A Publicidade entre o Exercito da Hetero e da Homossexualidade

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    A publicidade entre o exerccio da hetero e da homossexualidadeJos Lus de Carvalho Reckziegel1

    A publicidade entre o exerccio da hetero

    e da homossexualidade

    A publicidade uma manifestao cul-tural que busca, atravs de sua prtica, aformao e/ou a manuteno dos ndices deconsumo necessrios sustentao de seusclientes. Trabalha com a presena/ausncia

    dos produtos que anuncia, acenando a seuconsumidor/receptor com a sensao de seruma pessoa independente e livre em suasescolhas. Mais do que apresentar marcas eprodutos de modo informativo, a produopublicitria busca inseri-los e mant-los nasociedade de consumo. Para tanto, lana mode uma gama de representaes sociaispresentes no cotidiano do pblico a quemdirige suas peas. Seu discurso fala sobre o

    mundo e tambm categoriza produtos egrupos sociais. A publicidade mostra objetosa consumidores em potencial. Ela no osexibe simplesmente, busca provocar o dese- jo, forjar necessidades de consumo para osobjetos que anuncia. Atravs dela a produode bens se confirma e ajuda a formar pa-dres de comportamento, autorizando deter-minadas posturas e inibindo outras conformesuas intenes e necessidades. Ela executasua estratgia de seduo e de persuaso,estabelecendo atributos ao produto. Atribu-tos que pretendem se fixar no imaginrio doconsumidor, a ele dizendo que a possedaquele produto resultar na consumao dodesejo por ela estimulado.

    A publicidade projeta um conceitorepresentacional do produto a ser anunciado,estabelece um juzo ou formula um conjuntode possibilidades associativas com vistas adesencadear um posicionamento, por parte do

    consumidor/receptor, em relao ao que foicomunicado. Busca criar mecanismos quetornem sua proposta aceitvel em funo dautilizao de um discurso reconhecvel edecodificvel.

    A estrutura da pea publicitria consistena distribuio dos dados utilizados numasuperfcie pr-determinada que, em conjun-to, busca retratar o comportamento social doconsumidor/receptor, utilizando referentessobre os quais o mesmo possui algum tipode conhecimento direto ou indireto.

    [...], o artifcio consiste em nosdarmos conta de que a verdadeiraproposta do processo de comunicaoe do meio no est nas mensagens,mas nos modos de interao que oprprio meio como muitos dosaparatos que compramos e que tra-zem consigo seu manual de uso -transmite ao receptor. Sabemos queo consumidor no somente cr, mas

    com base nos modos de uso queesses aparatos so socialmente reco-nhecidos e comercialmente legitima-dos. Assim, interessante saber quea recepo um espao de interao(BARBERO, 1995: 57).

    Penso que a comunicao publicitriaextrapola os limites estabelecidos pela pea,rompe seu espao de concentrao internapara o das referncias externas. nessesentido que afirmo que a publicidade pos-sibilita o aumento do saber sobre o mundoenquanto matriz referencial em termos cul-turais. Pois, de acordo com Barbero,

    [...] muito do novo discurso da frag-mentao passa pela publicidade, essamesma publicidade da qual duranteanos nos dedicamos a fazer umacrtica ideolgica. Porm, por mais

    que nos pese, hoje vamos descobrin-do que os publicitrios so os cida-dos mais sensveis s mudanas dasociedade. Eles sabem que as frag-mentaes correm por outros circui-

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    tos e, para atingir realmente a sen-sibilidade das pessoas, devem-se prem movimento outras dimenses davida, do imaginrio, outras represen-taes do social, do cultural, do

    prestgio, do poder, da beleza, da juventude. Os valores da nossa soci-edade, de alguma forma, esto sendorefragmentados e rearticulados; nopela vontade dos publicitrios, masporque a experincia social estmudando profundamente, e l ospublicitrios fazem a sua parte, tmsua iniciativa, e seu poder, embora umpoder muito relativo e que consistemenos em manipular, e mais em saber

    observar, descobrir o que est sepassando (1995: 48).

    Como instrumento de persuaso, o ann-cio de revista um meio extremamente eficazde comunicao mercadolgica, j que seencontra tecnicamente direcionado a umconsumidor/receptor cativo e/ou potencial doproduto anunciado razoavelmente bem defi-nido: o leitor da revista.

    A publicidade lida, por isso, no somentecom o homem que existe no mundo, mastambm com aquele que pretende conformar.Esse homem, inserido num modelo de con-sumo e, consequentemente, de produo ... ao mesmo tempo o homem que a publi-cidade prev na construo das suas men-sagens sedutoras e o homem que a publi-cidade quer que exista, na medida em queele parece ser sob medida para o sistemaprodutivo contemporneo (GOMES, 1996:

    36).Seria ingnuo afirmar que a publicidadebusca inventar um novo homem que sedestaque da massa em termos de desejosespontneos e comportamentos. Ela busca,antes, apoiar-se em conceitos j aceitos poruma parcela significativa dos integrantes deum grupo social, mesmo que ainda poucoreconhecido. A publicidade no pretenderedefinir o gnero humano, ela explora ten-dncias, tornando-as visveis junto aos indi-

    vduos.As representaes contidas nas peas de

    comunicao publicitria a serem analisadasneste trabalho esto para um acontecimentodo mundo real, e seu modo de produo

    capacita-as a veicular contedos especficos,formas de representao social passveis deserem decodificadas e de gerar novos atosde comunicao.

    Na busca de estratgias que contribuam

    em termos discursivos, mesmo que seja paradesempenhar a funo de aparentar informa-o ou servir de referencial, as mensagenspublicitrias invadem o cenrio cotidiano comrelatos acerca da realidade social a partir deuma viso mercadolgica. No interior daspeas de comunicao publicitria se confir-mam ou so fomentados estilos de vida,ideologias so disseminadas, fala-se aopblico consumidor sobre a utilidade sociale a vigncia ou viabilidade de certos com-

    portamentos. Ela apresenta o mundo real e/ou ficcional, diversificando-o, e, nesse sen-tido, fragmentado. Os significados que essasmensagens assumem para os integrantes deum grupo social contribuem para formar seumundo.

    Para isso, ela tematiza o contedo infor-mativo de suas peas. Essa prtica diz res-peito exibio e manuteno de um temaconsiderado de interesse do grupo social aquem a campanha dirigida. Buscando aeficcia comunicativa e mercadolgica de taistemas, a produo no considera somente aforma de apresentao de contedos, mastambm que conhecimentos o pblico possuia respeito de tais contedos como forma deprever os efeitos das campanhas junto aopblico. Os usos e as formas praticados pelacomunicao publicitria, na sua funo deestimular desejos e aspiraes individuais esociais, contribuem para a formao de

    esteretipos de consumo, em termos de aoe comportamento sociais. a passagem darealidade para o espao imaginrio da ne-cessidade, convertida em desejo a partir deimagens atravs das quais os consumidoresso convidados a comprar uma forma de vivere no apenas um bem.

    Gnero e masculinidades

    Considerando que vrios discursos coe-

    xistem num mesmo contexto, o presenteestudo tem como objetivo apontar represen-taes de comportamentos sexuais masculi-nos presentes em peas de comunicaopublicitria grfica anncios de revista -

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    vigentes no meio social ao qual sodirecionados, e que, por isso, estariam sendovivenciados por homens na possvel constru-o de algumas formas de masculinidade jvisivelmente praticadas na contemporanei-

    dade. Para tal, foram selecionados doisanncios da revista Exame VIP que abordama temtica da prtica da masculinidade emdois momentos. O primeiro, dirigido a p-blico considerado eminentemente heterosse-xual, tem por inteno a comunicao damarca Hugo Boss, o segundo, com um apelopredominantemente homossexual busca apre-sentar ao pblico uma das colees de rou-pas masculinas da marca Zoomp.

    As prticas sexuais masculinas parecemrefletir uma construo social do sexo na quala representao simblica da masculinidadetem papel importante na definio dos com-portamentos e atitudes dos homens relacio-nados ao exerccio de sua sexualidade. Asmasculinidades ocupam um lugar na dimen-so simblica e nas relaes sociais e ins-titucionais. A masculinidade socialmenteconstruda e tambm pode ser considerada

    histrica, mutvel e relacional. Os contextoscultural e histrico podem ser caracterizadoscomo a bagagem constituda pelos conheci-mentos produzidos atravs dos tempos e suaconseqente reinterpretao pelas diversasreas do saber. Tais como a religio e acincia, bem como aqueles conhecimentos etradies originrias do senso comum, cujasprincipais caractersticas seriam a devivncias cotidianas por meio das institui-es, modelos, normas e convenessocioculturais e polticas.

    H uma diversidade de tipos de mascu-linidades, que correspondem a diferentesinseres dos homens na estrutura social,poltica, econmica, religiosa e cultural deacordo com seus percursos e estgios de vida.Trajetria que envolve o estabelecimento, aconscientizao e a efetivao das necess-rias relaes entre gnero, poder, hierarquia,respeito e reciprocidade, que perpassam os

    encontros e desencontros sexuais e as rela-es afetivas entre homens e mulheres,homens e homens e mulheres e mulheres,conformando e movimentando as prticassexuais.

    Compreendo as masculinidades como osposicionamentos assumidos pelos homens nassuas relaes de gnero. As formas comoassumem e exercitam papis nos seus coti-dianos, no apenas aqueles comportamentos

    que a sociedade espera deles em diversosmomentos e em diferentes contextossocioculturais mas, principalmente aqueles emque se revelam em termos de opo por umestilo de vida especfico independente dasconvenes institucionalizadas.

    H que esclarecer o emaranhado defatores e situaes que envolvem a constru-o de gnero. Como o universo simblicoe as conseqentes normas que restringem eat mesmo inibem a interpretao e a com-preenso dos diversos smbolos que o com-pem, os modos como as organizaes sociaislimitam as formas de atuao desses mesmossistemas simblicos e as diferentes maneirascomo podem estar sendo estruturadas as iden-tidades subjetivas dos homens no mundo dehoje.

    Os universos masculinos hetero e homos-

    sexual

    Os referenciais biolgicos tm sido paraos homens, ao longo da histria, osdefinidores de suas possibilidades afetivas.O desenvolvimento da sexualidade masculi-na acontece dentro de um clima de tensoe de restrio do prazer.

    Considerando que, conforme ElisabethBadinter (1993: 35) em geral, a masculi-nidade mais importante para os homens doque a feminilidade para as mulheres e que..., a masculinidade secundria, adquiridae frgil, ..., a demarcao das diferenasentre os sexos, estabelecendo uma relaodireta com a perda de identidade em termosde rejeio delicadeza, vem reforando oexerccio da masculinidade dita heterossexu-al ocidental. Ao opor os sexos, estabelecen-do-lhes funes e espaos diferenciados, ahumanidade androcntrica tentou afastar ofantasma da sua bissexualidade interior.

    Conforme as palavras de Bourdieu asconseqncias da dominao simblica, entreelas a de gnero e opo sexual, exercidaatravs do modo como so percebidos evivenciados os hbitos sociais.

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    ... sempre vi na dominao mascu-lina, e no modo como imposta evivenciada, o exemplo por excelnciadesta submisso paradoxal, resultantedaquilo que eu chamo de violncia

    simblica, violncia suave, insensvel,invisvel a suas prprias vtimas, quese exerce essencialmente pelas viaspuramente simblicas da comunicaoe do conhecimento, ... (1999: 7)

    Neste sentido, os homens produzem ecomunicam signos, como parceiros-advers-rios unidos por uma relao de busca da honrarepresentada pelo trofu da virilidade. Certasformas de coragem masculina estariam fun-

    damentadas no medo de perder a conside-rao do grupo, de ser alado a categoriasconsideradas degradantes, como a dos fra-cos, dos delicados, dos mulherzinhas, eporque no, a dos veados.

    Ainda de acordo com Bourdieu ... , oque chamamos de coragem muitas vezes temsuas razes em uma forma de covardia: ...baseou-se no medoviril de ser excludo domundo dos homens chamados de durosporque so duros para com o prprio sofri-mento e sobretudo para com o sofrimentodos outros... (1999: 66).

    O primeiro anncio, chamado competi-o, apresenta a temtica da agressividade.Ao representar uma cena de um provvel jogode futebol americano, Hugo Boss pretende,dentro da minha viso, dizer que seus pro-dutos so direcionados para homens viris,para aqueles que externam sua agressividadee competem com outros homens, no s em

    campo, mas na vida em geral, para aquelesque acreditam que o que importa venceracima de todas as coisas. Eles so msculospor excelncia, tm cabelos curtos (quasezero), expresses faciais tensas e s sepermitem tocar de forma bruta, competitivae agressiva. O anncio externa a forma comoos homens heterossexuais se relacionam unscom os outros. Conforme Nolasco (1993: 19)... , as amizades entre homens so comoterra de ningum. Fomos socializados para

    calar o sofrimento, o prazer ou a fantasia paraoutro homem, sob o preo de perder sua ami-zade. A exacerbao do discurso sexual, paraos homens, esconde o fardo da represso aque vem sendo submetidos na sociedade

    ocidental. Eles fazem desta represso osubstrato para a agressividade e a violncia.Violncia contra si e contra os outros, sejamhomens ou mulheres.

    Sabe-se, desde Freud (1998), que a

    amizade masculina pode estar assentada sobreo medo da referncia homossexual, pois oshomens tm grande resistncia em expressarsua passividade com outros homens. Elescomo que fogem e se vigiam mutuamenteem termos do desenvolvimento de umaintimidade chamada viril. Os homens quasesempre se vem mais em grupo do queindividualmente. Pensam assim estar afastan-do a tentao homossexual, dificultam a co-municao pessoal ntima e pensam estar

    confirmando uns aos outros sua masculini-dade.

    O exerccio da masculinidade dita hete-rossexual, parece ser frgil e por isso sempreameaada, ela simultaneamente une e colocaos homens em oposio. Os homens em geral,se enxergam como naturalmente impregna-dos de pulso sexual. O modelo da mascu-linidade heterossexual competitivo ehierarquizante, impregnado pelo espectro dafeminilidade como sinnimo de homossexu-alidade nas disputas pela virilidade. Tenta-se, na competio, feminilizar os opositoresatravs de gestos que evidenciem o convitesexual, atitudes preconceituosas e coment-rios que transformam o outro em mulhersimblica. De forma que a prpria palavrahomossexual pode ser considerada recorren-te. Ela sempre entendida enquanto desem-penho de um papel passivo, daquele que penetrado, numa relao sexual fantasiosa e

    considerada unilateral, na qual o ativo epenetrador no perde nunca a masculinidade.Os melhores modelos de identificao

    para os meninos sempre foram e continuamsendo seus pares. Os meninos so desde cedoincentivados a buscar sua auto-afirmao eidentidade sexual atravs das conquistas e doexerccio da fora fsica como uma espciede desenvolvimento e demonstrao de suavirilidade atual e futura. Essa espcie devigilncia da sexualidade na infncia e na

    adolescncia ainda uma prtica constitutivada masculinidade. ela que faz com que oshomens heterossexuais, de acordo comBourdieu ... sejam socialmente instrudos demodo a se deixarem prender, como crianas,

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    em todos os jogos que lhes so socialmentedestinados e cuja forma por excelncia aguerra. (...) os jogos a que se entrega, comoos outros homens, so jogos infantis - (...)a conivncia coletiva lhes confere a neces-

    sidade e a realidade das evidncias partilha-das (1998: 92).Os homens quase no mantm contato

    fsico recproco, para os indivduos do sexomasculino, o contato fsico, realmente umcomportamento inapropriado, o mximopermitido so tapas nas costas, quanto maisbarulho fizerem melhor, no lugar de abraoscalorosos, mos que se batem no ar quasesoltando fascas e tudo isto com o mximocuidado de afastarem-se mutuamente da

    cintura para baixo. Afinal de contas, homemno toca em homem.

    Isto se refere diretamente aos efeitos quea ordem masculina exerce sobre os corposdos homens. A masculinizao do corpomasculino uma tarefa de adestramento, queexige um esforo enorme para parecer na-tural e nunca o . Homem no rebola,caminha duro, de pernas abertas ou arque-adas, decidido. Os braos no podem mover-se com naturalidade, devem ficar afastadosdo corpo e, quando parado, precisa jogar ocorpo de modo decidido de um lado para ooutro, de preferncia batendo o p no choou, se ereto, de pernas abertas e de prefe-rncia com os braos cruzados impedindoqualquer aproximao ou, melhor ainda, comas mos nos bolsos prximas ao que os definecomo homens. atravs deste adestramentodos corpos, conforme Bourdieu (1999), quese impem as disposies que tornam os

    homens aptos a entrar nos jogos sociais maisfavorveis ao desenvolvimento da virilidade.Competir, demonstrar fora fsica, vencersempre, fazem parte deste adestramentocorporal. Percebido desta forma, o corpomasculino parece com o que deve ser o deum homem.

    E como o sexo esconde tudo aquilo queh de mais verdadeiro em cada ser humano,o homem se torna vtima de uma libidosempre presente atravs da qual seu corpo

    no questionado, mas visto como expres-so visvel de suas necessidades interioresem nvel sexual, seus genitais so autnomosna sua vontade, sempre prontos a penetrarcomo prova de seu posicionamento simbli-

    co institucionalizado, que permite a visua-lizao da conexo efetivada entre a iden-tidade masculina e a sensao de autocontrolecomo forma de dominao sobre a sua vidaemocional e sobre aqueles com quem se re-

    laciona. A sexualidade masculina heterosse-xual pode ser vista assim de acordo comAlmeida (2000: 85) como ... um sinal deuma animalidade que no conseguimos deixarpara trs.

    por isso que se pode dizer que, domesmo modo que a homossexualidade foidefinida como condio sexual especfica dealgumas pessoas, o conceito de heteros-se-xualidade tambm foi criado para denominara normalidade. Essa polarizao entresexualidade normal e anormal dominaramo pensamento ocidental por muito tempo.Cuja mxima em termos de comportamentode gnero sempre foi definido em relao sprticas sexuais ditas corretas. Ser um ho-mem normal ainda considerado por muitoscomo ser um heterossexual.

    Como hoje, a sexualidade pode ser con-siderada como algo que cada um de nspossui, e no uma condio natural, pode ser

    vista como moldvel, como um somatrioentre nosso corpo, nossa auto-identidade eas normas sociais que cada dia vo se tor-nando mais maleveis, a anatomia pode deixarde ser vista como destino e a identidadesexual tornar-se cada vez mais uma questode estilo de vida. Para a maioria dos homensa virilidade est intimamente relacionada aodesempenho sexual. Para romper a identifi-cao entre desempenho sexual e masculi-nidade preciso aprender a dissociar sexu-alidade e sentimento de virilidade. A con-firmao da masculinidade no mais obri-gatoriamente um pnis ereto.

    Sexualizando a tudo e a todos, mais cedoou mais tarde todo homem, em algummomento de sua vida, ter que se posicionardiante da homossexualidade. As atitudesadotadas pelos homens perante a homosse-xualidade averso ou adeso atestam ainquietao homossexual masculina. Dentro

    do universo masculino ela um fantasma queassusta e seduz, pois parece constituir-senuma escapada para fora dos portais damasculinidade heterossexual convencional-mente definida.

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    A histria cotidiana vivida por heteros ehomossexuais masculinos evidenciam esteprocesso atravs das vivncias clandestinascarregadas de culpa e medo. Elas atestam aexistncia e a manuteno de uma espcie

    de vu social que antes de proteger, tornaos homens cada vez mais vulnerveis porquesolitrios e prisioneiros das prprias obses-ses morais, sempre fundadas nas ditasverdades biolgicas a respeito da virilidade.

    Segundo Le Rider (1992: 17) ... pode-mos apontar que aquilo que vai contra o sexodo indivduo sofre recalcamento. ParaCorneau (1995) nem todos os homens sohomossexuais, mas devido a uma srie defatores, qualquer um pode conter em si odesejo homoertico. Os homens heterosse-xuais tm tanto medo da homossexualidadeporque no fundo desejam um corpo seme-lhante ao seu, e isto pode se transformar emdio como forma de permanecerem a salvodentro de uma heterossexualidade simplistae binria, dividida entre o consideradomasculino e feminino. Os homens projetamo exerccio da sensibilidade e da sensuali-dade masculinas sobre os homossexuais. Eles

    carregam o corao e o corpo dos homenspara os homens.

    A homofobia significa o medo da homos-sexualidade em geral, dos homossexuais eda prpria homossexualidade latente, medosexpressos atravs de aes sociais pblicase/ou veladas que excluem, discriminam,agridem fisicamente e at matam aqueleshomossexuais que externam sinais cultural-mente estereotipados reveladores da suaorientao sexual, como o comportamentodito afeminado, o travestismo e tambm aprtica militante por um reconhecimento evalorizao social.

    Vivemos hoje em meio a manifestaessociais que nem a solido ou a segregaoimpedem que invadam o nosso cotidianoeliminando a apatia em relao s experin-cias que incluem a diversidade de vivnciasdos homens enquanto definidoras da existn-cia de uma gama de masculinidades. preciso

    registrar, neste sentido, a importncia que asubjetividade alcanou na contemporanei-dade, e as formas pelas quais ela pode definirum homem como indivduo, determinandosuas formas de expresso sexual.

    No apenas a vida social, mas tambmas verdades ditas biolgicas passam a serregidas por sistemas sociais em estado dereorganizao. A sexualidade tornou-se umcomponente integral das relaes sociais,

    como resultado de mudanas j apontadas,a heterossexualidade deixou de ser o nicopadro de julgamento. Claro que ainda noatingimos o estgio em que a heterossexua-lidade pode ser vista como uma entre outraspreferncias, mas a visibilidade de taiscomportamentos um indicador de que podevir a existir a possibilidade do estabelecimen-to de uma mudana na conduta socialmasculina hetero e homossexual no sentidode uma melhor compreenso da naturezahumana e da forma como damos sentido aomundo em que vivemos, escolhendo evivenciando nossos respectivos estilos devida, neste mundo, sempre to complexo econstantemente em mutao, onde a sexu-alidade e a sensualidade masculinas vemsendo remodeladas dentro de um novo for-mato integrado ao que Giddens (1993) cha-ma de um emergente projeto reflexivo doeu.

    Um projeto que, no meu entender, en-volve as noes individuais que possumosdo que seja ser um integrante do gneromasculino.

    A conscincia de gnero deriva de umaaprendizagem social e serve para comunicara identidade pessoal incluindo a persona-lidade, os valores, as crenas e o em tornode um indivduo.

    O exerccio constante de diferenciao aque homens heterossexuais e homossexuaisse submetem na tentativa de distinguir-semasculinizando-se ou desmasculinizando--se, parece implicar num eterno recomearda atividade de construo social dos gne-ros em termos de diviso, mais especifica-mente em termos das diferentes categoriasde prticas sexuais - heterossexuais e homos-sexuais.

    Enxergo aqui aquilo que a cultura define em termos sociolgico e psicolgico - como

    as caractersticas de uma e de outra orien-tao sexual dentro de um mesmo gnero.Diante de tudo o que um homem hetero ouhomossexual precisam recalcar para seremreconhecidos como tais dentro do gnero

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    masculino. Pois, segundo Le Rider (1992: 17), se a anatomia no um destino, ela pelo menos um ponto de referncia e con-fluncia das possibilidades de reconhecimentodas mltiplas organizaes subjetivas.

    Para a maioria dos homens heterossexuais,sustentar uma indeterminao destas seria omesmo que pr em dvida sua escolha sexual.J para os homens homossexuais, tal denomi-nao poderia garantir uma certa qualificaopara alguns desejos, por outro lado, ela tam-bm o aprisionaria no campo dos esteretipossexuais dentro do gnero masculino.

    Essa dificuldade na indeterminao do queseja a representao de homem dentro dasdiversas facetas da masculinidade contempo-

    rnea tem feito com que os indivduos operemcom categorias j determinadas para nomearo envolvimento com novas experincias. Oque, conforme Bourdieu (1999: 124) ...mantm sempre uma relao de homologiacom a distino fundamental entre o mas-culino e o feminino e as alternativas secun-drias nas quais ela se expressa (dominante/dominado, acima/abaixo, ativo-penetrar/pas-sivo-ser penetrado) vem seguida da inscri-o, nos corpos, de uma srie de oposiessexuais homlogas.... O que, de certa for-ma, ainda implica uma tentativa de manu-teno de uma certa inteireza dentro dafragmentao cultural caracterstica dacontemporaneidade.

    Segundo Almeida (2000), a cultura deveser cada vez mais entendida como um campofluido e em constante (re)definio, interfaceentre aes individuais, relaes sociais eheranas tradicionais. E, neste processo, a

    aprendizagem que o homem empreende emtermos de atitudes sexuais vo informandoaos outros e ao eu da sua pertena s nuancespresentes no gnero e da sua anuncia oudiscordncia com a hegemonia. Nesse sen-tido, as peas de comunicao publicitriagrfica que guiam este artigo, tornam-se, ameu ver, representativas em termos de pro-mover a visibilidade das diferenas possveisdentro do gnero masculino.

    O segundo anncio denominado Casal

    gay representa um novo tipo de homem quese tornou visvel na maioria dos grandescentros urbanos do mundo ocidental. Ohomossexual que exterioriza sua sexualidadede modo quase masculino. Por trs de uma

    aparncia andrgina, os modelos evidenciamo que Elisabeth Badinter (1993: 164) apontacomo ... , o homossexual que se aceita epermanece parte dos esteretipos de ou-trora. Ele no se exibe nem se oculta, quer

    viver como todo mundo. Pensando que ahomossexualidade uma fonte de felicidadeigual heterossexualidade, ele acredita noamor, vive em casal e tem uma vida afetivaprofunda e regular.

    Ele fruto de uma sociedade cuja ca-racterstica fundamental a possibilidade deabertura conferida identidade. A questocolocada desta forma parece ser unicamentede natureza de identidade sexual, mas no apenas isso. Nestes tempos, a diversidadede orientaes sexuais podem coexistir comas idias de romance, mesmo que seja dentrode uma relao conflituosa do exterior parao interior.

    O amor no exclusividade daheterossexualidade. visvel em nossos dias,uma conscincia geral de que novos modelosde amor esto se desenvolvendo, o relaci-onamento gay apresentado no anncio daZoomp pode evidenciar o fato de que isto

    esteja acontecendo de forma mais explcita.Pois este homossexual sabe que no umdoente a ser tratado, e sim o homfobo. Asegurana de um homossexual ainda est nadependncia da evoluo das conscincias eatitudes da maioria heterossexual. Mesmoassim nos afirmamos em termos de esforos,militncia e exigncias. Na vontade de su-perar, desafiar a resistncia e a opresso nabusca da dignidade necessria a todo serhumano deixando de lado a passividade e asubordinao.

    Mesmo reconhecendo que a identidadesexual ainda problemtica na vida socialcontempornea, a visibilidade sexual pode sero meio para se vir a alcanar uma reorga-nizao emocional da vida social. A visibi-lidade efetivamente compreendida comoforma de ao, enquanto possibilidade depublicizao quase que radical da vida pes-soal. Neste sentido, talvez a publicidade, ou

    alguns profissionais mais sensveis ao seu emtorno, estejam colaborando para uma tomadade conscincia em relao s diversas mas-culinidades em exerccio na sociedade con-tempornea.

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