente com o cenário da pesquisa, os instrumentos utilizados, a definição do sujeito e

desenvolvimento da construção da informação.

Por fim, foi exposto a opinião de diferentes psicólogos a respeito dos elementos que

constituíam a eficiência de uma psicoterapia. A partir das entrevistas realizadas, separamos

alguns tópicos em subitens para discutirmos: a importância da abordagem no exercício da

profissão, o que os terapeutas entrevistados entendem como psicoterapia, o trabalho

individualizado realizado pelo terapeuta, as diferenças do sucesso de uma intervenção em

diferentes pessoas, a psicoterapia eficaz, a postura do terapeuta, a técnica e, por último, a

psicologia como ciência.

A partir das conversações realizadas, pôde-se notar que os profissionais entrevistados,

apesar das diferentes bases teóricas em que se apóiam, vêem a teoria como forma de nortear e

dar suporte à prática. Penso, entretanto, que, além de um conhecimento efetivo acerca dos

seres humanos, o terapeuta deve saber apreciar a individualidade das pessoas que procuram

ajuda (Hycner, 1995). Ao meu ver, a teoria deve ser elaborada permanentemente pelo

terapeuta para que esta não enrijeça a atuação do mesmo, fazendo com que o processo

psicoterápico se paralise devido a uma teorização do que não deve ser teórico. Penso que um

ponto fundamental, e que parece ter sido esquecido pelos entrevistados, é que o modo de

interação entre cliente e terapeuta tem demonstrado ser mais importante do que a escola de

pensamento que cada profissional segue.

Observou-se também, certa dificuldade em definir “o que é psicoterapia”, segundo,

uma das entrevistadas, “a psicoterapia não é uma conversação qualquer”, é “uma estrutura de

trabalho”, mas também é baseada na relação. Então não se sabe ao certo o que vem a ser

psicoterapia. Será somente uma forma de trabalhar? Ou quem sabe somente uma

conversação? Ou melhor, uma conversação baseada na relação? A respeito do entendimento

sobre psicoterapia, encontramos divergências até mesmo na literatura pesquisada. Alguns

39

autores vêem a psicoterapia como “um encontro de duas ou mais pessoas com o objetivo de

beneficiar a pessoa que procura ajuda”. Outros entendem a psicoterapia como um “sistema

dialético baseado na troca entre terapeuta e cliente em que um atua sobre o outro”. Dessa

forma, infere-se que o conceito e a forma de entender a psicoterapia são muito diferenciados

de profissional para profissional, o que faz com que a cada dia a multiplicidade da psicologia

aumente, pois cada terapeuta, com seu embasamento teórico e com suas vivências, vê a

psicoterapia de uma forma.

Em relação à atuação do terapeuta de forma individualizada, ou seja, o terapeuta

trabalhando só em seu consultório, a posição apresentada em uma das conversações é que o

terapeuta, ao trabalhar só, estaria limitando a possibilidade de enriquecer seu trabalho. Em

contrapartida, penso que o terapeuta pode trabalhar só e ainda assim não ter o seu trabalho

empobrecido. Dessa forma, a falta de qualidade do trabalho está relacionada muita mais à

atitude do terapeuta frente às situações de aprendizado do que qualquer outra coisa.

Para o questionamento: “o que faz uma intervenção ser mais bem sucedida para uma

pessoa do que para outra?”. Obtivemos dos diferentes terapeutas, respostas com linhas de

pensamentos distintos, o que faz com que acreditemos que a base teórica realmente guie o

terapeuta em sua prática. Digo isto, pois as respostas apresentadas tiveram muito a ver com a

corrente teórica de cada terapeuta. Um deles apresenta que uma intervenção funciona melhor

para uma pessoa pelo momento de vida da pessoa que procura ajuda (terapia sistêmica), já o

outro terapeuta refere que essa diferença não vai ocorrer, e se por acaso ocorrer, é por uma

inabilidade do terapeuta (analítico comportamental).

Quando questionados a respeito da eficiência da psicoterapia, cada terapeuta atribui a

eficácia da psicoterapia de acordo com a óptica que a abordagem permite. Sabe-se que todo

terapeuta tem objetivos a cumprir com seus clientes, mas é importante salientar também qual

é o objetivo da pessoa que procura ajuda. Dessa forma, me questiono sobre quem realmente

guia a psicoterapia: o terapeuta ou o cliente?

Muitos terapeutas, segundo uma das entrevistadas, se colocam na relação terapêutica

como “especialista”, porém numa base dialógica, na posição de “não saber”, o terapeuta abre

mão do entendimento teórico e passa a entender o cliente a partir dele (cliente), pois é fato

que não sabemos do cliente mais do que ele mesmo. A postura de “não saber” adotada pelo

psicólogo remete o cliente da posição de mais fraco para o especialista, porque ele sim, sabe

das sensações dele. Penso que para que um processo terapêutico tenha sucesso, tanto o

terapeuta como o cliente deve estar “em pé de igualdade”.

40

A técnica, segundo os entrevistados, deve ser utilizada de acordo com a demanda de

cada caso. Um terapeuta refere que é necessário que se conheça as leis que regem o

comportamento. A outra, por sua vez, apresenta que a técnica deve ser usada no sentido de

possibilitar a expressão do sujeito. Dessa forma, não se tem um consenso de como melhor

utilizar a técnica em psicoterapia. Cada terapeuta utiliza-a de acordo com suas bases teóricas.

Não poderíamos deixar de apresentar também neste estudo que, apesar dos

profissionais entrevistados utilizarem diferentes bases teóricas, muitas características

apresentam certa congruência entre si. Uma delas é a capacidade de saber que a teoria e as

técnicas não são determinantes para o sucesso de um processo terapêutico. Eles podem ser

considerados como recursos indispensáveis, mas não podem ser considerados tudo em um

processo. É sabido também que cada teórico esclareceu certos aspectos particulares da

natureza humana. E não nos cabe criticar essa postura, pois cada teórico está

fundamentalmente correto na área de estudo em que se aprofundou. Não queremos, portanto,

cometer o erro, que a maioria tem cometido, de defender o seu estudo e abordagem como a

única capaz de trazer benefícios aos outros.

Ao final deste trabalho muitas questões ainda persistem, pois, devido ao embasamento

teórico de cada profissional, eles normalmente vêem o cliente por meio da teoria, ou seja,

dependendo de cada perspectiva de trabalho a eficiência em um processo vai estar relacionada

ao que cada teoria valoriza como o melhor.

É importante salientar que não tenho maturidade profissional para questionar os

procedimentos adotados pelos entrevistados, e de tantos outros psicoterapeutas competentes

na sua linha de pensamento. Porém, algumas posturas aceitas em psicologia faz com que,

neste momento, eu me sinta desconfortável com o estado atual da psicoterapia.

41

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42

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43

ANEXO

44

CONVERSAÇÃO 01 (CASO G)

P- Em minha monografia eu me propus a falar um pouco do lugar da técnica na

psicoterapia, ressaltando que o processo de psicoterapia funciona independente da abordagem.

É por isso que eu estou conversando com profissionais de psicologia de diferentes

abordagens. Então o que vai acontecer aqui é mais uma conversação a respeito da sua

experiência como psicóloga. Então eu queria saber um pouco de você, qual sua abordagem....

G - A minha formação primeira foi psicoterapia infantil de base analítica. Eu fiz meu

curso no CEUB também, me formei em 97. Então eu fiz três anos e trabalhei durante todos

esses anos com criança, que é isso que eu gosto de fazer. Aí depois eu terminei essa formação

e fui fazer de terapia familiar: casal e família. E fiquei fazendo mais três anos de formação,

porque eu acho que quem atende criança tem que também...né? Aí me apaixonei pela

abordagem sistêmica e aí eu sempre busco, mesmo no trabalho individual, né, estar sempre

usando, porque dentro da sistêmica tem várias técnicas também, tem a estrutural, tem a

psicodinâmica também, são várias...

P- Eu também estou atendendo criança e acho que essa visão importante é para saber

lidar com os pais.

G - Então, essa formação de família para mim foi muito boa. Então eu acho que pra

quem atende criança tem que estar sempre vendo a família, vendo sempre a criança dentro

daquela família, estar perto dela dentro daquela família, estar tentando também trabalhar os

pais ao mesmo tempo. Aí eu me apaixonei pela terapia familiar.

P- E o que fez com que você escolhesse essa abordagem?

G - Você fala a infantil e depois a familiar? A infantil na verdade eu já comecei o

curso querendo trabalhar com criança, eu sempre gostei muito de criança. Então eu já

pensava: “ah! Vou fazer psicologia e trabalhar com criança”, eu sempre pensei. E no estágio

eu também fiz infantil, aí eu comecei atender criança e depois fiz estágio de família e agora eu

tenho paixão por família também, e aí foi indo, e assim...eu acho que nessa parte do

desenvolvimento, eu acho que as abordagens analíticas mesmo, eu gosto muito do Winnicot,

que fala do papel da mãe, do primeiro ambiente da criança, a questão da relação da mãe com

o bebê, ele é maravilhoso! (...) Mas o que eu aplico mesmo, o que eu estudo mesmo é o

Winnicot na área do desenvolvimento, não digo psicanalítica, mas analítica mesmo. O

desenvolvimento infantil.(...)

P- E para você, qual a importância da abordagem no processo terapêutico, no exercício

da sua profissão?

45

G - Eu acho que é importante assim para o seu estudo, para você estar entendendo

melhor. Mas assim, é uma parte apenas do trabalho terapêutico. Assim como o trabalho

terapêutico tem a sua técnica, tem o seu saber mesmo, mas um saber que engloba a teoria,

engloba a técnica, engloba a sua experiência, engloba a sua formação como pessoa, a sua

própria análise né? Assim eu acho que são vários fatores...não é só a técnica, não é só a teoria,

não é só você, não é só você como terapeuta, mas tudo isso junto eu acho que é importante.

Então sempre tem que estar vendo a compilação disso tudo: da sua técnica, da sua teoria, do

seu estudo, de você como pessoa, como terapeuta. Sempre com o cuidado do terapeuta

mesmo, de ser terapeuta mesmo. Aí entra também a supervisão que eu acho uma coisa muito

importante. Por isso que eu acho legal o trabalho com a teoria sistêmica porque ela tem um

trabalho com co-terapia, e eu acho isso riquíssimo, porque você está ali com outro terapeuta e

vocês depois fazem uma troca. Quando dá pra atender com co-terapeuta é bem mais rico, o

próprio processo, porque você está ali geralmente com mais de duas pessoas, no caso de

família, não é no de casal. Mas é sempre muito mais rico, porque você...é um outro sistema,

tem um sistema do terapeuta, como também tem o sistema familiar, então são dois sistemas

interagindo. Então eu acho que flui muito mais, é uma sessão muito mais rica.

P-E depois vocês terapeutas trocam...

G -Sim, a gente faz supervisão, às vezes até ali na hora da sessão, é bem rico.Quebra

um pouquinho essa questão do individual, cada terapeuta com seu paciente. Acho que a

terapia sistêmica é legal porque ela quebra um monte de coisa. Quando eu comecei a estudar,

eu estava acostumada com uma abordagem sempre individual, bem linear. Então depois que

você começa a estudar a sistêmica você vai vendo as coisas se abrindo e se quebrando e no

início eu falava: “gente como isso pode acontecer”, porque você vem mesmo...pela própria

formação de uma visão muito individual, linear, de causa e efeito, e a sistêmica amplia isso,

né?Quebra e faz uma coisa mais horizontal, buscando circular em tudo...

P- E em todos, né?

G -É não buscar essa coisa de causa e feito, é tudo mais horizontal, a troca, a

comunicação, a teoria da comunicação é muito importante também estudar no caso de

atendimento de família, de casal, principalmente casal.

P- E o que você acha que faz com que uma terapia funcione melhor com uma pessoa

do que com outra?

G -Ah!! Eu acho que o próprio momento da pessoa que está buscando a terapia. Será

que ela também está aberta para esse aprendizado, pra essa vivência, é muito isso, né? O

momento da pessoa, porque às vezes não é o momento dela, ela não se abre. Ela não tem essa

46

espontaneidade toda e acaba não dando certo, porque não é só também o terapeuta, não é só a

técnica, mas também tem a pessoa que procurou a terapia. Aí entra também as condições do

próprio terapeuta, da própria abordagem, mas acho que isso vem em segundo plano o que vem

primeiro também é a motivação do paciente, a vontade de estar ali para aprender de ver de

outras formas, para ver de novo, enfim eu acho que isso é bem importante.

A terapia sistêmica vê também o próprio cliente como sendo também a sua força. O

terapeuta também não é aquele ser superior que vai fazer você enxergar, vai muito de você,

vai muito do seu próprio esforço de ver a coisa diferente, de ver o seu papel ali dentro daquela

família, dentro daquele contexto que está sendo trabalhado. Ela trabalha muito também o ciclo

de vida da pessoa, né?

P- Em algum momento você acha que a técnica atrapalha?

G -É muito relativo. Eu acho que atrapalhar, pode atrapalhar e também ajudar, ela

pode ajudar. Se você está percebendo que não está indo no rumo certo, você tem que fazer

uma análise, por isso que eu acho que é super importante a troca da supervisão, porque tem

uma hora ali que você está no seu ponto cego, a gente tem, todo mundo tem seu ponto cego e

eu acho que o terapeuta também tem. Então chega um momento que você fala: “peraí deixa

eu”...por isso que é interessante pelo menos na terapia familiar você atender em dupla

terapêutica, porque tem uma hora que o outro está tendo uma visão, está tendo uma visão

diferente. Então abre um dado que você não estava enxergando, alguma coisa que você não

reparou e depois você vê...então eu acho que isso tem que existir sempre. Essa coisa do

psicólogo sozinho no consultório, nessa dificuldade de horário, eu acho que perde muito,

perde em riqueza mesmo de tudo, então eu acho que tem que existir sempre essa troca. Você

ficar isolado sozinho no seu consultório atendendo seus pacientes, vai ficar ali meio que em

um contexto empobrecido, profissionalmente, né? Então tem que haver essa troca, tem que

haver essa supervisão, para a coisa poder dar certo, assim...é lógico, tem casos e casos. Tem

casos que você já vê qual vai ser a queixa, qual vai ser a demanda, que você vê que para você

aquela coisa é difícil, então você vai... eu acho que o terapeuta também tem que ter seu limite,

tem que estar atento a seu momento de vida, se eu não estou dando conta de atender essa

demanda, eu já falo que eu não vou atender, tem que ter essa clareza também...o terapeuta

tem que estar sempre se percebendo, né? Acho que a teoria sistêmica toca muito nisso. Do

terapeuta também ali como pessoa, como parte integrante do processo, e não uma coisa fora

que não pode reagir a nada, totalmente imparcial, neutro.

P- Isso é legal na terapia sistêmica, né? De que o terapeuta participa do processo.

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Exatamente...ele participa até mesmo ali desempenhando e trocando um papel com

aquele membro da família, né? Falando da sua própria vivência. Então quebra muito essa

coisa que a gente sai da faculdade com aquele pensamento daquele terapeuta né? Tem até um

livro que eu estava lendo que chama: “cartas para um jovem terapeuta”. Você já leu?

P- Não, não.

G- muito bom para quem está terminando ler esse livro, eu li e emprestei. É de um

psicanalista que eu acho que ele é italiano, francês, só sei que ele é lacaniano, e fez a

formação dele lá na sociedade psicanalítica de Paris. E hoje em São Paulo ele até é colunista

da Folha, e ele fez como se fosse um jovem terapeuta perguntando para ele coisas de quem

vai começar a atender. Coisa que quem está se formando deveria ler.

P-Porque na psicologia tem muito do que fazer e do que não fazer...

G - É...lá tem em relação a tudo, e com relação aos honorários, com relação à duração

da sessão e com relação ä transferência? Então ele vai quebrando um pouquinho esses medos

que a gente tem no começo. Ele vai colocando ali que nada é tão certinho, e que o terapeuta

pode quebrar muitas... e que mesmo que uma abordagem seja a mesma que a de outro

terapeuta, vai ser um trabalho diferente, porque você está ali, você está ali como pessoa, e

toda a sua história de vida é lógico que influencia a forma como você vai estar fazendo seu

trabalho. Então ele fala um monte de coisa...da diferença que os psicanalistas mais ortodoxos

que falam que a psicanálise é diferente da psicoterapia, né? Que a psicanálise é para poucos e

a psicoterapia é para o resto.

P- Então a partir da sua vivência, da sua experiência como terapeuta ou de coisas que

você já viu, já escutou...o que é uma terapia eficaz?

G -Eu acho que é uma terapia que você percebe que o seu cliente... que ali foi um

espaço produtivo para ele, que houve uma mudança. Lógico que tem mudanças que você

percebe com muito mais facilidade. Eu acho que até a questão da alta é uma linha muito

tênue, que o próprio cliente vai te dando algumas dicas que ele está no momento dele mesmo,

né? Então as coisas vão se fechando, né? Usando um pouco mais a gestalt...mas...acho que

fracasso, fracasso por si só...eu vejo que é muito difícil acontecer, eu percebo de uma forma

mais positiva, de que o encontro é sempre produtivo, mesmo que a pessoa não volte por

exemplo na outra sessão, mas em uma sessão já há uma troca e se a pessoa está aberta para

um aprendizado a pessoa já saiu dali com algum aprendizado.

P- Jung falava uma coisa que eu acho interessante, ele coloca que às vezes o que a

pessoa precisa é de um pouco de bom senso, e que uma sessão basta...

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G -É Winnicot fala isso ele pegava algumas pessoas e a pessoa era capaz de, em uma

sessão, de se re-avaliar e aquilo bastava. Winncot também fazia isso, ele separava algumas

pessoas que em uma sessão já podiam ter um aprendizado que não precisaria mais de vir. E eu

acho que você tem que estar aberto para perceber isso, e é por isso que eu acho importante a

motivação partir muito da pessoa, para ir para a terapia...porque mesmo que ela não volte,

mesmo que não haja nenhum motivo ou até mesmo uma resistência, pelo menos houve ali

aquele encontro e foi aberto para isso e alguma coisa ali ela aprendeu. Então assim, o fracasso

na terapia eu tenho uma postura bem positiva, é claro que diante de alguns casos, você se

sente meio que impotente, mas você não é o sabe tudo também, acho que o aprendizado com

cada paciente que você atende é diferente, você aprende muito, você aprende com a pessoa e

é uma troca muito rica. O terapeuta também sabendo aprender isso e ver isso, o cliente

também vai saber...

P- por que, às vezes, para o terapeuta é difícil lidar com isso, você está falando aí a

respeito da postura do terapeuta de muitas vezes de se colocar como especialista...

G -Ahã, como diz o Adalberto Barreto na terapia comunitária ele usa um pouco da

sistêmica também, e ele fala...ele rebate muito essa questão do terapeuta que se acha diferente,

que fica atendendo sozinho no consultório, aí ele usa a palavra de o terapeuta como um todo

poderoso. Então ele rebate muito isso. Porque não é, né? Você está ali também, está te

enriquecendo também aquele trabalho também, você vai errar, vai se sentir muitas vezes

impotente. E você tem que estar atento a isso de que você não vai salvar todo mundo e nem

querer salvar todo mundo para que aquela pessoa se sinta agradecida. Aí esse livro “cartas a

um jovem terapeuta” ele fala muito isso. Por que o médico tem muito isso. Com o médico as

pessoas ficam agradecidas porque ele o curou daquela doença, deu um remédio e curou e se

você como terapeuta, acha que você vai conseguir essa gratidão eterna do seu cliente, isso

não é bom. Porque às vezes os casos que dão mais certo são daquelas pessoas que depois nem

vão mais lembrar de você. Então nesse caso de quando o cliente nem lembra mais de você é

porque você fez um bom trabalho. E não é esperando uma gratidão que a pessoa te dê

presente no natal, que na páscoa te dê um chocolate, o terapeuta não tem que esperar por essa

gratidão. Ele tem que ser mesmo um habilidoso frustrador, como diz Rogers, Não é o Rogers

que diz isso?(...)

P-Então G. eu quero agradecer a sua participação, os seus dados vão ser preservados.

G - Depois vem aqui e me mostra o resultado da sua monografia?

P- Pode deixar, quando ela estiver com a capa dura eu venho te mostrar (risos).

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CONVERSAÇÃO 02 (PROFESSOR ISIDRO)

P-(antes de se chegar ao lugar apropriado para a conversação viemos conversando a

respeito do assunto da minha monografia). Então, Isidro, era bem isso que você estava

falando...O que eu me propus a fazer na minha monografia é saber um pouco do lugar da

técnica, da abordagem, do instrumento que o terapeuta utiliza no processo terapêutico.

Professor Isidro-Pois bem, todos os modelos terapêuticos regem ou são regidos, no

caso, por modelos teóricos que sustentam, que apóiam esse tipo de orientação na atuação.

Então a teoria dá sustentação para a aplicação, para a postura que o terapeuta deverá ter no

processo de ajuda. Agora, quais são os procedimentos que os terapeutas vão utilizar? Então,

por exemplo, eu posso falar do modelo analítico comportamental, que podemos dizer, que os

procedimentos, que as técnicas que se utilizam, no sentido de produzir a terapia no processo

de mudança, mudança na maneira de pensar, na maneira de sentir, na maneira de agir, que

para nós tudo isso é comportamento e nesses sentidos são classes de comportamento

diferentes, mas que estão sujeitas às mesmas leis comportamentais. Quando eu digo sujeita às

leis comportamentais, é que não tem nenhum desses comportamentos que tenham geração

espontânea. Isso quer dizer que a maneira como a pessoa pensa sobre o (que ele pensa) está

sobre o controle de estímulos, sobre o controle de contingências ambientais. Os seus

sentimentos, o seu sentir também é uma classe de comportamento, no caso sensorial, são

respostas sensoriais privadas, se tratando dos sentimentos, dos acontecimentos internos ou

privados que também estão sujeitos às contingências ambientais. Então você não sente nada

que o ambiente não tenha produzido em você, e as nossas ações sobre o universo, sobre o

mundo, sobre o ambiente são ações poderosas que nós chamamos de comportamento público,

né? Seja o falar ou o agir sobre o ambiente que atinge o ambiente de uma maneira a produzir

conseqüências. Por exemplo, o comportamento verbal, ele atinge os ouvidos dos ouvintes e

influencia o comportamento do ouvinte produzindo as conseqüências. Então o reforço de

quem fala é dado pela pessoa que ouve. E quando nós agimos no ambiente modificando esse

ambiente nós produzimos conseqüências e essas conseqüências podem fortalecer ou

enfraquecer nossas ações. Então quando nós formos utilizar procedimentos, nós vamos fazê-lo

de acordo com a compreensão das leis comportamentais. Então, por exemplo, se o

comportamento é indesejável, é inadequado e ele está produzindo reforços, chamamos isso de

um comportamento funcional, mas inadequado, indesejável. (Então nós temos) que

interromper esse comportamento interferindo nas conseqüências que o mantém, ou nas

condições ambientais antecedentes que favorecem a exibição da resposta. Então, por exemplo,

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eu não vou chamar alguém ou xingar alguém se não tem ninguém perto de mim, então esse

comportamento de ser agressivo, de xingar e etc. eu só vou fazer se tiver alguém. Então se

você começa a xingar alguém e a pessoa sai, você vai parar de xingar, e se você tem interesse

em manter relações com as pessoas, não vai ser com esse comportamento que você mantém a

relação. Então você modifica as condições ambientais iniciais, vamos chamar assim os

antecedentes ou os conseqüentes como forma de interromper os comportamentos indesejáveis.

Então as técnicas, os procedimentos eles são utilizados de acordo com a necessidade clínica, a

demanda clínica do cliente. E esses procedimentos eles poderiam ser verbais, que são

habilidades que o terapeuta desenvolve no sentido de interferir, (?), sistematicamente na

maneira de pensar e perceber as contingências em que o controle se dá. Do ponto de vista

histórico, como é que ele foi modelado. Sobre o sentir os sentimentos, à medida em que você

discute as contingências que controlam o seu sentir, você também está interferindo e você não

consegue, vamos dizer, modificar os comportamentos apenas com os procedimentos verbais

que seriam o reforçamento positivo, que seria o esclarecimento. A análise de contingências, a

análise funcional, que são instrumentos utilizados no processo verbal de intervenção. Você,

então, lança mão de procedimentos não verbais que são meios de intervir ou interferir nas

condições corporais nos estados corporais, né? Então você pode usar procedimentos de

relaxamento, dessensibilização, treino de habilidades sociais, treinamento assistido, quer

dizer, desenvolver comportamentos, modelar comportamentos que possam ser funcionais no

contexto ambiental da pessoa. Então são essas duas posições: Procedimentos verbais e não-

verbais. Depois quando que a técnica é usada? A técnica em si não é a base da terapia, a gente

se utiliza da técnica apenas como um instrumento auxiliar no processo terapêutico. O que é

um equivoco para muitas pessoas que entendem que a técnica em si é terapia, quando na

verdade a técnica é apenas um instrumento auxiliar da terapia.

P- E porque você acha que uma intervenção funciona melhor para uma pessoa do que

a outra?

Professor Isidro - Isso não vai existir a não ser por inabilidade do terapeuta. Entende-

se que um terapeuta não vai fazer indicação de um procedimento, se não houver base,

demanda, sem que haja uma compreensão das leis que regem essa demanda, ou seja, das

queixas. Agora, por exemplo, eu posso ter dois terapeutas comportamentais fazendo uma

intervenção numa queixa clínica comum. O que vai fazer um funcionar e o outro funcionar ou

um funcionar e o outro não funcionar, é a questão das habilidades, né? Desde a relação

terapêutica, que é um instrumento primordial, que sem uma boa relação terapêutica o processo

não evolui, mesmo tendo um terapeuta habilitado de aplicar os instrumentos. Então eu posso

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distinguir 3 questões fundamentais: Primeira a fundamentação teórica que o terapeuta utiliza,

quer dizer, quando ele se apóia em bases acadêmicas científicas e quando eu digo científicas

de ciência como ciência natural e não como ciência é...Posições acadêmicas não

experimentais. Então por exemplo eu vou utilizar um referencial teórico de sustentação, então

dentro da análise de comportamento nós temos uma orientação inspirada nas pesquisas e nas

evidências experimentais, isso como referência para sustentar a sessão. Segunda: uma boa

relação terapêutica, relações humanas, relações de afeto, relações de confiança com o cliente.

E a terceira é exatamente a habilidade terapêutica, que seria o repertório que o terapeuta

desenvolveu como habilidades necessárias ( na intervenção).

P- E o que é a ciência?

Professor Isidro- Eu falo da ciência, por que nós temos ciências como uma atividade

acadêmica laboratorial de pesquisas, que seriam evidências sobre leis que regem os

comportamentos e atividades científicas que são atividades apenas de classificação, descrição,

observação dos fenômenos, que tem mais uma preocupação interpretativa, descritiva-

interpretativa sem a busca das evidências, através de uma metodologia sistemática etc...

P- E o que é uma terapia eficaz?

Professor Isidro - A psicoterapia eficaz, eficiente e efetiva é aquela que oferece à

pessoa que busca ajuda os instrumentos que ele precisa para promover a sua felicidade, que

está diretamente relacionado com a sua capacidade de lidar com suas condições ambientais.

P- E o que é mais importante em um processo psicoterápico?

Professor Isidro - É exatamente você oferecer à pessoa, aquilo que ela precisa, a

habilidade de se auto observar, de se auto conhecer, discriminar adequadamente as condições

ambientais e que ela tenha novos recursos necessários em termos de comportamento para lidar

com essas funções(...) é isso aí...eu já te dei muita informação de maneira bem organizada, eu

acho que eu expliquei mais do que você precisava (risos)...A ciência como atividade humana

ela tem como finalidade exatamente de dar ao ser humano os benefícios que o conhecimento

pode trazer: melhorar suas condições, sua qualidade de vida (...). (criar) a sua durabilidade e a

sua longevidade da existência humana, com felicidade. Felicidade o que é? Felicidade não é

nada mais nada menos do que o contato com aquilo que necessitamos, que são as nossas

realizações, de acordo com nosso equipamento biológico, com as nossas possibilidades, de

forma que a ciência a psicologia como atividade científica no sentido de ciência natural. Então

com uma metodologia sistemática, com uma preocupação da estabilidade da informação a

partir de relações sistemáticas de variáveis que determinam o fenômeno.

P-Então você acha que o que pode influenciar mais uma terapia é o terapeuta?

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Professor Isidro - O terapeuta (conta) um detector dessas(?)das atividades. Por que

ser terapeuta não é ter conhecimento, mas é preciso que ele adquira habilidade para a

intervenção. È semelhante com um cirurgião, não basta ter um (curso de especialização) são

necessários vários anos de treino de habilidade em cirurgia, então para ser terapeuta tem que

passar para esse processo também de treino de habilidades.

P- Como o terapeuta sabe que ele está acertando ou errando?

Professor Isidro - Pelos resultados produzidos. Sempre com referência aos resultados

obtidos. Como ele vai checar esses resultados? Pela freqüência e pela redução dos

comportamentos descritos como queixa.

P-Então é isso...

Professor Isidro - Você não fez uma entrevista tão fácil como essa fez?

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CONVERSAÇÃO 3 (CASO M)

P- Meu trabalho está enfocando mais o lugar da técnica na psicoterapia e por isso eu

estou entrevistando profissionais de psicologia de diferentes abordagens: comportamental,

sistêmica, psicanalista...você é psicanalista?

M-A abordagem que eu sigo é uma ab

ordagem psicanalítica e tem uma orientação Lacaniana. Essa abordagem eu sigo mais

tradicionalmente no consultório, porque no hospital a prática da gente é sempre mais flexível.

Então ela vai ser sempre direcionada numa leitura psicodinâmica com base nas teorias

freudianas. Lacan destaca muito Freud, então a base da teoria é a leitura Freudiana. Só que no

hospital a gente trabalha mais no contexto com a psicoterapia de suporte ou de apoio, mas

mesmo assim em uma orientação psicanalítica.

P- E pra você, qual a importância da abordagem no exercício da sua profissão?

M-Eu acho fundamental, por conta da organização do contexto do trabalho.Toda a

diretriz... todo o desenvolver do processo. Acho que a gente, tendo esse fundamento de uma

teoria, não que a gente vai seguir de uma forma rígida, eu acho que ela dá um suporte muito

concreto na sua atuação, em uma psicoterapia. Então assim de pensar, o início do processo,

que tipo de desenvolvimento esse processo vai ter, ter uma perspectiva de como ele vai

percorrer, quais são os elementos principais, as articulações principais que no início a gente

está avaliando. É sempre assim: o início que vai sustentar o desenvolvimento que vai dar

suporte para o fechamento. É feita essa relação entre o indivíduo e o geral. Então por mais que

cada percurso terapêutico ele vai sendo único, ele tem um desenvolvimento enquanto uma

estrutura de trabalho. Então eu vejo muito essa relação da teoria no suporte a essa diretriz, no

que está acontecendo e que vai se norteando...

P- Dando sentido, né?

M- Exatamente! Ele sustenta sua prática, não é uma prática qualquer, né? A

psicoterapia não é uma conversação qualquer, por mais que a gente se baseie no diálogo, por

mais que se baseie nas relações entre paciente-terapeuta, ela é uma estrutura de trabalho e

nessa estrutura a gente tem os aportes teóricos.

P- E o que é mais importante em uma psicoterapia?

M- Como assim?

P- O que é fundamental? É o encontro? O que faz com que uma psicoterapia

funcione?

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M- Eu vou dar uma resposta muito em cima da minha prática com a psicanálise. Que

diria que é a questão do desejo mesmo. O desejo que está mobilizando a pessoa na construção

desse percurso de querer saber sobre si mesmo, sobre suas questões, e que também vai estar

sustentando a prática profissional, que é de querer implantar esse desejo. Eu vejo muito a

prática psicanalítica, porque ela me deixa muito em termos concretos de trabalho que eu

visualizo hoje na minha prática, minha prática é bem começando né? Eu me considero

começando, na psicanálise a gente está sempre começando né? Que é a implementação do

desejo, da parte do terapeuta esse desejo de instaurar um desejo né? De instaurar e sustentar,

que esse outro deseje buscar sua história. Eu vejo algumas diferenças entre aquilo que a

psicanálise propõe em termos de um processo terapêutico e aquilo que às vezes o projeto da

psicologia vinculada a psicoterapia que ela propõe.

E na psicanálise ela tem muito esse desejo de implementar esse desejo para que o

sujeito venha desejar construir sua história.

P- Qual o motivo para que uma técnica funcione melhor com algumas pessoas do que

com outras?

M- Essa questão da técnica pra mim, ela se configura de uma forma diferenciada,

porque na psicanálise a gente não se utiliza muito de um recurso técnico, né? No termo de

assim: ah! Eu vou aplicar uma dinâmica, ah! Eu vou aplicar uma atividade, né? Sempre a

gente trabalha com o eixo da associação livre. A técnica é mais no sentido da interpretação,

do manejo da transferência, então é uma técnica que se desenvolve também muito em cima

dessa questão de possibilitar essa produção do sujeito, então se a gente for pensar em um eixo

técnico para a psicanálise seria um pouco isso, né? De você promover e sustentar a produção.

Que o sujeito venha a produzir a partir do seu desejo.

Então assim, essa visão da técnica no contexto da psicanálise ela também está muito

vinculada à sua fundamentação teórica, então eu particularmente não faço muito usos

técnicos, no sentido de produzir uma dinâmica, de propor algo. Agora, assim, a minha visão

dessas propostas...por exemplo, eu estou no hospital e a gente tem a leitura de que vamos

trabalhar com um grupo de crianças de quatro anos de idade, né? Então a gente tem a noção

de que o lúdico, por ser da realidade precisa tanto afetiva como emocional da criança, a gente

usa como recurso para que a criança venha a produzir, produzir sua subjetividade, seu desejo,

como sujeito desejante ela vai produzir através do lúdico, então o que a gente faz em termos

de técnicas, né? A gente evita dirigir muito a atividade, então a gente propõe, a gente traz

vários brinquedos ou várias histórias. Eu gosto muito do desenho, no papel em branco para

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que a criança venha a construir, então eu utilizo muito esses recursos técnicos com um

objetivo, que é mais uma vez instaurar essa dimensão do desejo.

P- então para você o que é uma terapia eficiente? Você tinha falado que era aquela em

que se instaura....

M- O desejo. Essa que vai permitir que o sujeito construa seu desejo. Essa visão hoje

pra mim ela é muito concreta

P- muito clara...

M- É muito clara! Da minha experiência, que eu considero pouca, e assim, tanto no

hospital quanto no consultório. No hospital exatamente ela tem como objetivo que essa

criança, esse adolescente, essa mãe, que no caso a gente trabalha no contexto materno infantil,

que eles venham a partir de um espaço que a gente construa, poder se expressar enquanto

sujeitos ali, vivenciando aquele processo de internação. Então essas crianças estão na

enfermaria e algumas delas não podem sair do leito, algumas podem sair, então a gente

constrói o espaço tanto no próprio leito com as crianças, então a gente vai até elas e leva o

material, ou a gente pode levá-las para alguma sala, ou em um espaço no hospital que

possibilite trabalhar com elas. E a gente também faz esse mesmo trabalho, mas sempre é um

trabalho não dirigido. A gente procura conseguir um espaço para que o sujeito venha a se

expressar .

P- qual a diferença desse trabalho feito no hospital e no consultório?

M- Eu digo que o principal é temporalidade, porque em uma instituição,

principalmente no hospital, e aí entra o perfil da nossa região, a gente recebe muitas pessoas

de fora, de outros estados, pessoas que estão aqui de passagem, então a gente não tem como

estar aprofundando, então a gente vai trabalhar de uma forma muito pontual, então eu diria

que é um trabalho mais focal e tem os objetivos.

A gente tem como objetivo no hospital, em enfermaria trabalhar o processo de

hospitalização, então se saiu do hospital, a gente não tem como ter uma garantia de que a

gente vai encontrar de novo. Então é um trabalho muito mais focal, pontual.

É por isso que eu falei com você, porque aí o recurso técnico digamos no contexto de

trabalhar com criança, necessariamente vai ter que usar, brinquedos, desenhos, recursos

lúdicos, com esse objetivo de instaurar a expressão da criança.

Eu vejo muito assim, né? Que o foco da entrevista é de entender a dimensão da

técnica, né? Eu vejo a técnica como um recurso, como um instrumento mesmo para a gente

avançar naqueles objetivos propostos. Agora eu vejo ela muito interligada como objetivo. Foi

o que eu te falei a técnica ela sendo utilizada por mim ela é muito ligada para instaurar a

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questão do desejo, que é um objetivo da prática. Então elas estão inter-relacionada o

tempo todo...

P- Então acho que é isso, muito, muito obrigada pela sua participação...

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