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18/02/15 12:32 A quem interessa o impeachment? - 12/02/2015 - Guilherme Boulos - Colunistas - Folha de S.Paulo Página 1 de 3 http://tools.folha.com.br/print?site=emcimadahora&url=http://www1.folha.…as/guilhermeboulos/2015/02/1588768-a-quem-interessa-o-impeachment.shtml A quem interessa o impeachment? 12/02/2015 02h00 "Golpe pela democracia". Esta pitoresca expressão foi cunhada por ninguém menos que Carlos Lacerda. Golpista nato, farejador de oportunidades, tentou derrubar em uma década quatro governos democraticamente eleitos. Derrubou dois: Getúlio em 54 e Jango dez anos mais tarde. No meio-tempo, investiu contra as posses de Juscelino e do próprio Jango em 61, sem o mesmo sucesso. O lacerdismo combinou controle patrimonialista da imprensa, avalanches de denúncias de corrupção –criando a expressão "mar de lama" contra Getúlio– e servilismo aos interesses da elite, buscando atalhos para chegar ao poder que o voto popular insistia em lhe negar. Eis que cinquenta anos depois ressurge o lacerdismo, com bico de tucano e pintado de verde e amarelo. O maior partido de oposição ao governo Dilma, o PSDB, passou a pregar abertamente o impeachment mal passado o luto pela derrota eleitoral. Lembra Hamlet: "Economia, Horácio! Servem os pastéis do enterro, mesmo frios, na mesa do noivado". Ainda estavam quentes, na verdade. Mesmo antes da derrota, o ex-presidente do partido José Aníbal já havia postado em sua conta no Twitter: "Se tomar posse, não pode governar" (https://twitter.com/jose_anibal/status/524697787116830721 ). Logo após, Aécio pediu recontagem dos votos. Em janeiro, já depois de posse, foi a vez de José Serra e Alberto Goldman, ex-governadores de São Paulo, defenderem o impeachment. Na semana passada, FHC entrou em cena e encomendou um parecer nível porta de cadeia para o jurista Ives Gandra Martins. Vale dizer: membro da Opus Dei, apoiador da ditadura militar e direitista contumaz. Seguindo a trama, após a divulgação da queda brutal de popularidade do governo Dilma, os senadores tucanos –Aécio, inclusive– passaram a falar do sentimento social em defesa do impeachment. O circo foi montado, com direito até a convocações apócrifas para uma mobilização nacional. Agora, coloquemos a bola no chão e façamos diretamente a pergunta: a quem interessa um impeachment de Dilma? Ao mercado? Com Levy na Fazenda, ajuste fiscal severo e aumento de juros, a elite financeira não tem razão alguma para apoiar manobras políticas arriscadas. Estão bem, obrigado. Ao PMDB? É verdade que a eleição de Eduardo Cunha como presidente da Câmara e o fato de Michel Temer ser o primeiro na linha sucessória alimentam especulações e despertam interesses. Mas Cunha é acima de tudo um negociante. O mais provável é que ele pratique uma extorsão sistemática do governo e inflacione o preço do apoio do

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A quem interessa o impeachment?12/02/2015 02h00

"Golpe pela democracia". Esta pitoresca expressão foi cunhada por ninguém menos queCarlos Lacerda. Golpista nato, farejador de oportunidades, tentou derrubar em umadécada quatro governos democraticamente eleitos. Derrubou dois: Getúlio em 54 eJango dez anos mais tarde. No meio-tempo, investiu contra as posses de Juscelino e dopróprio Jango em 61, sem o mesmo sucesso.

O lacerdismo combinou controle patrimonialista da imprensa, avalanches de denúnciasde corrupção –criando a expressão "mar de lama" contra Getúlio– e servilismo aosinteresses da elite, buscando atalhos para chegar ao poder que o voto popular insistiaem lhe negar.

Eis que cinquenta anos depois ressurge o lacerdismo, com bico de tucano e pintado deverde e amarelo. O maior partido de oposição ao governo Dilma, o PSDB, passou apregar abertamente o impeachment mal passado o luto pela derrota eleitoral. LembraHamlet: "Economia, Horácio! Servem os pastéis do enterro, mesmo frios, na mesa donoivado".

Ainda estavam quentes, na verdade. Mesmo antes da derrota, o ex-presidente dopartido José Aníbal já havia postado em sua conta no Twitter: "Se tomar posse, nãopode governar" (https://twitter.com/jose_anibal/status/524697787116830721). Logoapós, Aécio pediu recontagem dos votos. Em janeiro, já depois de posse, foi a vez deJosé Serra e Alberto Goldman, ex-governadores de São Paulo, defenderem oimpeachment.

Na semana passada, FHC entrou em cena e encomendou um parecer nível porta decadeia para o jurista Ives Gandra Martins. Vale dizer: membro da Opus Dei, apoiador daditadura militar e direitista contumaz. Seguindo a trama, após a divulgação da quedabrutal de popularidade do governo Dilma, os senadores tucanos –Aécio, inclusive–passaram a falar do sentimento social em defesa do impeachment.

O circo foi montado, com direito até a convocações apócrifas para uma mobilizaçãonacional. Agora, coloquemos a bola no chão e façamos diretamente a pergunta: a queminteressa um impeachment de Dilma?

Ao mercado? Com Levy na Fazenda, ajuste fiscal severo e aumento de juros, a elitefinanceira não tem razão alguma para apoiar manobras políticas arriscadas. Estão bem,obrigado.

Ao PMDB? É verdade que a eleição de Eduardo Cunha como presidente da Câmara e ofato de Michel Temer ser o primeiro na linha sucessória alimentam especulações edespertam interesses. Mas Cunha é acima de tudo um negociante. O mais provável éque ele pratique uma extorsão sistemática do governo e inflacione o preço do apoio do

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PMDB, estabelecendo de quebra vetos a pautas mais progressistas. Interessa mais aele ter a abertura de um processo de impeachment como trunfo permanente dechantagem do que utilizá-lo de fato.

E tem mais. A denúncia do procurador-geral contra os políticos envolvidos na Lava aJato deve sair nos próximos dias. Se ela tiver um mínimo de seriedade –se não tiversido elaborada nos porões do lacerdismo– não deixará pedra sobre pedra. Terá gente doPT, do PMDB, do PSDB e de quase todos os partidos do Congresso, sem esquecer dopróprio presidente da Câmara, que já foi citado em vazamentos e guarda ligação notóriacom grandes empreiteiras.

A faca do impeachment ou da cassação estará no pescoço de muitos, inclusive doslacerdistas do PSDB. Será difícil encontrar quem esteja disposto a atirar a primeirapedra. Poderá ter efeito bumerangue.

No entanto, certamente haverá agitação social. Setores da mídia continuarão apostandono emparedamento do governo, fortalecendo um clima pró-impeachment. Parte maisintrépida da elite financeira deve jogar fichas numa rendição total de Dilma no tema daPetrobras, com a revisão do modelo de partilha do pré-sal e avanço na privatização. Eas camadas médias urbanas, que vestiram a camisa do antipetismo, farão sua partecom marchas de rua udenistas.

Neste cenário, quem defenderá Dilma de um desgaste irreversível? Os trabalhadores?Muito difícil. Com ataque a direitos, corte de investimentos sociais e tarifaço, o governonão deve esperar grande respaldo das ruas. A queda da popularidade revela isso demodo inequívoco.

Seria um erro pensar que a queda está associada às denúncias de corrupção, queforam uma constante durante os últimos anos. Nas eleições foram amplificadas aosquatro ventos e mesmo assim Dilma ganhou. A perda de apoio revela principalmente umsentimento popular de traição. O povo votou em mais direitos e levou ajuste fiscal.

É evidente que os movimentos populares não aceitarão golpismo. O PSDB não temautoridade moral para falar de impeachment e sequer para acusar estelionato eleitoral.Mas também ninguém está disposto a dar um novo cheque a Dilma. O cheque dado naseleições foi descontado na conta dos trabalhadores.

Se Dilma quer ter condições de apelar às ruas em defesa de seu governo precisa antestornar seu governo defensável. Os movimentos enfrentarão o golpismo, mas com amesma energia que enfrentarão as medidas impopulares do governo.

Endereço da página:

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/guilhermeboulos/2015/02/1588768-a-quem-interessa-o-impeachment.shtml

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