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A questão da longevidade saudável após processos de reestruturação: o caso RFFSA/ALL Luiz Eduardo Gonçalves Tiecher Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ Instituto COPPEAD de Administração Mestrado em Administração ORIENTADORA: DENISE FLECK, Ph.D. Rio de Janeiro – Brasil 2009

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A questão da longevidade saudável após processos

de reestruturação: o caso RFFSA/ALL

Luiz Eduardo Gonçalves Tiecher

Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

Instituto COPPEAD de Administração

Mestrado em Administração

ORIENTADORA: DENISE FLECK, Ph.D.

Rio de Janeiro – Brasil

2009

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A questão da longevidade saudável após processos

de reestruturação: o caso RFFSA/ALL

Luiz Eduardo Gonçalves Tiecher

Dissertação submetida ao corpo docente do Instituto COPPEAD de

Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos

requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Ciências (M.Sc.).

Aprovada por:

___________________________________________ - Orientadora

Profª. Denise Lima Fleck, Ph.D. (COPPEAD, UFRJ)

___________________________________________

Profª. Ursula Wetzel, D.Sc. (COPPEAD, UFRJ)

___________________________________________

Prof. Adriano Proença, D.Sc. (DEI/UFRJ)

Rio de Janeiro – Brasil

2009

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FICHA CATALOGRÁFICA

Tiecher, Luiz Eduardo Gonçalves.

A questão da longevidade saudável após processos de reestruturação: o caso

RFFSA/ALL / Luiz Eduardo Gonçalves Tiecher. Rio de Janeiro, 2009.

xvi, 315 f.: il

Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio de

Janeiro – UFRJ, Instituto COPPEAD de Administração, 2009.

Orientadora: Denise Lima Fleck

1. Processos de reestruturação. 2. Longevidade saudável da firma. 3. Indústria

logística e ferroviária. – Tese. I. Fleck, Denise Lima (Orientadora). II.

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto COPPEAD de Administração.

III. Título.

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AGRADECIMENTOS

É difícil resumir, em alguns parágrafos, o papel que algumas pessoas

tiveram em uma trajetória que para mim foi tão árdua e realizadora. O mestrado e a

sua evidência maior de conclusão, essa dissertação, são projetos planejados alguns

meses antes de iniciarem e que não teriam chegado ao fim sem o apoio das

seguintes pessoas.

Ao meu pai que desde o começo sabia da importância do projeto para mim e

como isso seria custoso. Nunca deixou sentir-me desamparado ou mesmo

incomodado de que eu não poderia absorver ao máximo o que essa experiência

teria a me oferecer. E nos momentos mais difíceis, quando todos achavam que era o

“fim do jogo”, ele era o primeiro a agir como se nada tivesse acontecido, a fazer-me

acreditar que era apenas o fim do primeiro tempo e que ainda tinha muito jogo pela

frente. Como sempre fez na minha vida.

À minha mãe, que serviu como maior exemplo de inspiração e superação,

tendo concluído seu curso de mestrado alguns meses antes em condições muito

mais adversas que as minhas. Mais que isso, conseguiu ser um orgulho para sua

orientadora e para toda a família.

À minha namorada, Fabrícia, incentivadora maior de tudo que faço em

qualquer dimensão: profissional, acadêmica e pessoal. Seu amor incondicional, sua

compreensão e envolvimento despertaram sentimentos que até então não tinha tido

a oportunidade de sentir: companheirismo e completude. Penso que foi o incentivo

dela e a visão apurada sobre como o curso se inseria nos meus projetos que fez

com que eu tomasse a decisão final de entrar nessa escola.

Ao Seu Nélio, Dona Elma, que sempre me acolheram e compartilharam

tristezas e felicidades que tive nesses anos juntos com a Fá como se já fosse parte

de todos. Ainda nesse ramo da família, à Fernanda e ao Bruno por abrir o coração

dessa linda família e insistir em ensinar o quanto antes as duas flores mais lindas do

mundo, Gabriela e Giovana, a falarem tio Duda.

A minha estimada orientadora. Sua presença durante todo curso foi motivo

de inspiração por ter sempre a atitude mais correta e justa possível, sempre

mantendo como direcionamento o trabalho árduo, as metas ambiciosas e vivo o

desejo de fazer um trabalho do qual se orgulhar.

Ao Marcelo Soares, turma 2006, que fez por mim muito mais do que até um

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grande amigo faria. Abriu todas as portas, possíveis e impossíveis, na ALL, me

ofereceu sua casa em minhas visitas à Curitiba e sempre fez isso com um enorme

sorriso no rosto.

A todos os entrevistados por disponibilizarem seu tempo e compartilharem

suas experiências, as quais serviram como base de grande parte das informações

necessárias para esse trabalho. Principalmente à Melissa Werneck e Luiz Henrique

Hungria pelo envolvimento que demonstraram com a empresa e importância que

perceberam na minha pesquisa.

Aos meus parceiros de pesquisa, Paula Fava, Luiz Gustavo, Renato e

Gustavo, por suas valiosas contribuições ao longo de todo processo. Eles

compartilhavam seus conhecimentos e se interessavam pelo meu trabalho quando já

não tinham tempo nem mesmo para suas próprias dissertações. Também aos

orientandos da área da turma 2005 e 2006 que fizeram o mesmo por nós todos.

Aos meus colegas de classe por todas as prazerosas experiências que me

proporcionaram, fosse no Mangue, nas salinhas, nos churrascos, no Plebeu, nos

trabalhos em grupo em suas casas. Em especial lembrar do suco de limão pela

manhã do Gustavo e da Fernanda, do bolo de cenoura com chocolate do final da

tarde com a Natalie, e das cervejas à noite com Edson e Cesar Martins, além das

discussões sobre consultoria com o Rafael Stille e Marchesini e sobre como mudar o

nosso país com o Ricardo.

Aos funcionários do Coppead por todo apoio e gentileza acima de qualquer

expectativa durante o curso, principalmente a Cida, Simone, Lucianita e Fátima. O

Coppead faz jus ao seu nome em grande parte por causa da dedicação dessas

pessoas. Também relembro da Adriana, Raquel e Martinha que, apesar de não

serem funcionárias Coppead, fazem parte do dia-a-dia e não deixaram que eu, ou

qualquer outro aluno, se descuidasse com a alimentação.

Aos professores Celso Lemme e Sérgio Abranches por também se tornarem

exemplos de grandes intelectuais comprometidos com o ensino e desenvolvimento

de novos gestores no país mais conscientes do seu papel e da sua responsabilidade

na sociedade e no ambiente.

Aos meus irmãos por escolha, Leo, Henrique e Fabinho que corriam atrás da

minha presença mesmo quando eu mal tinha tempo para mim mesmo. As jogatinas

menos freqüentes durante o curso se tornaram também muito mais valiosas.

Ao grande Sassa que me conhece como ninguém e foi muito importante

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para manter vivo meus valores e crenças. Tais aspectos foram necessários para

conseguir concluir o curso e a dissertação plenamente satisfeito com a realização

dos meus objetivos e com a sensação de dever cumprido.

A todas as outras pessoas que de alguma forma contribuíram para que

concluísse esse projeto de vida. Muito obrigado, espero não decepcioná-los e

entregar à sociedade aquilo que me foi confiado.

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RESUMO

Tiecher, Luiz Eduardo Gonçalves. A longevidade saudável após processo de reestruturação: o caso RFFSA/ALL, Orientadora: Denise Lima Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2009. Dissertação (Mestrado em Administração)

As décadas de 80 e 90 foram marcadas por grandes mudanças no papel do

Estado na economia dos países. As políticas neo-liberais do período incentivaram a

redução da participação dos governos em empresas públicas e o aumento da

competição em diversos setores, dando origem a uma grande onda de aquisições de

empresas por todo o mundo. Nesse contexto bancos de investimentos ampliaram

suas receitas, financiando e prestando serviços de consultoria. Porém, ao mesmo

tempo em que existiram casos de sucesso de empresas adquiridas, também

existiram muitos fracassos.

A América Latina Logística é um caso de aquisição por banco de

investimento surge do processo de privatização do sistema ferroviário brasileiro no

ano de 1997. Nos anos anteriores à compra, a Rede Ferroviária Federal era

deficitária e as condições operacionais ruins. Comprada por um grupo de

investidores liderados pelo banco GP Investimentos, em pouco mais de 10 anos

tornou-se um dos principais operadores logísticos da América do Sul.

Esta pesquisa buscou entender de que maneira a ALL e seus novos donos

fizeram essa transição, bem como as possíveis implicações para a longevidade

saudável da organização. O estudo utilizou como principal referencial teórico os

arquétipos de sucesso e fracasso organizacional (Fleck, 2006) e adotou como

método o estudo de caso e a abordagem histórica.

As evidências sugerem que a organização percorreu sua trajetória em três

fases após a privatização: a primeira focada na gestão das folgas organizacionais; a

segunda investindo na diversificação e sistematização; e a terceira na manutenção

das características das fases anteriores. Identificou-se que essas escolhas

trouxeram conseqüências positivas para o crescimento, desenvolvendo traços

empreendedores consistentes e capacidade de aprendizado, mas que a capacidade

de inovação e de aprovisionamento de recursos humanos não evoluíram da mesma

forma. O modo de respostas não se adaptou ao novo contexto, quando já havia mais

recursos disponíveis. O referencial teórico sugere que novos padrões de resposta

sejam adotados para lidar com os novos desafios do crescimento.

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ABSTRACT

Tiecher, Luiz Eduardo Gonçalves. Healthy longevity after turn around process: the RFFSA/ALL case, Supervisor: Denise Lima Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2009. Thesis (Master in Business Administration)

The 80's and 90's were marked by great changes in the role of governments

in the economy of the countries. The neo-liberal policies of the period encouraged

the reduction of government participation in public companies and increased

competition in several sectors, resulting in a great wave of takeovers around the

world. In this context investment banks have increased their revenues, providing

financing and advisory services. There were several cases of success, but also a lot

of failure from these acquisitions.

América Latina Logística arises from the privatization process of Brazilian rail

system during 1997. In the years before the auctioning, Rede Ferroviária Federal had

losses for several years and was in bad operational conditions. Bought by a group of

investors lead by GP Investments banking, in 10 years it became one of the main

logistic operators of South America.

This research tried to understand in which way ALL and its new owners

made this transition, and also possible implications to the healthy longevity of the

firm. The study used as theoretical framework the archetypes of organizational

success and failure (Fleck, 2006) and adopted case study and historical analyses

methods.

Evidences suggest that the organization went through this trajectory in three

phases after privatization: the first one, focusing on improvement of organizational

slack management; the second, investing on diversification and systemization; and

third, protecting the same characteristics of previous phases. It was identified that

these choices brought positive consequences to the maintenance of growth,

developing consistent entrepreneurs traits and learning capability, but innovation and

human resources provisioning didn’t evolve in the same way. The response mode

which made it survive remained, even when there were more resources available.

The theoretical framework along with the different context in which it is nowadays,

suggest the adoption of response patterns different from the actual ones.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas.

ACT – Automação do Controle do Tráfego.

ADR – American Depositary Receipt. Em português, Documento de depósito

americano.

AENFER – Associação de Engenheiros Ferroviários.

AmBev – American Beverage Company. Em português, Companhia Americana de

Bebidas.

ANTF – Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários.

ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres.

ANUT - Associação Nacional dos Usuários de Transporte de Carga.

ATC – Automatic Train Control. Em português, controle automático de trens.

ALL – América Latina Logística.

BACEN – Banco Central do Brasil.

BAH – Booz Allen Hamilton.

BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento.

BF – Brasil Ferrovias.

BNDE – Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico, posterior BNDES.

BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social.

BM&F – Bolsa de Mercadorias e Valores Futuros.

BOVESPA – Bolsa de Valores do Estado de São Paulo.

CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica.

CCP – Controle de Circulação de Pátios.

CEL – Centro de Estudos em Logística.

CFN – Companhia Ferroviária do Nordeste.

CLM – Council of Logistics Management. Em português, Conselho de Gestão em

Logística.

CNT – Confederação Nacional do Transporte.

COPPEAD – Instituto COPPEAD de Administração da UFRJ.

CSN – Companhia Siderúrgica Nacional.

CTC – Centralized traffic control. Em português, controle de tráfego centralizado.

CVM – Comissão de Valores Mobiliários.

CVRD – Companhia Vale do Rio Doce.

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DNIT – Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes.

DOT – Departament of Transportation (of United States of America). Em português,

Departamento de Transportes (dos Estados Unidos da América).

EBITDA – Earnings Before Interesting, Tax, Depreciation and Amortization. Em

português, Lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização.

EUA – Estados Unidos da América.

EVA – Economic Value Added. Em português, valor econômico adicionado.

FCA – Ferrovia Centro Atlântico.

Finame – Programa de Financiamento de Máquinas e Equipamentos.

FSA – Ferrovia Sul Atlântico.

FGV – Fundação Getúlio Vargas.

FEPASA – Ferrovias Paulistas Sociedade Anônima.

Ferroban – Ferrovias Bandeirantes.

Fipe – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas.

GP – Garantia Partners. Em português, Sociedade Garantia.

GPS – Global Positioning System.

GE – General Eletric.

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

ICC – Interstate Comerce Comission. Em português, Comissão de Comércio

Interestadual.

ILOS – Instituto de Logística.

IPEA – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas.

IPO – initial public offering. Em português, oferta pública inicial [de ações].

LBO – Leverage Buy-out. Em português, compra alavancada [de ações].

LTL – Less Than Truckload. Em português, menos do que a carga de um caminhão.

MBA – Master in Business Administration.

MBR – Minerações Brasileiras Reunidas.

OBC – On Board Computer. Em português, computador de bordo.

OCDE – Organization for Economy Co-Operation and Development. Em português,

Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

PCP – Planejamento e Controle da Produção.

PDV – Programa de Demissões Voluntárias.

PIB – Produto Interno Bruto.

PN – Passagem de nível.

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PND – Programa Nacional de Desestatização.

PUC – Pontifícia Universidade Católica.

RFFSA – Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima.

RIA – Relatório de Informações Anuais.

RTF – Regulamento dos Transportes Ferroviários.

SEST – Secretaria Especial de Controle das Estatais.

SIGO – Sistema de Informações Gerenciais para Operação.

SIMEFRE – Sindicato Interestadual da Indústria de Materiais e Equipamentos

Ferroviários e Rodoviários.

SOL – Sistema de Operações Logísticas.

Terlogs – Terminais Logísticos.

TL – truckload. Carga de caminhão.

TKU – Tonelada por quilômetro útil.

UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro.

UniALL – Universidade Corporativa da ALL.

UP – Unidade de produção.

WH – Westinghouse.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 2-1: Antecedentes da Desinstitucionalização. ............................................... 45

Tabela 2-2: Arquétipos, desafios e respostas. .......................................................... 50

Tabela 2-3: Possíveis classificações quanto ao tipo de folga.................................... 65

Tabela 3-1: Tipos de Perguntas Utilizados na Pesquisa. .......................................... 70

Tabela 5-1: Evolução do controle acionário do GP Investimentos na ALL. ............. 127

Tabela 6-1: Lista de Dimensões para Análise. ........................................................ 228

Tabela 6-2: Fases da evolução da indústria logística. ............................................. 270

Tabela 6-3: Ofertas de valores mobiliários da ALL registradas na Bovespa. .......... 274

Tabela 6-4: Características do Grupo GP. .............................................................. 303

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LISTA DE FIGURAS

Figura 2-1: Trajetória da GE: crescimento, estagnação e turnaround. ...................... 29

Figura 2-2: Exemplo de trajetória e fases do turnaround. ......................................... 41

Figura 2-3: Desenvolvimento do caráter organizacional. .......................................... 44

Figura 2-4: Modelo de Requisitos de Propensão à Longevidade .............................. 47

Figura 2-5: Mecanismo de auto-reforço do crescimento contínuo. ............................ 51

Figura 2-6: Motor de co-evolução aplicado à firma. .................................................. 52

Figura 4-1: Evolução da indústria de transporte nos Estados Unidos e no Brasil. .... 86

Figura 4-2: Densidade da malha ferroviária Brasil e Estados Unidos. ...................... 87

Figura 4-3: Mapa ferroviário brasileiro. ...................................................................... 95

Figura 4-4: Tamanho da frota e produção anual de vagões. ..................................... 95

Figura 4-5: Histórico de operações de aquisição de empresas. .............................. 117

Figura 5-1: Evolução das receitas com mercadorias da RFFSA/PIB. ..................... 121

Figura 5-2: Evolução da produção da RFFSA comparada ao PIB. ......................... 122

Figura 5-3: Evolução do lucro líquido/PIB da RFFSA. ............................................. 123

Figura 5-4: Evolução da dívida pública total/PIB. .................................................... 123

Figura 5-5: Evolução do Lucro/PIB das principais concessionárias ferroviárias...... 124

Figura 5-6: Evolução da Receita/PIB das principais concessionárias ferroviárias. . 125

Figura 5-7: Evolução da produção comparada ao PIB. ........................................... 125

Figura 5-8: Posição de cada fase no continuum dos arquétipos. ............................ 126

Figura 5-9: Evolução dos traços por fases. ............................................................. 128

Figura 5-10: Análise da Fase Final (1980 a 1996) da RFFSA. ................................ 132

Figura 5-11: Análise da Fase de Reestruturação (1997 a 1999) da FSA. ............... 143

Figura 5-12: Análise da Fase de Organização (2000 a 2004) da ALL. .................... 150

Figura 5-13: Evolução do perfil etário dos funcionários da ALL. ............................. 155

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Figura 5-14: Produção por empregado por unidade de negócio. ............................ 168

Figura 5-15: Análise da Fase de Crescimento (2004 a 2008) da ALL. .................... 170

Figura 5-16: Principais movimentos de expansão. .................................................. 170

Figura 5-17: Evolução da Receita/PIB por Unidade de Negócio. ............................ 172

Figura 5-18: Evolução da Dívida Líquida sobre EBITDA ......................................... 178

Figura 5-19: Participação das principais contas do DRE. ....................................... 194

Figura 5-20: Evolução do valor da remuneração variável. ...................................... 200

Figura 6-1: Evolução da Receita/PIB e do PIB. ....................................................... 207

Figura 6-2: Posição competitiva dos modais. .......................................................... 255

Figura 6-3: Estrutura Societária do Grupo América Latina Logística. ...................... 273

Figura 6-4: Volume de operações no mercado financeiro. ...................................... 274

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SUMÁRIO

1 Introdução .................................................................................................... 19

1.1 Contexto ....................................................................................................... 19

1.2 Objetivo ........................................................................................................ 22

1.3 Organização ................................................................................................. 24

2 Revisão Bibliográfica .................................................................................... 26

2.1 Trajetórias Organizacionais .......................................................................... 28

2.1.1 Crescimento ................................................................................................. 29

2.1.2 Declínio ........................................................................................................ 32

2.1.3 Estagnação .................................................................................................. 34

2.2 Mudança Organizacional .............................................................................. 36

2.2.1 Reestruturação ............................................................................................. 37

2.2.2 Formação e Transformação do Caráter ....................................................... 41

2.3 Arquétipos de Sucesso e Fracasso Organizacional ..................................... 45

2.3.1 Processos .................................................................................................... 49

2.3.1.1 Crescimento e renovação ......................................................................... 49

2.3.1.2 Manutenção da integridade ....................................................................... 52

2.3.2 Desafios ou traços........................................................................................ 53

2.3.2.1 Empreendedorismo ................................................................................... 53

2.3.2.2 Navegação no Ambiente ........................................................................... 56

2.3.2.3 Gestão da Diversidade.............................................................................. 58

2.3.2.4 Aprovisionamento de Recursos Humanos ................................................ 60

2.3.2.5 Gestão da Complexidade .......................................................................... 62

2.3.2.6 A Questão da Folga Organizacional ......................................................... 63

3 Método ......................................................................................................... 67

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3.1 Definição do tema, da pergunta e do objeto de pesquisa ............................ 67

3.2 Estratégia de Pesquisa ................................................................................ 70

3.3 Organização da Pesquisa ............................................................................ 71

3.4 Delimitação da Unidade de Análise.............................................................. 72

3.5 Coleta de dados ........................................................................................... 73

3.5.1 Entrevistas ................................................................................................... 73

3.5.2 Análise de arquivos ...................................................................................... 74

3.5.3 Indicadores ................................................................................................... 76

3.6 Registro dos dados ...................................................................................... 78

3.7 Análise dos dados ........................................................................................ 79

4 Histórico ....................................................................................................... 81

4.1 Antecedentes da indústria de transportes de cargas ................................... 81

4.2 O contexto da formação da ALL ................................................................... 86

4.2.1 Antes da privatização da RFFSA ................................................................. 86

4.2.2 A privatização ............................................................................................... 88

4.2.3 Depois da privatização ................................................................................. 92

4.2.4 A reestruturação do setor ............................................................................. 93

4.3 Histórico da América Latina Logística .......................................................... 96

4.3.1 Diagnóstico da Malha Sul ............................................................................. 96

4.3.2 Buscando o reequilíbrio operacional e financeiro ......................................... 98

4.3.3 As sementes da nova cultura ..................................................................... 103

4.3.4 Empresa nos rumos e crescendo: preparando o terreno para sair ............ 109

4.3.5 Caminhando com as próprias pernas......................................................... 113

5 Análise ....................................................................................................... 120

5.1 Síntese da Reestruturação ......................................................................... 121

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5.1.1 Posição no continuum ................................................................................ 126

5.1.2 Evolução dos traços ................................................................................... 128

5.2 Descrição dos Arquétipos .......................................................................... 131

5.2.1 Fase 1 – Pré-compra (1980 – 1996) .......................................................... 131

5.2.1.1 Navegação no Ambiente ......................................................................... 132

5.2.1.2 Gestão da Diversidade............................................................................ 134

5.2.1.3 Aprovisionamento de Recursos Humanos .............................................. 136

5.2.1.4 Gestão da Complexidade ........................................................................ 138

5.2.1.5 Gestão da Folga Organizacional ............................................................. 139

5.2.1.6 Empreendedorismo ................................................................................. 141

5.2.2 Fase 2 – Reestruturação (1997 – 1999) ..................................................... 142

5.2.2.1 Gestão da Folga Organizacional ............................................................. 143

5.2.2.2 Aprovisionamento de Recursos Humanos .............................................. 145

5.2.2.3 Gestão da Diversidade............................................................................ 146

5.2.2.4 Gestão da Complexidade ........................................................................ 147

5.2.2.5 Navegação no Ambiente ......................................................................... 147

5.2.2.6 Empreendedorismo ................................................................................. 148

5.2.3 Fase 3 – Crescimento (2000 – 2004) ......................................................... 149

5.2.3.1 Gestão da Complexidade ........................................................................ 150

5.2.3.2 Aprovisionamento de Recursos Humanos .............................................. 153

5.2.3.3 Gestão da Diversidade............................................................................ 156

5.2.3.4 Empreendedorismo ................................................................................. 160

5.2.3.5 Navegação no Ambiente ......................................................................... 165

5.2.3.6 Gestão da Folga Organizacional ............................................................. 167

5.2.4 Fase 4 – Pós-venda (2004 – 2008) ............................................................ 169

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5.2.4.1 Empreendedorismo ................................................................................. 170

5.2.4.2 Navegação no Ambiente ......................................................................... 179

5.2.4.3 Aprovisionamento de Recursos Humanos .............................................. 187

5.2.4.4 Gestão da Diversidade............................................................................ 193

5.2.4.5 Gestão da Complexidade ........................................................................ 198

5.2.4.6 Gestão da Folga Organizacional ............................................................. 202

6 Considerações Finais ................................................................................. 206

6.1 Sugestões para pesquisas futuras ............................................................. 212

Bibliografia............................................................................................................... 215

Anexo I – Respostas estratégicas a pressões institucionais ................................... 225

Anexo II – Lista de Dimensões de Análise .............................................................. 228

Anexo III – Adaptações ao Sistema de Registro de Dados ..................................... 233

Anexo IV – Os modos de transporte de cargas e suas características ................... 235

Anexo V – Antecedentes e evolução do transporte de cargas ................................ 237

Anexo VI – Trechos de uma apresentação de Recrutamento ................................. 271

Anexo VII – Estrutura societária da ALL S.A. .......................................................... 273

ANexo VIII – Dados sobre o Mercado Financeiro Brasileiro ................................... 274

Anexo IX – Histórico do Grupo GP Investimentos ................................................... 275

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1 INTRODUÇÃO

1.1 CONTEXTO

Entre 2007 e 2009 a economia global foi afetada por uma das maiores crises

econômicas desde a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929. Os especialistas

atribuem a causa raiz do problema à bolha imobiliária americana, mas o sistema

financeiro e a falta de regulamentação daquele país foram os responsáveis em

transformar a bolha em uma crise (International Monetary Fund, 2009). Uma parte

não regulada do sistema financeiro americano tinha uma fortíssima relação com a

economia real e, ao comporem suas carteiras de investimento com títulos

imobiliários sem uma avaliação correta dos riscos envolvidos, a transmissão da crise

financeira para a economia foi natural.

A crise foi realmente sentida quando alguns símbolos da força desse

sistema financeiro foram abalados: todos os principais bancos de investimento

americanos estavam falidos em um curto espaço de tempo com a depreciação

brusca de suas carteiras e o seu alto nível de alavancagem financeira. Destes

bancos, Lehman Brothers foi o primeiro a cair, abrindo processo de falência, e outros

como Merrill Lynch passaram por processos de troca de controladores, emitindo

novas ações para poderem sair da condição de insolvência.

O governo americano, também como uma resposta às possíveis

conseqüências da crise, moldou a consolidação do sistema orientando os bancos de

investimento a serem incorporados por bancos comerciais, com ativos em caixa

disponíveis para aumentar a solvência das empresas e adquiriu grande parcela das

ações emitidas. Uma das preocupações era que tais bancos, com participação em

diversas empresas da economia real, contagiassem as empresas ainda saudáveis.

Nos últimos 30 a 40 anos, fundos de investimento tiveram um papel

relevante na história econômica americana, ainda que eles existam há mais de cem

anos. Além de ter se mostrado um negócio altamente lucrativo, alguns

(www.PrivateEquityCouncil.org) argumentam que tais fundos, em especial os

chamados private equity, são responsáveis pela recuperação de empresas da “velha

economia” com baixo desempenho e pelo desenvolvimento de novos negócios que

empurram a inovação tecnológica do país, mais conhecidos como venture

capitalists. Outros relembram que essas firmas foram responsáveis pela falência de

negócios promissores com os excessos cometidos, principalmente na década de 80.

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Nessa época, os fundos de investimentos apostavam na composição de um

conjunto de negócios estáveis e geradores de caixa. Eles financiavam a compra com

empréstimos, faziam ofertas hostis para os acionistas de empresas com

desempenho inferior do ponto de vista do mercado financeiro e vendiam as partes

que não eram interessantes, aquelas que exigiam investimentos. Por sua vez

saldavam a dívida dos empréstimos e ficavam somente com a parte que gerava

caixa, este utilizado para realizar novas e maiores aquisições.

Grande parte dos casos resultou em desinvestimentos em um curto espaço

de tempo com perdas relevantes para os acionistas e o fracasso de negócios até

então lucrativos. Além disso, muitos gestores adotaram estratégias perigosas para

se proteger das aquisições hostis, como a elevação do seu grau de endividamento

sem necessidade, justamente para aumentar o custo de uma possível aquisição.

A partir de 2000, private equities se diferenciam dos fundos de investimento

alegando que seus prazos de maturação de investimento são mais longos, por

possuírem ativos reais e porque o lucro estaria na venda de um negócio renovado

como um todo e não na venda de suas partes. Portanto, é necessário que suas

empresas sejam promissoras para que os compradores tenham interesse no ativo

(www.PrivateEquityCouncil.org). Outro argumento atual é a maior participação e

envolvimento na gestão da empresa adquirida.

No Brasil existem algumas empresas do gênero. A grande maioria dos

bancos de investimento foca suas atividades na compra e venda dos mais variados

ativos, obtendo lucro com as flutuações de preço na bolsa de valores brasileira, e no

financiamento de grandes operações. Os private equity no Brasil, em geral, estão

vinculados a outras grandes empresas, principalmente bancos. Uma das exceções é

o chamado GP Investimentos cujo principal negócio é gestão de fundos para compra

e venda de controle de empresas. Foi fundada por sócios do extinto Banco Garantia,

um banco de investimento vendido ao Credit Suisse, grupo financeiro suíço.

Desde meados da década 1980, Lemann1, um dos fundadores do GP, vem

liderando operações de aquisições notórias no mercado. Dentre elas se destacam: a

Ambev, detentora de uma parcela altíssima do mercado de bebidas, em especial

cervejas; e Lojas Americanas, grande varejista também em canal eletrônico.

1 Vale ressaltar que não há relação entre o previamente citado Lehman Brothers.

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Outro caso de destaque é a América Latina Logística, uma empresa de

transporte de cargas ferroviário com outras operações relacionadas na indústria2

logística e atuação nos países do Cone Sul. Durante o processo de privatização das

ferrovias brasileiras, o grupo GP, juntamente com outros investidores, deu o maior

lance pela Malha Sul da RFFSA, conjunto de estradas de ferro na Região Sul. Eles

assumiram a gestão, implantaram diversos métodos de administração, venderam

parte de seu capital em processos de ofertas públicas de ações e trocaram outra

parcela com fundos de pensão para adquirir outra ferrovia.

Nesse período diversos indicadores financeiros das organizações adquiridas

seguiram uma linha de crescimento e as operações se expandiram para outros

países, regiões e negócios, principalmente através de aquisições. Além da

semelhança no processo de expansão, se atribui grande parte do sucesso das

operações3 aos métodos de gestão implantados. Contudo, tais métodos são também

razão de questionamentos, principalmente devido à natureza altamente competitiva

das práticas transmitidas do banco para outras operações. Além disso, no portfólio

de empresas adquiridas também existem negócios que não evoluíram da mesma

maneira, ou mesmo declinaram, como a participação na Artex, fabricante de tecidos.

Tanto nos EUA quanto no Brasil, existem casos de aquisição por fundos de

private equity com evolução positiva de vários indicadores, como receita e lucro,

tanto para os bancos, quanto para as empresas adquiridas. Mas também existem

em ambos os países casos de trajetórias declinantes. Esses diferentes resultados

colocam em dúvida a influência desse tipo de operação na saúde das organizações

adquiridas e, conseqüentemente, da utilidade dessas operações para a sociedade.

As críticas e questionamentos aos processos de aquisição hostil americana,

assim como aos métodos empregados pelo GP Investimentos no Brasil, fazem mais

sentido principalmente para aqueles que não atuam no mercado financeiro. Do

ponto de vista de banqueiros, investidores e traders, ações de empresas são ativos

como petróleo, café, dólar e títulos, todos negociáveis e sujeitos a flutuações nos

preços e possíveis fontes de ganhos especulativos. Por outro lado, para gestores,

2 O termo indústria será utilizado nesse texto com o significado de setor econômico específico podendo ser atribuído também a empresas de serviços, evitando a associação comum com empresas que possuem operações industriais.

3 Aqui adota-se o conceito de sucesso como alcance dos objetivos. No caso, uma compra e venda de controle com lucro para o banco de investimento.

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clientes e sócios, as empresas muitas vezes fazem parte de sua história, onde a

identidade com a empresa se confunde com a identidade do indivíduo, e a

permanência da instituição e de suas pessoas é mais importante do que uma

oportunidade de vender algo com um preço superior ao valor investido acrescido de

juros.

Se por um lado ponderamos que os fundos de investimento podem colocar o

bem da firma adquirida em segundo plano, por outro podemos pensar o mesmo de

seus gestores. Enquanto investidores podem querer utilizar a firma para obter lucro

no processo de compra e venda, os executivos podem querer manter a firma sob

seu controle para permanecerem em seus cargos com altas remunerações. A

questão a se ponderar aqui é em que medida uma aquisição por um novo grupo

controlador, incluindo bancos de investimento, não poderia ser a melhor opção para

a firma adquirida.

1.2 OBJETIVO

O assunto vai além da sobrevivência das organizações. Entre apoiar ou não

a utilidade do papel transformador dos fundos de investimento para a sociedade, há

que se considerar se a organização será capaz de tornar-se mais forte no futuro

para competir no seu ambiente. Justamente porque, imaginando-se a hipótese de

uma empresa alvo de aquisição, se pode supor que ela esteja fragilizada. Ser alvo é,

no mínimo, um indício de dificuldades, mesmo que temporárias. Se a autonomia é

um elemento importante para a sobrevivência das organizações (Pfeffer & Salancik,

1978), a possibilidade de mudança de controle é uma situação crítica.

Nesse ponto, apesar de uma total perda de autonomia poder significar a

morte de uma empresa, há que se considerar que depois da aquisição muitos

elementos formadores da organização ainda permanecem vivos, como a sua cultura

e seus stakeholders. Por outro lado, ninguém sugeriria que uma empresa morreu ao

perder um grande cliente se houver outros que ainda a sustentem. As aquisições de

empresas podem ser uma solução compensadora para a parte da organização que

sobrevive. Se adotarmos uma perspectiva institucional e considerarmos que outras

organizações, como governos, clientes e fornecedores, também fazem parte da

firma (Selznick, 1957), a aquisição pode significar a manutenção de parte dessa

estrutura ao invés da falência total, bem como a redução dos prejuízos dessas

outras partes.

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Alguns autores (Davis & Stout, 1992) também argumentam que a existência

de um mercado funcional de controle corporativo contribui para a mudança

organizacional e desafia o domínio das metáforas de adaptação e seleção como as

únicas possíveis explicações dentro da Teoria da Organização para a mudança nas

organizações. A aquisição e a mudança de controle podem ser o estopim necessário

para evitar uma morte certa por conflitos entre as coalizões existentes. Tais conflitos

às vezes impedem a evolução da organização, pois só permitem a manutenção de

um estado de subsistência, criando uma organização que falha permanentemente

(Meyer & Zucker, 1989)

Quando private equity e aquisições são temas de pesquisa, em geral a

abordagem é mais voltada para o campo de estudo das finanças e, algumas vezes

no caso das aquisições, também se relaciona a área da estratégia. No campo da

mudança organizacional o tema aquisição é comumente analisado sob a importância

dos processos de integração pós-aquisição. Grande parte dessas abordagens

confina-se a prazos relativamente curtos quando se pondera a contribuição desses

eventos e processos para toda a vida de uma organização.

O objetivo desse estudo é contribuir para as discussões sobre o sucesso4 no

longo prazo das organizações analisando um caso específico de transformação

organizacional iniciado por uma aquisição em um processo de privatização. A

pergunta geral de pesquisa busca entender como os interesses de um fundo de

investimento em um processo de aquisição, transformação e venda de

empresas, afetam as organizações adquiridas. Ainda que se possa concordar

que as motivações atuais dos fundos de investimento são de prazo mais longo do

que as motivações do passado, estas ainda não estariam suficientemente alinhadas

com o interesse pela sustentação no longo prazo. Dessa forma, a pergunta se torna

mais específica e o interesse estará concentrado em identificar quais foram as

conseqüências do processo de transformação comandado pelo GP para a

construção da longevidade saudável da ALL? Analisando a fundo um caso

específico contribuímos para a melhor compreensão da questão geral.

4 Alguns dos conceitos utilizados na introdução de maneira abrangente, como sucesso e longevidade saudável, serão detalhados e definidos posteriormente ao longo do texto.

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1.3 ORGANIZAÇÃO

Este estudo está organizado em seis capítulos. O capítulo atual apresenta a

introdução da pesquisa, contextualizando as questões de interesse, seus objetivos e

sua estrutura.

Dada a contextualização e apresentação do problema de pesquisa, a

Revisão de Literatura, o segundo capítulo, é iniciada. Começa-se pela discussão e

conceituação das possíveis trajetórias organizacionais: declínio, crescimento e

estagnação. Dadas essas trajetórias, discutem-se as mudanças de trajetória

apresentando alguns conceitos relacionados, tais como: mudança organizacional,

institucionalização (Doyle, 1994; Selznick, 1957) e turnaround (Robbins & Pearce II,

1992). Por fim, retorna-se à questão da longevidade através da revisão dos

arquétipos de Fleck (2006), sua relação com a trajetória de crescimento e formação

de traços organizacionais.

O capítulo seguinte se refere à descrição do método de pesquisa e parte da

re-apresentação da pergunta de pesquisa. A pergunta nos orienta a discutir o objeto

de estudo e as possíveis estratégias de pesquisa utilizáveis. O estudo de caso e a

perspectiva histórica são apresentados como as estratégias escolhidas, assim como

os motivos por trás da escolha. Tais motivos incluem principalmente a natureza

processual do objeto do estudo e a preferência por uma pesquisa que traga

resultados prescritivos ao invés de resultados preditivos, visando adaptar-se às

dificuldades inerentes aos estudos dos campos sociais (Fleck, 2003).

Posterior ao método de pesquisa será apresentada a forma como os

conceitos foram operacionalizados no estudo. Indicadores de crescimento, definição

de traços organizacionais e arquétipos estão entre os principais conceitos. Além da

relevância da operacionalização dos conceitos, está a conexão entre os mesmos.

Os arquétipos se baseiam na identificação de traços organizacionais através de

certos padrões definidos na literatura. Os traços, por sua vez, dependem da

identificação de práticas institucionalizadas e assim por diante até que tal

concatenação alcança as informações coletadas.

O quarto capítulo tem por objetivo contextualizar o histórico das

organizações envolvidas, com os de suas indústrias e das economias envolvidas.

Tratará de maneira sintética a história da RFFSA e ALL, todas com principal foco de

atuação no Brasil, e o cenário político-econômico anterior e posterior ao processo de

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privatização.

O quinto capítulo, a análise, executa a operacionalização descrita no

método. O objetivo é apresentar as práticas institucionalizadas identificadas, assim

como dos fatos que subsidiam tais elementos. Será argumentado como tais práticas

se posicionam no espectro de possíveis respostas aos desafios do crescimento.

Contudo, antes de apresentar as práticas de interesse, será descrito o processo de

transformação, citando suas motivações, etapas e ações sob a ótica dos desafios à

longevidade saudável (Fleck, 2006). Não é feito juízo de valor ou classificação

quanto ao estado geral da organização com relação à propensão à longevidade,

uma vez que esse é o objetivo do seguinte e último capítulo, Conclusão.

O capítulo final aborda as conclusões a cerca do estudo, respondendo às

questões propostas, bem como discutindo propostas para futuras pesquisas. Serão

sintetizados os efeitos positivos, ou seja, os elementos institucionalizados que

contribuem para a longevidade, e os efeitos negativos. A organização será

classificada dentro dos possíveis arquétipos identificados na revisão de literatura. Os

anexos ao final do texto trazem maiores detalhes sobre os dados analisados e sobre

a história da indústria e da empresa, em especial tópicos sobre a história do GP

Investimentos e sobre a evolução da indústria logística americana, pela sua

relevância como indicadora de tendências no mundo todo, inclusive Brasil.

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2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A academia continua a se perguntar como se determinam os caminhos pelos

quais se deve gerir uma organização. Partindo-se de conceitos abstratos, é possível

compreender aspectos gerais sobre as decisões tomadas pelos gestores

organizacionais. Contudo, ao se discutir em detalhes tais conceitos, fica mais

complexo determinar critérios que definam se tais decisões são as mais corretas.

Sucesso é um desses termos complexos que ajuda a determinar uma

direção inicial para a discussão. Como saber se determinada organização alcançou

o sucesso? Diferente de analisar o resultado para um objeto de análise menor, como

uma nova política promocional que possui limites temporais e objetivos claros,

avaliar o sucesso organizacional depende de um horizonte de tempo virtualmente

infinito e reúne uma gama de objetivos muitas vezes de difícil avaliação de

realização. Um objeto de estudo desse gênero exige que se questione sobre

sucesso em condições adequadas, por exemplo, com um prazo condizente.

Uma abordagem possível relaciona sucesso com desempenho. Alguns

autores (Doyle, 1994; Brealey & Meyers, 2003) referem-se aos aspectos financeiros

(como lucro e retorno) como critério fundamental do sucesso, mas indicadores

operacionais (como volume produzido) e comerciais (como vendas) também são

comumente associados ao conceito. Mais que uma análise absoluta, dizer que uma

determinada gestão foi de sucesso implica uma avaliação relativa aos competidores

e ao próprio passado da organização. Já o sucesso do ponto de vista do

desempenho comercial implica um volume (ou receita) de vendas maior que o de

seus competidores e/ou do que os anos anteriores. Tal abordagem retrata o quanto

a organização absorve de recursos do seu ambiente (Pfeffer & Salancik, 1978).

Uma abordagem mais qualitativa e de difícil mensuração considera aspectos

mais subjetivos das organizações. Autores (Barnard, 1938) ponderam que a

longevidade, uma existência longa e duradoura, é o objetivo final das organizações e

a sua busca constante já seria suficiente para determinar o sucesso. Assim, quanto

mais velha a organização, mais longeva e, portanto, maior o seu sucesso. Essa

existência longeva surge da realização e renovação contínua de objetivos a serem

perseguidos. Também existem aqueles (Doyle, 1994; Cyert & March, 1963; Pfeffer &

Salancik, 1978) que relataram o papel fundamental que a relação entre a firma e os

diversos atores relevantes à sua existência têm sobre o sucesso das organizações.

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Esses argumentos contribuem para um conceito de sucesso menos estático

e mais dinâmico, em oposição ao fracasso, que pode ser identificado com o fim da

existência de uma organização5. Por isso, muito mais do que apenas considerar o

lucro e receitas crescentes, ao questionar o sucesso da organização também é

preciso analisar em que medida ela está dedicando esforço para manter-se legítima

em seu ambiente e não descuidar das necessidades futuras em troca de um

sucesso momentâneo. A disponibilidade de recursos, de maneira geral, pode refletir

a saúde da organização, mas não é suficiente para representar o sucesso. Assim, o

sucesso organizacional pode ser entendido como a longevidade saudável6, ou quão

longa e ausente de dificuldades foi, é e será a vida da organização.

Dada a extensão temporal na qual as organizações podem ser analisadas e

o conceito de sucesso organizacional descrito, compreender os fenômenos

relacionados requer uma abordagem longitudinal. Portanto, o primeiro tópico deste

capítulo trata das trajetórias das organizações, de como podemos interpretar o

caminho histórico percorrido por elas. Crescimento, declínio e estagnação são

discutidos à luz de dimensões quantitativas e qualitativas.

Em seguida, conectando-se ao caso em questão, apresentam-se referências

na literatura sobre mudança organizacional, em especial as mudanças de trajetória e

a transformação organizacional. A primeira considerando indicadores quantitativos

das organizações, especificamente a mudança de trajetória declinante para trajetória

crescente, ou o chamado turnaround. A segunda mais orientada à discussão de

mudança em aspectos qualitativos das organizações, apresentando também os

aspectos de formação de traços.

Por fim, entendendo-se um pouco mais sobre trajetórias e mudanças,

aborda-se um modelo de referência para analisar como a formação de certos traços

organizacionais contribui para a construção da longevidade saudável. Discute-se em

maior detalhe cada traço e seus componentes a fim de oferecer insumos para

posterior operacionalização dos conceitos apresentados.

5 Não está no escopo desse estudo considerar organizações que possuam em seu objetivo um fim já declarado desde sua concepção como, por exemplo, o diretório de uma campanha política.

6 O termo saudável, “emprestado” da medicina, significa mais do que a ausência de doenças e dificuldades, mas o completo bem-estar físico, mental e social. Tal associação é de difícil tradução para o objeto organização, mas conjuga fielmente a ideia de interesse, equivalendo-se a uma maior chance de sobrevivência.

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2.1 TRAJETÓRIAS ORGANIZACIONAIS

O termo trajetória transmite a ideia de trajeto e de tempo, uma seqüência de

passos tomados ou que virão a ser tomados. Existem palavras semelhantes que

podem sugerir nuances de interpretação diferente, como o termo evolução. Esse

termo é utilizado muitas vezes conotando progresso, ou uma trajetória positiva, mas

cientificamente, evolução nada mais é do que a história contada com suas

mudanças e relações causais.

Ao se analisar a trajetória de uma organização, é preciso considerar que tal

caminho pode ser visto de diferentes maneiras. A trajetória de um carro é uma

medição física e passível de representação por dimensões espaciais. Já a de uma

pessoa, também pode ser analisada espacialmente, mas não é incomum descrevê-

la através de dimensões não materiais, como acadêmica, profissional ou social.

Além disso, a trajetória (física ou não) pode tomar diferentes direções e

sentidos ao longo do tempo. Existe uma associação natural de trajetórias

ascendentes de certos indicadores a algo positivo para as organizações. Porém,

assim como uma pessoa que evolui profissionalmente com dificuldades no campo

social pode se “sentir incompleta”, uma organização deveria ponderar que

dificuldades surgem com o incremento significativo de seu tamanho. Dessa forma,

uma mudança de trajetória em determinada dimensão de análise vista como

negativa pode ter uma contribuição significativa para a saúde geral da organização

ao corrigir outras dimensões.

Um exemplo (Figura 2-1) é a reformulação pela qual a General Eletric

passou na década de 80, conglomerado americano com negócios principalmente em

energia, infra-estrutura e finanças. Dentre outras políticas adotadas por Jack Welch,

então CEO, foi sair de negócios onde a companhia não era capaz de estar nas duas

primeiras posições de mercado. Assim, apesar da queda de receita que seguiu nos

anos seguintes, a lucratividade da empresa manteve-se em patamares elevador e, a

partir daí, foi capaz de focar esforços no fortalecimento e renovação de

competências. Foi uma questão de tempo até recuperar o ritmo anterior de

crescimento nas receitas.

Portanto, crescimento, declínio e estagnação nas organizações devem ser

analisados sob um conjunto de variáveis amplo, pois nem sempre são aquilo que

parecem ser a primeira vista. Os tópicos a seguir detalham melhor quais aspectos a

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literatura sugere que sejam considerados para essas possíveis trajetórias.

Figura 2-1: Trajetória da GE: crescimento, estagnação e turnaround.

Fonte: (Fleck, 2006)

2.1.1 Crescimento

Analisaremos inicialmente este tópico através de duas abordagens: uma

qualitativa e outra quantitativa. Após a sua apresentação, uma breve introdução de

causas e conseqüências do crescimento será feita. O tópico será concluído com a

descrição das formas pelas quais o processo é analisado na literatura, com especial

atenção para os modelos de ciclo de vida e as críticas a esses modelos, que dão

origem a outras abordagens.

Crescimento quantitativo está relacionado com o aumento de tamanho da

organização. Indicadores comumente utilizados para medir o tamanho de uma firma

são: número de funcionários, volume de vendas, receita, lucro, LAJIDA (lucro antes

de juros, impostos, depreciação e amortização, em inglês EBITDA), ativos, valor de

mercado, dentre outros. Contudo, cada um traz vantagens e desvantagens como

medidor e, geralmente, é importante analisar mais de um ao mesmo tempo para

poder se chegar a conclusões pertinentes sobre o crescimento organizacional.

Fleck (2001) discutiu como medir tamanho e crescimento e concluiu que

indicadores como receita/PIB e lucro/PIB são vantajosos sobre outros métodos. Seu

argumento consiste no fato de que o crescimento relativo ao crescimento econômico

é corrigido automaticamente para a inflação e é comparável ao longo do tempo,

entre firmas e entre indústrias. Outro artigo (Whetten, 1987) já havia relatado

também a importância de medir o crescimento relativo, sugerindo que o crescimento

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poderia ser interpretado de maneira diferente se analisado dentro de populações

específicas, como uma indústria ou nicho.

Alguns autores (Penrose, 1980; Chandler, 1977) consideram que

determinadas indústrias não estão propícias a formação de grandes empresas

devido à presença de alguns fatores restritivos de tamanho. Parte desses fatores é

exógena à organização, definida pela indústria a qual pertence ou pelo mercado

onde atua, mas estes acreditam que fatores endógenos são mais relevantes para

limitar o tamanho organizacional. Outros (Starbuck, 1965; Pfeffer & Salancik, 1978)

propõem que há um limite natural para o tamanho a partir do qual as desvantagens

de ser maior superam as vantagens. Sugerem, por exemplo, que organizações

muito grandes têm sua capacidade de mudança reduzida pelo excesso de

burocratização, um efeito comumente relacionado com o processo de crescimento.

Outra linha de pesquisadores (Cyert & March, 1963; DiMaggio & Powell,

1983; Selznick, 1957) pondera o crescimento através da perspectiva da

institucionalização, com uma abordagem qualitativa da trajetória das firmas. Tais

autores baseiam-se na formação de comportamentos nas organizações como

parâmetros de análise e evidências de evolução. A vantagem dessa perspectiva é

que está diretamente relacionada com as decisões tomadas pelos gestores,

diferente da perspectiva quantitativa. Os números refletem nada mais do que essas

mesmas decisões. Essa lógica, baseada no aprendizado seqüencial, é uma das que

explica a burocratização como elemento restritivo do crescimento. A burocratização

é a sistematização de práticas e, se por um lado torna a organização mais eficiente,

por outro restringe sua capacidade de resposta.

Quanto às razões pelas quais as organizações crescem, Whetten (1987)

resume a três fatores causais: (1) como resultado da satisfação da necessidade de

venda de seus produtos e serviços; (2) como facilitador da dinâmica interna da

organização; e (3) como atenuador da incerteza e dependência externa. Chandler

(1977) por sua vez, sugeriu que as firmas possuíam basicamente dois tipos de

motivações para o crescimento: (1) produtiva, visando à melhor utilização dos

recursos existentes e/ou ganhos de escopo e escala; e (2) defensiva, cujo objetivo é

proteger determinado domínio de mercado. Fleck (2001) complementou a visão de

Chandler ao adicionar os conceitos de expansões híbridas e expansões nulas. A

primeira tratando-se de um movimento com ambos os motivos de Chandler e a

segunda uma expansão onde nenhuma das duas motivações de Chandler é

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alcançada. Por fim, Penrose (1980) citou que existem líderes organizacionais cuja

motivação para crescer é formar um império ao invés de torná-la longeva e que o

crescimento advindo da primeira motivação não seria saudável para a firma.

De maneira geral, o crescimento é descrito (ou modelado) na literatura como

um processo evolutivo. A base de parte deles é o modelo do ciclo de vida, uma

analogia com a evolução de indivíduos de sistemas orgânicos, como os seres

humanos. Por esse modelo, cada organização possui algumas fases características

pelas quais passará ao longo de sua existência. Dois autores resumiram os modelos

até então existentes em quatro estágios: empreendedor; coletividade; formalização e

controle; e elaboração e estrutura (Quinn & Cameron, 1983 apud Whetten, 1987).

Dentre as principais críticas a essa modelagem do processo de crescimento

está o fato de que em geral se baseiam num conjunto de passos lineares e

seqüenciais. Outro ponto importante é que tais ciclos possuem uma lacuna crucial

quando comparados com os equivalentes para seres vivos: os modelos

organizacionais se encerram na maturidade da organização enquanto que os

biológicos se encerram com declínio e morte. Greiner (1998), por exemplo, também

sugeriu que as organizações possuem fases em seu processo evolutivo. Contudo,

elas se defrontam com períodos de crise que, se não superados, podem levar ao

declínio. Além disso, ponderou que tais fases não são facilmente determinadas uma

vez que durante a transição de fases, características de ambas as fases se

sobrepõem.

O grande mérito do modelo de ciclo de vida é que oferece uma visão

qualitativa da forma como as organizações evoluem. Essa visão permite aos

gestores agir sobre as causas reais ao invés de debater sobre resultados. O modelo

supracitado, por exemplo, discute os desafios que cada fase apresenta, as

respostas prováveis e como tais respostas levam a uma seqüência de novos

desafios e respostas. Sua suposição é que “o comportamento dos indivíduos é

determinado primariamente por eventos e experiências passadas, ao invés do que

vem à frente” (Greiner, 1998, p. 55). Ele também introduz no seu modelo a ideia de

configuração, ou seja, uma combinação de possíveis escolhas coerentes entre si de

um conjunto de variáveis relevantes.

Mintzberg (1985) também sugeriu olhar as organizações através de

configurações e explicou como tais configurações podem evoluir através de uma

perspectiva política. Posteriormente (Mintzberg, 1991) utilizou a ideia de

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configurações para uma perspectiva estratégica das firmas. Ele definiu configuração

como “qualquer forma de organização que é consistente e altamente integrada” (p.

56). Esse autor preferiu associar às suas diferentes formas diferentes pressões

pelas quais as organizações passam ao longo de sua história. Ao invés de focar seu

modelo numa seqüência provável, ele colocou que as organizações podem assumir

a mesma forma em diferentes momentos. Por exemplo, a forma empreendedora

pode ser assumida em start ups ou durante turnarounds, duas situações em que as

organizações sofrem pressões por um direcionamento único, segundo ele.

2.1.2 Declínio

Estruturalmente, declínio compartilha inúmeras características com

crescimento, pois ambos são vistos aqui como trajetórias. Ambos são analisáveis

tanto quantitativamente quanto qualitativamente. Também se aplica com qualidade a

abordagem do ciclo de vida, ainda que a literatura existente para declínio seja muito

mais restrita. Diferenças surgem principalmente quando analisadas as causas e

motivações, mas a apresentação desse tópico será semelhante a do anterior.

Semelhante à trajetória de crescimento, os indicadores de tamanho também

são comumente utilizados para analisar e identificar o declínio. Dessa forma, os

mesmos índices descritos anteriormente se aplicam à análise do declínio. As

vantagens que se adquire com um tamanho maior começam a desaparecer quando

o declínio está em vigor. As conseqüências também são opostas. Por exemplo, ao

invés de dar oportunidades de crescimento profissional para seus recursos

humanos, o declínio aumenta a competição interna, geralmente lesiva à firma. A

redução na disponibilidade de recursos eleva o grau dos conflitos e escolhas

passam a ter que ser feitas em condições de emergência, não dando espaço para

análises mais profundas.

A princípio, o declínio sob o ponto de vista quantitativo, envolve mais

atenção dos gestores do que outras trajetórias. Identificar redução de tamanho pode

significar que qualquer que seja a causa do problema, esta já ocorreu (ou continua

ocorrendo) há algum tempo e, por esse motivo, é mais difícil de ser revertida ou

respondida do que se fosse antecipada. Além disso, como responsáveis pelos

resultados, suas carreiras ficam em risco nessa situação.

O declínio parece possuir uma correlação mais forte e clara com a análise

quantitativa, mas também se permite uma abordagem qualitativa. Uma antítese ao

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33

exemplo de Jack Welch citado anteriormente, é o da Hanson Plc, conglomerado

britânico que viu todos os seus indicadores de tamanho crescendo com a sua

estratégia de aquisições através de endividamento e asset stripping. Porém, estava

ficando cada vez mais fragmentada à medida que empresas e culturas distintas

eram incorporadas ao conglomerado, porém enfatizando a total descentralização. A

trajetória teve seu fim em 1996, quando foi repartida em quatro empresas, devido,

principalmente, a falta de perspectivas de criação de valor para os acionistas, pois já

não havia empresas candidatas à aquisição do tamanho que o conglomerado havia

alcançado e os negócios já controlados eram apenas geradores de caixa.

Dantas (2007) descreveu a revisão de Weitzel & Jonsson (1989) sobre

declínio, onde os últimos constataram que esta trajetória era descrita como: uma

redução de algum indicador de tamanho da organização, como força de trabalho,

participação de mercado, ativos, etc.; um estágio no ciclo de vida da organização;

estagnação interna ou ineficiência; fracasso em reconhecer sinais internos ou

externos de alerta sobre mudanças necessárias para manutenção de

competitividade; fracasso em realizar adaptação ou mudança para enquadrar-se às

demandas do ambiente externo.

Weitzel e Jonsson (1989) descrevem o processo de declínio também através

de um modelo de ciclo de vida. Em sua sugestão, o processo possui cinco etapas -

cegueira, inércia, ações falhas, crise e dissolução - e cada uma exige diferentes

respostas e exibe diferentes características. Como atestado anteriormente, o

fracasso, em oposição ao sucesso, é claramente identificável e está representado

através do último estágio desse processo, a dissolução.

O declínio surge do descompasso entre o que é esperado e o que é

praticado pela organização. A formação de seu conjunto de comportamentos estaria

evoluindo em uma direção diferente daquela na qual estaria mais adequada ao seu

meio. Dessa maneira, as possíveis causas do declínio são: uma mudança no

ambiente; mudança nas demandas internas; falta de capacidade de adaptação; ou

baixa capacidade de influenciar o seu meio.

Oliver (1991) foi mais abrangente ao focar seu estudo na compreensão das

diversas possíveis respostas a pressões institucionais, mas identificou os mesmo

elementos anteriores entre o rol de possíveis respostas. Isso significa que a baixa

capacidade em qualquer uma delas reduz as chances de sobrevivência da

organização.

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Os autores Weitzel e Jonsson (1989) fizeram questão de destacar que o

processo de declínio pode surgir em qualquer etapa da história da organização,

inclusive nos primeiros estágios. Referiram-se a Stinchcombe (1965) e seu conceito

de deficiência das inovações7, o qual explica as altas taxas de fracasso de novas

organizações, como um exemplo para esse argumento. Já Greiner (1998) pondera

que justamente as respostas necessárias para superar uma fase do crescimento são

as causadoras dos desafios de uma fase seguinte. O ciclo de vida de declínio de

Weitzel e Jonsson (1989), portanto, não só complementa as etapas dos modelos de

ciclo de vida, em especial o de Greiner (1998), como também explica como o

combate às causas do declínio contribuem para o crescimento.

Declínio pode ser definido como: um estado no qual as organizações entram

quando falham em antecipar, reconhecer, evitar, neutralizar ou adaptar a pressões

internas e externas que ameaçam a sobrevivência no longo prazo (Weitzel &

Jonsson, 1989).

Essa definição é incompleta em alguns sentidos. Primeiro, ao não declarar

explicitamente que tais falhas devam ocorrer constantemente. Um único evento de

não antecipação não indicaria declínio. As organizações passam por períodos de

ajustamento e tais períodos não constituem declínio. Segundo, considera que tais

competências só são relevantes ao declínio quando aplicadas a ameaças à

sobrevivência no longo prazo. Contudo, se a falta de capacidade de adaptação é

identificada após uma tentativa frustrada de adaptação deliberada, independente da

criticidade da adaptação, isso sugeriria certa fraqueza nessa competência,

considerada condição necessária à sobrevivência no longo prazo.

2.1.3 Estagnação

A grande maioria dos autores define estagnação como a primeira fase do

declínio. Justifica-se o seu detalhamento em separado porque é um bom

determinante de mudança de trajetória. Dadas as discussões anteriores sobre

abordagens quantitativas e qualitativas, é preciso destacar que uma trajetória de

estagnação poderia ser aceitável em condições adversas, como crises econômicas.

Indicadores de declínio devem ser diferenciados de simples ajustes a

7 Tradução livre da expressão “liability of newness”.

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mudanças ambientais ou da consolidação de ganhos organizacionais (Weitzel &

Jonsson, 1989). Reduções de tamanho não diminuem necessariamente a habilidade

de uma organização sobreviver, mas a perda de capacidade competitiva certamente

o faz. Geralmente, estratégias de corte de custos ou a saída de mercados podem

ser impropriamente vistas como declínio e, por isso mesmo, desconsideradas como

opções viáveis para evitar a perda da competitividade no longo prazo.

Contudo, da mesma forma que condições ambientais como crises não são

permanentes, a estagnação aceitável deve ser vista igualmente. Assim, a trajetória

de estagnação contribui ao sugerir uma explicação alternativa para os modelos de

ciclo de vida que não são capazes de prescrever o tempo de permanência em cada

fase, indicando que organizações estagnadas por muito tempo na verdade estariam

entrando em um processo de declínio. Por outro lado, permite abordar a análise de

trajetórias organizacionais através de uma perspectiva de longo prazo, não se

contendo a mudanças temporárias nos indicadores de tamanho.

Dentro do processo de declínio, Meyer e Zucker (1989) identificaram

organizações que sobreviviam por anos a fio em um estado de fracasso

permanente, não evoluindo na direção da dissolução final, mas também incapazes

de retornar a um estado saudável. Eles sugeriram que essa situação é fruto, por um

lado, de conflitos entre as partes interessadas que impedem que mudanças sejam

realizadas, mas que por outro, sustentam a organização, pois ainda servem aos

interesses, mesmo em condições de baixa eficiência.

A falta de habilidade em mudar é resultado da inércia e alguns autores

(Starbuck & Hedberg 1977; Nystrom & Starbuck 1984; Sull, 1999) sugerem que a

semente dessa inércia é plantada durante o crescimento e sucesso temporário das

firmas. As razões para a inércia podem ser explicadas por (Sull, 1999):

• O desejo pelo sucesso é substituído por uma devoção ao status quo;

• A orientação estratégica da empresa pode cegá-la às transformações que

ocorrem no ambiente externo e interno;

• Quando uma empresa obtém sucesso, seus processos ganham vida

própria e se transformam no objetivo final e não no meio para alcançá-lo;

• O relacionamento com as partes interessadas da empresa pode criar laços

fortes a partir de seu sucesso, porém podem limitar suas ações de mudança;

• Empresas de sucesso costumam transformar valores em dogmas, criando

regras rígidas e regulamentações que dificultam mudanças.

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Por sua vez, Whetten (1987) comenta que organizações de sucesso se

tornam confiantes em excesso em sua habilidade de dominar o mercado. Assim,

perdem sua capacidade de antecipar problemas e só respondem a uma perda de

competitividade quando se encontram em uma situação de crise, sendo necessário

adotar medidas extremas desnecessariamente. Ele comentou que tais organizações

faziam parte de uma segunda possível explicação para o declínio. Em geral se

tratavam de instituições maduras, que mantinham taxas de crescimento modestas e

constantes, mas que haviam perdido sua capacidade de responder rapidamente a

mudanças ambientais.

Apesar das diferentes definições para fracasso, a menor adaptabilidade e a

redução da quantidade de recursos que absorvem parecem ser consenso entre os

que estudam o fracasso das empresas como características diretamente

relacionadas ao processo de declínio (Mellahi e Wilkinson, 2004). Obviamente, é

necessário olhar ao mesmo tempo ambiente e práticas gerenciais para compreender

completamente as causas do aparente declínio quantitativo e julgar corretamente em

que medida esse declínio atinge a trajetória de longo prazo das organizações.

2.2 MUDANÇA ORGANIZACIONAL

Até agora as trajetórias foram objetos isolados, ainda que em alguns

momentos fosse citada a relação entre elas. A discussão anterior sobre trajetórias

organizacionais estabeleceu forte relação com a avaliação qualitativa da evolução

das organizações. Tal abordagem mostrou-se mais coerente com uma visão de

longo prazo das organizações e do seu sucesso.

O tópico atual discutirá algumas abordagens para a compreensão dos

processos relacionados com a mudança das organizações. Assim, conhecendo as

trajetórias e as relações causais dos processos de crescimento, declínio e

estagnação, os praticantes da área de administração podem atuar mais facilmente

para corrigir a direção que suas firmas tomam. Duas perspectivas serão

apresentadas: a primeira considerando o chamado turnaround, um processo de

mudança específico na trajetória organizacional de declínio para uma de

crescimento, em geral sob o ponto de vista quantitativo e de curto prazo; a segunda

analisando, no longo prazo, os aspectos relativos à formação, evolução e revolução

do caráter organizacional, ou o conjunto de traços que definem a “personalidade”

cada organização (Andrade Filho, 2003).

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2.2.1 Reestruturação

O termo em inglês turnaround é abrangente também no que tange o período

de tempo analisado. Algumas vezes entende-se que a recuperação de um curto

período de declínio já é considerado um turnaround8. Porém o uso mais comum é

quando turnaround refere-se à mudança de trajetória de uma firma que apresenta

um declínio consistente e/ou ameaçador.

O termo reestruturação é utilizado com sentido semelhante. Assim como no

caso da palavra turnaround o seu uso abrange desde reorientações estratégicas em

momentos confortáveis até respostas a crises severas, mas em geral está associado

diretamente com as estratégias adotadas como: reorganização de portfólio,

demissões e mudança de estrutura de capital (Bowman & Singh, 1993). Por sua vez,

o termo turnaround denota claramente a ideia de mudança de trajetória e, por isso,

será utilizado prioritariamente.

Juntamente com o forte movimento de aquisições e formação de

conglomerados da década de 70 no mercado norte-americano, a literatura

acadêmica investiu no estudo do processo de mudança de trajetória de

organizações em declínio. Diversos autores (Bibeault, 1982; Hofer, 1980; Robbins &

Pearce II, 1992) se dedicaram a codificação de procedimentos para executar as

operações de transformação, visando fundamentalmente à mudança no

desempenho financeiro e operacional.

Nesse contexto, as estratégias de turnaround em geral eram vistas como

conseqüência natural dos processos de aquisição de empresas. Contudo a grande

maioria dos autores descreve seus procedimentos independentes da situação de

controle da organização. Ou seja, qualquer organização, recentemente adquirida ou

há muitos anos independente, pode precisar e iniciar um processo desse tipo. Afinal,

nenhuma companhia é imune a tempos difíceis (Hofer, 1980). Mais que isso, os

casos estudados muitas vezes vinham de mudanças no corpo executivo das

organizações e não no grupo de acionistas, ocasionadas pela ameaça iminente à

sobrevivência da firma. Esse tipo de estratégia é sugerido como a principal

alternativa quando uma empresa alcança a fase da crise no processo de declínio

8 Por exemplo, Robbins e Pearce II (1992) operacionalizaram seu conceito de turnaround num prazo de dois anos consecutivos de declínio com posteriores dois anos consecutivos de crescimento.

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(Weitzel & Jonsson, 1989).

Hofer (1980) classifica de maneira detalhada as possíveis orientações de

processos desse gênero. Há duas grandes categorias de turnaround no nível de

unidades de negócio9: estratégico e operacional. O primeiro se divide com relação à

permanência ou não no mesmo negócio e a profundidade da mudança da posição

competitiva. Já o segundo pode enfatizar a melhoria das receitas, custos, ativos ou a

combinação destes. Apesar da classificação, tal separação na prática não é simples,

uma vez que alterações em uma dimensão podem envolver modificações na outra

para que sejam mais efetivas.

Ele complementa dizendo que no segundo caso qualquer ação deve ser

considerada para ajudar a alcançar as metas, fazendo sentido ou não para a

estratégia de longo prazo. Mas Weitzel e Jonsson (1989) ponderam que os objetivos

do turnaround não podem ser focados apenas na sobrevivência de curto prazo, pois

são esses objetivos que determinam os tipos de reduções a serem feitos. A

diferença entre as opiniões está na identificação da causa da necessidade de

mudança: enquanto os dois últimos referem-se a períodos de grave crise, o primeiro

classifica diferentes métodos para diferentes situações.

Além de diferentes causas, os processos podem possuir também diferentes

objetivos, ainda que o contexto seja o mesmo: transformar uma trajetória de

desempenho declinante em uma crescente. Por exemplo, quando uma companhia

adquire outra pode estar buscando criar valor através da identificação de sinergias

ou através da reestruturação do negócio adquirido e valorização dos ativos

(Chatterjee, 1992). Em ambos os casos processos de turnaround podem ser

iniciados. Porém, no primeiro a mudança contribuiria para a integração e para o

crescimento no longo prazo e o segundo tende a focar na valorização das ações.

Porter (1987) também relatou empresas que adotam uma estratégia de crescimento

baseada na aquisição e reestruturação de empresas com problemas.

O processo de turnaround é aqui interpretado contendo quatro grandes

etapas: (1) constatação, onde é exigida da organização alguma atitude para

responder a uma situação crítica; (2) análise, na qual se identifica a situação atual e

possíveis caminhos para saída; (3) reequilíbrio financeiro-operacional, no qual se faz

9 A perspectiva de executar o turnaround em uma unidade de negócio é diferente de se tentar realizar o mesmo em uma corporação com várias unidades.

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os cortes e saídas necessários à sobrevivência; e (4) recuperação, onde se fortalece

a posição remanescente após os cortes. Estudos que possuem mais etapas por

vezes descrevem o mesmo processo, porém em um nível de análise mais baixo,

oferecendo mais detalhes sobre o passo a passo mantendo um foco maior em

alguma das etapas, como a de reequilíbrio, às vezes chamada de desinvestimento10.

A primeira etapa é o início do processo de reestruturação. Alguma parte

interessada que detém maior poder ou o comum acordo entre várias partes, percebe

a situação crítica e a ameaça à sobrevivência. O primeiro passo referido na literatura

consiste em instituir uma nova liderança (Weitzel & Jonsson, 1989; Mintzberg, 1991;

Hofer, 1980). Os fundamentos por trás da renovação do quadro executivo citados

em geral são: centralização decisória; consolidação de objetivos e direção;

demonstração pública de cenário de mudança das práticas; instituir poder para

mudar. Se essa etapa for mais influenciada pelo desejo de manutenção do caráter

do que pela necessidade de fortalecimento, a inércia do comportamento da

organização afetará a qualidade do diagnóstico da fase seguinte e diminuirá a

legitimidade da ação. Por exemplo, um turnaround operacional pode ser escolhido

quando uma readequação estratégica é necessária.

A segunda fase, Análise, ao ponderar a situação corrente a partir de um

novo ponto de vista (por exemplo, do novo executivo) busca identificar o grau de

severidade da crise, assim como reavaliar a posição competitiva nos diferentes

negócios ou mercados de atuação. O declínio e a situação de crise sugerem

escassez de recursos (Weitzel & Jonsson, 1989) e o grau de severidade da crise

indica quão escasso de recursos a organização está. A reavaliação da posição de

saúde estratégica e operacional (Hofer, 1980) indicará as áreas que tem maior

condição de contribuir para a sobrevivência e aquelas que menos contribuem.

Claramente os negócios mais fracos e mais distantes do contexto do plano

de reestruturação, ainda que promissores no futuro, em geral são descartados.

Alguns estudos abordam critérios de seleção e priorização de tais desinvestimentos.

Esta é uma etapa de identificação e projeção de recursos disponíveis, recursos

10 Tradução livre de retrenchment.

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ausentes, desperdícios e folgas organizacionais11. Às vezes o início do processo é

tardio demais e a organização já alcançou um estágio onde não se enxerga outra

solução senão a liquidação devido à falta dos recursos necessários para a mudança.

A terceira fase é a etapa de reduções propriamente dita. É o momento onde

os conflitos são mais intensos e os riscos são maiores. Nenhuma das partes

envolvidas quer sair perdendo e as negociações são difíceis: varejistas não reduzem

suas margens, fornecedores não aumentam o prazo de pagamento e sindicatos não

querem demissões. Os riscos são maiores porque os planos até então só existentes

no papel possuem falhas e pode haver retaliações das partes prejudicadas. Além

disso, a forma como a estratégia deliberada é executada tem conseqüências para a

qualidade da etapa seguinte. Por exemplo, ao desistir de um negócio na ponta da

cadeia produtiva através de um spin-off a organização ainda mantém certo controle,

mas não capitaliza financeiramente pela saída como seria no caso de uma venda.

Uma atividade associada a essa etapa é a definição de novas práticas de

gestão, outra fonte de conflito. A implantação dessas práticas pode se dar nessa

fase ou na fase seguinte. Se as práticas e crenças institucionalizadas forem

identificadas como parte da causa do declínio, a organização poderá sofrer um

choque cultural se resolver enfrentá-las. Da mesma maneira que a alta gestão às

vezes não é capaz de mudar seus hábitos para evitar a crise, o mesmo pode

acontecer com o resto dos funcionários e uma nova onda de cortes e renovação se

segue. Obviamente, uma das conseqüências desses cortes é a perda de recursos

valiosos involuntariamente, seja porque bons funcionários ou fornecedores procuram

outras empresas, seja porque houve erro na escolha dos recursos eliminados.

Por fim, na quarta fase, investem-se os recursos obtidos na fase anterior na

formação ou no fortalecimento das vantagens competitivas da parte da empresa que

permaneceu. Novamente, dependendo da severidade da crise, pode ser que os

cortes sejam na verdade apenas um redirecionamento de recursos não tão radical.

O resultado da fase anterior pode ser considerado a estagnação da trajetória

declinante de desempenho, enquanto que essa fase constitui o momento onde serão

executadas as ações que permitem uma trajetória de crescimento do desempenho.

11 Folga organizacional são recursos atuais ou potenciais disponíveis, incluindo pessoas, capital, legitimidade, dentre outros. Uma discussão mais aprofundada será apresentada posteriormente.

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Devido ao papel de “carrasco” assumido pela nova gerência na fase anterior, às

vezes um novo gestor é chamado para assumir a empresa após esta reorganização.

Esta fase demonstra que, diferentemente das reestruturações, um processo

de turnaround envolve mais do que reequilibrar finanças ou operações. Para que

uma ação de inflexão de trajetória de desempenho traga resultados duradouros é

preciso que a etapa de redução de tamanho considere as necessidades futuras e as

causas-raiz que levaram ao declínio.

Assim como os modelos de ciclo de vida apresentados anteriormente, as

etapas do processo de turnaround não são completamente separadas umas das

outras. Dependendo de cada caso, a sobreposição das atividades descritas em cada

fase é maior ou menor. A figura a seguir exemplifica as fases do processo

analisadas sob a ótica de uma trajetória organizacional.

Figura 2-2: Exemplo de trajetória e fases do turnaround.

Fonte: autor.

2.2.2 Formação e Transformação do Caráter

No início de suas vidas, as firmas não possuem história, somente seus

indivíduos, e para cada estímulo que recebe, uma resposta é definida. Contudo, à

medida que o tempo passa, tais respostas passam a constar no rol de soluções da

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Exemplo de trajetória e fases do turnaround

Declínio Estagnação Crescimento

Reequilíbrio

Recuperação

Constatação eDiagnóstico

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organização e toda vez que o mesmo estímulo ou outro semelhante surge, a

tendência natural é que se utilize o conjunto de respostas existentes. Assim, com o

tempo, as organizações acumulam aprendizado e experiência, características que

denotam a sua evolução.

Esses padrões de resposta são: (1) históricos, visto que refletem o

desenvolvimento histórico de cada firma; (2) integrados, dado que se repetem ao

longo do tempo; (3) funcionais, uma vez que ajudam na adaptação da firma às

pressões externas e internas; (4) dinâmicos, à medida que novas respostas podem

ser criadas para atender a novas políticas e demandas. Esse conjunto de

características é o que define o caráter organizacional (Selznick, 1957).

O processo pelo qual se forma o caráter organizacional ocorre como

conseqüência da aceitação de compromissos irreversíveis. São escolhas feitas em

processos de decisões críticas que não permitem aos gestores voltarem atrás, a não

ser à custa de conflitos e crises. Cada decisão crítica envolve o equilíbrio e a

negociação de interesses dos grupos que formam as organizações. Esses

momentos surgem ao longo do tempo e, a cada decisão tomada, menos espaço há

para caminhos alternativos. Quanto menor a abertura para que a organização

responda a estímulos, mais definido está o caráter organizacional. O caráter é uma

identidade própria, pois é resultado da história específica de cada organização.

A construção do caráter organizacional é evidência de que certa firma está

se tornando uma instituição: ela deixa de ser uma ferramenta e se torna fonte de

integração de grupos, de satisfação de indivíduos e oferece garantias para seus

membros. Os padrões de resposta das organizações são identificados por Selznick

(1957) como evidências desses processos de institucionalização e de infusão de

valores. Segundo o autor a institucionalização é “o processo que ocorre em uma

organização ao longo do tempo, refletindo sua história particular, as pessoas que

nela estiveram, os grupos que incorpora e seus interesses comuns e a forma como

se adaptou ao ambiente”.

Ao assimilar determinada escolha ao seu caráter, a organização reforça

suas práticas para agir de acordo com seus valores. Crenças e valores são

percebidos como esquemas interpretativos compartilhados pelos membros da

organização (Oliver, 1992). Essa defesa dos valores desenvolve competências que

capacitam a organização a ser cada vez mais eficiente naquele aspecto. Como

crença coerente dos grupos que compõem a organização, os valores são elementos

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que ajudam a mantê-la unida. Mais que isso, dota a organização da capacidade de

sobreviver além das pessoas que a compõem, passando suas características de

geração para geração.

Contudo, essa especialização tem como conseqüência a redução da

capacidade de executar outras atividades. Selznick (1957) apresentou como os

partidos políticos americanos desenvolvem a capacidade de absorver rapidamente

novas ideias e forças sociais, mas incapazes de garantir a execução de suas

demandas dado o baixo envolvimento a organização. Em oposição, o partido

comunista bolchevique possuía um alto grau de envolvimento de seus membros

devido à sua natureza de berço de combate pelo poder, mas que posteriormente

dificultou a capacidade de absorver novas ideias. Assim, ao mesmo tempo em que a

institucionalização fortalece e desenvolve certas competências e a habilita a ser

mais eficiente em certos modos de resposta, ela também cria dificuldades à

sobrevivência da firma ao trazer limitações de resposta.

O conceito de competências dinâmicas (Teece, Pisano, & Shuen, 1997), que

objetivou identificar a fonte da vantagem competitiva (Porter, 1985) sustentável,

também está fortemente fundamentado no papel que a evolução histórica e decisões

passadas têm na capacidade de formação e renovação de suas forças.

Andrade Filho (2003) simplificou o conceito de caráter organizacional

resumindo este ao conjunto de traços que uma organização possui. Por sua vez,

definiu traço organizacional como “uma característica adquirida pela organização ao

longo de sua existência, seja no início ou não de sua formação, resultante de um

processo de institucionalização”. Fleck (2004) definiu traço como um comportamento

consistente que a organização exibe ao longo do tempo. Para ela, é um tipo de

resposta da empresa a um desafio gerencial associado ao processo de crescimento

organizacional (Andrade Filho, 2003). A Figura 2-3 caracteriza o processo de

formação de traços e do caráter.

Essa análise sugere que quanto mais longa a existência de uma firma, maior

a tendência de que ela tenha se desenvolvido como uma instituição e cada vez mais

rígido seu caráter se tornaria. Nesse caso, alterações no ambiente institucional ou

na força das coalizões internas (Cyert & March, 1963) seriam eventos certos de

ocasionar declínio organizacional devido à incompatibilidade da organização com o

meio em que vive.

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Figura 2-3: Desenvolvimento do caráter organizacional.

Fonte: (Andrade Filho, 2003).

Da mesma forma que existem processos que infundem práticas e valores,

também existem aqueles que os transformam ou anulam. A esse fenômeno,

denominamos deinstitucionalização, que se refere a “perda de legitimidade de uma

prática ou procedimento como resultado da contestação da organização ou falha na

reprodução de ações previamente legitimadas ou dadas como certas” (Oliver, 1992).

A presença desse conceito no contexto da evolução organizacional contribui para

complementar os teóricos da institucionalização com relação à explicação dos

motivos pelos quais certos comportamentos organizacionais não persistem ao longo

do tempo. Mais que isso, se torna um fundamento importante para compreender

como as organizações mudam seu caráter e seus comportamentos.

Selznick (1957) destacou o papel que a liderança institucional tem na

formação do caráter. Ele sugere que tais líderes são mais importantes para a

sobrevivência da organização em momentos críticos e que, uma vez

institucionalizados os modos de respostas e critérios de decisão, a firma possui os

meios necessários para sobreviver. Determina as seguintes funções para eles: (1)

definir a missão e papel institucional; (2) incorporação institucional de propósito; (3)

defender a integridade institucional; e (4) organizar conflitos internos. Essas

responsabilidades envolvem a constante reavaliação das demandas internas e

externas e o seu re-balanceamento.

O líder pode ser uma fonte de mudança, apesar de sua responsabilidade

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como defensor dos valores. Ele pode enxergar dentro da organização o surgimento

de contestações e rejeições às práticas antigas e agir para renová-las ou protegê-las

dependendo do seu diagnóstico. Pode existir, por exemplo, um novo equilíbrio de

poder dentro da organização que exige a redefinição de seus valores. A adoção de

uma nova prática pode envolver diferentes níveis de contestação das práticas

correntes. Quanto maior a divergência entre o novo e o velho, mais difícil, custoso e

arriscado se torna o processo.

Elementos que pressionam a mudança do caráter também podem surgir

externamente à organização. Teóricos do novo institucionalismo atribuem ao

ambiente institucional a razão pela qual as organizações adotam certas práticas.

Assim, da mesma maneira que as pressões exercidas por competidores, clientes e

fornecedores podem sugerir determinado comportamento em uma época, alguns

eventos podem remodelar o comportamento de uma parte do campo e refletir em

conseqüências para o comportamento da organização.

A seguir um resumo sobre pressões relacionadas à mudança do caráter das

organizações.

Tabela 2-1: Antecedentes da Desinstitucionalização.

Fonte: (Oliver, 1992).

2.3 ARQUÉTIPOS DE SUCESSO E FRACASSO ORGANIZACIONAL

O modelo de arquétipos de sucesso e fracasso organizacional (Fleck, 2006)

é coerente com a literatura apresentada e com o tema em questão. Ele absorve, ao

mesmo tempo, tanto a abordagem quantitativa de trajetórias, quanto e,

principalmente, a abordagem qualitativa. Além disso, é construído sobre os pilares

da literatura que analisa o sucesso e crescimento organizacional (Chandler, The

Visible Hand, 1977; Penrose, 1980; Barnard, 1938), o fracasso e declínio (Weitzel &

Nível de Análise Pressões Políticas Pressões funcionais Pressões sociais

Crescente crise de

desempenho

Mudança na utilidade

econômica

Fragmentação social

crescente

Interesses internos

conflitantes

Crescente especificidade

técnica

Continuidade histórica

decrescente

Crescente pressão

tecnológica

Crescente competição por

recursos

Mudanças nos valores e

regras institucionais

Mudança na dependência

externa

Eventos e dados

emergentes

Crescente desagregação

estrutural

Organização

Ambiente

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46

Jonsson, 1989; Meyer & Zucker, 1989), institucionalização (DiMaggio & Powell,

1983; Cyert & March, 1963; Oliver, Strategic Responses to Institutional Processes,

1991), arquétipos organizacionais (Mintzberg, 1991; Miller & Friesen, 1978), além de

outros autores. Por fim, é coerente porque se propõe a analisar as condições

necessárias para a longevidade saudável. Assim, é mais útil para a prática da

gestão empresarial e conclusivo para a academia ao oferecer um resultado

prescritivo ao invés de preditivo. Essa é uma grande vantagem para abordar temas

das ciências sociais, pois em geral as variáveis envolvidas estão em grande

quantidade e muitas são desconhecidas.

Seu estudo original partiu da comparação entre a história da General Eletric

(GE) e da Westinghouse (WH), duas companhias americanas centenárias,

inicialmente do setor industrial elétrico, que tiveram destinos bem diferentes.

Enquanto a primeira sempre apresentou crescimento, a segunda terminou sendo

partida e vendida para diferentes empresas no final do século XX. Suas pesquisas

identificaram um conjunto de traços organizacionais diametralmente opostos que

justificam em grande parte suas diferentes trajetórias. Como resultado, a autora

sugeriu um modelo de requisitos para a longevidade saudável, definindo um

referencial de padrões de respostas que contribuem para o sucesso no longo prazo

e outro que dirige a organização para o fracasso. Esses padrões são chamados de

desafios ou traços organizacionais.

Fleck (2006) sugere que todas as organizações habitam um continuum de

possíveis estados de propensão a dois arquétipos ideais extremos: um de

propensão à autodestruição e outro de propensão à auto-perpetuação. Como

estados ideais, as firmas nunca serão definitivamente auto-perpetuáveis ou

autodestrutivas. A classificação nesses arquétipos depende de quão próximo os

padrões de respostas de cada firma estão daqueles identificados pela autora.

Respostas positivas sugerem a auto-perpetuação por aproximarem a organização

das condições necessárias ao sucesso no longo prazo e as negativas sugerem a

auto-destruição por aproximarem a organização do declínio e fracasso.

Diferentes respostas para o mesmo desafio podem e coexistem

temporalmente. Os traços organizacionais formados não seguem o padrão formado

nas empresas de referência e por esse motivo um comportamento pode ser às

vezes positivo e às vezes negativo dentro de um desafio. Além disso, os desafios

possuem sobreposições de eventos que normalmente os caracterizam e a resposta

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dada pela organização a esses eventos pode ser positiva sob o prisma de um

desafio, mas negativa sob o prisma de outro.

Figura 2-4: Modelo de Requisitos de Propensão à Longevidade

Fonte: Fleck (2006) apud Dantas (2007).

A

Figura 2-4 demonstra as relações existentes entre os desafios propostos

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por Fleck (2006) e os principais processos identificados por ela como condições

necessárias a longevidade saudável e sucesso no longo prazo.

Uma adaptação ao modelo de Fleck (2006) foram feitas para esse estudo.

Primeiro, um estado intermediário entre o arquétipo de auto-destruição e auto-

perpetuação foi criado, nomeado arquétipo de sobrevivência. Tal possibilidade já

havia sido ponderada em estudos anteriores (Rodrigues, 2005; Oliveira, 2006) em

seu método de análise, classificando as respostas para cada desafio em termos de

intensidade, definindo uma descrição específica para cada nível de intensidade.

O novo arquétipo aqui proposto, de sobrevivência, também é um arquétipo

ideal, na medida em que idealiza um conjunto de características, assim como os

arquétipos originais. Contudo, diferente destes, pois não se trata de extremos, mas

justamente de uma condição intermediária. Ao invés de combinações de respostas

que aproximam a organização de um dos pólos, o arquétipo sugere um conjunto que

afasta a organização dos pólos. É um arquétipo de negativas: a organização

sobrevivente é não auto-destrutiva e/ou não auto-perpetuável.

Tal arquétipo contribui também para preencher uma dificuldade

metodológica: muitas vezes a análise dos fatos sugere conclusões divergentes

sobre o mesmo desafio no mesmo período de tempo. As conclusões alcançadas por

outros estudos que utilizaram o mesmo modelo se basearam na avaliação, conjunta

ou individual, de freqüência, intensidade e criticidade.

Outro aspecto importante é que o arquétipo resultante da análise é sempre

uma fotografia da organização. Assim como os outros dois, esse também pode

sugerir uma tendência de comportamento futuro baseado no histórico, mas não o

garante. Estudos anteriores utilizando o mesmo modelo (Dantas, 2007; Oliveira,

2006; Rodrigues, 2005) descreveram as organizações através de trajetórias e

enquadraram-nas, fase a fase, em diferentes combinações dos dois arquétipos

originais. Tal recorrência de método corrobora a interpretação dos arquétipos como

temporalmente estática, ainda que fruto e objeto de uma análise processual.

A literatura sugere a existência de padrões de caráter organizacional que

descrevem a firma em um estado intermediário. Porter (1985) utilizou o termo “stuck

in the middle” para definir as organizações que não optam nem por uma estratégia

de custos ou de diferenciação, as duas únicas possíveis, segundo seus estudos.

Whettel (1980) por sua vez cunhou o termo “decline as stagnation” para descrever

organizações que possuem nenhuma ou baixas taxas de crescimento. Ambos

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sugerem que tais modos de resposta podem ser considerados pelos gestores

suficientes para a sobrevivência da organização, mas que são padrões que colocam

em risco a vida da organização no longo prazo por não contribuírem para o seu

fortalecimento. Isso ocorre porque o ambiente no qual a organização está inserido

está em constante mudança devido aos interesses de outros personagens:

governos, clientes, fornecedores e competidores (Barker III & Duhaime, 1997).

Se associarmos o arquétipo do sucesso a uma trajetória de crescimento e o

arquétipo do fracasso a uma trajetória de declínio, é natural supor que haveria um

arquétipo equivalente para a trajetória de estagnação. O arquétipo de sobrevivência

se torna, portanto, um padrão identificável dos pontos de inflexão de trajetórias

organizacionais.

É importante ressaltar que se por um lado um estado de estagnação é visto

como um sinal de declínio, por outro também poderia ser percebido como um sinal

de crescimento. Depende da situação anterior, do histórico. Empresas que sejam

classificadas como sobreviventes após um longo período de sucesso, certamente

deveriam se preocupar. Contudo, ser sobrevivente após estar próximo à falência

certamente é algo positivo. Dessa forma, entender e identificar uma organização em

estado de sobrevivência contribui para a identificação antecipada de dificuldades,

como também para discussão de caminhos para evitar o fracasso final.

A Tabela 2-2 apresenta a síntese e definição de cada desafio dentro de cada

arquétipo modelado.No tópico a seguir é apresentado em detalhe cada um dos

processos identificados, assim como os desafios compilados por Fleck (2006).

2.3.1 Processos

2.3.1.1 Crescimento e renovação

Meyer e Zucker (1989) demonstraram como organizações podem existir

anos a fio em situações críticas. Contudo, também demonstraram que sob essas

condições as organizações são frágeis e a firma se torna incapaz de responder a

pressões externas. O crescimento organizacional tem um papel fundamental na

longevidade das organizações. Mais que viver por muitos anos, o crescimento

contínuo auxilia na construção de uma história saudável para as firmas.

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Tabela 2-2: Arquétipos, desafios e respostas.

Fonte: adaptado pelo autor a partir de (Fleck, 2006).

Arquétipo Auto-destrutiva Sobrevivente Auto-Perpetuante

Descrição

Ações que implicam diretamente

na ameaça à sobrevivência da

organização, piorando sua

condição de vida, enfraquecendo-

a em sua capacidade de

responder aos desafios.

Ações de manutenção das

condições de vida, não havendo

interesse ou recursos para

melhorá-las, mas também sem

reduzir a capacidade existente

de respostas.

Ações que favorecem

diretamente a melhoria das

condições de vida da organiza-

ção, principalmente no longo

prazo, tornando-a cada vez mais

forte para superar os desafios

que possam surgir.

Desafio Descrição Auto-destrutiva Sobrevivente Auto-Perpetuante

Sedentária Esportista Amador Campeão olímpico

Destruição de valor na organi-

zação, seja pela má avaliação de

expansões ou uma posição

excessivamente defensiva,

perdendo ou fugindo de

conflitos competitivos.

Esporádicos serviços empre-

endedores, a organização

mantém posições de mercado e

desenvolve um crescimento

incremental, com baixo risco e

retorno, ou então saltos de

crescimento não consistentes.

Criação de valor pelo desenvol-

vimento de novos negócios e

mercados ou ampliação das

vantagens competitivas em

posições existentes, dispondo

constantemente de serviços

empreendedores.

Cega e surda Rápida e pragmática Visionária e nunca satisfeita

Ausência de preocupação com a

legitimidade ou respondendo de

maneira inadequada às

demandas dos stakeholders.

Na grande maioria das vezes

está atenda às demandas e

oferece respostas adequadas.

Porém, está sempre sob pressão

um pouco mais forte de algum

stakeholder.

Envolvimento direto e constante

na melhoria das relações com os

stakeholders, antecipando suas

demandas e aumentando sua

legitimidade em todas as

dimensões.

Seguidor Gestor Líder

Redução da capacidade decisó-

ria das pontas ou péssimo

controle sobre as unidades.

Desperdícios pela manutenção

de estruturas idênticas desne-

cessárias e ausência de conhe-

cimentos diversificados.

Mantém sua capacidade de

coordenação assim como seus

relacionamentos, buscando

reequilibrar sempre que as

expansões reduzem esses níveis.

Construção de novos laços que

fortalecem a integridade da

empresa e aproveitam sinergias

existentes ou know-how

diversificado. Aumento da

qualidade da autonomia,

reduzindo o esforço de controle

Perdido Executor Planejador

Recorrentemente faltam à

organização os recursos

necessários, sejam eles em

quantidade ou em qualidade. Os

talentos fogem da organização e

cria-se um círculo vicioso de

baixa capacitação e qualificação.

Oferece recursos semelhantes

aos existentes e geralmente

atende a demanda. Os níveis de

qualificação evoluem em um

ritmo incremental. Os talentos

ficam sob condições de

incerteza, havendo espaço de

crescimento para poucos.

Provisão antecipada de recursos

qualificados, e desafio constante

ao patamares de desempenho.

Os talentos buscam a

organização, pois as

oportunidades de crescimento e

desenvolvimento são muitas

Secretário Analista Gênio

Baixa capacidade na resolução

de problemas, seja pelo baixo

grau de sistematização ou pela

disponibilidade de

conhecimento. As soluções em

geral são insuficientes, gerando

retrabalho.

Boa capacidade de resolução de

problemas dentro de um escopo

definido. Capaz de resolver

novos problemas. Contudo, a

absorção e a disseminação do

aprendizado é difícil.

Implementa a solução suficiente.

Alta capacidade em

sistematização e disseminação,

além de possuir escopo

abrangente de soluções. Em

geral implementa a melhor

solução, causando reflexos

positivos em outras dimensões

além daquela analisada.

Haiti Brasil Mina de Salomão

Ausência de recursos

qualificados, margem

operacional deteriorada,

imagem abalada, dependência

de atores externos para financiar-

se, recursos alocados para

apagar os incêndios

Recursos humanos sob medida,

margens equivalentes às

praticadas no mercado, manu-

tenção de sua imagem, financia-

se para a manutenção, aplica-

ção em projetos de longo prazo

somente quando necessário

Constante disponibilidade de

recursos altamente qualifi-cados,

margens operacionais acima da

média do mercado,

credibilidade, capacidade de se

financiar, investimentos em

projetos e recursos com retorno

no longo prazo

Aprovisionamen

to de Recursos

Humanos

Constante fornecimento

à firma dos recursos

humanos qualificados

Gestão da

Complexidade

Gerenciamento de

questões complexas e

resolução de problemas

com complexidade

crescente, evitando

riscos à existência da

organização

Gestão da Folga

Gerenciar a produção e o

uso de folga para

promover o crescimento

constante e manter a

integridade da

organização

Empreendedoris

mo

Promoção contínua do

empreededorismo

através do fomento ao

desejo da firma de

promover expansões

auto-reforçantes que

criam valor previnindo a

super-exposição ao risco

Navegação no

ambiente

Lidar com múltiplos

interessados da

organização para

asegurar captura de valor

legitimidade

organizacional

Gestão da

Diversidade

Sustentação da

integridade da firma em

face de crescente

rivalidade e conflito

organizacional

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O processo contribui para a longevidade principalmente quando o

crescimento surge de um ciclo auto-reforçado. É através desse tipo de crescimento

que os movimentos de expansão (Chandler, 1977) geram novos recursos, em

maiores quantidades ou em melhor qualidade, que oferecem à firma uma gama cada

vez maior de caminhos. Fleck (2003) definiu essas opções através de um

mecanismo de auto-reforço do crescimento contínuo, representado a seguir.

Figura 2-5: Mecanismo de auto-reforço do crescimento contínuo.

Fonte: (Fleck, 2003)

A autora sugere que, a partir de um desequilíbrio entre a capacidade da

firma e a demanda existente, a firma decide investir em novas atividades. Com o

sucesso nessas novas empreitadas a firma adquire novos recursos que causam um

novo desequilíbrio dando origem a um novo ciclo. Esse mecanismo foi exemplificado

através de quatro possíveis motores utilizados pelas firmas:

(1) inercial, decorrente da replicação das operações visando atender uma

demanda gerada pela difusão dos benefícios oferecidos pela firma;

(2) inovação, ocasionado pela criação de soluções para os desafios

existentes e identificação de novos trade-offs;

(3) horizontal, surgindo da aquisição de competidores mais fracos e da troca

de vantagens competitivas; e

(4) diversificação relacionada, onde através da transferência de recursos

sub-utilizados para atividades correlatas a firma descobre e adquire recursos

diferentes dos que existiam previamente.

Outro processo identificado pela autora como condição necessária à

formação das grandes empresas e, como conseqüência, parte do processo de

crescimento, está relacionado ao comportamento da indústria onde a firma atua. Na

verdade também trata-se de um motor que é aplicável nas relações entre partes e

todo. A firma é uma parte do todo indústria, assim como unidades de negócio são

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partes que compõem o todo firma e assim por diante. O esquema a seguir

representa esse motor e seus principais elementos.

Figura 2-6: Motor de co-evolução aplicado à firma.

Fonte: (Fleck, 2003).

Sua argumentação segue a seguinte lógica. A partir da cooperação entre as

firmas pertencentes a uma mesma indústria, certo grau de padronização surge. A

partir dessa padronização uma série de dificuldades para a operação de todas as

firmas é eliminada, por exemplo, reduzindo os preços de equipamentos vendidos por

fornecedores. Esses elementos que outrora diferenciavam as firmas agora as

tornam homogêneas. Dessa igualdade surge a necessidade de diferenciar-se

novamente, provocando um novo nível de competição entre as firmas. Aplicado ao

par firma-empregados, a padronização e competição entre empregados cria uma

fonte de crescimento para a firma.

Assim, crescendo e renovando-se constantemente a firma desenvolve uma

propensão à longevidade saudável.

2.3.1.2 Manutenção da integridade

O sucesso gera o fracasso (Starbuck, 1965). Apesar do crescimento ser uma

condição necessária para a longevidade saudável, ele também traz potenciais

ameaças para a firma. Fleck (2006) identificou pelo menos cinco conseqüências

negativas. Devido ao crescimento diversas pressões à integridade se acentuam:

maior rivalidade; menor cooperação; fraca capacidade de coordenação; avaliação

incompleta das situações; e recrutamento ruim.

Essas pressões fortalecem a formação de grupos internos e os distanciam

uns dos outros. À medida que a firma perde a sua capacidade de atender a

diferentes anseios das diferentes coalizões que a constituem, ela passa a não ter

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mais utilidade para eles. Em vista da possível perda de seus benefícios, as coalizões

passam a adotar medidas menos sadias para resolver suas diferenças. Os conflitos

podem ameaçar a manutenção da firma como uma única entidade e forçá-la a

dividir-se e a deixar de existir.

O crescimento também favorece a formação de novos grupos, pois ao

crescer precisa se diversificar, não somente em termos de mercados e produtos,

mas também em termos funcionais. Departamentos de menor importância passam a

deter poder e desejo em influenciar o destino da organização.

Fleck (2003) também identificou um processo necessário à existência

continuada, além da questão do crescimento e mais relacionada à manutenção da

integridade. Ela extraiu da literatura a importância que a carreira vitalícia dos

empregados tinha na qualidade dos investimentos da organização. Em companhias

onde os gestores possuem compromisso de longo prazo com a firma, os

investimentos terão como objetivo a existência continuada da firma, uma vez que

eles dependem de sua existência no futuro distante para realizar seus anseios.

2.3.2 Desafios ou traços

O comportamento da organização só existe e só pode ser descrito através

das ações e comportamentos dos indivíduos que a compõem e agem em nome dela.

O comportamento do indivíduo pode influenciar o comportamento organizacional,

mas à medida que certos valores são institucionalizados ao longo do tempo, é cada

vez menor o efeito que um indivíduo qualquer pode causar sobre o comportamento

adotado coletivamente. Na verdade, é justamente o oposto que ocorre: a influência

que a organização causa no comportamento do indivíduo é cada vez maior.

Conforme descrito anteriormente, o modelo de arquétipos aqui utilizado se

baseia no conceito de traços organizacionais e refere-se aos comportamentos

adotados pela organização, não por seus indivíduos. Assim, todos os traços e

posteriores análises buscam descrever o comportamento do objeto de estudo

“organização”, mesmo que só seja possível identificá-los e operacionalizá-los

através da análise das ações empreendidas por seus indivíduos.

2.3.2.1 Empreendedorismo

Para desenvolverem a propensão a longevidade saudável é condição

necessária, segundo Fleck (2006), o contínuo crescimento e renovação da

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organização. Isto porque as vantagens que constrói, com o tempo, começam a se

deteriorar frente ao desenvolvimento de competidores, fornecedores e clientes em

um ambiente competitivo.

Para ser capaz de ter uma posição vantajosa constantemente, a firma deve

possuir serviços produtivos (Penrose, 1980) específicos necessários para o

processo de crescimento. Penrose (1980) classifica tais serviços em

empreendedores e gerenciais. Os serviços gerenciais são as funções executadas

pelos recursos da organização para administrar e coordenar o dia a dia da operação,

mantendo os níveis correntes de produção. Os serviços empreendedores são

aquelas contribuições à firma relacionadas à absorção e criação de novas ideias,

principalmente quando relacionadas ao processo produtivo, ampliando a capacidade

produtiva. São vários os serviços que contribuem para essa renovação, mas

segundo a autora quatro são essenciais:

Ambição – é o desejo constante em se alcançar níveis de lucratividade

maiores do que aqueles até então alcançados, mesmo que para tanto seja

necessário aumentar o esforço, o risco ou o investimento. Penrose (1959) destaca a

diferença entre firmas empreendedoras que desejam formar impérios e aquelas que

têm boa índole em sua busca12 e que somente os últimos produzem um efeito

duradouro no crescimento das organizações;

Levantamento de financiamento – Trata-se da capacidade de levantar

recursos para investir em novos empreendimentos até o momento em que possua

tamanho e posição onde possua acesso mais fácil a recursos financeiros. Envolve a

habilidade em criar confiança junto a possíveis investidores e financiadores.

Segundo Penrose (1959), sempre existirá fontes de financiamento para investir em

negócios lucrativos e, baseando-se nessa visão, uma empresa com esse serviço

empreendedor disponível não estará condicionada a situações de mercado para

crescer;

Julgamento empresarial – Trata-se do interesse e habilidade da firma em

coletar informações para ser capaz de considerar corretamente o impacto dos riscos

e incertezas envolvidos em seus planos. O serviço existe em uma organização

quando se nota nos passos de expansão o desejo de se conhecer os riscos e

12 Empire-builders versus Good-will builders.

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incertezas envolvidos em cada novo passo, assim como a intenção de reduzir sua

probabilidade ou impacto sempre que possível;

Versatilidade – Trata-se da capacidade de investigar caminhos para a

expansão onde não é óbvio para a maioria das pessoas, além da capacidade de

investigar as possibilidades de novos serviços provenientes de recursos produtivos

já existentes. Uma organização versátil é capaz de enxergar além de suas fronteiras,

encontrando maneiras criativas de empreender.

Outro aspecto relevante dentro do desafio de empreendedorismo é a

motivação existente nos movimentos de expansão empreendidos pela organização.

Chandler (1997) sugere que, ao exercer movimentos produtivos de expansão, que

prezam pela geração de economias de escopo, de escala e de velocidade, as

organizações estão mais propensas a criar um ciclo de reforço contínuo de

crescimento. Por outro lado, os movimentos de expansão defensivos, aqueles cujo

objetivo é reduzir incertezas e proteger negócios existentes, têm um impacto

momentâneo no processo de crescimento e não geram um ciclo de auto-reforço.

Fleck (2006), por sua vez, complementa a visão do autor, definindo a

existência de dois outros tipos de expansão: a híbrida e a nula. A primeira se refere

aos movimentos exercidos pelas organizações que geram economias ao mesmo

tempo em que protegem os domínios existentes. Já os movimentos de expansão

nulos não geram efeitos, nem pelo lado do aumento das economias, nem pela

proteção ou redução da incerteza. Assim, expansões nulas estão comumente

associadas aos anseios dos construtores de impérios, citados anteriormente, e

constituem, na prática, um grande desperdício de recursos.

Tais movimentos contribuem de maneira significativa para entender os

processos de crescimento e manutenção da integridade da firma. Chandler (1977)

discute a existência de algumas maneiras de se exercer os movimentos de

expansão:

Produtividade e eficiência – Trata-se dos movimentos de expansão que

liberam recursos operacionais para que sejam investidos em atividades de longo

prazo. São movimentos de expansão que, através do incremento no volume

produzido, por exemplo, aumentam a eficiência da produção;

Internalização de transações (vertical) – Trata-se dos movimentos de

expansão com o objetivo de aumentar o valor criado pela empresa substituindo de

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maneira mais eficiente as relações de mercado ou outros atores do ambiente

econômico. Um segundo objetivo possível é ter maiores garantias de um fluxo

contínuo de operação, seja de fornecimento (upstream) ou consumo (downstream);

Novos mercados e produtos (diversificação) – Trata-se dos movimentos de

expansão com o objetivo de aumentar o valor criado pela empresa, através: (1)

ganhos de escala, escopo e velocidade; (2) redução dos custos unitários pela

melhor utilização da infra-estrutura administrativa. Ou seja, para que se trate

realmente de um movimento de expansão produtiva devem existir sinergias entre os

negócios atuais e os novos;

Mercados e produtos correntes (horizontal) – Trata-se dos movimentos de

expansão com o objetivo de criar valor fazendo mais do mesmo ou manter o valor

criado pela empresa protegendo os mercados onde atua.

Chandler (1977) e Fleck (2006) sugerem que algumas dessas maneiras

estão mais associadas a determinados movimentos, mas que tal associação não

constitui uma relação necessária. Aquisições de empresas dentro da mesma

indústria, por exemplo, estão mais associadas aos movimentos de expansão

defensiva, pois em geral buscam proteger a firma das pressões da competição.

Contudo, as duas empresas envolvidas na compra podem ter grau de presença

complementar em mercados distintos não permitindo, portanto, fazer uma

associação direta de que toda aquisição dentro de uma mesma indústria é

necessariamente um movimento de redução da competição.

Assim, entre seus movimentos de expansão e suas intenções, associadas

aos serviços disponíveis internamente para manter o crescimento e renovação

contínua, a organização é mais capaz ou menos capaz de criar valor em uma base

regular, favorecendo e fortalecendo sua posição competitiva (Porter, 1980) no longo

prazo.

2.3.2.2 Navegação no Ambiente

A organização empreende e, para que os recursos utilizados nesse

empreendimento não sejam desperdiçados, ela precisa proteger os ganhos

auferidos do empreendimento para que outras organizações não capturem esse

valor. É uma postura pró-ativa na sua relação com o meio onde está inserida. Além

disso, ao empreender, ela naturalmente busca direcionar-se para onde foram

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identificadas as melhores oportunidades, onde pode criar mais valor com os

recursos disponíveis (Penrose, 1980). Também deve atuar, sempre que possível, no

ambiente para propiciar condições favoráveis às suas atividades, maximizando o

valor retido a partir dos benefícios gerados por elas (Pfeffer & Salancik, 1978).

Comportamentos auto-perpetuáveis favorecem atividades empreendedoras

que criam valor e atividades de navegação que protegem o valor criado. Já um

comportamento de crescimento momentâneo favorece a captura de valor de outras

fontes que não a própria capacidade de empreender ou a criação de valor sem a

devida proteção. Um comportamento autodestrutivo, por outro lado, não desenvolve

a capacidade de criar valor constantemente nem a de proteger o que foi criado.

As organizações respondem também às pressões institucionais, demandas

por adequação ao ambiente institucional, além das pressões competitivas (Porter,

1980) mais facilmente compreendidas. Isso ocorre devido à necessidade por

estabilidade e legitimidade, equilibrando expectativas dos seus constituintes

externos com seus próprios interesses (Doyle, 1994).

No que tange o alcance da legitimidade da organização na sociedade, a

navegação no ambiente se trata da adequação na escolha de respostas estratégicas

às pressões institucionais exercidas pelo ambiente (Oliver, 1991), buscando

preservar sua integridade e permitindo o crescimento e renovação contínua. Avaliar

a qualidade das respostas estratégicas implica em identificar as dimensões que

definem o tipo de pressão exercida e as condições nas quais a organização se

encontra (o que quer e o que pode fazer) para tomar decisões entre aceitação,

negação e influência nas pressões por conformidade.

Oliver (1991) classificou as respostas estratégicas tanto quanto a sua

natureza (de uma resposta mais reativa até respostas mais pró-ativas) quanto aos

critérios que determinam qual seria o tipo de resposta mais provável de acordo com

a situação. No primeiro caso, quanto à natureza, a autora definiu cinco grupos:

Aceitação, Comprometimento, Evasão, Confrontação, Manipulação. Três respostas

compõem cada um. Tais respostas podem ser vistas em detalhe no Anexo I.

Fleck (2006), por sua vez, reagrupou essas respostas em três tipos: (1)

moldagem do ambiente, que englobam as táticas de desafio e manipulação; (2)

neutralização das pressões, equivalente as estratégias para evitar as pressões; e (3)

ajuste, equivalente a aceitação e comprometimento. Na sua visão, a organização

deve, sempre que possível, atuar sobre o ambiente onde vive (antecipando ou

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modificando pressões institucionais) e, quando necessário, evitar o enfrentamento e

adaptar-se às pressões para manter as condições de existência.

Dado que a aceitação de algumas pressões é obrigatória, é necessário

entender quais características podem facilitar a compreensão das escolhas feitas

pelas organizações. As dimensões preditoras do tipo de resposta que a organização

possui, conforme a visão de Oliver (1991), são 10 no total, divididas em cinco grupos

contendo cada um duas dimensões, detalhadas no Anexo I.

Para entender a resposta que a organização dará a determinada pressão

institucional, Oliver (1991) sugere a análise conjunta desses fatores para

compreender a racionalização que está por trás da escolha das respostas

estratégicas. Fleck (2006), por sua vez, entende que o uso adequado de todas as

estratégias representa uma resposta positiva ao desafio da navegação, juntamente

com o monitoramento constante do ambiente.

Faz sentido, portanto, que as organizações desenvolvam competências para

torná-las capazes de interpretar adequadamente as situações e de reduzir a

necessidade de escolha de trade-offs entre a sua legitimidade perante os seus

stakeholders, a sua eficiência econômica e o controle sobre seu direcionamento

futuro. Quanto mais consciente sobre as pressões exercidas e sobre as

conseqüências de suas respostas, mais provável será o uso adequado das

estratégias. Além disso, quanto mais cedo forem identificadas essas pressões e

quanto maior for a autonomia da organização, maior será a possibilidade de atuar no

ambiente em seu favor.

2.3.2.3 Gestão da Diversidade

Uma organização pode ser entendida como uma coalizão (Cyert & March,

1963) de grupos ou pessoas que possuem, ao mesmo tempo, alguns objetivos

coerentes entre si e outros completamente divergentes. É a coesão de objetivos que

permite que tais organizações sejam formadas, mas é a existência de diferenças de

opinião e desejos que pressiona a fragmentação da instituição, principalmente

através do conflito. Muitas vezes esses grupos são agentes externos como

fornecedores e clientes que também devem ser administrados com cautela devido à

dependência dos recursos por eles fornecidos (Cyert & March, 1963).

A busca por eficiência no uso dos recursos pode ser alcançada em

detrimento do controle, aumentando a autonomia das partes para que identifiquem o

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uso mais adequado dentro de suas perspectivas. Além disso, a autonomia reduz a

necessidade de recursos gerenciais alocados na administração dos negócios,

traduzindo-se em ganhos de escala. Contudo a autonomia deve ser administrada de

maneira que evite conseqüências negativas à integridade da firma. A falta de

controle pode transformar a organização em uma coleção de partes que não

desfruta de nenhum ganho de sua existência conjunta ou mesmo constituir objetivos

tão opostos que não permitam a sua coexistência construtiva.

A organização enfrentará ao longo de sua história, inevitavelmente,

situações onde precisará utilizar capacidades em coordenação, seja na resolução de

situações de conflito ou na identificação da melhor forma de equilibrar autonomia e

responsabilidade, principalmente porque à medida que cresce se torna mais diversa

e mais complexa, gerando mais oportunidades de conflito e necessidade de

autonomia. Portanto, as dimensões a seguir relatam os principais aspectos que

devem ser considerados na gestão da diversidade:

Resolução de conflitos – refere-se à forma como a organização resolve seus

conflitos e rivalidades, permitindo ou não a manutenção de direcionamentos

divergentes sobre aspectos relevantes da natureza da organização;

Estruturas integradoras – formação e dedicação de recursos para funções

organizacionais tais como: comitês permanentes, forças-tarefa, departamentos de

integração (aquisições, processos, recursos). A existência de tais estruturas permite

um maior grau de alinhamento entre as atividades desenvolvidas pelas partes que

compõem a organização e a identificação de oportunidades de criação de valor

através do compartilhamento e intercâmbio de recursos;

Qualidade da autonomia – trata-se do grau de liberdade e abrangência com

que as unidades da organização tomam decisões, dependendo da distância para o

topo, do grau de independência de suas escolhas e do tipo de responsabilidade que

unidades de negócio e unidade corporativa desempenham.

O desafio é maior quando considerada a pressão exercida pelo processo de

crescimento, pois a contratação de novos recursos, ainda que selecionados de

maneira a preservar a homogeneidade dos mesmos, sempre trará um grau mínimo

de heterogeneidade. Para tanto a organização deverá ser capaz de desenvolver

processos que utilizem, da melhor maneira possível, os recursos que dispõe,

fortalecendo os relacionamentos entre esses recursos sob três aspectos:

Compartilhamento – uso compartilhado, incluindo o uso simultâneo ou

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rotativo, de recursos equivalentes entre as partes tais como: instalações, pessoal,

processos, produtos e serviços que a empresa oferece, aspectos da cultura (mitos),

reputação e serviços internos;

Intercâmbio e combinação – intercâmbio (troca/alocação temporária) de

recursos heterogêneos diversos tais como: de instalações, pessoal, produtos e

serviços que a empresa oferece, aspectos da cultura (mitos), percepção de

ameaças, reputação e serviços internos;

Homogeneização – padronizar recursos (cultura, processos, equipamentos,

etc.) obtendo ganhos de escala, escopo e velocidade, além de torná-los raros e

difíceis de imitar devido às idiossincrasias inerentes a sistemas sociais complexos.

2.3.2.4 Aprovisionamento de Recursos Humanos

Vários autores (Chandler, 1990; Fleck, 2006; Penrose, 1980)destacam que

um dos principais recursos necessários para o crescimento da organização é a

existência de um corpo administrativo experiente. Chandler (1990) descreveu que

uma das principais ações desenvolvidas pelas empresas gerenciais13 que

entenderam rapidamente a lógica do capitalismo moderno foi o intenso investimento

na formação de recursos humanos que pudessem proporcionar uma forte

coordenação administrativa.

Essas empresas possuíam uma hierarquia de gerentes assalariados

coordenados por um conselho de diretores. Através dessa hierarquia, formada por

diversos escalões gerenciais, a organização promovia objetivos de longo prazo para

os profissionais que faziam parte da organização, pois estes passaram a ter como

meta pessoal permanecer e crescer dentro da firma, construindo uma carreira e

galgando as posições superiores. Assim, a firma criava uma relação de necessidade

de sobrevivência mútua e conseguia incorporar em sua orientação os anseios

desses administradores (Chandler, 1992).

Os investimentos em recursos humanos que podem proporcionar uma forte

coordenação administrativa foi uma das condições necessárias para o sucesso das

grandes firmas gerenciais.

“Uma vez que as modernas empresas industriais foram estabelecidas, os gestores encarregaram-se do resto. Logo quando os investimentos inter-

13 Do original em inglês “Managerial enterprise”.

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relacionados em produção e distribuição foram realizados e o time gerencial foi recrutado, organizado e treinado, as habilidades críticas necessárias ao crescimento contínuo e à performance de sucesso em empresas e indústrias nas quais os mesmos operavam, tornaram-se mais gerenciais do que empreendedoras ou financeiras.” (Chandler, 1990, p. 598).

Penrose (1980) também destacou a importância e definiu as dimensões

essenciais para avaliação da qualidade dos serviços gerenciais disponíveis à

organização, resultante da existência do corpo de executivos profissionais das

firmas, descritos a seguir:

Experiência – Trata-se dos conhecimentos adquiridos pelo corpo gerencial

com relação ao negócio e as relações internas do grupo de administração. É a curva

de aprendizado dos profissionais com relação a como agir dentro da empresa e nos

mercados onde atua;

Relacionamentos interpessoais – Trata-se do tempo e da proximidade com

que gestores trabalham juntos. Quanto mais tempo e mais próximos, mais forte a

relação, levando a um maior nível de confiança e cooperação, condição necessária

para permitir a existência de atividades de planejamento extenso;

Planejamento – Refere-se à disponibilidade de recursos gerenciais para o

desenvolvimento dos planos necessários para a realização de movimentos

estratégicos, além da operação diária.

Essas características só são possíveis através do desenvolvimento

adequado dos recursos disponíveis internamente, pois são características que não

são facilmente absorvidas a partir do mercado e demoram muito até serem

produzidas. Entre as formas de construir essa adequação e manter a qualidade dos

recursos estão:

Avaliação – uso de ferramentas de avaliação que permitam a identificação

de pontos de melhoria e nivelamento;

Renovação e intercâmbio – capacidade de renovar seus recursos na medida

em que se torna necessário adaptar-se às mudanças do ambiente e da

complexidade da empresa;

Desenvolvimento e formação – Trata-se da criação dos recursos adequados

à organização, com experiência no negócio e nas relações interpessoais existentes

na firma.

A disponibilidade desses recursos humanos gerenciais e outros recursos

especializados é um fator determinante principalmente para evitar descontinuidades

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no processo de evolução das organizações. Segundo Penrose (1980): “a quantidade

máxima de expansão será determinada pelos serviços gerenciais disponíveis para a

expansão em relação à quantidade destes serviços demandados pela própria

expansão” (p. 200).

A disponibilidade pode ser vista através de três dimensões:

Antecipação – Prover a organização com um fluxo contínuo de serviços

produtivos, reduzindo a incerteza e a dependência do ambiente em prover recursos

valiosos;

Retenção – Permite a sustentação das vantagens competitivas alcançadas,

pois gestores experientes são recursos valiosos, imperfeitamente imitáveis e

imperfeitamente substituíveis. A perda de recursos desse gênero trata-se de

desperdício no investimento do desenvolvimento dos mesmos;

Sucessão – reflete a preocupação da organização em estar preparada para

eventuais perdas, permanentes ou temporárias, dos recursos humanos, seja por

dificuldades na retenção de seus talentos, pela saída inevitável como aquelas que

decorrem de aposentadorias ou acidentes, ou pela própria ascensão profissional de

seus executivos.

Portanto, a gestão desse desafio envolve a capacidade que a firma

desenvolve de fornecer os serviços gerenciais, na quantidade, qualidade e tempo

necessários para manter o seu ritmo de crescimento. Isso sem colocar em risco a

existência da firma por possíveis fontes de fragmentação futura devido a respostas

emergenciais às demandas por recursos.

2.3.2.5 Gestão da Complexidade

É na gestão da complexidade que se concentram as questões relativas à

administração das conseqüências do crescimento, em especial na capacidade da

firma de aprender e na forma como resolve seus desafios. Nesse sentido, entende-

se que a forma como a firma lida com esse desafio reflete na capacidade da mesma

em responder a todos os outros desafios, pois trata-se da qualidade do processo de

institucionalização. Por esse motivo também engloba a capacidade de

“desaprender”, sendo capaz de desconstruir premissas antes válidas sempre que

novas informações surgem.

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Para Fleck (2006) trata-se da capacidade que a organização desenvolve em

resolver problemas complexos, questões onde existe uma grande quantidade de

variáveis dependentes umas das outras. A organização deve desenvolver meios

para melhor responder a esse desafio sob três aspectos:

Amplitude da busca – envolve a busca por soluções em outras áreas além

da diretamente relacionada ao problema, contribuindo para a identificação de

soluções mais adequadas, seja através de formas mais eficientes de resolver o

problema ou mesmo através da antecipação das conseqüências da adoção de

determinada solução. Por vezes uma busca mais ampla é resultado não só do

comportamento da organização, mas também da limitação de tempo ou da

disponibilidade ou qualidade dos recursos;

Aprendizado – refere-se ao lócus final do resultado do processo de

resolução de problema, com posterior explicitação do conhecimento e disseminação.

Ao final de um processo de resolução de problemas, na medida em que a

organização consegue explicitar o conhecimento adquirido e disseminá-lo, a

organização poderá resolver de forma mais eficiente ou mesmo aumentar o nível de

qualidade da resposta sem desperdiçar recursos;

Forma da busca – requer procedimentos sistemáticos de recolhimento de

informação, análise, critérios de decisão, tomada de decisão e implementação.

Assim, a qualidade da resposta para cada desafio é impactada pelos

sistemas que foram desenvolvidos para aquele tipo de questão, pela importância e

capacidade da organização em buscar e sugerir formas diferentes e também do

quanto a organização consegue absorver para si o aprendizado desenvolvido por

seus profissionais.

2.3.2.6 A Questão da Folga Organizacional

A definição mais adotada para folga organizacional é a adotada por

Bourgeois III (1981), descrita da seguinte forma: “a folga é o ‘colchão’ de recursos

reais ou potenciais que permitem à organização adaptar-se com sucesso à

mudança, através do fornecimento de meios para adequar estratégias ao ambiente

externo” (Sender, 2004).

A definição possui duas dimensões importantes: primeiro, refere-se e

descreve um objeto, o recurso organizacional; segundo, considera relevante o tipo

de uso que pode ser dado a esse recurso como fundamental para a sua definição.

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Vários autores que complementam essa visão sobre folga definem mais

especificamente os diferentes usos possíveis para os recursos organizacionais

sobressalentes que os caracterizam como folga, contrapondo-se com certos autores

que mantém o foco sobre os recursos em si. Por exemplo, Nohria & Gulati (1995)

“definem folga como conjunto de recursos em uma organização em excesso ao

mínimo necessário para um dado nível de produção” (Sender, 2004).

Uma definição levada ao extremo considera que determinado recurso só

pode ser considerado folga quando da sua identificação e aplicação pelos gestores

(Sharfman, Wolf, Chase, & Tansik, 1988). Nesse mesmo estudo diferenciou-se entre

folgas organizacionais e amortecedores organizacionais. O primeiro é uma entidade

física que é capaz de proteger a organização de variações internas e externas,

usado quando há conflitos de demanda externa. O segundo é composto por

sistemas intangíveis que só protegem a organização de flutuações externas, usado

em condições de alta dependência de recursos (Sender, 2004). No modelo de

arquétipos, a folga organizacional é “composta por todo tipo de recurso que excede

o que é necessário para que a firma opere em um determinado nível de

desempenho” (Fleck, 2006).

O fato da literatura acadêmica apontar para a identificação do uso dado aos

recursos disponíveis como fator fundamental na definição de folga organizacional,

contribui para a visão do autor de que sua consideração no modelo de arquétipos de

Fleck (2006) sugere uma elevação do elemento dentro do modelo a desafio.

Sender (2004) identificou na literatura três naturezas de folga: (1) recursos

humanos, disponíveis além do mínimo necessário; (2) recursos financeiros, com

liquidez e sem previsão de uso nas atividades correntes da empresa; e (3) recursos

físicos, produtos e equipamentos relacionados ao processo produtivo em quantidade

acima da suficiente para atender o volume conhecido. Contudo, seu estudo tinha

como base a possibilidade de dimensionamento (quantificação) dos recursos

considerados como folga. Recursos não quantificáveis, porém, também são

relevantes para o processo de crescimento e manutenção da integridade da firma,

tais como: reputação, tecnologia, marca e relacionamentos.

De certa forma, a opção pela adoção apenas de recursos quantificáveis

como possíveis naturezas para a folga poderia fazer sentido dado que recursos

como pessoas e dinheiro são empregados no desenvolvimento de folgas como

tecnologias e marca. Porém, é justamente esse processo de mutação e a

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disponibilidade específica desses tipos que caracteriza a grande funcionalidade da

folga no modelo de arquétipos. Dado esse argumento, os recursos físicos apontados

por Sender teriam seu lugar questionado como possível natureza de folga

organizacional, afinal assume-se que boa parte deles são facilmente comprados ou

vendidos e convertidos em folga financeira e vice-versa.

A autora também resumiu em quais tipos a folga organizacional poderia ser

classificada. Também são três, todos variando quanto à facilidade de acesso que a

organização possui aos recursos ali enquadrados. O quadro abaixo resume os

diferentes tipos dentro da classificação.

Tabela 2-3: Possíveis classificações quanto ao tipo de folga.

Fonte: (Sender, 2004).

Finalmente, precisamos conhecer o papel que a folga pode assumir nas

organizações, pois é este parâmetro que define a qualidade da gestão da folga

organizacional na evolução da firma. Se o uso dos recursos excedentes ao nível de

desempenho desejado for utilizado em condições semelhantes àquelas sugeridas

pela literatura, então a firma tenderia a um arquétipo de auto-perpetuação.

Novamente utilizando o estudo de Sender (2004), foram sugeridos os

seguintes fins para a folga dentro das organizações: (1) estimulando o

comportamento criativo e a inovação no contexto da renovação da firma; (2)

influenciando o comportamento da organização na busca por soluções; (3)

estimulando ou garantindo a possibilidade de crescimento; (4) apoiando a gestão de

coalizões e resolução de conflitos; (5) ajudando na resposta e adaptação a

mudanças no ambiente competitivo; e, finalmente, (6) desmotivando os funcionários

quando da sua ausência.

A organização que administra a folga de maneira a contribuir para a sua

auto-perpetuação é aquela que consegue manter um equilíbrio entre disponibilidade

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e uso da folga. O equilíbrio deve coexistir com níveis elevados de ambos. Por fim,

ela também evita desperdícios dos recursos existentes mesmo nas aplicações

relacionadas ao uso da folga, como por exemplo, ao perder a disciplina no processo

de experimentação de novas tecnologias.

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3 MÉTODO

Apesar da estrutura de uma pesquisa ser definida pela sua pergunta, tal

objeto nem sempre é o primeiro elemento a ser definido. A pergunta de pesquisa

pode surgir de um tópico ou tema de interesse que, por diferentes meios, dá forma e

conteúdo ao objetivo do estudo a ser trabalhado. Também se engana aquele que

considera que toda pesquisa necessariamente só poderá desenvolver uma revisão

de literatura dada à existência de uma pergunta. Muitas vezes a revisão de literatura

pode apresentar novas considerações com relação ao tema e a pergunta, que levam

o pesquisador a reformular seu questionamento.

Essa argumentação pode seguir para outros elementos da pesquisa. Por

mais que determinada pergunta encontre forte fundamento na literatura existente, o

estudo pode ser inviabilizado devido a dificuldades metodológicas relacionadas.

Novamente, em nome da construção do conhecimento, o cientista precisa adaptar-

se às suas condições de contorno e redesenhar o seu estudo. Até a conclusão do

estudo pode modificar o que foi anteriormente definido: se as conclusões a cerca de

uma hipótese não se confirmam, seria aceitável a redefinição do estudo com a

comparação entre hipóteses, se ainda coubesse considerações sobre recursos

investidos e escopo.

O capítulo de Método está organizado da seguinte maneira. Primeiramente

apresentará o caminho percorrido entre o tema e a definição do problema (ou

pergunta) de pesquisa, demonstrando também o papel que o objeto de pesquisa

teve nesse processo. Em seguida descreverá quais estratégias de pesquisa foram

adotadas e as motivações para tal escolha. Em seguida será debatido o desenho

definido para o estudo e informações relativas à coleta de dados. A forma com que

se fez a análise de dados e a posterior conclusão a partir dessas análises são os

tópicos que encerram esse capítulo.

3.1 DEFINIÇÃO DO TEMA, DA PERGUNTA E DO OBJETO DE PESQUISA

Essa pesquisa surgiu do interesse do pesquisador pelo tema da longevidade

saudável organizacional e das fusões e aquisições de empresas. Conduto, o fio

condutor que conectava os dois assuntos e daria forma à dissertação exigiu um

longo processo de ida e vindas em todo o processo de pesquisa.

Os estudos anteriores sobre a longevidade saudável das organizações

(Andrade Filho, 2003; Dantas, 2007; Davidovich, 2003; Fleck, 2006; Grigorovski,

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2004; Ludkevitch, 2005; Moraes, 2004; Oliveira, 2006; Rodrigues, 2005) possuem

diferenças relevantes com relação à pergunta de interesse. Contudo, todos, além de

alinhados com relação ao tema supra-citado, eles também estavam alinhados

quanto à estratégia de pesquisa mais adequada, no caso, o método do estudo de

caso14. Por fim, todos sugeriram também um conjunto muito semelhante de critérios

para a escolha do objeto de pesquisa, no caso, uma organização. Esses últimos

critérios podem ser assim resumidos a partir dos estudos citados:

Longevidade da empresa: há quantos anos a empresa em questão está no

mercado. Empresas antigas sugerem que ela obteve sucesso na manutenção de

sua integridade;

Posição de mercado favorável: histórico consistente de desempenho

positivo. A saúde financeira e operacional por um longo período é um forte indício de

qualidade na gestão da organização;

Transparência da administração da empresa: evidenciada pela existência de

relatórios de administração abertos e publicáveis, seja para acionistas ou para órgão

de controle. Favorece a qualidade da conclusão da pesquisa, uma vez que fornece

ao pesquisador maior número de evidências;

Acessibilidade das informações: disponibilidade de informações em

quantidade suficiente sobre a empresa em questão através da internet e meios de

comunicação aberta como jornais e revistas, mas principalmente através de

entrevistas. Argumento semelhante ao anterior, porém contribuindo mais para a

interpretação das relações implícitas dos eventos identificados;

Aspectos de interesse relevante: existência de características relevantes ou

peculiares que contribuam para a construção do conhecimento. Oferece relevância

acadêmica, condição necessária para obtenção do título de mestre.

Por outro lado, o tema de fusões e aquisições também sugeria alguns

critérios de pesquisa. Apesar da forte correlação do tema com a área de finanças e

pesquisas qualitativas, também é ampla a quantidade de estudos na área de

estratégia e comportamento, em geral com pesquisas qualitativas. A principal

dificuldade é o acesso às informações relevantes, impondo escolhas difíceis.

14 Os aspectos técnicos que apoiam o seu uso recorrente serão abordados no tópico seguinte do Capítulo de Método, Estratégia de Pesquisa.

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Primeiramente processos de aquisição de empresas geralmente envolvem

certo grau de renovação de pessoal na empresa adquirida. Isso prejudica o

equilíbrio entre pontos de vista sobre o processo e como foi executado. Além disso,

por ser um evento geralmente esporádico na vida de uma organização, é difícil

identificar os responsáveis e as pessoas envolvidas no processo. A companhia

como um todo é afetada, mas poucos são aqueles que conhecem as motivações por

trás das mudanças. Isso sugere que as pesquisas sobre o assunto sejam realizadas

o mais próximo possível da ocorrência do evento. Esse aspecto é menos relevante

quando analisado do ponto de vista das implicações econômico-financeiras da

operação, uma vez que as análises estatísticas podem ser feitas a qualquer tempo

dado que a grande maioria das informações relevantes é registrada.

Por outro lado, operações como essas possuem natureza estratégica

competitiva. A compra de uma firma implica no reposicionamento de competidores,

fornecedores, governos e clientes e faz parte de planos maiores. Uma nova situação

de forças e pressões surge no ambiente e o controle de informações é rígido. Essas

condições sugerem que a pesquisa seja realizada o mais distante possível da

ocorrência do evento para que se tenha apoio dos gestores. Essa dualidade também

não é fácil de ser resolvida porque cada aquisição possui seu próprio tempo de

integração e implicação competitiva. O principal elemento para definir o objeto de

pesquisa é justamente a disposição da organização em colaborar.

A busca por empresas com disponibilidade para o estudo terminou com a

abertura da América Latina Logística (ALL) para que fossem feitas visitas e

entrevistas em sua sede. Outro fator que colaborou para a escolha da ALL durante a

fase de levantamento de empresas candidatas, foi a alta disponibilidade de

informações sobre os setores nos quais a empresa atuava (ferroviário, transporte de

cargas, e logística). Além da diversidade de estudos técnicos, científicos e

jornalísticos, a existência de associações de profissionais e órgãos de

regulamentação aumentava essa disponibilidade. A privatização e o envolvimento do

Grupo GP Investimentos, banco de investimentos brasileiro de grande notoriedade,

trouxe certa curiosidade à pesquisa e colaborou para a sua relevância. Em contra

partida: o histórico da organização era curto (10 anos) se comparado com os

estudos anteriores, apesar de bastante positivo com relação ao seu desempenho; e

sua sede fica em Curitiba, o que dificultava a presença física do pesquisador a fim

de pesquisar documentos internos ou públicos locais e realizar entrevistas.

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A evolução da coleta de dados sobre o caso e da revisão da literatura trouxe

novas perspectivas sobre a pesquisa e passaram a sugerir que a relevância do

estudo estaria na discussão mais aprofundada do processo de transformação e

mudança da organização. De um lado estaria o banco de investimento com objetivos

claros de retorno sobre o investimento e do outro o questionamento sobre a

qualidade de sua intervenção no que tange as conseqüências para a vida da

organização adquirida após a sua saída. Assim, o tema turnaround, uma intervenção

na organização com o objetivo de mudança de trajetória de desempenho declinante

para uma de crescimento, foi incorporado à pesquisa.

Assim surge a pergunta de pesquisa: Como o processo de transformação

comandado pelo GP na Malha Sul da RFFSA influenciou a construção da

longevidade saudável da ALL?

3.2 ESTRATÉGIA DE PESQUISA

Yin (1989) sugere a análise de três condições para determinar o tipo mais

adequado de estratégia de pesquisa a ser utilizada: (1) o tipo de pergunta; (2) o grau

de controle que se possui sobre os eventos comportamentais; e (3) o foco em

eventos contemporâneos ou passados.

Tabela 3-1: Tipos de Perguntas Utilizados na Pesquisa.

Fonte: Yin (1989) apud Dantas, 2007.

Ainda segundo Yin (1989), “perguntas do tipo ‘como’ e ‘por que’ são mais

explanatórias e (...) lidam com conexões operacionais que precisam ser

acompanhadas ao longo do tempo” (p. 18). Esse é o caso em questão, onde a

trajetória da organização, abordando tanto as escolhas gerenciais como as

influências ambientais, é utilizada como evidência para entender o efeito sobre a

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capacidade contemporânea da organização em responder aos desafios da

longevidade.

Como a própria palavra “trajetória” já sugere, o estudo é construído através

de uma perspectiva longitudinal dos fatos e relatos coletados. Assim, a estratégia

histórica também se aplica a esse estudo. Sua função é organizar as evidências de

diversas fontes primárias e secundárias de maneira que permita a síntese do

contexto e do objeto de estudo. Yin (1989) já havia relatado que as estratégias de

estudo de caso e histórica compartilhavam as mesmas técnicas de coleta de dados.

Contudo, duas fontes de evidências são mais comumente identificadas nos estudos

de caso: observação direta e entrevista sistemática.

Essa pesquisa possui aspectos: (1) descritivos, ao apresentar toda a história

envolvendo diferentes setores relacionados à logística; (2) explanatórios, ao buscar

explicações do tipo causa e efeito; e (3) exploratório, por utilizar um referencial

teórico ainda em construção.

Tais características também contribuem para a argumentação da escolha

dos métodos citados. Ao utilizar uma teoria em construção (o modelo de arquétipos

de sucesso e fracasso organizacional) busca participar da sua evolução. O uso de

estratégias e métodos de pesquisa semelhantes aos utilizados em estudos

anteriores, além de aproveitar o aprendizado já alcançado, também facilita a sua

contribuição para a teoria, adicionando mais conhecimento a essa linha, permitindo

estudos comparativos futuros.

3.3 ORGANIZAÇÃO DA PESQUISA

Além da revisão de literatura e discussão do método de pesquisa, as

seguintes atividades foram realizadas: coleta de dados sobre as indústrias de

transporte de cargas e logística, brasileira e americana, de trens e caminhões, e em

detalhe da empresa estudada, ALL; leitura do material coletado e registro dos

aspectos de interesse; classificação e análise dos registros; e finalmente síntese dos

dados coletados e da análise realizada.

Essa pesquisa adotou uma abordagem de “ajustes recorrentes”, ou seja, a

seqüência de atividades de pesquisa não era composta por etapas lineares e

fechadas em si, mas sim retro-alimentadas pelas etapas seguintes. Cada vez que se

adquiria certo conhecimento sobre determinada questão, itens anteriormente

definidos passavam por revisão. Por exemplo, a importância da história da indústria

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logística só foi identificada quando algumas análises sugeriam que as decisões

tomadas pela ALL foram baseadas no que havia ocorrido anteriormente com as

ferrovias no mercado norte-americano. Foi necessária uma nova rodada de coleta e

leitura para retomar a análise com novas influências.

Esse tipo de método, sugere-se, é mais eficiente para a incerteza associada

à pergunta central de pesquisa, como relatado anteriormente. Isso porque não

obrigava o pesquisador a um levantamento exaustivo de uma questão que pudesse

não estar conectada com o todo. Assim, à medida que se avançava sobre a história

da indústria e da empresa e sobre as análises, certos caminhos eram guardados

para possíveis detalhamentos. Se informações posteriores remetessem a esses

registros, retornava-se para trabalhar e incluir a questão onde fosse necessário.

3.4 DELIMITAÇÃO DA UNIDADE DE ANÁLISE

A unidade principal de análise desse estudo é a organização e é esta

definição que dá os contornos da atividade de coleta de dados (Yin, 1989). No caso

em questão trata-se da América Latina Logística. Ela está organizada como uma

holding e é composta por unidades de negócio juridicamente independentes, porém

administrativamente dependentes. Dentre as principais unidades de negócio estão:

ALL Norte, ALL Paulista, ALL Intermodal e ALL Tecnologia. Todas as empresas nas

quais a ALL S.A. possui controle acionário são parte da unidade de análise.

A partir da pergunta de pesquisa e de outros critérios importantes (como a

acessibilidade dos dados), esse estudo está concentrado no que ocorreu com a

empresa nos anos anteriores à sua criação até os dias de hoje. As fases definidas

para esse estudo, apresentadas com mais detalhe adiante, incluem as duas

décadas anteriores ao processo de privatização da malha ferroviária brasileira, os

anos em que o GP Investimentos comandou o processo de turnaround e os anos

seguintes à redução de participação acionária direta do GP na ALL. A unidade de

análise foca então o período de tempo que compreende os anos de 1980 e 2008.

A organização, dentre outras abordagens adotadas nesse estudo, é uma

coalizão de grupos ou pessoas que possuem objetivos, coerentes e divergentes

entre si (Cyert & March, 1963). Assim, outras organizações que possuem de alguma

forma interesse na firma são consideradas parte do estudo. Porém a sua utilidade

está limitada às pressões exercidas por essas outras organizações, que têm poder

explanatório das ações empreendidas pela empresa foco. Portanto, esse estudo

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limita-se a identificar como esses outros atores explicam os questionamentos

levantados sobre a empresa foco e não tem por objetivo conhecer a sua história. Um

exemplo da importância da análise de outras organizações para compreender a

organização em análise, é o papel do GP Investimentos, um dos principais

acionistas do grupo de controle por muitos anos, na determinação das ações a

serem empreendidas no processo de turnaround.

O contexto no qual a empresa-foco está inserida abrange: o mercado

brasileiro e americano; a política e economia brasileira e argentina; o setor de

transporte de cargas ferroviário e rodoviário; e a indústria logística. Alguns desses

temas estão delimitados pelo período de tempo definido anteriormente, mas outros

não. Certas questões, como a evolução da indústria de transporte de cargas norte-

americana, possuem grande relevância para explicar a evolução ocorrida no Brasil,

porém ocorreram em um período de tempo anterior.

3.5 COLETA DE DADOS

A coleta de dados se baseou em três métodos principais: entrevistas; análise

de arquivos; e indicadores. Cada um é detalhado a seguir.

3.5.1 Entrevistas

As entrevistas foram realizadas com funcionários e ex-funcionários,

totalizando 25 pessoas. Apesar desse aspecto não ter sido uma peça fundamental

do método adotado, as pessoas foram selecionadas de maneira que fosse possível

ter acesso ao mais diverso grupo possível. Os critérios utilizados foram: área de

trabalho (RH, TI, operação, etc); nível organizacional (gerente, diretor, etc); local de

trabalho (Argentina, estação ferroviária, sede, etc); e tempo de empresa.

Foram feitas duas visitas de uma semana cada à sede da empresa em

Curitiba, totalizando 22 entrevistas, uma em Março e outra em Abril de 2008. As

restantes foram realizadas no Rio de Janeiro em Fevereiro e Julho. Todas as

entrevistas foram presenciais, uma vez que a interação pessoal proporcionava ao

pesquisador a melhor interpretação das reações e respostas dos entrevistados.

Além disso, estar presente no local de trabalho dos entrevistados facilitou a

adaptação do entrevistador às agendas dos entrevistados. As entrevistas levaram

em média 45 minutos, com entrevistas de 15 minutos até entrevistas com duas

horas de duração. Sempre que possível as entrevistas foram gravadas e transcritas

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para posterior referência. Seis entrevistados solicitaram que não fosse gravados.

Um roteiro de entrevista semi-estruturado foi adotado. Dentre os principais

temas abordados pelo roteiro estavam: conhecimento da trajetória profissional do

entrevistado; identificação de fatos históricos relevantes da organização; motivações

por trás das decisões da organização; pontos de vista de diferentes grupos sobre

certos eventos; críticas e elogios dos funcionários à empresa sobre diferentes

aspectos. Algumas perguntas recorrentes nas entrevistas eram: conte sobre a sua

história profissional na ALL; qual a função da sua área na organização; como

ocorreram os processos de aquisição. Perguntas abertas forneciam a possibilidade

de uma abordagem histórica e com menor grau de interferência do pesquisador.

Esse roteiro, contudo, não estava completamente determinado à priori,

sofrendo adaptações ao longo de cada entrevista. À medida que fatores chaves da

literatura revista eram identificados, o pesquisador direcionava a sessão para se

aprofundar nos tópicos de interesse. Os motivos foram os seguintes: (1) nem todos

os entrevistados eram capazes de fornecer informações relevantes sobre todos os

aspectos de interesse; (2) a grande maioria das entrevistas não foi agendada

previamente e o entrevistador só descobria características sobre o entrevistado

durante a entrevista; (3) cada entrevista possuía seu próprio limite de tempo, por

vezes não permitindo que todo o roteiro fosse abordado; (4) o aspecto anterior exigia

do pesquisador um julgamento de prioridade de tema durante a execução da

entrevista.

3.5.2 Análise de arquivos

Da mesma maneira que as entrevistas, os arquivos coletados deviam

fornecer insumos principalmente sobre a história da companhia. Também era

possível que motivações por trás de algumas decisões surgissem, fosse através da

própria explanação por executivos ou mesmo pela identificação de pressões

exercidas por outros atores do ambiente: competidores, associações, governos,

agências reguladoras, etc.

A grande maioria das fontes utilizadas foi acessada por meio eletrônico.

Esse foi um aspecto positivo da curta história da organização, pois grande parte do

de sua história foi formada durante o grande desenvolvimento dos computadores

pessoais e da internet nas últimas duas décadas. Mais recentemente, a difusão do

uso da tecnologia de escaneamento está permitindo a distribuição por meio

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eletrônico de documentos históricos mais antigos. Um exemplo nessa pesquisa foi o

acesso aos relatórios dos processos executados pelo CADE para avaliar os

aspectos competitivos das privatizações.

Foram acessados diferentes tipos de documentos: publicações

acadêmicas15 (artigos científicos, teses, dissertações e monografias); publicações

técnicas (revistas e pesquisas setoriais, artigos de consultorias e centros de

pesquisa); publicações institucionais (relatórios anuais de empresas, órgãos

governamentais, associações de classe); e publicações comerciais (matérias de

jornais e revistas, livros, entrevistas). Bases de dados foram fundamentais nesse

levantamento, pois permitiram a organização e a filtragem de um conteúdo amplo.

As principais bases utilizadas foram: (1) Factiva, do jornal americano New

York Times, uma base que consolida uma grande quantidade de publicações

comerciais de vários países, inclusive Brasil. Permite a filtragem de matérias por

período e por empresa. Maior abrangência para notícias brasileiras a partir de 2002.

Acesso disponibilizado por uma das universidades associadas ao Coppead através

do programa de intercâmbio; (2) Editora Abril, responsável pelas revistas Veja,

Exame e Você S.A, publicações de grande circulação nacional relacionada a

negócios. Acessado através da conta disponibilizada pela biblioteca do Coppead; (3)

Editora Globo, responsável pelo jornal O Globo e pelas revistas Época e Época

Negócios, também de grande circulação nacional. Acessado através da conta

disponibilizada pela biblioteca do Coppead; (4) Revista Ferroviária, publicação

especializada no setor ferroviário, mas que também abrange questões sobre

logística. Acesso adquirido por cadastramento do pesquisador no endereço

eletrônico da Revista Ferroviária.

Outras fontes de pesquisa disponibilizadas pela biblioteca do Coppead

foram: Exame Maiores e Melhores; Balanço Anual da Gazeta Mercantil; Revista

Tecnologística; bases de periódicos ProQuest e Business Source Premier. Além das

fontes já citadas, as seguintes instituições forneceram documentos: ANTF; ANTT;

ANUT; BID; Banco Mundial; BOVESPA; CADE; CEL (atualmente ILOS); CNT; CVM;

DNIT; BNDES; IPEA; Ministério dos Transportes; e Ministério do Planejamento. A

15 As publicações acadêmicas referidas aqui envolviam os temas citados anteriormente na unidade de análise contribuindo para a descrição da evolução da organização e não para a revisão de literatura.

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grande maioria está disponível nos sites das instituições.

Por fim, as visitas presenciais para realização de entrevistas também

renderam acesso a documentos publicados internamente como apresentações

institucionais, revistas internas, organogramas e estrutura de metas.

3.5.3 Indicadores

Os indicadores aqui classificados constituem uma classe específica de fonte

de dados devido à sua natureza quantidade em oposição à natureza qualitativa da

análise de arquivos, apesar de ambos às vezes serem descritos conjuntamente. Isso

ocorre porque muitas vezes a fonte é a mesma. O BNDES, por exemplo, publica

relatórios que descrevem a dinâmica de indústrias, mas também apresenta tabelas e

gráficos de indicadores financeiros, econômicos e produtivos dessas indústrias.

Contudo, é importante identificar o papel que os indicadores em geral assumem.

Nos estudos sobre longevidade, as trajetórias traçadas pelas organizações

têm sido representadas através do desempenho ao longo do tempo. Essas

trajetórias são geralmente utilizadas como indícios de tendências de crescimento e

declínio ou para identificar pontos de transição. Alguns indicadores são mais

genéricos e utilizáveis para representar praticamente qualquer organização e

indústria, tais como o PIB ou número de empregados. Outros são mais específicos,

como volume transportado, liquidez corrente ou valor dos ativos. Assim, esse tópico

visa descrever os principais índices utilizados nessa pesquisa.

O tamanho, conforme foi apresentado na Revisão Bibliográfica, é central

para essa pesquisa. O índice aqui adotado segue o descrito anteriormente por Fleck

(2001). Esse estudo utilizou como principal referencial de tamanho e de

desempenho aqueles propostos por Dantas (2007), conforme descrito a seguir:

- Tamanho ano i = (Receita Líquida ano i ÷ PIB Brasil ano i) X 100

- Desempenho ano i = (Lucro Líquido ano i ÷ PIB Brasil ano i) X 100

Esses indicadores contribuem para a análise comparativa tanto intra-

organizacional, avaliando a firma como unidade em evolução, quanto inter-

organizacional, avaliando frente aos seus competidores. A comparação de trajetórias

entre concorrentes já foi utilizada em pesquisas anteriores para sugerirem

proposições iniciais para estudo (Fleck, 2001; Ludkevitch, 2005; Rodrigues, 2005).

Estudos anteriores tiveram dificuldade com indicadores macro-econômicos,

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como o PIB. Contudo, dado o foco temporal da unidade de análise, esses dados são

mais estáveis. O PIB também está disponível por grandes agregados econômicos e

setores da economia. No caso em questão, existe uma conta específica para

transporte de cargas e outra para ferrovia. Outros indicadores importantes foram:

investimento estrangeiro; exportações; e importações.

Apesar de se ter disponíveis informações tanto sobre a receita líquida16,

quanto sobre a receita bruta para as empresas do setor, é importante destacar a

preferência deste pesquisador pelo primeiro, pois o indicador minimiza o efeito que a

operação em diferentes regiões e indústrias pode ter sobre a interpretação da

trajetória. Contudo, diferenças na política fiscal podem ser fontes importantes de

vantagem competitiva. Por isso, é necessário controlar o uso desses dados com

informações sobre essas políticas. Por exemplo, na Argentina existem subsídios

para a compra de combustíveis para o transporte de cargas rodoviário, o que afeta a

competição entre trem e caminhão.

Outros índices de tamanho também foram coletados tanto para a empresa-

foco quanto para principais concorrentes e indústrias correlatas (transporte de

cargas ferroviário e rodoviário). Os principais foram número de funcionários e volume

transportado, mas a quantidade de certos ativos como locomotivas, vagões e

extensão da linha férrea também tiveram papel importante. O indicador de volume

mais conhecido é TKU, ou tonelada por quilômetro útil, e equivale à soma de todo

volume de cargas transportado multiplicado pelo trecho percorrido. Por exemplo,

uma tonelada transportada por um quilômetro equivale a 1 TKU. 100 toneladas por 1

quilômetro ou 1 tonelada por 100 quilômetros, ambos equivalem a 100 TKU.

Índices para a indústria logística ainda são de difícil mensuração, pois suas

atividades ainda não são claramente identificáveis e não existem estatísticas oficiais

(entenda-se, oferecidas e/ou coordenadas pelo governo brasileiro). Normalmente

são uma composição de outras atividades como transporte e estocagem. Ainda,

indicadores sobre transporte o rodoviário possuem menor confiabilidade dada

algumas questões regulatórias, como a falta de registros oficiais sobre transporte de

cargas próprias e o alto índice de sonegação fiscal de motoristas independentes.

Ainda foram consideradas análises sobre a evolução da produtividade das

16 Receita líquida = receita bruta – impostos.

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empresas. As principais relações de produtividade foram: receita/empregados;

volume transportado/empregados; volume transportado/ativos; acidentes/volume

transportado; e volume transportado/tamanho da malha.

Como foi citado anteriormente, em geral não houve muita dificuldade para

conseguir informações para o período de tempo de maior interesse, os últimos 10

anos. Isso porque a indústria ferroviária tem uma forte estrutura de regulamentação

se comparada com outros setores, principalmente a partir do processo de

privatização. Mesmo assim, dados mais antigos sobre o transporte ferroviário

também estavam acessíveis, porém normalmente só em publicações impressas,

como o Anuário Estatístico do IBGE, disponível na biblioteca do Coppead.

As principais fontes desses indicadores foram: ALL; ANTF; ANTT; BACEN;

Banco Mundial; BOVESPA; CEL; CVM; Economática; Eurostat; Fipe; IBGE; IPEA,

Nações Unidas; Revista Ferroviária.

3.6 REGISTRO DOS DADOS

À medida que as informações foram coletadas elas foram sendo registradas

e classificadas em um banco de dados. Foi utilizado como ferramenta de registro e

de análise o banco de dados desenvolvido por Ricardo Dantas17 em seu trabalho de

dissertação no curso de Mestrado do Coppead/UFRJ, apresentado em 2007.

Baseado no software Microsoft Access18, seu principal objetivo foi dar maior

capacidade de armazenamento e organização aos fatos e relatos levantados

durante a coleta de dados. Um objetivo secundário à época do desenvolvimento era

permitir que pesquisas sobre o mesmo tema pudessem ser compartilhadas em um

repositório de dados único, facilitando o desenvolvimento futuro de pesquisas que

utilizassem como método de estudo a comparação entre casos.

A ferramenta foi desenvolvida para apoiar cinco etapas na pesquisa: (1)

cadastramento das proposições teóricas (Yin, 1989); (2) cadastramento dos fatos;

(3); classificação dos fatos; (4) detalhamento dos fatos; (5) classificação dos

detalhes; e (6) análise conjunta dos detalhes dos fatos por item de classificação.

Dessas seis, os itens 2, 3 e 4 referem-se ao registro dos dados, enquanto os itens 5

17 Detalhes sobre o sistema utilizado podem ser vistos em (Dantas, 2007). 18 Uma discussão mais profunda sobre os benefícios e dificuldades encontradas no uso do

sistema pode ser vista no Anexo III – Adaptações ao Sistema de Registro

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e 6 referem-se à análise dos dados, debatidos no tópico seguinte deste capítulo. A

lista de proposições teóricas utilizadas cadastradas no banco de dados está

disponível em detalhes no Anexo II – Lista de Dimensões de Análise.

De maneira simplificada, o processo de registro dos dados passava pela

leitura do material recolhido, identificação de trechos aderentes à literatura e a sua

inserção no banco. Cada registro podia ser um parágrafo ou frase e cada um era

classificado quanto as seguintes características: unidade de análise da qual tratava

(pessoa, firma, indústria, etc); período temporal em que ocorreu; e fonte. Em seguida

esse registro poderia ser detalhado em uma ou mais partes. Algumas vezes alguns

registros já eram classificados com relação às proposições teóricas classificadas.

3.7 ANÁLISE DOS DADOS

A análise dos dados segue o método de equiparação de padrões, no qual

várias partes de informação sobre o mesmo caso podem estar relacionadas a

alguma proposição teórica (Yin, 1989). A partir da literatura revisitada foram

extraídas proposições teóricas, as quais definiram os padrões a serem comparados.

Essas proposições, aqui definidas como dimensões de análise, foram organizadas

em classes, a saber, os desafios de Fleck (2006), e utilizadas para classificação dos

dados levantados. As proposições identificadas, assim como a estrutura de classes

e sua descrição, estão disponíveis no Anexo II – Lista de Dimensões de Análise.

A análise compreendia três etapas: (1) classificação dos registros nas

dimensões de análise, justificando a escolha; (2) análise conjunta dos itens

identificados para cada dimensão de análise: e (3) síntese de cada conjunto.

Cada registro poderia ser associado a nenhuma, uma ou mais de uma

análise. Registros sem associação nenhuma poderiam ser relevantes para a síntese

da história. Registros com mais de uma associação poderiam remeter a mais de

uma proposição teórica. Cada associação possui uma justificativa, desenvolvendo

as motivações que levaram àquela interpretação pelo pesquisador. Em seguida,

esses registros foram reorganizados de maneira a serem lidos em conjunto,

determinados pela classificação que cada um recebeu.

A partir da reorganização o pesquisador sintetizava as informações

buscando identificar a coerência entre elas e a existência ou não de um padrão de

respostas em cada desafio. Esse padrão de resposta surgia: (a) da freqüência com

que certa proposição teórica era identificada; (b) da sua classificação como positiva

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(resposta associada ao pólo de auto-perpetuação), negativa (associada ao pólo de

auto-destruição) ou nula (associada ao arquétipo de sobrevivência); e (c) das

justificativas apresentadas, campo responsável por manter em evidência o contexto

de cada associação. Tais conjuntos traduzem o padrão de comportamento da

organização, constituindo-se, finalmente, nos traços organizacionais. A síntese de

cada fase e desafio era comparada com a descrição dos traços de cada arquétipo.

Aquela que mais mantivesse semelhança com a síntese determinava a classificação

da resposta ao desafio naquela fase. Esse resultado é apresentado graficamente no

capítulo de Análise, usando as cores verde, amarelo e vermelho para destacar os

arquétipos de auto-perpetuação, sobrevivência e auto-destruição respectivamente.

As fases foram determinadas: (1) pela data de privatização; (2) pela

identificação de um padrão de respostas indicando o foco de atenção da gestão

durante o processo de turnaround; (3) pela participação acionária do grupo GP na

ALL. A primeira fase é chamada de Pré-compra, referente àquele conjunto de ativos,

pessoas, crenças, valores e processos que compunha a Rede Ferroviária Federal,

demonstrando quais traços a definiam. A segunda fase é chamada de

Reestruturação e é a primeira etapa da transformação da ALL. Inicia-se em 1997

com as estratégias de turnaround sob coordenação do GP, voltado para o equilíbrio

financeiro-operacional até 1999. A terceira fase é chamada de Crescimento e

equivale à quarta etapa dos processos de reestruturação, voltada para a construção

de uma trajetória ascendente de desempenho, ocorrendo entre 2000 e 2004. A

última fase, Pós-venda, refere-se ao período no qual a participação do GP no

controle acionário passou a ser muito menor quando comparado com o dos demais

sócios. Compreende os anos 2004 a 2008.

Assim, as três primeiras fases ajudam a contextualizar e justificar em parte

as ações empreendidas e a quarta fase traduz o legado do envolvimento do GP na

sua administração. A resposta à pergunta de pesquisa é apresentada a partir da

comparação entre as fases, demonstrando como a organização está preparada para

enfrentar os desafios à longevidade saudável e como ela chegou a essa situação.

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4 HISTÓRICO

Esse capítulo apresenta o histórico da empresa estudada, abordando

também o contexto no qual está inserida. Seu objetivo é permitir a contextualização

necessária para a compreensão do capítulo seguinte, Análise.

Inicialmente uma breve apresentação dos antecedentes da indústria será

apresentado. Trata-se da formação da indústria de transportes e logística no mundo

e, em especial, nos Estados Unidos. Também apresenta as principais questões

sobre a formação ferroviária e de transporte de cargas no Brasil e como esta evoluiu

até o início da década de 90.

Em seguida o contexto será apresentado e refere-se à: (a) evolução política

e econômica brasileira desde a metade da década de 90; (b) evolução das indústrias

de logística, transporte rodoviário e ferroviário de cargas desde a metade da década

de 90. Na última parte será descrita a história da América Latina Logística desde a

preparação da Malha Sul da RFFSA, em 1996, até o final de 2008, data em que se

encerrou a coleta de dados.

Uma versão mais completa e detalhada pode ser vista no Anexo V –

Antecedentes e evolução do transporte de cargas. Além disso, antes dos anexos é

apresentado um glossário com termos específicos dos setores de transporte,

logística, ferrovia e mercado financeiro.

4.1 ANTECEDENTES DA INDÚSTRIA DE TRANSPORTES DE CARGAS

O transporte de cargas existe praticamente desde que as sociedades

humanas desenvolveram o comércio. Durante milhares de anos a locomoção de

objetos para comercialização ficou restrita ao uso de carroças, movidas por força

animal, e barcos, movidos por força eólica ou humana. Soluções tecnológicas para

ajudar nesse transporte também são antigas e evidências sobre métodos como o

uso de caneletas para manter rodas dentro de um caminho foram encontradas nos

vestígios da civilização grega.

As grandes embarcações representaram uma mudança importante no

cenário econômico mundial no século XIV, capacitando os navegadores a alcançar

distâncias longínquas e carregar muito mais carga em um espaço de tempo muito

menor do que as rotas existentes. Uma nova tecnologia bem diferente do paradigma

existente até então surgiu no final do século XVIII. Trilhos feitos de ferro foram

utilizados para movimentar carroças em uma curta rota pré-determinada. Menos de

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uma década depois, o caminho para o surgimento das ferrovias estaria pavimentado

com o desenvolvimento do motor a vapor.

Juntos, trilhos de ferro e motor a vapor, tiveram o mesmo papel inovador que

as grandes embarcações do século XIV. Capacitaram os industriais da Inglaterra,

onde essas tecnologias surgiram, a transportar muito mais produtos a uma

velocidade muito maior entre regiões até então inacessíveis para tais volumes. A

adoção desses conceitos ocorreu por volta de 1830 e foi muito rápida no mundo

todo. No Brasil, a primeira ferrovia seria concluída somente em 1854. Mas foi nos

Estados Unidos onde ela quebrou inúmeros limites tecnológicos e desafios.

Sua adoção e expansão nesse país foram apoiadas por diversos fatores. A

formação mais recente do estado norte-americano em comparação com os países

europeus e a expansão territorial para o leste, além da disposição financeira do

governo e de investidores britânicos e do desenvolvimento econômico do país

aumentando o fluxo de importações e exportações foram questões macro-

econômicas importantes para o processo. Contudo, Chandler (1977) identificou

fatores intrínsecos à indústria e às firmas que a compunham que permitiram a

formação das primeiras grandes firmas gerenciais.

O uso e o investimento em novas tecnologias ampliavam cada vez mais a

capacidade de tráfego das locomotivas, vagões e linhas. Atividades associativas,

entre profissionais do ramo e entre as próprias empresas, permitiram a padronização

dessas tecnologias e aumento da eficiência de todo o sistema. Estruturas gerenciais

profissionais aumentavam em nível equivalente a capacidade de administração e

controle de todo o sistema, cada vez mais complexo e dinâmico. Gestor e investidor

se especializaram e a firma passou a ser uma fonte de segurança no longo prazo

para o primeiro e um ativo a ser negociado para o segundo. Tudo isso, fez das

ferrovias americanas serem de longe as maiores organizações até então existentes,

lidando com volumes financeiros, de produção e controle nunca antes vistos.

No Brasil o desenvolvimento havia sido muito mais lento. Conflitos políticos

mal resolvidos, situação econômica mais frágil, relações trabalhistas antiquadas,

baixo desenvolvimento tecnológico e características geográficas e demográficas

bastante específicas atrasariam a ampliação da malha ferroviária.

Esse ciclo alcançou seu apogeu no final do século XIX. Havia em torno de

320 mil quilômetros de vias férreas nos Estados Unidos em 1900. Não havia mais

espaço para manter as taxas de crescimento até então vistas e a cooperação deu

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lugar a uma competição acirrada. Um forte processo de consolidação se iniciou e as

ferrovias passaram a deter ainda mais poder econômico. Devido ao alto grau de

concentração e participação na economia passaram a exercer grande pressão sobre

clientes, fornecedores e empregados. Com isso, o governo americano interveio e

formou a Interstate Commerce Commission (ICC), órgão federal responsável pela

regulação de toda a indústria.

Preços e horários para cada rota passaram a ser publicados oficialmente e

freqüentemente. A comissão tinha poder para fiscalizar e reprimir as práticas ilegais.

Enquanto isso, a tecnologia de motor evoluía, principalmente a partir da invenção do

motor à combustão. O motor a vapor já era utilizado com outros fins e havia sido

testado em carruagens, mas foi o motor a combustão que propiciou o nascimento de

mais uma forma de transporte: o rodoviário. Contudo, esse setor não evoluiria da

mesma maneira que as ferrovias. Ainda não havia organizações dispostas ou

capazes de criar a infra-estrutura, de estradas e postos de combustíveis, necessária

para a difusão do seu uso no transporte de pessoas e de cargas. Porém, não

demoraria mais do que duas décadas para que produtos como concreto, borracha e

diesel atingissem os patamares de eficiência necessários para que o transporte

rodoviário tomasse uma grande parcela do transporte ferroviário.

As duas grandes guerras seriam vetores de mudanças drásticas nas

condições de uso de caminhões e ferrovias. Sob pressões de escassez de recursos

e envolvido em uma guerra do outro lado do Atlântico, os Estados Unidos

precisavam encontrar os meios mais eficientes para transportar seus homens e

insumos de guerra. O caminhão e as estradas encontravam sua função, indo

rapidamente onde as ferrovias demorariam anos para chegar. Durante a guerra,

nenhum país podia se dar ao luxo de esperar. Por outro lado o exército americano

também investia na construção do conhecimento necessário para administrar os

novos desafios na administração de materiais e transportes.

Após a Segunda Guerra Mundial, o ambiente de negócios seria

completamente distinto daquele onde surgiram as ferrovias. A guerra havia

modificado a estrutura de produção e distribuição dos países e as estradas haviam

tido um papel crucial na capacidade de integrar o país. Novas tendências de

consumo surgiam como aumento no nível de urbanização e a demanda por novos

produtos. Por outro lado, as empresas detinham novos conhecimentos sobre a

oferta: a logística surgia como forma de reduzir custos baseada no avanço da

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tecnologia computacional. Esses e vários outros fatores levaram a uma drástica

redução do papel das ferrovias na economia dos países.

O Brasil dessa vez seguiria as tendências mundiais. O desenvolvimento

rodoviário inicial seria uma resposta à quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929, que

havia reduzido a demanda global por café e a integração nacional substituía esse

mercado. Posteriormente, os governos do pós-guerra incentivariam o uso das

rodovias como forma de integrar o país e melhorar sua capacidade defensiva, mas

também estaria incluído dentro de um programa desenvolvimentista para o país.

Assim como em outras partes do mundo, o Estado ampliara sua presença na

economia e no Brasil isso se traduzia na criação de grandes empresas estatais. As

ferrovias brasileiras, depois de sucessivos períodos de lucratividade e falência,

seriam integradas sob a Rede Ferroviária Federal S.A., com o objetivo de compor

um sistema ferroviário nacional único e integrado.

O crescimento americano visto por duas décadas, baseado no crescente

consumo interno e na demanda dos países favorecidos pelos planos de

desenvolvimento do pós-guerra começaria a fraquejar. Os Estados Unidos já não

eram tão competitivos e o Japão despontava como potência econômica mundial

capaz de tirar dos Estados Unidos a liderança global. A solução americana para

essa situação foi encontrada na onda neoliberal da década de 70 e 80. O seu

princípio geral era de que a iniciativa privada poderia ser mais eficiente e benéfica

para a sociedade do que o Estado em várias dimensões econômicas. A influência

dessas políticas seria sentida sobre países do mundo todo, com incentivos a

abertura de suas economias. Nesse momento surgiam então novas propostas para

o papel do Estado na regulamentação das relações comerciais.

Os Estados Unidos passariam por um forte processo de desregulamentação

dos transportes, aumentando enormemente a concorrência entre empresas e

modais. Muitas empresas faliram nesse período e o Governo interveio em alguns

casos, como na aquisição de uma grande ferrovia, posteriormente repassada à

iniciativa privada. Na Inglaterra e em outros países seriam criadas diferentes

propostas para passar os ativos e responsabilidades para o capital privado,

operações que passaram a ser conhecidas como privatizações.

No Brasil a influência das políticas liberais demorou mais de 20 anos para

serem absorvidas. O país ainda precisava passar pelo fortalecimento de movimentos

democráticos, pois era difícil para o regime da época conceber um modelo onde o

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Governo não detinha controle. Aos poucos esse regime foi cedendo até que na

década de 80 o país retornou às condições democráticas plenas.

Nesse processo, a crise do petróleo da década de 70 influenciou na medida

em que aumentou significativamente as taxas de juros cobradas sobre o capital. O

Estado brasileiro que havia financiado seu crescimento com o capital internacional,

viu sua produção ser corroída por um forte processo inflacionário. O país passaria

por várias tentativas de reestruturação na década de 80, mas somente a partir do

Plano Real, adotado em 1994, seria possível voltar a níveis inflacionários que não

impedissem o crescimento do país.

A crise financeira do país das décadas de 80 e 90 seria um dos principais

fatores que fundamentariam a adoção no Brasil de algumas das políticas neoliberais

propostas na década de 70 no mundo. O país ampliaria a abertura econômica e a

privatização da grande quantidade de empresas públicas teria finalmente o mínimo

de apoio necessário para que ocorresse. Além disso, foi em grande parte através

dessas operações que o Estado conseguiu contornar a crise financeira que assolava

o país há anos, obtendo dinheiro para pagar suas dívidas.

As privatizações no mundo atingiam, em sua grande maioria, setores

relacionados à infra-estrutura: empresas de transporte, de telecomunicações e de

energia estavam entre os ativos de maior interesse e responsáveis pelos maiores

volumes de investimento. Diferentes países adotaram diferentes modelos para

diferentes setores e em épocas diferentes. Como se tratava de um processo nunca

antes realizado, havia pouco conhecimento sobre as conseqüências da adoção de

um tipo de prática ou outra. Enquanto alguns países decidiram manter a participação

do Estado nessas empresas, outros diziam ser necessária a completa ausência

deste. Enquanto alguns países organizavam a divisão das responsabilidades por

serviços outros sugeriam a divisão por mercados. Mesmo quando estratégias

idênticas eram adotadas, as condições políticas e econômicas de cada país

influenciavam de forma diferente os efeitos dessas estratégias. Por exemplo, as

privatizações do Leste Europeu, países em transição entre comunismo e

capitalismo, tiveram conseqüências completamente distintas das privatizações

ocorridas na América Latina, países em industrialização.

O Brasil também adotou diferentes estratégias para diferentes setores.

Apesar das fortes críticas, o processo de privatização brasileiro foi considerado por

alguns bastante benéfico para o país. As condições de infra-estrutura melhoraram

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permitindo novos níveis de capacidade de escoamento da produção agrícola ou

maior integração das comunicações. O país aumentou sua inserção nos mercados

globais, tanto em commodities minerais e agrícolas, como em setores mais

estratégicos, como a produção de aviões. Contudo, nem todas as empresas tiveram

sucesso nesses novos empreendimentos.

A seguir é apresentado um quadro comparativo da evolução das indústrias

de transporte de carga nos Estados Unidos e no Brasil no último século.

Figura 4-1: Evolução da indústria de transporte nos Estados Unidos e no Brasil.

Fonte: compilado pelo autor.

4.2 O CONTEXTO DA FORMAÇÃO DA ALL

4.2.1 Antes da privatização da RFFSA

Em 1995 a malha ferroviária brasileira era constituída por 26 mil quilômetros

e 133 bilhões de TKU. A Rede Ferroviária Federal respondia por mais de 22 mil

quilômetros, mas por apenas 50 bilhões de TKU. O resto estava sob coordenação

da CVRD. Para comparação, nos Estados Unidos havia 286 mil quilômetros e quase

dois trilhões de TKU (North American Transportation Statistics, 1996). A diferença na

18201830

1840

1850

1860

1870

1880

1890

1900

1910

1920

1930

1940

1950

1960

1970

1980

1990

2000

2010

EUA BRASIL

Formação das ferrovias

Formação das ferrovias

Crescimento das ferrovias

Cooperação das ferrovias

Competição das ferrovias

Regulamentação das ferrovias

Formação do rodoviário

Crescimento do rodoviário

Estagnação das ferrovias

Crescimento das ferrovias

Formação do rodoviário

Estagnação das ferrovias

Investimentos no rodoviárioSurgimento da

logísticaDesregulamenta

ção

Consolidação das indústrias

Crescimento da logística

Estatização

Investimentos no rodoviário

Crise financeira

PrivatizaçãoLogística

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87

densidade dos dois sistemas pode ser vista na figura abaixo.

Figura 4-2: Densidade da malha ferroviária Brasil e Estados Unidos.

Fonte: (Confederação Nacional do Transporte, 2002)

As características dos traçados das linhas da RFFSA eram em geral

deficientes, repercutindo de forma importante, particularmente nos corredores de

exportação. As estradas foram construídas nas regiões Sudeste e Sul em áreas

montanhosas, com curvas de pequenos raios e rampas fortes, exigindo obras de

arte especiais de difícil e onerosa arquitetura. Essas condições impactavam no

desempenho operacional, pois restringiam o tamanho dos trens e sua velocidade.

Além disso, a situação dos ativos (não só via permanente e super-estrutura,

mas também material rodante) era deplorável. Isso ocorria devido: (1) o investimento

dos primeiros anos do regime militar não foi equivalente ao tamanho e às

necessidades da malha estatizada; (2) a crise financeira do país resultou em

drástica redução no volume de investimentos; (3) os investimentos seguiam a lógica

sazonal dos mandatos presidenciais (Vencovsky, 2006). As tecnologias utilizadas na

operação, há anos haviam parado no tempo em grande parte da malha. Os sistemas

eletrônicos de licenciamento utilizados em larga escala em outros países só estavam

presentes em menos de 4% da malha. O vandalismo só piorava o quadro.

Tais características reduziam o desempenho operacional também devido ao

alto índice de acidentes. Além de ocasionarem a perda das cargas e de vidas

humanas, também impediam o uso das linhas por vários dias. Completando o

quadro, as várias linhas regionais eram muito pouco integradas, dificultando o

transporte de longas distâncias. Por exemplo, as regiões Sudeste e Nordeste

possuíam apenas uma conexão férrea.

A situação da malha em geral era bastante ruim, mas os subconjuntos

tinham comportamentos extremos. Por exemplo, a malha da região Sudeste

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correspondia a 31% de toda extensão e 70% das cargas, enquanto que a região

Nordeste tinha 30% da malha e 4% do volume. Essa disparidade era conseqüência

do papel da RFFSA em absorver e manter estradas falidas para evitar a degradação

econômica de regiões dependentes dessas linhas. Outro exemplo é que apenas 20

clientes representavam 72% da receita de toda a Rede. Isso acontecia

principalmente devido ao perfil de cargas onde quase 50% do volume transportado

pelas ferrovias brasileiras eram de minério de ferro. Essas diferenças refletiam no

interesse do setor privado em cada malha.

Analistas interessados nesses ativos destacavam aspectos positivos na

possível participação na privatização. Havia a expectativa de que o negócio tinha

alto potencial de crescimento principalmente devido à probabilidade de modificação

da matriz de transportes brasileira. Num país de dimensões continentais como o

Brasil, a ferrovia possuía somente 20% da parcela de mercado de cargas de longa

distância enquanto que nos EUA esse número chegava a 80% (Confederação

Nacional do Transporte, 2002). Supunha-se que investimentos em tecnologia e

gestão, além do novo ambiente regulatório e econômico que surgiria, reverteriam o

quadro operacional e tornariam o negócio bastante lucrativo. Por outro lado,

algumas empresas, como produtores de minério, sabiam que deter controle sobre o

transporte ferroviário era um aspecto estratégico de seus negócios.

4.2.2 A privatização

O processo de privatização da malha ferroviária brasileira inicia-se em 1990

com a inclusão da RFFSA no programa de privatização pelo governo federal. O

BNDES, na qualidade de gestor do programa de desestatização, abriu licitação em

1992 para contratar as empresas que iriam estruturar a privatização. Estas deveriam

considerar desde as características do processo de transferências de ativos e

passivos, até os critérios de acompanhamento que se seguiriam ao processo de

privatização, passando pelo modelo de leilão e critérios para divisão da malha.

Entre 1992 e 1995, o setor ferroviário passou por uma revitalização, ainda

que não tão profunda. O governo iniciou um conjunto de melhorias, sob orientação já

do primeiro grupo de consultores. O governo realizava reformas operacionais,

tornando a RFFSA mais atrativa, tais como: garantia de preservação da relevância

do modo ferroviário na matriz; linhas de crédito para investimentos; regulação da

concorrência; redução do contingente de funcionários através de um programa de

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demissões voluntárias (PDV); e assunção dos serviços de grande parte das dívidas.

O Regulamento dos Transportes Ferroviários (RTF), publicado às vésperas

do primeiro leilão, ainda deixava de fora questões relevantes, tais como: liberdade

para desativação de linhas antieconômicas; liberdade tarifária; e tráfego mútuo. Essa

ausência não era suficiente para eliminar o interesse privado. Já havia uma grande

evolução quando comparadas as regras do setor datadas de 1963, desenhadas para

uma indústria monopolizada, com cargas avulsas e passageiros, tarifas publicadas e

horários pré-determinados. Além disso, era omissa sobre a competição com outros

modos de transporte, em particular o rodoviário.

O novo RTF destacava-se sugerindo o formato futuro da divisão da malha:

(1) dividia a malha em seis lotes (Sul, Sudeste, Centro-Leste, Oeste, Nordeste e o

trecho isolado Tereza Cristina); e (2) reestruturava a RFFSA no modelo de

organização por linha de negócio de transporte de cargas monolítico, englobando

todas as funções necessárias ao transporte em uma única entidade19;

Diante desse cenário, foi apresentado pelo Governo Federal o conjunto de

critérios do leilão e da concessão de cada malha, dos quais podemos destacar20:

a) Prazo da concessão seria de 30 anos, renováveis por mais 30;

b) Participação máxima de cada acionista em até 20% do capital votante,

evitando que aquela malha ficasse restrita ao interesse de um acionista

controlador;

c) Pagamento à vista de 20% do valor mínimo e do prêmio se houvesse;

d) Manutenção de um número mínimo de empregados da Rede;

A primeira malha a ser leiloada foi a Malha Oeste, que possuía quase 2000

quilômetros de linha férrea em bitola métrica, ligando o norte de São Paulo ao sul de

Mato Grosso. Essa malha também possuía concessão para construção de outras

vias alcançando Amazônia e Pára. O consórcio denominado Ferrovia Novoeste S.A.

venceu em Março de 1996 e assumiu a operação definitivamente quatro meses

depois. Dentre os seus principais acionistas estavam: Noel Group, um banco de

investimento americano que já atuante em ferrovias americanas; Brazil Rail Partners,

um fundo liderado pelos bancos Chase Manhattan e Bank of America; e Western

19 A Inglaterra, por exemplo, desenvolveu um modelo onde as funções de administração da malha e de transporte de cargas não podem ser exercidas pela mesma empresa.

20 Para maiores detalhes consultar (Sousa & Prates, 1997).

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Rail Investors, subsidiária integral de outro banco de investimento americano. O

consórcio superou a proposta realizada por um grupo de investidores nacionais,

dentre os quais destacavam-se a CVRD e os bancos Bozano Simonsen e Icatu.

A Malha Centro-Oeste foi a escolha seguinte no processo de privatização,

ocorrendo em junho de 1996. Tratava-se de mais de oito mil quilômetros de estrada

de ferro, onde 98% era em bitola métrica, estendendo-se entre do estado do Rio de

Janeiro até Sergipe, passando por Minas, Espírito Santo e Bahia. Entre os principais

acionistas do grupo vencedor estavam: Railtex International; Varbra (controlada da

GP Investimentos); duas grandes indústrias brasileiras atuantes na região (CSN e

Tacumã, da CVRD); e a Lachmann e a Interférrea, transportadoras brasileiras. Havia

também outros fundos, um americano (Ralph Partners – Global Environment Fund,

composto por diversas grandes empresas americanas, entre elas a GE) e dois

fundos brasileiros (Gruçaí – também do GP – e Judori Participações – controladores

da Cimento Tupi e da Companhia Industrial de Peças para Automóveis).

Esse mesmo grupo com pequenas alterações21, também seria o responsável

pela compra da Malha Sul, que se estendia do Rio Grande do Sul, conectada à

Argentina, até encontrar-se com as linhas do sul de São Paulo. Eram em torno de

6500 quilômetros de linhas em bitola métrica. Esse foi o quarto leilão, realizado no

em Dezembro de 1996, iniciando as operações três meses depois.

Na época em que se realizava o leilão da malha sul, a operação da malha

sudeste já estava sob jurisdição privada. Essa malha ferroviária era responsável

pelo tráfego de cargas nos estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo,

com a maior parcela de volume e de faturamento da antiga Rede Federal, mesmo

com apenas 1700 quilômetros de linha. Havia trechos recentemente construídos,

além de ter toda sua estrutura em bitola larga. O consórcio vencedor era

fundamentalmente composto por mineradoras e siderúrgicas (CAEMI e CSN). Havia

também dois fundos de pensão, ligados às empresas anteriores, um banco

(Bradesco) e novamente a Lachmann e a Interférrea. O grupo superou as propostas

feitas pela CVRD e pela CSX, uma ferrovia americana. A partir de então nascia a

MRS Logística.

No mesmo período, foi leiloada a Ferrovia Paraná Oeste, construída no

21 As mineradoras não faziam parte e os percentuais de participação eram razoavelmente diferentes, com uma grande parcela de controle para o Grupo GP Investimentos.

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começo da década de 90, tendo iniciado as operações em 1996 ainda sob domínio

público. O consórcio vencedor dos 250 quilômetros de malha que ligava as regiões

produtoras de grãos desde a fronteira em Foz do Iguaçu chamava-se Ferropar. Em

seguida haveria a privatização de uma pequena rede em Santa Catarina, chamada

Tereza Cristina, com menos 200 quilômetros de linha, para um consórcio formado

por empresas produtoras da região.

Somente no meio de 1997 a Malha Nordeste seria leiloada. Com mais de

quatro mil quilômetros de bitola métrica presente em todos os estados do Nordeste,

menos Bahia e Sergipe, passaria para o controle da Vale, da CSN e de dois fundos

de investimento nacionais (Taquari e ABS).

Em 1997 também, o Estado de São Paulo entregou a sua empresa de

transportes ferroviários como pagamento de parte de sua dívida com o Governo

Federal. Mais um ano se passaria até que a FEPASA também fosse privatizada. O

consórcio vencedor da malha de dois mil quilômetros no estado de São Paulo era

formado por alguns fundos de pensão (Previ, Funcef), um banco americano (Chase

Manhattan), por uma construtora (Constran) e pelo mesmo consórcio que havia

investia na Ferronorte, uma concessão ferroviária realizada no fim da década de 80.

Podemos classificar os novos donos da malha brasileira nos seguintes

grupos: bancos de investimento, fundos de pensão e clientes (mineradoras,

siderúrgicas e transportadoras de cargas). Apesar de alguns dos bancos possuírem

experiência de investimento em outras ferrovias pelo mundo, somente o terceiro

grupo possuía real conhecimento técnico suficiente sobre o negócio ao mesmo

tempo em que conhecia também as características do mercado. Não demoraria

muito para que a estrutura de controle das concessões mudasse, principalmente em

razão dos resultados financeiros e operacionais. As concessões que se destacaram

na realização das mudanças necessárias foram as concessões Sul e Sudeste.

No primeiro ano após a conclusão de todas as operações de privatização da

malha brasileira, algumas reestruturações foram concebidas. A ALL passaria a deter

25% do capital da Ferropar. A mesma empresa passaria a deter o direito de

passagem pelo período da concessão da Ferroban em um trecho no sul de São

Paulo. Outros trechos da Ferroban seriam entregues também tanto para a FCA

quanto para a MRS.

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4.2.3 Depois da privatização

Com as concessões das malhas ferroviárias à iniciativa privada, os cofres

públicos deixaram de ser onerados devido aos déficits anuais da operação da

RFFSA. O governo, por sua vez, passou a arrecadar mais com os pagamentos

trimestrais efetuados pelas empresas pela concessão e arrendamento dos bens.

Entre 1994 e 1996 a RFFSA acumulou prejuízos da ordem de R$ 2,2 bilhões; já

privatizada, entre 1997 e 2006, gerou R$ 6,8 bilhões entre impostos, concessões e

arrendamentos (Vilaça, 2008).

A política macroeconômica adotada pelo governo brasileiro no início dos

anos 90, e principalmente com a adoção do Plano Real, levaram a um aumento na

demanda das ferrovias, mas não a um movimento equivalente na oferta. A situação

financeira do país ainda era difícil e as privatizações tinham o duplo papel de

redução dos déficits do governo e geração de caixa para pagamento dos serviços da

dívida. Assim, as fontes de financiamento eram um tanto limitadas na época: os

principais investidores eram estrangeiros; os fundos de pensão de grandes estatais;

e o BNDES.

Embora o transporte ferroviário esteja estreitamente relacionado à atividade

econômica, ele se compõe no Brasil basicamente da movimentação de cinco grupos

de produtos: minérios de ferro, granéis agrícolas para exportação, combustíveis,

produtos siderúrgicos e cimento. Na maioria dos sistemas ferroviários dos países

desenvolvidos ou em desenvolvimento, existe grande predominância de alguns

produtos no total da carga. Entretanto, em nosso país há uma concentração

exagerada: os produtos citados já alcançaram 90% da carga e somente o minério de

ferro já representou 70% do volume transportado.

No período pós-privatização enquanto algumas concessionárias começam a

investir na expansão de suas cargas para além dos produtos que eram

transportados na época estatal, outras buscavam diferentes formas de renovar os

ativos em péssimo estado de conservação. A EFVM, da Vale, inaugura em 1998 o

seu Terminal de Produtos Diversos, com berço exclusivo para grãos para o

embarque de soja no Porto de Vitória. A MRS, por sua vez, instalou uma rede de

fibra ótica em toda a sua malha. Já a Ferronorte adquiriu 50 locomotivas de última

geração e vários vagões, ao mesmo tempo em que continuava expandindo a malha

para o interior do país na direção de Cuiabá.

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Contudo, o cenário geral era de recuperação de ativos e aumento da

produtividade através de tecnologia e melhoria da gestão. Novas empresas,

algumas por funcionários que aderiram ao PDV, passaram a prover o serviço de

desenvolvimento de sistemas, manutenção ou consultoria. Era um novo e grande

mercado que se abria, pois a RFFSA, como empresa pública, possuía ainda um

baixo grau de terceirização.

Nos primeiros anos após a privatização a responsabilidade pela

regulamentação do setor ficaria sob responsabilidade do Ministério dos Transportes

através da Secretaria de Transporte Terrestre. Essa entidade passou a determinar e

acompanhar as metas de produção e de redução de acidentes dos concessionários,

assim como de seus planos de investimentos. A RFFSA, por outro lado, regulava a

qualidade do serviço e recebia pelo contrato de concessão dos bens arrendados,

além resolver ainda as pendências jurídicas. Em Julho de 2001 seria finalmente

assinada a lei que criaria a Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), a qual

começaria suas operações em fevereiro do ano seguinte.

4.2.4 A reestruturação do setor

A ANTT seria a responsável por colocar em prática o Plano Nacional de

Revitalização das Ferrovias. O principal objetivo do plano era colocar em prática as

diversas promessas do governo para tornar o setor mais competitivo. Uma das

principais foi transferência de trechos das concessionárias de maneira a favorecer

os corredores de transporte de carga do país.

Foi a partir dessas operações que surgiu a holding Brasil Ferrovias, que

passou a deter o controle sobre as concessões da Ferronorte, Novoeste e Ferroban,

um complexo de ferrovias responsável pelo escoamento da produção agrícola do

centro-oeste brasileiro. Um pouco mais ao norte do país, a ANTT costurou um

acordo entre CSN e CVRD para que ambas descruzassem as suas participações

nas ferrovias FCA e CFN que dificultavam o aumento dos investimentos e o

decorrente turnaround das operações. Isso iria se refletir ainda na reformulação da

forma de tarifação para os sócios da MRS. Além disso, instituiu regras mais claras

com relação ao não cumprimento das metas, definindo multas.

A partir de então o país encontraria uma situação econômica e financeira

bastante favorável e os investimentos passariam a ocorrer em diversos setores de

produção. A Vale, numa estratégia global de consolidação da indústria de minérios,

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adquiriu as Minerações Brasileiras Reunidas, a qual detinha 20% do capital votante

da MRS que, somado ao quase 20% da própria Vale, fariam dela a principal

acionista dessa ferrovia também.

Na contra-mão dos resultados positivos das outras concessões, Ferropar e

Brasil Ferrovias continuavam sofrendo ano a ano com resultados cada vez piores.

Essas ferrovias disputavam na justiça alguns processos contra o governo alegando

que o contrato de concessão havia sido firmado sob condições de mercado

diferentes. As condições atuais, decorrente do processo de abertura de mercado do

setor de óleo e gás, tornavam o equilíbrio econômico do negócio inviável.

A Brasil Ferrovias passaria por mais uma reestruturação societária em 2005

com mudança na participação dos sócios, principalmente com a entrada do BNDES

devido à inadimplência do grupo com relação a vários financiamentos. O processo

de consolidação da indústria alcançaria em 2006 o estágio que manteria até 2008,

quando a ALL adquiriu a totalidade das ações da Brasil Ferrovias através de uma

troca de ações com seus controladores.

Essa fase também veria o renascimento da indústria ferroviária nacional,

com a compra de novos vagões e obras de infra-estrutura e ampliação da malha.

Dois foram os motivos: (1) novas fontes de financiamento surgiram por parte do

governo, mas também em larga escala pela iniciativa privada para a aquisição de

vagões; e (2) os espaços para crescer com uso de tecnologia e aumento de

produtividade já possuíam um retorno de investimento, no mínimo, compatível com o

investimento em expansão. Clientes das ferrovias e empresas de leasing de ativos

industriais foram os principais atores na compra e aluguel de vagões e na

construção de ramais ferroviários.

Movimentos mais significativos na ampliação da malha ficaram restritos ao

capital público, mas surgiram em escala relevante. A Ferrovia Norte-Sul, ligando o

centro ao norte do país através dos estados de Goiás, Tocantins, Maranhão e Pará,

sairia definitivamente do papel com o leilão de um de seus trechos, vencido pela

Vale. Também seriam ampliados os investimentos na Ferronorte, em direção ao

Mato Grosso e da Transnordestina, integrando o interior do Nordeste. Abaixo o

mapa das concessões brasileiras e dos projetos existentes. Em seguida, um gráfico

apresentando o tamanho da frota de vagões e volume de produção no Brasil nos

últimos anos.

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Figura 4-3: Mapa ferroviário brasileiro.

Fonte: Plano Nacional de Logística de Transporte, Ministério dos Transportes – 2007.

Figura 4-4: Tamanho da frota e produção anual de vagões.

Fonte: compilado pelo autor. Relatórios Anuais de Acompanhamento das Concessões, ANTT.

8691297 1283

748294

2.028

4.502

7.500

3.589

1.165

65.337 65.337 65.524

69.37667.795

62.932

74.400

90.119

87.073 87.008

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

8000

9000

0

10.000

20.000

30.000

40.000

50.000

60.000

70.000

80.000

90.000

100.000

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Produção Frota

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96

4.3 HISTÓRICO DA AMÉRICA LATINA LOGÍSTICA

4.3.1 Diagnóstico da Malha Sul

Após o governo federal divulgar seu plano para privatizar o setor ferroviário,

Alexandre Behring começou a analisar a possível participação no portfólio de

investimentos do grupo dos ativos das diversas malhas da RFFSA. Ele havia

entrado no banco de private equity GP Investimentos um ano antes, logo após

concluir seu MBA na Inglaterra. A empresa havia sido fundada há pouco tempo

pelos ex-donos do Banco Garantia, vendido ao Credit Suisse durante a crise

econômica deflagrada pelas bolsas do sudoeste asiático22.

Esses sócios já tinham bastante experiência em processos de aquisição de

empresas e turnaround, com alguns dos principais casos de sucesso no Brasil, tais

como Lojas Americanas e Brahma. Segundo o endereço eletrônico da empresa em

200123, o objetivo da empresa era “a busca de ganhos de capital elevados através

da aquisição de participações de controle, ou de investimentos acionários com

significativa influência na administração, em companhias que mostrem um grande

potencial de crescimento de seu valor de mercado.”

A malha que viesse a ser adquirida seria mais uma empresa a compor a

primeira carteira de investimento (GPCP I) formada em 1994 com recursos de

investidores estrangeiros institucionais. Essa carteira, na época da avaliação das

ferrovias, incluía empresas como ShopTime (primeiro canal de televisão doméstico

de compras), PlayCenter (um dos maiores parques de diversão do Brasil) e Artex

(uma das maiores fabricantes de produtos de cama, mesa e banho)24. Apesar da

estratégia deliberada de controle sobre a gestão da empresa adquirida, em

nenhuma dessas operações o GP se tornou o único sócio. Havia sempre alguma

empresa com conhecimento específico do setor: no ShopTime havia a Globo

Participações; e na Artex, havia a Coteminas. Não seria diferente para o caso das

malhas ferroviárias brasileiras.

Para ter esse conhecimento no setor ferroviário, foi convidada a empresa

RailTex International a partir do contato de Carlos Alberto Sicupira, sócio fundador

22 Para mais detalhes sobre o GP Investimentos ver Anexo IX. 23 O endereço eletrônico www.archive.org mantém guardadas várias versões de diferentes

páginas web ao longo do tempo. 24 Retirado do site www.gpinvestimentos.com.br, acessado em 05/04/2008.

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do GP, com um colega de turma de seu curso de MBA em Harvard em 92. A

convidada havia sido constituída em 1977 e era formada por técnicos e gerentes de

longa data oriundos das grandes ferrovias americanas. Bastante reconhecida por

seu presidente e fundador, Bruce Flohr, inicialmente alugava locomotivas e vagões,

mas expandiu suas operações para as ferrovias com uma estratégia de takeover e

turnaround de sucesso. Adquiria ferrovias que operavam em estados onde não havia

sindicatos; oferecia salários inferiores, porém altas remunerações variáveis;

mantinha um foco em vendas para clientes que ficavam entre cinco e dez milhas de

distância da ferrovia; e utilizava locomotivas usadas o invés de comprar sempre

novos equipamentos25.

O grupo GP acreditava que a única maneira de se fazer dinheiro em private

equity no Brasil era adicionando valor ao negócio através da gestão direta das

operações, pois outras opções como LBO’s eram inviáveis à época, dado o nível

incipiente do mercado de capitais, mas também fornecia excelentes oportunidades,

dada a evolução do arcabouço político-econômico brasileiro. Por isso a análise do

negócio envolvia a busca por informações da operação, dos mercados e não

somente informações financeiras. Foi formado um time com 20 técnicos da RailTex

sob a coordenação de Behring e Sérgio Pedreiro, outro associado da GP que havia

sido recentemente contratado após seu MBA em Stanford. Segundo Behring:

“O transporte por ferrovias possui uma demanda dormente... A chave para o aumento de receitas no negócio era pegar a parcela de mercado de caminhões. O crescimento não dependeria de padrões macroeconômicos favoráveis. Ferrovias, quando bem administradas, possuem um monopólio natural com vantagens estratégicas de custos sobre caminhões e são imunes a competição global.” (Sull, Martins, & Silva, 2004)

O processo de due diligence realmente levantou a existência de uma grande

demanda reprimida, principalmente junto aos clientes existentes. As empresas dos

setores de produtos agrícolas, cimento, madeira e combustíveis representavam 30%

da carteira e 80% das receitas na Malha Sul. A grande maioria dos clientes só não

transportava mais carga por ferrovia devido aos seguintes fatores: não havia

capacidade; as linhas estavam em péssimas condições; a freqüência de transporte

era baixa; e a qualidade do atendimento era ruim.

Mesmo depois de já ter participado e ganho o leilão da Malha Centro-Leste

25 Para mais detalhes sobre a RailTex ver (Sull, Martins, & Silva, 2004).

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com um consórcio bastante semelhante, o grupo conseguiu adquirir a malha sul com

um prêmio de 38% sobre o valor mínimo. Contudo, no caso da Malha Sul conseguiu

um acordo melhor com seus sócios onde pode assumir a direção do negócio.

O contrato de concessão previa que 20% do valor mínimo mais o prêmio

fossem desembolsados no ato da aquisição e o restante seria pago ao longo do

prazo de concessão, com dois anos de carência. A nova empresa se chamaria

Ferrovia Sul Atlântico, ou FSA. Os ativos arrendados eram em sua grande maioria

locomotivas, vagões e imóveis (estações, prédios administrativos e armazéns). Além

disso, havia também os equipamentos utilizados ao longo da via férrea como

sistemas elétricos de controle e a rede de transmissão.

No intervalo de três meses entre o leilão e o início das operações, o

conselho de administração e a diretoria foram formados. A composição era de três

representantes do grupo GP (Alexandre Behring, Sérgio Pedreiro, e José Carlos

Sicupira), três representantes dos fundos investidores e outro da RailTex, um

executivo de uma outra aquisição desta última na África do Sul.

Como primeiro presidente, foi escolhido José Paulo Alves, que havia

recentemente deixado a presidência da Minerações Brasileiras Reunidas S.A., uma

empresa do grupo CAEMI, que por sua vez era um dos controladores da MRS. Além

de principal executivo, ficou responsável também pela administração das operações

e da área comercial. Pedro Paulo Oliveira Almeida estava “emprestado” do grupo

GP desde que a compra havia sido anunciada. Ele foi o responsável pelo

planejamento e do downsizing que se seguiria, sendo então diretor de recursos

humanos e relações institucionais. Um terceiro executivo ocupava o cargo de diretor

financeiro.

4.3.2 Buscando o reequilíbrio operacional e financeiro

A função desse grupo nos nove meses que se seguiram foi implementar

uma forte redução de custos e de pessoal. A força de trabalho já havia sido reduzida

de aproximadamente 12.000 para 6.300 pelo PDV do governo, mas o novo grupo

reduziu novamente para aproximadamente 3.500 funcionários. Essa redução tinha

como meta muito mais equilibrar a capacidade de produção com a demanda do que

contribuir para o aumento da eficiência. O objetivo era também transmitir uma

mensagem clara para a força de trabalho e para o mercado: a lógica do negócio se

tornara definitivamente a lógica privada.

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Naturalmente essa quantidade de demissões trazia impactos significativos

para a operação. Houve basicamente três reflexos para compensar a falta de

quadro: aumento significativo da carga de trabalho dos funcionários que ficaram;

terceirização de inúmeras atividades, principalmente através das empresas abertas

por ex-funcionários da Rede; e investimento em tecnologia operacional. Por

exemplo, a instalação de computadores de bordo permitiu que as locomotivas

fossem conduzidas por um único maquinista e a localização por GPS reduziu a

necessidade de agentes de estação para indicar disponibilidade de via. Tais

tecnologias já vinham sendo utilizadas com muito sucesso há alguns anos nas

ferrovias da Estrada de Ferro Vitória-Minas e Carajás, administradas pela Vale,

assim como nas frotas de caminhões de algumas poucas empresas.

Depois que grande parte do trabalho de reestruturação e corte foi realizado

no ano de 1997, começava a se planejar como executar a administração do negócio

em uma nova fase. Assim como havia ocorrido em outras aquisições do grupo GP, o

analista responsável pelo processo de avaliação da aquisição se tornava o

presidente da empresa adquirida. Behring era essa pessoa e antes de assumir, José

Carlos Marreco, consultor em logística e ex-Diretor de Transportes da CVRD,

assumiu a presidência interinamente pelo período de seis meses.

Enquanto Marreco era presidente, Behring buscou seus pares no GP para

entender o que fizeram nas aquisições. Marcel Telles, ao assumir a Brahma, e

Carlos Alberto Sicupira, nas Lojas Americanas adotaram um conjunto semelhante de

práticas. Valorizavam o papel dos recém-formados, implantaram um sistema de

remuneração variável agressivo e forçavam o conflito com funcionários de baixo

desempenho. Também colocaram um sistema de metas desdobradas associado a

um orçamento base zero e construíam um ambiente onde os escritórios eram

abertos, com no máximo meias baias dividindo o espaço entre áreas. Por fim,

destacaram a importância de exibir publicamente o desempenho de cada um, em

especial dos principais executivos.

Behring e o conselho formariam agora um quadro de executivos mais

completo que iria auxiliá-lo na administração da empresa dali por diante. Raimundo

Pires Martins da Costa foi mais um executivo trazido da Vale, onde atuava como

gerente de operações ferroviárias. Sua função na FSA seria Diretor de Operações.

Pedro Paulo permaneceu na posição e, para assumir a área comercial, foi convidado

Walter Luis de Souza, diretor comercial de uma transportadora rodoviária mineira.

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Souza montou uma nova equipe comercial trazendo seis novos funcionários.

Completando o quadro de cinco profissionais, foi chamado Alceu Duilio Calciolari,

para ser Diretor Financeiro, cargo que ocupava anteriormente em uma grande

empresa de fundição. O conselho permanecia sem muitas alterações.

O novo grupo executivo iniciou suas atividades em Julho de 1998. Nos

primeiros 10 dias na posição de novo presidente, Behring e Almeida executaram o

ajuste fino do downsizing iniciado por Alves. Entrevistaram 150 gestores, escolhendo

30 que fariam parte da equipe responsável pela mudança cultural. Aqueles que,

segundo eles, não conseguiriam fazer a transição, foram demitidos ou alocados em

posições menos proeminentes. Esses 30 gestores avaliariam a situação da

companhia e decidiriam como seriam realizadas as reduções de custo projetadas

em cada uma de suas áreas. Uma segunda rodada de demissões coordenada por

eles levou o quadro funcional a menos de 2400 funcionários ao final do ano de 1998.

Nesse mesmo ano, a primeira turma de trainees começava a assumir as

posições gerenciais da empresa. Esses profissionais, juntamente com alguns

gerentes da Rede Ferroviária que sobreviveram ao processo de demissão,

ocuparam o espaço e receberam grandes desafios. Nessa época chegava à

empresa um novo funcionário, recém-graduado mestre em administração pela

Universidade de Warwick, Inglaterra. Bernardo Vieira Hees foi um dos primeiros

brasileiros a ser financiado pela Fundação Estudar, uma organização sem fins

lucrativos criada pelos donos do GP, cuja missão declarada é “colaborar com a

educação e formação de futuros líderes brasileiros, por meio da concessão de

bolsas de estudo”.

O período ainda era de dificuldades financeiras. A aquisição havia

consumido R$90 milhões do capital investido na privatização. Os processos

trabalhistas decorrentes da demissão em massa, por sua vez, totalizavam

aproximadamente R$40 milhões. Eram previstos investimentos da ordem de R$100

milhões em ativos frente a um faturamento de R$200 milhões/ano e um caixa de

R$30 milhões. Além disso, os ativos eram arrendados da RFFSA e, portanto, não

podiam ser dados como garantia para empréstimos junto às instituições financeiras,

restando o uso de notas promissórias, contas cauções e o uso dos próprios ativos

adquiridos como garantias. O GP estava restrito na sua capacidade de angariar mais

fundos para esse projeto, pois já se negociava a compra de linhas na Argentina.

Um dos principais financiadores dessa fase em todas as ferrovias foi o

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BNDES. Contudo, o empréstimo com as taxas bastante atrativas do banco26, era de

baixa flexibilidade: o financiamento era restrito a projetos alinhados com as políticas

públicas; só podiam compor até 60% do capital necessário; deviam ser gastos na

indústria nacional; e os fornecedores eram pagos diretamente pelo próprio BNDES.

Segundo o principal executivo financeiro, o Unibanco também esteve

presente nessa fase inicial realizando empréstimos para diversas ferrovias, mesmo

sob condições adversas. O banco fez parte de algumas das concessionárias

formadas para os processos de licitação. Com a ALL, firmou contratos com

vencimento em 18 meses, para projetos que previam geração de caixa somente no

quarto ou quinto ano. Ou seja, já era sabido que seria necessário rolar a dívida

criada naquele momento. Era necessário financiar um projeto de longo de prazo com

recursos de curto prazo. Sérgio Pedreiro descreve a percepção da alta gestão:

“O único risco que tínhamos era o financeiro. Não havia risco de mercado porque o mercado estava muito forte. Não havia risco tecnológico, pois a probabilidade de surgir uma tecnologia nova em termos de transporte era baixa, até no médio prazo.” (Pedreiro, 2008)

Calciolari, o Diretor Financeiro, definiu um processo de orçamento que

restringia os investimentos a projetos que gerassem aumento imediato de caixa

como forma de reduzir a dependência de fontes externas de financiamento. Eram

aplicadas quatro regras aos projetos: (1) deviam eliminar gargalos que impediam o

crescimento das receitas; (2) aqueles que geravam caixa mais cedo eram preferidos,

mesmo se o valor presente líquido não fosse o maior entre as possibilidades; (3)

opções que solucionavam rapidamente os problemas eram preferidas àquelas que

exigissem um prazo maior; e (4) a reforma de ativos era preferida à aquisição de

novos equipamentos e materiais.

Os executivos se referiam a essas práticas como “estratégia vietnamita”.

Alguns exemplos são: a compra de locomotivas usadas da África e a reforma de

outras da frota morta; expansão dos tanques de combustíveis das locomotivas; uso

de locomotivas com problemas de tração como geradoras de energia; e uso de

trilhos bons de estacionamentos para substituir os trilhos das linhas principais.

A questão financeira estava diretamente relacionada com os objetivos

26 Em 1997, os juros através do Finame – programa do BNDES de financiamento para aquisição de equipamentos – eram próximos a 15% a.a. enquanto que as taxas de mercado eram próximas de, pelo menos 30% a.a.

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operacionais. Sem aumentar o volume transportado o negócio não seria viável. A

maior dificuldade para poder transportar mais carga naquela época era a limitação

na disponibilidade de ativos: simplesmente não havia vagões e locomotivas

suficientes em condições de operação. Era preciso não só ter mais ativos, como

também produzir mais com esses ativos. Acima de tudo, os investimentos seriam

voltados para aumentar o nível de utilização que, na época estatal estavam na faixa

de 70% (mais de 20% dos vagões estavam inutilizados e dos vagões que rodavam,

os níveis de uso eram inferiores a 90%).

Ainda que a demanda estivesse acima da capacidade, a qualidade dessa

demanda não era a desejada. A maioria dos clientes havia se acostumado com a

baixa confiabilidade das operações ferroviárias da Rede Federal, com atrasos e

perda de cargas devido ao grande número de acidentes. Dessa maneira, a ferrovia

era utilizada quando outros meios estavam com a capacidade esgotada ou quando

tais empresas haviam, de alguma forma, conseguido superar todas as dificuldades

para que fossem atendidas, sendo servidas quase que por direito.

Do lado da organização da operação, Raimundo Costa, optou por modificar

a divisão por função da época estatal por uma divisão por unidades de produção e

de negócio, semelhante à utilizada em ferrovias nos EUA e à estrutura das ferrovias

adotada por ele na Vale. Antes, a área de operações da Rede Ferroviária Federal

dividia-se em funções como Via Permanente, Produção, Mecânica e Automação

onde cada uma mantinha suas próprias estruturas ao longo da malha e possuía

seus próprios ativos. A operação comercial por sua vez sempre foi centralizada na

sede da Rede, que ficava no Rio de Janeiro.

Com a reorganização, essas áreas funcionais passaram a existir dentro de

unidades de produção (UP). Cada UP responsabilizava-se por uma região e pelos

ativos que ali trafegavam, como se fossem mini-ferrovias, provendo todas as

condições necessárias para a realização de um fluxo: linha, locomotiva, vagão,

maquinista e carga. A UP Curitiba, situada na sede, também tinha o papel de atuar

como uma unidade corporativa que integrava e coordenava as práticas de operação.

Para cada uma foi escolhido um gerente de UP com responsabilidade sobre os

resultados da sua unidade, mas também com autonomia para buscar novas cargas

e para gerenciar os ativos ali disponíveis e seu orçamento.

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4.3.3 As sementes da nova cultura

O grupo controlador acreditava numa mudança cultural forte baseada no

mesmo modelo adotado em outras aquisições. Buscou desenvolver a meritocracia

através das três práticas comuns às empresas adquiridas pelo GP: o modelo de

metas desdobradas; o processo de orçamento base-zero e o programa de

remuneração variável. Finalmente as crenças e valores do principal acionista seriam

passadas para a empresa adquirida.

Em sua primeira versão o conjunto funcionava da seguinte maneira: entre

setembro e novembro de cada ano os gerentes reuniam-se com seus supervisores e

definiam cinco metas, todas quantificáveis e com responsabilidade individual,

desdobradas de cima para baixo; cada um submetia aos seus superiores o

orçamento necessário para cumprir as metas estabelecidas, devendo justificar

durante as reuniões as motivações para cada despesa; com o orçamento definido,

cada um tinha autonomia sobre como alcançar suas metas com seu orçamento;

essas metas eram apresentadas publicamente e atualizadas regularmente ao longo

de todo ano; o cumprimento dessas metas definia se os funcionários receberiam ou

não o bônus; além disso, era necessário que a empresa alcançasse a meta global

de produção para que cada um tivesse direito a concorrer à remuneração variável;

os níveis mais altos da empresa possuíam uma parcela bem maior atrelada ao

alcance das metas do que os funcionários dos níveis mais inferiores.

Esse método não era inovador. Na realidade baseava-se em ferramentas de

administração conhecidas e utilizadas em todo o mundo há décadas, principalmente

nos EUA. O que a tornava um diferencial era a agressividade com que a política era

adotada, além de ser bem diferente da cultura de empresas públicas.

No final de 1998 a FSA adquiriu parte do controle da Ferropar e firmou

contrato com a Fepasa para que pudesse operar um trecho ao sul da malha paulista.

Essa malha era crucial para todo o setor devido a sua posição estratégica no centro

econômico nacional, além de estar ligada ao porto mais movimentado do país,

Santos. Essa ação fazia parte da estratégia do governo para otimizar a malha,

alinhando as concessões com os corredores de exportação e evitar que, com a

privatização, algum player exercesse controle total do acesso estratégico ao porto.

Nessa mesma época outro grande trecho da malha paulista foi cedido para a FCA e

uma pequena parte para a MRS. Por fim, com o que restou foi criada a Ferroban,

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ligada à Ferronorte.

Em 1999, a FSA investiu na compra de roadrailers, vagões adaptados para

trafegar tanto em rodovias quanto em ferrovias, permitindo uma melhor integração

multimodal e a expansão para a atividade de transporte de cargas rodoviárias. A

MRS já havia testado e adquirido equipamentos semelhantes no ano anterior, num

projeto desenvolvido em conjunto entre duas empresas brasileiras e uma espanhola.

Esse equipamento já era bastante utilizado nos EUA e na Europa. A solução visava:

aumentar a confiabilidade e a proximidade com o cliente, eliminando o transportador

rodoviário terceirizado; e reduzir o tempo total de frete, principalmente através da

eliminação da necessidade de transbordo (América Latina Logística, 2001).

Finalmente concluía o processo iniciado dois anos antes (praticamente junto

com a aquisição da malha sul e malha centro leste brasileira), quando decidiu

comprar duas ferrovias na Argentina ligadas entre si, sendo uma delas contínua à

linha brasileira. A nova unidade guardava poucas semelhanças com relação à

experiência brasileira. As ferrovias argentinas haviam sido privatizadas em 1992 e,

no modelo adotado, o governo manteve 16% do controle das ferrovias concedidas.

Além disso, era o final do governo Menem e, afundado em uma de suas

piores crises, os ativos argentinos estavam desvalorizados, enquanto que o Brasil

estava em crescimento. O país ainda passava por muitos outros problemas e as

reformas necessárias nesse e em outros setores não caminhavam. Os sindicatos

tinham forte presença e a cultura de trabalho pública ainda era bastante presente

entre os funcionários das ferrovias. Além disso, a estrutura de operação da nova

malha era bem diferente da existente no Brasil (Entrevistado # 14, 2008).

Para adequar-se à nova posição competitiva, com maior participação do

transporte rodoviário e com a atuação internacional, o nome da empresa foi

modificado para América Latina Logística. O primeiro estatuto social, de 1998,

demonstra que esses movimentos já eram planejados desde a criação da empresa.

O sistema de remuneração variável que diferenciava a remuneração por

níveis hierárquicos foi modificado. Todos passaram a concorrer a um bônus simples

ou duplo. Os 10% melhor classificados seriam bonificados com 10 salários. Os 50%

seguintes receberiam cinco salários. Os 40% restantes receberiam somente um

salário, referente ao atendimento da meta global da empresa. Nesse mesmo ano foi

instituído o primeiro programa de stock options para os funcionários.

Mais de 50 universitários haviam sido contratados em 1999, através do

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programa trainee e do programa de estágio. Ou seja, um pouco menos de um terço

do corpo gerencial existente na sede naquela época.

Os investimentos em desenvolvimento continuaram com a implantação da

Universidade Corporativa da ALL, a UniALL, em 2000, cujo objetivo inicial era suprir

a demanda por pessoal de operação de terminais e estações, alem de maquinistas.

No início, os treinamentos tratavam principalmente do desenvolvimento de pessoal

para a operação ferroviária. Não demorou muito para que a empresa estendesse a

utilização da estrutura de ensino para outros funcionários e para outras linhas de

desenvolvimento como qualidade e gestão. Os novatos agora recebiam treinamento

nas ferramentas por pessoal interno. Foi criado também um curso de MBA em

Logística com a colaboração do Coppead/UFRJ, uma dos principais centros de

estudo da área no Brasil.

Tentou-se formar uma diretoria de planejamento estratégico, mas foi um

projeto de consultoria que rendeu os resultados esperados. Dentre as principais

conclusões do estudo, destacou-se a expansão da fronteira agrícola e como

absorvê-la, os fluxos de produtos industriais dentro dos eixos de integração sul-

americanos e a capacidade e a evolução dos mercados atuais de commodities

agrícolas e líquidas. Foi a melhora operacional e financeira que abriu caminho para

novas fontes para financiar os projetos identificados na análise de mercado.

O alto escalão estava um pouco diferente. Bernardo Vieira Hees em menos

de dois anos se tornou diretor financeiro e conselheiro. Entre os outros, havia

presidentes de empresas de celulose e madeira, autopeças, cimenteiras e

transportadoras de carga, além dos já comuns representantes das empresas

controladoras. Havia duas novas diretorias: a de logística e a de granéis. Ambos os

executivos haviam trabalho na Ambev, outra empresa do GP (sendo um ex-diretor e

outro ex-gerente), antes de serem contratados para trabalhar na ALL. No ano

anterior havia vigorado também a Diretoria de Planejamento e Desenvolvimento de

Novos Negócios dirigida por um ex-executivo da Shell, mas essa estrutura nunca

mais foi apresentada27 nos relatórios da empresa.

Na recém criada área de industrializados, vinculada à diretoria de logística, a

empresa começara a desenvolver os primeiros contratos de maior volume

27 Relatório de informações anuais de 1999 entregue à CVM pela ALL SA.

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associados ao transporte de cargas de maior valor agregado e menor sazonalidade.

Tais fluxos, transportando cimento, clinquer, celulose, madeira, e combustível, já

existiam desde o tempo de Rede Ferroviária Federal, mas o volume era baixo e os

investimentos em ativos específicos eram menores ainda.

O desenvolvimento desse tipo de carga era de grande importância, pois

reduzia a dependência existente com relação ao transporte de commodities, tanto

quanto à sazonalidade quanto aos riscos de quebras de safra. A prática comum na

carga agrícola era de contratos spot, o que reduzia o preço do frete pela alta

competição entre transportadores. Essas cargas eram muito dispersas, tanto em

termos geográficos quanto em termos temporais, não só devido à diferença sazonal

de cada commodity, mas também devido ao grande número de produtores e às

diferenças de planejamento destes.

Tais clientes já estavam acostumados a ter que contratar o transporte

rodoviário para levar a carga até os portos e incluir a ferrovia só aumentava a

complexidade da operação, uma vez que continuaria sendo necessário fazer a ponta

rodoviária. A ALL já vinha administrando o transporte dessa ponta no lugar dos seus

clientes, fazendo a chamada operação porta a porta. Porém, esse serviço era feito

por caminhões de terceiros, o que tornava a operação menos confiável do que

poderia ser se fosse feita através de ativos próprios.

Apesar da preferência pelo contrato spot da grande maioria dos clientes de

commodities agrícolas, alguns grandes players da indústria agrícola mundial

ampliavam sua posição no mercado brasileiro e se interessavam pela modalidade de

contrato de longo prazo e investimento de terceiros. Esta prática já era comum na

Europa e nos EUA, onde os ativos geridos por algumas ferrovias eram na verdade

de terceiros. Os contratos de longo prazo eram assinados com cláusula de take-or-

pay, mais uma condição que favorecia o planejamento. A garantia fornecida por

esse contrato para os clientes, não era positiva somente devido aos custos, mas

principalmente devido à disponibilidade de uso, pois a relação entre oferta e

demanda era bastante favorável à ALL.

A introdução de cargas diferentes trazia um novo conjunto de problemas e

exigências. As cargas industrializadas, apesar do maior grau de certeza de seus

fluxos, exigiam maior confiabilidade e menor tempo de trânsito devido aos maiores

custos de estocagem. Também exigiam vagões especiais, que preservassem a

integridade física dos produtos. A área de projetos, mais acostumada com projetos

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de extensão de ramais ferroviários e terminais de carga e descarga, passou a

realizar em seu conjunto de atividades a análise da disponibilidade de ativos e via.

Com as cargas industriais, passou a fazer projetos de adaptação de vagões e

passou a ser chamada de área de projetos logísticos.

A área de manutenção adicionou às atividades relacionadas ao

funcionamento dos equipamentos questões de como investir no aumento da

eficiência da operação. Outra solução para compensar o aumento de complexidade

devido à ampliação do leque de cargas foi a utilização de contêineres para o

transporte das cargas. Além de se ter um recurso padronizado, também passava a

ser um equipamento que facilitava o transbordo de cargas, tanto entre linhas com

bitolas distintas, quanto no transporte intermodal.

Para continuar crescendo em margem, não somente em receitas, o uso de

tecnologia foi expandido. Sistemas de controle da operação nacionais vinham sendo

desenvolvidos desde a privatização em parceria com empresas de tecnologia

brasileiras, mas seu uso foi ampliado. As soluções nacionais, além de mais

adequadas às condições de operação, também eram sensivelmente mais baratas. A

qualidade não era inferior e o desenvolvimento interno ainda sugeria a possibilidade

de receitas futura com esses produtos e serviços.

A remuneração variável também evoluiu. As atividades de benchmark

interno foram incentivadas através de competições entre as diversas unidades de

produção, que premiavam aqueles que alcançavam as melhores metas, tais como

redução de consumo de diesel. Contudo, as áreas que se envolvessem em

acidentes eram automaticamente eliminadas dos campeonatos. Ainda havia outros

fatores que influenciavam o valor final da remuneração variável, tais como

percentual relativo de atendimento da meta global da companhia e dias faltosos. Era

distribuído então para todos os funcionários um pequeno manual explicando quem

concorria a que, quais eram os valores de remuneração, como eram calculados e

com que freqüência e quando seriam pagos.

O sistema de controle de metas também precisava de modificações, devido

às redefinições de metas anuais e à presença de inúmeros sistemas independentes

controlando os indicadores de sucesso. Muitos estavam em planilhas eletrônicas

onde, as pessoas que eram medidas por esses indicadores também eram aquelas

responsáveis pelo registro. Isso exigia um sistema de auditoria interno bastante

complexo e que muitas vezes não transmitia fielmente os objetivos da organização

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ou não oferecia o grau necessário de transparência.

Foi instalado então um sistema integrado de gestão, o SAP, responsável

pelo controle dos principais processos administrativos, onde todas as operações,

principalmente aquelas relacionadas ao financeiro, passariam a ser devidamente

registradas e disponibilizadas. Foram definidos critérios de rateios detalhados que

permitiam a cada unidade identificar a sua contribuição de “última linha”, ou seja, o

quanto a companhia havia lucrado com o trabalho daquela unidade.

Anteriormente uma unidade de negócio era medida por sua capacidade de

gerar receita e assim algumas vendas não faziam uma boa consideração dos custos

envolvidos. Por outro lado, as unidades de produção preocupavam-se com o

controle de despesas, que limitava a capacidade de análise de quais dessas

despesas poderiam ser tratadas de maneira diferente, se traduzindo em um maior

retorno para a companhia. Por exemplo, investimento em novos trilhos aumentaria a

velocidade de tráfego e a capacidade de transporte do trecho.

Tais atividades avançavam rapidamente dentro da estrutura brasileira, onde

o modelo de gestão da GP havia encontrado aderência. O mesmo não era visto na

unidade argentina. Lá havia uma estrutura de administração independente, com

suas próprias áreas e pessoal. Havia algum espelhamento nos modelos brasileiros,

mas a velocidade com que evoluíam era menor. O compartilhamento de recursos

entre os países era passageiro, onde o objetivo desse contato era, em geral,

fornecer conhecimento sobre como funcionava o caso brasileiro. Uma das poucas

estruturas compartilhadas era a Unidade de Negócios do Mercosul, cujo objetivo era

administrar os fluxos de carga entre Chile, Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil. A

situação política e econômica na Argentina dificultava o exercício da liderança

brasileira. Conflitos com sindicatos e governos provocaram situações embaraçosas

para a alta gerência, como a recontratação de funcionários demitidos.

Na briga contínua pelo aumento da produtividade, alguns projetos bem

diversificados foram iniciados em 2000. Seguindo a lógica aplicada pela Ambev ao

criar a Agrega, a ALL participou de uma empresa comprada pelo grupo GP em

parceria com outro banco de investimentos. Em outro projeto, negociou a venda e

terceirização da operação de manutenção dos equipamentos. Os estudos levaram a

conclusão de que o negócio não tinha viabilidade financeira. Afinal, o próprio perfil

da frota não contribuía para que os níveis de serviço fossem altos, pois a ALL havia

optado pela reforma dos ativos ao invés da compra de equipamentos novos

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(Entrevistado #1, 2008).

Outras inovações tiveram mais êxito. Algumas pessoas na busca por

soluções na redução dos custos de combustíveis foram pesquisar a possibilidade de

se ter locomotivas movidas a gás natural e acabaram identificando a possibilidade

de usar um tipo de borra de óleo, gerado como resto dos processos de manutenção,

no lugar do diesel. Outro técnico, originário da Rede, sugeriu e implantou o uso de

madeira de eucalipto nos dormentes dos trilhos no lugar da madeira de lei da

Amazônia. O custo de se repor o material com maior freqüência pagava de longe a

redução no custo de compra do material, além de ser uma solução ecologicamente

muito mais atraente.

Ambas as soluções foram premiadas dentro do programa de Ideias e Ações.

Essa premiação envolve muita divulgação interna. Nas “Trimestrais”, reuniões

realizadas a cada três meses reunindo gestores de todas as áreas, as ideias e seus

resultados são apresentados em público e o funcionário responsável pela melhor

ideia, avaliada por uma comissão formada por diretores e gerentes, recebe o prêmio

da mão do presidente. Essas reuniões tinham também como objetivo manter os

gestores geograficamente separados alinhados quanto ao andamento das atividades

desenvolvidas em todas as áreas. Cada diretor e o presidente discorriam sobre a

situação de cada uma de suas metas e alguns funcionários eram sorteados para

detalhar também a situação das suas metas. Outra forma de alcançar a base era

com os altos executivos às vezes manobrando trens e dormindo nos alojamentos.

A empresa crescia e, em 2000, dado o alcance geográfico e o número de

funcionários, foi criada a revista interna “Sem Fronteiras” com periodicidade mensal.

Nas matérias publicadas relatavam-se os novos projetos, novos clientes, projetos

sociais e sempre uma mensagem do presidente. Para que a comunicação com o

pessoal de linha de frente fosse mais fácil, essa mensagem fazia uma analogia com

o futebol. Se as metas de vendas fossem superadas, o placar era contado a favor;

se as metas de custos não fossem cumpridas, o placar adversário era ampliado.

4.3.4 Empresa nos rumos e crescendo: preparando o terreno para sair

Em Julho de 2001 a ALL entendeu que o crescimento orgânico nessa linha

de negócio não atenderia às expectativas. A solução apareceu através do dono de

uma empresa de transporte rodoviário. Num contrato de arrendamento de ativos,

pago através da troca de ações, a empresa de transporte rodoviário de cargas

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Delara teve seu controle adquirido pela ALL. A operação uniu a fome com a vontade

de comer: o dono da Delara, Wilson Delara, havia percebido que em breve suas

operações estariam fortemente ameaçadas sem um sócio forte (Mendes, 2003),

devido à entrada de competidores internacionais e ao crescimento de competidores

nacionais. Seus ativos foram integrados a uma nova empresa da holding, a ALL

Intermodal. Na holding, por sua vez, Wilson de Lara, ex-dono e presidente da

Delara, passava a ser um dos principais sócios, atuando agora como Presidente do

Conselho Administrativo.

Os executivos diziam haver muitos aspectos positivos na aquisição.

Primeiramente, esperava-se que o fato da Delara já trabalhar como prestadora de

serviços da Ambev, outra empresa do Grupo GP, a integração das duas empresas

seria mais simples. Adicionalmente, supriria a ALL do conhecimento específico

sobre a administração de transporte de cargas rodoviário e da prestação de serviço

completo de logística, dando nova importância às pontas. Além de eliminar as

desvantagens que possuía frente aos seus concorrentes rodoviários, seria agregado

um conjunto de novos clientes como White Martins e a própria Ambev, dois tipos de

carga que até então não eram transportados pela ALL (gases industriais e líquidos

em garrafas). A operação da Delara atuava na mesma região onde a ALL já estava

presente, inclusive na América Latina, além de estender sua presença até o

Nordeste, passando por todos os estados do Sudeste (Sull, Martins, & Silva, 2004).

Contudo, a operação não foi fácil. Apesar dos primeiros passos em direção

ao transporte rodoviário, a ALL ainda comportava-se como uma ferrovia. Enquanto a

operação ferroviária era regida pelo peso, a operação logística era regida pelo

tempo. Enquanto os ferroviários eram mais “fiéis” à companhia, os caminhoneiros

eram independentes. Era preciso que as duas partes que se juntavam aprendessem

sobre o novo negócio conjunto. A ALL era claramente o ator dominante, o que

colocava em risco a preservação dos recursos humanos da Delara, onde residia um

dos principais benefícios da aquisição: o conhecimento sobre como transportar

cargas de maior valor através de caminhões. Ao mesmo tempo era necessário

realizar os ganhos da aquisição sobre a estrutura administrativa.

Todo o projeto de integração foi realizado em seis meses com a consultoria

da Gradus, a mesma empresa que havia feito a integração da Brahma com a

Antarctica, dando origem à Ambev. Na metodologia sugerida, formou-se um grupo

de transição, composto por um representante de cada área de cada companhia e

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um diretor de cada companhia. Bernardo Hees foi escolhido para ser o responsável

por todo o processo e já se sabia desde o início que o seu par na Delara não

continuaria na empresa ao final.

Em dois meses as empresas foram unificadas na sede da ALL. Nos meses

seguintes decidiu-se: quais áreas seriam criadas, eliminadas e unificadas; quem

ficaria e quem sairia; e quais seriam os processos que prevaleceriam. De uma

maneira geral, as características da ALL prevaleceram com relação às áreas

administrativas, mas a Delara também trouxe bons processos, como os de

certificação da qualidade e os de comunicação interna. Porém, algum tempo depois,

poucos eram os funcionários da Delara que haviam permanecido.

A aquisição também resultou em uma nova alteração na estrutura

organizacional. A diretoria comercial deixaria de existir. A nova estrutura comercial

seria composta por três diretorias: Logística e Negócios Dedicados; Granéis e

Negócios Industrializados. As duas primeiras já haviam sido constituídas no ano

anterior e continuavam com os mesmos executivos. Já a última, passou a ser

dirigida por Bernardo Hees. A diretoria financeira de Hees passou a ser ocupada por

Sérgio Pedreiro, um dos responsáveis do GP pela avaliação da Malha Sul e que

havia permanecido como conselheiro administrativo durante muito tempo. Ele

voltava após trabalhar na criação da Geodex.

No mesmo ano a situação na Argentina se tornara caótica. Após anos

controlando o câmbio, o governo teve que adotar uma estratégia de câmbio

flutuante, despencando assim o valor da moeda argentina. Isso afetou diretamente

as operações da empresa, principalmente porque havia uma grande quantidade de

dívidas cotadas em dólar. Como conseqüência da situação macroeconômica, toda a

economia retraiu, com impactos ainda mais fortes na indústria, principal cliente da

ALL na Argentina. Em resposta às dificuldades encontradas pelo executivo brasileiro

que estava à frente dos negócios no país vizinho em implantar os modelos de

gestão utilizados no Brasil, o conselho o substituiu por outro executivo de origem

argentina que trabalhava em um banco local.

Outra medida adotada devido aos recentes problemas e às características

da operação e do mercado, foi a reestruturação societária de sua operação,

separando a ALL Argentina do controle direto da ALL SA. Contudo, a operação

brasileira foi responsável pelo apoio financeiro à reorganização do perfil de

endividamento da empresa, trocando a dívida em dólar, por outras em real, arcando

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112

então com os prejuízos. Porém, devido às dificuldades no relacionamento com o

governo argentino, a empresa não conseguiu ampliar seus investimentos no

negócio, pois o governo, detentor de parcela significativa do capital do negócio não

queria investir junto nem reduzir sua participação no controle. Essa questão seria

adicionada ao enfrentamento que existia na justiça argentina desde 1997 quando o

governo daquele país decidiu rever os contratos de concessão assinados em 1992.

Em paralelo com a inserção no setor rodoviário, a ALL iniciou uma operação

de produção de vagões dentro de sua oficina de vagões. Seria a primeira tentativa

de produzir vagões em grande escala. A ideia evoluiria para, no ano seguinte, um

acordo onde a empresa Amsted Maxion produziria os vagões para a ALL dentro das

instalações da própria ALL. O projeto ainda incluía a utilização de créditos fiscais de

INSS por parte dos clientes da ALL como forma de pagamento pela aquisição dos

vagões. Apesar da perspectiva positiva a união não durou nem um ano. De um lado

havia informações de que a parceira havia sido encerrada devido à baixa demanda,

contudo, alguns jornais indicavam que o governo havia contestado o uso do INSS.

A empresa entraria em 2002 em outro negócio semelhante. Através de uma

parceria com a Agrenco, a empresa constituiria a Terlogs, uma empresa para

administrar os terminais de carga e descarga nos portos de Paranaguá, São

Franscisco do Sul e Rio Grande. A ALL disponibilizaria a infra-estrutura necessária

nos terrenos arrendados da RFFSA e a Agrenco, entraria com o financiamento dos

investimentos. Ao mesmo tempo era fechado um acordo para escoamento da

produção para os próximos 10 anos. Esse projeto ainda enfrentou sérias restrições

junto ao governo paranaense, principalmente devido à lei que proibia a exportação

de soja transgênica nos portos paranaenses.

Novamente, dois anos depois de iniciar as operações do novo negócio, a

ALL deixou a operação da Terlogs, vendendo sua parte no capital da empresa para

a sua sócia, porém firmando um novo acordo comercial onde a Sogo Trading,

empresa de logística do grupo Agrenco, se responsabilizaria pelos investimentos

necessários na estrutura de escoamento e assim, não funcionaria como um gargalo

na operação dedicada da ALL para a Agrenco, que agora estava projetada para 23

anos, o maior acordo de transporte de cargas até então firmado no país.

Nesse mesmo ano iria criar outro negócio, esse mais duradouro: a ALL

Tecnologia, cujo objetivo era comercializar os sistemas eletrônicos e computacionais

desenvolvidos pela ALL e suas parceiras. As soluções seriam utilizadas

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113

principalmente na África do Sul e o Translogic, o sistema de gestão da operação

desenvolvido internamente, seria o principal produto. Alguns dos principais membros

da equipe haviam sido contratados diretamente da operação de tecnologia de outras

ferrovias. Alguns foram os responsáveis pelo desenvolvimento do sistema utilizado

anteriormente na Rede Ferroviária Federal, o SIGO.

A situação financeira e operacional da ALL Argentina se estabilizaria e as

mudanças na estrutura societária realizadas em 2001 seriam desfeitas, voltando a

ALL Argentina a ser controlada diretamente pela ALL SA. Desde a crise, os

acionistas passaram a perceber o investimento na Argentina como um projeto de

retorno com prazo de maturação maior que o existente no Brasil, principalmente

devido às conseqüências da instabilidade política que não se resolvia no país.

Alguns dos principais reflexos nas operações era o poder de negociação dos

sindicatos assim como o combustível subsidiado para os transportadores

rodoviários, questões que enfraqueciam a posição competitiva da empresa.

Questões ambientais estavam cada vez mais na pauta dos executivos da

empresa devido principalmente aos processos judiciais decorrentes de acidentes e

inspeções de órgãos públicos. Em sua grande maioria a ALL constituiu acordos de

ajustamento de conduta, onde definia com tais órgãos cronograma de investimentos

nas diversas questões abordadas, como certificação de operações e construção de

estações de tratamento de água e resíduos.

4.3.5 Caminhando com as próprias pernas

Em 2004 finalmente seria formada uma operação própria para a produção

de vagões. Dessa vez foi constituída uma empresa especificamente para esse

propósito, a Santa Fé Vagões. Do capital da nova empresa, a ALL deteria 40% e o

restante seria da Besco, uma fabricante indiana de vagões. Novamente seria

utilizada a infra-estrutura disponibilizada pela própria ALL. Além disso, firmaria um

contrato com a Mitsui, uma grande empresa japonesa, que serviria como uma

sociedade de propósito específico nas operações estruturadas de financiamento

organizadas pelo BNDES. Isso fazia parte de um programa de financiamento do

banco para a aquisição de vagões e a entrada da Mitsui incluiu uma nova

modalidade de uso, agora através do aluguel do ativo.

Porém os aspectos financeiros no ano seriam os mais relevantes. Seria

finalmente concluída a operação de seu IPO, projetada dois anos antes por seus

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114

acionistas. O responsável pela coordenação desse projeto era Paulo Basílio, à

época gerente de Planejamento Financeiro da companhia. Ele havia entrado na

companhia em 2000, como coordenador de planejamento, mudando para o cargo de

gerente em 2002. Antes de entrar para a ALL, trabalhou como consultor pela FGV,

onde concluiu seu mestrado em economia.

Seria a primeira empresa do setor a cumprir o que havia sido estabelecido

no contrato de concessão, a abertura de capital obrigatória em bolsa, e a primeira

ferrovia a fazê-lo no Brasil desde Barão de Mauá. A ALL entrava para um grupo de

empresas que estavam embaladas com o aquecimento do mercado financeiro

brasileiro como Gol e Natura. Sua intenção inicial era inscrever-se no chamado Novo

Mercado, uma classificação atribuída pela Bovespa para as empresas que adotavam

as melhores práticas de governança corporativa.

Infelizmente essa estratégia seria vetada pela ANTT. A Agência cumpria o

regulamento da privatização que exigia que uma concessão tivesse um bloco de

controle identificável. A oferta planejada pela ALL levaria a empresa a um alto nível

de pulverização no mercado. Uma das grandes preocupações da empresa era evitar

que a percepção do mercado sobre os papéis da ALL fosse influenciada pelo

ocorrido nas operações da Ambev na fusão com a Interbrew poucos meses antes28.

Como alternativa foi utilizada uma estrutura parecida com a oferecida pelo

Unibanco, apresentando a chamada unit: cada papel equivalia a uma ação ordinária

e quatro preferenciais. Além disso, ofereceram tag along para 100% das ações. A

valorização dos papéis foi grande, tendo sofrido flutuações significativas ao longo do

tempo. Além disso, alguns sócios resolveram realizar parte dos seus investimentos,

vendendo algumas de suas ações.

A companhia buscava aproveitar o excelente momento para dispor de

bastante capital a taxas baixas e cumprir os planos de investimentos projetados para

os anos seguintes. Em seu relatório anual de 2004 a empresa diz: “A ALL está

atenta às oportunidades de investimento, alianças e aquisições que possam resultar

em ganhos de sinergia e efetiva criação de valor.” A empresa levantou a partir do

mercado de capitais no ano de 2004 mais de R$ 500 milhões de reais. Essas

operações levaram a empresa ao nível mais baixo de endividamento de sua curta

28 Os acionistas minoritários tiveram grandes perdas com a fusão, pois os papéis não ofereciam direito de venda em caso de troca de controle (Valor Econômico, 29/04/2004).

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115

história, chegando a um patamar de 0,5x de dívida líquida/LAJIDA.

Na área de operações a empresa demonstraria certas competências que até

então não haviam sido testadas. As safras agrícolas da região sul daquele ano

sofreriam uma quebra significativa devido às condições climáticas. A equipe

comercial teria um esforço amplo para redirecionar o uso de seus ativos para outras

cargas, clientes e regiões, indo buscar carga inclusive no centro-oeste. A equipe de

operações enfrentaria dificuldades para reorganizar a distribuição de seus ativos na

malha, levando-os da parte sul da malha para a parte norte.

Além disso, no auge do escoamento da produção de soja, duas ocorrências

dificultariam o processo. Os funcionários do porto de Paranaguá entrariam em greve

por um longo período e um acidente interromperia o uso da ponte do Rio São João,

uma das principais ligações com esse porto. Para completar o cenário, nessa

mesma época as refinarias da região interromperiam sua produção por um grande

período para manutenção.

Como resposta a esse contexto, a equipe de industrializados ampliaria sua

participação nas receitas da companhia atuando fortemente nas cargas em

contêineres e nos produtos siderúrgicos (América Latina Logística, 2004). O

problema no porto de Paranaguá levaria os funcionários da ALL a readequar seus

fluxos de carga para não perder as receitas, enviando os produtos agrícolas que

comumente iriam para Paranaguá, para os portos de São Francisco do Sul e Rio

Grande. No Rio Grande alcançou 100% de market share nos produtos exportados

onde antes possuía algo em torno de 40%.

Sem deixar de lado as atividades de busca contínua no aumento da

eficiência e da produtividade, a empresa começou a testar o uso da tecnologia de

tagging de vagões, automatizando uma série de atividades de controle. Seriam

colocadas em atividade algumas locomotivas movidas a biodiesel e nas contas de

outras receitas seriam identificados valores referentes a venda de sucata, plástico e

papel. Complementando os serviços prestados pelo Translogic, entraria em uso o

SOL – Sistema de Operações Logísticas, cujo objetivo era integrar as informações

sobre as atividades rodoviárias e ferroviárias sob uma mesma interface, auxiliando

principalmente no controle dos fluxos intermodais.

A ALL Argentina teria um de seus melhores anos, com significativo aumento

das receitas e da margem. Porém, mesmo assim, a unidade não havia cumprido a

sua meta global fazendo que a grande maioria dos funcionários não recebesse o tão

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116

esperado bônus. No ano anterior, devido à evolução dos indicadores acima das

expectativas para o primeiro semestre, grande parte das metas fora revista para

cima no Brasil.

Os investimentos em treinamento continuaram em evolução, mas o número

de candidatos ao programa trainee alcançaria seu ponto máximo em 2004 e dali em

diante seria drasticamente reduzido.

O número e a diversidade de projetos era cada vez maior. Nesse ano foi

iniciada uma operação para o transporte de carga frigorificada do interior do Rio

Grande do Sul para as plantas das indústrias de alimentos em nos centros

industriais do estado. Tratava-se de um projeto sem precedentes no país e que

utilizava um conjunto de soluções bastante diverso para equacionar os problemas

decorrentes da necessidade de manutenção da temperatura da carga. Em paralelo,

no ano de 2005, é colocado em prática outro programa de trainee, específico para a

formação de engenheiros.

Seria também em 2005 que Bernardo Hees substituiria Behring na

presidência da companhia, depois de atuar como Diretor Superintendente durante

todo ano de 2004. A essa altura Bernardo havia trabalho nas áreas de projeto,

financeira, comercial e operações, além de ter sido responsável pela integração da

Delara. Assumia o comando da empresa com apenas 33 anos, a exemplo de seu

antecessor que também havia iniciado na posição bem jovem quando comparado a

outros executivos em outras empresas. A diretoria já possuía um perfil diferente

daquele construído por Behring. Novas áreas haviam sido criadas, como as de

Logística, de Negócios Industrializados e de Commodities Agrícolas. Alguns

diretores eram funcionários e substituíam a tendência inicial de contratação externa.

Behring por sua vez, passava a atuar também como co-presidente do

conselho, juntamente com Wilson de Lara. Ainda em 2005, Behring venderia a sua

participação no grupo GP, que agora era dirigido pelos executivos Fersen, vindo das

Lojas Americanas, e Boncristiano, que seria o novo representante do GP no

conselho da ALL. Behring havia sido convidado por Lemann, Sicupira e Telles para

gerir o fundo de investimentos montado nos Estados Unidos, chamado 3G.

O grande desafio de Bernardo foi coordenar um grande projeto de

negociação para a aquisição da Brasil Ferrovias, que passava pela sua quinta

tentativa de reestruturação naquela época, sem nunca ter alcançado resultados

positivos e cada vez mais afundada em dívidas. Aproveitando ainda o boom do

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117

mercado financeiro, a ALL emitiu em 2005, R$ 200 milhões e, em 2006 mais de R$ 1

bilhão. Ou seja, em três anos, as captações somavam quase R$ 2 bilhões.

O dinheiro captado não foi utilizado como pagamento. Ele servia como um

colchão para manter o nível da capacidade de pagamento da empresa quando a

compra da Brasil Ferrovias elevaria o nível de endividamento. A operação seria

realizada principalmente através da troca de ações, como havia sido feito no caso da

Delara. Além disso, a maior parte do preço da aquisição estava presente na dívida

que a ALL assumia da concessionária, principalmente frente aos bancos que eram

sócios no negócio. Após um período de negociações e especulações sobre a

operação no mercado, a ALL anunciou a operação no meio de 2006. A nova malha

que era assumida possuía um patrimônio líquido negativo e mais funcionários do

que a própria ALL, que possuía uma malha duas vezes maior em extensão. Paulo

Basílio tomaria a frente do projeto mais ambicioso até então realizado pela ALL. Na

época Basílio era diretor de produtos industrializados.

Essa era a maior aquisição realizada até então nos nove anos de vida da

firma. A tabela a seguir resume os principais movimentos de diversificação, incluindo

compras de empresas e joint-ventures, realizadas no período.

Figura 4-5: Histórico de operações de aquisição de empresas.

A primeira medida tomada pela equipe com um pouco mais de 20 pessoas

enviadas para integrar as operações foi a suspensão de todos os pagamentos, tanto

de fornecedores quanto de bancos. Quando da aquisição, a ALL possuía em caixa

mais de R$ 1 bilhão de reais. Assim, a ALL renegociou todos os contratos e foi

capaz de encerrar todos aqueles que impunham condições que não lhes

interessavam. Como havia sido feito durante a privatização, Bernardo Hees e Paulo

Basílio, entrevistaram um por um 90 gerentes escolhidos, para identificar aqueles

Empresa Contrato Negócio Início Término

Malha Sul da RFFSA concessão privada Transporte de cargas ferroviário 1997

Armazens Gerais concessão privada Armazenagem e terminais 1997 2006

Trecho Sul da Fepasa arrendamento Transporte de cargas ferroviário 1998

Malhas argentinas concessão público-privada Transporte de cargas ferroviário 1999

Geodex Joint-venture Rede de dados 2001 2006

Delara arrendamento Transporte de cargas rodoviário 2001

Terlogs Joint-venture Operações portuárias 2002 2004

Vagões com a Amsted Joint-venture Produção de vagões 2002 2003

Santa Fé Joint-venture Produção de vagões 2004

ALL Tecnologia Joint-venture Sistemas eletrônicos e computacionais 2005

Brasil Ferrovias concessão privada Transporte de cargas ferroviário 2006

Portofer concessão privada Operações portuárias 2006

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118

que estariam alinhados com a cultura. Na primeira lista de demissões havia 1500

funcionários. Esse número alcançaria 4000 funcionários no final do ano de 2006.

A empresa havia preparado alguns estudos internamente para identificar as

necessidades após a aquisição. Na área de planejamento da produção, os gerentes

estudaram as possibilidades e as necessidades de equipamentos além de realizar

simulações sobre seus sistemas para entender os efeitos do aumento do transporte

de cargas. A área financeira avaliou e procurou alternativas para modificar

rapidamente a qualidade e a estrutura da dívida da nova empresa. Contudo, uma

dimensão não teve o mesmo desempenho.

Durante o período de integração muitos dos executivos que haviam ficado

na malha sul começaram a ser convocados para tocar as operações na malha norte,

principalmente para substituir a grande quantidade de funcionários que havia sido

demitida. Um comentário comum à época é que a malha sul estava “jogando com o

seu time sub-20”, fazendo referência às equipes de futebol com jogadores com

menos de 20 anos que em geral servem como celeiro de novos talentos para os

times profissionais dos clubes. Apesar disso, as metas do ano de 2006 foram

cumpridas e a equipe recebeu o benefício do bônus. Na nova malha apenas 50

funcionários receberam metas e seus bônus eram menores do que aqueles

oferecidos à malha sul.

A nova malha tinha condições de trabalho distintas daquelas encontradas na

região sul. Grande parte do volume de cargas vinha da fronteira agrícola do interior

do país. Justamente por isso as condições de infra-estrutura, como acesso a bens

de consumo, linhas telefônicas e serviços de saúde, eram praticamente inexistentes.

Essas condições dificultavam não só a aceitação de funcionários qualificados para

assumir tais operações, mas também o próprio uso das tecnologias da ALL nesta

região. Não havia conexão de internet estável, o que dificultava o uso dos sistemas

centralizados da ALL.

Do outro lado da malha, no Porto de Santos, havia uma presença e um tipo

de relação completamente diferente com os funcionários sindicalizados. A Brasil

Ferrovias não havia feito as reformas necessárias e muitos funcionários ainda

aguardavam serem demitidos para ganhar as indenizações especiais acordadas

durante o processo de privatização. Essas indenizações somavam, à época da

integração, R$ 240 milhões. Os sindicatos possuíam uma relação muito mais forte,

não só junto aos funcionários, mas também com relação a outros elementos da

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sociedade como a justiça e empresas de comunicação. Seus critérios pareciam ser

muito mais seletivos do que os adotados ao sul do país. As greves e acidentes se

tornaram mais freqüentes e notórias. Infrações com relação ao cumprimento das

regulamentações da privatização do setor ferroviário e das leis trabalhistas

passaram a surgir na mídia e nos tribunais.

No começo do ano de 2007, a ALL apresentou resultados expressivos para

a malha norte. O índice de acidentes foi reduzindo em quase 30%, a força de

trabalho era quase quatro vezes menor e o tempo de trânsito do maior fluxo, Alto

Araguaia – Santos, havia sido reduzido pela metade, dobrando a capacidade da

malha nesse trajeto. Contudo, o lucro líquido, positivo desde 2001, seria equivalente

àquele de 1997, quando tinha acabado de assumir apenas a malha sul. Isso refletia

principalmente as péssimas condições de operação e os vultuosos investimentos na

reforma dos ativos.

A expectativa de bônus para o ano de 2007 era enorme. Porém, apesar do

aumento de mais de 10% no volume transportado em toda a malha e de 5% nas

receitas, ambos refletindo num lucro líquido de mais de R$ 200 milhões frente ao

prejuízo de R$ 140 milhões do ano anterior, a companhia não havia atingido as

metas estabelecidas. O clima no começo de 2008 era difícil e a diretoria acabou

pagando a remuneração variável dos cargos mais altos sem as metas terem sido

cumpridas. Essa foi uma decisão importante para evitar a perda de alguns gestores,

mas que se somavam à instabilidade dos critérios desse sistema de meritocracia:

1) Funcionários terceirizados com remuneração média maior;

2) Funcionários sem metas recebendo remuneração variável;

3) Metas complexas de difícil mensuração competindo com metas simples;

4) Baixa confiabilidade de alguns sistemas de controle de metas;

5) Revisão para cima da meta anual no meio do ano em 2004;

6) Favorecimento de níveis hierárquicos mais altos (2008 e Argentina).

A empresa chegava em 2008 com resultados positivos, crescimento

significativo de suas receitas, participação de mercado e lucratividade. Porém,

possuía também novos desafios para gerenciar, agora que o tamanho começava a

pressionar por soluções mais elaboradas tanto do ponto de vista da gestão interna

quanto de competição no mercado de transporte de cargas.

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120

5 ANÁLISE

A análise será dividida em duas partes. A primeira apresenta a síntese da

análise do processo de turnaround, desde a fase de declínio da RFFSA, até a fase

atual em que o grupo GP teve sua participação no controle radicalmente reduzida.

Nessa parte, após a apresentação das evidências do turnaround, serão duas

perspectivas: a primeira descrevendo a posição de cada fase dentro continuum de

autodestruição e auto-perpetuação; a segunda descrevendo à classificação das

respostas aos desafios em cada fase. O objetivo de ambos é apresentar como foi a

evolução, tanto no contexto da formação da longevidade saudável como da

formação do caráter.

Na segunda parte serão apresentadas as principais evidências e

justificativas que levaram à determinação do arquétipo de cada desafio em cada

fase. A ordem de apresentação das fases é temporal, ou seja, da mais antiga até a

mais atual. A descrição de cada fase se inicia com uma contextualização e resumo.

Já a ordem de apresentação dos desafios é baseada na relevância para a fase, ou

seja, aquele desafio que foi mais relevante naquela fase é apresentado primeiro.

Esse formato para apresentação dos desafios foi escolhido porque geralmente os

desafios mais relevantes justificam descrições de outros desafios. Por exemplo, o

foco na gestão da folga na segunda fase determinou em parte como a organização

respondeu ao desafio do aprovisionamento de recursos humanos no período.

Duas representações gráficas serão utilizadas: uma para a primeira

perspectiva da primeira parte; outra para as outras etapas da análise. A primeira

representação gráfica consiste numa linha representando o continuum entre auto-

destruição e auto-perpetuação e marca-se onde cada fase se situou. A reta tem três

segmentos principais, representando os arquétipos, e três segmentos secundários,

representando a tendência para outros arquétipos. A classificação de tendência foi

feita baseada na interpretação do autor.

A segunda representação gráfica é feita baseada no desenho adotado para

descrever o modelo de arquétipos de sucesso e fracasso organizacional. Cada

desafio e processo é colorido em vermelho, amarelo ou verde, de acordo com a sua

semelhança com a descrição dos traços organizacionais estabelecida anteriormente.

Na ausência de evidências suficientes para se alcançar uma conclusão sobre

mudança em um desafio de uma fase para outra, admitiu-se que o padrão de

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121

respostas daquele desafio se manteve o mesmo.

5.1 SÍNTESE DA REESTRUTURAÇÃO

Abaixo são apresentadas diferentes trajetórias que descrevem o

comportamento do desempenho das companhias de interesse. Os indicadores de

tamanho sugeridos na revisão de literatura e no método, Receita/PIB e Lucro/PIB,

são apresentados para a RFFSA e depois para a ALL. Além desses, mais um gráfico

com evolução comparada das principais concessões ferroviárias é colocado na

seqüência.

Figura 5-1: Evolução das receitas com mercadorias da RFFSA/PIB.

O gráfico acima demonstra a tendência de queda nas receitas da RFFSA do

ponto de vista das operações de transporte de cargas. A receita total seguiu

tendência semelhante, mas as receitas operacionais correspondiam a algo em torno

de 20% da receita total. Os outros 80% resultavam de operações financeiras com o

governo e alcançou um pico de 95% em 1994. Como será apresentado mais

adiante, as despesas financeiras eram tão significativas quanto, refletindo nas

margens de lucro.

Considerando a produção, se percebe, no mínimo, uma estagnação ao

0,15%

0,17%

0,19%

0,21%

0,23%

0,25%

0,27%

1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994

Receita de Cargas/PIB

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122

longo do tempo. Se comparado com a variação real do PIB ano a ano, nota-se que

ambos indicadores têm comportamentos semelhantes, subindo e descendo juntos

em quase todos os anos. O gráfico abaixo apresenta essa comparação.

Figura 5-2: Evolução da produção da RFFSA comparada ao PIB.

Porém, dois indicadores constatam os principais fatores que levaram ao

processo de privatização: por um lado a evolução da lucratividade da RFFSA frente

ao PIB brasileiro e a evolução da dívida pública total29. A primeira demonstra que

mesmo com os amplos aportes governamentais a sua eficiência econômica era

baixíssima. O segundo demonstra como esses aportes alcançaram seu limite,

inviabilizando a continuidade das operações. Os gráficos a seguir apresentam tais

indicadores.

29 A relação entre dívida pública total e PIB foi calculada em dólares americanos.

-10,00%

-5,00%

0,00%

5,00%

10,00%

15,00%

1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994

Variação anual real do PIB Variação anual da produção (TKU)

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123

Figura 5-3: Evolução do lucro líquido/PIB da RFFSA.

Figura 5-4: Evolução da dívida pública total/PIB.

-1,00%

-0,80%

-0,60%

-0,40%

-0,20%

0,00%

0,20%

1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996

Lucro/PIB

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

1971 1976 1981 1986 1991 1996

Dívida/PIB

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124

Por outro lado, ao se analisar a evolução dos indicadores de tamanho para a

malha30 após a privatização, de maior interesse a da ALL, nota-se comportamento

diferente. Nos primeiros anos, a eficiência econômica, se medida pela relação entre

lucro líquido e PIB, não chega a ser positiva, mas demonstra estabilidade próxima a

zero para a ALL. Já outras malhas seguiram uma leve tendência de queda. Em uma

segunda fase, a partir de 2002, todas entram em uma trajetória de crescimento, à

exceção da Brasil Ferrovias.

Figura 5-5: Evolução do Lucro/PIB das principais concessionárias ferroviárias.

Quanto às receitas e à produção, ambos entram em uma trajetória de

crescimento desde os primeiros anos. O crescimento da produção31 sempre esteve

muito acima do crescimento do PIB, demonstrando o consistente aumento da

participação do modal ferroviário na matriz de transporte brasileira.

30 As ferrovias administradas pela Vale foram excluídas dessa comparação, primeiro porque não pertenciam ao complexo da RFFSA antes da privatização e segundo porque é contestável analisar os resultados econômicos uma vez que é uma ferrovia dedicada ao negócio principal da controladora, minério de ferro.

31 Foi utilizada apenas a evolução da produção de carga geral para reduzir o efeito das ferrovias administradas pela Vale.

-0,05%

-0,04%

-0,03%

-0,02%

-0,01%

0,00%

0,01%

0,02%

0,03%

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

MRS ALL FCA BF

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125

Figura 5-6: Evolução da Receita/PIB das principais concessionárias ferroviárias.

Figura 5-7: Evolução da produção comparada ao PIB.

Esses gráficos sugerem que a privatização foi um ponto de inflexão na

trajetória da RFFSA, mudando o desempenho operacional e econômico decrescente

0,00%

0,01%

0,02%

0,03%

0,04%

0,05%

0,06%

0,07%

0,08%

0,09%

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

MRS ALL FCA BF

-5,00%

0,00%

5,00%

10,00%

15,00%

20,00%

25,00%

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Variação anual real do PIB Variação da produção - concessionárias (TKU)

Variação da produção - ALL (TKU)

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126

para um de crescimento sustentado no período analisado. A ALL se destacou pela

sua trajetória de crescimento de receitas mais agressiva, assim como pela aquisição

de um grande concorrente, a Brasil Ferrovias. Portanto, os indícios apresentados,

um período de declínio com mudança de controle e posterior trajetória de

crescimento em vários indicadores de tamanho, corroboram as expectativas iniciais

de que de fato houve um processo de turnaround efetivo.

5.1.1 Posição no continuum

Figura 5-8: Posição de cada fase no continuum dos arquétipos. 32

A análise indicou que o processo de turnaround levou a organização a uma

situação muito mais confortável do que aquela em que se encontrava antes da

privatização. A partir do fracasso da RFFSA devido principalmente à baixa eficiência

econômica (este em conseqüência de outros fatores), os novos acionistas foram

capazes de transformar completamente o desempenho financeiro e operacional da

nova empresa. Num primeiro momento, reequilibrou a demanda e o uso de recursos,

principalmente através do investimento financeiro e da alocação de profissionais

qualificados. Além disso, modificou a forma como os recursos eram geridos,

impondo uma nova lógica que priorizava aspectos financeiros como receitas e

lucros, diferente da anterior mais focada na resolução de conflitos políticos.

Em um segundo momento, a partir de 2001, investiu no crescimento e na

diversificação, buscando tornar a empresa um ativo mais atrativo, já com vistas ao

processo de venda de sua participação. Também incentivou meios para que a

organização aprendesse sozinha, sistematizando processos através do investimento

em tecnologia, em ferramentas básicas de administração e treinamento.

Após a redução da participação do GP, mais acentuada em 2004, alguns

32 As indicações numéricas presentes na figura referem-se às transições de fases também apresentadas na Figura 5-9: Evolução dos traços por fases.

Auto-destruição Sobrevivência Auto-perpetuação

Pré-1997 1997-2000 2001-2004

2004-2008

1 23

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127

aspectos enfraqueceram a posição competitiva da ALL. A organização manteve os

comportamentos anteriormente justificados pela situação financeira crítica. Contudo,

a empresa já desfrutava de posição financeira e operacional saudável, o que

sugeriria, pelo menos, a reconsideração de seus padrões de decisão. A empresa

apresentou capacidade limitada para diversificar seus motores de crescimento,

investindo prioritariamente no motor inercial, com a participação cada vez maior do

transporte ferroviário de cargas. Por fim, as práticas adotadas não parecem ser

suficientes para responder às pressões por fragmentação que o tamanho exige.

A tabela33 a seguir apresenta como evoluiu a participação do GP

Investimentos no bloco de controle de acionistas da ALL S.A., a empresa holding

controladora de todas as outras unidades de negócio.

Tabela 5-1: Evolução do controle acionário do GP Investimentos na ALL.

33 As leis societárias brasileiras limitam o acesso a informações mais precisas sobre essas participações. Por exemplo, ela obriga as empresas de capital aberto a apresentar publicamente apenas os acionistas detentores de mais de 5% das ações, o que poderia aumentar a parcela de controle em alguns anos. Em mercados com controle mais pulverizado, como os Estados Unidos, as práticas são diferentes. Além disso, por se tratar da participação na empresa controladora do grupo, não é possível identificar como os sócios estão organizados nas empresas controladas de capital fechado.

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

TOTAL 39,58% 39,12% 39,19% 34,58% 34,60% 25,95% 20,28% 17,00% 9,32% 9,69%

Participação direta do GP 10,58% 10,29% 9,14% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,05%

Administrado pelo GP 29,00% 28,83% 30,05% 34,58% 34,60% 25,95% 20,28% 17,00% 9,32% 9,64%

Emerging Markets Capital

Investiments17,65% 17,80% 15,81% 18,28% 18,29% 12,19% 9,53% 17,00% 9,32% 9,32%

Latin American Growth

Capital0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,00% 0,32%

Ralph Partners I 11,35% 11,03% 14,24% 16,30% 16,31% 13,76% 10,75% 0,00% 0,00% 0,00%

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128

5.1.2 Evolução dos traços

Figura 5-9: Evolução dos traços por fases.

1980-1996

Empreendedorismo

Navegação no

Ambiente

Gestão da

Diversidade

Aprovisionamento de

Recursos Humanos

Gestão da

Complexidade

Longevidade Saudável

Gestão da

Diversidade

Gestão da Integridade

Aprovisionamento de

Recursos Humanos

Crescimento e

Renovação

Gestão da Folga

Gestão da Integridade

Longevidade Saudável

1997-1999

Empreendedorismo

Crescimento e

Renovação

Navegação no

Ambiente

Gestão da

Complexidade Gestão da Folga

2000-2004

Empreendedorismo

Crescimento e

Renovação

Navegação no

Ambiente

Gestão da

Complexidade Gestão da Folga Longevidade Saudável

Gestão da

Diversidade

Gestão da Integridade

Aprovisionamento de

Recursos Humanos

2004-2008

Empreendedorismo

Crescimento e

Renovação

Navegação no

Ambiente

Gestão da

Complexidade Gestão da Folga Longevidade Saudável

Gestão da

Diversidade

Gestão da Integridade

Aprovisionamento de

Recursos Humanos

1 3

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129

A evolução dentro do contínuo é explicada, em grande parte, pela forma

como os traços foram formados e pelo contexto em que certas respostas foram

identificadas. A totalidade de respostas negativas na fase pré-compra, ou seja,

quando ainda era RFFSA, resulta de processos bem antigos. A formação da RFFSA

em 1957 a partir da estatização de praticamente todas as ferrovias brasileiras trouxe

desafios enormes para a sua integridade. Diferentemente de outras empresas

estatais formadas na época, como CVRD e Petrobras, ela já nascia muito grande e

severamente fragmentada. A possível falta de direção própria no começo abriu

espaço para o reforço da influência governamental do regime militar, até porque

somente com os recursos oferecidos por ele seria possível atuar na fragmentação.

Mesmo assim, a necessidade de recursos era muito maior do que a oferta.

Integrar a Rede significava unificar questões além das conexões entre as malhas.

Procedimentos operacionais, condições comerciais, qualificação técnica e gerencial,

relacionamentos com governos e sociedades, tudo isso se somava à necessidade

natural de investimentos em renovação de ativos. Apesar de o péssimo desempenho

econômico ter sido a principal questão que levou à privatização, a causa desse

desempenho pode ser atribuída à forte ingerência dos governos na determinação de

preços e investimentos. Por outro lado, esse espaço só apareceu devido à baixa

autonomia ocasionada pela falta de preocupação com a legitimidade vários públicos.

A privatização eliminou uma causa do problema: o arcabouço regulatório

reduzia enormemente a interferência governamental e retirava das ferrovias o peso

do endividamento público. Assim, na primeira fase de 1997 a 2000, a gestão da

folga foi o centro da atenção dos novos acionistas, atuando diretamente sobre o

principal fator relacionado ao fracasso: a eficiência econômica. Suas primeiras

providências foram não só eliminar desperdícios como também trazer de fora

recursos, em especial dinheiro, pessoas e credibilidade. Conflitos, desmotivação e

retrabalhos faziam parte da rotina da firma. Havia poucos métodos e a estrutura

organizacional e o modelo de negócios ainda estavam sendo montados.

Era preciso ensinar a organização a caminhar com as próprias pernas. Ela

deveria ser capaz de financiar-se, de gerar e conseguir os próprios recursos que

precisasse o mais cedo possível. Se havia soluções rápidas e suficientes essas

eram escolhidas em detrimento de opções melhores com horizonte de tempo mais

longo. Perderam-se muitos potenciais talentos, mas o foco da gestão estava no

curto prazo, não no longo prazo.

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130

Assim que o negócio central, o transporte ferroviário na malha sul,

demonstrou uma tendência de trajetória de receitas e lucros crescentes e

sustentáveis, o foco dos gestores modificou para a ampliação do escopo do negócio

e para investimentos na sistematização. Algumas dessas ações começaram ainda

na segunda fase, mas o grande volume foi no período de 2001 a 2004, referente à

terceira fase. A sistematização veio através de investimentos em tecnologia para

aumentar a eficiência e qualidade do controle e da gestão da operação e na larga

difusão de ferramentas de administração e de qualidade total. Métodos em

diferentes setores da empresa foram padronizados, o que aumentou a integração e

o compartilhamento de recursos.

Já a ampliação do negócio foi feita através da compra e do investimento nos

seguintes negócios: malha argentina; novos tipos de cargas; transporte rodoviário;

produção de vagões; terminais portuários e intermodais; e empresas de tecnologia.

Tratavam-se, em geral, de movimentos de defensivos (Chandler, 1977), que a

protegiam de pressões competitivas de fornecedores e complementadores34

(Nalebuff & Brandenburger, 1997). Apesar de defensivos, esses movimentos

auxiliaram no crescimento do negócio principal, a malha ferroviária sul.

Individualmente nenhuma dessas primeiras diversificações assumiu posição

relevante no leque de negócios da companhia, ainda que tenham se tornado mais

eficientes em termos econômicos. No repertório de diversificação, a empresa

ampliou bastante a participação de novos produtos na sua pauta de cargas, além

das cargas agrícolas.

A última fase se inicia com a abertura de capital da ALL em 2004, com a

venda de parte do controle acionário do GP para investidores institucionais e

pessoas físicas na Bolsa de Valores de São Paulo. O GP já vinha cedendo seu

controle de maneira gradual. Nas aquisições realizadas usou ações como moeda de

troca, principalmente no caso da Delara, o que reduzia sua participação no todo.

Do ponto de vista competitivo, a diversificação do período anterior foi freada.

A organização voltou a focar seus esforços e investimentos no negócio ferroviário:

34 Uma firma é considerada complementadora de uma segunda firma se o cliente da segunda firma valoriza mais o seu produto quando entregue em conjunto com o produto da primeira firma (Nalebuff & Brandenburger, 1997). No caso, trata-se principalmente do transporte rodoviário para conectar a planta de produção dos embarcadores com os terminais da ALL.

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131

além de adquirir a Brasil Ferrovias em 2006, as atividades em terminais portuários e

intermodais seguiram uma estratégia recorrente de spin-offs ou foram vendidas.

Com esses movimentos, a participação do modal ferroviário e das cargas agrícolas

subiu fortemente. A incorporação da Brasil Ferrovias representou um incremento de

quase 100% na produção em 2006. Além disso, reforçava a redução da participação

do GP, pois a aquisição foi novamente realizada através de troca de ações.

Os métodos e valores adotados nos primeiros anos para sobreviver ao

desequilíbrio financeiro e operacional permaneceram presentes mesmo com as

diferentes trajetórias e balanços demonstrando um novo contexto. A Brasil Ferrovias

passou por uma redução na força de trabalho ainda mais severa do que aquela

realizada na Malha Sul e todo o sistema de gestão de recursos humanos continuava

a incentivar a competitividade. Apesar de um núcleo forte nas posições mais altas da

companhia, os níveis de entrada na gestão adotaram a organização como trampolim

e a abordagem no recrutamento passou a ser cada vez menos eficiente.

As pressões institucionais ganharam corpo nessa fase. Apesar da redução

nos índices de acidentes, a notoriedade que cada um ganhava passou a ser maior.

Reclamações das comunidades próximas às linhas férreas aumentaram, além de

multas por problemas ambientais. A sociedade na região em que a Brasil Ferrovias

atuava exerceu pressão maior sobre a companhia com processos judiciais e greves,

exigindo respostas para questões desconsideradas anteriormente.

A principal análise da fase é a adoção de comportamentos de sobrevivência

em um contexto que já permitia a visão de longo prazo sobre aspectos internos.

Essa opção levou a uma gestão dos recursos menos orientada para o pólo da auto-

perpetuação, em especial os recursos humanos, com desperdícios no recrutamento,

seleção e desenvolvimento, além da perda de talentos gerenciais futuros. As

interações entre folga, crescimento e integridade foram mal geridas: os movimentos

de expansão foram limitados ao motor inercial (Fleck, 2003); pressões por

fragmentação surgiram de várias fontes antes bem administradas; e a geração de

folga diminuiu a diversidade dos recursos disponíveis, concentrando-se em recursos

financeiros em detrimento de outros tipos, como pessoas.

5.2 DESCRIÇÃO DOS ARQUÉTIPOS

5.2.1 Fase 1 – Pré-compra (1980 – 1996)

A Fase Final da Rede Ferroviária Federal foi marcada pelos efeitos do

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132

ambiente sobre a sua situação operacional e financeira após anos de construção de

traços negativos para a saúde da empresa no longo prazo. As principais evidências

apontam para: a baixa autonomia e legitimidade; e para os sucessivos fracassos em

integrar as diversas malhas e recursos disponíveis de maneira economicamente

eficiente, reunidos de tal maneira que a organização nunca foi capaz de controlar a

complexidade gerada pela sua criação.

Figura 5-10: Análise da Fase Final (1980 a 1996) da RFFSA.

5.2.1.1 Navegação no Ambiente

As relações da Rede com os diversos públicos nunca foram um destaque

positivo. Enquanto alguns públicos se sentiam prejudicados ou ignorados, outros

conseguiam vantagens e com essas vantagens prejudicavam a organização.

A relação da RFFSA com sindicatos, assim como a da FEPASA, era

bastante difícil. Durante muitos anos os sindicatos conseguiram construir condições

bastante favoráveis nos seus acordos trabalhistas. Um exemplo dessas condições

foi relatado em uma matéria de jornal35:

“Quanto ao pessoal que possui mais tempo de serviço, o sindicato conseguiu uma garantia de emprego até o ano de 1994 quando ainda era Fepasa, depois disso esse acordo transformou-se em indenização. Então ficou acordado que os funcionários que têm dez anos de serviço receberão um salário por cada ano de trabalho; os de 20 anos, 2 salários e os que possuem mais de 20 anos receberão 2 salários e meio. Receberão 80% do Fundo de Garantia, sendo 40% de indenização a que têm direito. Mas isso só é válido para os funcionários contratados até dezembro de 94, os demais seguem as normas da lei trabalhistas.”

35 Sindicato garante indenização aos demitidos - O Imparcial, 14/06/2006. Clipping Revista Ferroviária www.revistaferroviaria.com.br, último acesso em 14/08/2008.

1980-1996

Empreendedorismo

Navegação no

Ambiente

Gestão da Diversidade

Aprovisionamento de

Recursos Humanos

Gestão da

Complexidade

Crescimento e

Renovação

Gestão da Folga

Gestão da Integridade

Longevidade Saudável

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133

As dificuldades de relacionamento com os sindicatos também se provaram

negativas com as várias discussões que ocorreram entre a alta gestão da RFFSA e

outras organizações governamentais, com os representantes dos sindicatos. Stefani

(2007) destaca o embate travado através de matérias na Revista Ferroviária nas

edições de Setembro e Dezembro de 1998 entre o então Ministro dos Transportes,

José Reinaldo Tavares, e o presidente da Associação dos Profissionais

Universitários da SR-3, Antônio Leopoldo Tristão. Enquanto o primeiro argumenta

que faltava à Rede capacidade gerencial, o segundo destacava a alta rotatividade

dos presidentes da Rede Ferroviária Federal, três nos cinco anos anteriores. A

diferença de opinião entre a estratégia mais adequada para recuperação do sistema

nacional levou à interposição de processos judiciais, assim como ocorreu em

diversas outras privatizações.

Apesar disso, a força do sindicato também trazia um aspecto positivo para a

Rede. A associação da ferrovia com o progresso das regiões e o fato de um grande

contingente da força de trabalho do país estar alocada em ferrovias criou as

condições para a formação do chamado “orgulho ferroviário”. Para se ter uma ideia

da presença da ferrovia no dia-a-dia das pessoas, os funcionários de ferrovia

representavam quase um terço de todos os trabalhadores do setor de transportes e

armazenagem em 195836.

A RFFSA também detinha pouca legitimidade frente ao Governo Federal,

seu proprietário e principal financiador. Durante as décadas de 80 e 90, outras

empresas públicas que, há anos construíram um bom relacionamento com o

governo, continuaram capazes de investir na sua manutenção e crescimento.

Empresas como Companhia Vale do Rio Doce e Petrobrás, em geral, não

dependiam do governo para financiar seus investimentos, pois suas operações eram

lucrativas (Ferreira & Malliagros, 1999). Além disso, tais empresas estavam bem

alinhadas com os objetivos do governo federal: exportação e suficiência energética.

A RFFSA foi durante muito tempo instrumento de políticas públicas, como

muitas outras empresas federais, em especial aquelas do setor de infra-estrutura.

Durante a década de 80, por exemplo, a defasagem média das tarifas foi de cerca

36 Havia quase 700 mil pessoas acima de 10 anos cuja atividade principal era classificada como sendo do setor de transportes e armazenagem. As ferrovias empregavam mais de 200 mil funcionários nesse mesmo ao. Anuário Estatístico do Brasil, 1959 – IBGE.

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134

de 50% devido à política econômica de controlar o preço desses serviços para

controlar a inflação (Ferreira & Malliagros, 1999). Essa estratégia não só foi mal-

sucedida em controlar a inflação, como aumentou ainda mais a debilidade financeira

dessas empresas, inclusive da RFFSA.

Outro aspecto que demonstra a baixa autonomia e legitimidade da RFFSA

foi a necessidade de se registrar através de Lei, e somente em 1988, que a

rentabilidade financeira seria um balizador de decisões sobre investimentos. Essa

mesma Lei definiria que o Tesouro seria o responsável por absorver todas as

despesas decorrentes dos serviços antieconômicos necessários à população.

Contudo, não haveria tempo para que a lei surtisse efeito, uma vez que o país ainda

estava em crise financeira e, em 1992, a RFFSA seria incluída no Programa de

Privatização. Ela só serviria para compor um dos elementos que constituiriam o

modelo do contrato de concessão em 1996 e 1997.

A relação com os clientes não apresentava um quadro muito diferente. Havia

um número muito reduzido de clientes em carteira, a parcela da produção desses

clientes que ia por ferrovia era baixa e os investimentos deles em ativos específicos

para a ferrovia também eram baixos. As reclamações eram inúmeras: baixa

qualidade no atendimento, baixa confiabilidade nos serviços, muitas perdas com

acidentes, baixa disponibilidade de ativos e freqüência. Assim, havia pouquíssimo

interesse de clientes em investir na infra-estrutura necessária para transporte por

ferrovia, devido, principalmente, às baixas garantias de execução contratual por

parte da RFFSA, mas também por causa da baixa competitividade do modal e da

falta de linhas de financiamento adequadas para tais investimentos.

Os acidentes não só aumentavam o desperdício (com a perda das cargas e

ativos) e limitavam a capacidade da malha, como também causavam sérios

problemas junto às comunidades pelas quais a malha ferroviária passava. Esses

acidentes muitas vezes envolviam pessoas passando pela linha férrea, carros e

caminhões cruzando passagens de nível ou descarrilamentos que atingiam

construções próximas às linhas.

5.2.1.2 Gestão da Diversidade

O principal desafio desde a fundação da empresa foi promover a integração

da mesma frente à ampla diversidade de recursos com a qual tinha que lidar. A

forma como foi criada a empresa entregou um conjunto de ferrovias que não foi

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135

desenvolvido para transportar cargas entre si. A empresa operava negócios com

tecnologias diferentes e em regiões distintas com cargas distintas em termos de tipo,

volume e freqüência.

O Sul do país transportava essencialmente soja para os portos e

combustíveis para as refinarias. São Paulo, também focava nos combustíveis, mas

possuía já algum volume de exportação de industrializados para o Porto de Santos.

Minas e Espírito Santo transportavam essencialmente minério de ferro. Rio de

Janeiro atuava no setor siderúrgico. Por fim, no Nordeste tinha o transporte de

commodities agrícolas e no Norte novamente o minério de ferro. Essas diferenças

de produtos transportados impactavam na especialização dos vagões e

equipamentos de carga e descarga. Além disso, essas malhas possuíam volumes e

freqüências de transporte diferentes, que exigiam padrões de operação distintos e

locomotivas específicas para cada caso, assim como refletiam em condições

financeiras diferentes.

Havia também a grande influência do transporte de pessoas, segmentação

que há muito tempo havia sido feita em outros países. Nesse caso, não só houve a

influência da competição do transporte rodoviário, mas principalmente do transporte

aéreo. Além disso, as características técnicas e de operação do tráfego de pessoas

eram bem diferentes daquelas necessárias ao transporte de cargas.

Um dos principais objetivos da criação da RFFSA foi buscar a integração da

malha ferroviária brasileira. Contudo, muitos dos aspectos que limitavam a conexão

entre as “ilhas econômicas” eram simplesmente impossíveis de se resolver dada as

limitações aos investimentos ferroviários. Tais investimentos consideravam:

modificações no traçado das linhas; criação de linhas que oferecessem maior

conectividade entre as malhas regionais; e a padronização de bitolas. Não que a

organização não investisse na tentativa de homogeneizar e compartilhar seus

recursos. O que ocorria é que somente investimentos de menor porte foram feitos,

como a compra de vagões, padronização de práticas de operação e definição de

cargos e salários. Mas a estrutura organizacional não caminhava na mesma direção,

pois o compartilhamento ficava limitado pelas regras de uso de ativos. Um trem, com

locomotivas e vagões, que saísse da SR-5 deveria transbordar sua carga para um

trem da SR-3 ao chegar no entroncamento das malhas, mesmo que ambas

possuíssem bitolas idênticas. Isso porque a SR-3 não podia operar os ativos da SR5

e vice-versa. A complexidade dessa operação era enorme devido à transferência

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136

das cargas, mas principalmente devido à necessidade de planejamento de uso do

ativo, além de aumentar os custos e o tempo de transporte desnecessariamente.

Outro aspecto negativo para a gestão da diversidade era o alto grau de

centralização das decisões: as unidades de negócio dependiam da sede para fechar

contratos; funcionários de linha dependiam dos seus superiores para tomarem

decisões; e cada área técnica desenvolvia separadamente suas ações. A estrutura

organizacional dividia as superintendências regionais em áreas técnicas e cada área

decidia como atuar nas malhas de cada superintendência. Uma superintendência

podia ter até quatro mil quilômetros de malha, enquanto outras poderiam ter muito

menos. Essa diferença de tamanho e as já citadas diferenças de volume exigiam

que houvesse dedicação de recursos diferentes para cada uma.

A falta de procedimentos de avaliação de desempenho fazia com que a

distribuição de recursos fosse baseada nas negociações políticas, tanto no âmbito

interno da organização, como na influência que o governo exercia como financiador

dos investimentos. Assim, a Rede era obrigada a manter malhas deficitárias e evitar

mudanças nas operações em troca de apoio político. Santos (2000) relata:

“Com uma estrutura extremamente hierarquizada, a estatal tinha, também, um sistema de comunicação vertical que dificultava o acesso aos níveis superiores da empresa e distorcia a informação. (...) No nível operacional, havia queixas quanto ao desconhecimento dos objetivos da organização. A operação diária na produção era dificultada pela compartimentalização da informação.”

5.2.1.3 Aprovisionamento de Recursos Humanos

A questão dos recursos humanos na empresa era o único elemento com

ainda alguma perspectiva positiva para os possíveis controladores pós-privatização,

porém ainda assim com vários aspectos negativos.

Os funcionários da Rede Ferroviária Federal eram contratados através de

processos seletivos criteriosos e competitivos, afinal durante muito tempo era o

sonho de muitas famílias ver seus filhos seguirem os passos de seus pais,

mantendo o orgulho ferroviário. O Entrevistado 6 ressalta que quando realizou seu

concurso em 1983, dos 3.500 candidatos, ele foi um dos 18 escolhidos após provas

técnicas escritas e orais. Em seguida, foi alocado para um treinamento de três

meses que o tornaria apto a exercer sua função como auxiliar de estação. Esse

mesmo entrevistado, assim como os Entrevistados 14 e 23, descreve que sua

primeira promoção ocorreu através de prova interna de seleção e não através de

indicação. Contudo, todos eles, sobreviventes do processo de privatização, insistiam

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137

em diferenciar que os níveis hierárquicos mais altos eram ocupados de maneira

política e não por mérito, como na era pós-privatização.

Além disso, houve, segundo relatos, durante muitos anos, ampla

disponibilidade de investimentos em treinamentos e congressos. Por outro lado, o

Entrevistado 14 lembra que:

“Era muito complicado trabalhar na Rede Ferroviária. Você começava a trabalhar, os outros não queriam, aí já dava problema. Os caras amarravam. Você só podia enxergar o teu, não podia apontar defeito nenhum em ninguém, só podia olhar o teu. Então era um negócio meio assim. Tinha a vantagem que você aprendia muito. Tinha muito treinamento.”

Apesar do amplo apoio da Rede aos treinamentos, citado pelos

entrevistados, o primeiro ano pós-privatização sugere que havia baixa qualificação

dos funcionários. Primeiro porque uma das condições impostas pelo processo de

privatização era ofertar cursos profissionalizantes e de atualização para os

funcionários desligados durante o primeiro ano. Segundo porque até os que

permaneceram após as demissões, também precisaram investir no próprio

desenvolvimento. O Entrevistado 14 relembra da seguinte maneira:

“... quando começou a iniciativa privada eu tava numa função administrativa e logo percebi o seguinte: ‘na iniciativa privada é melhor eu estar forte naquilo que eu sou mais forte. Então é melhor passar para a manutenção’ (...) Então eu fui num nicho de trabalho que ninguém conhecia, que era vagão, manutenção de vagão. Conhecer profundamente, dificilmente tinha alguém, tinha um ou outro que podia dizer, mas não dava resultado.”

A organização tinha sérias dificuldades na avaliação e promoção de seus

recursos para cargos mais estratégicos e não existiam processos estruturados de

planejamento de carreira, avaliação de desempenho, além das promoções e

aumentos de salário estarem relacionados estritamente ao tempo. Santos (2000)

descreve da seguinte forma:

“os entrevistados relataram as principais características de funcionamento da estatal. Esta era vista como uma organização cujos principais defeitos consistiam em: (a) dificuldade para se demitir alguém; (b) baixo comprometimento de muitos funcionários; (c) falta de condições para o trabalho; (d) igualdade na remuneração e promoções, independente de produtividade, o que produzia, por conseqüência, desmotivação para o trabalho; (e) comunicação pouco ágil e (f) estrutura demasiadamente hierárquica causando lentidão nas decisões.”

Devido às dificuldades de se demitir um funcionário público, a única forma

existente para redução de pessoal então era não contratando novos funcionários,

deixando que isso ocorresse através das aposentadorias. Dessa maneira, o último

concurso realizado pela empresa foi em 1985, onze anos antes da privatização.

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138

5.2.1.4 Gestão da Complexidade

Não foram encontradas evidências de que a RFFSA, ao longo de sua

história tenha sido criteriosa e sistemática ao resolver seus problemas ou mesmo

que suas soluções tenham tido uma abrangência para além dos limites específicos

dos problemas. Alguns relatos sugerem que a burocracia, mais comum às estatais,

pode ter sido um mecanismo de aprendizado no início, mas com o tempo os

excessos tornaram o processo burocrático um impedimento à renovação.

O principal impacto da ausência de respostas positivas ao desafio da

complexidade ocorreu sobre o desafio da gestão da diversidade. A criação da Rede

já teve por objetivo a reorganização de toda a malha ferroviária sob administração

federal sob um modelo mais integrado. Do dia para a noite, todos os indicadores de

tamanho da organização foram multiplicados: número de funcionários, volume

transportado, extensão da malha, regiões de atuação.

Estruturalmente, levou mais de 10 anos para que se fizesse a primeira

mudança na organização administrativa. A RFFSA agrupou suas ferrovias em

sistemas regionais em 1969, mas outra grande reorganização foi feita em 1976 com

a criação das superintendências regionais. Esses movimentos que buscavam

aumentar a eficiência da empresa ao mesmo tempo em que tentavam torná-la mais

integrada, apresentam evidências de que as soluções não consideravam aspectos e

atores relevantes. Diversas acusações de desmandos políticos surgem com relação

à reorganização de 1976. Stefani (2007) destaca matéria de Abril de 1990 da

RFFSA com o Chefe do Departamento Comercial da SR-2:

“a nova administração da RFFSA praticamente levou a empresa a um retrocesso organizacional e administrativo ao transformar, no final de 1989, as sete Regionais e duas Divisões Operacionais em 12 Superintendências Regionais, ao modelo de 1976 quando a empresa possuía estradas independentes e deficitárias.”

Em 1984, seria criada a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU),

retirando a responsabilidade da RFFSA sobre o transporte de passageiros. Era um

dos primeiros sinais de fragmentação. O sistema ainda sofreria uma última grande

reorganização alguns anos antes da privatização para assim alinhar a estrutura

organizacional às malhas definidas no processo licitatório. As 14 superintendências

então existentes se tornariam sete malhas.

Ao longo de sua história se identificam algumas tentativas para tornar o

negócio lucrativo, mas tais decisões eram em sua maioria realizadas tardiamente e

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139

de maneira isolada, recorrentemente tentando salvar a empresa somente naquele

momento das pressões que sofria devido ao seu baixo desempenho financeiro, sem

trazer benefícios duradouros. A CBTU, por exemplo, foi criada somente quando não

era mais possível financiar os prejuízos da operação do transporte de passageiros e

de cargas, quando já se sabia há muito tempo no mundo sobre a revolução que o

transporte automotivo e aéreo havia causado ao transporte de passageiros em

longas distâncias. Essa tendência havia atingido o Brasil há 20 anos. Outro exemplo

foi a demora em separar do financiamento do negócio de cargas aqueles projetos

considerados de interesse público mesmo que fossem antieconômicos. Por fim, o

padrão de investimentos em ativos – esporádicos, não planejados, limitados a certos

aspectos ou regiões – é mais um exemplo de como as decisões tomadas não

buscavam o benefício no longo prazo.

5.2.1.5 Gestão da Folga Organizacional

Apesar da histórica dificuldade em se integrar o sistema ferroviário brasileiro,

o primeiro desafio das concessionárias que assumiram os ativos da Rede Ferroviária

Federal foi torná-las eficientes no uso de seus recursos, evitando desperdícios e

utilizando recursos antes ignorados. O desperdício atingia várias dimensões do

negócio, mas as principais evidências apontam para os efeitos da gestão dos ativos,

da operação e de pessoas.

Ainda antes da privatização, haveria redução dos desperdícios existentes,

na tentativa do Governo de tornar o negócio mais atrativo para os possíveis

investidores. A malha sob administração da RFFSA que, em 1958 era de 37.967

quilômetros, tornou-se um sistema de 22 mil quilômetros para ser licitado. Os mais

de 200 mil funcionários do setor do fim da década de 50 totalizavam quase 100 mil

em 1993, 85 mil em 1995 e, no mês anterior à primeira privatização eram um pouco

mais de 46 mil. Esse número não foi ainda menor devido às restrições

orçamentárias do Governo que não foi capaz de atender a todos os interessados no

PDV. Essa redução no número de funcionários foi acompanhada de um aumento na

produção: em 1958 eram aproximadamente 10.500 bilhões de TKU, chegando a

125.000 em 1993 e 136.500 em 1995.

A Rede possuía funcionários qualificados e experientes, mas o PDV

favoreceu a saída dos funcionários mais antigos que receberiam bonificações

maiores, uma vez que tais bonificações estavam atreladas aos anos de serviço.

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140

Dessa maneira, grande parte da folga que a organização possuía em forma de

recursos experientes e capacitados, acabou sendo perdida nesse processo.

Outra medida, tomada pelo Governo três vezes37, foi assumir parte das

dívidas da empresa. Na segunda ocasião, o Tesouro Nacional assumiria o principal

e o serviço da dívida dos investimentos considerados antieconômicos, porém

importantes do ponto de vista social para o governo. Tais dívidas não eram

relacionadas a investimentos na ampliação da malha, notadamente com taxas de

retorno pouco atrativas para a iniciativa privada, mas para os empréstimos

assumidos pela própria Rede junto a instituições financeiras, principalmente de

apoio ao desenvolvimento, como o BNDES e o Banco Mundial.

O financiamento de operações deficitárias absorveu não só a capacidade de

crédito da empresa, mas também, e principalmente, o lucro gerado pelas operações

mais eficientes. Os investimentos realizados na década de 70 se perderam

rapidamente com a crise da década de 80 e com a entrada da RFFSA no Programa

de Privatização na década de 90. (Marques, 1996).

O principal gargalo até mesmo antes das privatizações era a disponibilidade

de vagões, locomotivas e a integridade física dos trilhos. O Entrevistado 14 relembra

a situação da seguinte maneira:

“a gente dizia o seguinte, que o cliente, mesmo que ele entrasse de joelhos, pedindo por favor, então existia demanda, existia carga, mas nós não tínhamos a menor capacidade mais na empresa de trabalhar porque cada vez estava com menos oferta de vagões e locomotivas, tudo parado.”

Enquanto a dificuldade financeira se expandia, a Rede dispunha de

inúmeros ativos de utilidade duvidosa. Uma matéria de uma revista de grande

circulação ressaltava:

“A Rede Ferroviária Federal, com seus trens e trilhos escangalhados, era dona de 22.000 imóveis, entre eles uma ilha em Angra dos Reis e um horto florestal no interior do Rio de Janeiro. (...) A Rede Ferroviária Federal mantinha em estoque 85000 rolos de papel higiênico na superintendência de Belo Horizonte, e estava tudo mofando numa sala.” (Veja, 06/08/1997)

Como todo negócio atuante em indústrias em rede, a expansão da malha

aumentava a utilização da malha existente. Contudo, o que ocorria na época estatal

era justamente o oposto: a paralisação de certos trechos acarretava na interrupção

de grande parte da malha. Quando um trem causava algum acidente, dependendo

37 A primeira na criação da RFFSA, outra em 1984 e a terceira nas privatizações.

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do trecho onde havia ocorrido, inúmeros outros ativos eram desperdiçados além

daqueles envolvidos no acidente. Trens que utilizariam o trecho acidentado ficavam

presos em outros trechos e, em um processo dominó, outros trechos ficavam

interrompidos. A quantidade de acidentes que ocorriam na RFFSA reduzia a

capacidade de tráfego da malha, a utilização dos ativos e a produtividade.

5.2.1.6 Empreendedorismo

Não foram identificadas evidências da presença de nenhum dos serviços

empreendedores definidos por Penrose (1980). Na verdade, existem algumas

evidências de que a ausência desses serviços é uma das causas do fracasso.

A falta de ambição pode ser associada à evolução da malha sobre

administração da Rede, assim como pelo comportamento comercial da organização.

Durante muitos anos o comportamento da organização frente à evolução do

transporte rodoviário havia sido recuar para posições mais seguras, onde os

caminhões tinham maior dificuldade em competir, seja pelas características do fluxo

de cargas ou devido às regras de mercado. Por outro lado, a ausência de ambição

não exigia que a organização testasse sua capacidade de julgamento, uma vez que

a empresa não se arriscava, apenas “fugia” para atividades menos arriscadas. O

Entrevistado 14 relata da seguinte forma:

“Antigamente, no tempo da Rede, o cara não queria saber de nada. Mais um cliente, mais uma carga, mais um isso (...) no tempo de estatal, a gente só ficava se preocupando com commodities agrícolas e os líquidos, ou seja, combustíveis, até porque a gente tinha, era antes da desregulamentação dos combustíveis, então era obrigado o transporte de uma base primária para secundária através de ferrovia se houvesse ela.”

A baixa autonomia das regionais e a baixa legitimidade da Rede em cumprir

contratos também causavam reflexos na capacidade da organização em aumentar a

carga transportada ou o número de clientes. Os funcionários não tinham liberdade

para decidir as condições contratuais mais adequadas à sua situação de ativos.

A Rede também tinha dificuldades em transmitir aos seus financiadores

alguma confiança. Os diversos governos davam baixa importância à Rede, pois não

só os investimentos eram realizados em outros modais, como rodovias e dutos, mas

também eram prioritários os investimentos em outras ferrovias governamentais. Na

década de 70, a linha da Vitória-Minas expandiu de 633 km para 811 km; na década

de 80, se constrói a Carajás, com 1151 km, ambas da CVRD. Também se iniciavam

os investimentos para a construção da Ferronorte, uma concessão privada. No

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142

mesmo período a RFFSA teve sua malha reduzida em quase 3000 km.

A malha ferroviária brasileira viu sua participação de mercado despencar

com relação ao modal rodoviário, perdendo espaço inclusive em cargas

consideradas cativas, como as commodities agrícolas. Não havia movimentos de

expansão significativos de nenhum caráter. Mesmo a construção de linha ligando o

Norte do Paraná com o porto de Paranaguá em 1985, a futura Ferropar, acabou por

não se provar um investimento atrativo. Desde sua fundação, o grande desafio da

RFFSA era se manter unida e até mesmo movimentos de expansão da

produtividade eram bastante tímidos.

5.2.2 Fase 2 – Reestruturação (1997 – 1999)

A Fase de Reestruturação inicia-se com a venda da Malha Sul da Rede

Ferroviária Federal e criação da chamada de Ferrovia Sul Atlântico. O período

destaca-se pelo foco na readequação do uso dos recursos organizacionais

entregues pela privatização e pelo investimento de novos recursos. Os eventos

identificados sugerem que a gestão buscou transformar a empresa de um negócio

consumidor de recursos para um gerador de recursos no menor espaço de tempo

possível. Os executivos queiram tornar o negócio auto-suficiente e focaram seus

esforços principalmente: na eliminação dos desperdícios; no aumento da eficiência;

e na utilização e renovação das folgas.

Longevidade Saudável

Gestão da

Diversidade

Gestão da Integridade

Aprovisionamento de

Recursos Humanos

1997-1999

Empreendedorismo

Crescimento e

Renovação

Navegação no

Ambiente

Gestão da

Complexidade Gestão da Folga

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143

Figura 5-11: Análise da Fase de Reestruturação (1997 a 1999) da FSA.

5.2.2.1 Gestão da Folga Organizacional

Os sócios que assumiram os ativos arrendados da RFFSA haviam feito uma

avaliação detalhada das condições da empresa e do ambiente de negócios. Com

isso, previam a necessidade de investimentos e dedicaram ao novo

empreendimento recursos para que a o negócio pudesse ser transformado.

Um dos primeiros movimentos realizados pela GP Investimentos foi reunir o

grupo de sócios que iria comandar a nova organização. Entre eles havia outros

bancos de investimentos, mas também uma empresa americana com vasto

conhecimento sobre ferrovias e grupos econômicos importantes do sul do país que

traziam know-how específico sobre o mercado. Foram contratados novos executivos

para assumir a administração da organização, dois vindos do mercado e outro de

uma das empresas controladas pelo GP. No Conselho de Administração também

havia alguns associados do banco com papel relevante na gestão do negócio.

A primeira ação empreendida por esses executivos foi demitir grande

parcela da força de trabalho. Durante os três meses de co-gestão (Janeiro a Março

de 1997) foram escolhidos em torno de 2000 funcionários que seriam desligados.

Essa ação visava eliminar o excesso de recursos humanos, mas também sinalizava

com uma nova lógica de trabalho para aqueles que permaneciam. A co-gestão foi

um período para analisar quais seriam as estruturas eliminadas, os processos que

seriam revistos, as tecnologias que iriam ser utilizadas e os serviços que seriam

terceirizados.

Juntamente com a redução no custo com pessoal, outras linhas de despesa

também foram cortadas, principalmente aquelas que não eram estritamente

necessárias à operação: estações e filiais administrativas foram desativadas e com

isso todas as suas despesas fixas; estruturas e recursos específicos para executivos

foram eliminados; e treinamentos e outros investimentos interrompidos.

Para tornar o negócio lucrativo era necessário não só reduzir as despesas,

mas também aumentar as receitas. A companhia previa que com cortes de

despesas e aumento de receitas o ponto de equilíbrio só seria alçando em 1998

(América Latina Logística, 2001).

Como havia sido levantado no processo de avaliação, havia uma grande

demanda reprimida e um dos principais entraves para a absorção dessa demanda

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144

era a disponibilidade de ativos. A Rede possuía tais ativos, mas a falta de recursos

financeiros nos seus últimos anos deixou grande parte simplesmente parada. A nova

gestão optou por investir na reforma dos ativos para conseguir absorver essa

demanda. Ou seja, eles usufruíram de dois tipos de folgas, de ativos e de mercado,

que estavam subutilizadas na época estatal. O Entrevistado 24 relata o quadro:

“Quando compramos, dos 9000 vagões existentes, 2000 eram mortos. Para as locomotivas os números eram de 350 e 180. Havia também uma parte da malha que estava desativada.

Os ativos disponíveis, além de reformados, foram realocados buscando

maximizar a eficiência do seu uso. O Entrevistado 1 destacou:

“Foram fazer um estudo e viram que na África tava sobrando locomotiva e eles tinham trilhos. Quando eles compraram a Rede, a Rede tinha lá trilhos demais, mais do que precisava. Tinha locomotiva de menos, vagão de um tipo demais, vagão de um tipo de menos, então tinha que fazer uma gestão desses ativos. Então isso foi uma coisa que observei: “vamos pegar esses trilhos aqui e vender, vamos trocar nossos trilhos, um escambo, nossos trilhos pelas locomotivas lá... porque lá está quebrado e a gente precisa aqui... chegaram a criar uma empresa para fazer a gestão dos imóveis que eles adquiriram com a concessão.”

Apesar dos relatos sobre dificuldades de financiamento nessa época, o

volume de investimentos financeiros foi alto, principalmente considerando todas as

despesas envolvidas: aquisição da concessão; demissão de pessoal; e reforma dos

ativos. Essas reformas consumiram aproximadamente R$ 100 milhões, mas nos

anos seguintes houve outros aportes de capital. Dados da CVM apontam para um

incremento de R$ 24 milhões no capital social da empresa de 1996 para 1997 e

dívidas com sociedade controlada de R$ 77 milhões. Os ativos, por outro lado

somaram R$ 80 milhões, com R$ 30 milhões registrados como benfeitorias em

imóveis de terceiros.

Os fornecedores também eram fontes de desperdícios, pois consumiam

recursos desnecessários. Eles cobravam preços mais altos para compensar a

incerteza dos pagamentos ou porque não havia controle sobre esses contratos. Uma

matéria sobre as privatizações (Veja, 06/08/1997) descreve:

“Dentro e fora dessas empresas tem gente que se juntou para roubar ou se aproveitou da facilidade com que as estatais enfiam a mão no bolso. Basta dar uma olhada no preço dos contratos, antes e depois da privatização. O fato é que os seus novos donos conseguiram renegociá-los com descontos impressionantes.”

No processo administrado pelo CADE com relação ao acompanhamento das

concessões ferroviárias, os depoimentos de alguns fornecedores também são

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145

insumos para relatar os efeitos da entrada da iniciativa privada no negócio:

“informamos que somos fornecedores de eixos ferroviários e os fornecimentos eram feitos regularmente à RFFSA pela Açoforja. Entretanto, após a concessão para a Ferrovia Atlântico Sul S/A ainda não recebemos nenhuma encomenda de eixos e segundo informações estão importando do leste europeu a preços muito baixos. Ao que tudo indica, trata-se de mais um caso de ‘dumping’ de produtos originários daquela região” (Ato de Concentração CADE).

5.2.2.2 Aprovisionamento de Recursos Humanos

Esse desafio foi o mais afetado pela solução adotada para reagir aos

desafios da gestão da folga organizacional. Em nome da eficiência econômica da

organização e da construção de uma nova cultura, foi necessário desligar um grande

volume de profissionais, muitos deles com larga experiência e qualificação.

Na época estatal a organização não possuía padrões de resposta tendendo

para o pólo de auto-perpetuação devido à falta de procedimentos de avaliação e

sucessão e de serviços gerenciais, apesar da qualidade de seus funcionários. A

privatização solucionou parte desses problemas, instituindo critérios de promoção e

remuneração associados ao desempenho, ainda que de maneira incipiente. Em

contrapartida muitos dos excelentes técnicos foram perdidos no processo de

downsizing. O Entrevistado 14 relata como foi a introdução desses critérios:

“Mas eu diria o seguinte: aqui ficou muito claro o seguinte... no primeiro ano já houve a primeira distribuição de bônus. Ainda não era um negócio corporativo, institucionalizado. Mas o presidente já teve a possibilidade de escolher aqueles que mais ajudaram ele no primeiro ano e distribuir lá 2, 3 salários pras pessoas. (...) em 97 o presidente chegou lá e disse “po, você me ajudou tal” e me deu três salários.”

Santos (2000) descreve que os recursos qualificados foram perdidos devido

à necessidade de enxugamento, de atender ao dimensionamento realizado e ao fato

de que erros poderiam ser cometidos na avaliação de quais seriam os melhores. O

volume de demissões continuou relativamente alto mesmo depois do downsizing,

porque novos funcionários foram trazidos e um ambiente baseado na “sobrevivência

do mais apto” foi incentivado. Os entrevistados relataram que a demissão de alguns

funcionários da Rede só demorava até um jovem recém-contratado absorver o que

era basicamente necessário para exercer a função, mas que na maioria das vezes

deviam aprender por conta própria. A mensagem de recrutamento era diferente: ao

invés do orgulho ferroviário, passou a ser altas remunerações para aqueles que

conseguissem desempenho extraordinário.

As práticas incipientes de gestão de pessoas foram as primeiras a serem

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146

desenvolvidas e institucionalizadas, já antecipando os movimentos da fase seguinte.

A remuneração e promoção passaram a refletir o espírito de sobrevivência da firma

e aqueles que não geravam resultados eram descartados. A característica se

disseminou por toda a empresa, afinal as metas do gestor eram compostas pelas

metas de seus funcionários e ninguém queria ter sua meta prejudicada pelo

desempenho abaixo da meta de seu funcionário. Da mesma maneira que a empresa

precisava se recuperar no curto prazo, assim as metas foram estabelecidas. As

metas eram acompanhadas a cada três meses e relatos apontam para demissões

por baixo desempenho com seis meses de empresa.

5.2.2.3 Gestão da Diversidade

Não houve evidências sobre ações desenvolvidas especificamente sobre

esse desafio nesse período. Contudo, alguns efeitos podem ser destacados,

principalmente no que tange à nova forma de trabalhar da empresa privada,

afetando a resolução de conflitos, o grau de responsabilidade do indivíduo sobre seu

trabalho e o compartilhamento de ativos. Santos (2000) relata algumas das

características da nova administração, como multifuncionalidade, atitude pró-ativa,

responsabilidade, autonomia e comprometimento.

Já as entrevistas apontaram para a forma como os funcionários mais antigos

encontraram para sobreviver ao processo de downsizing, buscando especializar-se

para garantir a sua posição na nova companhia. Isso acabou gerando um efeito

positivo, a princípio não planejado, para a companhia. Por um lado contratava e

valorizava recursos homogêneos para introduzir na gestão, universitários recém-

formados que pareciam compartilhar os ideais do GP. Por outro, os funcionários

antigos se especializaram e assumiram funções da operação, gerando um equilíbrio

benéfico na gestão da diversidade.

A finalização da compra de duas ferrovias argentinas dois anos após a

conclusão da compra da malha brasileira, resultou em um grande desafio para a

gestão da diversidade. A estratégia adotada foi a manutenção da administração dos

dois negócios em separado, mas tentou-se aplicar os mesmos métodos utilizados no

Brasil para tentar tornar o negócio argentino mais lucrativo. Um dos argumentos

apresentados nas evidências coletadas é a divergência entre os padões

operacionais e comerciais. Contudo, essa escolha possivelmente decorre também

do descompasso entre os dois processos de transformação e da limitação de

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recursos para investir nesse processo. Os recursos que o GP possuía no Brasil não

foram de fácil replicação na Argentina, pois faltava: sócios que conhecessem o

mercado e dispostos a entrar no investimento; relacionamentos com os governos;

executivos preparados para aquele mercado; e recém-formados em busca das

aspirações oferecidas pelo GP.

5.2.2.4 Gestão da Complexidade

A época era de esforço concentrado em salvar a organização. A forma de

gerir a complexidade foi influenciada pelo ambiente de trabalho onde tudo era um

“incêndio a ser apagado”, exigindo da organização respostas rápidas, que reduziam

a importância do aprendizado ou da busca da melhor opção. Um entrevistado

descreve como avaliava seu interesse em treinamentos na fase pós-aquisição.

“Aqui, você fica, primeiro: ‘se eu for fazer qualquer coisa to perdendo tempo não to olhando meu negócio.’ Tem que valer muito, tem que ser algo assim, fora do comum. Então, você tem pouco tempo. Segundo: tem que ser algo muito específico que tenha aplicação imediata. São coisas que você não tem aquele tempo de ficar pensando, raciocinando como vou aplicar e tal. Tem que ser tudo muito direcionado.” (Entrevistado 14)

Era necessário que os problemas de operação fossem resolvidos de

maneira ágil e objetiva, pois cada dia que passava sem que fosse dada solução a

algum problema, era um dia a mais de prejuízo no balanço da companhia. Não havia

muito questionamento sobre os motivos para que determinado objetivo não tivesse

sido concluído. A solução era simples e direta: demissão, contratação de novo

funcionário ou terceirização. Os recursos eram limitados em todos os sentidos, entre

eles os recursos gerenciais, o que refletia na dedicação à resolução de problemas.

Por esse motivo, os empregados que fossem capazes de resolver problemas mais

rapidamente eram bem vistos.

5.2.2.5 Navegação no Ambiente

Apesar desse desafio não ter sido o principal foco de atenção ou de

demanda da organização, foi necessário certo grau de atenção, principalmente

devido aos impactos que gerava sobre os desperdícios e oportunidade de

aproveitamento das folgas existentes. O principal objetivo e conseqüência das ações

foi o aumento da legitimidade perante clientes e fornecedores.

Apesar do cancelamento de todos os contratos com a entrada da iniciativa

privada, novas condições de negociação surgiam: não havia mais um processo

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burocrático de compra e os pagamentos não demoravam tanto tempo quanto na

época estatal. Além disso, muitos funcionários da Rede haviam se aposentado e

aberto seus negócios, especificamente para atender às demandas da privatização.

O processo era mais difícil junto aos clientes. Os riscos associados à ferrovia

por parte dos clientes envolviam o desabastecimento de suas operações na ponta

de distribuição devido à baixa confiabilidade dos horários e as “variações de humor”

da estatal conforme os ventos políticos indicassem, o que afastava o interesse nos

investimentos necessários à operação ferroviária. As entrevistas detalham tais

aspectos:

“O trem era mais barato, mas corria o risco de desabastecimento e por isso os clientes não queriam utilizar as ferrovias. Foi necessário começar com operações pequenas. O desafio era trazer a carga para a malha ferroviária.” (Entrevistado 24)

Esses relacionamentos ainda não seriam foco da atenção da gestão, mas já

antecipavam algumas das ações que seriam necessárias para poder crescer. Dessa

maneira, esse período não trouxe crescimento expressivo da produção. A produção

em 1997 foi praticamente idêntica à de 1996: 6.847 e 6.940 milhões de TKU,

respectivamente (SIMEFRE, 2006).

Alguns pequenos conflitos com competidores e complementadores (Nalebuff

& Brandenburger, 1997) começaram a surgir, mas ainda não eram gargalos de

interesse da alta gestão. Por outro lado, mesmo com o alto volume de demissões

não houve evidências de conflitos com ex-funcionários ou com as comunidades

próximas às linhas, nem com as diferentes esferas governamentais.

A operação argentina foi a principal fonte de conflitos: sindicatos e governos

não aceitaram os cortes decididos pela equipe de gestão que assumiu a empresa. A

empresa não encontrou alternativas senão atender aos pedidos desses públicos.

5.2.2.6 Empreendedorismo

São poucas as evidências da presença de serviços empreendedores

provenientes da organização nessa fase inicial. Grande parcela dos recursos

gerenciais envolvidos nas principais ações de recuperação eram oriundos dos novos

sócios, inclusive, e principalmente, os líderes e empreendedores. Contudo, parte da

folga de recursos humanos qualificados para a operação, oriundos da RFFSA, foi

preservada e sua presença foi fundamental para a sugestão de soluções versáteis

para resolver os novos desafios impostos. Os movimentos de expansão só foram

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149

ocorrer no final da fase, mas apenas ajudaram a compensar a retração realizada no

primeiro ano.

O financiamento recebido era proveniente do dinheiro aplicado pelos novos

sócios. O serviço empreendedor de levantamento de financiamento havia sido

utilizado meses antes quando a equipe de avaliação da aquisição trouxe a proposta

para os executivos da GP e, posteriormente, esses executivos reuniram os grupos

de investidores que se tornariam sócios do negócio. Esses mesmos executivos

seriam os responsáveis pela obtenção de mais fontes de financiamento, fosse com

bancos privados ou públicos.

Na época estatal era proibida a terceirização de atividades, prática muito

mais comum no setor privado, o que levava à contratação de muitos funcionários

para prestar serviços esporádicos e pouco relevantes para o negócio. O

Entrevistado 14 relembra:

“Não podíamos terceirizar, ou seja, aproveitar serviços que não eram tipicamente ferroviários para outros fazerem. Então a entrada da iniciativa privada reduziu o quadro de pessoal, saímos na época, ficamos mais ou menos 3000 trabalhando. Mas foi contratando conforme a necessidade empresas terceirizadas para fazer serviços temporários. Isso foi ganhando certa agilidade na empresa.”

Essa fase envolveu um movimento de externalização de transações,

reduzindo o alcance das operações da cadeia produtiva que estavam sob comando

da empresa. Ou seja, do ponto de vista da amplitude das atividades executadas pela

empresa para prover o serviço de transporte de cargas, a empresa reduziu seu

tamanho, eliminando as atividades que não estavam relacionadas ao negócio

principal. Contudo, já no segundo ano houve crescimento de volume e receita.

5.2.3 Fase 3 – Crescimento (2000 – 2004)

A Fase de Crescimento é o período onde a nova administração implementa

e desenvolve modelos de gestão, incorporando e consolidando referências de outras

ferrovias, nacionais e internacionais, e do seu principal acionista controlador. Os

esforços para transformar a empresa em uma geradora de caixa ainda existiam no

começo da fase, mas as evidências sugerem que a organização também focou seus

esforços na criação e sistematização de processos para desenvolver características

empreendedoras, gerir a diversidade e os recursos humanos, além de criar meios

para reduzir a complexidade decorrente do crescimento. Os investimentos ampliam

principalmente em busca da diversificação, seja buscando novos mercados

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150

atendendo a novos tipos de cargas, seja na expansão dentro da cadeia produtiva e

fora dela.

Figura 5-12: Análise da Fase de Organização (2000 a 2004) da ALL.

5.2.3.1 Gestão da Complexidade

A partir da entrada de Behring na presidência da ALL, ainda na fase anterior,

processos de trabalho foram definidos para todas as áreas da organização,

incorporando práticas de diversos stakeholders: concorrentes, sócios, consultores e

benchmarkings internacionais. As evidências apontam para a sistematização de

práticas em todos os desafios. Apesar de mudarem em diversos aspectos a forma

de trabalho anterior, o foco na resolução de problemas o mais rápido possível,

acreditando que melhorias incrementais seriam desenvolvidas ao longo do tempo.

Inicialmente, foi um período turbulento e de conflitos, pois eram mudanças

radicais que estavam sendo colocadas.

“Alguns antigos da Rede tinham algum tipo de resistência à mudança, algum tipo de medo, mas a cultura de quem tava agora na gestão da empresa era de avançar com a transformação da empresa mesmo. Era uma empresa competitiva, capitalista, orientada para resultado. Os conflitos aconteciam, essas divergências de concepção de processos... mas a mudança sempre prevalecia. Até em casos críticos como foi a questão das Operações, muda... esse foi o processo que eu vivi. Processo de absoluta renovação, transformação, reconstrução do modelo de negócio.” (Entrevistado 1)

Apesar disso, não eram mudanças desestruturadas. Tratava-se da infusão

de modelos de gestão. Foram importadas práticas de planejamento, organização,

comunicação, recrutamento, remuneração, avaliação, retenção e promoção

principalmente do modelo aplicado pelo GP em outras aquisições. Muitas dessas

2000-2004

Empreendedorismo

Crescimento e

Renovação

Navegação no

Ambiente

Gestão da

Complexidade Gestão da Folga Longevidade Saudável

Gestão da

Diversidade

Gestão da Integridade

Aprovisionamento de

Recursos Humanos

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151

práticas já eram amplamente utilizadas nos EUA há anos, conjunto esse descrito

como gestão por alto comprometimento38. Na ALL pôde se identificar os seguintes

itens do modelo:

Sistema de metas individuais desdobradas a partir do executivo principal;

Controle individual freqüente (trimestral) de desempenho;

Orçamento base zero;

Ambiente de trabalho aberto, em geral usando divisórias de meia altura;

Exposição do desempenho individual e global, atualizado semanalmente;

Recursos humanos flexíveis, “genéricos”;

Grande parte do salário paga através de remuneração variável;

Remuneração variável associada ao desempenho individual;

Remuneração por opção de ações;

Classificação forçada entre os funcionários (melhores e piores);

Círculos de qualidade;

Cada elemento desse modelo teve um papel na sistematização de práticas

em outras dimensões de análise. Os processos de orçamento, acompanhamento

trimestral e revisão anual de metas constituíam um mecanismo de aprendizado da

organização.

“Se acontecia um acidente, o que acontecia? Pode ter três causas: pode ser tração, mecânica ou de via. A gente ia em cima para ter certeza. Ah, se a causa era mecânica e ia cair para mim quero ter certeza de que é causa mecânica. Não interessa se foi no Rio Grande do Sul ou em São Paulo, eu vou lá ver pessoalmente o operador ver, se é que sabe tudo que eu sei e nós vamos ver mesmo se foi problema de mecânica. Então a gente começou a estruturar para garantir que aquilo que eu estou recebendo em prejuízo é realmente minha responsabilidade. E daí eu aprendo.”

“Então você tem que estar ali em cima, monitorando e cobrando: ‘olha, você carregou mais. Se continuar assim eu não deixo o vagão passar.’ ... Ele vai levar para o diretor comercial dizendo: ‘olha, a mecânica segurou todos os vagões do carregamento, perdemos todo o faturamento de hoje.’... Da próxima vez ele não pode entrar com essa desculpa de que carregou demais por isso que amarrou e ele perdeu o carregamento.” (Entrevistado 14)

Esses elementos começaram a ser implementados em 1999, mas se

consolidaram de 2001 em diante. O sistema de remuneração variável, por exemplo,

adotou diferentes modelos até estabilizar em 2000. Alterações continuaram

ocorrendo ao longo dos anos seguintes dessa fase e da outra, mas as escolhas

38 Traduzido a partir do termo em inglês high commitment management (Wood, 1996).

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fundamentais foram feitas nessa fase, como a adoção de uma classificação ABC39

por grupos com uma grande parcela da remuneração proporcional a essa colocação.

Muitas soluções com relação à administração da operação, tanto em termos

de uso de tecnologias quanto em termos de processo, foram trazidas e

implementadas nesse período, principalmente a partir dos executivos contratados de

outras empresas e das referências internacionais. Por exemplo, toda a estratégia de

readequação dos ativos foi copiada daquela inicialmente utilizada pela RailTex em

1985 na reforma das linhas locais pós-desregulamentação americana40. Outro

exemplo foi a estratégia operacional adotada pelo diretor de operações, que havia

trabalhado na gerência da operação das ferrovias da Vale.

Novos procedimentos e tecnologias automatizavam uma série de operações

e foram necessários para que as melhorias em outras áreas fossem alcançadas,

como a redução de custos através da redução de pessoal. Por exemplo, a instalação

de computadores de bordo eliminou a necessidade de assistentes na condução.

Outro processo constituído para aprimorar o aprendizado das práticas

operacionais foram os círculos de qualidade, além das próprias revisões periódicas

de metas e do foco do trabalho no desenvolvimento de procedimento operacionais

para todas as áreas da companhia.

“E ai depois do gerenciamento pelas diretrizes e do programa de remuneração variável, a gente começou a focar aí toda a questão de rotina, padronização, porque não tinha, tinha muito pouco, a gente tinha mecânica que já tinha avançado num processo de padronização, mas sem o esqueleto deles, que eles criaram por vontade própria, sem muita metodologia por trás, então a gente começou a pautar ai toda essa questão de metodologia na companhia e criamos a questão de gerenciamento da rotina que é um embrião que a gente tem hoje na Companhia.” (Entrevistado 17)

Alguns processos de trabalho e tecnologias não relacionados à operação,

como finanças, recursos humanos e comercial, também foram trazidos e

desenvolvidos nessa época, passando por melhorias incrementais ao longo do

tempo. Muitos desses processos implementados geravam ganhos de escala, ao

sistematizar processos e reduzir a necessidade de controle sobre os mesmos.

“Só que antes de 2000 a gente não conseguia medir o resultado específico

39 Modelo de avaliação de pessoas que ganhou notoriedade com Jack Welch, no qual os funcionários são classificados entre X% melhores, Y% medianos e Z% insuficiente.

40 Tal argumento pode ser verificado comparando as seguintes referências: (Weber & Berg, 1985) e (Sull, Martins, & Silva, 2004).

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por unidade ou por fluxo, o fluxo é um cliente com uma origem e um destino. E a companhia ela tinha vários sistemas espalhados por aí que não se conversavam. Em 99 a gente começou a implantar o SAP. Então com a vinda do SAP a gente começou a ter uma visão financeira melhor e tudo desembocava no SAP. (...) A gente mudou o conceito comercial drasticamente, criamos as unidades de negócio. Que não tinham mais as metas de receita e sim metas de lucro.” (Entrevistado 17)

O aprendizado que se identifica ano após ano nos processos implementados

nesse período são ocasionados também devido ao padrão de escolha de soluções

para resolver os problemas o mais rápido possível.

“Tem coisas que poderiam ter sido planejadas, questão de filiais, despesas, poderia ter planejado melhor, tudo poderia ter sido planejado, se alguém tivesse planejado lá atrás talvez a gente não tivesse tendo problemas hoje. Mas é diferente, o que a gente sente aqui, primeiro faz, depois se tiver algum problema lá na frente a gente resolve.” (Entrevistado 12)

O comportamento não era completamente ad hoc, pois foram definidas

regras simples e genéricas, objetivos gerais, que ajudavam a reduzir a complexidade

dos problemas e facilitavam a divisão da responsabilidade nos níveis hierárquicos.

Os critérios de investimento em projetos e de captação de clientes definidos pelos

diretores delimitavam a área de atuação dos gerentes e compensava o aumento do

risco pelo aumento da autonomia dos níveis de média gerência.

A presença de consultorias e empresas terceirizadas foi freqüente, mas são

poucos os momentos em que a organização não demonstrou preocupação em

absorver o conhecimento trazido. Os treinamentos em métodos de administração

pela qualidade trazidos pelo INDG e o MBA em logística organizado pelo Coppead,

por exemplo, passaram a ser lecionados na Universidade Corporativa. Já o processo

de planejamento estratégico desenvolvido pela Bain foi incorporado no início do

processo de definição anual de metas e orçamento.

5.2.3.2 Aprovisionamento de Recursos Humanos

As evidências apontam para um período onde os novos sócios preocupam-

se com a inserção da “cultura GP” trazendo, novamente, executivos de alto escalão

de outras empresas. A mudança atinge todos os níveis hierárquicos e o período é

marcado por uma alta rotatividade e renovação do quadro. No período são definidos

processos de seleção, avaliação de desempenho, promoção e remuneração que

atraem e disponibilizam um grande contingente de profissionais qualificados, porém

inexperientes. Já as dimensões de retenção de talentos e treinamento apontam para

soluções menos sistemáticas ou coordenadas. A primeira dimensão baseia-se em

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um processo de sobrevivência, de “seleção natural”, e o segundo no “treinamento

on-the-job”, ambos conhecidos e incentivados pela organização.

Além do Pedro Roberto Oliveira, ex-Lojas Americanas, Alexandre Behring

passaria para uma posição mais ativa na empresa, adicionando ao cargo de

conselheiro administrativo a posição de presidente. Nos anos seguintes Sérgio

Pedreiro também ocuparia a posição de diretor financeiro mantendo-se conselheiro.

Seriam alocados em diretorias comerciais quatro executivos ex-Ambev após terem

passado alguns anos como gerentes. Outro recurso “tipo GP” a entrar para a

diretoria seria Bernardo Hees, recrutado através da Fundação Estudar. Com as

mudanças no quadro societário da própria GP, os representantes do banco no

conselho da FSA seriam trocados, incluindo agora o nome de novos sócios como

Antônio Bonchristiano no início da fase.

Esses executivos formariam o cerne executivo e a crescente base de novos

gestores qualificados e já com alguma experiência na indústria e com a empresa,

estava encarregado de executar o que era determinado pelo núcleo forte ali

formado.

“As coisas chegavam prontas, sempre. É uma coisa que é interessante. O que está no forno para 2009, 2010 e 2011? Existe coisa no forno, mas eu nunca soube. Eu não consigo imaginar que não tenham coisas assim numa empresa como a ALL. Isso é mais com o conselho de diretores.” (Entrevistado 12)

“Nesse período entre a Rede e a Delara, teve uma substituição acelerada de funcionários. Existia todo um conjunto de pessoas ali que vieram da Rede Ferroviária, conhecia das locomotivas, conhecia da operação, conhecia de todos os detalhes de manutenção, toda clientela, toda capilaridade, toda a lógica do negócio, como ele funcionava, e uma geração completamente nova de gente recém-contratada, recém-saída de boas universidades que entrou para administrar a empresa. Cabeça de mercado, cabeça de negócio, começou a trabalhar lado a lado com pessoas com cabeça de estatal, com um tipo de visão de negócio bastante diferente.” (Entrevistado 1)

Pode se notar essa tendência também pelo perfil etário da empresa, pois a

participação de funcionários com menos de 31 anos aumentou ano após ano,

conforme a figura a seguir demonstra.

Os recursos mais críticos foram mantidos tempo suficiente para que novos

profissionais se tornassem capazes de executar tais tarefas baseados no novo

contrato psicológico.

“Outro exemplo interessante foi a questão do centro de controle. ... O trabalho desses caras é fazer a malha fluir e impedir um acidente. ... Isso é uma operação crítica, porque é um profissional altamente especializado, exige capacidade e concentração. Todas as pessoas que estavam

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trabalhando nessa área ainda eram da Rede Ferroviária. E por uma questão de mudança, do tipo de equipe, de redução de risco, de desejo da empresa de estar montando um time novo, numa cultura diferente, eles criaram um centro de treinamento isolado e secreto aonde várias pessoas trabalharam numa espécie de uma réplica do centro de operações e durante meses aprenderam a operar. Depois o grupo inteiro foi substituído” (Entrevistado 1)

Figura 5-13: Evolução do perfil etário dos funcionários da ALL.

Esse novo paradigma cultural era conhecido como a “cultura GP”. Essa

cultura trazia para os funcionários e candidatos uma mensagem de meritocracia,

desafios, rápido crescimento profissional e remuneração agressiva, e para a

empresa um conjunto de práticas presentes em muitas das empresas adquiridas

pelo banco. Esse conjunto, em especial a grande parcela da remuneração sendo

paga de maneira variável e atrelada ao desempenho individual, começava a criar um

ambiente competitivo de sobrevivência dos mais adaptados, enquanto que atraía

jovens ambiciosos e confiantes. As entrevistas descrevem como o processo de

avaliação influenciava na rotatividade dos funcionários:

“Eu diria assim: na Malha Sul... como vou dizer? Lei da seleção natural mesmo. O cara não rendia, era substituído mesmo. Aqui todo mundo é rápido, tem vontade, querendo fazer, querendo fazer coisa diferente... E você vendo um monte de gente sendo demitida, então cria um certo estresse.” (Entrevistado 14)

270402

476554

677 1642

2240

22901792 1233

874757

1208

1169

873 809 705 661 667

1594

1266

16 13 13 13 15386

194

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

Menos de 31 anos De 31 a 40 anos De 41 a 50 anos Acima de 50 anos

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“A rotatividade naquele momento era altíssima. Tanto com o pessoal que era da Rede como de quem entrava e saía logo em seguida. Isso eu acho um aspecto interessante. Quase ninguém ficava muito tempo. Entrava e saía, entrava e saía. O tempo todo. Saindo e eram saídos. Deu mais ou menos? Tchau, vamos buscar outro.” (Entrevistado 1)

Havia outros motivos para o alto grau de rotatividade além das demissões

por desempenho insatisfatório. As promessas de oportunidades de carreira e

salários acima da média só se realizavam quando as metas eram cumpridas e

custava caro conseguir esse objetivo. Assim, muitos dos talentos recrutados não

alcançavam o objetivo da alta remuneração e a mesma flexibilidade que os fazia

mudar de cidade para tentar a ALL permitia que saíssem em busca de outras

oportunidades.

O alto volume de demissões exigia em contrapartida um alto volume de

contratações, uma vez que o enxugamento de pessoal já vinha sendo realizado de

outras formas. Os executivos visitavam universidades para dar palestras e inspirar

recém-formados. Os processos de seleção ganharam volume, principalmente os de

estagiários e trainees onde cada vez mais candidatos se inscreviam no processo.

Em 1997 foram 912 candidatos e cinco anos depois alcançava a marca de 4 mil. O

recrutamento atingia as principais capitais brasileiras do Sul, Sudeste e Nordeste.

Como conseqüência da baixa retenção e do alto grau de renovação, os

investimentos em desenvolvimento de recursos humanos eram padronizados e

voltados para uma formação mais genérica. A especialização foi deixada de lado, a

cargo de cada funcionário dependendo da função que exercia. Essas questões eram

vistas pela alta gestão como conseqüências naturais e necessárias do processo de

mudança de cultura.

“No início tem-se uma grande mudança de pessoal. 70% vai embora, quem fica está na cultura. Tem que estabelecer tudo de maneira clara e objetiva, comunicar todas as metas e objetivos. Tem mais trabalho? Tem. Mais aí bota mais um, dois. Pode perder o histórico, mas faz parte. Já no campo é mais complicado de fazer. A gente tem que manter, mas é só botar pressão no dia-a-dia. (...) Tem muito treinamento. É um sobre-custo que se tem por causa da rotatividade.” (Entrevistado 24)

5.2.3.3 Gestão da Diversidade

As evidências sugerem que uma parte significativa dos processos definidos

no período esteve orientada para melhorar a gestão dos recursos disponíveis

através do aumento da autonomia das partes, da introdução de métodos de controle

e da capacidade de coordenação das unidades recentemente criadas. Em especial

destaca-se a ampliação do uso de ferramentas de comunicação e a

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homogeneização de recursos principalmente através da padronização do

desenvolvimento de profissionais flexíveis.

Segundo relatos, o diretor de operações trazido da Vale introduziu as

primeiras modificações estruturais que levaram ao aumento do grau e da qualidade

da autonomia. A nova forma de dividir o trabalho entre unidades definiu

responsabilidades maiores para os indivíduos que ficaram responsáveis por essas

unidades. A melhora nessa dimensão se deveu principalmente porque não existia

mais a centralização decisória e fragmentação funcional presente na época estatal.

“Unidade de produção, como é, por que acontece? UP são áreas... Pega a ferrovia e divide em regiões geográficas, nada mais é que uma região geográfica como se tivesse fábricas. Você pega a malha ferroviária e divide em várias regiões geográficas autônomas” (Entrevistado 16)

A autonomia e responsabilidade do indivíduo foram consideravelmente

ampliadas quando comparadas com o estado anterior de estatal. Essa característica

era tida como condição necessária para que outras partes do modelo pudessem ser

alcançadas. Na visão dos executivos, para que os funcionários sejam capazes de

alcançar as metas desafiadoras acordadas, eles precisam de autonomia. As metas

definem para o funcionário “o que” ele deve fazer e ele próprio define “como” fazer.

“Foi onde eu realmente acordei. A gente estava entrando em uma empresa que coloca muita responsabilidade em cima de pessoas que não têm necessariamente a experiência necessária.” (Entrevistado 12)

Em paralelo também foram definidos processos e mecanismos de

coordenação para lidar com o possível aumento da fragmentação, apoiando a

resolução de conflitos. Por exemplo, a equipe comercial passou a ter mais

autonomia para negociar seus contratos, mas ao invés de um alto volume de vendas

pontuais com contratos spot, contratos de longo prazo passaram a ser priorizados.

Essa nova forma tornava as variáveis de mercado (como preço, volume, distância,

trajeto e freqüência) muito mais previsíveis, permitindo que as unidades

operacionais planejassem melhor as variáveis de operação (necessidade de ativos,

pessoal, horários de saída e chegada). A mesma estratégia de contratos de longo

prazo foi utilizada para a relação com fornecedores.

“Por isso que eu cobro da UP isso aqui, do CCO isso aqui, da mecânica isso aqui, por quê? O processo ta fechado. Se eu tiver uma quantidade menor de máquinas, vou ter menos máquinas, vou fazer uma vazão menor, ou seja, eu não vou cumprir esse contrato aqui. Porque esse contrato ele é de dois lados. A execução vai me cobrar, ‘cara você falou que ia fazer 80 vagões o dia, ta me fazendo 50, o que esta acontecendo?’ Vou falar ‘me deixa entender. Estou com transit-time maior, to com giro maior ou to com máquina a menos? Ah, estou com máquina a menos, estou com vagão a

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menos.’ Nada mais que trava esses contratos com todas as áreas, seja o horizonte que for - diário, semanal, mensal, anual ou estratégico - e fica um cobrando o outro nisso aqui, então a gente amarra o processo assim.” (Entrevistado 16)

A comunicação entre o topo hierárquico e o operacional era considerada

bastante importante e representava parte relevante da agenda dos principais

executivos e mais um conjunto importante de processos de coordenação. As

ferramentas de comunicação, como revista e portal internos, não só aproximavam os

níveis hierárquicos e diferentes unidades, mas também ampliam a capacidade de

controle da organização. A atenção, novamente, está em torno das metas e de seus

desdobramentos. Cada funcionário passou a ser capaz de identificar os pontos onde

a companhia vinha falhando e exercer pressão sobre os responsáveis, vislumbrando

os efeitos que a falha desses responsáveis em alcançar suas metas poderia ter

sobre as suas próprias metas.

“A gente sempre diz... um dos métodos aqui dentro é um tipo de um caos. Não um caos assim que todo mundo perdeu a cabeça. Mas é o seguinte: você não é meu inimigo, mas você ta fazendo várias coisas que se eu não estiver olhando, você vai me prejudicar. E se me prejudicar, prejudica a companhia.” (Entrevistado 14)

Alguns mitos e símbolos são criados nesse período a partir da forma como

os principais executivos se relacionavam e se comunicavam com os funcionários.

Com a finalização do processo de aquisição das malhas argentinas a empresa

finalmente ganharia o nome e a marca ALL - América Latina Logística, difundida

através de uniformes, adesivos, pinturas de material rodante e documentos.

“Se Behring estiver, não espere encontrar um sujeito de terno e sapatos italianos, estressado e com cara de CEO. Para procurá-lo no meio do pessoal, também não adianta muito saber que ele deve estar de jeans e camisa com o logo da empresa, pois quase todo mundo está vestido assim.” (Maria Luisa Mendes, Exame – 05/08/2003)

“A comunicação é um ponto forte na empresa: há jornal interno, informações detalhadas na intranet, quadro de metas à vista, carta do presidente a cada início de mês e reuniões trimestrais com a diretoria” (Juliana de Mari, Exame Especial Melhores e Maiores – 01/09/2002)

As mudanças também ocorreram nos processos de trabalho de operação,

buscando aumentar a eficiência no uso dos recursos. Esse aumento ocorreu pelo

aumento da capacidade de controle, mas também pelo foco na homogeneização.

Equipamentos eletrônicos passaram a registrar e medir a produtividade,

identificando, por exemplo, maquinistas que paravam no meio do trecho sem

justificativa. Por outro lado, os maquinistas mais rápidos e que gastavam menos

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combustíveis sem causar acidentes eram recompensados em termos salariais e em

reconhecimento na firma, com a ampla divulgação do seu nome nos meios de

comunicação internos.

Em especial, os mecanismos criados favoreceram o desenvolvimento de

profissionais versáteis, flexíveis que fossem capazes de se adaptar mais

rapidamente às condições de incerteza que existiam naquele momento.

“Eu vim para a Companhia para a área de projetos logísticos (...) Eu fiquei na área, então, de final de agosto de 99 até dezembro de 99, e aí no ano 2000 eu assumi a área de gente e qualidade. (...) na verdade eu fui para o marketing em julho de 2003, fiquei ate dezembro de 2003, e a gente mudou a estrutura da Companhia de novo e a gente decidiu juntar a inteligência de mercado com a área de projetos logísticos, então eu voltei para área de projetos logísticos levando a inteligência de mercado junto comigo. (...) você viu pela minha historia como é a questão do xadrez de gente aqui na Companhia, eu sou um exemplo e na realidade existem vários” (Entrevistado 17)

“Em abril do ano passado, o advogado Vinícius Lacerda Dall’Armellina, de 26 anos, nem sabia direito o que era logística quando, atraído pelas notícias de que a ALL era uma empresa que dá oportunidades a quem merece, pediu para trabalhar lá. Detalhe: não no departamento jurídico, mas na operação. Poucos meses depois, foi transferido para coordenar a logística de distribuição de arroz na unidade da ALL de Tatuí, no interior de São Paulo.” (EXAME, 2003)

Outra prática adotada no período que favorecia a homogeneização dos

recursos foi a de círculos de qualidade e competições entre unidades que

destacavam práticas de sucesso das unidades mais eficientes e as compartilhavam

com as outras em ciclos trimestrais.

Por outro lado, as concessões argentinas ainda não haviam apresentado

todos os benefícios esperados. Devido às estratégias adotadas quando do início da

nova operação, as duas empresas mantiveram estruturas independentes, impedindo

a realização de sinergias de maneira mais significativa. Os sistemas de informação,

por exemplo, possuíam estruturas separadas e eram implantadas com atraso de

mais de um ano na unidade argentina.

Os ativos, específicos para cada malha, dificultam a capacidade destas

absorverem as flutuações no fluxo entre elas. Ou seja, quando o fluxo de cargas da

malha brasileira para a malha argentina é maior, é necessário manter um giro de

ativos maior ou manter ativos em quantidade suficiente para suprir essas variações,

restringindo o capital que poderia ser investido em outros gargalos. Apesar da

operação ferroviária, contando com a malha argentina, passar por praticamente todo

o Mercosul, o fluxo inter-regional ainda é limitado e tem baixa participação nas

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receitas da empresa. Os problemas não foram só tecnológicos: tiveram reflexos

culturais e financeiros. O compartilhamento de recursos, tanto operacionais quanto

administrativos, é reduzido. Os executivos brasileiros têm dificuldade de impor a sua

cultura e de se adaptar às características locais.

“Várias coisas complicam na Argentina. A empresa foi comprada dois anos depois. Você entra com uma cultura de outro país, sul-americano também, que há pouco tempo atrás eles consideravam menos desenvolvido, e você tentar impor uma metodologia que já deu certo no Brasil, é difícil. Eles tem a personalidade diferente da gente. Algumas coisas parecidas, outras muito diferentes. (...) O sindicato é muito forte. Os sindicatos não concorrem a bônus porque volta e meia estão entrando em greve, param toda hora, exigem maior salário. Se você comparar, o analista lá ganha um terço do que ganha o maquinista. É uma loucura, uma disparidade total. Isso impede muito você inserir mudanças na cultura deles. É difícil você mudar o contexto dos caras. Então tudo isso faz com que você não consiga implementar tudo que você gostaria. A empresa é menor, gasta-se muito mais com pessoal, você acaba não conseguindo botar dinheiro do teu orçamento para melhorar processo.” (Entrevistado 4)

5.2.3.4 Empreendedorismo

As evidências sugerem que esse período foi marcado pelo fortalecimento de

características empreendedoras, através do desenvolvimento de mecanismos que

favoreciam o crescimento profissional de funcionários mais ambiciosos e versáteis a

partir dos níveis intermediários e inferiores da organização. Além disso, os níveis

mais altos da organização introduziram critérios para avaliar riscos e investimentos

que potencializassem o uso das fontes de recursos financeiros conquistadas. Fortes

movimentos de expansão por aquisições surgem, mas a maior parcela do

crescimento continua vindo da ampliação das cargas ferroviárias, com diversificação

na carteira de produtos.

O processo pelo qual se aumentou a oferta de serviços empreendedores na

organização se iniciava nos padrões utilizados para os processos seletivos. O

recrutamento tratava de trazer os jovens motivados pelas condições desafiadoras

baseando-se, entre outras coisas, no uso da imagem e dos discursos dos principais

líderes em palestras em universidades. Com o tempo, passaram a levar ex-alunos

de cada local para dar seu testemunho sobre a ALL. Essas palestras41 procuravam

vender a cultura ALL e suas vantagens para inspirar e deslumbrar os futuros

candidatos, seguindo os passos ensinados pelo caso Ambev, assim como havia sido

41 Um exemplo dessa palestra pode ser visto com mais detalhe no Anexo VI – Trechos de uma apresentação de Recrutamento.

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feito em diversas outras dimensões.

“Antes de serem treinados e aprimorados, futuros líderes precisam ser recrutados - e aí está um dos diferenciais mais consistentes da política de RH inaugurada na Brahma. (...) As palestras dos representantes das companhias são formais, muitas vezes chatas. (...) As de Marcel Telles, em nome da Brahma, da AmBev ou da InBev, são bem diferentes - e reverberam durante dias nos corredores da faculdade. Para começar, em vez de um diretor de RH, quem se apresenta é o presidente e um dos principais acionistas. Com o auditório abarrotado por estudantes sentados ou em pé, ocupando todos os espaços livres, o empresário chega sorridente, de calça e camisa jeans, senta-se sobre a mesa e dispara algo como: "E então, preparados para colocar o seu na reta? Porque é sobre isso que vim falar aqui. Procuramos pessoas dispostas a colocar na reta". Gargalhada geral. Marcel ganhou a plateia, que ouve atenta o desfiar de números que ele apresenta na seqüência, antes de explicar o sistema de remuneração variável. As fichas de cadastro são avidamente preenchidas e a empresa está garantida por mais um ano no topo da lista das companhias em que os estudantes gostariam de trabalhar.” (Alexandre Teixeira, Época Negócios – Abril de 2008)

No centro da discussão do desenvolvimento dos serviços empreendedores

esteve novamente, o “pacote GP”, com alta remuneração variável atrelada à

realização de metas individuais audaciosas desdobradas a partir do principal

executivo e os ditos efeitos sobre as pessoas e organização. Os executivos

incentivavam a busca de oportunidades e faziam questão de premiar aqueles que se

destacavam com atitudes empreendedoras. A Geodex, por exemplo, foi fruto do

projeto final desenvolvido por um grupo de trainees da turma de 1999. Esses

trainees foram promovidos para coordenar a criação e estruturação da empresa.

“Eu acho que assumir riscos assim, de uma maneira... que não tem muito medo do risco, porque se você começar a fazer avaliação, se você for fazer um projeto conservador, de avaliar os riscos que tem, tentar quantificar, você não entra. Você não entra por duas razões: primeiro porque os riscos que existem são tantos que você acaba se desencorajando e não vai fazer o negócio; e segundo que você demora tanto para fazer essa análise que quando viu outra pessoa já levou esse negócio e você acaba não pagando.” (Entrevistado 12)

“Se tinha uma oportunidade de negócio os caras botavam dinheiro e gente. Se aparecia uma oportunidade de negócio, diretor sentava e avaliava com a equipe. ‘Precisa mudar? Precisa. ’ O foco era capturar as oportunidades de negócio que estavam ali. Capturar o valor...” (Entrevistado 1)

Segundo relatos, o conjunto de práticas de remuneração e avaliação criava

um ambiente que propiciava a criatividade, trazendo à tona formas diferentes para

resolver os problemas que surgiam. Os funcionários precisavam encontrar essas

soluções porque somente através dessas inovações seriam capazes de alcançar

suas metas ao mesmo tempo em que recebiam um orçamento limitado.

“Orçamento é uma coisa assim, fora do comum. E isso que até ajuda a ter criatividade. A gente sempre diz o seguinte: o cara que vem aqui só para

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trabalhar, se ferra. O cara tem que vir com uma posição assim: ‘se eu não fizer as coisas diferentes, eu não vou atingir as metas e ainda vou estourar o orçamento’.” (Entrevistado 14)

Ainda era necessário investir um alto volume de capital na reforma,

renovação e melhoria dos ativos, acima da capacidade da própria empresa de gerar

caixa. Nessa época o sistema financeiro, brasileiro e global, sentia os efeitos da

crise financeira asiática e russa, também influenciado com a mudança do regime

cambial e ampla desvalorização do real de 1999. Isso não parece ter sido suficiente

para limitar o fluxo de recursos para investimento, possivelmente porque os

acionistas eram em grande parte internacionais e porque a alta do dólar propiciava

uma melhoria na situação financeira dos seus clientes exportadores.

Várias alternativas foram utilizadas para atrasar desembolsos de caixa. A

empresa entrou em acordos com o governo brasileiro e argentino para realizar o

pagamento de impostos e direitos de concessão em prazos mais longos. As

condições com fornecedores foram revistas. Por exemplo, as locomotivas adquiridas

no exterior eram financiadas em contratos de leasing, em sua grande parte com as

próprias empresas vendedoras sendo as fornecedoras do leasing. Uma marca

também presente no período foi o objetivo de aumentar sua capacidade de se

financiar através das operações. A opção por adquirir equipamentos usados permitiu

que a companhia dispusesse de mais capital mais cedo. Na prática, nesse momento

era mais vantajoso ter maior eficiência financeira e menor eficiência operacional.

Das ferrovias privatizadas, a ALL foi a única que não tinha em seu bloco de

controle um cliente cativo (apesar deles existirem em sua carteira). A negociação,

justificativa e autonomia para investimentos perante clientes eram então diferentes

daquelas existentes nas outras concessionárias, o que restringia esse público como

possível financiador. A ALL foi conseguir usufruir dessa fonte de financiamento,

bastante comum nos Estados Unidos e Europa, já no final dessa fase. Contratos de

longo prazo ofereciam a garantia de oferta de serviços e estabilidade de tarifas,

empresas de leasing reduziam os desembolsos de caixa e o serviço de projetos

logísticos aumentava a eficiência dos ativos adquiridos pelos clientes.

Enquanto outras ferrovias tiveram dificuldades nestas negociações entre os

sócios, a ALL pareceu não ter os mesmos problemas. Os executivos conseguiram

que os sócios aportassem mais capital além do investimento inicial (através de

aumentos do capital social, empréstimos de empresas coligadas e entrega de ativos)

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163

e as conseqüentes alterações de parcela de controle da empresa. A malha argentina

foi uma exceção, pois houve a necessidade de capitalização da empresa que foi

impedida pelo governo argentino, detentor de 16% das malhas. O GP conseguiu

manter uma posição de controle como um todo, apesar de não deter sozinho

percentual suficiente para tal. Isso ocorreu porque ele era representante de outros

acionistas e atribui essa credibilidade às suas operações de turnaround anteriores.

“No começo eram 5 acionistas, cada um com 20%. O GP acabou liderando devido ao seu histórico de sucesso, ao seu modelo de gestão.” (Entrevistado 24)

A empresa fortaleceu o uso do mercado de capitais para se financiar. Ao

invés de pagar as taxas de mercado dos bancos comerciais, a ALL passou a emitir

debêntures, eliminando o spread dos bancos e identificando por si só investidores

com interesse nos projetos de longo prazo. Seqüencialmente a ALL foi substituindo

os empréstimos de curto prazo dos bancos comerciais por debêntures com três,

cinco e, finalmente, sete anos de prazo para pagamento. Essas emissões ocorriam

em paralelo com a melhoria da situação operacional, que reduziam cada vez mais a

necessidade de capital de terceiros.

Todas essas soluções eram utilizadas de maneira consciente. Vários dos

principais executivos da empresa tinham histórico profissional em bancos: Alexandre

Behring, além de ser sócio da GP Investimentos, trabalhou no Goldman Sachs e no

Citibank; Sérgio Pedreiro, também sócio do GP, também trabalhara no Goldman

Sachs; Alceu Calciolari no Banco Real. No conselho de administração, havia

também representantes de bancos que eram sócios. Esse grupo trazia

relacionamentos profissionais anteriores que facilitavam o acesso aos mercados,

mas também experiência em como atuar nesse tipo de atividade.

No começo desse período são iniciados alguns projetos para aumentar a

diversificação da empresa e que se tornariam mais relevantes já no final da fase. A

área de projetos evolui para ser capaz de desenvolver estudos de organização de

novos fluxos e projetar novos vagões além dos projetos já existentes de extensão de

ramais. Essas atividades aumentavam a eficiência e a capacidade dos ativos

existentes, trazendo mais receitas sem investir em mais material rodante.

Nos primeiros anos após a privatização, as commodities, agrícolas e

líquidas, representavam mais de 90% do perfil de carga transportada, sendo 50%

relacionados com soja e derivados. Além do aumento do uso de cargas em

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164

contêineres, o desenvolvimento de projetos de novos vagões permitiu expandir as

possibilidades de produtos transportados, com destaque para os produtos

industrializados como bobinas de papel (altamente sensíveis), líquidos e gases

industriais (propriedades físico-químicas bem mais complexas do que as dos óleos

vegetais) e frangos congelados (dependentes de estrutura de acondicionamento

resfriado), aumentando a participação das cargas industrializadas.

“O setor de industrializados respondeu em 2004 - os números de 2005 ainda não estão disponíveis - por 47% dos negócios da empresa, contra 53% das cargas agrícolas. ‘Há cinco anos, esse mercado não representava mais do que 10%’, lembra Basílio.” (Gazeta Mercantil, 22/02/2006)

As expansões não diversificaram somente em relação ao tipo de carga, mas

também forneceram novos mercados, principalmente para transporte dos mesmos

produtos existentes no perfil inicial da Malha Sul, que no início atingiam somente os

estados do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. O contrato operacional

com a Ferroban forneceu acesso ao Porto de Santos e ao Estado de São Paulo,

contornando os transtornos existentes no tráfego mútuo e direito de passagem.

Já na Delara, o objetivo da aquisição não era somente apoiar a ponta

rodoviária do transporte ferroviário. Outra expectativa era prover a empresa da

capacidade de transporte rodoviário de cargas, que em muitos casos é mais

vantajoso do que o transporte ferroviário. Operações de transporte a curtas

distâncias e operações de “última milha” (distribuição urbana) só são possíveis por

transporte rodoviário, principalmente devido à flexibilidade e capilaridade necessária,

impossível de se realizar com ferrovias.

A participação na Ferropar também foi um movimento de expansão confuso

na história da empresa. A ferrovia, que depende da malha da ALL para transportar

sua produção até os portos, teve um quarto de suas ações adquiridas pela ALL

alguns meses após a sua privatização. Posteriormente, a concessão, envolvida em

problemas fiscais e tributários, foi devolvida ao estado, que repassou a

administração para o Governo do Paraná.

Houve investimento na criação de uma unidade rodoviária, para administrar

a contratação do serviço de terceiros no transporte das pontas e posteriormente na

compra da Delara, o que permitiu que a ALL compensasse algumas das vantagens

que transportadores rodoviários independentes tinham nos fluxos do seu interesse.

Foi criada a Geodex para desenvolver um negócio na área de tecnologia e

investiu-se no Mercado Eletrônico, mais um negócio “pontocom” do GP. As

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165

tecnologias desenvolvidas nacionalmente para apoiar a operação da ALL foram

“empacotadas” e incorporaram o conjunto de produtos e serviços vendidos pela ALL

Tecnologia.

Houve a incorporação de parte da Ferroban, privatizada tardiamente e houve

também a aquisição de 25% de participação na Ferropar, além da já citada malha

argentina. Ainda em atividades próximas à indústria ferroviária, depois de várias

tentativas de iniciar uma operação de produção de vagões, foi formada a Santa Fé

Vagões em parceria com uma empresa indiana. Foram feitos investimentos em

novos terminais portuários e intermodais com operações próprias de armazenagem,

carga e descarga, além de responsabilidades comerciais de atração de fluxos.

5.2.3.5 Navegação no Ambiente

As evidências sugerem que a organização encontrava-se pressionada a

adaptar-se rapidamente ao ambiente competitivo que recebia das mãos públicas. A

navegação no ambiente focou principalmente na capacidade da organização em

buscar práticas, processos e mecanismos de outras organizações e no

fortalecimento e qualificação da relação com clientes como forma de reduzir a

incerteza. Além disso, realizou aquisições como forma de evitar ou compensar

pressões competitivas.

Johnson (2007) sugere que dentro de certos limites, o processo de fundação

de uma organização engloba a ativação e recombinação de elementos a partir de

repertórios organizacionais. A autora se baseou em Stinchcombe (1965), o qual

sugeriu que as organizações diferem umas das outras não porque elas se adaptam

as condições ambientais, mas porque as organizações são criadas a partir de

recursos específicos disponíveis no contexto de fundação (Johnson, 2007).

O Grupo GP adota conscientemente um posicionamento no qual busca

copiar modelos existentes já testados e consagrados, como pode ser percebido na

descrição de outros casos42. Uma vez que seu objetivo como banco de investimento

é transformar o negócio o mais rápido possível e vendê-lo mais eficiente do que

quando comprou, boa parte do valor adquirido nessa venda pode ser construído a

partir da identificação desses gaps de técnicas e tecnologias.

42 Para mais detalhes ver Anexo IX – Histórico do Grupo GP Investimentos, que descreve essa intenção deliberada.

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166

“Uma das características mais marcantes da ‘cultura Garantia’ é sua sem-cerimônia em copiar bons exemplos. ‘A grande vantagem do Brasil é que você pode copiar o que está sendo desenvolvido em outro lugar e fazer aqui. Pode copiar tudo, não precisa ficar reinventando a roda’, disse uma vez Beto Sicupira. ‘O que nós fizemos a vida toda? Só copiamos. Não inventamos nada, nada. Ainda bem. Inventar coisas é um perigo danado’. Não por acaso, implementar (e não criar ou inovar) é a palavra preferida no circuito Garantia. ‘Vale muito mais uma lógica boa, uma execução boa, do que qualquer inovação brilhante’, disse Lemann, anos atrás. ‘Você tem de se preocupar com a inovação. Mas se tem alguém fazendo bem, melhor não gastar muito tempo procurando como fazer. Vai lá, olha e adapta da sua maneira.’” (Alexandre Teixeira, Época Negócios – Abril de 2008)

Segundo o site da empresa, o objetivo é “a busca de ganhos de capital

elevados através da aquisição de participações de controle, ou de investimentos

acionários com significativa influência na administração, em companhias que

mostrem um grande potencial de crescimento de seu valor de mercado.”

No caso da ALL não foi diferente. As escolhas feitas no início para a

formação do bloco de acionistas começaram a ser utilizadas, quando foram

exportadas práticas existentes na Railtex. A contratação de executivos da Vale e de

consultores inseria na empresa as práticas que estas pessoas conheciam do

mercado brasileiro. Behring, em seu processo de preparação para assumir a

presidência da empresa, trocou experiências com os executivos do GP

encarregados de administrar outras empresas pertencentes ao grupo como a Ambev

e a Lojas Americanas. O comportamento também foi identificado na área

operacional, buscando emular tecnologias desenvolvidas por outras empresas.

“Então eles tinham uma área de tecnologia que estudava os movimentos do mercado, mas acabava desenvolvimento com uma equipe de Curitiba, uma empresa de Curitiba, soluções tecnológicas equivalentes e muito mais baratas. Então eles fizeram 4 ou 5 maquininhas dessas enquanto eu estive lá., desenvolvidas por eles para fazer gestão. Sensor de trilho, sensor disso, daquilo. Para aplicarem naquelas máquinas antigas fazer uma gestão adequada.” (Entrevistado 1)

O monitoramento do ambiente também foi utilizado para atuar sobre as

pressões competitivas. Permitiu estabelecer condições de negociação mais

interessantes para a ALL durante a expansão das operações com os clientes em

carteira e os novos clientes. Por exemplo, sabendo o preço de frete exato praticado

pelo transporte rodoviário, a área comercial conseguia mais facilmente precificar os

serviços de maneira que mantivesse as margens mais altas e conquistasse a carga.

A atenção aos clientes não era somente no intuito de preservar para a

empresa o valor gerado pela vantagem competitiva do transporte ferroviário frente

ao rodoviário, praticamente a única fonte de competição na época. Visava também

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167

agregar maior valor ao serviço, ampliando o escopo das soluções de transporte

oferecidas a eles, incluindo a administração da ponta rodoviária, armazenagem de

carga e desenvolvimento de projetos técnicos de vagões e logísticos.

“Nossa estratégia para aumentarmos nos próximos anos nosso market share envolve o oferecimento de um serviço de transporte “porta-a-porta” completo para nossos clientes. Isto envolve (a) ampliação, mediante aquisições e alianças, do escopo de nossos serviços para possibilitar o oferecimento de uma solução completa para a logística de nossos clientes, incluindo transbordos e pontas rodoviárias e não se limitando ao transporte ferroviário; e (b) estabelecimento de contratos comerciais com nossos clientes atuais e potenciais visando a otimização do transporte e investimentos conjuntos com estes clientes para recuperação de trechos, construção de terminais e desvios e aquisição de vagões e locomotivas.” (Relatório de Informações Anuais à CVM da ALL, 1998)

Os contratos de longo prazo e a expansão para novas cargas foram

importantes para reduzir a incerteza nas condições de comercialização, que nos

tempos de estatal, impactavam na capacidade de negociação do preço dos fretes.

Eles garantiam o uso dos ativos.

“Aí já começaram os primeiros acordos, e a ferrovia, já começou a perceber que não era legal explorar o cliente na safra e depois aceitar qualquer coisa a qualquer preço. Era melhor fazer um preço médio o ano todo com o cliente que daí todos saiam ganhando. E na hora que fez esse acordo com o cliente começou a fazer acordo de longo prazo com os clientes.” (Entrevistado 14)

Contudo, nessa época as pressões institucionais ampliaram, principalmente

do ponto de vista regulatório. Preocupações e pressões por conformidade com

normas ambientais já surgem nesse período, mas ganhariam força na fase seguinte.

“De acordo com a superintendência, a ALL cometeu as seguintes infrações: retirar trilhos do trecho Presidente Prudente - Álvares Machado, e posteriormente promover recolocação de outros trilhos de qualidade inferior; (...) abandonar o referido trecho, deixando de manter pessoal técnico e administrativo, próprio ou de terceiros, em número suficiente para prestação de serviço adequado. A ANTT já havia multado a ALL em R$ 606 mil, no dia de 24 de abril, por desativação de trechos da malha sem autorização do poder concedente, manutenção inadequada de pátios e trechos da via e não-adoção de medidas para preservação do patrimônio.” (Clipping da Revista Ferroviária, 20/05/2003)

5.2.3.6 Gestão da Folga Organizacional

Com relação à folga organizacional, as evidências indicam que as

exigências e orientações dadas na fase anterior foram incorporadas ao dia a dia da

empresa. Os principais executivos priorizaram investir a folga trazida pelos novos

acionistas em atividades que gerassem mais folgas organizacionais. Apesar disso

também surgem algumas estruturas para gerar benefícios de longo prazo.

A preocupação dos executivos com a transformação em um negócio rentável

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168

ainda trazia reflexos para a administração das despesas. Enquanto a primeira fase

tratou de cortar grande parte dos excessos vindos da administração federal, nessa

fase o foco foi no ajuste fino desses desperdícios. O principal objetivo dos

investimentos era permitir a geração própria de caixa da empresa. No início os

investimentos em tecnologia objetivavam a substituição de pessoal. Com o tempo o

contingente estabilizou, mas volume e receita continuaram a subir. A produtividade

por funcionário e da malha cresceu sobremaneira com o aumento do volume

vendido e capacidade dos ativos.

Figura 5-14: Produção por empregado por unidade de negócio.

Fontes: Relatórios Anuais da ALL – 2001 a 2007; Relatório de Informações Anuais da ALL AS, ALL Brasil e Brasil Ferrovias para a Comissão de Valores Mobiliários – 1997 a 2000; Relatório Anual de Acompanhamento das Concessões Ferroviárias da ANTT – 2002 a 2006.

O aumento de volume sem expansão de malha se justificava pelo já

esperado aumento de produtividade, decorrente das competências gerenciais que

viriam com a iniciativa privada. O material rodante era subutilizado, mas a principal

fonte de ganho de produtividade foi a malha, que teve seu tamanho real reduzido

devido às desativações de trechos e que, mesmo assim passou a comportar um

volume duas vezes maior em 5 anos.

A melhoria das capacitações de coordenação do período permitia um melhor

2,203,58 4,20

5,135,94 5,89 6,52 6,06 6,50

7,15

2,10

2,211,84 2,23

2,682,70

2,762,830,34

0,30 0,550,40

0,44

3,79

0,00

2,00

4,00

6,00

8,00

10,00

12,00

14,00

16,00

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Malha Sul ALL Argentina ALL Intermodal Malha Norte

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169

uso dos ativos, aumentando a capacidade de carga reduzindo a necessidade de

investimento. A nova gestão buscava aproveitar as oportunidades de ganhos de

escala naturais do negócio ferroviário.

“Então não é grana, se quiser botar, pode botar, nós vamos crescer, quer crescer quanto ano que vem? 30? Pode botar 30% de KGF,vamos crescer, é linear, só que não é isso que a ALL quer. É produtividade. Entende? Aí é claro tem lugar que não é linear... você tem vários corredores de produtividade. Não são iguais. Você vai crescer mais aqui, você vai ter de botar mais KGF ali.” (Entrevistado 16)

Em outra linha de trabalho, a expansão da capacidade de carga era

ampliada com investimentos em manutenção e renovação de ativos, mas em geral

estavam associadas à venda de novas cargas.

“Porque se você bota muito ativo numa malha ferroviária, você trava ela. Porque os pátios têm certo tamanho. Já pensou você chega com quatro trens naquele pátio. Se você tiver linha suficiente você chega e distribui, se você não tiver ele fica fora e fica travando toda a malha. Então também tinha investimento da nossa parte de aumentar pátio, aumentar comprimento de pátio, para ter maior produtividade de comprimento de trem. Então todos esses estudos foram feitos, mas sempre raciocinando da seguinte forma: eu só vou fazer se tiver indicadores que me mostram que vou ter esse ganho. E depois eu vou mensurar para ver se foi aquilo.” (Entrevistado 14)

Após os primeiros investimentos na reforma de ativos, as oportunidades de

investimentos em soluções de longo prazo passaram a ser vistas com outros olhos.

Soluções de curto e longo prazo passaram a coexistir, principalmente depois que as

áreas de projetos logísticos e projeto de vagões foram criadas.

“Depois quando começou essa parte, aí veio uma outra pessoa, que também já era da Rede, ficou no meu lugar na manutenção, e eu comecei a trabalhar com essas adaptações de vagões. Eu fiquei mais livre assim. “Ah, está tendo muito problema de rasgo de saco de cimento lá da Votoran”. Aí eu ia lá na Votoran, olhava como era o sistema deles, tentava melhorar, até que foi dando as ideias de criar os vagões.” (Entrevistado 14)

5.2.4 Fase 4 – Pós-venda (2004 – 2008)

A Fase de Pós-venda representa o período onde a ALL buscaria alternativas

para o seu crescimento além dos benefícios já esperados pela mudança de controle

público para privado. Todos os recursos recebidos da concessão chegariam ao

limite de eficiência de uso e se iniciaria um processo de aquisição de novos ativos e

diversificação mais forte das atividades, tanto na ampliação da oferta de serviços

para novos produtos como na integração da cadeia. Esse período oferece desafios

de navegação no ambiente até então ocultos, como também traz à tona efeitos

negativos dos costumes adquiridos nos primeiros anos, principalmente para o

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170

aprovisionamento de recursos humanos.

Figura 5-15: Análise da Fase de Crescimento (2004 a 2008) da ALL.

5.2.4.1 Empreendedorismo

Esse foi o desafio que chama mais atenção no período. As evidências

sugerem que o uso extensivo e diversificado de expansões da fase anterior foi

motivado por principalmente por movimentos defensivos ou nulos, e apenas parte

deles realmente fortaleceram a posição competitiva da empresa. Os efeitos dos

valores infundidos na fase anterior são percebidos através da presença dos serviços

empreendedores. A empresa demonstrou ampla capacidade para financiar a

expansão e para identificar e aproveitar oportunidades de negócio.

Figura 5-16: Principais movimentos de expansão.

Os mecanismos foram utilizados de maneira ampla e constante ao longo do

tempo, como se pode ver na figura abaixo. Este é apresentado com os principais

movimentos de expansão, classificados quanto aos diferentes tipos de processos

sugeridos por Chandler.

2004-2008

Empreendedorismo

Crescimento e

Renovação

Navegação no

Ambiente

Gestão da

Complexidade Gestão da Folga Longevidade Saudável

Gestão da

Diversidade

Gestão da Integridade

Aprovisionamento de

Recursos Humanos

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

Privatização

Fepasa

Argentina

Multi-modalidade

Geodex

Delara

Projetos Logísticos

Portos

Projeto de vagões

Internalização de transações (integração vertical) Santa Fé

Expansão dentro dos mercados e produtos correntes ALL Tecnologia

Expansão para novos mercados e produtos (diversificação relacionada) Brasil Ferrovias

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171

Os investimentos foram feitos de diversas maneiras, incluindo parcerias,

aquisições, fusões e crescimento orgânico. Além disso, alguns movimentos de

expansão criavam um círculo vicioso de crescimento. Alguns exemplos: (1) a venda

de um novo fluxo de carga de escoamento cria a oportunidade da venda de um fluxo

de retorno; (2) o desenvolvimento de uma tecnologia de vagão ou projeto logístico

específico para determinado tipo de carga pode ser replicado para outros fluxos da

mesma indústria; (3) ao expandir a atuação para novas regiões ela absorvia não só

os fluxos de transporte da região, mas também os fluxos entre regiões, aumentando

a utilização de ambos os ativos.

“Faz parte de sua estratégia avaliar continuamente alternativas que permitam expandir a cobertura de sua malha ferroviária, aumentar eficiências, reduzir o capital empregado no negócio, monetizar os terrenos em sua área de concessão, criar sinergias operacionais ou aumentar o mercado potencial, por meio da expansão da presença geográfica ou de ofertas de serviços.” (Relatório Anual ALL, 2004)

Apesar de alguns movimentos da fase anterior sugerirem boa adequação ao

equilibrar criação de valor com proteção de negócios, a fase Pós-Venda demonstrou

que raramente a criação de valor se concretizou. A aquisição da Delara, por

exemplo, foi um movimento que, ao mesmo tempo em que aumentou o conjunto de

serviços e a carteira de clientes, protegeu a empresa da atuação de operadores

logísticos internacionais. Contudo, esse negócio, assim como outros, apresentaram

uma trajetória de retração, diferente da presenciada na da malha sul, como a Figura

5-17 demonstra.

Quando decidiu investir na produção de vagões o mercado e a indústria

nacional ferroviária demonstravam franco crescimento: o aumento da atividade

econômica tinha como conseqüência um aumento na demanda por transporte de

cargas; havia linhas de financiamento governamentais específicas para aquisição de

vagões; e players internacionais anunciavam o interesse em instalar operações no

Brasil. Havia vários aspectos que aumentavam a eficiência econômica da ALL, mas

o principal fator parece ter sido a proteção de suas margens. Esse investimento

garantia à ALL o fornecimento dos ativos necessários ao seu crescimento, evitando

assim que os poucos fornecedores existentes pressionassem suas margens.

“Podemos fazer isso sem contar necessariamente com nenhum parceiro. Fizemos um teste e comprovamos. Os componentes nós compramos no mercado interno e formatamos as caixas na nossa oficina. A única dificuldade são as partes fundidas para os truques. Estamos negociando com possíveis fornecedores na Índia e na China”, revela Paulo Basílio,

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172

gerente Financeiro e de Novos Negócios da ALL. (...) Basílio afirma que a ALL não pretende ser uma fabrica de vagões. “Começamos isso apenas porque percebemos que nosso crescimento estava esbarrando nas limitações da indústria nacional em produzir vagões e nos altos preços cobrados por quem era capaz de atender a esta demanda ”, explica. Ele acredita que a iniciativa deverá forçar uma redução nos preços de vagões no mercado nacional.” (Revista Ferroviária, 18/12/2003)

Figura 5-17: Evolução da Receita/PIB por Unidade de Negócio.

Já no investimento em terminais portuários, a empresa expandiu a oferta de

seus serviços incluindo a carga e descarga de portos, mas também reduziu o risco

associado à incerteza no fluxo de cargas. A saída dois anos depois da sociedade

com a Agrenco, após fechar um acordo que garantiria volume e investimentos,

demonstraria a real importância dada ao negócio portuário.

“A América Latina Logística (ALL), que opera a rede ferroviária da malha sul, já traçou o próximo passo no Brasil: vai entrar na operação portuária. Com o novo braço de negócios, a empresa, que em julho do ano passado entrou no ramo rodoviário com a compra da transportadora Delara, passa a integrar toda a cadeia de logística, da captação do produto e armazenagem até o embarque nos navios. 'O interesse nesse mercado veio da constatação de que uma ponta do negócio não ficava conosco. A descarga de vagões no porto era um grande gargalo. Até agora não enxergávamos além do terminal, que muitas vezes não comportava o volume de carga que chegava', diz Augusto Pires, diretor de logística da ALL-Delara.” (Gazeta Mercantil, 5 de março de 2002)

0,017%0,021% 0,023% 0,024%

0,030% 0,031%0,036% 0,034% 0,037%

0,042%0,037%

0,012% 0,009%

0,007% 0,008%

0,008%0,007%

0,007%

0,006%

0,005%0,008%

0,011%0,009%

0,007%0,006%

0,006%

0,005%

0,010%0,028%

0,005%

0,012%

0,000%

0,010%

0,020%

0,030%

0,040%

0,050%

0,060%

0,070%

0,080%

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Re

ceit

a L

íqu

ida

/ P

IB

Ano

Malha Sul Argentina ALL Intermodal Malha Norte Parcela anterior à aquisição

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173

A Geodex é outro exemplo de investimento onde o objetivo não era a criação

de valor ou a expansão do negócio, mas a maximização do uso dos ativos recebidos

da Rede. Seu objetivo era aproveitar o direito de faixa de domínio43, copiando as

primeiras ferrovias americanas com o telégrafo. Contudo, teria o mesmo destino do

investimento em terminais portuários: seria vendida alguns anos depois.

Ambos os negócios, tanto o portuário quanto o de telecomunicações,

posteriormente se tornaram negócios independentes, conduzidos por ex-

funcionários da ALL. Soma-se a esse conjunto a Standard Logística, outra empresa

administrada por um ex-executivo ALL, anteriormente responsável na ALL

justamente pela atividade que a nova empresa oferecia à ALL. Com a construção de

novos terminais intermodais ao longo da malha, a empresa dividia o investimento

com outras operadoras logísticas seguindo basicamente o mesmo modelo: a ALL

disponibilizava o terreno, os parceiros entram com a administração da operação e os

investimentos compartilhados.

“Segundo ele, a ALL tem como foco desenvolver parcerias com seus clientes. No caso deste terminal, a ALL entrou com o terreno e a empresa parceira fez toda a infra-estrutura, em 2002. O grupo Agrenco, por meio da Sogo, já era proprietário do restante do capital do terminal.” (Gazeta do Povo - PR, 22/12/2004)

“A América Latina Logística (ALL) espera quintuplicar a movimentação de contêineres na sua rede ferroviária em 2005, com o início das operações, em maio, em Cambé, no norte do Paraná, do seu terceiro terminal de interior especializado em cargas conteinerizadas - os outros dois estão localizados em Cascavel (PR) e em Esteio (RS). (...) A ALL adianta que tem planos de construir mais dois terminais de interior em locais ainda não definidos entre 2006 e 2007. A ALL projeta investimentos totais de R$ 9,5 milhões no projeto de Cambé. Somente no terminal serão investidos R$ 5 milhões, divididos com a Standard Logística, que vai ficar responsável pela operação do terminal de interior. Outros R$ 4,5 milhões serão utilizados para a adaptação de vagões. Há cerca de um mês a ALL colocou em operação outro terminal especializado em Esteio (RS), também fruto de uma parceria com a Standard.” (Gazeta Mercantil, 22/02/2006)

As evidências apresentam outros exemplos no período do excesso de foco

no retorno sobre investimento. Dos projetos que tiveram continuidade: a compra de

florestas de eucaliptos para reduzir o custo dos dormentes; o investimento em uma

fábrica de fertilizantes para aumentar o uso dos vagões, negócios totalmente

diferentes do transporte de cargas. Dos que não tiveram continuidade no portfólio de

negócios apresentados atualmente pela empresa: tentativa de aquisição da malha

43 Trata-se do direito de uso do terreno próximo à linha concedido pelo Estado.

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174

da Ferrocarril Belgrano na Argentina; terceirização de força motriz de locomotivas

para reduzir os custos de manutenção; administração de imóveis para utilizar os

ativos arrendados do governo; e o investimento em portais.

“A ALL (América Latina Logística) acaba de adquirir três florestas de eucalipto para abastecimento próprio de dormentes. O objetivo da ação é reduzir custos e garantir o produto, já que a escassez e os altos preços têm inflacionado as cotações do dormente no mercado. (...) A previsão é que a produção própria de dormentes gere uma economia de R$ 12 milhões em três anos. (...)” (REFLORE-MS, 03 de Julho de 2007)

“A América Latina Logística (ALL) anunciou que deverá investir R$ 15 milhões na construção de uma fábrica de fertilizantes em Paranaguá (PR). A administração da unidade ficará a cargo da Yara Brasil Fertilizantes, braço brasileiro da multinacional Yara, maior empresa de fertilizantes do mundo. (...) A intenção da ALL é melhorar o aproveitamento de seus vagões.” (Valor Econômico, 20/06/2006)

“Chegaram a criar uma empresa para fazer a gestão dos imóveis que eles adquiriram com a concessão. Porque eles tinham vários imóveis, às vezes em lugares de alto valor, centro de cidade e tudo mais. Eles tinham lá durante um tempo, a cidade cresceu, adquiriu um valor muito maior. Eles não tinham funcionalidade para a logística, mas tinha um valor comercial para o aluguel. Então montaram uma empresa para agregar valor sobre isso.” (Entrevistado 1)

A empresa demorou mais de cinco anos até conseguir tornar a Delara

lucrativa (Entrevistado # 13, 2008). Ano após ano ela divulgou em seus relatórios

que o desempenho negativo em termos de fluxo de caixa estava sendo sanado pela

substituição das operações não-rentáveis por novos contratos onde a empresa

mantinha vantagem frente a outros operadores devido às competências em logística.

Como conseqüência, a unidade teve a sua receita reduzida recorrentemente.

“O EBITDA dos serviços rodoviários cresceu 51,3% no 1T08, passando para R$4,8 milhões, enquanto a margem EBITDA aumentou para 14,3%. Essa melhora na rentabilidade reflete o processo de descontinuação de operações não-rentáveis e o estabelecimento de uma margem de retorno mínima para as novas operações iniciadas a partir de 2005.” (Relatório de Informações Anuais da ALL para a CVM, 2007)

As evidências sugerem que tais diversificações, mantiveram um grau

razoável de relacionamento com o negócio principal, mas que não constituíam de

fato uma nova linha de negócio que integrasse o conjunto logístico: eram atividades

que, quando relacionadas com o negócio principal, buscavam somente dar alguma

utilidade aos ativos ou reduzir custos.

Estiveram também fortemente influenciadas pela visão de que cada novo

negócio tivesse capacidade de gerar valor financeiro por si só. A ALL praticou nessa

época o que havia aprendido com o GP: investir em negócios potencialmente

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lucrativos, alocar os executivos envolvidos na formulação da ideia para administrar o

novo negócio e posteriormente vendê-lo gerando lucro sobre o capital empregado.

“Se fosse colocar uma coisa assim, uma característica de destaque desse período era como aqueles caras estavam abertos e atentos a oportunidades de negócios associadas ao negócio principal.” (Entrevistado 1)

A proposta inicial da ALL Tecnologia era criar uma área de desenvolvimento

de sistemas de computação e eletrônicos para suprir sua necessidade, tendo um

custo bem menor e uma solução mais apta à realidade da empresa. A empresa

buscou parcerias locais para desenvolver tais tecnologias, como a Daiken, Autotrack

e a Engesis. A ALL Tecnologia foi criada para vender no mercado nacional e

internacional tais sistemas. Seguindo a lógica de outras empresas criadas pelo

grupo, os serviços desenvolvidos por essas áreas passaram a ser contratados pela

ALL Brasil. Em seguida, a nova empresa podia ofertar seus serviços para outras

empresas. A ideia era trazer receita para uma atividade que era vista como despesa.

Contudo, não foram encontradas evidências de preocupações com os

reflexos na competição com o mercado nacional. Ou seja, se o sistema tinha tantas

características positivas, como custo reduzido e maior aderência às condições locais

do que as soluções existentes no mercado, vender o Translogic para outros

operadores nacionais seria vender uma vantagem competitiva que tais competidores

não conseguiram desenvolver. Mesmo considerando que as privatizações

separaram as concessionárias em monopólios naturais, há regiões onde mais de

uma empresa pode servir ao mercado, principalmente na nova fronteira agrícola e

na região mais industrializada do país. Ainda mais considerando o transporte

intermodal, com os caminhões expandindo o alcance das ferrovias.

Outras atividades fazem parte do dia-a-dia operacional de alguns gestores,

mas que demonstram certo distanciamento da atividade central. As sucatas geradas

pela depreciação dos ativos e os produtos perdidos em acidentes ou não entregues

dentro dos contratos de take-or-pay também foram fontes de receitas alternativas.

A compra da Brasil Ferrovias também representou retrocesso no processo

de diversificação relacionada de cargas. Apesar do aumento da malha ter sido de

em torno de 25%, a produção foi ampliada em quase 100% e as receitas em 75%.

Isso porque as cargas transportadas pela malha da BF percorrem distâncias bem

maiores em um traçado muito mais moderno do que no sul. Contudo, as

commodities agrícolas e líquidas voltaram a preencher uma parcela bastante

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significativa do volume e das receitas. Por outro lado, a aquisição deu acesso aos

estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo, permitindo a fácil

aplicação de seu conhecimento e tecnologias nessas novas regiões. Tais serviços já

existiam desde 2005, quando foi criada a ALL Centro-Oeste para fazer a ponta

rodoviária nessa região e trazer a carga para a sua malha, como resposta a uma

forte quebra de safra no Sul.

A aquisição da BF possivelmente está associada às dificuldades de se

manter as taxas de crescimento dos primeiros anos através de crescimento

orgânico. A construção de novas linhas é considerada de baixo retorno para a

iniciativa privada, principalmente devido às condições de mercado para

financiamento e às condições regulatórias. Por tal motivo, as concessionárias de

transporte de carga ferroviário dependem de investimentos governamentais em

obras de infra-estrutura de grande porte para expandir as suas malhas. Somente

dois anos depois da aquisição da Ferronorte e depois de muita negociação, foi

possível investir na construção dessas novas linhas. Empresários e políticos locais

pressionavam a ALL para que expandisse a ferrovia para o interior do estado, mas a

concessionária tinha restrições operacionais e de capital.

“O diretor da ALL, Paulo Basílio, afirmou ontem, na Federação das Indústrias no Estado de Mato Grosso (Fiemt), que antes de se iniciar as obras de expansão da Ferrovia Senador Vicente Vuolo é preciso criar condições para a ferrovia rodar com eficiência e produtividade. ‘Atualmente o maior gargalo é interno: falta de produtividade’. Segundo ele, a prioridade zero da operadora em 2006 e 2007 está voltada para organização e revitalização da malha ferroviária -- composta pela Ferronorte, Ferroban e Novoeste. Para isso, somente neste ano, para reestruturação, serão aplicados R$ 100 milhões. ‘Atualmente, não consigo escoar nem 40% da demanda em Alto Araguaia. Por mais que existam outras milhões de toneladas, que asseguram a viabilidade de novos investimentos, não posso transportá-las nas atuais condições’.” (Diário de Cuiabá – MT, 09/11/2006)

A diversificação de cargas da terceira fase gerou oportunidades para crescer

replicando as tecnologias desenvolvidas. Enquanto os projetos de vagões

ampliavam o escopo de atuação das cargas transportadas, os projetos logísticos

permitiam a reutilização dessas tecnologias para clientes com os mesmos produtos

dentro da malha da ALL. Por exemplo, o vagão frigorificado para a Sadia foi

redesenhado para atender a Avipal, Frango Sul e para a Seara. O transporte de

bobinas de aço da CSN pode ser replicado para outras usinas da CSN. O projeto de

transporte de cimentos pode ser utilizado para a Votorantim e para a Tupi.

Outra opção utilizada para ampliar o mercado de atuação nessa fase foi a

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criação de pátios intermodais ao longo da malha. Quando um cliente não possui um

ramal próprio para carregamento, ele depende do transporte da carga até um pátio

de carga da ferrovia. Porém, a distância de alguns clientes para esses terminais

pode tornar a somatória da ponta rodoviária com o frete ferroviário mais cara do que

o transporte rodoviário direto para o destino. Assim, ao criar pátios de carregamento

a ALL aumentou sua capilaridade, atraindo clientes com a redução de custos.

Esse período também é marcado pela ampliação do investimento na

aquisição de locomotivas e produção de vagões. Enquanto os primeiro e segundo

períodos pós-aquisição ficaram marcados pela restrição na quantidade de material

rodante disponível dada a capacidade de tráfego da malha, respondida

principalmente com a reforma da frota morta, essa fase é marcada pelo aumento da

capacidade da malha e do tamanho da frota. Com os investimentos em tecnologia

feitos, a malha passou a ter uma capacidade maior de tráfego, permitindo que mais

trens circulassem nela: novos trilhos permitiam trens mais pesados; tecnologias e

equipamentos melhores reduziam os acidentes, que não interrompiam mais o

tráfego; o controle mais rígido de acidentes também permitiu que a velocidade das

composições fosse aumentada.

“Até 2003, nossa expansão foi pautada principalmente por ganhos de produtividade, suportados por aplicação de metodologia de qualidade e investimentos em tecnologia, com adições apenas marginais de material rodante (locomotivas e vagões). A partir de 2004, para manter o ritmo de crescimento, passamos a comprar locomotivas adicionais a cada ano e, em 2005, começamos a adicionar vagões novos a nossa frota, todos disponibilizados por nossos clientes.” (Relatório Anual ALL, 2005)

O período também demonstra que o serviço empreendedor de levantamento

de financiamento esteve presente, elemento necessário para que os movimentos de

expansão tivessem ocorrido. As fontes de financiamento foram ampliando em

volume e diversidade com os anos. No início a principal fonte de financiamento era o

capital de terceiros através de empréstimos com bancos comerciais e bancos de

desenvolvimento. Com o amadurecimento do negócio e com a evolução do mercado

financeiro, foi possível modificar a estrutura de endividamento.

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Figura 5-18: Evolução da Dívida Líquida sobre EBITDA

Fonte: Relatório Anual ALL, 2006.

Cada vez que a companhia aumentava o lucro operacional em comparação

com a quantidade de capital de terceiros empregado no negócio, o mercado

financeiro entendia que a companhia havia melhorado a condição de solvência de

sua dívida. Por sua vez, essa melhora se refletia na classificação dos títulos da

dívida da ALL. Isso impactava na redução das taxas de juros cobradas pelos

investidores, no volume captado e no alongamento do prazo da dívida.

“A Standard & Poors Ratings Services (S&P) elevou hoje o rating de crédito corporativo para a América Latina Logística (ALL) de 'brBBB+' para 'brA-'. A perspectiva de rating para a companhia foi definida como estável. A elevação reflete, segundo a S&P, a expectativa de que a ALL manterá seus indicadores fortes no longo prazo, em virtude dos investimentos programados para aumento de capacidade, possibilitados pelo alongamento do perfil e redução do endividamento.” (Gazeta Mercantil, 25 de Julho de 2005)

Seguindo a lógica de maturação do investimento, a companhia buscou

utilizar as fontes de financiamento mais adequadas para cada tipo de investimento:

uma aquisição se paga em um prazo mais longo, sendo mais indicado, portanto

utilizar ações como moeda de pagamento; a aquisição de material rodante como

locomotivas ou investimento em armazéns, que se pagam em um prazo um pouco

menos longo, indica financiar-se através das emissões de debêntures ou linhas de

crédito de longo prazo; por fim, os empréstimos com bancos comerciais são

utilizados para apoiar a administração do caixa de curto prazo.

Outra fonte de financiamento ampliada foi através de clientes inicialmente

em projetos de infra-estrutura e posteriormente na aquisição de material rodante. A

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ALL acordava com seus clientes que, se eles fizessem alguns investimentos, como

construção de terminais e armazéns ou a compra de vagões, ela daria descontos

nas suas tarifas. O cliente ganhava obtendo uma tarifa ainda mais baixa do que

aquela praticada pelos outros modais e a ALL ganhava alavancando ainda mais sua

operação, ampliando a base de capital de terceiros e substituindo os bancos.

“Contratos de longo prazo asseguram volumes e investimentos de clientes em novos vagões. (...) O melhor exemplo é o contrato de 23 anos com a Bunge Alimentos (...). Ele representará um crescimento anual de 8% no volume de commodities agrícolas para os próximos seis anos (...) e deve suprir cerca de 65% das nossas necessidades de novos vagões nesse período [2009 e 2010].” (Relatório Anual da ALL, 2004, p. 6)

Apesar das indicações de que alguns dos negócios investidos pela empresa

não tenham se concretizado ou tido o destaque que teve o negócio principal, como o

término da sociedade na Terlogs, os resultados ainda baixos na ALL Argentina e a

venda da Geodex, as evidências sugerem que a cadeia de aprovação para tais

negócios não era tão ausente quanto poderia se julgar. Todas as principais

aquisições demonstram que a empresa já estava em processo de planejamento por

anos: tanto a compra da ALL Argentina, iniciada em 1997, quanto a da Delara,

iniciada em 1999, quanto da fábrica de vagões, iniciada em 2002, todas tiveram pelo

menos dois anos de negociações e experiências até a sua conclusão. No caso da

aquisição da Brasil Ferrovias, ocorrida em 2006, o processo de negociação começou

a partir das informações de que ela pediria falência no meio de 2005. Contudo, os

relatórios anuais e a estratégia de capitalização de 2004 demonstram que a

empresa se preparava muito antes para tal movimento.

Isso não evitou que parte das decisões tivessem possivelmente subavaliado

ou ignorado aspectos bastante relevantes que fizeram com que alguns desses

investimentos não gerassem o valor. Na Argentina, por exemplo, as dificuldades

regulatórias e de relacionamento com o poder público, além da crise financeira,

limitaram as estratégias que poderiam ser desenvolvidas. Houve também descuidos

com relação a aspectos legais como a troca de trilhos e o investimento em terminais

para transporte de soja transgênica nos portos paranaenses.

5.2.4.2 Navegação no Ambiente

Um volume maior de evidências nesse período sugere o aumento nas

pressões por conformidade. Surgem solicitações para que externalidades negativas

de sua operação sejam eliminadas, mas a empresa conseguiu administrar tais

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pressões institucionais de maneira positiva, utilizando estratégias diferentes em

situações diferentes, reduzindo a perda de legitimidade, autonomia ou eficiência

econômica provocada por tais pressões. Apesar de alguns casos terem ocorrido

possivelmente devido à falta de antecipação, as respostas dadas demonstraram

que, posteriormente aos fatos, a organização buscou desenvolver mecanismos para

evitar que tais problemas se repetissem.

Apesar do índice de acidentes relativo (contabilizados proporcionalmente à

produção) ter reduzido drasticamente, principalmente quando comparados com os

níveis de estatal, nessa fase se percebe por parte da sociedade uma preocupação

muito maior com os efeitos que cada acidente tem sobre a vida das pessoas e das

cidades. Ou seja, do ponto de vista sócio-ambiental a relevância está no impacto

causado por cada acidente e não da sua proporcionalidade com a produção.

Um possível fator que maximiza o impacto dos acidentes é o aumento da

participação das cargas perigosas na carteira da empresa e o aumento do volume

transportado por composição. Outra possível justificativa para a intensificação das

pressões institucionais é o aumento do controle por parte dos diversos atores

sociais: população, mídia e órgãos públicos. Pequenos descarrilamentos em pátios,

por exemplo, não exigia da RFFSA o registro em relatórios e estatísticas. Contudo,

com a legislação vigente, qualquer ocorrência fora do comum deve ser informada a

diversos órgãos, parte de um novo ambiente institucional.

Os acidentes passaram a ter conseqüências maiores sobre outros pontos de

vista do que sob a ótica anterior de melhoria da eficiência da malha. A partir da ótica

ambiental, o derramamento de produtos podia contaminar solo, lençóis e rios. Do

ponto de vista do patrimônio histórico, acidentes podiam destruir construções

centenárias e desativações de estações abriam espaço para vandalismo. Do ponto

de vista social, acidentes em passagens de nível interrompiam o uso de ruas e

estradas. Do ponto de vista humano, perdiam-se vidas devido aos acidentes de

trabalho e nas passagens de nível ou na invasão de linhas.

Um aspecto relevante é que, até então, não havia órgãos reguladores

específicos para a indústria: a Agência Nacional de Transporte Terrestre seria criada

em 2002, cinco anos depois das privatizações. A regulação ficava anteriormente

diluída entre diversas instituições que tinham outros fins: Ministério dos Transportes,

RFFSA, GEIPOT, Instituto Ambiental do Paraná, prefeituras, etc. Em 2004, por

exemplo, a regulamentação sobre transporte de cargas perigosas, que havia sido

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criada em 1990 para as condições de operação da RFFSA, seria redefinida pela

ANTT a partir de discussões com órgãos de fiscalização ambiental.

Antes de 2004, nem com a criação da ANTT havia mecanismos específicos

para punir as concessionárias. Seria nesse ano que a ANTT definiria o processo

administrativo para apuração de infrações e aplicação de penalidades em

decorrência de condutas que infrinjam a legislação de transportes terrestres e os

deveres estabelecidos nos editais de licitação, nos contratos de concessão, de

permissão e de arrendamento e em autorização. Assim ocorreu com outras

dimensões: procedimentos para obras ferroviárias, instruções para estruturas

contábeis, critérios e procedimentos para exploração de faixa de domínio.

Órgãos públicos, organizações civis e alguns clientes iniciaram uma série de

conflitos. Prefeituras fizeram campanhas contra a poluição sonora no período

noturno nas regiões urbanas; órgãos ambientais aplicaram multas por acidentes

ambientais, clientes entraram com reclamações junto à ANTT. A presença mais forte

da fiscalização a partir da constituição da ANTT levou à cobrança de vários aspectos

relativos aos itens acordados no contrato de concessão, mas que haviam sido

esquecidos ou ignorados até então. Possivelmente anteriormente, além da falta de

fiscalização, as reclamações se perdiam em instituições com outros fins e os

processos precisavam seguir todo o trâmite judiciário, o que dificultava a

implementação das políticas definidas pelo poder executivo.

Contudo, essas pressões e conflitos não resultaram sempre em grande

impactos negativos para a ALL. Em muitos dos conflitos a empresa conseguiu

ganhar as ações que foram impetradas em tribunais, pois muitas vezes o próprio

solicitante não cumpria com suas obrigações ou demonstrando que os efeitos sem a

operação da ALL seriam piores. Por exemplo, nos conflitos sobre poluição sonora

com a prefeitura de Curitiba, os trens eram obrigados a utilizar suas buzinas em

região urbana justamente para evitar que famílias que haviam invadido a faixa de

domínio da ferrovia causassem os acidentes que reclamavam sofrer. As pressões

da prefeitura esbarravam na capacidade da mesma em responder às invasões e na

própria autoridade que ela tinha para legislar sobre esse tema. Os trens eram

obrigados a utilizar suas buzinas dado o risco de acidentes.

Outra fonte de conflito com prefeituras eram os acidentes em passagens de

nível. A correta sinalização desses cruzamentos deveria ocorrer na via férrea, mas

também devia estar nas vias urbanas, responsabilidade das prefeituras. Um dos

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principais itens necessários a redução de acidentes desse tipo, era o uso de

cancelas para controlar o tráfego. Contudo, as cancelas que prefeituras pediam que

fossem instaladas pela ALL acabavam sendo depredadas por vândalos ou exigiam a

colocação de funcionários para controlá-la. Com o tempo, a ALL estruturou soluções

compartilhadas com as prefeituras. A ALL se responsabilizou pela organização de

campanhas de conscientização, as prefeituras envolviam seus profissionais nessas

campanhas e os investimentos necessários eram divididos entre as partes.

Os acidentes no transporte de cargas passaram a ter maior repercussão

também pelos seus efeitos ambientais. Desde o começo dessa fase começam a

surgir projetos na empresa para tratar antecipadamente uma série de possíveis

causas de problemas ambientais: estações de tratamento de esgoto foram

instaladas nas unidades onde havia lavagem de vagões e tanques de coleta de

chuva foram utilizados para reduzir o consumo de água. Contudo, tais investimentos

parecem não ter sido suficientes para evitar os efeitos ambientais de acidentes.

“A empresa América Latina Logística (ALL), concessionária da malha sul brasileira no transporte de cargas por linha férrea, recebeu multas por acidentes ambientais no valor de R$ 6 milhões durante os sete anos de operação no Paraná. Corrigidos, os valores devidos somam R$ 11,1 milhões. Somente neste ano, dois acidentes graves ainda sem valor estabelecido de multa foram registrados no Estado. (...) Segundo o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), desde o ano de 2000 o órgão estadual já lavrou 28 multas contra a ALL no valor total de R$ 12,5 milhões por acidentes ambientais. Desses processos, dez foram pagos e 18 ainda estão em andamento.” (Folha de Londrina, 12/12/2004)

“No último sábado, às 21h20, na região de Ponta Grossa, cinco vagões descarrilaram e cerca de 50 litros de óleo diesel foram derramados e absorvidos pelo solo. Segundo o Instituto Ambiental do Paraná (IAP), houve mínimo impacto ambiental e, desta vez, a empresa comunicou o acidente. “Além disso os procedimentos adotados para a retirada do solo com combustível foram ambientalmente corretos, portanto não houve autuação da empresa”, disse o fiscal do IAP, que acompanhou o procedimento, João Luiz Marques.” (Paraná Online, 02/03/2005)

Contudo, somente a partir de 2004 que as atividades sócio-ambientais

ganham mais velocidade. Possivelmente a organização estaria respondendo à

grande repercussão causada pelo acidente na ponte sobre o Rio São João no

começo de 2004, com grandes conseqüências para a natureza e para a ponte,

patrimônio histórico da região. Esse incidente levou a interdição de um trecho crucial

para o escoamento da produção agrícola do Paraná e, por ser uma ponte, não

permitia a construção rápida de contornos, o que estendeu o período de interdição.

A empresa foi obrigada a arcar com exigências como uso de materiais semelhantes

aos da época da construção da ponte (construída em 1889) e obter certificação

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ambiental de órgãos nacionais e estaduais para toda a malha.

“A ALL possui duas Estações de Tratamento de Efluente – até o final de 2005 serão cinco unidades – que reciclam toda a água utilizada na lavagem de vagões e locomotivas. Essa água é reaproveitada no próprio sistema, causando menor impacto possível no meio ambiente.” (Relatório Anual da ALL, 2004)

“Em 2005, a ALL Brasil conseguiu reduzir seu passivo ambiental em aproximadamente R$ 7.000, mediante a assinatura de Temo de Ajustamento de Conduta perante órgãos ambientais e adoção de todas as medidas necessárias para recuperação do meio ambiente. Para o ano de 2006, a ALL Brasil tem como objetivo assinar Termo de Ajustamento de Conduta perante os órgãos ambientais nos quais ainda existem autuações em discussão. É importante ressaltar que, para todas as autuações ambientais existentes, a ALL Brasil já adotou as medidas compensatórias necessárias para recuperação ambiental, seguindo, rigorosamente, os critérios estipulados pelos órgãos ambientais e legislação vigente.” (Relatório Anual da ALL, 2005)

A ocorrência deste acidente e da mudança na atitude perante ações de

preservação ambiental coincidiu com o ano em que a empresa abriu seu capital e

passou a ser acompanhada de perto por analistas de corretoras de valores. A

aderência ambiental e social se tornou fator relevante para avaliar os riscos da

organização.

“Essa era a estrutura. Mas naquele primeiro momento eu não via outra forma mesmo. Assim, eu não tinha experiência necessária também para reportar sozinha por uma área, e ela tava sendo estruturada, nova. (...) Tudo isso foi quebra de paradigma. Claro também que tinha uma necessidade, por quê? A ALL tinha acabado de abrir capital, e bem ou mal avaliam o aspecto social, ISE, Índice Bovespa.” (Entrevistado 10)

O período também foi marcado por esforços no aumento da legitimidade

perante diversos públicos, principalmente através de premiações. A empresa se

inscreveu no início da fase para participar dos processos de avaliação de duas

revistas especializadas em gestão, uma argentina e outra brasileira, sobre as

melhores empresas para se trabalhar, tendo sido uma das eleitas. A empresa

também desponta em diversas premiações do setor, patrocinadas por organizações

do setor logístico e ferroviário. Por fim, desde sua abertura de capital, a empresa é

premiada devido à qualidade na prestação de informações aos seus investidores.

Algumas metas anuais estão relacionadas ao recebimento desses prêmios.

Foi também a partir desse momento que ações de cunho social também

passaram a fazer parte da agenda de trabalho da organização. A interação com a

população próxima às linhas e nas cidades nas quais atuava foi ampliada. Entre

2005 e 2006 foram criados vários programas: oficina de talentos; trem ambiental;

amigos da comunidade; vagão do conhecimento; oficina da terceira idade. Esse

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processo culminaria com a criação em 2008 do Instituto ALL, uma organização

patrocinada pela empresa, responsável por concentrar os esforços de

responsabilidade sócio-ambiental.

“Em 2005, reestruturamos o setor responsável pela responsabilidade corporativa, que ganhou um novo enfoque, orçamento próprio e pessoal dedicado a desenvolver ações e projetos específicos. A ALL é associada ao Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, organização não-governamental criada para mobilizar, sensibilizar e ajudar empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável, e tem participado ativamente de suas atividades.” (Relatório Anual da ALL, 2005)

A empresa já relata a existência de campanhas de conscientização da

população desde os primeiros anos. Contudo, com a redução de outros fatores

como causas de acidentes, a importância dada à comunicação e divulgação para a

população foi aumentando. Já há alguns anos, existem estruturas, metas e

responsáveis, desdobrados para todas as unidades de produção, focados

principalmente no tratamento a passagens de níveis críticas (aquelas com maior

volume de tráfego ou probabilidade de acidente).

A aquisição da Brasil Ferrovias foi um capítulo à parte dos desafios de

relacionamento da organização. Primeiramente, o processo de negociação da

compra envolveu a disputa com outros grupos interessados. Em segundo lugar,

após a aquisição, a pressão veio de funcionários: a região de São Paulo tinha uma

influência muito mais forte de sindicatos em várias esferas da sociedade. Por fim,

produtores de soja do interior do país e políticos da mesma região, pressionaram a

empresa para que se responsabilizasse por todo o investimento necessário para

ampliar a ferrovia até Goiânia.

A presença de sindicatos influenciava a cultura da empresa antes da

aquisição e tornou difícil implementar o “modelo GP”. Os mecanismos de pressão

por resultados que acarretava a renovação da força de trabalho, instituídos nos

primeiros anos da Malha Sul, ficava bastante limitado.

“Mas em compensação, mão-de-obra, muito complicado, em São Paulo. Aqui a gente conseguia encontrar ex-ferroviário que entendia de vagão, e que abriam suas próprias empresas e trabalham por empreitada, por vagão que compra. Então o pessoal vinha com vontade de trabalhar, dono do seu próprio nariz e sabendo o que tava fazendo. Lá não, lá você encontra gente que quer ganhar bastante, não conhece o assunto e ainda tem sindicato envolvido. É um negócio assim, bastante estranho para o nosso comportamento. (...) você pega Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, todo mundo doido, quer fazer. E lá não, então isso foi chato.” (Entrevistado 14)

Os sindicatos, em conjunto com mídia e poder público, identificaram e

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passaram a exigir atendimento completo a todas as normas de concessão em todos

os trechos. Grande parte das estratégias adotadas na Malha Sul para reduzir custos,

como a instalação de computadores de bordo para reduzir a quantidade de

funcionários e estações e a desativação de ramais antieconômicos, se tornaram

longos processos judiciais. Apesar de ter ocorrido problemas legais na Malha Sul,

eles foram bem menores do que os existentes na Brasil Ferrovias. Houve forte

enfrentamento e troca de acusações entre ALL e sindicatos.

“O sistema de mono-condução, ou seja, um só maquinista, continua proibido na malha da ferrovia Novoeste. O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 15.ª Região rejeitou o mandato de segurança impetrado pela América Latina Logística do Brasil (ALL), que opera a malha da Novoeste. A empresa recorreu da liminar obtida pelo Sindicato de Trabalhadores em Empresas Ferroviárias de Bauru, Mato Grosso do Sul, que veta a prática.” (Jornal da Cidade de Bauru – SP, 19/03/2007)

Contudo, mesmo com essas pressões a empresa pareceu conseguir

alcançar seus objetivos: a mão-de-obra foi drasticamente reduzida, restando apenas

poucos processos judiciais; as tecnologias de operação foram implementadas e os

indicadores de desempenho como volume, transit time e número de acidentes

também foram amplamente melhorados.

Além das pressões dos sindicatos, a aquisição também trouxe preocupações

por parte de clientes, concorrentes e dos órgãos de controle da concorrência. Em

sua decisão sobre a autorização da fusão, o CADE determinou uma série de

condições para que a aquisição pudesse ser concluída, dado o poder de

concentração que a empresa passaria a deter. Algumas são destacadas a seguir:

“2. Para garantir o tratamento isonômico, as requerentes devem dar publicidade, pela internet ou por outro meio de fácil acesso aos seus usuários, aos preços praticados para a operações acessórias à prestação do serviço ferroviário, ainda que estas operações não tenham seus preços regulados, conforme o estabelecido no §2° da Clausula Sétima do Contrato de Concessão da União com a concessionário Ferrovias Bandeirantes SA (FERROBAN), de 30 de dezembro de 1998.” (Parecer nº 06510/2006/RJ da Secretaria de Acompanhamento Econômico)

“4. As requerentes devem dar publicidade, pela internet ou por outro meio de fácil acesso aos seus usuários, à política de descontos praticada na atividade ferroviária, com detalhamento dos critérios adotados para a composição dos descontos aplicados; chamado mercado spot, e no caso do chamado mercado contratualizado ate o limite da não revelação de segredos de negócio dos usuários.” (Parecer nº 06510/2006/RJ da Secretaria de Acompanhamento Econômico)

A pressão política também veio dos representantes do estado de Mato

Grosso. Os grupos econômicos e políticos da região tinham grande interesse que a

nova concessionária fosse capaz de investir na expansão da linha férrea até Cuiabá.

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Contudo, a empresa possuía outros objetivos e prioridades de investimento o que

levou a uma longa seqüência de embates políticos e divulgação em mídia. As

evidências sugerem que ALL conseguiu manter condições favoráveis para essas

negociações. Além de ter postergado o início do projeto para uma época onde a

reestruturação operacional da malha existente já estivesse muito mais avançada e

evitasse a sobrecarga do sistema, ela também conseguiu que o projeto fosse

financiado por terceiros e manteve-se concentrada em sua atividade central.

Sob a ótica das pressões competitivas, a ALL fortaleceu sua relação com

grandes clientes, elevando a carga transportada e os investimentos compartilhados.

Mas relatórios de análise da qualidade do atendimento da empresa, feitos pela

ANTT e CNT, demonstram certa insatisfação. Essa indicação de baixo desempenho

na relação com clientes pode ser decorrente do fato da ALL manter uma carteira de

clientes mais ampla e de uma possível priorização do atendimento para cargas de

maior impacto na receita, geradas por grandes clientes.

A ALL demonstrou também preocupação e capacidade de manter suas

margens frente às pressões competitivas da indústria. Para lidar com clientes, foram

estruturadas novas áreas na empresa para monitorarem as condições de mercado

disponíveis aos clientes.

“e a inteligência de mercado passou a ter um papel muito forte de apontar oportunidades de negócios para a Companhia que vinham para prospecção da área de projetos logísticos. (...) inteligência de mercado também era área responsável por acompanhar toda questão do share da Companhia, principalmente share em portos, a gente acompanha muito de perto o share.” (Entrevistado 17)

Os novos negócios desenvolvidos no final da fase anterior reduziram a

dependência de fornecedores de serviços e produtos, como a criação da Santa Fé e

em empresas de terminais de carga e descarga, posteriormente administrados por

ex-funcionários. Mantendo o fornecimento de serviços diluído por um número maior

de fornecedores, a empresa evitava que fosse pressionada por uma possível

concentração de mercado desses players.

“Pelas características de sua operação, a ALL optou por trabalhar com pequenas e microempresas, muitas delas formadas por ex-funcionários da antiga Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA). Seus fornecedores são divididos em empresas pequenas (80%), médias (19%) e grandes (1%).” (Relatório Anual da ALL, 2004)

A Delara foi uma solução não só para contornar às pressões de preço dos

fornecedores de transporte rodoviário, mas também uma forma de se preparar para

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os efeitos da entrada de operadores logísticos com operações globais.

“Se a Delara Transporte e Logística ia muito bem, por que vendê-la à ALL? O caminho seria associar-se ao empreendimento de gigantes que ganhara concorrência para explorar os serviços da antiga Rede Ferroviária ou enfrentar uma relação até difícil com megaoperadores da logística mundial, como a Ryder (fatura US$ 10 bilhões/ano), a AXEL, a CAT (dos franceses da Renault) a Pensky Logística (fatura US$ 6 bilhões/ano). Essas estavam a partir de 1999 “descobrindo” o Brasil, chegando com know-how sólido, de economias consolidadas, e clientes internacionais também. Vinham a todo vapor.” (Haygert, 2004)

Novamente, a empresa demonstrou grande capacidade de monitoramento

do ambiente identificando soluções praticadas por outras organizações e

incorporando. Alguns dos projetos sociais e ambientais implementados na empresa

eram bastante semelhantes aos já praticados pelas outras concessionárias. Além

disso, algumas soluções operacionais implementadas no período também podem

ser identificadas em outros operadores logísticos ou ferroviários no mundo.

“A gente troca muito mais com ferrovias de fora do Brasil. De pesquisar, olhar, em revista de matéria. É aquele famoso e bom Google, bota ali e lê alguma coisa. (...) A gente também troca muito com o cliente. ‘O que você acha de fazer desse jeito?’ ” (Entrevistado 11)

5.2.4.3 Aprovisionamento de Recursos Humanos

As evidências sugerem que o processo adotado na Fase de Crescimento

para suprir a necessidade iminente de recursos humanos ao mesmo tempo em que

implementavam o modelo de gestão GP foi relevante para disponibilizar o nível

adequado de qualificação necessário à Fase de Crescimento. Contudo, o efeito

conjunto desse processo com a prática constante de eliminação de desperdícios,

adquirida na Fase de Reestruturação, criou dificuldades para que a organização

fosse capaz de equilibrar oferta e demanda de oportunidades de crescimento e

recursos gerenciais. Os processos desenvolvidos para a gestão desse desafio na

fase anterior sofrem modificações incrementais, possivelmente com o intuito de

responder ao desequilíbrio, mas ainda não foram suficientes para reverter o quadro.

Seria em 2001 a primeira vez após a aquisição que a Malha Sul finalmente

terminaria um ano acabando com a tendência de redução de funcionários,

estabilizando-se num patamar de 2200 funcionários, evoluindo até aproximadamente

2500 no final do período. Contudo, até 2006 esse número não passaria de 3000.

A holding veria uma variação maior no número de funcionários devido às

aquisições realizadas no período, mais profundamente com a Delara e Brasil

Ferrovias. Cada uma traria entre 1000 e 1500 funcionários para o quadro, mas a

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maioria em atividades de operação: caminhoneiros, maquinistas, operadores de

terminais, administrativo de unidades de produção.

“Do operacional teve muita gente. Muita gente foi demitida, mas ficou a maior parte. Ficou aí com 1500 funcionários dos 4500 que tinha. Isso aí é quase tudo operacional.” (Entrevistado 21)

“Na ALL não, na parte de operação continua existindo naturalmente, mas tudo que é administrativo some, nem para dizer que é incorporado, porque as pessoas não passam a fazer parte.” (Entrevistado 12)

A visão do todo não traduz a perspectiva do ponto de vista mais próximo à

operação. Se por um lado as aquisições representavam crescimento no quadro de

funcionários da ALL Holding com novas oportunidades, por outro elas

representavam o downsizing para as empresas adquiridas. Com a aquisição,

funcionários administrativos foram demitidos, mas surgiram novas posições para

coordenação, como as unidades de produção na malha norte e uma

superintendência para cada malha. Essas novas posições eram na grande maioria

das vezes ocupadas por funcionários da Malha Sul, que já estavam alinhados com a

cultura e, além das metas de produção, também tinham o objetivo de transmitir a

cultura para os funcionários incorporados.

“E daí a gente mistura um pouco do nosso time. Tira umas pessoas de baixo e coloca pra cima, tira umas pessoas de cima e coloca pra baixo. Até pra você misturar as culturas e de certa forma poder “infectar” a nossa cultura pra lá. Aqui dentro, você vê, ta na parede a meta, todo mundo respira a meta, cada um sabe o que tem que fazer, sabe o que tem que atingir. É muito focado no resultado.” (Entrevistado 21)

Depois de alguns poucos anos, se tornavam raros os profissionais

incorporados com a aquisição. Mesmo aqueles que sobreviviam aos primeiros

cortes, com o tempo acabavam não se adequando à cultura.

“[Ainda tem] poucas pessoas [da Delara], mas tem. Na verdade o maior acionista na ALL individual é o Wilson, que é presente do conselho, e da operação de Delara tem, não tem muitas pessoas, mas tem. (...) Hoje tem até pessoas que vieram de Delara e que estão no Ferro. Na verdade tem, tem uma pessoa que era do administrativo, tem dois que estou lembrando aqui, tem dois estagiários, que eram estagiários da Delara e que hoje estão na operação ferroviária, eram estagiários, não eram efetivos, mas hoje estão no ferro.” (Entrevistado 16)

“Hoje nós temos aqui na sede, pessoas que vieram da malha norte, tem uma pessoa que veio da Ferroban, da Ferronorte, mas eles são muita exceção, são bem poucos e só vieram porque a ALL sem eles não ia conseguir, porque a gente não conhecia todos os detalhes. Até hoje a gente não conhece toda a operação da parte fiscal, procedimentos tributários.” (Entrevistado 12)

Segundo relatos, a aquisição da Brasil Ferrovias teve como principal aspecto

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negativo a falta de recursos humanos. A movimentação de profissionais para a

administração da nova malha, além de ter sido insuficiente para atingir as metas

estabelecidas para lá, provocou dificuldades na gestão da malha sul.

“Exige uma formação muito longa, então assim, às vezes chegava lá e tinha um determinado problema, você precisava de um especialista que resolvesse aquilo, um cara que conhecesse profundamente aquilo, lá não tinha, ou tinha, mas não com a nossa cultura, que não ia resolver da forma que a gente queria que fosse resolvido. Então a gente teve que tirar esse cara daqui e botar para lá, só que ai esse cobertor é curto, tira o cara daqui e bota lá, e aqui, como fica? Por isso que eu falo, essa estrutura a gente viu, a gente não tinha os “segundos”. Uma companhia desse tamanho...” (Entrevistado 17)

“Hoje na Companhia, com um evento da Brasil Ferrovias, vou te dizer que 90% das áreas não tem essa pessoa. Porque o segundo já foi promovido. Esse é o maior problema que a Companhia vive hoje. Não tem gente pra botar. Então a Companhia tem que fazer coisas que ela é contra, é buscar gente fora no mercado.” (Entrevistado 17)

A compra foi apenas um estopim que deflagrou a necessidade latente de

recursos humanos. Existem relatos sobre essa contínua falta de recursos, gerenciais

ou não, antes e depois da aquisição.

“Não tem essa, é gente cara. Você está com a equipe ruim, porque você é sempre short de equipe, sempre... Então não adianta, você vai ter menos gente do que você precisa. Então você vai trabalhar com gente boa” (Entrevistado 16)

“A ALL é uma empresa enxuta. As pessoas trabalham por cinco, fazem mil coisas não relacionadas e relacionadas a todo o momento.” (Entrevistado 21)

“Quando entrei era para uma vaga na área de fluxo de caixa, mas acabou indo para a tesouraria. O cara que coordenava a tesouraria saiu e é uma área que não pode ficar sem coordenador. Então por isso me convidaram e eu aceitei.” (Entrevistado 19)

“Faltou, faltou um gerente. Fiquei um mês, dois meses, com gerente. Gerente pediu demissão, fiquei cinco meses sem gerente. Depois entrou um gerente provisório, que tocava outra coisa, que me olhava de vez em quando. E depois o diretor dava uma olhadinha, e no final do ano entrou o gerente. Po, passei aí uns oito meses que nem cego em tiroteio.” (Entrevistado 4)

As evidências sugerem que, devido ao baixo investimento na construção de

folga organizacional de recursos humanos, a organização apresentou baixa

capacidade de aprovisionamento de recursos humanos. Por outro lado, o impacto

parece só ter sido sentido nos níveis intermediários da organização, pois o núcleo

mais estratégico (diretoria e conselho) parece ter permanecido sempre protegido.

Isso sugere uma administração bastante limitada da retenção de funcionários,

focada nos recursos mais críticos.

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“Por que o Alexandre é membro do conselho de administração, então ele continua tendo uma participação bacana na ALL. Mas esse afastamento dele, no momento que ele saiu o Bernardo já era uma figura importante ali na diretoria. Todo mundo no mercado sabia que o Bernardo ia suceder o Alexandre. Então parece ter sido uma coisa muito natural, não houve um sentimento de descontinuidade, de ruptura de nada. Talvez, não sei exatamente o que a diretoria fez, como foi essa deliberação, a resolução para ele “olha Bernardo vai sair, vai cuidar de outra coisa, vamos focar em outra pessoa, vamos precisar treiná-lo, trocar de presidência e tal”, mas com certeza foi uma coisa pensada, estudada para que acontecesse uma transição suave como aconteceu, praticamente imperceptível.” (Entrevistado 12)

Algumas práticas sugerem a preocupação com a formação e preparação de

recursos qualificados para substituição de outros mais antigos. Mas parece que

somente os cargos muito críticos têm esses recursos disponíveis. Possivelmente

devido ao fato de que a rotatividade e quantidade de diretores é menor do que a de

gerentes. Assim, é mais fácil para a organização manter um estoque de futuros

diretores do que de futuros gerentes. À medida que a cadeia de comando vai

descendo esses fatores se ampliam: rotatividade e quantidade em níveis inferiores

maiores do que dos níveis acima.

“Excetuando a diretoria, todos os outros níveis sempre pode ter uma descontinuidade, em qualquer nível. Seja de gerente, de supervisor ou de superintendente eu não consigo ver transições suaves assim não. Parece que essa mentalidade de preparar um sucessor não existe para baixo, essa é minha percepção.” (Entrevistado 12)

As evidências apontam para a estratégia deliberada de preparar, pelo menos

o executivo principal, para assumir sua posição sendo o principal responsável pelas

operações mais relevantes para a companhia. Behring assumiu a presidência após

ter sido o responsável pela avaliação da compra do negócio e ter trabalhado por

alguns anos no conselho. Já Hees, foi o responsável pela criação da área de

transporte de industrializados e pela integração da ALL e da Delara, além de grande

parte da estratégia de emissão de debêntures da segunda fase ter sido feita durante

a sua gestão como diretor financeiro. Mais recentemente, o diretor Paulo Basílio foi o

responsável pela abertura de capital e pela integração com a Brasil Ferrovias.

“O IPO que foi em 2004. (...) Envolve muitas pessoas dentro do Brasil e fora, envolveu muitos escritórios de advocacia, envolve governo, envolve bancos. Na época quem estava à frente desse projeto era o Paulo Basílio, que hoje é um dos diretores e o nível de complexidade ali foi monstruoso.” (Entrevistado 12)

“No comando do time responsável pela mudança está o capixaba Paulo Basilio. Economista, Basilio entrou na ALL, em 2000, como analista. Passou pelas áreas financeira e de planejamento até assumir a diretoria comercial, em julho de 2005. Aos 31 anos de idade, ele é considerado um dos melhores talentos da companhia (internamente, é cotado como um dos

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possíveis sucessores de Hees).” (Exame, 08/11/2006)

Também existem casos de média gerência que exibem os mesmos

elementos: treinamento on-the-job, deslocamento horizontal variado e também

deslocamento vertical.

“Então, em 5 anos na companhia eu passei por estagiária, analista, coordenadora e agora sou gerente. Em 5 anos passei por 7 áreas. Isso é um negócio bem legal da ALL. A gente cresce muito, tem um monte de oportunidade aqui dentro. Eu rodei um monte de área.” (Entrevistado 9)

“Assim, o primeiro ano, só tomei pancada porque, pô, o cara entra, não sabe nada. O cara fala: “Vou te dar um treinamento de um mês e não sei o quê”. Que nada... Foram dois dias ali na Sede. Bicho, me mandaram pra Maringá. Se vira. Se vira e aí, depois com o tempo, você começa a pegar as manhas já.” (Entrevistado 7)

Outra explicação vem da ampliação dos efeitos das desvantagens dos

métodos de retenção desenvolvidos na fase anterior. Esses métodos, baseados

principalmente na remuneração variável atrelada a metas e na classificação forçada,

começaram a falhar em algumas dimensões. O sistema de metas começa a não ser

capaz de mensurar claramente certos objetivos relevantes. Por outro lado, a

classificação forçada se mostra mais propícia a certas áreas e níveis hierárquicos.

“Cara, meta na ALL, o problema foi esse: eu entrei em Dezembro. Em Janeiro foram definidas as metas. Pô, nego chegava em você falava: a tua meta é fazer seis milhões de toneladas, ano que vem. Você não tem ideia. A gente não tinha noção de que é isso. A única coisa que você sabia era o que era tonelada. O resto... Que senão eu falo assim: ‘Aí você baixa a meta em Janeiro, quando se define’.” (Entrevistado 6)

“Não participo de metas, mas as metas eu nunca as tive, não vou dizer que nunca as tive, durante algum tempo que eu era empregado da ALL tinha as metas do jurídico, algumas coisas que eram cobradas pra mim, mas como o meu enfoque sempre foi societário e projetos ou faz muito tempo que é isso, é uma coisa que é muito difícil dimensionar, não dá para dizer, por exemplo, ‘adquirir três empresas no ano de 2008’ ou ‘Incorporar uma nova empresa no primeiro semestre’. Não existe como quantificar. Ou ‘lançar debêntures no ano de 2009’. Não existe isso.” (Entrevistado 12)

“Fazem um proporcional. Eles pegam a meta de um cargo e de outro cargo. Tem uma certa proporção de cada cargo de quanto tempo o cara ficou. Então por exemplo, 40% vale do primeiro cargo que ele ficou. Ele ficou 40% do ano em um cargo e 60% em outro. O que as vezes é meio injusto, na minha opinião. Porque às vezes você tem um alto volume de trabalho no final do período e aí não conta para a meta dele. Deixa o cara quebrado.” (Entrevistado 5)

Esses problemas afetavam diretamente um ponto fundamental do modelo de

seleção natural: a credibilidade. Somava-se a necessidade de manter pessoas

“abaixo” da meta por não ser possível contratar substitutos, como no caso da

compra da Brasil Ferrovias.

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“Os caras muito bons, e ele conhece muito do negócio que a gente ta precisando de gente, o pessoal acaba contratando ele. Porque agora a gente tem uma diretriz de evitar contratar como PJ porque todo mundo quer ser contratado como PJ. Todo mundo quer pedir demissão para virar PJ. O pessoal prefere ganhar mais, prefere trabalhar como PJ. Eu acho que é porque eles estão desacreditados. Quem é nosso público alvo? Compete o pessoal da TI, da TO, Suprimentos e PCP. Todo mundo da diretoria. Suprimentos tem 15 dias para fazer uma requisição de compras. Então o pessoal fica meio desmotivado. Os critérios são diferentes. Porque são gerências diferentes, são áreas diferentes. Não faz sentido nenhum comparar o desempenho de suprimentos com o de TI. ” (Entrevistado 5)

“A parte do muito trabalho e desafio foi alcançada. A remuneração não se concretizou. Primeiro porque fui trainee, depois porque a ALL não ‘bateu a meta’. Terceiro ano falei: não vou ficar aqui para ver qual vai ser a desculpa ou não desse ano.” (Entrevistado 4)

A falta de capacidade de reter talentos, a falta de foco em reter o

conhecimento e os limitados investimentos em folga organizacional de recursos

humanos não parecem colocar em risco à sobrevivência da organização, mas

certamente têm sido fatores cruciais para limitar a capacidade de crescer de maneira

saudável da firma.

“Foi ter entrado na área comercial, problemático que era a Argentina, com gerente longe, sem nunca ter gerido uma unidade e com desafio de ter que ‘bater meta’. Isso realmente é muito desafiador. A falta do gerente por um lado é boa porque você tem contato direto com o diretor, mas por outro lado é ruim porque você não sabe quais são os próximos passos, você toma as decisões da tua cabeça. Você não tem conhecimento profundo do negócio. Você está caminhando no que tu acha certo e às vezes não é o melhor caminho.” (Entrevistado 4)

Outra possível fonte de perda de recursos gerenciais estava em um dos

mecanismos utilizados para o crescimento. A estratégia de spin-offs, criando

empresas satélites dirigidas por ex-funcionários, consumia gerentes e diretores

potenciais para a empresa. Os exemplos que surgiram nas evidências foram: Inlogs,

presidida por Augusto Pires, ex-diretor de Logística da ALL; Standard Logística,

fundada e controlada por Alan Fuchs, ex-gerente nacional intermodal da ALL; Cal

Group, resultado da fusão da Cavol Logística com a Avant Logística, essa última

chamava-se anteriormente Compacta Logística, fundada e controlada por Cláudio

Cavagnari, ex-gerente ALL.

Por fim, algumas conseqüências não previstas nas estratégias de redução

de pessoal dos primeiros anos começaram a se refletir nas competências da firma,

principalmente na questão operacional. Depois que as tecnologias e métodos mais

simples foram implementados e difundidos, recursos especializados e experientes

passaram a ser peças fundamentais para prover inovações. Contudo, 10 anos após

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a privatização havia poucos desses recursos.

“Muitas pessoas que eram tão boas e tão conhecedoras quanto eu, por alguma razão começam a pensar em sair da empresa. Eu ainda sempre tive uma chance de tentar ‘no dia-a-dia, vocês fiquem aí, deixa eu pensar nisso aí, eu vou trazer um negócio prontinho que vai resolver’. Não sou bombardiado diariamente. As outras pessoas que foram saindo depois você pega um ano, dois, três, quatro, cinco, dez anos, levando porrada, mesmo que alguém te ofereça o mesmo salário só dizendo o seguinte: ‘olha, vai ter uma diferença. Você vai ter qualidade de vida. Não vou te importunar sábado e domingo, o que você fizer está bem feito, se você atingir esses objetivos macros aqui não vai ter problema’.” (Entrevistado 14)

Alguns funcionários disseram se sentir presos à companhia, pois não

conseguiriam encontrar locais de trabalho que oferecessem desafios mais

interessantes do que os encontrados na ALL. Os relatos também indicaram que já

não há tantos espaços para crescer e aprender para os recursos mais experientes.

Essas críticas podem sugerir falhas no processo de aprendizado, tanto do ponto de

vista da organização, quando do ponto de vista do indivíduo.

“quando você pára para pensar ‘Onde estou? O que estou fazendo?’ Eu acho que o potencial de aprendizado ficou um pouco estático. ... Não existe nenhum outro grande desafio. ... Dá a impressão que você começa a ver coisas repetidas, você começa a ver filmes que já passaram.” (Entrevistado 12)

5.2.4.4 Gestão da Diversidade

O período seria marcado por um aumento significativo do tamanho através

de aquisições, o que pressionaria a organização no sentido de manter íntegro o

conjunto da empresa. Apesar do surgimento de novas coalizões relevantes, como os

sindicatos, a organização demonstrou capacidade de manter sua cultura diante da

expansão geográfica e modal. A capacidade de controle demonstraria algumas

falhas e o sistema de seleção natural começaria a apresentar seus efeitos negativos

para a integridade da empresa. Vários dos mecanismos criados na fase anterior se

mostraram importantes para lidar com as maiores dificuldades de coordenação de

recursos financeiros e operacionais, mas o equilíbrio entre recursos humanos não foi

tão bom.

À medida que a empresa foi crescendo, diversas áreas da empresa

passaram a contribuir com uma parcela muito menor do custo, principalmente toda a

área administrativa. Atividades de compras, recrutamento, projetos, marketing são

facilmente centralizáveis e compartilháveis numa malha com 5, 10 ou 20 mil

quilômetros e não mantém uma relação linear com o tamanho dela ou com o volume

trafegado. Além disso, compras maiores permitiam o fechamento de contratos de

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longo prazo com redução nos preços. Por fim, o crescimento também permitiu o uso

e o desenvolvimento de tecnologias específicas. À medida que a receita da empresa

crescia, os investimentos no desenvolvimento de tecnologias, como computadores

de bordo, tagging de vagões, sistemas ERP e de apoio a produção, eram diluídos

sobre um volume maior. Junto com o crescimento, a empresa conseguiu ampliar a

sua margem na operação de transporte de cargas nas diversas unidades de

negócio.

Figura 5-19: Participação das principais contas do DRE.

Fontes: Relatórios Anuais da ALL – 2001 a 2007; Relatório de Informações Anuais da ALL AS, ALL Brasil e Brasil Ferrovias para a Comissão de Valores Mobiliários – 1997 a 2000; Dados Financeiros Economática.

Os impactos e desafios de aumento diversidade se estenderiam para além

do período do processo de integração. Os processos de trabalho precisariam ser

adaptados a novas realidades, de mercados e regiões. A organização demandaria

por certo grau de autonomia e começaria a criar núcleos e fragmentos, mas os

mecanismos de coordenação pareceram lidar de maneira suficiente para evitar que

tais problemas se expandissem e contaminassem a organização.

“A gente deixou de ser ferrovia, passou a ser uma empresa de logística. Antes as pessoas falavam ‘eu sou do ferro’ ou ‘eu sou do rodo’. Eu dizia ‘não, você é da ALL.’ A gente tem o mesmo acontecendo hoje, ‘sou da

9,51% 10,26% 7,54% 8,53% 11,99% 10,85% 11,02% 12,55% 12,99% 12,87% 11,35%

69,56%58,58% 68,00% 69,11% 64,12% 62,29% 59,91% 56,66% 53,51% 55,87% 55,65%

1,61%

1,76%

2,12%2,42% 1,21%

0,43%0,61% 0,36%

0,61%1,18% 0,56%

16,05%

16,82%

15,44% 13,51%14,33%

8,66%7,71% 8,25%

7,00% 5,14%3,24%

3,26%12,59%

6,91% 6,43% 8,34%17,77% 20,75% 22,17% 25,88% 24,93%

29,20%

0,00%

10,00%

20,00%

30,00%

40,00%

50,00%

60,00%

70,00%

80,00%

90,00%

100,00%

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Impostos sobre Vendas Custo Produtos Vendidos Despesas com Vendas

Despesas Administrativas Lucro Operacional

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195

Malha Norte, sou da Malha Sul’ e aí eu digo o mesmo, ‘não, somos da ALL’. A diretoria até pediu para não falar assim, malha norte, malha sul. Mas é assim mesmo. Isso demora, ainda vai demorar um ano ou dois para eliminar isso.” (Entrevistado 23)

Nas duas aquisições mais relevantes da história, Delara e Brasil Ferrovias,

percebe-se a importância dada à integração dos negócios. Em ambos os casos

houve a criação de um grupo de transição composto por executivos importantes da

companhia, dedicados exclusivamente à atividade de integração. O grupo envolvido

na integração era o mesmo responsável pelo levantamento prévio, pelo menos no

caso da Brasil Ferrovias.

“A primeira providência nesse processo de recuperação já foi tomada. No dia seguinte ao anúncio da compra, Bernardo Hess, presidente da ALL, despachou uma equipe de 20 executivos e gerentes para a sede da Brasil Ferrovias, em Campinas, no interior de São Paulo. Esse grupo vai permanecer por lá pelos próximos seis meses e será a ponta-de-lança do processo de integração das duas empresas, previsto para ser concluído no início do ano que vem. (...)Entre janeiro e março, alguns dos mesmos funcionários que hoje estão em Campinas viajaram nas locomotivas da Brasil Ferrovias, visitaram oficinas, conferiram a situação dos trilhos, pesquisaram as estratégias e a gestão da empresa. Produziram um relatório de 200 páginas sugerindo como recuperá-la.” (Exame, 24/05/2006)

Característico dessas operações de integração foi o objetivo de se ter uma

única cultura, com completa absorção do novo negócio para o “jeito” ALL.

“Em todas elas, as características dessas duas se repetem e tem uma outra que também se repete em todas elas que é a capacidade de se integrar nessas operações dentro da cultura da companhia de uma maneira muito rápida. (...) Mas a identidade, a maneira de implantar essa identidade ela acontece muito rápido. Eu não sei como isso acontece exatamente, mas até hoje você é uma empresa, a partir de amanhã você já começa a ver a implantação de sistemas de gestão, ferramentas de qualidade, de identidade visual. A partir do dia seguinte, as pessoas já estão usando uniforme, todo o planejamento visual das empresas já está sendo modificado. Então eu diria que uma característica da ALL é adquirir ou incorporar para dar sua identidade, é diferente de você adquirir um negócio, porque aquele negócio tem um valor intrínseco em si mesmo e você vai manter.” (Entrevistado 12)

A área de projetos logísticos, além da função de buscar e estruturar novas

oportunidades de negócio, também funciona como um elemento integrador. Para

que seus projetos fossem concluídos adequadamente a organização desenvolveu

um modelo de organização onde a área de projetos logísticos coordena o uso de

conhecimento específico de várias áreas. Outras áreas também evidenciam um bom

grau de integração e relacionamento da organização como Relações Corporativas.

“Eu diria que a área de projetos é uma área de coordenar projetos. A gente tem vários especialistas, o cara de via, o cara de vagão, oficina de mecânica, o PCP, a gente junta tudo isso para viabilizar um negócio. Faz análise financeira, é uma área muito mais disso, fazer perguntas para as

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196

outras áreas, para obter as informações necessárias para desenvolver o projeto.” (Entrevistado 11)

Mecanismos semelhantes de coordenação e integração foram criados para

transmitir e receber informações e decisões entre a sede e as unidades de

produção. Além do controle das metas dessas pontas distantes da sede, há também

a centralização de atividades administrativas como compras e recursos humanos.

“Trabalhei na central de notas, foi uma área nova, não existia antes na ALL, implantei essa central de notas com uma equipe toda terceirizada. A gente era responsável por receber todas as notas das unidades, fazer o lançamento e a liberação. Então todas as notas de toda a companhia estavam centralizadas na Central de Notas. Isso ajuda bastante porque você tem pessoas especializadas no lançamento e não tem problema com relação a lançamento incorreto, toda classificação correta.” (Entrevistado 8)

As evidências não apontaram para dificuldades na coordenação de

atividades da operação, onde os sistemas de controle continuaram basicamente os

mesmos. Os “contratos” firmados entre as áreas não só fundamentavam a

coordenação e os investimentos como também facilitavam a resolução de conflitos.

Há um relato com um exemplo desses contratos. Dois vendedores planejaram usar

cada um 200 vagões de determinada UP em uma semana. Se um deles disser que

seu carregamento será de 400 ao invés dos 200, a UP não desviará os ativos

planejados para o outro vendedor porque a receita do segundo é maior.

Contudo o sistema de controle por metas foi insuficiente para evitar algumas

falhas que ocorreram no processo de integração e gestão da nova Malha Norte.

Segundo relatos, 2007 foi o único ano em que, devido ao fato da companhia não ter

atingindo sua meta global, o bônus de fim de ano não seria distribuído.

“Ele falou assim: ‘gosto muito do ‘Fulano’, gosto muito do ‘Cicrano’. Mas tô com raiva dos dois assim. Raiva, por a gente ter perdido ano passado, por causa dessas cagadas que eu tô vendo aqui agora. Tô com raiva, do profissional, do pessoal não, mas do profissional eu queria matar os dois’. E o ‘Beltrano’ não é de segurar as coisas. Falou: ‘A culpa é deles. Ninguém olhou esse negócio ano passado’. Ninguém olhou, ninguém foi lá. Quando ia, falava que tava tudo bem. Ano passado a gente não ‘bateu’ a meta por causa daquela área.” (Entrevistado 6)

Mesmo não tendo atingido a meta global, a alta gestão decidiu dar bônus

para o grupo de executivos mais altos, porém com metade dos valores. Outros

níveis e áreas da companhia tinham seus próprios programas de remuneração

variável, como os campeonatos entre UP’s, maquinistas e motoristas, que davam

prêmios trimestralmente para os mais eficientes. Esses programas mais específicos

foram mantidos, até mesmo porque não estavam atrelados ao desempenho global.

“Na verdade assim, não sei se você soube como foi a premiação ano

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197

passado, só o grupo um que ganhou, o dois não, porque a companhia não ‘bateu’ suas metas, mas acredito eu, para não criar um descontentamento geral na companhia, porque queira ou não queira, o que mais te incentiva é você chegar no final do ano, ‘bater’ suas metas e ganhar doze salários, não é? (...) Aí distribuíram cinqüenta por cento do valor do bônus, se você ‘bater’ suas metas” (Entrevistado 3)

A companhia já havia passado por situação contrária em 2003. Já se sabia

que a meta estipulada para o ano seria cumprida no meio do ano e a alta gestão

resolveu rever as metas para cima. Essas flexibilizações colocavam, de certa forma,

em xeque a proposta e imagem meritocrática do modelo de gestão.

Esses foram apenas mais outros movimentos que estavam contribuindo para

a redução da credibilidade do sistema e da sensação de que a ALL era

meritocrática. Com o crescimento da organização e com as melhorias sendo

implementadas ao longo dos anos, os problemas se tornavam cada vez mais

complexos, o que exigia do sistema de metas uma maior capacidade de avaliar o

desempenho. Áreas e atividades mais subjetivas ou ficavam sem metas ou tinham a

metas de difícil mensuração.

“Já na área de processos já não era completamente 100% metódico. Ou seja, tinha algumas metas que eram subjetivas. Você não tinha um esquema de medição precisa por sistema, tudo controlava por planilha. A Argentina era tudo assim, dessa maneira. (...) Tem outros lugares, por exemplo, projetos. Uma métrica que eu tinha lá que achava absurda. Todas as fábricas que nascerem em tal lugar têm que nascer perto da malha ferroviária. Cara, o cara quer construir uma fábrica de água, para ele é importante a fonte de água, não é importante a proximidade da ferrovia.” (Entrevistado 4)

“Para outra pessoa, que no caso se deu muito bem. Porque eu ganhei tudo, reduzi tudo, ganhei em todos os lados. Tu já conhece a unidade, tu sabe onde tirar, onde não dá e onde dá. É como eles dizem lá: o bônus é ganho quando você faz bem uma meta. Você conhecendo a unidade, você faz muito a meta. (...) Como a meta não vem de cima, cada um prepara a própria meta, se você preparou a meta e está atuando no ano seguinte na meta, seu bônus está garantido. É assim. São as regras do jogo. Mas te dão possibilidades. Se você for um cara fora de série e pegar uma meta difícil, tu vai fazer. Se for fora de série, você vai fazer.” (Entrevistado 4)

A credibilidade tem um papel fundamental para que o sistema de seleção

natural instalado na fase anterior continuasse a trazer os benefícios esperados. Essa

fase viu o sistema começar a apresentar falhas, criando uma separação entre a

base e o topo da organização, entre mais novos e mais experientes.

“Essas coisas deixam as pessoas um pouco receosas. E como era difícil alguém que não era gerente ou diretor na Argentina ganhar bônus, o sistema estava em descrença. Isso eu sentia muito, todo mundo era muito descrente do sistema. O gerente de logística lá saiu, o gerente de PCP saiu, todos argentinos, completamente descrentes. Trabalhavam muito, esperavam ganhar dinheiro com isso, e dinheiro não vinha.” (Entrevistado 4)

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198

“Empresa do grupo GP no início é muito bom o esquema. Depois de um tempo eles têm que relaxar porque não é tão assim. Os saltos não são tão grandes, de produtividade, a ação não cresce tanto. Então qual o modelo? Os caras cresceram muito rápido no início. Não dá para crescer 20% por ano por 10 anos. Combustível. Tem um momento que você pára de reduzir combustível. (...) Você começa a desconfiar daquilo. O resultado, o ranking não é aberto. É complicado. Não ta na patota? Sai fora. Ta na patota? Abraça a galera e nada junto.” (Entrevistado 4)

Ao invés do sistema contribuir para a homogeneização e compartilhamento,

passou a servir como fator que estava limitando a capacidade da organização de

utilizar recursos heterogêneos. Enquanto alguns continuavam a trocar várias vezes

de área, outros ficaram cada vez mais especializados, criando uma disparidade no

contexto de disputa pelas metas. Como a remuneração é classificatória, aqueles

mais experientes cumprem as metas não por serem melhores ou por contribuírem

mais para a companhia, mas porque conhecem melhor o “campo de jogo”.

“Entrei na ALL com 40 anos. Em uma empresa que preza a juventude, só podia entrar como especialista. (...) Eu já ganhei três vezes, sempre bati as metas. Só não ‘bati’ as metas no primeiro ano porque não tinha mesmo. (...) Aqui é um ambiente instável demais. Não se pode acomodar. Não tem essa. Você também precisa dar tarefas pro cara resolver, é dar o que fazer. A base de tudo é a remuneração variável. Eu até saí durante um tempo da TI, fui para a produção. Mas acabei voltando porque eu desempenhava muito melhor na TI.” (Entrevistado 6)

Também são relatados diversos investimentos em atividades de

comunicação e integração dos funcionários. Além dos mecanismos criados na fase

anterior, como os encontros trimestrais e a revista interna, novos elementos foram

adicionados: jornais específicos para maquinistas e motoristas, entrega de adesivos

e camisetas com a marca ALL, lojinha dentro da companhia com produtos com a

marca ALL, passeio de trem com as famílias de funcionários, patrocínio de festas

para datas comemorativas.

5.2.4.5 Gestão da Complexidade

As evidências sugerem que a organização não modificou significativamente

os processos e sistemas desenvolvidos no período anterior para lidar com os

desafios dessa fase. A opção em geral foi pela solução suficiente e por melhorias

incrementais sobre os mecanismos já existentes que, em certa medida, atenderam

adequadamente às necessidades do período. A organização foi capaz de identificar

certas falhas na capacidade de sedimentar o conhecimento gerado, mas não foram

encontradas evidências de que soluções para essa questão foram implementadas.

O sistema de remuneração variável atrelada a metas individuais

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199

desdobradas continuou sendo o alicerce central do modelo de gestão da firma.

Contudo, com o crescimento, novos desafios surgiram para que esse modelo fosse

capaz de responder às necessidades de coordenação. Foi necessário criar uma

área de auditoria e novas demandas surgiram sobre a área de tecnologia, sendo

necessário registrar em sistemas corporativos os indicadores relacionados às metas.

Com o passar dos anos, continuaram sendo feitas adaptações ao modelo, porém

menos radicais do que aquelas feitas ao longo da Fase de Crescimento. Por

exemplo, o número equivalente de salários sofreu incrementos e os percentuais de

bônus duplo e bônus simples ampliados. Enquanto na Fase de Crescimento os 10%

melhor classificados recebiam bônus duplo e os 40% seguintes recebiam bônus

simples, na Fase de Crescimento esses percentuais foram modificados para 15% e

45% respectivamente.

“O que eu vejo que mudou para melhor na ALL é a questão da remuneração variável, isso cresceu o tempo todo. Quando eu entrei eram 8 salários o bônus duplo, hoje está em 16.” (Entrevistado 13)

Outros exemplos de soluções incrementais também podem ser relatados:

ampliação de ferramentas de comunicação semelhantes às existentes, apenas

especializando-as para certos públicos, como jornal interno específico para

maquinistas e motoristas; replicação de modelos de projetos sociais, como Vagão do

Conhecimento e Trem Ambiental. Foi um período onde o crescimento foi baseado na

ampliação daquilo que já se fazia. A aquisição da Brasil Ferrovias considerava

também a facilidade com que se faria um turnaround na operação porque os

problemas existentes na nova malha eram em grande parte os mesmos que já

haviam sido superados na malha antiga.

O mesmo foi percebido nas práticas de remuneração. Foram adicionados

novos programas para contemplar outros grupos de funcionários, mas seguindo as

linhas dos programas existentes, todos baseados em competições. Novos critérios

foram incluídos para mensurar desempenho: enquanto no começo só havia

preocupação com custos, receitas e volume, agora também se ponderavam

indicadores de segurança e qualidade do atendimento ao cliente. Com a ampliação

da terceirização foram criadas competições para premiar fornecedores, buscando

melhorar o desempenho, mas também aumentar a fidelidade. O gráfico a seguir

apresenta a evolução desse indicador frente ao PIB brasileiro.

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200

Figura 5-20: Evolução do valor da remuneração variável.

Esse foco na responsabilidade do indivíduo sobre o seu desempenho e

remuneração, apesar de trazer melhorias para a autonomia e capacidade de

coordenação, trouxe efeitos negativos para a capacidade de aprendizado da

organização. Somando-se a isso a alta valorização dada à ambição profissional, a

importância na sistematização de novas práticas é reduzida, o que dificulta a

capacidade da organização aprender além do aprendizado do indivíduo.

“A gente aqui na Companhia não é uma empresa orientada por processo, a gente é uma empresa muito orientada por pessoas, ou seja, o que a gente vê muito aqui na companhia? Às vezes tem uma determinada área que ta assim, com os melhores resultados da Companhia (...) às vezes a gente tira uma pessoa de uma determinada área e coloca em outra, o resultado daquela área decresce, essa pessoa ela consegue levantar o resultado da área que ela foi, mas o resultado da área que ela tava decresce, por quê? Porque, exatamente a gente é uma empresa que a gente não tem os processos sistematizados, então assim, se eu saio a liderança, como o processo não está sistematizado ele cai.” (Entrevistado 17)

A preocupação com a redução da complexidade das operações continuou

baseada na união com parceiros que já conheciam do negócio como havia sido feito

nos anos anteriores no desenvolvimento de novas tecnologias ou nas produções de

vagões e no transporte rodoviário. A aquisição da Brasil Ferrovias foi antecipada

com a criação da ALL Centro-Oeste em associação com transportadoras da região.

0,00%

0,02%

0,04%

0,06%

0,08%

0,10%

0,12%

0,14%

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Distribuição de lucro per capita annual/PIB/10^3

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201

Contudo, a organização demonstrou a persistência de traços identificados

em sua origem. As soluções suficientes no lugar de buscas amplas, incentivadas

durante o processo de reestruturação devido à crítica falta de recursos, foram

citadas como fazendo parte dos valores organizacionais.

“Eu sempre digo aí pro diretor, o Roberto: “se eu não tiver tempo para parar e pensar, eu não consigo ir na profundidade que eu preciso.” Porque tem outros que eles só querem reações. Na ALL é muito bem visto o seguinte. Eu te digo: “olha, ta dando um problema em Paranaguá.” Se você levantar agora e sair correndo para ir lá, você é bem visto. Aí você chega lá, fica lá 20 horas, durante uma semana e resolveu. Poxa, legal. Só que eu digo assim, que tem certas coisas que não é assim que funciona. Você tem que parar para pensar e entender se não tem algo que você resolve nessa semana, semana seguinte está de volta. Deve ter algum fator lá. Eu sempre tive o ponto forte de me aprofundar nas coisas e resolver de uma vez. Nunca mais vai ter esse problema. Só que tem que ter tempo. Só que às vezes, aqui nessa agitação você não consegue ter aquela tranqüilidade pra pensar. Eu tento escapar. Às vezes, os caras ficam meio chateados.” (Entrevistado 14)

A competição interna favorece a permanência dos mais adaptados e elimina

os menos adaptados. Porém, com o tempo, a experiência passa a substituir o

talento. Novos gestores que potencialmente seriam melhores do que os existentes

acabam não sendo remunerados corretamente e deixam a organização antes de

desenvolverem a experiência necessária para poder competir em pé de igualdade

com os gestores mais antigos. O conhecimento fica concentrado cada vez mais em

uma pequena parcela da equipe gerencial. Essa é uma possível causa da queda de

desempenho na malha sul após a aquisição da Brasil Ferrovias.

Em alguns casos, a falta de recursos humanos qualificados e o excesso de

foco em pessoas em detrimento do foco em processos fez com que a estratégia e

estrutura da organização ficassem dependentes de suas restrições de recursos.

“Eu fiquei no marketing ate o final, na verdade eu fui para o marketing em julho de 2003, fiquei ate dezembro de 2003, e a gente mudou a estrutura da Companhia de novo e a gente decidiu juntar a inteligência de mercado com a área de projetos logísticos, então eu voltei para área de projetos logísticos levando a inteligência de mercado junto comigo, e a inteligência de mercado passou a ter um papel muito forte de apontar oportunidades de negócios para a Companhia que vinham para prospecção da área de projetos logísticos.” (Entrevistado 17)

A capacidade de reter conhecimento técnico também foi influenciada pelo

sistema de seleção natural. Como parte da recompensa do esforço está atrelada ao

sucesso profissional e à subida na hierarquia, os funcionários mantêm esses

objetivos como premissas, deixando de lado o seu próprio aprendizado.

“Uma das coisas que eu sinto na companhia é que as pessoas querem sempre crescer mais como gestor de negócio, controlando números, e

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202

fazendo reuniões, e verificando o que precisa ser feito do que realmente fazer e entender o que precisa ser feito.” (Entrevistado 14)

“Mas eu vou procurando treinar, mas eu percebo que tecnicamente eu não consigo ter uma aderência tão forte quanto de gestor. Imagina assim, o cara entra na companhia e diz: ‘poxa, hoje eu sou analista, amanhã sou coordenador depois gerente e depois até diretor e o salário vai crescer exponencialmente’. (...) E a maioria das pessoas que eu começo a treinar ele inicialmente diz “não, vou seguir certinho”, mas depois quando ele vê que tem uma chance de ser coordenador não sei do que, ele já pula pra cá, esquece tudo que aprendeu e só quer número e ver se está atendendo todas as metas que alguém deu para ele.” (Entrevistado 14)

5.2.4.6 Gestão da Folga Organizacional

As evidências sugerem que a empresa demonstrou nesse período ter tido

boa administração de diversos tipos de folgas, como a financeira, credibilidade e de

recursos operacionais. Contudo, as práticas de recursos humanos permaneceram

parecidas com aquelas implantadas no início da privatização onde havia um forte

controle na quantidade de recursos humanos. Assim, a empresa sofreu dificuldades

para administrar o crescimento devido à necessidade de recursos humanos.

As folgas têm um papel fundamental no negócio ferroviário, principalmente

devido à alta capacidade que se tem de aumentar a capacidade de produção de

vários ativos com investimento em outros poucos. Por exemplo, ao investir na

construção de um pátio de cruzamento, todo o trecho ferroviário duplica sua

capacidade de transporte e reduz o tempo parado de vagões e locomotivas. Foi

utilizando esse mecanismo de efeito de rede que a ALL ampliou a capacidade e

volume transportado no período.

“ALL tem muito pra crescer. Ela não está estourando a capacidade produtiva, quando você estoura a capacidade de algum trecho produtivo, que é a saturação do trecho, o que você faz? (...) você começa a ‘bater’ na capacidade, aí que você constrói? Um pátio, porque toda a vez que você constrói um pátio na metade de um lugar, você duplica sua capacidade, então o negocio é exponencial. Bota mais um pátio, mais um pátio, que no limite é linha dupla. Você vai botar tanto pátio que duplica a linha. Então qual é limitador de investimento da ferrovia? É grana mesmo pra construir pátio pro exemplo.” (Entrevistado 16)

As folgas existentes para a operação também foram importantes para o

processo de aquisição da Brasil Ferrovias. A disponibilidade de oficinas e

equipamentos de manutenção de vagões e locomotivas, não só as existentes na

ALL, mas também aquelas dedicadas à Santa Fé Vagões, foram necessárias para

apoiar o processo de mudança na Malha Norte. Outros ativos não puderam ser

redistribuídos principalmente porque a bitola da Malha Norte (larga) era diferente da

existente na Malha Sul (métrica) e da Malha argentina (standard).

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203

A empresa demonstrou interesse em utilizar a folga de ativos em

investimento em novos negócios. A participação em algumas das expansões veio

através da oferta de imóveis e equipamentos para novos empreendimentos como no

caso de terminais intermodais e da fábrica de vagões, mas foram movimentos, como

descritos anteriormente, em sua maioria defensivos, não tendo gerado ciclos de

reforço contínuo do crescimento.

Notou-se novamente um processo de acúmulo de recursos financeiros para

apoiar a operação. Desde 2003 a ALL veio reduzindo seu grau de endividamento, o

que facilitou a absorção das dívidas da Brasil Ferrovias e o aumento da

alavancagem financeira para financiar a compra. O IPO, a emissão de debêntures,

os empréstimos de longo prazo junto ao BNDES e a aquisição através de trocas de

ações contribuíram para que a empresa resultante mantivesse sua saúde financeira

e tivesse disponível o dinheiro necessário para implementar as modificações

necessárias: investir em tecnologia, ativos e treinamento, renegociar contratos e

pagar indenizações.

Há relatos de que a credibilidade de que a organização desfrutava também

foi fundamental para os processos de aquisição. Assim como Wilson Delara relata a

relevância da ALL no cenário de logística do país como um critério para a decisão da

fusão, relatórios do BNDES, CADE, Funcef e Previ descrevem a importância do

sucesso anterior da ALL na transformação da Malha Sul como critério relevante para

aceitação da fusão da Brasil Ferrovias.

Outro elemento que apoiou as aquisições foi o uso de folgas de

conhecimento para facilitar o processo de integração. No caso da Brasil Ferrovias, a

criação da ALL Centro-Oeste um ano antes funcionou como uma forma de trazer

para a organização conhecimento sobre o mercado. Além disso, a equipe de

transição da Brasil Ferrovias possuía funcionários que haviam participado do

processo de transição da Malha Sul na época da privatização.

“Ah, fica muito mais fácil trabalhar com a Malha Norte, né? Porque na Malha Sul a gente ainda não tinha o conhecimento, o dia-a-dia, a vivência, de obrigações e de quais eram as formas que a gente devia lidar com comunidades, com a prefeitura, como a gente podia buscar parceria com as prefeituras, desenvolvimento de projetos sociais, ambientais, isso nada existia, né? Quando a gente chega na Malha Norte a gente já tem esse conhecimento ...” (Entrevistado 9)

Importante para a organização também foi o amplo investimento de folga na

manutenção da integridade. Investe-se em vários mecanismos e canais para reforço

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204

das mensagens de fortalecimento da cultura e da marca perante os funcionários,

buscando criar quase uma religião. Alguns dos exemplos são: revista interna, site

interno, eventos e encontros em datas festivas (fim de ano, dia dos pais, natal),

campanhas sociais, músicas, competições, produtos como camisas e casacos com a

marca ALL, comitês de gente e o programa Pessoas de Destaque. A comunicação é

uma das principais formas que a empresa utiliza para criar os mitos, divulgando

freqüentemente e amplamente as ações anteriores. Esses mecanismos de

“identificação com a marca” são renovados e ampliados freqüentemente.

O ponto crítico do período para a gestão da folga foi a administração dos

recursos humanos. São diversos os relatos sobre excesso de trabalho e falta de

pessoal, principalmente na transição na compra da Brasil Ferrovias. Essa falta de

pessoal é colocada como um dos motivos para o insucesso na consecução da meta

global da empresa pela primeira vez nos seus 11 anos de história.

Eu falava: ‘Eu preciso de quatro supervisores aqui’. ‘Ah não. Um só tá bom’. Uma administração daquele tamanho com um só supervisor? São quatro, cara. Um por turno e um de folga. Tem que ter um revezamento. Vinte e quatro horas. Aí, como a galera não dava, ele ficava lá 24 horas numa Estação, ele chegou a ficar setenta e duas horas lá dentro da Estação. Sem dormir e tomar banho. Ele teve um enfarte em 2006. O cara tem 42 anos.” (Entrevistado 6)

Na verdade, a aquisição da Brasil Ferrovias foi um evento que demonstrou a

fragilidade da maneira como se estava gerenciando pessoas desde a

implementação do modelo de gestão.

“Retenção de talentos. Perde muita gente muito boa. Por causa de excesso de trabalho, excesso de cobrança. Você investe e perde ele pro mercado. Não pode. É desperdício. (...) O profissional ALL é muito valorizado no mercado. Você não faz ideia de quantas propostas já recebi sem procurar nada. (...) Perde muito talento. Não pode reter só na hora de sair. Sempre foi assim. (...) Mas é lógico que parte do pessoal você acaba perdendo mesmo. Você não pode ter 90 diretores.” (Entrevistado 23)

Eu avisei há três anos que ia sair e me aposentar. Depois eu avisei há dois anos. Depois avisei há um. Até que há uns dois meses atrás eu e o Cicrano tivemos uma briga séria. Ele não aceita que eu vou sair. (...) Hoje não tem alguém para me substituir. E eu avisei. Era para ter colocado lá um analista do meu lado para aprender o que eu faço. Formar sucessores. É assim em um monte de lugar. Quanto custa perder um talento? A ALL não paga lá tão bem, o negócio está na remuneração variável. Então quando perde alguém com experiência, quanto custa trazer um profissional de fora? É muito caro. É mais barato formar, mas aí tem que formar de novo, demora todo aquele tempo. Tudo bem que muitos aqui são movidos a desafio, eu sou movida a desafio. Mas isso não é tudo. Salário é um negócio muito importante.” (Entrevistado 23)

As conseqüências da falta de gente já começam a ser sentidas em outras

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205

áreas e mesmo sem a existência de eventos esporádicos de grande demanda como

aquisições de empresas. Mesmo alguns anos depois da aquisição ainda se notam a

falta dos recursos que foram demandados durante o processo.

“As pessoas tem que sair e você vai ficando mais isolado. Antes você trocava ideia com um monte de gente. Agora ta tudo comigo. Se eu der uma bola fora e eu não sei de tudo, como é que vou fazer? E no entanto, os outros também não vão conseguir, vão dizer que você... pode até ser que você não seja tão bom quanto outros que saíram, mas só sobrou você. A minha resposta significa a diferença entre o trem chegar no lugar ou se esburacar em algum lugar aí. Você já não tem tantas pessoas aí para trocar informação. Essa é uma parte crítica do negócio.” (Entrevistado 14)

“Hoje não há ninguém preparado para a coordenação. Tecnicamente eu sou bom, meu problema é na gestão. Baseio-me nas dicas do ‘Beltrano’. Mas estou tentando, a gente sempre tenta passar as coisas, mas requer uma maturidade para a coordenação. Pra você ver como é difícil formar alguém. Eu tenho oito meses na área e sou a segunda pessoa mais antiga. A mais antiga tem 14 meses. A área tem no total 13 pessoas. Mas é pouco. É uma característica do grupo, trabalhar com pouca gente. A gente acaba se desdobrando para colocar alguém no lugar.” (Entrevistado 19)

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206

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo da visão de que a América Latina Logística é um caso de

turnaround de sucesso no contexto da privatização das ferrovias brasileiras, o

presente estudo buscou responder às seguintes perguntas:

Como os interesses de um fundo de investimento em um processo de

aquisição, transformação e venda de empresas, afeta as organizações

adquiridas?

Quais foram as conseqüências do processo de transformação

comandado pelo GP para a construção da longevidade saudável da ALL?

Através da primeira pergunta, buscou-se entender quais foram os passos

escolhidos pela nova administração que explicariam o sucesso alcançado na

transformação de um negócio deficitário em uma empresa lucrativa no curto espaço

de tempo. As evidências históricas encontradas, classificadas através dos

arquétipos de Fleck (2006), sugerem que a organização trilhou até hoje um caminho

composto por três estágios: (1) a Fase da Reestruturação, focada na Gestão da

Folga; (2) a Fase de Crescimento, focada na Gestão da Complexidade e

Empreendedorismo; e (3) a Fase de Pós-Venda, com a estagnação do crescimento

qualitativo da organização.

Conforme a análise indicou, a nova gestão iniciou seu trabalho de

transformação do negócio através do foco na eliminação do desperdício e na

utilização das folgas existentes para sanar os principais problemas. Juntamente com

a disponibilização de novas folgas através do investimento dos novos sócios, a

organização visava alcançar o equilíbrio entre receitas e despesas da operação

ferroviária o mais rápido possível. Assim, os recursos ali investidos passariam a criar

valor para os acionistas ao invés de destruir o valor do capital empregado. A atuação

sobre esse elemento do modelo de Fleck (2006) foi ainda mais importante devido

aos reflexos causados sobre as respostas dadas aos outros desafios, principalmente

o Aprovisionamento de Recursos Humanos e a Gestão da Diversidade. O grande

desafio era tratar os “incêndios” à medida que se construísse uma estrutura forte

suficiente para evitar que o modo de resposta anterior se mantivesse presente.

Seguindo o mesmo princípio de atacar as causas raízes, os efeitos na

qualidade das respostas também foram sentidos em outros desafios, novamente

com destaque para o Aprovisionamento de Recursos Humanos e para a Gestão da

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207

Diversidade na Fase de Crescimento. O foco na Gestão da Complexidade ofertou à

organização um conjunto de sistemas e métodos para lidar com o rápido

crescimento que apresentava e ainda apresentaria. Essa velocidade também seria

uma motivadora para a preferência pela adoção de práticas externas ao invés de

trilhar longos caminhos para criar seus próprios processos de trabalho.

Na última fase analisada, a organização demonstrou crescimento

quantitativo significativo, mas uma evolução qualitativa não se mostrou presente. A

organização apresentou um excesso de uso dos mecanismos que a trouxeram até

aquela etapa e seus investimentos na renovação se provaram mais voltados à

defesa dos mercados conquistados.

Analisando sob as perspectivas operacionais e financeiras, como a evolução

do faturamento ou do EBITDA, a empresa manteve o mesmo ritmo em todas as

fases, apresentando um crescimento anual percentual acima de dois dígitos.

Contudo, sob a ótica do indicador de crescimento proposto por Fleck (2001),

percebemos o efeito dos processos de aquisição sobre o crescimento da empresa.

Foram essas operações que representaram os principais saltos no crescimento da

organização no período.

Figura 6-1: Evolução da Receita/PIB e do PIB.

O papel dessas aquisições no crescimento da organização também pode ser

visto quando se analisa a contribuição de cada unidade de negócio para a receita

0

500000

1000000

1500000

2000000

2500000

3000000

0

0,1

0,2

0,3

0,4

0,5

0,6

0,7

0,8

0,9

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Receita Líquida/PIB Brasil vs. PIB Brasil

PIB ALL

ALL Argentina

Delara

Brasil Ferrovias

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208

líquida em relação ao PIB brasileiro. Nota-se que o negócio rodoviário e a malha

argentina encolheram quando analisados de maneira independente, enquanto que o

negócio ferroviário brasileiro, especialmente a malha sul, foi responsável pela

manutenção do crescimento44. É possível, portanto, que o objetivo principal dessas

aquisições fosse gerar negócios para a malha ferroviária do Sul do Brasil muito mais

do que a entrada estratégica em novos setores. Uma das argumentações para a

aquisição da Delara era, por exemplo, evitar as pressões competitivas de

transportadores rodoviários dada a importância da ponta rodoviária na expansão do

negócio ferroviário.

Quanto à segunda pergunta, buscamos entender quais os efeitos da

trajetória adotada sobre os desafios à longevidade saudável. A trajetória e as

análises apresentadas, além das evidências coletadas, sugerem que foram

instituídos mecanismos relevantes para sugerir a propensão à longevidade saudável

da organização.

Primeiramente, a ALL parece ter desenvolvido um mecanismo que favorece

a manutenção da constante oferta de serviços empreendedores, sugerindo a

continuidade dos movimentos de expansão produtivos, necessários ao crescimento

contínuo. As evidências apontam para um papel relevante das práticas classificadas

dentro do sistema conhecido por “high commitment management” (Wood, 1996).

Alta parcela de remuneração variável, peer-review, ranking forçado, promoção da

responsabilidade do indivíduo, em conjunto com políticas de seleção e avaliação de

pessoal parecem ter sido incentivos suficientes para manter níveis consideráveis de

ambição e versatilidade.

A empresa também demonstrou capacidade de levantar financiamento,

mesmo quando a presença do grupo GP já estava mais diluída. Quando o cenário

era difícil e os recursos financeiros eram escassos, no pós-privatização, ela se

destacou ao conseguir extrair financiamento da própria operação mais rapidamente

que a maioria dos concorrentes, principalmente através da sua estratégia de

redução de custos e priorização de investimentos com retorno no curtíssimo prazo.

44 Não se tem informações sobre os critérios de rateio e classificação utilizados pela empresa o que poderia modificar as conclusões. Por exemplo, como as receitas de negócios intermodais são rateadas assim como as receitas relativas aos serviços de armazenagem. A Figura 5-17 apresentou a evolução comparativa das receitas dessas unidades de negócio.

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Na fase seguinte, conseguiu antecipar-se a outros players do setor no acesso ao

financiamento via mercado de capitais. Sua posição financeira sólida serviu de apoio

para a aquisição da Brasil Ferrovias, controlada essencialmente por instituições

financeiras. Contudo, não ficou claro em que medida essa negociação poderia ter

tido um desfecho diferente se não houvesse a concessão da Ferrovia Norte-Sul para

potencial aquisição pela Vale.

Outro mecanismo relevante no crescimento do negócio logístico e das

cargas trazidas na terceira fase foi a incubação de novos negócios e o processo de

spin-off realizado a seguir pelos executivos idealizadores dos novos

empreendimentos. Em geral, tais empreendimentos estavam relacionados ao

negócio e potencializavam o negócio ferroviário, como a administração de terminais

intermodais e armazéns, mas que se tratavam de negócios com natureza de gestão

distinta (baseados, por exemplo, em ativos com características distintas de

administração como imóveis, completamente diferentes de locomotivas). A empresa

desenvolveu meios para selecionar novos funcionários ambiciosos, incentivar o

empreendedorismo entre eles, financiar tais empreendimentos e manter relações

comerciais que permitissem à ALL capturar o valor gerado pela identificação das

oportunidades sem a necessidade de desviar de seu negócio principal. Ao mesmo

tempo ajudava oferecendo oportunidades de crescimento profissional além daquelas

oferecidas pelo crescimento sozinho da ALL.

Também auxiliando no crescimento contínuo da organização estiveram os

mecanismos desenvolvidos para auxiliar no aprendizado organizacional. Parecem

ter sido relevantes sob esse aspecto a capacidade de absorver rapidamente as

práticas existentes no mercado, utilizando-se das relações construídas com sócios

ou através de consultorias e treinamentos, e as revisões anuais orçamentárias e de

definição de metas, que permitiam à organização incorporar em seus sistemas de

controle aspectos identificados como problemáticos.

Porém esses mecanismos revelaram impactos negativos para permitir que a

organização se mantenha mais próxima do pólo de autoperpetuação. Os efeitos

negativos identificados estão geralmente relacionados à capacidade de

aprovisionamento de recursos humanos e ao aprendizado.

O mecanismo de seleção natural começou a se provar inócuo para ofertar

recursos gerenciais qualificados em quantidade suficiente para suportar o

crescimento da organização. Os níveis de rotatividade de pessoal começaram a ser

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reduzidos à medida que, possivelmente, a quantidade de recursos humanos

ofertados pelo mercado foi menor do que a quantidade necessária para manter o

sistema. A seleção natural também trouxe desvantagens para a capacidade de

renovação da organização. Uma vez que a firma seleciona e promove apenas

aqueles que estão alinhados à cultura da empresa, é difícil pensar como a

organização desenvolveria capacidade para conceber novos traços culturais.

A aquisição da Brasil Ferrovias não foi um fracasso, muito pelo contrário.

Contudo, ela se destaca na história da ALL não por ter sido um grande problema

que colocou em risco a sobrevivência da organização, mas como um claro indício de

um padrão de comportamento que, no longo prazo, poderia levar à falência do

modelo adotado. A falta de pessoal é possivelmente um dos principais motivos que

levaram ao não cumprimento da meta global e ao conseqüente cancelamento do

bônus em 2007, um dos principais mecanismos de atração e retenção de talentos.

Apesar das evidências sugerirem que a alta gerência adotou medidas para contornar

a situação, elas também sugerem que a insatisfação levou alguns dos futuros

talentos da organização a deixarem a empresa.

Não é possível concluir em que medida essa insatisfação está nos mesmos

níveis encontrados nos primeiros anos, contudo é possível perceber através dos

dados coletados que o sistema está sendo atacado sobre um de seus principais

pilares: a credibilidade. Ao mesmo tempo em que o mercado já não é capaz de

suprir a demanda e que a insatisfação se mantém pelo menos nos mesmos níveis

dos primeiros anos, a organização começa a flexibilizar suas exigências com relação

às expectativas sobre seus funcionários.

É possível que da Fase de Crescimento para Pós-Venda a diversidade

também tenha começado a cobrar o seu preço devido à separação que teve início

entre quem está no “Monte Olímpio” e os que estão tentando alcançá-lo. A Fase do

Crescimento é marcada pela criação do encantamento pela cultura GP e a oferta de

recursos humanos era acima da demanda. Além disso, não existia na empresa um

ambiente social bem determinado, com referenciais de poder e a maior disposição

para assumir riscos dos jovens estava presente em todas as áreas e níveis. À

medida que o tempo passou e as pessoas alcançaram posições importantes,

começou a existir também muito mais coisas a se perder: bônus anual, poder,

status, hierarquia. Isso levou a uma mudança de comportamento dos funcionários,

que passam a se “entrincheirar” em suas funções, buscando manter essas

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conquistas ao invés de lutar por mais crescimento. Essa mudança de atitude dos

funcionários constrói mecanismos para manter o status quo, separando o “Monte

Olímpio” dos “mortais”. Formam-se coalizões em um movimento “orgânico”, além

das próprias coalizões que surgem a partir das várias aquisições.

O constante incentivo aos spin-offs provocava o efeito adverso de retirar da

organização recursos humanos qualificados. Por maior que fosse a fidelidade

desses novos donos de empresa à ALL, nos eventos identificados não houve casos

onde a ALL pode recuperar o capital humano perdido. Há pelo menos três possíveis

candidatos a gerentes de operações ferroviárias que teriam sido fundamentais para

evitar as falhas que levaram ao não cumprimento das metas anuais estabelecidas

durante a aquisição da Brasil Ferrovias. Os spin-offs eram soluções que ajudavam a

solucionar desafios do crescimento da ALL no curto prazo, mas prejudicavam ao

reduzir a folga de recursos humanos de longo prazo.

Outro possível efeito negativo para a longevidade é a baixa capacidade de

inovação possivelmente causada pela preferência pela busca de soluções externas

ao mesmo tempo em que são favorecidas as soluções suficientes ao invés da busca

pela menor solução e pela criação de valor. Um comportamento desse gênero é

mais plausível na situação crítica pós-privatização, mas a década de forte

crescimento vivenciada pela ALL deveria permitir que a empresa fortalecesse sua

capacidade de inovar e não o contrário, conforme apontam algumas evidências.

Não existem evidências de que, com a mudança do contexto na Fase do

Pós-Venda, o modelo de gestão adotado na Fase de Reestruturação e Crescimento

tenha sido repensado. Isso pode sugerir riscos à longevidade no longo prazo uma

vez que o comportamento “apagando incêndio” não se justificaria. Dado que a

cultura ALL foi forjada baseada no modelo GP de gestão de empresas seria

ponderável em que medida esse modelo é capaz de construir as competências

necessárias em uma empresa baseada em crescimento orgânico. Os casos ditos de

sucesso destacados pelo grupo GP, em geral, envolvem uma estratégia de

crescimento por aquisições e consolidação de mercado, onde a empresa reutiliza o

conhecimento que possui sobre aquisições e turnaround para ter ganhos de capital

entre a compra do ativo depreciado e a valorização após o turnaround.

A Inbev surge da aquisição inicial da Brahma que posteriormente adquire a

Antarctica, criando a Ambev. Em seguida a Ambev inicia um processo de

consolidação na América Latina e compra a maior cervejaria argentina. Alguns anos

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depois se funde com a Interbrew, uma das maiores empresas de bebidas da Europa,

e constrói uma empresa global. Atualmente a Inbev, fruto dessa última fusão, está

em processo de integração com a Anhauser-Busch, a maior cervejaria americana.

Já a Lojas Americanas seguiu processo semelhante, ampliando sua participação

principalmente em empresas de varejo eletrônico, como Submarino. A ALL parece

seguir esse mesmo caminho. Apesar da expansão da ALL por aquisições estar

severamente limitada na região, o fundo de investimento 3G, controlado pelo trio

fundador do grupo GP, adquiriu uma parcela considerável da CSX, uma das

principais ferrovias americanas, o que leva a conjecturas sobre as possibilidades de

integração futura desses negócios, aos moldes do caso Ambev-Interbrew.

Toda empresa tem a possibilidade de buscar a sua renovação. A GE, por

exemplo, tinha a possibilidade de se manter nos mercados maduros e estáveis nas

quais ela detinha dominância. Contudo, buscou também ter posições em mercados

em crescimento que detinham sinergias com os negócios existentes. Hoje ela atua

na fabricação e manutenção de turbinas de aviões e equipamentos médicos. Vários

autores (Levitt, 1960; Chandler, 1977; Roberts, 1956) destacaram como as ferrovias

tiveram dificuldades em conceber novas formas de negócio. Portanto, em que

medida as empresas transformadas pelo grupo GP teriam condições de sobreviver

sem a capacitação de renovar-se?

O mundo viu nas décadas de 70 e 80 a falência de vários modelos de

crescimento baseado em aquisições para a formação de holdings onde se

mantinham negócios que não desfrutavam de qualquer sinergia entre si. Durante

alguns anos o modelo era eficiente, mas essas empresas acabavam em situações

críticas fragmentando-se. Casos mais notórios que podem ser destacados tratam da

BAT (British American Tobbaco) e Greyhound. Eram modos de crescimento

desestruturados que não davam a devida importância ao desafio da integração.

6.1 SUGESTÕES PARA PESQUISAS FUTURAS

Uma das principais limitações desta pesquisa está na dificuldade em se

separar os efeitos das mudanças do ambiente no qual a organização está inserida

das ações por ela empreendidas. No estudo que originou o modelo proposto por

Fleck (2006), a autora optou por fazer uma análise comparativa de duas

organizações que tiveram origens semelhantes, porém destinos completamente

diferentes. Enquanto a GE se tornou um grande sucesso global, a Westinghouse,

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também criada no final do século XIX, não conseguiu sobreviver ao final do século

XX. Fleck argumentou que as ações empreendidas pelas duas organizações ao

longo de sua história formaram competências essenciais para a sobrevivência

saudável na primeira enquanto que a segunda falhou em vários momentos.

Sob o ponto de vista de contribuição para a teoria dos arquétipos uma

discussão levantada pelo caso estudado é a diferença de importância que cada

desafio teve para a mudança de posição no continuum. Em cada fase diferentes

desafios tiveram impactos diferentes sobre a propensão à longevidade e sua saúde.

Uma pesquisa semelhante ao caso original poderia ser empreendida

analisando casos brasileiros. No pós-privatização, a MRS e as ferrovias

administradas diretamente pela Vale (Carajás, Vitória-Minas e a FCA) podem ser

entendidos como casos de sucesso. Já os casos que poderiam ser considerados de

fracasso são: todas as concessões da holding Brasil Ferrovias, adquirida pela ALL

após a entrada em processo falimentar; Ferropar, devolvida ao Estado; e a CFN,

deficitária ainda hoje. Contudo, o histórico da indústria ferroviária brasileira não

oferece um histórico amplo para duas organizações com destinos diferentes. Até

mesmo para a própria ALL esse curto histórico já foi um empecilho uma vez que

dificultou a identificação da formação de mecanismos e de seus efeitos sobre as

respostas aos desafios. O autor acredita que essa análise tenderia muito mais a

destacar os efeitos das políticas públicas e os erros de administração do que

efetivamente os aspectos positivos das administrações instauradas.

Outro empecilho à comparação de casos brasileiros é a característica

societária das concessões. Diferentemente do que é encontrado nos Estados Unidos

e em grande parte da Europa, no Brasil as ferrovias são essencialmente controladas

pelos seus principais clientes. O minério de ferro é responsável pela maior parte do

volume transportado por ferrovias (em 2007 representou quase 75% do volume

transportado) e as ferrovias que o transportam são controladas pela Vale, que

representa um percentual significativo da produção nacional. A ALL é a única

ferrovia independente sob esse ponto de vista.

Essa pesquisa contribuiu principalmente ao colocar luz sobre um dos vários

casos de turnaround que são destacados na mídia especializada em gestão sobre a

“mística” do Grupo GP Investimentos. Ainda está longe de conseguir explicar

detalhadamente os mecanismos que justificam o sucesso de suas operações ou

mesmo das empresas fundadas e administradas por Jorge Paulo Lemann. Existem

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também outros exemplos já estudados relacionados à “cultura GP” como a pesquisa

conduzida por Rodrigues (2005), na qual analisou o caso Lojas Americanas também

sobre a perspectiva dos desafios propostos por Fleck, em uma versão anterior45. Há

outros casos de sucesso das aquisições do grupo GP que podem contribuir para

uma análise multi-caso como a Telemar e a Inbev. Analisando transversalmente tais

processos de aquisição e transformação seria possível identificar mais claramente

semelhanças e diferenças não só nas soluções e os modelos adotados, mas

também sobre seus efeitos no sucesso e na longevidade saudável das empresas.

As informações sobre o grupo GP levantam a hipótese sobre a importância

do processo de seleção de alvos para aquisições. Os casos citados foram em geral

sobre indústrias de baixo risco tecnológico. O grupo destaca até mesmo que esse

fator é relevante na sua estratégia de aquisição. Seria, portanto, curioso, descobrir

quais seriam os efeitos de seus modelos sobre indústrias diferentes. A comparação

com casos de fracasso, como a aquisição da Artex, a rede de supermercados ABC e

o parque de diversões Hopi Hari também poderia trazer maiores detalhes sobre os

efeitos positivos e negativos dos valores e crenças dessa organização.

O GP se destaca no Brasil por ser um dos poucos bancos de investimentos

existentes no país com foco fundamental em operações de equity. Uma

possibilidade de estudo futuro poderia atuar na análise de outros bancos de

investimento nacionais com operações de aquisição e turnaround ou mesmo em

operações independentes, executadas pelas próprias empresas.

Outra fonte para possíveis estudos na área de crescimento utilizando o

framework de Fleck (2006) seria a organização que inspirou a criação do Banco

Garantia, o Goldman Sachs. Trata-se de um banco com mais de 100 anos de

história bastante relevante no mercado americano, precursor de diversas práticas

gerenciais no mercado financeiro e que recentemente teve sérios problemas devido

à alta exposição ao risco durante a crise econômica de 2007. Existem inúmeros

livros com relatos relevantes sobre a cultura e o modelo de gestão. O livro “Goldman

Sachs: A Culture of Success”46 seria um ponto de partida interessante.

45 O artigo de 2006 ainda não havia sido publicado e Rodrigues se baseou no texto original de Fleck em seu doutorado.

46 Goldman Sachs: The Culture of Success, Por Lisa Endlich, Doug Campbell, Coleen Degnan-Veness. Publicado por Pearson Education, 2001.

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221

GLOSSÁRIO

Asset Stripping – tradução não encontrada. Trata-se da venda de ativos com retorno

de longo prazo ou do desinvestimento na formação desses ativos, como

investimentos em P&D, novos produtos, etc. O objetivo com essa venda é

disponibilizar recursos financeiros de curto prazo.

Alavancagem financeira – Relação entre o nível de endividamento e a capacidade

de pagamento das dívidas. Em geral relacionada à disponibilidade de ativos,

também se considera a geração de caixa como fator relevante na avaliação dessa

capacidade.

Alavancagem operacional – Relação entre custos fixos e custos variáveis. Quanto

maior a proporção de custos fixos para variáveis, mais alavancada está a empresa.

Benchmark – refere-se a algum indicador, processo ou método tido como o mais

avançado existente dentro de um escopo.

Bitola – distância específica entre os trilhos de uma via férrea. Essa distância

determina o uso de equipamentos e tecnologias, além de certas características do

tráfego. No Brasil as mais comuns são: métrica (1000 mm); larga (1600 mm); e

internacional/padrão (1435 mm).

Carga de retorno – carga transportada no sentido oposto ao utilizado pelo fluxo

principal. Exemplo: uma empresa contrata uma transportadora para levar a soja da

fazenda até o porto. A empresa por sua vez busca um cliente que esteja querendo

levar, digamos, adubo, do porto para a fazenda.

Commodity – produto com nenhuma ou baixíssima diferenciação entre produtores e

fabricantes.

Conglomerado – Firmas que controlam ao mesmo tempo negócios completamente

distintos onde cada negócio segue com uma administração independente, enviando

seus lucros para o escritório central.

Downsizing – estratégia de redução de pessoal em larga escala.

Downstream – refere-se às atividades presentes no início de uma cadeia de

produtiva, em oposição ao upstream.

Due diligence – em português, diligência prévia. É o processo segundo o qual um

potencial adquirente avalia o seu alvo e respectivos ativos, quando tem a intenção

de proceder a uma aquisição.

Folga Organizacional – Organizational slack is that cushion of actual or potential

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resources which allows an organization to adapt successfully to internal pressures for

adjustment or to external pressures for change in policy, as well as to initiate

changes in strategy with respect to the external environment. (Bourgeois III, 1981).

Frota própria – denominação utilizada para classificar o transporte realizado por

caminhões pertencentes e administrados pela empresa dona dos produtos

transportados.

Holding – estrutura organizacional adotada por grupos empresariais onde uma

empresa central detém controle sobre as ações de outras empresas, onde as

segundas são responsáveis pela fabricação de produtos e/ou oferta de serviços.

Não é necessário que a administração dos negócios seja descentralizada.

Hub – local onde vários fluxos de transporte se encontram para conectar rotas e

intercambiar cargas. Faz parte de um paradigma de método de distribuição que

sugere a consolidação de cargas para tornar o transporte mais eficiente.

Intermodal (transporte) – transporte de cargas que utiliza diferentes meios de

transporte, porém cada um administrado por uma empresa diferente. Compara-se ao

transporte unimodal, que adota um único meio, e o multimodal, que utiliza diferentes

meios, porém com um único responsável pela carga.

Leverage Buyout (LBO) - em português, compra alavancada (tradução livre). É o

processo de aquisição de empresas onde a firma compradora contrai um ato volume

de empréstimos para financiar a compra.

Management Buyout (LBO) - em português, compra pela gerência (tradução livre). É

o processo de aquisição de empresas onde os principais executivos da companhia

se associam e fazem uma oferta para a compra da companhia na qual trabalham.

Material rodante – equipamentos utilizados no transporte ferroviário, como vagões e

locomotivas.

Multimodal (transporte) – ver intermodal.

Obra de arte – no contexto da indústria ferroviária refere-se a construções

complexas como pontes, túneis e viadutos.

Passagem de nível – Local da linha férrea que cruza com uma via rodoviária.

Peer-review – em português, revisão por pares. É quando a avaliação de

desempenho se baseia em empregados de mesmo nível hierárquico.

Ponta – no contexto do transporte de cargas, refere-se à parte inicial e/ou final de

um fluxo. Por exemplo, se não houver um terminal ferroviário de carga na planta de

produção do embarcador, será necessário contratar uma ponta rodoviária para levar

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a carga até a estação ferroviária mais próxima.

Prêmio – no contexto da privatização, prêmio diferença entre o lance final e o valor

mínimo exigido.

Private Equity – Instituição financeira que investe na compra de controle acionário de

empresas com o objetivo de revendê-la após um período e obter lucro com a

valorização de suas ações, em geral após implantar modificações na sua gestão

e/ou estratégia.

Reestruturação – o mesmo que turnaround. É em geral considerado quando uma

organização passa por: reposicionamento estratégico, balanceamento de dívida e

patrimônio líquido, troca de controle.

Sistema de licenciamento de trens – procedimentos pelos quais as ferrovias

coordenam o uso compartilhado de trechos ferroviários por diferentes comboios.

Spin-off – Processo no qual uma área de negócio se torna uma firma independente

da empresa a qual fazia parte com o apoio da última. Esse apoio pode surgir da

transferência de tecnologia, equipamentos ou do fato de ser o primeiro cliente.

Spin-out – semelhante ao spin-off, porém refere-se à uma nova empresa formada a

partir de um grupo funcionários da empresa anterior mas que em geral não possuem

o mesmo apoio que as empresas criadas em spin-offs.

Spot (contratos) – modo de contratação de serviço de transporte no qual consta

apenas um único fluxo a ser realizado. Opõe-se a modalidades de contratos mais

longas e contratos take-or-pay.

Spread bancário – diferença entre a taxa oferecida em captações do governo e a

taxa oferecida pelos bancos no empréstimo.

Stakeholder – organizações e grupos de pessoas que possuem algum tipo de

interesse nas operações da empresa.

Stock options – formato de remuneração variável que paga aos funcionários através

de cotas societárias.

Super-estrutura – no contexto da indústria ferroviária, parte do projeto das estradas

de ferro responsável pela construção do caminho em si, como os trilhos. Difere da

infra-estrutura, parte da obra que sustenta a super-estrutura.

Tag along – termo de contrato de venda de ações onde o emissor garante a

recompra no caso da emissora sofrer um processo de aquisição da empresa nos

mesmos termos da compra da empresa.

Tagging – tecnologia que consiste no uso de chips acoplados aos vagões que

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emitem informações via rádio para receptores ao longo da linha.

Takeover – o mesmo que compra, normalmente associada a compra de empresa.

Ação pela qual uma organização adquire outra.

Takeover hostil – é a compra de uma organização sem o consentimento da alta

gestão da companhia adquirida. O comprador faz uma oferta direta aos acionistas

da companhia alvo.

take-or-pay (contratos) – modo de contratação de serviço de transporte no qual o

embarcador assume pagar uma parcela mínima ao transportador mesmo que não

disponibilize a carga e o transportador assume pagar uma parcela mínima ao

embarcador caso não cumpra as metas de disponibilidade de serviço.

Transbordo – ato de transferir carga de um equipamento de transporte para outro,

podendo ser entre equipamentos semelhantes ou não.

Transit time – em português, tempo de trânsito. É o tempo necessário para percorrer

determinado trecho ferroviário.

Turnaround – é o processo pelo qual uma organização reverte um declínio de

desempenho que coloca em risco a vida da firma. Termo equivalente a

reestruturação.

Turnover – relação entre a quantidade de unidades que entram e que saem em um

determinado sistema. Por exemplo, o turnover de empregados, indica a intensidade

com que se renova o quadro de pessoal. O mesmo pode ser usado para firmas em

uma determinada indústria.

Unimodal (transporte) – ver intermodal.

Unit – tipo de ação emitido por uma empresa que agrupa ações ordinárias e

preferenciais.

Upstream – refere-se às atividades presentes no final de uma cadeia produtiva, em

oposição ao downstream.

Usuário cativo – no contexto do setor ferroviário é aquele cliente que tem forte

dependência do transporte por ferrovias para tornar seu negócio viável.

Via permanente – equipamentos da via férrea, como trilhos e dormentes.

Fundo de investimento, , traders,

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ANEXOS

ANEXO I – RESPOSTAS ESTRATÉGICAS A PRESSÕES INSTITUCIONAIS

Extraído de (Oliver, 1991)

Respostas Estratégicas

Aceitação

Adequação – é definido como uma obediência ou incorporação, consciente,

de valores, normas ou requerimentos institucionais;

Hábito – refere-se à aderência cega ou inconsciente a regras ou valores

preconcebidos ou tidos como verdade;

Imitação – refere-se à imitação consciente ou inconsciente de modelos

institucionais.

Comprometimento

Balancear partes interessadas – refere-se à acomodação da demanda de

vários constituintes em resposta a pressões e expectativas institucionais;

Barganha – envolve o esforço da organização em extrair alguma concessão

de um constituinte externo em suas demandas ou expectativas;

Táticas de pacificação – uma organização que aplica o uso de táticas de

pacificação tipicamente cria um pequeno nível de resistência às pressões

institucionais, mas devota a maior parte de sua energia para aliviar ou aplacar a

fonte ou as fontes institucionais que resistiu.

Evasão

Fuga – a organização pode sair do domínio no qual as pressões são

exercidas ou alterar significativamente seus objetivos, atividades ou domínios para

evitar a necessidade de conformidade;

Prevenção – Refere-se às tentativas de uma organização em reduzir a

extensão na qual ela é inspecionada ou avaliada separando suas atividades técnicas

do contato externo;

Táticas de ocultação – Envolve a maquiagem das não conformidades por

trás de uma fachada de aceitações.

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Confrontação

Atacar – organizações atacantes tentam derrubar, diminuir ou denunciar

veementemente valores institucionais e os constituintes externos que as expressam;

Desafiar – organizações que confrontam pressões institucionais estão na

ofensiva em desafiar essas pressões e podem fazer da sua insurreição uma virtude;

Ignorar – ignorar regras e valores institucionais é uma opção estratégica que

as organizações têm maior probabilidade de exercer quando o potencial para reforço

externo é percebido como baixo ou quando os objetivos internos divergem ou

entram em conflito dramaticamente com os valores ou requisitos institucionais.

Manipulação

Controlar – são esforços específicos para estabelecer poder e dominância

sobre constituintes externos que estão aplicando pressão sobre a organização;

Cooptar – uma organização pode, por exemplo, tentar persuadir um

constituinte institucional para fazer parte da organização ou de seu conselho de

diretores;

Influenciar – táticas de influência podem ser mais genericamente

direcionadas para crenças e valores institucionalizados ou para definições e critérios

de práticas aceitáveis ou desempenho.

Dimensões preditoras das respostas estratégicas

Causa (por que) – a causa das pressões institucionais refere-se à

racionalidade, grupo de expectativas ou objetivos por trás das pressões:

Adequação social – são pressões para que as operações da organização

sejam aceitas pelas sociedades na qual está inserida (organizações profissionais,

governo, etc.);

Adequação econômica – são as pressões exercidas para que as

organizações sejam economicamente responsáveis, trazendo retorno adequado

para a quantidade de recursos investidos;

Constituinte (quem) – a ordem normativa coletiva do ambiente não é

necessariamente unitária ou coerente. As organizações confrontam com pressões

conflitantes que limitam a capacidade da organização em aceitar tais pressões:

Multiplicidade – grau de multiplicidade de expectativas conflitantes exercidas

sobre a organização;

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Dependência – grau de acesso ou liberdade em se relacionar com outros

atores para suprir as demandas da organização por recursos ou legitimidade;

Conteúdo (o que) – avaliação das características ou especificações da

quanto a sua aderência e impacto na organização;

Consistência – trata-se da compatibilidade da pressão com os objetivos

internos da organização;

Restrições – perda da liberdade de ação (uso de recursos, escolha de

caminhos, seleção de serviços) decorrente da aceitação da pressão;

Controle (como) – descreve os meios pelos quais as pressões são exercidas

sobre a organização;

Coerção – imposição de aceitação através da autoridade;

Difusão – trata-se do grau de alcance da aceitação voluntária sobre normas,

valores e procedimentos;

Contexto (qual) – características do ambiente no qual a organização está

inserida;

Incerteza – grau no qual estados futuros do ambiente não podem ser

antecipados ou previstos com precisão;

Interconectividade – refere-se à densidade de relações inter-organizacionais

entre ocupantes de um campo organizacional.

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ANEXO II – LISTA DE DIMENSÕES DE ANÁLISE

Tabela 6-1: Lista de Dimensões para Análise.

GRUPO SUB_GRUPO DIMENSAO Positivo Negativo COMENTARIO Referência

Movimentos de

expansãoCaracterísticas Aplicação de folga Produção de folga Desperdício

Trata-se dos movimentos de expansão que criam ou fazem parte de um círculo virtuoso de

crescimento, onde a expansão gera novas oportunidades de expansão.

(Fleck, 2006);

(Chandler, 1977)

Movimentos de

expansãoMotivação

Produtividade e

eficiênciaGeração de folga Consumo de folga

Trata-se dos movimentos de expansão (aumento de eficiência e produtividade) que liberam

recursos operacionais para que sejam investidos em atividades de longo prazo.

(Fleck, 2006);

(Chandler, 1977)

Movimentos de

expansãoMotivação

Internalização de

transações (vertical)

Cria e/ou mantém

valor (híbrida)

Não cria ou mantém

valor (nil)

No contexto do desafio empreendedor, trata-se dos movimentos de expansão com o objetivo

de aumentar o valor criado pela empresa, onde os seus mecanismos de coordenação permitem

aumento da eficiência que geram ganhos superiores aos investimentos necessários ou onde

garantem um fluxo contínuo para a operação.

(Fleck, 2006);

(Chandler, 1977)

Movimentos de

expansãoMotivação

Novos mercados e

produtos

(diversificação)

Cria valor

(produtiva)Não cria valor (nil)

No contexto do desafio empreendedor, trata-se dos movimentos de expansão com o objetivo

de aumentar o valor criado pela empresa, seja através: (1) ganhos de escala, escopo e

velocidade; (2) redução dos custos unitários pela melhor utilização da infra-estrutura

administrativa. Ou seja, deve existir sinergias entre os negócios atuais e os novos.

(Fleck, 2006);

(Chandler, 1977)

Movimentos de

expansãoMotivação

Mercados e produtos

correntes (horizontal)

Mantém valor

(defensiva)Perde valor (nil)

No contexto do desafio empreendedor, trata-se dos movimentos de expansão com o objetivo

de manter o valor criado pela empresa protegendo os mercados onde atua.

(Fleck, 2006);

(Chandler, 1977)

Serviços produtivos Gerenciais Experiência Longa CurtaTrata-se dos conhecimentos adquiridos pelo corpo gerencial com relação ao negócio e as

relações internas do grupo de administração.Penrose, 1980

Serviços produtivos GerenciaisRelacionamentos

interpessoaisFortes Fracos

Trata-se do tempo e da proximidade com que gestores trabalham juntos. Quanto mais tempo e

mais próximos, mais forte a relação, levando a um maior nível de confiança e cooperação,

condição necessário para um planejamento extenso.

Penrose, 1980

Serviços produtivos Gerenciais Planejamento

Disponível e

aplicado à

expansão

Ausente e/ou não

aplicado para a

expansão

Refere-se a disponibilidade de recursos gerenciais para o desenvolvimento dos planos nessários

para a realização de movimentos estratégicos, além da operação diária.Penrose, 1980

Serviços produtivos Empreendedores AmbiçãoMaximização e

lucro consistente

Estabilidade e/ou

lucro pontual

Trata-se da vontade constante em se alcançar niveis de lucratividade maiores do que aqueles

até então alcançados, mesmo que para tanto seja necessário aumentar o esforço, o risco ou o

investimento. Good-will builders vs Empire-builders.

Penrose, 1980

Serviços produtivos EmpreendedoresLevantamento de

financiamento

Financiamento

quando recursos

escassos

Falta de

financiamento

Trata-se da capacidade de levantar novos investimentos que permita alcançar um tamanho e

posição onde possui acesso mais fácil. Envolve também a habilidade em criar confiança.Penrose, 1980

Serviços produtivos EmpreendedoresJulgamento

empresarial

Consciência e

redução de riscos e

incertezas

Ignorância sobre

riscos e incertezas

Trata-se da capacidade da organização em coletar informações para ser capaz de considerar os

efeitos dos riscos e incertezas sobre as expectativas da firma. É somente parcialmente uma

questão de personalidade de indivíduos.

Penrose, 1980

Serviços produtivos Empreendedores Versatilidade Visão e imaginação Cegueira

Trata-se da capacidade de investigar caminhos para a expansão onde não é óbvio para a

maioria das pessoas. Capacidade de investigar novos serviços provenientes de recursos

produtivos já existentes.

Penrose, 1980

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PressõesNegativas e/ou

inconsistentesFora de controle Ajuste Outras

Trata-se das pressões institucionais que, caso fossem assimiladas pela organização, entrariam

em conflito com seus próprios objetivos (consistência) ou trariam um efeito negativo, seja para

a legitimidade, para a eficiência econômica ou para o seu grau de autonomia. Nesse contexto, a

resposta adequada da organização depende dos fatores: multiplicidade, dependência, poder

coercitivo, difusão, interconectividade e incerteza.

(OLIVER, 1991)

PressõesNegativas e/ou

inconsistentesEquilíbrio Neutralizar Outras

Trata-se das pressões institucionais que, caso fossem assimiladas pela organização, entrariam

em conflito com seus próprios objetivos (consistência) ou trariam um efeito negativo, seja para

a legitimidade, para a eficiência econômica ou para o seu grau de autonomia. Nesse contexto, a

resposta adequada da organização depende dos fatores: multiplicidade, dependência, poder

coercitivo, difusão, interconectividade e incerteza.

(OLIVER, 1991)

PressõesNegativas e/ou

inconsistentesSob controle Moldar Outras

Trata-se das pressões institucionais que, caso fossem assimiladas pela organização, entrariam

em conflito com seus próprios objetivos (consistência) ou trariam um efeito negativo, seja para

a legitimidade, para a eficiência econômica ou para o seu grau de autonomia. Nesse contexto, a

resposta adequada da organização depende dos fatores: multiplicidade, dependência, poder

coercitivo, difusão, interconectividade e incerteza.

(OLIVER, 1991)

Serviços de

navegação

Visibilidade

(monitoramento)Pressões Consciência Inconsciência É a capacidade da organização perceber as pressões que está sofrendo. (OLIVER, 1991)

Serviços de

navegação

Visibilidade

(monitoramento)Processos

Interpretação dos

efeitos

Má ou incorreta

interpretação

É a capacidade da organização de conhecer os processos institutionais e compreender as

conseqüências da aceitação ou rejeição das pressões que sofre.(OLIVER, 1991)

Serviços de

navegação

Visibilidade

(monitoramento)Antecipação À priori À posteriori É a capacidade da organização de identificar temporalmente a ocorrência de pressões. (OLIVER, 1991)

Serviços de

navegaçãoCapacidade Independência

Independência dos

atores

Dependência dos

atoresÉ o grau de dependência que a organização possui com relação aos seus stakeholders. (OLIVER, 1991)

Serviços de

navegaçãoCapacidade Conectividade Baixo grau Alto grau É o quanto a organização está conectada ao seu ambiente. (OLIVER, 1991)

Serviços de

navegaçãoCapacidade Autonomia Alto Baixo É o grau de autonomia que a organização possui para tomar decisões sobre a sua trajetória. (OLIVER, 1991)

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Serviços produtivos Gerenciais Experiência Longa CurtaTrata-se dos conhecimentos adquiridos pelo corpo gerencial com relação ao negócio e as

relações internas do grupo de administração.(PENROSE, 1980)

Serviços produtivos GerenciaisRelacionamentos

interpessoaisFortes Fracos

Trata-se do tempo e da proximidade com que gestores trabalham juntos. Quanto mais tempo e

mais próximos, mais forte a relação, levando a um maior nível de confiança e cooperação,

condição necessário para um planejamento extenso.

(PENROSE, 1980)

Serviços produtivos Gerenciais Planejamento

Disponível e

aplicado à

expansão

Ausente e/ou não

aplicado para a

expansão

Refere-se a disponibilidade de recursos gerenciais para o desenvolvimento dos planos nessários

para a realização de movimentos estratégicos, além da operação diária.(PENROSE, 1980)

Oferta de recursos

gerenciaisDisponibilidade Sucessão Abrangente

Inexistente ou

limitada(PENROSE, 1980)

Oferta de recursos

gerenciaisDisponibilidade Retenção Focada

Inexistente ou

desfocada

Permite a sustentação das vantagens competitivas alcançadas, pois os gestores são recursos

valiosos, imperfeitamente imitáveis e imperfeitamente substituíveis.(FLECK, 2006)

Oferta de recursos

gerenciaisDisponibilidade Antecipação Constante Limitada

Prover a organização com um fluxo contínuo de serviços produtivos, reduzindo a incerteza e a

dependência do ambiente em prover recursos valiosos.(FLECK, 2006)

Oferta de recursos

gerenciaisQualidade

Desenvolvimento e

formaçãoAbrangente

Inexistente ou

limitada

Trata-se da criação dos recursos adequados à organização, com experiência no negócio e nas

relações interpessoais existentes na firma.(FLECK, 2006)

Oferta de recursos

gerenciaisQualidade Avaliação Abrangente

Inexistente ou

limitada(FLECK, 2006)

Oferta de recursos

gerenciaisQualidade

Renovação e

intercâmbioConstante Limitada

Trata-se da manutenção da diversidade, da heterogeneidade dos recursos gerenciais,

permitindo agregar novas competências.(FLECK, 2006)

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Resolução de

problemasAmplitude da busca

Aprovisionamento de

RHAmpla Reduzida

Envolve a busca por soluções em outras áreas além da diretamente relacionada ao problema,

específico ao Desafio.(FLECK, 2006)

Resolução de

problemasAmplitude da busca Empreendedorismo Ampla Reduzida

Envolve a busca por soluções em outras áreas além da diretamente relacionada ao problema,

específico ao Desafio.(FLECK, 2006)

Resolução de

problemasAmplitude da busca Gestão da diversidade Ampla Reduzida

Envolve a busca por soluções em outras áreas além da diretamente relacionada ao problema,

específico ao Desafio.(FLECK, 2006)

Resolução de

problemasAmplitude da busca

Navegação no

AmbienteAmpla Reduzida

Envolve a busca por soluções em outras áreas além da diretamente relacionada ao problema,

específico ao Desafio.(FLECK, 2006)

Resolução de

problemasAprendizado

Aprovisionamento de

RHOrganização Indivíduo

Refere-se ao locus final do resultado do processo de resolução de problema, com posterior

explicitação do conhecimento e disseminação.(FLECK, 2006)

Resolução de

problemasAprendizado Empreendedorismo Organização Indivíduo

Refere-se ao locus final do resultado do processo de resolução de problema, com posterior

explicitação do conhecimento e disseminação.(FLECK, 2006)

Resolução de

problemasAprendizado Gestão da diversidade Organização Indivíduo

Refere-se ao locus final do resultado do processo de resolução de problema, com posterior

explicitação do conhecimento, disseminação e uso.(FLECK, 2006)

Resolução de

problemasAprendizado

Navegação no

AmbienteOrganização Indivíduo

Refere-se ao locus final do resultado do processo de resolução de problema, com posterior

explicitação do conhecimento e disseminação.(FLECK, 2006)

Resolução de

problemasForma da busca

Aprovisionamento de

RHSistemática Aleatória

Requer procedimentos sistemáticos de recolhimento de informação, análise (incluindo

definição de critérios de decisão), tomada de decisão e implementação, especifícos ao desafio.(FLECK, 2006)

Resolução de

problemasForma da busca Empreendedorismo Sistemática Aleatória

Requer procedimentos sistemáticos de recolhimento de informação, análise (incluindo

definição de critérios de decisão), tomada de decisão e implementação, especifícos ao desafio.(FLECK, 2006)

Resolução de

problemasForma da busca Gestão da diversidade Sistemática Aleatória

Requer procedimentos sistemáticos de recolhimento de informação, análise (incluindo

definição de critérios de decisão), tomada de decisão e implementação, especifícos ao desafio.(FLECK, 2006)

Resolução de

problemasForma da busca

Navegação no

AmbienteSistemática Aleatória

Requer procedimentos sistemáticos de recolhimento de informação, análise (incluindo

definição de critérios de decisão), tomada de decisão e implementação, especifícos ao desafio.(FLECK, 2006)

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IntegraçãoCapacitações em

coordenaçãoOrganização

IntegraçãoCapacitações em

coordenaçãoResolução de conflitos Convergente Divergente

Refere-se a forma como a organização resolve seus conflitos e rivalidades, permitindo ou não a

manutenção de direcionamentos divergentes sobre aspectos relevantes.(FLECK, 2006)

IntegraçãoCapacitações em

coordenaçãoEstruturas integradoras Existência Não existência

Formação e dedicação de recursos para funções organizacionais tais como: comitês

permanentes, forças-tarefa, departamentos de integração (aquisições, processos, recursos).(FLECK, 2006)

IntegraçãoCapacitações em

coordenação

Qualidade da

autonomia

Autonomia na

ponta e

responsabilidade

no topo

Autonomia no topo

ou responsabilidade

na ponta

Trata-se da do grau de liberdade e abrangência com que as unidades da organização tomam

decisões, dependendo da distância para o topo, do grau de independência de suas escolhas e

da responsabilidade sobre a expansão do negócio.

(FLECK, 2006);

(PENROSE, 1980)

IntegraçãoFortalecimento de

relacionamentosCompartilhamento Unicidade Duplicidade

Uso compartilhado (dividido entre) de recursos homogêneos diversos tais como: de instalações,

pessoal, produtos e serviços que a empresa oferece, aspectos da cultura (mitos), reputação e

serviços internos.

(FLECK, 2006)

IntegraçãoFortalecimento de

relacionamentos

Intercâmbio e

combinação

Preservação /

inovaçãoEliminação

Intercâmbio (troca/alocação temporária) de recursos heterogêneos diversos tais como: de

instalações, pessoal, produtos e serviços que a empresa oferece, aspectos da cultura (mitos),

percepção de ameaças, reputação e serviços internos.

(FLECK, 2006)

IntegraçãoFortalecimento de

relacionamentosHomogeneização

Padronizar recursos (cultura, processos, equipamentos, etc) obtendo ganhos de escala, escopo

e velocidade, além de torná-los raros e difíceis de imitar devido às idiossincrasias inerentes a

sistemas sociais complexos.

(FLECK, 2006)

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233

ANEXO III – ADAPTAÇÕES AO SISTEMA DE REGISTRO DE DADOS

O cadastramento das proposições é o primeiro passo e refere-se ao trabalho

de destacar da revisão bibliográfica as proposições teóricas que posteriormente

foram utilizadas para comparação com os fatos e relatos levantados. Uma das

razões que levaram ao uso do software supracitado é a possibilidade de partir de um

referencial teórico de proposições já utilizado em outro estudo, permitindo não só a

comparação entre casos, mas também agilizando o trabalho de análise, uma vez

que o trabalho de revisão de literatura já estaria bem classificado, contribuindo para

a formação de um método de pesquisa mais estruturado.

Contudo, esses benefícios esperados não se provaram realizáveis na atual

versão do sistema. As proposições definidas no estudo de Dantas (2007) foram

feitas segundo a sua visão e interpretação das teorias de referência. Além disso, os

casos estudados são bastante diferentes sob diversos aspectos e, dessa maneira, o

foco dessas extrações da literatura foi diferente.

Uma diferença significativa de visão entre os dois métodos é que este

estudo tem a intenção de, na etapa de análise, conseguir registrar separadamente

classificação dos fatos e proposições teóricas. No estudo de Dantas (2007), por

exemplo, duas das proposições teóricas cadastradas no sistema eram “Aquisição

Horizontal” e “Versatilidade”. Na visão desse autor a aquisição horizontal não

constitui uma proposição teórica per se. O fato de a organização realizar uma

aquisição horizontal não implica necessariamente em ter tido uma resposta negativa

ou positiva a qualquer dos desafios, segundo a literatura utilizada. Já a Versatilidade

na organização contribui diretamente e de maneira positiva para a autoperpetuação,

segundo a revisão bibliográfica. Esses dois tipos diferentes de classificação

dificultam o processo de análise, exigindo um padrão diferente para cada tipo, além

de dificultar também a compreensão do leitor sobre as conclusões dos estudos.

Segundo Bunge (1999), a análise orientada a mecanismos (baseada na

identificação dos mecanismos que explicam determinado fenômeno) “distingue a

explicação adequada da mera suposição de particulares sob universais”. Com esse

objetivo em mente, é que a classificação foi modificada. O registro de que certo fato

ocorre da forma que ocorre por ser uma instância de uma generalização foi

substituído por um registro baseado na análise de um critério que diferencie a

contribuição do evento para a longevidade. Seguindo o exemplo inicial, o item

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234

“aquisição horizontal” é um tipo de evento, mas a proposição teórica desejada é

“motivação para expansão”.

A classificação adotada nesse estudo buscou eliminar da lista de

proposições teóricas aquelas que não fossem capazes de implicar diretamente em

resposta positiva ou negativa aos desafios da longevidade saudável. A interpretação

é de que esses seriam itens que classificam os fatos e relatos quanto à sua

natureza, enquanto que na fase de análise deveriam ser utilizadas dimensões de

classificação quanto à adequação da resposta à longevidade saudável.

O sistema desenvolvido já previa essa necessidade, mas a estrutura de

dados herdada da pesquisa anterior não favoreceu a separação entre proposições

teóricas classificatórias e proposições de avaliação de adequação. Esse estudo

revisou apenas a estrutura de dados de proposições teóricas de adequação. Tal

modificação no sistema não foi possível devido ao desconhecimento desse autor

sobre como realizar todas as alterações necessárias no sistema.

Porém, tal fato não implica em desconsideração da etapa para o método de

pesquisa. Se por um lado esse estudo mantém menor controle sobre os itens de

classificação da natureza dos fatos e relatos, por outro lado, o método de estudo de

referência manteve menor controle sobre algumas dimensões de análise mais

diretamente relacionadas com as conclusões do estudo. Essas informações, que

não possuem classificação específica e que suportam a análise, ficam disponíveis

no campo de observações em todos os cadastros, com cada instância de utilização

do sistema voltando tal campo mais para um aspecto da análise do que outro.

A adoção de um método de registro de dados desenvolvido por outro

pesquisador não se provou eficiente para essa pesquisa, uma vez que, mesmo com

a utilização do mesmo referencial teórico com alto nível de detalhamento, ambas as

pesquisas tinham interesses diferentes, que exigiam interpretações distintas sobre o

referencial teórico. O pesquisador entende que teria sido mais vantajoso se o tempo

dedicado inicialmente para adaptação e uso da ferramenta tivesse sido diretamente

convertido para a criação de um sistema próprio para registro.

Ao final, a visão geral de eventos mais relevantes e a classificação

superficial destes quanto ao desafio envolvido foi suficiente para traduzir a pergunta

de interesse. A classificação detalhada foi útil para a construção da argumentação

necessária ao entendimento da trajetória escolhida.

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235

ANEXO IV – OS MODOS DE TRANSPORTE DE CARGAS E SUAS CARACTERÍSTICAS

O transporte intermodal foi criado como um novo segmento na

regulamentação e foi o de maior crescimento após a reforma nos EUA. Ele combina

as características de serviço e custo de cada modal e a forma mais comum é a

junção entre caminhão e trem, justamente devido à evolução de tecnologias que

facilitam a transposição de cargas com o mínimo esforço, custo e tempo possível.

Muito da evolução desse sistema se deve à evolução do processo de

conteinerização de cargas, que permitiu a mecanização de várias operações. Os

embarcadores utilizam cada vez mais diferentes modos de transporte para atingir

suas estratégias.

A reforma regulatória tornou a classificação das empresas quanto às quatro

categorias de serviço existentes (regulares, contratados, livres e próprios) em algo

mais complexo, uma vez que as limitações para operação em categorias separadas

foram eliminadas.

Transportadores regulares são aqueles obrigados a publicar e praticar

horários e tarifas pré-determinadas. É a categoria que manteve maior grau de

regulamentação e deve obedecer a três princípios: prestação de serviço para

qualquer cliente interessado que se encaixe no escopo de transporte da empresa; o

transportador tem responsabilidade sobre a carga entregue a ele; dado que existem

restrições a entrada de novos competidores, as tarifas devem ser mantidas em

níveis razoáveis.

Transportadores contratados ofertam seus serviços para uma base seleta de

clientes através de contratos de longo prazo ou tarifas negociadas. Apesar de

também ter a entrada de novos competidores controlada, não existem restrições de

tarifas ou seletividade. Esse transportador personaliza seu serviço para atender a

demandas específicas de seus clientes.

Transportadores livres são aqueles que atuam em regiões metropolitanas na

distribuição urbana como jornais, peixes e frutas. Em geral também operam como

consolidadores e distribuidores de carga.

Por fim, as frotas próprias das firmas também são consideradas na

classificação regulatória, mas não sofrem regulamentação. São consideradas

transportadoras próprias aquelas empresa onde o serviço de transporte é tido como

tendo efeito direto sobre o negócio principal da empresa. A reforma regulatória

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236

permitiu que essas empresas oferecessem seus serviços, em geral a carga de

retorno, para outras empresas, atividade até então proibida.

Outros tipos de serviço e classificação existem na indústria, mas não

possuem classificação específica na legislação, tais como: envio expresso; gestão

de frotas; consolidadores; agentes de embarcação; associações de embarcadores,

operadores logísticos, dentre outros. O envio de pequenas cargas expressas

ampliou sua participação na indústria devido, principalmente, a novas tendências de

produção e consumo tais como a produção Just-in-time e ampliação do e-commerce

e serviços de entrega em casa. Consolidadores tomaram uma posição de mercado

onde atuavam contratando serviços de transporte ao invés de deter propriedade ou

operar diretamente os ativos e na sua grande maioria apoiam o transporte

internacional.

Os operadores logísticos, por sua vez, são as empresas que oferecem o

serviço de gestão de todas as atividades logísticas de seus clientes. O crescimento

desse tipo de empresa se deve principalmente, às mudanças nas estratégias das

empresas de terceirização de competências que não são centrais para o negócio.

Apesar dos dutos terem uma velocidade relativamente baixa, é um modo

capaz de trabalhar 24 horas por dia e seus custos variáveis são muito baixos. A

complexidade do negócio está na administração correta para prevenir que fluxos de

diferentes clientes sejam misturados.

O transporte marítimo é semelhante na característica das cargas com as

ferrovias, mas é reconhecidamente o meio mais lento de transporte. Atrasos ocorrem

por diversos motivos: condições climáticas adversas; gargalos nos canais; filas nos

terminais. Obviamente, o fator mais crítico é sua baixa acessibilidade.

O transporte aéreo é mais caro e, apesar da velocidade, as operações de

transbordo em terminais e a baixa acessibilidade limitam a possibilidade de

concorrer com o transporte rodoviário em termos de velocidade para distâncias

curtas e médias. Também sofre com a restrição devido às condições climáticas,

além de estar limitada em tamanho e peso das cargas.

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237

ANEXO V – ANTECEDENTES E EVOLUÇÃO DO TRANSPORTE DE CARGAS

O Surgimento das Ferrovias no Mundo

Alguns historiadores reconhecem os primeiros sinais de estruturas de

transporte semelhantes às ferrovias já na civilização grega no século VI A.C, onde

barcos eram transportados através de veículos com rodas puxados por homens e

animais que andavam dentro de canais de pedra, evitando que tais carros saíssem

da rota. Posteriormente são identificados novos indícios da construção de vias e

veículos na Alemanha por volta de 1550, com trilhos de madeira primitivos. A

tecnologia se espalhou lentamente pela Europa, chegando à Inglaterra em 1600,

todas com o principal objetivo de facilitar o transporte da produção.

Até então os trilhos eram feitos de madeira, assim como outros

equipamentos envolvidos. Os trilhos de ferro foram pela primeira vez utilizados em

1796, Shropshire (Inglaterra), nas operações de transporte das minas de carvão lá

existentes. Algumas tecnologias foram incorporadas ao longo do tempo, como o

motor à vapor, construído em 1804 por Richard Trevithick, um engenheiro inglês.

Contudo, sua invenção não chegou a ter sucesso comercial devido aos altos

investimentos. Mas, a ampliação da revolução industrial e a Guerra Napoleônica

viabilizaram o investimento no desenvolvimento e uso de novas tecnologias, como

os motores a vapor, nas ferrovias.

O sucesso alcançado pela Ferrovia Stockton e Darlington, construída em

1825, foi suficiente para que vários ricos investidores do noroeste inglês, em franca

expansão da atividade industrial com algodão, entrassem no projeto que ligava

Manchester ao porto de Liverpool. Essa ferrovia seria a primeira ferrovia onde

cargas e pessoas trafegariam dentro de horários pré-determinados. Contudo, na

época do projeto duvidava-se da capacidade em conseguir manter serviços

regulares, necessidade para tornar o empreendimento independente. Até então a

grande maioria das ferrovias pertencia às indústrias de algodão e carvão e caso

esses equipamentos quebrassem, ainda existiam outras formas de escoar a

produção. Mas foi uma questão de tempo até surgir uma locomotiva com tecnologia

adequada para a operação.

Daí em diante, o sucesso das ferrovias foi exponencial. Inúmeras

tecnologias foram desenvolvidas buscando aumentar a eficiência dos ativos:

aumento da velocidade, redução dos defeitos, aumento da capacidade de tração,

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238

confiabilidade, dentre outros indicadores de produtividade. As ferrovias se tornaram

essenciais para a movimentação de cargas e trabalhadores, necessários ao

processo de industrialização inglês e, posteriormente europeu e americano. No

começo, elas competiam com os canais fluviais por esse tráfego, mas rapidamente

ganhou espaço devido ao barateamento da operação, além de ser a única opção

para transportar grandes volumes onde não era possível construir canais.

Nos Estados Unidos o crescimento foi ainda mais significativo. Em 1830,

havia apenas 23 milhas de ferrovia. Dez anos depois, a malha havia crescido para

2.818 milhas e duas décadas depois, já alcançava 30 mil milhas, o equivalente a 48

mil quilômetros. O início da construção de ferrovias foi observado em todo mundo.

Em 1837 foram inauguradas as primeiras ferrovias de Cuba, Alemanha, Áustria,

Rússia e França. Holanda, Polônia, Bélgica, Itália e muitos outros países europeus

seguiram a tendência da construção de ferrovias com o uso de locomotivas a vapor

ainda antes de 1840. Na década seguinte, mais precisamente em 1844, a indústria

ferroviária inglesa já definia que a bitola de 1.435 mm seria utilizada dali em diante

em todas as ferrovias do país. Essa padronização ajudou no crescimento do volume

de tráfego e ditaria o rumo da indústria em vários outros países que dependiam das

importações de equipamentos para desenvolver suas redes.

O Transporte nos Estados Unidos

A história política e econômica de qualquer nação está intimamente ligada à

evolução do transporte de cargas e não seria diferente nos Estados Unidos. A

localização e o desenvolvimento das cidades foram ditados pelo acesso aos meios

de transporte. Nova Iorque e Nova Orleans, por exemplo, possuíam os principais

portos com acesso ao interior do país através de dois grandes rios da região, se

tornando dois dos principais pólos comerciais do país. Para certas indústrias era

mais importante estar próximo a um rio do que próximo a sua fonte de matéria-

prima. Chicago e Atlanta, por sua vez, foram importantes hubs ferroviários e assim

se desenvolveram como grandes centros econômicos e industriais.

Evolução do transporte ferroviário

Na metade do século XIX a economia americana iniciaria uma revolução na

forma como se administravam as empresas. Esse movimento começaria através das

ferrovias e dos telégrafos. Diversas características que esses negócios possuíam

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239

favoreceram o desenvolvimento de novos métodos para gerir negócios.

Naquela época, havia poucas organizações que, ao mesmo tempo,

construíam, detinham direito de uso e operavam o tráfego das rotas, como as

ferrovias faziam. Tais empreendimentos exigiam o acúmulo de uma quantidade de

capital até então raramente encontrada. Canais fluviais ou estradas, empresas

públicas ou privadas que já trabalhassem assim tinham que compartilhar suas rotas

com outras companhias de transporte.

Alguns gestores de ferrovias experimentaram transportar vagões de

comerciantes locais ou de outros transportadores como forma de aumentar o uso e

as receitas, copiando a estratégia existente. Mas coordenar, cobrar e receber

através desse sistema exigia um esforço administrativo ainda muito complexo, dado

o volume maior que a ferrovia oferecia. No começo, as empresas que seguiram

modelos onde detinham e controlavam todos os vagões utilizados em suas estradas

se desenvolveram mais rapidamente que as outras. Outra medida adotada para

reduzir a complexidade foi a instalação de linhas conectando centros comerciais

existentes, substituindo o transporte hidroviário em distâncias curtas, o que facilitava

a identificação dos fluxos de cargas.

Com a evolução da tecnologia de motores, a capacidade de transporte nas

linhas aumentou enormemente, não só pelo aumento da potência que permitia

carregar mais carga, mas também devido à maior velocidade, que permitia carregar

mais vezes. Esse novo nível de capacidade aliado à lógica diferente no uso da infra-

estrutura e de ativos criava oportunidades bastante lucrativas. Também passaram a

exigir novos níveis de coordenação e controle, aumentando a complexidade

administrativa, principalmente para evitar acidentes. No início as ferrovias possuíam

linhas simples e um acidente podia interromper a operação de todo negócio.

Outra resposta para a crescente complexidade foi a definição de práticas

comuns, assim como foi visto no mesmo período na Inglaterra. Nos anos de 1840 a

ferrovia seria afetada por inúmeros avanços tecnológicos, principalmente através da

padronização de métodos para construção de obras de infra-estrutura ou de

equipamentos para as locomotivas. A padronização permitiu que vagões específicos

para certos produtos fossem desenvolvidos. Isso ocorreu em parte porque

ferroviários associavam-se e compartilhavam entre si seus conhecimentos.

As ferrovias superavam os outros meios de transporte existentes por vários

motivos: eram mais rápidas, mais baratas de operar (em alguns casos até mais

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baratos de construir) e proporcionavam conexões diretas entre pontos produtores e

consumidores. Porém, a principal vantagem estava na oferta de um transporte mais

confiável: com horários pré-determinados e mais independente das condições

meteorológicas. Os canais fluviais e os lagos, única outra opção para o transporte de

grandes volumes, paravam suas operações no inverno, quando congelavam.

Logo se formaram estruturas administrativas com tamanho suficiente para

gerenciar não só as diversas atividades operacionais como manutenção e reparo

numa extensa área geográfica, mas também para monitorar e avaliar o trabalho

conjunto das partes que compunham a malha. Foram nessas organizações que

nasceram os primeiros grupos de gestores de negócio moderno. As ferrovias eram

os negócios que exigiam a maior quantidade de capital naquela época e era inviável

que uma pessoa, uma família ou um pequeno grupo de investidores detivesse

controle total. Mais difícil ainda era que os representantes dos sócios fossem

capazes de administrar todo o negócio. As atividades eram numerosas, variadas e

complexas, sendo necessárias habilidades específicas, treinamento e dedicação

integral às atividades de gestão.

A existência dessa estrutura de supervisão e o grau de especialização

necessário para alcançar tais posições criaram um objetivo de carreira para toda a

vida para os profissionais que ali iniciavam. Por causa dessa relação tão íntima do

futuro pessoal dos gestores com a empresa, suas decisões de investimento

consideravam aspectos de longo prazo que permitiam a concretização de seus

planos de carreira. O papel dos sócios era cada vez mais focado no levantamento

de financiamento e na escolha dos principais executivos, deixando toda a operação

do negócio para os gestores assalariados.

As 70 mil milhas (112 mil quilômetros) de linhas construídas até 1870

serviriam como a base do transporte no país até a chegada dos automóveis e

aviões. Nessa mesma fase as ferrovias já possuíam não só mecanismos complexos

e intrincados para coordenar e controlar seus recursos de milhões de dólares, como

também já haviam desenvolvido acordos entre empresas bastante sofisticados que

permitiam a movimentação de cargas entre destinos bem distantes que

atravessavam diferentes linhas sem a necessidade de um único transbordo. A

cooperação já excedia os limites técnicos e operacionais quando os gerentes das

ferrovias passaram a se reunir para definir como seria dividido o mercado de cargas.

A malha norte-americana alcançou a marca de 200 mil milhas (320 mil

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241

quilômetros) em 1900. Essa evolução na extensão da malha decorreu do desejo dos

gestores de que suas firmas fossem capazes de atingir todos os maiores centros

comerciais, evitando depender de competidores para levar suas cargas até seus

destinos. Cada competidor respondia da mesma maneira, o que ocasionou uma

forte competição e um processo de consolidação.

Em 1887, seria criada a Interstate Comerce Comission (ICC), órgão que

seria responsável pela regulação do setor, buscando evitar e controlar o abuso de

poder que começava a existir dada a concentração de poder das ferrovias e suas

associações. O governo americano passou a ter um papel fundamental na

formulação de regras para condicionar a competição no transporte de cargas

ferroviárias. A ICC ampliou o poder do governo, pois uma de suas atribuições era

definir as tarifas que seriam cobradas em cada trecho para cada produto.

Não foi a primeira vez que o governo norte-americano interferia nesse setor

da economia. Já no seu surgimento diversos mecanismos permitiram a entrada de

capital estrangeiro para desenvolver as ferrovias e a economia americana. Em

seguida adotou uma estratégia de apoio a formação de cartéis, mas o papel do ICC

demonstrava nessa época uma política antitruste. Essa seqüência ocorreu diversas

vezes nos Estados Unidos para esse setor (Dobbin & Dowd, 1997).

Surge o transporte rodoviário

Após a invenção do motor a vapor, esforços foram realizados na Inglaterra

para adaptar esse método de propulsão às estradas públicas e um grande número

de empresas de carruagens iniciou suas operações entre 1831 e 1838. Contudo, as

técnicas ainda imaturas de produção de aço não permitiram que os veículos

possuíssem a força requerida sem aumentar o seu peso. Esse peso causava sérios

danos às rodovias e tornava o modal antieconômico frente às vias de ferro dos trens.

Somente após o aperfeiçoamento do motor de combustão interna, anos

depois, é que a revolução automotiva se iniciaria. O primeiro modelo de automóvel

trabalhável seria produzido em 1887. A ênfase inicial dos automóveis era na

movimentação de indivíduos e o conceito de veículos rodoviários para propósitos

comerciais só surgiria anos mais tarde. Em 1903 seria feita uma adaptação para

vagões em um chassi de carro de passageiro e a indústria rodoviária seria criada.

O baixo crescimento no número de caminhões durante a década seguinte foi

através de companhias locais de cargas. A disponibilidade de combustível era baixa

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e ainda não havia infra-estrutura adequada para os fluxos de distâncias maiores.

Não existiam materiais e tecnologias de qualidade para a construção de estradas e

as fontes de financiamento estavam mais voltadas para as ferrovias. Isso fazia das

estradas pequenos negócios que taxavam o acesso para pagar sua manutenção.

Esse modo de transporte começou a ganhar reconhecimento com a criação

empresas de aluguel de caminhões, que provia um estímulo adicional ao seu uso.

Particularmente por firmas pequenas que podiam adotá-los em uma base

experimental sem a necessidade de investir grandes volumes de capital em infra-

estrutura e operações de manutenção especializadas. A guerra na Europa também

estimulou o desenvolvimento da indústria. Caminhões foram usados extensivamente

como ambulâncias e no transporte de insumos. As necessidades urgentes da guerra

trouxeram desenvolvimento tecnológico e de desempenho operacional.

Como resultado da escassez de transporte na guerra, a crescente confiança

no transporte motor recebeu as bênçãos das ferrovias, que empregavam caminhões

em seus terminais. Um grande número de caminhões foi empregado ao longo da

costa atlântica durante o período, carregando uma ampla variedade de commodities

que não podiam ser acomodadas pelas ferrovias porque não havia vagões

suficientes ou porque os terminais estavam congestionados.

O governo de guerra explicitamente reconheceu e encorajou ativamente o

transporte a motor através do Conselho Nacional de Defesa, o qual cedo em sua

existência estabeleceu o Comitê de Transporte por Rodovias. O objetivo desse

comitê era aumentar a efetividade de todo o transporte rodoviário e assim aliviar as

ferrovias de parte do fardo do tráfego de carga pesada. O investimento em

transporte rodoviário era mais barato, mais rápido e muitas vezes mais eficiente.

Várias foram as tendências da década de 20 que fortaleceram o transporte

rodoviário. As empresas passaram a adotar um padrão de baixos estoques após a

Primeira Guerra. Essa mudança resultou em pedidos e envios de baixas

quantidades que favoreciam o uso de transportadores rodoviários, competitivamente

mais fortes para atender as demandas dos clientes de varejo. O declínio nos preços

dos veículos e de componentes (como pneus e gasolina) ao mesmo tempo em que

houve melhorias na qualidade em ambos também contribuíram. Adicionalmente, a

década de 1920 viu o governo americano investir na construção de estradas,

fabricantes de veículos ampliarem o crédito e um mercado de segunda mão surgir.

Os primeiros anos da década foram notáveis pela falha das ferrovias em

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responder ativamente à competição dos caminhões. Na época o volume e a receita

ainda estavam em crescimento e é talvez fácil entender a relativa indiferença

demonstrada com relação à competição dos caminhões no transporte de cargas. A

literatura da época relata freqüentes pedidos pela criação de serviços de entregas

diretas pelas ferrovias, sugestões geralmente não atendidas (Roberts, 1956). Em

contrapartida, o surgimento do transporte rodoviário de passageiros afetou

rapidamente os resultados dessas unidades de negócios das ferrovias, o que

acelerou a resposta delas, investindo e participando na formação da indústria.

A estrutura de tarifas histórica das ferrovias caiu diretamente nas mãos de

seus novos concorrentes. Os preços mais altos eram aplicados aos menores trajetos

e para os artigos de maior valor, para os quais o serviço por caminhão era muito

melhor adaptado. Em vários aspectos, a regulação das ferrovias que as protegeu

por anos da competição predatória, deteve reações apropriadas e forneceu aos

caminhões um amplo mercado para crescer. Só depois de 1930 que reduções

tarifárias foram usadas para combater essa competição. Melhoria nos serviços, outra

resposta competitiva potencial, também foram adotadas lentamente no começo e

não alcançaram grande importância até o fim da década (Roberts, 1956).

Ferrovias em geral mantiveram uma atitude de indiferença com relação à

participação direta em operações rodoviárias. Onde ocorreram, eram geralmente em

uma base suplementar e freqüentemente eram desempenhadas com equipamentos

contratados. Em uma citação de 1923, o presidente de uma ferrovia acreditava que

a esta era um negócio completo por si só e o uso de outras tecnologias deveria,

portanto, ser deixado para especialistas. Ele acreditava que havia menos chances

de uma legislação restritiva se essas operações continuassem independentes das

ferrovias (Roberts, 1956).

Enquanto era constantemente dito durante esse período que as ferrovias

poderiam se proteger melhor contra a erosão competitiva das receitas utilizando sua

experiência em transporte para iniciar serviços rodoviários independentes, a visão

prevalecente dos gestores de carga era de que tais inovações iriam, em grande

parte, duplicar as estruturas existentes, aumentando a competição sem beneficiar os

interesses das ferrovias. Claramente, o uso conjunto de ferrovias e caminhões em

operações de terminais para transferências locais e na consolidação e distribuição

de cargas é uma manifestação de coordenação. Contudo, essas operações

rodoviárias administradas por ferrovias eram essencialmente de estação para

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estação com tarifas equivalentes às ferroviárias e complementares a operação

ferroviária (Roberts, 1956).

O serviço de coleta e distribuição de cargas não foi adotado rapidamente

pelas ferrovias apesar dos vários pedidos. A sua atitude é parcialmente explicada

pelo fato de que os gerentes sentiam que esses serviços custosos deveriam ser

iniciados somente onde as condições competitivas exigiam e, portanto, em uma

base bastante seletiva. Eles também temiam que o uso dessa inovação em um lugar

implicava na extensão para outros locais por questionamentos sobre discriminação.

Claramente, a falha das ferrovias em participar ativamente dos anos de

formação durante a década de 20 estimularam o surgimento de caminhoneiros

independentes. A troca dos trens locais pelo serviço rodoviário e a dependência das

ferrovias por serviços contratados serviram como contribuições para a expansão das

transportadoras rodoviárias. A resposta competitiva mais séria das ferrovias nessa

época foi através do incentivo à extensão da regulação do Estado sobre o transporte

rodoviário. Essa proposta era também apoiada por grandes operadores rodoviários

que queriam limitar a competição através de tarifas mínimas e controles de entrada.

Vários aspectos dos estatutos estaduais desenvolvidos na época aparentam

ter tido papel fundamental na formação da indústria. Primeiro, o esforço mais intenso

foi direcionado às transportadoras com horários regulares. Os regulamentos que

incluíam transportadoras não regulares eram freqüentemente incompreensíveis e,

portanto, não aplicáveis. Em segundo lugar, um aspecto central dos estatutos era o

controle de entrada através da requisição de certificados de conveniência pública e

necessidade. Terceiro, a Suprema Corte dos EUA definiu que as leis estaduais

estavam confinadas às operações intra-estaduais. O resultado foi uma maior

expansão das firmas como operadores irregulares ou como transportadores por

contrato em rotas inter-estaduais.

Durante a década de 20 a indústria sofreu grande instabilidade, manifestada

por um alto turnover de firmas e geralmente operações não lucrativas. A situação

era ocasionada parcialmente pela inexperiência e falta de sofisticação em assuntos

sobre economia e negócio de vários operadores. A relativa facilidade de entrada e

os termos de crédito favoráveis para aquisição de veículos, inevitavelmente

significavam a presença de vários operadores que simplesmente não tinham a

habilidade gerencial requerida para iniciar negócios duradouros.

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Os anos 30

O período de depressão foi primariamente influente por causa: das

mudanças econômicas específicas que produziu; do sistema de códigos da

Administração Nacional de Recuperação que fomentou; da mudança da atitude das

ferrovias que forçou; e do encorajamento que deu a regulamentação.

A depressão foi caracterizada por uma redução no fluxo de tráfego,

aumentando a competição pelo que havia restado. Enquanto esse ambiente reduziu

o crescimento do transporte motorizado, ele produziu algumas mudanças favoráveis

ao transporte rodoviário. O mais significativo foi a redução no tamanho dos pedidos

e estoques, colocando um prêmio ainda maior sobre as vantagens de serviço e

custo do caminhão.

A facilidade de entrada e disponibilidade de um grande número de veículos

com pouco ou nenhum investimento inicial, juntamente com o fato de que não era

necessário nenhuma habilidade ou treinamento específico, tornaram a indústria a

opção para os vários desempregados da economia. Eles buscavam apenas pagar

seus custos marginais e sustentar suas famílias enquanto a crise passava, o que

desenvolvia uma concorrência predatória. Enquanto a indústria de transporte

rodoviário viu seu volume absoluto aumentar entre 1930 a 1932, ainda que mais

diluído entre um número maior de empresas, as ferrovias viram seu volume

despencar no mesmo período.

Em contraste com o que ocorria em outros setores da economia, onde o

código de administração imposto pelo governo era efetivo, a indústria de caminhões

era simplesmente indisciplinada e espalhada demais para que a regulação fosse

aplicada. Determinar relação entre custos e tarifas, por exemplo, provou-se ser uma

tarefa impossível. Enquanto método de controle, a experiência do código forçou as

firmas a pensarem e agirem em conjunto, o que encorajou o desenvolvimento de um

status de indústria.

Não era mais possível para os gerentes das ferrovias manter suas cabeças

enterradas na areia e evitar os fatos econômicos da vida. A situação era

particularmente alarmante porque os transportadores rodoviários recusavam a se

manter restritos aos nichos funcionais definidos para eles – transporte de varejo de

pequenas rotas e volumes. As operações rodoviárias estavam cada vez mais

aumentando seu escopo de distâncias. Melhores estradas e equipamentos

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246

estenderam substancialmente a distância possível e permitiu operações de até 500

milhas para entrega no dia seguinte. Houve então uma mudança no padrão de

resposta das ferrovias. Ao invés de contratar serviço suplementar de caminhões de

operadores independentes, as ferrovias demonstraram um padrão mais forte para

operação direta, primariamente através de subsidiárias. Essa forma de participação

predominou parcialmente porque um grande número de estados proibia a operação

direta de veículos motores por ferrovias.

Adicionalmente ao movimento a favor da propriedade dos ativos ao invés da

contratação, as ferrovias no começo da década de 30 finalmente realizaram sérios

esforços para instituir a coleta e entrega por caminhões. A adoção de coleta e

entrega como serviço universal teve implicações competitivas significativas. Sem

essa extensão, o principal efeito dos serviços suplementares às ferrovias era a

redução das despesas operacionais. Com ela, as ferrovias estavam aptas a

melhorar seus serviços o suficiente para interromper até certo ponto o desvio do

tráfego de mercadorias e recapturar alguns negócios que já haviam sido perdidos.

Finalmente, as ferrovias reduziram suas tarifas para poder competir com o

transporte rodoviário. Apesar disso, a resposta novamente foi hesitante e lenta. Os

gerentes temiam que as mudanças na estrutura tarifária induzissem a uma

discriminação ilegal causando o espalhamento das reduções para tráfego não

competitivo. Eles também estavam preocupados de que as vantagens de nível de

serviços inerentes ao transporte rodoviário tornassem a redução de tarifas não

efetiva a não ser que fosse levada a níveis que não compensassem.

Enfim a regulamentação nacional para o transporte rodoviário foi

estabelecida em 1935. Ela trouxe um status verdadeiro de indústria como um

substituto para as ações espalhadas, indisciplinadas e heterogêneas que eram

características da indústria de transporte rodoviário. Com a regulamentação, a

competição foi mantida controlada através do poder que a comissão tinha para

controlar tarifas mínimas e prevenir reduções ou aumentos de pedidos onde

necessário para prover estabilidade. Adicionalmente, o mercado estava fechado

para novos entrantes ou para a expansão de operações existentes a menos que o

novo serviço proposto pudesse passar no rigoroso teste de “conveniência e

necessidade pública”. A regulação também foi capaz de dar um valor tangível aos

direitos de operação. A oportunidade de vender tais direitos encorajava firmas

marginais a sair do mercado. Nesses casos, os compradores em geral eram

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operadores existentes.

A Segunda Guerra Mundial

Ganhando força anos após ano, a indústria de transporte rodoviário estava

apta a tomar o seu lugar, apesar das inúmeras dificuldades, para servir as

necessidades comerciais e militares de transporte da economia na emergência dos

tempos de guerra no começo da década de 40. Aqueles anos constituíram um

capítulo significante na história e desenvolvimento do transporte por rodovias.

A indústria tinha dificilmente se acomodado às mudanças provocadas pela

regulamentação quando seu padrão de desenvolvimento foi abruptamente

interrompido pela guerra. Muitos aspectos da experiência de guerra foram

esquecidos após, mas outros marcaram permanentemente a indústria. Era uma

época de racionamento, penúria e improviso. Considerando as dificuldades sob a

qual estava, os registros sobre a indústria rodoviária durante a guerra são bastante

positivos. Todas as agências de transporte sofreram com o déficit de material

provocado pela guerra, mas a necessidade de tecnologia peculiar da indústria fez

dela a mais vulnerável. As ferrovias possuíam inerentemente um grau de excesso de

capacidade conhecido que foi provocado pela ampla compra de equipamento dos

anos 30. As transportadoras rodoviárias eram tecnologicamente mais proximamente

alinhados com a capacidade. Ainda, as unidades ferroviárias tinham uma

expectativa de vida de mais de 20 anos, enquanto que a de veículos motores era de

aproximadamente cinco anos. Justamente, a restrição da produção de caminhões

civis pegou as transportadoras rodoviárias mais fortemente e rapidamente que a

diminuição da produção de vagões de carga afetou as ferrovias.

Combustível ficou amplamente escasso por causa do deslocamento e

ruptura das rotas de movimentação existentes. Os ataques de submarinos alemães

aos navios cargueiros costais exigiram que o transporte fosse feito por vagões

tanque e que fossem construídos oleodutos. Mesmo assim, o suprimento de

combustível era cada vez mais disponibilizado para fins militares. A reposição de

veículos se tornou um problema significativo para a indústria quando, em 1º de

Janeiro de 1942, o suprimento de veículos foi congelado e um programa de

racionamento foi instituído. Como resultado, a aposentadoria de veículos antigos foi

parada ou retardada, a idade média dos veículos aumentou drasticamente e o

desempenho e eficiência da frota foram comprometidos. Ainda mais sério que os

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problemas de suprimento de gasolina e veículos, foi a falta de pneus no começo de

setembro de 1942, quando praticamente todos os fornecedores de borracha foram

perdidos para as conquistas japonesas. Outra dificuldade surgiu da escassez de

peças de reposição. Isso foi particularmente sério em vista da falta de novos

veículos, o drástico aumento da média de idade e mais intensivo uso dos veículos

disponíveis, e da necessidade de empregar pessoal relativamente não treinado em

mecânica e direção. Finalmente, os serviços de transporte a motor foram mais

afetados que outros setores devido à maior predominância de empregados com

idades mais baixas.

A escassez descrita anteriormente, em conjunto com o forte aumento nos

requisitos de transporte, resultou em uma expansão temporária do controle

governamental sobre a indústria. Provavelmente o resultado de guerra mais

significativo foi extraído das técnicas de conservação que foram introduzidas. O

programa de conservação foi facilitado pelo mecanismo de Certificados de

Necessidade de Guerra. Todos os operadores, públicos e privados, regulamentos

ou não, eram exigidos que detivessem tais certificados. O objetivo era centralizar

todas as atividades dos transportadores e facilitar a aplicação do programa. Um dos

itens mais importantes foi o desenvolvimento de planos conjuntos para eliminar

desperdícios e aumentar a utilização de veículos através da coordenação de

horários, serviços de terminais compartilhados e intercâmbio de equipamentos.

O efeito líquido para os transportadores regulares foi um aumento no volume

de transporte total e por veículos. Para os transportadores por contrato tiveram um

comportamento estável ao longo do período. O maior crescimento foi percebido para

os carregadores especializados de commodities. As medidas de conservação

adotadas pelo governo serviram para aumentar a média de carregamentos e

estimular a movimentação coordenada.

A guerra também causou uma realocação e descentralização da indústria

em favor dos serviços de transporte rodoviário. Muitas plantas de guerra não

estavam nas linhas de trem e quando elas foram convertidas à produção civil elas

forneceram à indústria rodoviária um mercado cativo. Esse fator também influenciou

o padrão de rotas. Durante a guerra muitos operadores receberam autorizações

temporárias para estender seus territórios ou amplitude de produtos. Tais

autorizações serviram como argumento para mudanças permanentes no pós-guerra.

Existem evidências também que sugerem que a filosofia de fusões adotada pelo ICC

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se modificou. Durante a guerra, tais operações eram vistas como um mecanismo

para reduzir o uso de veículos.

O Período Pós-Guerra

Juntamente com outras empresas, a indústria se beneficiou do alto nível de

atividade econômica nos anos seguintes à segunda Guerra Mundial. Mas fatores

especiais trabalharam em seu favorecimento, permitindo que ela ocupasse papel

crescentemente importante no mercado de transportes.

Durante grande parte do período pós-guerra as ferrovias estiveram

atormentadas por dificuldades com equipamentos, ocasionadas pela escassez de

materiais e programas conservadores de compras de vagões, que estimularam o

serviço rodoviário. A descentralização industrial encorajou rotas mais curtas e

carregamentos menores, enquanto que novas localizações não servidas pelas

ferrovias proviam mercado cativo. Adicionalmente, os operadores de caminhões

puderam invadir o domínio de longas distâncias das ferrovias por causa da aumento

generalizado no intercâmbio de trailers entre carregadores. Outro importante

contribuinte para o rápido crescimento do transporte motorizado no pós-guerra foi a

tendência geral a liberação dos limites estaduais de tamanho e peso que

encorajaram carregamentos mais pesados e conseqüentemente economias

operacionais. Finalmente, esse período testemunhou evoluções técnicas

significativas nos veículos e um programa extensivo de modernização de terminais

que contribuiu para a eficiência.

O incremento substancial de tráfego ocasionou aumentos em investimentos

comparáveis pelos carregadores regulares, com implicações importantes para a

indústria. Os altos níveis de tráfego e lucros permitiram e forçaram um maior acesso

aos mercados de capitais. Instituições financeiras começaram a participar

extensivamente no financiamento de programas públicos. A dinâmica situação pós-

guerra produziu mudanças estruturais significativas na indústria. Uma importante

alteração envolveu o número e tamanho das firmas. Um movimento de consolidação

resultou no declínio no número de firmas regulares, concentrando os negócios nas

mãos de grandes empresas. Como todo ciclo de vida, a maturidade traz seus

próprios problemas. O crescimento pós-guerra sensacional em tráfego e receitas

criou novas dificuldades para a indústria. A resposta das ferrovias para a competição

com o transporte rodoviário não era mais letárgica, tendo levado ao limite da

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regulamentação a competição por preço e serviço.

Havia, contudo um cenário bem diferente para as ferrovias. Com o caminhar

do século XX, uma série de mudanças ocorreram na movimentação doméstica de

produtos: novas tecnologias de comunicação e métodos de transporte combinavam

para unir regiões previamente remotas do país e mudanças significativas na

demografia e na estrutura das indústrias haviam ocorrido. Mudanças no padrão de

consumo e tecnologias de produção ampliaram a demanda pela movimentação de

produtos de maior valor agregado. Como resultado, a composição das cargas

gradualmente mudou de produtos baratos e pesados para produtos caros e leves,

propriedades que favoreciam o transporte rodoviário. Além disso, novos produtos

eram desenvolvidos baseados em novas tecnologias, como os plásticos que

substituíam os vidros, reduzindo a demanda pelo transporte de areia por trem e

aumentando a demanda por transporte de petróleo por dutos.

O Programa de Desenvolvimento de Rodovias

No ano de 1956 seria iniciado um ambicioso programa federal nos EUA para

investir na infra-estrutura rodoviária. Apesar de existir legislação específica para o

tema determinando que o financiamento das estradas seria compartilhado

igualmente entre as esferas federal e estaduais, o governo federal da metade da

década de 50 concordou em financiar 90% dos custos e despesas. Essa mudança

se devia, principalmente, a interpretação de que tal investimento era essencial para

a defesa do país.

Anteriormente cada estado tinha sua própria rede de estradas e a

padronização (nomenclatura, técnicas de construção e manutenção, tamanho e

quantidade de faixas, prioridade) era muito baixa. Na década de 20, alguns esforços

para modificar essas características já haviam sido feitos, como a sinalização das

estradas que ligavam as principais cidades dentro de um plano para o país. Surgiam

então as primeiras “U.S. Routes”, as quais também quebravam com o paradigma

anterior de acesso restrito às estradas por aqueles que haviam investido. A década

de 30 fortaleceu a ideia de um sistema nacional de estradas, principalmente quando

Roosevelt combateu a Depressão com o investimento em infra-estrutura.

A guerra havia interrompido o projeto nacionalista, mas com o início da

década de 50, a prosperidade havia retornado ao país e 70% das famílias

americanas possuíam carros. Eisenhower lutou durante dois anos no congresso

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para criar um modelo que financiasse seu projeto de US$ 50 bi em 10 anos. Em

1956 seria criado o Highway Trust Fund que teria sua fonte de renda a partir da

taxação de diversos insumos da indústria como combustível e veículos. Seriam

construídos 66 mil quilômetros de rodovias desenhadas uniformemente e de alta

qualidade que seriam pagas pelo governo federal, mas seriam de propriedade dos

estados e mantidas por eles.

A construção foi iniciada rapidamente e amplamente. Em 1962 já havia sido

construído 21 mi quilômetros do projeto; em 70 alcançava 48 mil e outros 8 mil

estavam em construção. Os novos equipamentos de construção disponíveis

permitiram que os engenheiros escolhessem traçados melhores do que os

anteriores, onde eram mais dependentes das condições de contorno do solo.

As construções anteriores seguiam, em geral, os traçados das próprias

ferrovias. Contudo, nesse novo conjunto de obras o foco esteve também sobre o

desenvolvimento da conexão rural e o desenvolvimento dos subúrbios onde fossem.

Os engenheiros desfrutavam de grande autonomia para escolher onde,

como e quando seriam feitas as construções, o que reduziu a possibilidade de

participação pública nos projetos desenhados. A autonomia desfrutada era tão

grande que uma sugestão de explosão atômica de uma montanha chegou a ser

aprovada na California, mas foi cancelada pela falta de capacidade em avaliar até

onde iria o impacto da radiação. Isso se deveu em parte devido à baixa oposição

política que poderia haver na construção das primeiras partes do traçado geral, que

ficavam em áreas rurais pouco habitadas. Outro fator relevante para essa ordem de

prioridade é que a milha rural era muito mais barata que a milha urbana. Apesar da

porção urbana representar apenas 12% da malha projetada, seu valor equivalia a

50% dos fundos destinados ao projeto.

No final da década de 60, começaram a surgir vários empecilhos para a

continuação e crescimento do programa. Ao mesmo tem que as construções

alcançavam os grandes centros urbanos, discussões sobre direitos civis ganhavam

espaço e a escolha de áreas mais baratas para construir gerava conflito. Não havia

ainda cuidado com as relações públicas e engenheiros com uma vida de trabalho

técnico tinham que enfrentar tais problemas sozinhos. Evoluíram também

movimentos em favor da preservação ambiental e histórica o que dificultava ainda

mais a definição de onde seriam construídos os trechos.

Somava-se a isso a recente criação do Departamento de Transportes,

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responsável pela administração de vários modais de transporte, que começava a

contestar a cultura de que a construção de rodovias era a solução para qualquer

problema de transporte. Os investimentos passaram então a ser transferidos para

projetos multimodais e no meio da década de 1970 o presidente Nixon autorizou e

incentivou o uso do Highway Trust Fund para projetos de trânsito de massa pelas

cidades.

Daí em diante, construção de estradas passou a política passou a ter mais

importância e considerações sobre segurança pública e ambiental foram ampliadas.

Em 1991, o Congresso votou uma lei que obrigava os encarregados do

planejamento de políticas e investimentos públicos a ter uma abordagem intermodal.

Contudo, até a década de 90, quase a totalidade do projeto de Eisenhower havia

sido construída. O volume de carga e uso que se teve no período foi acima do

esperado, o que trouxe uma grande dificuldade para o sistema: por um lado era

necessário investir na expansão antes do previsto; por outro era necessário investir

na manutenção das infra-estruturas que haviam sofrido mais esforço do que aquele

que havia sido projetado.

O efeito da evolução da participação do transporte rodoviário sobre o

ferroviário devido, principalmente, as características regulatórias e de prioridade

governamental, foi à drástica redução das margens das ferrovias, levando a um

processo de consolidação para sobrevivência.

A reforma da regulamentação dos transportes nos EUA

O envolvimento do governo na regulamentação do setor de transportes é

reconhecido já na Inglaterra do século XII, pois se acreditava que os transportes

afetavam o interesse público e por isso devia ser tratada de maneira diferente das

outras indústrias. A regulamentação americana começa em 1887 para controlar as

ferrovias com a criação do ICC. Naquela época o objetivo maior era controlar a

competição e as tarifas, evitando comportamentos monopolísticos abusivos por

parte das ferrovias. Esse seria um movimento generalizado, pois a preocupação se

estenderia também para companhias petrolíferas e de telecomunicações. Outros

setores também passaram a ter suas regulamentações federais concluídas, porém

em épocas diferentes. A legislação federal sobre transporte por dutos é de 1906; o

rodoviário, 1935; aéreo civil, 1938; e hidroviário em 1940. As três últimas, motivadas

pelo plano econômico pós-Depressão.

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Mais recentemente foram criadas agências específicas para regulamentar

cada setor, mas o principal órgão gestor dos transportes é o Departament of

Transportation (DOT). O modelo atual de regulamentação surgiu a partir do

movimento de reforma iniciado na metade da década de 70 na indústria aérea. As

regras para o setor ferroviário foram votadas em 1980 e para o hidroviário em 1984.

Um ano depois seria criada legislação específica para transportadores e somente

em 1994 seria concluída a reforma do setor de transporte rodoviário com a

desregulamentação do transporte rodoviário interestadual.

O objetivo do novo modelo de intervenção governamental era reduzir ou

eliminar uma série de ineficiências do setor. Essas novas regras criaram um

ambiente mais competitivo, eliminando barreiras de entradas, incentivando a

competição e redução tarifária e tornando-se mais flexível com relação a

movimentos de consolidação. Além disso, aspectos não econômicos passaram a ter

um peso significativo, cobrindo questões como segurança, proteção ambiental e

registro. A participação de mercado dos contratos de longo prazo aumentou, além

da quantidade de subsídios e investimentos em infra-estrutura governamentais para

a indústria ter sido reduzida. Tudo isso fazia parte de uma nova política econômica

instituída na década de 80, principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, que

prezava pela redução do papel do Estado na economia.

O efeito em cada modal

Para as ferrovias, a nova regulamentação ofereceu oportunidades para

melhoria de desempenho. As ferrovias Class I47, as maiores por faturamento anual,

melhoraram suas condições operacionais através do investimento em tecnologia.

Elas fortaleceram sua posição no transporte de cargas volumosas, pesadas, de alta

densidade, baixo valor e movidas por longas distâncias. Tudo isso devido ao

“monopólio natural” causado pela excessiva alavancagem operacional. Elas

retomaram a dianteira na participação de mercado em volume, mas em receita o

rodoviário ainda se manteve maior devido ao perfil de cargas.

Algumas ampliaram o escopo de atuação, principalmente através da

aquisição de empresas de outros modos, oferecendo então serviços de transporte

47 As ferrovias americanas são classificadas quanto ao seu faturamento e essa classificação implica em diferentes obrigações e direitos perante as agências reguladoras.

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multimodal. Foram formados então menos de 10 mega-operadores. A CSX, maior

empresa de transporte americana, por exemplo, estabeleceu em 1981 uma

subsidiária de transporte rodoviário, comprou a transportadora hidroviária American

Comercial Lines em 1984 e a Sealand, navegadora oceânica, em 1986.

A conteinerização de cargas surgiu como tecnologia importante na redução

do tempo de transbordo para essas companhias multimodais. Algumas criaram

unidades de negócio específicas para desenvolver projetos logísticos com o objetivo

de aumentar a eficiência de uso de todos os diferentes ativos agora disponíveis.

A reforma regulatória eliminou uma série de restrições que dificultavam a

operação lucrativa nas condições de competição existentes. Duas restrições

relevantes foi a possibilidade de desativação de trechos de baixa viabilidade

econômica e a flexibilização na demissão de funcionários. Alguns trechos

abandonados deram origem a linhas locais e regionais que cobriam áreas bem

menores e possuíam carteiras de clientes pequenas. Essas pequenas ferrovias

trouxeram inovações, principalmente devido à maior flexibilização do governo, como

por exemplo: leis trabalhistas e salários; registros e manutenção de equipamentos;

permissão para serviços mais especializados e customizados para carregadores.

A desregulamentação viu a distribuição das empresas de carga rodoviária

por nichos se modificar. Muitas das firmas que operavam como consolidadoras

optaram por trabalhar na estrutura de custo mais enxuta de carga total. O chamado

TL (full truckload – carga total de caminhão), empresas que trabalham com

contratação de carregamento completo do caminhão, é o meio mais rápido de

transporte em suas condições de distância. Além disso, é o meio que tem maior

abrangência de atendimento, podendo virtualmente prover serviço porta a porta em

qualquer lugar. Suas vantagens competitivas mais fortes estão nos trajetos curtos e

médios, dominando as cargas frágeis.

Já no caso das firmas LTL (less than truckload – carga incompleta de

caminhão), a estratégia envolve o amplo investimento em terminais, considerando

aspectos mais complexos em diversas dimensões. Seu objetivo é organizar a

maneira mais eficiente possível de conseguir economias de fluxo. Frotas próprias

pressionaram a competição nesse segmento, pois podiam criar valor ao utilizar a

capacidade disponível em cargas de retorno. Empresas que atuam no negócio de

aluguel de caminhões também passaram a utilizar sua capacidade ociosa nesse

segmento. Ambas eram proibidas anteriormente pela regulamentação.

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O transporte por dutos teve sua participação de mercado reduzida em

termos de extensão de malha, mas não foi muito afetada de termos de volume,

principalmente pela ampliação do escopo: o gás ganhou espaço como fonte de

energia nos últimos tempos, substituindo a perda de outras cargas para outros

modos. O transporte aéreo de cargas, apesar de ainda representar um volume

baixo, foi um dos que experimentou o maior crescimento no período pós-

desregulamentação, devido ao crescimento do mercado de cargas expressas. Sua

posição competitiva é muito específica e a desregulamentação afetou muito mais o

transporte de passageiros do que o de cargas.

O transporte intermodal foi identificado e criado como um novo segmento na

regulamentação e foi o de maior crescimento após a reforma nos EUA. Os

embarcadores utilizam cada vez mais diferentes modos de transporte para atingir

suas estratégias. Assim, apesar dos tipos anteriores terem apresentado certo

crescimento, este modo está se tornando cada vez mais apto para transportar mais

tipos de carga sob condições cada vez mais distintas. Enquanto os outros modos

estão se tornando competidores de nicho, operadores logísticos estão se tornando

líderes de mercado.

O transporte ferroviário de cargas é reconhecido pela sua vantagem de

custo frente às outras modalidades de transporte, principalmente em relação ao

rodoviário e ao aeroviário. Contudo, também reconhecemos que há desvantagens e

que por isso o seu sucesso é mais propício em certos mercados e para certos

produtos. Fleury (2002) definiu assim a posição competitiva de cada modal em

relação às cinco principais dimensões segundo o autor:

Figura 6-2: Posição competitiva dos modais.

Fonte: (Fleury, 2002).

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A formação da indústria no Brasil

O início das estradas de ferro

Nos séculos XVIII e XIX o mundo inteiro passava por profundas mudanças,

mas o Brasil insistia em manter-se a parte dessas revoluções. O poder estava

concentrado sobre grandes senhores agrícolas e traficantes de escravos, pois todo o

resto da atividade econômica era monopolizada pela Corte Portuguesa ou proibida

pela mesma. E como atesta Furtado (1959), foram justamente os produtores de

café, principalmente do Estado de São Paulo, os responsáveis pela Proclamação da

Independência. Essa organização do poder teve reflexos na forma com que as

mudanças tecnológicas presentes em toda Europa e Estados Unidos atingiram o

Brasil.

A primeira lei que autorizava a construção de estradas de ferro no país foi

promulgada em 1828, permitindo a participação de empresários nacionais e

estrangeiros, porém ainda restavam definir as concessões. Tentativas para se iniciar

as operações já haviam ocorrido em 1835, mas a primeira obra só foi finalizada em

1845, ligando a cidade de Petrópolis à Baía de Guanabara, projeto de Irineu

Evangelista de Souza, o Barão de Mauá.

Mesmo depois da Independência, foi difícil para o país reverter a

organização do poder. Devido às negociações para a conquista de sua

independência, o Brasil passou a ter forte presença do capital inglês nas suas

atividades econômicas. A moeda de troca pela proteção contra Portugal foi a

abertura dos portos com subsídios para os navios ingleses. Além disso, não havia

muitos investidores privados nacionais capazes ou interessados em tocar o projeto

das ferrovias. Por outro lado, o Estado não desfrutava de uma posição financeira

sólida que permitisse os investimentos necessários.

O que se fez foi manter o favorecimento aos grupos de poder existentes em

paralelo à participação inglesa na economia. As leis que regulariam o setor

ferroviário foram criadas com base nesse jogo do poder, deixando para segundo

plano os interesses nacionais. Por exemplo, a Lei 641, 26 de junho de 1852,

garantia juros de até 5% ao ano sobre o capital investido nas ferrovias, o que

incentivou a ineficiência na construção e operação das ferrovias, já que as tarifas

pouco importavam e o lucro era garantido pelo governo (TELLES, 1994, p.233).

O reflexo não foi sentido só na infra-estrutura ou na administração financeira

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das estradas de ferro, mas também no próprio desenvolvimento tecnológico da

indústria. A tecnologia importada da locomotiva a vapor foi adaptada no Brasil para

usar carvão nacional e lenha como fontes de energia, possuindo poder calorífico

inferior ao carvão importado (LAMBERT, 1972, p.166). A água utilizada nas

caldeiras também não era adequada ou de mesma qualidade. Foram adaptações

que comprometeram o território, seja pela fluidez reduzida, pelos custos envolvidos

ou pelo consumo desnecessário de recursos.

Numa tentativa de desenvolver as estradas de ferro no Brasil, mas ainda sob

a mesma lógica dos grupos de poder no Brasil, foi decretada a Lei 2.450 de 24 de

setembro de 1873 que tratava das subvenções quilométricas. Nessa criação, onde o

governo arcaria com 30 contos de réis por quilômetro construído, fez com que as

estradas fossem as mais baratas possíveis, sem recortes, túneis e pontes,

conseqüentemente com muitos desvios e curvas. A estratégia, que deveria ser um

incentivo, foi responsável pela construção de péssimas estradas com efeitos

desastrosos e sérios entraves para as ferrovias e para o território nacional. Estas leis

foram extintas em 1903.

Evidências da presença inglesa podem ser percebidas na construção das

ferrovias brasileiras. A primeira concessão foi entregue a um inglês, Richard

Trevithick, com um projeto que posteriormente provou-se antieconômico, pois as

locomotivas a vapor propostas por ele não foram capazes de substituir a tração

animal nas pequenas rampas do trecho projetado. Projetos em São Paulo e Rio de

Janeiro, capitaneados por Mauá, trouxeram o capital e conhecimento inglês alguns

anos depois. Outros grupos ingleses também se aventuraram no Nordeste e Sul do

país em um primeiro momento, porém grupos de outros países também tiveram

participação.

A origem do capital investido na ferrovia definia também quais fornecedores

de materiais e equipamentos seriam escolhidos para a construção e operação do

negócio. Onde havia capital inglês, as locomotivas, trilhos e vagões eram de

fornecedores ingleses; onde havia capital norte-americano esses mesmos ativos

seguiam os padrões norte-americanos. Foi nesse cenário que se deu a formação

das primeiras ferrovias brasileiras. A economia, praticamente toda voltada para

exportação, definiu os projetos e os investimentos em transporte, formatando o

território brasileiro. Na realidade, foi apenas um reforço do “arquipélago” que já vinha

se formando. O território brasileiro possuía regiões econômicas isoladas,

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principalmente devido à configuração do sistema dos transportes, pois as longas

distâncias criavam monopólios naturais (CANO, 1998, p.60) que eram superados

apenas através da navegação de cabotagem (BARAT, 1978, p.91). Tal formação

geográfica também ficava evidente na aceitação da heterogeneidade de tecnologias

e bitolas utilizadas (mais de 10 tipos diferentes), pois como sistemas independentes

não havia necessidade de padronização e tráfego mútuo (CAIXETA-FILHO, 2001b,

p.82).

Como a burguesia paulista decidia sobre a configuração espacial da rede

ferroviária em grande parte dos investimentos, ela também decidia sobre a

circulação de bens e pessoas, o que culminava no quase completo controle sobre o

processo produtivo (DIAS, 2002, p.142). A união do capital desses investidores

orientou o desenho das ferrovias cujo traçado foi escolhido para que passassem por

suas fazendas auxiliando na escoação da sua produção. Essas linhas visavam única

e exclusivamente atender as necessidades imediatas para a exportação de produtos

primários e posteriormente eram abandonadas assim que um ciclo econômico se

concluía. Como salienta Vencovsky (2005):

“a implantação das ferrovias coincide com a formação dos corredores de transporte conhecidos atualmente. Seu traçado já é uma norma definidora de seus usos. E, uma vez definido este traçado, e devido principalmente à sua rigidez, o sistema é pouco flexível para novos usos”.

As ferrovias nas regiões econômicas brasileiras

Foi durante a década de 50 do século XIX que floresceram os primeiros

projetos para a formação das ferrovias, principalmente nas proximidades das regiões

produtoras de café, mas grande parte destes projetos levou mais uma ou duas

décadas até que se tornassem realidade: no trevo formado entre São Paulo, Paraná

e Mato Grosso discutia-se um projeto para escoar a produção do interior para o

litoral; a Recife and São Francisco Railway Company iniciou em 1853; em 1857 foi

concedido o direito de operação de uma ferrovia no Ceará.

Contudo, a primeira ferrovia a ser construída, operando no trecho entre o

Porto de Estrela e Raiz da Serra em Petrópolis, por Irineu Evangelista de Souza,

posteriormente conhecido como Barão de Mauá, trafegou pela primeira vez somente

em 1854. A empresa por ele montada ainda operava o trecho naval ligando o

referido porto à Baía de Guanabara com o principal objetivo de transporte de

passageiros. Mauá ainda traria o capital e know-how inglês para a construção da

ferrovia São Paulo Railway, iniciada sua construção em 1859 e suas operações em

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1867 para o transporte de cargas da capital paulista para o Porto de Santos.

A segunda ferrovia brasileira foi concedida a dois ingleses em 1853 e

concluída em bitola larga em 1858 ligando Recife a São Francisco. No Ceará, a

Great Western of Brazil Company (GWBC) teve a concessão do governo imperial

para operar em 1872. No entanto, foi no centro econômico brasileiro que o sistema

ferroviário brasileiro floresceu. O Governo Imperial deu prosseguimento a sua

própria rede, criando em 1858 a Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II.

O mesmo ocorreu na década de 60, agora atingindo mais o Sul do Brasil.

Projetos foram desenvolvidos, porém a implantação destes foi na década de 70: no

Rio Grande do Sul inaugurou-se a primeira linha ligando Porto Alegre a São

Leopoldo em 1874; no Paraná, apesar da concessão recebida em 1871, a ferrovia

projetada por André Rebouças ligando Curitiba a Antonina só foi concluída em 1880.

Porém, diferente do que se percebeu nos casos mais ao norte do país, o

envolvimento do poder público na região Sul veio através das províncias que abriam,

através de suas leis provinciais concorrência para as concessões ferroviárias em

seus territórios. A construção da então Estrada de Ferro do Paraná, precursora do

que se tornaria a América Latina Logística, iniciou-se efetivamente em 5 de junho de

1880 a partir de Paranaguá, cuja concessão na época pertencia à Compagnie

Génerale des Chemins de Fer Brésiliens, empresa de capital belga.

A partir de 1875 as concessões governamentais passaram a considerar o

controle do padrão métrico das bitolas utilizadas nas ferrovias, mas ainda assim não

em um nível de comprometimento que tivesse evitado, por exemplo, que a Ferrovia

Oeste de Minas abrisse sua operação em 1881 com uma bitola de 0,76 m. Nessa

época, as companhias abertas no Nordeste enfrentavam sua primeira crise, como

resultado da Grande Seca ocorrida no ano de 1877. Um pouco mais de uma década

mais tarde outras ferrovias na região Sudeste passariam pelo mesmo problema com

a queda da produção de café.

Os vários projetos independentes que se seguiram, com ramais interligando

o interior dos estados com as principais ferrovias, careciam agora de viabilidade

econômica não só devido aos fatores do mercado agrícola brasileiro, mas

principalmente devido à falta de capacidade administrativa, pois muitas delas já

operavam em condições deficitárias nos tempos de vacas gordas da economia

brasileira. No Nordeste a GWBC encampou a E. F. Central de Alagoas, a E. F.

Conde D'Eu, a E. F. Paulo Afonso e a E. F. de Natal a Nova Cruz em 1880. No Rio

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de Janeiro e em Minas a Estrada de Ferro Dom Pedro II fazia o mesmo; enquanto

que esse papel ficou a cargo da São Paulo Railway no estado economicamente

mais ativo da nação.

O Sul do Brasil seguia uma direção diferente. As pequenas ferrovias ainda

se propagavam. Em 1884 inaugura-se a Estrada de Ferro Porto Alegre –

Uruguaiana, com o objetivo de apoiar a defesa da fronteira oeste, e a Estrada de

Ferro Rio Grande - Bagé. A linha até Curitiba foi inaugurada em 5 de fevereiro de

1885, e até hoje impressiona pelo arrojo na travessia da serra do Mar, pelas

dificuldades vencidas pela equipe de obras do engenheiro João Teixeira Soares,

constituindo-se num monumento à engenharia brasileira. Praticamente ao mesmo

tempo era construída, também na fronteira oeste, a Estrada de Ferro Barra do

Quaraí - Itaqui, depois estendida até São Borja e concluída em 1887, administrada

pela The Brazil Great Southern Railway Company Ltd., mais conhecida como BGS.

Em meio às turbulências econômicas vividas no sudeste do país, proclama-

se a República no Brasil em 1889. Em dezembro desse mesmo ano existiam mais

9.500 km em exploração e 9.000 km em construção ou em estudo. Não tardou para

que o mesmo comportamento apresentado pela indústria no Nordeste e no Sudeste,

também ocorresse no Sul. A ampliação de suas ferrovias prosseguiu, alcançando

Ponta Grossa em 1894 e Rio Negro em 1895, mas tais concessões foram

encampadas pelo Governo Federal em 1904 e arrendada ao engenheiro Carlos

Frojd Westerman, que em 5 de abril de 1910 transferiu o contrato para a Estrada de

Ferro São Paulo - Rio Grande.

O país experimentava nesses primeiros anos do século XX uma verdadeira

explosão ferroviária. O tamanho da malha evoluiria de 17.605 quilômetros de via em

1907 para 26.025 em 1914, início da 1ª Guerra Mundial. As muitas ferrovias que

haviam declarado falência e sido adquiridas pelo Estado nos primeiros anos do

século, agora eram novamente arrendadas para a iniciativa privada. Um dos

principais investidores da época e foi o polêmico Percival Farquhar, um capitalista

americano que investiu em diversas ferrovias. Seus inúmeros negócios foram à

falência devido ao grau de endividamento que se encontrava quando teve início a

Primeira Guerra Mundial.

O processo de estatização

Até 1930 a malha ferroviária brasileira continuou a sua evolução, ainda

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261

sobre modelo semelhante: favorecimento à exportação da produção agrícola, pouca

padronização, capital privado internacional com financiamento do governo e

baixíssima qualidade administrativa. A lógica público/privada também permanecia:

enquanto lucrativas, as ferrovias tinha controle privado; na seqüência da queda dos

lucros, encampação governamental. Ao final da Primeira Guerra, Farquhar voltaria a

controlar diversas ferrovias brasileiras, mas quebraria novamente com a Crise de

1929. Diferentemente das ferrovias, as estradas foram construídas objetivando a

integração regional e sob o comando do governo. As rodovias construídas eram

capazes de transportar as cargas muito mais rapidamente, não só devido à

qualidade da estrutura de tráfego, mas principalmente devido à qualidade do trajeto.

O Estado já era dono em 1929 de 67% das companhias ferroviárias

brasileiras e responsável por 41% da malha (mais de 10 mil km) (Castro, 1999). Foi

quando Washington Luís apresentou o que seria o foco dos governos daí em diante

em termos de investimento em infra-estrutura, com a frase “governar é abrir

estradas”. O desenvolvimento rodoviário foi rápido e aconteceu num momento difícil

para as ferrovias. Não bastasse a debilidade financeira principalmente devido à crise

cafeeira, todas ficaram expostas à fragilidade de todo seu processo de

desenvolvimento da malha quando se perdeu o monopólio do transporte (Krüger,

2003).

A Segunda Guerra Mundial trouxe à tona as deficiências de todo o sistema

de comunicação terrestre do país quando os ataques de submarinos alemães

demonstraram as dificuldades em se transportar cargas ao longo de todo o litoral

(VENCOVSKY, 2005). Além disso, a situação política do país contribuía para um

forte sentimento de investimento na segurança nacional. Ao final da Segunda

Guerra, as relações do Brasil com os Estados Unidos eram fortes. Em 1947 foi

criada a Comissão Técnica Brasil-Estados Unidos cujo objetivo era avaliar os

projetos que seriam escolhidos para o financiamento fornecido pelos norte-

americanos. Um dos resultados do apoio brasileiro aos Aliados que culminou na

formação dessa comissão e no investimento em diversas companhias e na formação

de várias empresas brasileiras, foi a construção da Companhia Siderúrgica Nacional.

Outro exemplo da presença americana no território brasileiro foi a construção da

primeira fábrica da Coca-cola no Brasil, onde foi instalada uma base nordeste, com o

objetivo de cumprir a promessa feita aos soldados americanos de que qualquer um

deles teria acesso a uma coca-cola gelada em qualquer lugar do mundo.

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Tais recursos seriam posteriormente reunidos sob a bandeira do Banco

Nacional do Desenvolvimento (BNDE)48, criado em 1952. A criação do banco foi

uma exigência dos norte-americanos, que queriam uma contra-partida brasileira

equivalente para cada dólar americano. A proposta do banco foi resultado da

Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (CMBEU), criada em 1950 para planejar o

desenvolvimento do país na agricultura, transporte, mineração e energia elétrica.

Atuava principalmente identificando e definindo projetos de infra-estrutura que

seriam financiados pelo Banco Mundial e pelo Eximbank, um banco americano cujo

objetivo era financiar a exportação e importação de bens e serviços. Faltava ao

Brasil na época instituições que se dedicassem ao financiamento de longo prazo,

necessário para o desenvolvimento de projetos industriais e de infra-estrutura e o

BNDE vinha suprir essa lacuna.

Apesar da forte tendência aos investimentos em rodovias nos governos do

período, dos 41 projetos elaborados pela CMBEU, 24 estavam relacionados ao

sistema ferroviário. O primeiro financiamento do BNDE foi assinado em 1952 e

tratava-se justamente de um programa para o re-aparelhamento da Estrada de Ferro

Central do Brasil. O setor ferroviário encontrava-se desorganizado e com

deficiências técnicas, administrativas e financeiras, além de até então não existir

nenhuma política governamental específica para o setor. Outros financiamentos

ainda seriam aprovados para diversas ferrovias antes que, em 1957, fosse criada a

Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA). A criação da Rede visava,

entre outras coisas, compensar a falha do processo de desenvolvimento da malha

brasileira, permitindo que existisse uma rede integrada em todo o país.

A RFFSA vinha fortalecer a participação do Estado na economia. Na mesma

época foram constituídas diversas grandes empresas estatais, entre elas:

Companhia Vale do Rio Doce (1942)49, Petrobras (1953) e Furnas (1957). A nova

estatal incorporava as estradas de ferro de propriedade da União bem como todas

que viessem a ser transferidas para o domínio do governo federal ou cujos contratos

de arrendamento viessem a ser encapados. Tratava-se de 12 ferrovias no início, as

48 Somente a partir da década de 80 o banco iria incorporar ao seu nome o aspecto social, modificando para Banco Nacional de Desenvolvimento Social, ou BNDES.

49 A empresa nasce quando o governo de Vargas encampa as empresas de Percival Farquhar, contendo as minas de ferros do interior de Minas Gerais e a ferrovia que ligavam essas minas ao Porto de Vitória.

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quais reuniam 78% da malha brasileira, o equivalente a 28.460 quilômetros de

linhas. Os déficits assumidos seriam pagos com recursos do Tesouro Nacional e

progressivamente foi desativado o transporte de passageiros devido principalmente

ao retorno financeiro desse tipo de negócio frente a competição dos outros modais e

à falta de segurança dos trens.

Durante a década de 60, a RFFSA alcançou em seu auge 22 estradas de

ferro e 160 mil funcionários, mas algumas providências positivas foram tomadas ao

longo de sua administração. Dentre essas atitudes, destaca-se: a erradicação de

oito mil quilômetros de linha e ramais de baixa densidade antieconômicos; o

redesenho da operação para o transporte de cargas tipicamente ferroviárias; e a

implantação de tecnologias para tornar o transporte mais eficiente (por exemplo,

substituição de locomotivas a vapor por outras a diesel e freios de melhor

qualidade).

Em paralelo à estrutura desenvolvida pela RFFSA, desenvolviam-se também

as ferrovias administradas pela Companhia Vale do Rio Doce (CVRD). Na década

de 1960 foram financiadas diversas obras na Estrada de Ferro Vitória Minas e duas

décadas depois foi financiada a construção da Estrada de Ferro Carajás, ambas

para a escoação da produção de minério de ferro do interior do país para os portos.

A grande maioria desses projetos de melhoria, tanto na RFFSA quanto na CVRD, foi

financiada pelo BNDES, mas também houve alguns projetos financiados por

organismos internacionais como o Banco Mundial. Entre 1968 e 1973 a RFFSA

recebeu, somente através de dois contratos com o BNDES, aproximadamente R$

800 milhões50 em financiamentos para material rodante, metade deles destinado à

melhoria da infra-estrutura para a escoação da safra agrícola no Sul.

Contudo, os problemas ainda eram maiores do que as soluções. Os preços

do petróleo em conjunto com a política de ocupação e integração econômica do país

por rodovias tornavam o modal rodoviário extremamente competitivo. Somava-se a

isso as dificuldades para se instituir estratégias competitivas frente a uma

administração altamente influenciada pela instabilidade política do período.

A criação da Fepasa em 1971 não alterava o papel do Estado na indústria,

uma vez que as cinco ferrovias incorporadas já pertenciam ao governo de São Paulo

50 Em reais constantes de 31 de Dezembro de 2001.

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antes da operação; tratava-se apenas de uma reestruturação. Esta também recebeu

recursos do BNDES para financiar projetos de melhoria e extensão de sua malha.

Seria no começo da década de 1980 que o Estado tentaria pela última vez

tornar as ferrovias estatais rentáveis. Em 1982 o BNDES investiu em mais um

projeto, agora visando à reestruturação da RFFSA, prevendo tratá-la como empresa

auto-sustentável, com pagamento de normalização contábil pelo governo federal

pela operação dos trechos deficitários de interesse social e com assunção das

dívidas contabilizadas até aquele momento. A Fepasa passaria por programa

semelhante, mas assim como na RFFSA, também não alcançariam o objetivo

proposto. Somente as ferrovias administradas pela CVRD conseguiu desenvolver e

aplicar tecnologias que tornavam esses centros de custo em referências mundiais de

produtividade. Nessa mesma década, em paralelo com outros movimentos políticos

e econômicos, constituiu-se a concessão e a construção da Ferronorte, uma

concessão de completamente privada de 90 anos.

O excesso de regulamentação, a burocracia, a centralização das decisões,

sobretudo nas áreas comercial e de operações, as interrupções por acidentes,

defeitos em locomotivas e falta de autonomia para aplicação dos recursos,

comprometiam o desempenho operacional da Rede (KRUGER, 2003). Sem a

perspectiva de gerar lucro através das operações e com a incapacidade dele arcar

com a normalização contábil que havia sido combinada no início da década, tanto

RFFSA quanto Fepasa tornaram-se inadimplentes com o BNDES e ficaram

estranguladas e sem fontes de recursos para manter os investimentos necessários à

manutenção adequada de seus ativos.

Condições Políticas e Macroeconômicas anteriores às privatizações

A participação do BNDE no setor ferroviário foi bastante relevante,

principalmente na década de 50 com objetivo de revitalizar a indústria após a

estatização da mesma. Inclusive, o primeiro financiamento realizado pelo banco foi

em 1952, destinando verbas para a Estrada de Ferro Central do Brasil, empresa do

governo que já possuía longo histórico na absorção de ferrovias deficitárias.

Desde a década de 70 já se percebia que seria necessário realizar ajustes

na política governamental. Após o primeiro choque do petróleo, o foco da política

econômica havia sido redirecionado para a estabilização (Pinheiro & Giambiagi, Os

antecedentes macroeconômicos e a estrutura institucional da privatização no Brasil,

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1999). Em 1979 foi criada a Secretaria Especial de Controle das Estatais (SEST),

cujo objetivo era garantir que a administração diária das empresas públicas refletisse

os desejos macroeconômicos do governo. A partir de então todos os planos de

investimento ou importações dessas empresas deveriam ser aprovadas pela SEST.

Dois anos depois seria criada a Comissão Especial de Privatização, a qual

identificou 50 empresas públicas candidatas para a privatização.

Os primeiros movimentos foram bastante restritos. O governo continuou com

uma grande participação acionária das empresas privatizadas e em alguns casos as

vendas na verdade foram para outras empresas governamentais. O BNDES, por

exemplo, absorveu seis empresas públicas falidas entre 1981 e 1984. Ainda havia

forte influência dos ideais de segurança nacional e desnacionalização da economia

que impedia operações mais abrangentes.

No governo Sarney (1985 a 1990) houve uma pequena tendência de

melhora: o número de empresas que mudaram de controle subiu de 29 para 42 e as

receitas de US$ 190 milhões para US$ 533 milhões. Porém, como ressaltam

Pinheiro e Giambiagi (1999) os problemas ainda eram os mesmos: falta de

compromisso político; inflação elevada; crescimento pequeno e irregular da

economia; e restrição à participação de investidores, principalmente internacionais.

Novamente, das 42 empresas citadas, 18 delas passaram para o controle dos

governos estaduais e duas foram incorporadas a outras instituições federais.

O país ainda sentia os efeitos da variação no preço do petróleo, o aumento

simultâneo nas taxas de juros internacionais e a pressão sobre as contas públicas

devido aos anos do regime militar financiados por instituições estrangeiras. Isso

criou um ambiente econômico difícil na década de 80: o PIB per capita teve

crescimento de 0,3% ao ano e a inflação anual evoluiu de 95% para 1783%.

Os planos econômicos da época baseavam-se em grande parte no

congelamento e controle de preços, principalmente através das estatais. Tinham um

objetivo duplo: aumentar a competitividade dos produtos domésticos e combater a

inflação. A ordem para as empresas do governo era que contraíssem empréstimos

externos para financiar os déficits e manter a política de preços de controle de

inflação. A Rede Ferroviária Federal sofreu ainda mais, pois o valor do frete

ferroviário representava uma parcela significativa dos cálculos inflacionários e houve

uma queda de 8% na produção agrícola na época do Plano Cruzado.

O BNDES teve um papel de destaque desde o começo no apoio ao

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processo de privatização. O banco foi um dos principais financiadores das

operações do início da década de 80, algumas vezes participando no capital

acionário, outras garantindo empréstimos. Contudo, a inadimplência forçou o banco

a tornar-se acionista de várias empresas para reaver de alguma forma seus ativos.

Assim, o BNDES era um dos principais interessados no processo de privatização,

pois essas empresas absorviam uma parte substancial dos recursos financeiros e

humanos do banco (Bernardino, 2005).

Assim, o banco desenvolveu seus próprios meios para vendê-las. Foi essa

experiência, adquirida na década de 80 por alguns funcionários do BNDES, que

formariam as bases das leis relacionadas às privatizações da década de 90. As

mesmas pessoas que haviam conduzido os primeiros movimentos também seriam

responsáveis pelos passos seguintes.

Em março de 1990, com a posse do Governo Collor, foi enviada ao

Congresso uma medida provisória para o Programa Nacional de Desestatização

(PND). O BNDES, incumbido nessa medida de administrar e implementar o PND no

dia-a-dia, selecionava duas firmas ou consórcios de consultorias para cada

empresa a ser vendida. A primeira era responsável pela avaliação financeira e pela

recomendação do preço mínimo; a segunda apontava obstáculos e soluções para a

venda, além de identificar potenciais compradores e sugerir a forma de venda. Em

uma segunda etapa havia uma terceira firma, de auditoria, que garantia o

cumprimento de todas as etapas do processo de venda das estatais. O Judiciário e o

Tribunal de Contas também participavam desse processo de acompanhamento.

O PND foi instituído buscando apoiar outra estratégia macroeconômica que

seria realizada no mesmo ano. Depois de um feriado bancário, US$ 40 bilhões foram

bloqueados para serem devolvidos ao final 18 meses depois em 12 parcelas. A ideia

era incentivar a população a utilizar esses recursos nas privatizações (Pinheiro &

Giambiagi, Os antecedentes macroeconômicos e a estrutura institucional da

privatização no Brasil, 1999). Contudo, ela não teve sucesso basicamente porque

não foi possível privatizar as empresas no período esperado. O PND estava tão

amarrado que o processo naturalmente levava meses. Somava-se a isso inúmeras

ações judiciais que só permitiam a conclusão de qualquer processo depois de

julgadas. A primeira privatização no novo modelo só foi ocorrer em 1991 quando o

dinheiro retido já havia voltado à economia, muito desvalorizado.

Acreditava-se que a inflação de mais de 80% ao mês estava vinculada à

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baixa liquidez da dívida pública. Justamente por isso já se previa o recebimento de

alguns títulos públicos como meios de pagamento no processo de privatização. Com

o descompasso entre o bloqueio dos ativos e a efetivação do processo de

privatização, o Governo se viu obrigado a expandir as possibilidades, incluindo

também as dívidas de médio e longo prazo com empresas estatais como moeda

para que houvesse capacidade de compra pelo mercado interno. Dessa maneira, o

BNDES não precisava financiar diretamente os compradores, as empresas se

tornariam bem mais atraentes e funcionaria como uma garantia de que os gastos

públicos não seriam elevados com as receitas das privatizações.

O processo de privatização foi bastante rápido, principalmente se

comparado aos casos de outros países, não só no que tange às ferrovias, mas

principalmente devido a toda reestruturação macro-econômica resultante do

processo. Contudo, para isso foi necessário a formação de um contexto que

permitisse a adoção tão rápida.

Somente a partir da metade da década de 1990 é que o ambiente político se

tornou propício a realização das reformas. Antes disso, os especialistas envolvidos

nas discussões das políticas econômicas não tinham consenso sobre os impactos

microeconômicos que a privatização provocaria no desempenho das empresas,

além da expectativa do impacto fiscal ser baixíssima (Pinheiro, 1999). Porém, a

partir de 1990 alguns argumentos a favor da privatização se fortaleceram (Pinheiro &

Giambiagi, 1999):

- A estratégia anterior, com políticas públicas intervencionistas, baseadas na

utilização das empresas estatais como instrumento de política macroeconômica

havia contribuído para o significativo aumento dos gastos públicos e para a

deterioração da qualidade dos serviços, piorando a situação do país;

- A privatização serviria como uma sinalização aos mercados financeiros

internacionais do compromisso do Estado em reduzir sua participação na economia,

reduzindo a percepção de risco de financiadores globais e as suas taxas;

- Colaborava com o Plano Real, pois atraía investimentos externos diretos

que ajudariam a financiar o déficit em conta corrente do regime de juros e câmbio;

A logística como indústria

Pode-se dizer que a logística sempre esteve presente na economia, mas

que somente a partir do pós-guerra as bases do pensamento logístico foram criadas.

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Até então, o grau de integração da cadeia produtiva era muito baixo e diferentes

empresas eram responsáveis por diferentes atividades, cada uma sendo parte de

um fluxo que ia desde a matéria-prima até o produto final entregue ao consumidor.

No início do século XX surgiram algumas redes de varejo com competências

específicas para organizar a distribuição de seus produtos entre suas lojas.

Mas foi a segmentação implantada pelo exército norte-americano que trouxe

um novo paradigma para a distribuição. As necessidades militares de movimentação

de tropas, equipamentos e insumos para diferentes campos de batalha em dois

diferentes locais do globo, um do outro lado do Atlântico e outro no Pacífico,

aparentemente permitiram o nascimento da engenharia de transporte, da

distribuição física eficiente e do fluxo total de materiais. Esse tipo de pensamento

eventualmente levou à proximidade da relação entre engenharia e logística. Novas

funções nasceram e algumas já existentes aumentaram sua importância relativa.

No setor econômico existiam algumas diferenças. De 1945 até o final da

década de 50, os negócios viam a distribuição física por uma perspectiva funcional e

como parte do marketing. Armazenamento e revenda eram compartimentados.

Controle de estoque, tratamento de materiais e transportes cada um seguia sua

própria direção. Dentro de transportes, compras de insumos e distribuição de

produtos eram consideradas funções separadas. Esse período pode ser descrito

como uma etapa onde se definiu o campo de jogo e quais eram os pedaços do

quebra-cabeça do fluxo eficiente de materiais (Kent Jr. & Flint, 1997). O foco

principal foi sobre as funções que compreendiam a distribuição de produtos e como

torná-los eficientes de maneira independente.

No começo da década de 60 o conceito de custo total surgiu na literatura

acadêmica. Uma abordagem sistêmica foi sugerida e o termo “logística integrada” foi

utilizado com sentido econômico. Houve uma mudança da distribuição física como

foco principal da logística para um completo sistema de atividades trabalhando com

e dependendo um do outro. Quando o custo total ou a abordagem sistêmica foi

aplicada para analisar a firma, uma combinação lógica das previamente separadas

funções logísticas começou a evoluir. A logística de negócios nascia. A consolidação

da gestão do transporte dos insumos e produtos, armazenagem, controle de estoque

e tratamento de materiais começou a aparecer no meio acadêmico e na prática. Por

exemplo, produtos perecíveis de baixo valor, como comida, exigiam uma

organização diferente das atividades do fluxo do que para produtos não perecíveis

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de alto valor, como tratores.

No começo da década de 70, outra perspectiva emergiu. O cliente passou a

ser considerado o foco principal da empresa. O serviço ao consumidor, do qual a

distribuição física é um componente, se tornou um item significativo. Adicionalmente,

os custos de carregar estoque, produtividade, e o conceito de nós de conexão

encontravam seu caminho na pesquisa e prática de logística. A logística se tornou

mais presente no meio acadêmico de negócios. Essa geração foi além da

minimização de custos e buscou maximizar os lucros e começou a olhar para a

logística como forma de satisfazer o cliente.

A logística passou a ser considerada uma das chaves para diferenciar a

firma a partir de 1980. A logística é vista como um componente crítico da estratégia

da firma. Os conceitos que emergiram foram gestão integrada da cadeia de

suprimento, do canal logístico, eficiência inter-organizacional, logística ambiental,

logística reversa, e um aumento da atenção para a globalização. Tecnologias da

informação assim como conceitos de estratégia tiveram influência significativa.

Essa Era é vista como um grande movimento para legitimar o processo de

gestão da logística integrada. O problema era como conectar toda a cadeia de

suprimento, criar valor para o consumidor e ser competitivo em mercados globais. A

alavancagem que pode ser adquirida através da diferenciação pela logística surge

parcialmente da dificuldade que os competidores têm em copiar sistemas logísticos.

A evolução do pensamento logístico foi classificada dentro de seis eras, que

se iniciam na virada do século XX. Elas são definidas como: (1) da fazenda para o

mercado; (2) funções segmentadas; (3) funções integradas; (4) foco no cliente; (5)

logística como um diferenciador; e (6) expansão das fronteiras e dos

comportamentos. Tais eras são definidas e apresentadas na figura a seguir como

um modelo da evolução do pensamento logístico.

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Tabela 6-2: Fases da evolução da indústria logística.

Apesar de uma era ser descrita como um estágio discreto e separado, a

mudança de uma para outra não é dramática. Como um processo evolucionário,

eventos no macro-ambiente envolvendo várias dimensões econômicas e sociais

levam a mudanças. Tais aspectos influenciadores como tecnologia, mudanças nas

necessidades econômicas, novas descobertas e muitos outros contribuem para o

processo.

Era Período Características Principais Principal Influência

Foco na ligação fazenda-mercado

Transporte

Motor a vapor

Áreas funcionais independentes

Distribuição Física

Combustão Interna

Custo total

Abordagem sistêmica

Integração da logística

Serviço ao consumidor

Carregamento de estoque

Produtividade

Nós de ligação

Suprimento integrado

Canais logísticos

Globalização

Logística Reversa

Logística Ambiental

Logística de Resposta

Aspectos comportamentaisDesenvolvimento de teorias

Marketing

Ciências Sociais

De 1960 a

1970

Economia Industrial

Adiministração Científica

De 1980 a

2000

de 1970 a

1980

De 1960 a

1970

De 1940 a

1960

De 1916 a

1940Economia Agrícola

Militar

Tecnologia da Informação

Gestão da Estratégia

Da Fazenda para o Mercado

Funções Segmentadas

Funções Integradas

Foco no cliente

Logística como diferenciador

Expansão das fronteiras e

comportamental

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ANEXO VI – TRECHOS DE UMA APRESENTAÇÃO DE RECRUTAMENTO

Palestra de Recrutamento no Coppead, Julho de 2008.

“Primeira pergunta que eu acho que vocês devem fazer antes de decidir o

que vocês vão fazer quando sair do mestrado é se o negócio é bom. (...) O negócio

é bom? É saudável? Ele vai a algum lugar? Tem um monte de lugar bom, um monte

de companhia legal, mas o negócio é mais ou menos. O problema de você pegar um

negócio mais ou menos é que, por mais excepcional que você seja, você pega um

negócio regular você transforma ele em bom. Se o negócio é bom e você for bom,

você consegue fazer uma coisa extraordinária.”

“Com fundamento, você já tem um caminho andado. (...) Segunda coisa que

eu pensava é se o negócio cresce. Que às vezes o negócio tem um fundamento

muito bom, mas o market share é muito alto, estável, tudo mais. Aí começa aquela

cosa de você torcer para o seu chefe se aposentar. Aí é doidera. Aí você entra no

looping que não faz nenhum sentido se vocês quiserem fazer alguma coisa que seja

realmente diferente, com a perspectiva de carreira de vocês. E claramente tem que

olhar para um projeto que cresça. Porque emprego, com sinceridade, acho que

ninguém aqui vai passar por problema de ter emprego. Quero ficar no Rio, quero

ficar aqui, isso tem aos montes. Tem problema nenhum. (...) A grande diferença é

você ter um projeto. Que é uma coisa que eu realmente admiro mais. Eu prefiro que

vocês quebrem 10 vezes, mas acreditem no projeto que vocês estão indo. É uma

outra escolha, não tem nada de errado. Mas não acho que foi para isso que vocês

estudaram 2 anos.”

“A terceira coisa é se vocês se identificam com os valores e a cultura da

empresa. Com a forma como os donos pensam. Isso é fundamental. Às vezes

aquele negócio de quadro de valores na parede e diz ‘ah, é mais um negócio desse’.

Leiam aquilo com atenção. Aqueles valores da companhia dizem muito do que ela é.

E conversem com as pessoas, falem com quem está lá dentro. (...) A ALL não é uma

empresa para todo mundo. A gente tem um monte de defeito. (...) Mas efetivamente

a gente tem uma série de valores, uma série de coisas que a gente acredita, que é o

que a gente é. Se você não acredita nisso não adianta entrar no projeto. Ah, esse

paga mais, esse paga menos. É o que menos importa nesse ponto de vocês. Vocês

tem que entrar num ponto bom.”

“Mas eu claramente eu via isso na ALL: fundamento muito sólido, potencial

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de crescimento e que eu me identificava muito claro com a cultura. Eu sabia como

os caras pensavam: meritocracia, atitude de dono, sociedade, repartir o crescimento,

das pessoas poderem crescer conforme seu potencial. Isso é fundamental. E nessa

parte de meritocracia, todas as empresas que virão aqui até sexta-feira vão se dizer

meritocráticas. (...) Primeira pergunta que você faz: tem plano de carreira? Se o cara

disser sim, fuja. Plano de carreira é o inimigo número 1 da meritocracia. Qualquer

lugar que tiver plano de carreira, você pra crescer é um horror. Se você perguntar

qual é o da ALL é nenhum. Vocês podem estar no topo e não estar na companhia.

Simples. (...) Se começar esses tetos, a meritocracia não existe, é encaixada, que é

o tipo de coisa que eu não acredito. Eu acredito em gente que faz diferença e é

remunerada. E que acreditam num projeto grande, de sonhar grande, fazer coisas

grandes.”

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ANEXO VII – ESTRUTURA SOCIETÁRIA DA ALL S.A.

Figura 6-3: Estrutura Societária do Grupo América Latina Logística.

Fonte: Valor Grandes Grupos, Novembro de 2007.

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ANEXO VIII – DADOS SOBRE O MERCADO FINANCEIRO BRASILEIRO

Tabela 6-3: Ofertas de valores mobiliários da ALL registradas na Bovespa.

Fonte: Compilação do autor. Relatórios Anuais da ALL – 2001 a 2007; Registros de Ofertas da Comissão Valores Mobiliários.

Figura 6-4: Volume de operações no mercado financeiro.

Fonte: Comissão de Valores Imobiliários.

EMISSORA DT REGISTRO Prazo Tipo VOLUME

ALL - AMÉRICA LATINA LOGISTICA S.A. 24/08/1999 12 nota promissória 100.000.000,00R$

ALL - AMÉRICA LATINA LOGISTICA S.A. 19/05/2000 60 debênture 58.000.000,00R$

ALL - AMÉRICA LATINA LOGISTICA S.A. 18/08/2000 60 debênture 42.000.000,00R$

ALL - AMÉRICA LATINA LOGISTICA S.A. 18/12/2000 36 debênture 80.000.000,00R$

ALL - AMÉRICA LATINA LOGISTICA S.A. 01/02/2003 72 debênture 55.000.000,00R$

ALL - AMÉRICA LATINA LOGISTICA S.A. 01/06/2004 36 re-emissão 120.000.000,00R$

ALL - AMÉRICA LATINA LOGISTICA S.A. 01/10/2004 60 re-emissão 135.000.000,00R$

ALL - AMÉRICA LATINA LOGISTICA S.A. 24/06/2004 NA Ofeta pública de ações 320.850.000,00R$

ALL - AMÉRICA LATINA LOGISTICA S.A. 24/06/2004 NA Ofeta pública de ações 267.375.000,00R$

ALL - AMÉRICA LATINA LOGISTICA S.A. 24/10/2005 84 debênture 200.000.000,00R$

ALL - AMÉRICA LATINA LOGISTICA S.A. 22/05/2006 12 nota promissória 373.500.000,00R$

ALL - AMÉRICA LATINA LOGISTICA S.A. 27/07/2006 60 re-emissão 700.000.000,00R$

R$ -

R$ 10.000.000.000,00

R$ 20.000.000.000,00

R$ 30.000.000.000,00

R$ 40.000.000.000,00

R$ 50.000.000.000,00

R$ 60.000.000.000,00

R$ 70.000.000.000,00

R$ 80.000.000.000,00

R$ 90.000.000.000,00

R$ 100.000.000.000,00

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Volume de operações no mercado financeiro das principais contas

AÇÔES DEBÊNTURES NOTAS PROMISSÓRIAS

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ANEXO IX – HISTÓRICO DO GRUPO GP INVESTIMENTOS

(Teixeira, Hessel, & Oliveira, 2008)

O legado de Lemann

O que você pode e deve aprender com Jorge Paulo Lemann, fundador do

Banco Garantia, e seus inseparáveis parceiros, Beto Sicupira e Marcel Telles.

Juntos, eles ergueram um império de R$ 144 bilhões. Nesse processo, criaram uma

cultura corporativa revolucionária.

No fim do período letivo de 1957, como era costume na Escola Americana

do Rio de Janeiro, os alunos reuniram-se para escolher os destaques do ano.

Sempre em inglês, elegeram o mais amigável, o mais artístico, o mais fofo e assim

por diante. Na categoria "Most likely to succeed" (algo como "com mais chances de

ser bem-sucedido"), dois nomes foram lembrados.

Um deles, "Jorge Lemann". Retratado no álbum da classe com pinta, topete

e terninho de galã, Jorge Paulo Lemann, aos 17 anos de idade, é descrito como um

dos dois veteranos que estudaram desde o jardim-de-infância na Escola Americana.

"Embora aparente nunca estudar, ele sempre consegue boletins invejáveis –

principalmente 'As' com uma pitada de 'Bs'", diz o Livro do Ano. Bom aluno sem

fazer força, o jovem Lemann arrancava suspiros das colegas. "Ao longo dos anos,

Jorge trabalhou duro para adquirir sua reputação como um sedutor - a ladies' man -,

e, como verdadeiro brasileiro, seus interesses (além de tênis e pesca com arpão)

são ir à praia e observar as pessoas - garotas, isso sim." Lemann era conhecido na

escola por viajar muito ao exterior e por seus planos de fazer faculdade nos Estados

Unidos, de preferência em Harvard. No fim daquele ano, os estudantes prepararam

também a "Profecia da Turma", na qual tentavam prever como estariam seus

colegas dentro de dez anos. Nela, lê-se o seguinte: "Ganhando manchetes no

mundo dos esportes está Jorge Paulo Lemann, que recentemente venceu o

Campeonato Mundial de Tênis de 1967. Jorge, que administra uma importante

cadeia de fábricas de enlatados no Brasil, é atualmente casado com a Miss Universo

de 1967". Poucas vezes uma brincadeira de adolescentes revelou-se tão

premonitória.

Lemann chegou ao topo do ranking mundial de tênis por três vezes - embora

na categoria veteranos. Foi cinco vezes campeão brasileiro e defendeu tanto o Brasil

como a Suíça na Copa Davis. Nem sequer namorou a Miss Universo de 1967 - a

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americana Sylvia Louise Hitchcock -, mas casou-se duas vezes, com mulheres

bonitas e elegantes: a psicanalista Maria de Santiago Dantas Quental, morta em

abril de 2005, e a educadora suíça naturalizada brasileira Susanna Lemann, dona da

agência de viagens Matueté. Com cada uma delas, teve dois filhos homens e uma

filha mulher. Ele tampouco é dono de uma fábrica de enlatados, a não ser que a

definição da categoria seja ampla o bastante para abarcar os bilhões de latas de

cerveja e refrigerante que saem anualmente das linhas de produção sob seu

controle. Mas, depois de se formar economista em Harvard, conforme planejado,

chegou a uma altura no mundo dos negócios que mesmo seus colegas de Escola

Americana não imaginariam.

Ao lado de Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira, seus parceiros de

negócios há mais de três décadas, Lemann detém 25% do capital da maior

cervejaria do mundo, a InBev; é dono da holding Lasa, que reúne Lojas Americanas

e Blockbuster; do grupo B2W, onde estão agrupadas as lojas virtuais Submarino,

Americanas.com, Ingresso.com e o canal de televendas Shoptime; e da São Carlos

Empreendimentos Imobiliários. Os três estão entre os principais acionistas da maior

empresa de transporte e logística da América do Sul, a ALL, e, desde dezembro,

têm uma fatia de 8,3% do capital da CSX, uma das maiores ferrovias dos Estados

Unidos. Somadas, essas participações valem R$ 46,35 bilhões, o equivalente, por

exemplo, ao valor de mercado da Companhia Siderúrgica Nacional.

Lemann é hoje, aos 68 anos, a quinta pessoa mais rica do Brasil e a 172ª do

mundo. Ele aparece, ainda, na lista dos mais ricos da Suíça - onde reside desde

1999, num subúrbio exclusivo de Zurique -, pouco atrás da herdeira grega Athina

Onassis. Mais importante do que seu império e sua fortuna, para ele e para aqueles

que se interessam por questões de gestão e liderança, é seu legado para o meio

empresarial brasileiro. A cultura forjada por Lemann no Banco Garantia, a partir de

meados da década de 70, chegou ao varejo, por meio da Lojas Americanas,

comprada em 1982; à indústria, pela aquisição da Brahma, em 1989; influenciou

virtualmente todos os bancos de investimento brasileiros e espalhou-se pelas mais

de 30 empresas compradas até hoje pela GP Investimentos, fundada por Lemann,

Sicupira e Telles. Da Gafisa ao Ig, passando pela Telemar.

Mais do que isso, a "cultura Garantia", baseada numa rígida meritocracia de

resultados, numa preocupação obsessiva com a formação de líderes dentro de casa

e com a transformação de funcionários em sócios, tornou-se referência para

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companhias tão afastadas da área de influência do lendário banco como Suzano e

Gerdau. "O Jorge Paulo não é só um dos melhores gestores de empresas do Brasil.

É um dos melhores do mundo", diz o industrial Jorge Gerdau Johannpeter,

presidente do conselho da Gerdau. "A única escola de administração que surgiu no

Brasil na minha geração foi a do Lemann, do Garantia", afirma Francisco Gros, ex-

presidente do BNDES e atual CEO da OGX, a empresa de petróleo e gás de Eike

Batista. Antonio Maciel Neto, presidente da Suzano, costuma tirar alguns dias por

ano para freqüentar cursos intensivos de administração em Harvard. Em fevereiro,

recém-chegado de uma dessas temporadas, deu o seguinte depoimento:

"Estudamos 15 cases das mais bem-sucedidas empresas do mundo. Em todos os

tópicos de gestão abordados, eu sempre me lembrava do Lemann. Ele já havia feito

no Brasil tudo aquilo que a escola pregava como as mais eficazes técnicas de

administração".

De Corretor a Banqueiro

A saga empreendedora de Lemann começa em 1971, com a compra de uma

pequena corretora de valores chamada Garantia, que intermediava operações de

compra e venda de papéis financeiros para clientes no Rio de Janeiro. Um negócio

semelhante ao que ele conhecera nos anos anteriores, como funcionário da

corretora Invesco, que faliu em 1966, e da Libra, onde ficou até comprar a Garantia.

Já nos primeiros anos, Lemann estabeleceu contato com o banco Goldman Sachs,

que usava a corretora para intermediar a maior parte de seus negócios no Brasil.

Aos poucos, passou a mandar gente para treinamentos e para estágios no banco

americano. O Goldman era pequeno àquela altura, mas já tinha desenvolvido uma

cultura baseada em atrair gente boa, remunerar bem as pessoas, avaliá-las e

transformá-las em sócias. Exposto a essa cultura, Jorge Paulo vislumbrou o modelo

de negócio que, acreditava ele, lhe daria vantagem no mercado brasileiro.

Em 1976, com cinco anos bem vividos no mercado, a corretora Garantia foi

procurada pelo JP Morgan, maior banco do mundo em capitalização naquela época.

O Morgan queria fazer um banco de investimento no Brasil em parceria com

Lemann. Quando, porém, as conversas estavam perto de um desfecho, o brasileiro

voltou atrás. Trocou a promessa de um futuro precocemente assegurado pelo direito

de permanecer no comando de seu negócio. Injetou capital próprio na firma, obteve

uma carta patente e criou o Banco Garantia. Lemann considera esta a decisão mais

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importante e difícil que tomou em sua longa carreira.

Àquela altura, ele já tinha a seu lado os homens que se tornariam seus

mosqueteiros na arena dos negócios, ambos cariocas como Lemann. Marcel Telles

fora admitido na corretora Garantia em 1972, aos 22 anos. Até então, tinha quatro

anos de experiência no mercado financeiro, parte dos quais dedicados à enfadonha

tarefa de conferir boletos de compra de ações para o corretor carioca Marcelo Leite

Barbosa, entre meia-noite e 6 da manhã. Marcel foi indicado por amigos a Luiz

Cezar Fernandes, um dos sócios fundadores do Garantia, que decidiu colocá-lo à

prova. Em vez de atender aos anseios do economista recém-formado, que queria

ser operador no rentável open market (onde eram negociados títulos de dívida

pública), Luiz Cezar ofereceu-lhe uma vaga de liquidante - uma espécie de office

boy das corretoras pré-informática, encarregado de transportar títulos e

comprovantes das operações realizadas. Três meses gastando a sola dos sapatos,

porém, foram suficientes para lhe franquear acesso ao almejado posto de operador.

Carlos Alberto Sicupira, conhecido apenas como Beto, chegou à corretora

Garantia no ano seguinte, 1973, convidado pelo próprio Lemann. Meses antes, ele

vendera sua participação na corretora Cabral de Menezes para passar uma

temporada em Londres, no Marine Midland Bank, hoje parte do HSBC. O propósito

da viagem era conhecer técnicas de investimento novas, que pudessem ser

aplicadas no mercado brasileiro. Ao implementar o que aprendeu lá fora no

Garantia, Sicupira seria decisivo para o crescimento do banco na década de 70.

Montado o time base e abortada a parceria com o JP Morgan, Lemann

começou a pôr de pé uma cultura empresarial própria - mas muito inspirada na do

Goldman Sachs. A meritocracia saiu de lá, assim como o treinamento intenso e os

mecanismos para dar oportunidades às pessoas. Jorge Paulo estava apaixonado,

principalmente, pelo modelo de partnership do banco americano. Ou seja, pelo

processo de transformação de colaboradores em sócios pela via da distribuição de

ações. "O capitalista brasileiro, naquela época, queria basicamente tudo para ele. Os

'índios eram os índios'", Lemann costuma dizer.

"No Goldman Sachs, os sócios eram escolhidos a cada dois anos", afirmam

os pesquisadores Fernando Muramoto, Frederico Pascowitch e Roberto Pasqualoni

em um estudo sobre o Garantia conduzido pelo Ibmec São Paulo. "Para ser

candidato a sócio, o associado deveria estar trabalhando há pelo menos oito anos

no Goldman (sob jornadas de trabalho que chegavam a 16, 18 horas diárias, por

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salários que muitas vezes ficavam abaixo da média de mercado) e ser indicado por

um dos atuais sócios ao comitê executivo da sociedade."

Lemann adotou esse sistema. De início, ele próprio ia vendendo parte de

suas ações aos parceiros de negócios, de modo a transformá-los em sócios. Bem de

acordo com sua crença de que as pessoas exercitam apenas uma parte de seu

potencial no trabalho, mas tendem a surpreender quando entram para a sociedade.

Ou seja: o sujeito que se considera dono do negócio é muito melhor do que aquele

que está ali porque recebe salário. Afinal, você trata melhor o seu carro ou um carro

alugado?

A engrenagem começou a girar sozinha quando os sócios antigos passaram

a vender participações para novos parceiros até se desligar totalmente do banco.

"No Garantia, o turnover (rotatividade) dos sócios era muito alto. Em 1980, eram 17

sócios. Desses, 13 permaneciam em 1983, e apenas cinco em 1996", diz a equipe

do Ibmec. Nos seus últimos anos, o banco tinha cerca de 300 funcionários. Lemann,

Telles e Sicupira entrevistavam, eles próprios, coisa de 800 pessoas anualmente,

para contratar 10 ou 15. Do recrutamento às promoções, a preferência sempre

recaiu sobre "gente que gosta de ser dona", que "entrega resultados" e "sabe avaliar

o que é importante". Lemann por vezes diz que todos os homens de negócio

realmente significativos que conheceu até hoje – gente como Sam Walton, do Wal-

Mart, e o investidor Warren Buffett (novo homem mais rico do mundo) - tinham como

característica principal a capacidade de enxergar o essencial rapidamente e

encontrar um caminho para chegar lá. Em geral, de uma maneira simples.

Assim como no Goldman, os salários no Garantia eram inferiores à média do

mercado. Sobretudo os dos chefes, já que quanto mais graduada a pessoa maior

era a parcela de seus rendimentos atrelada aos resultados. "A cada semestre, 25%

do lucro líquido do banco era dividido entre os associados de acordo com o seu

cargo e o desempenho auferido", afirmam os pesquisadores do Ibmec. O baixo

clero, 80% do quadro de funcionários, brigava por 11% do total de lucros a distribuir.

Candidatos a sócios (os chamados comissionados, equivalentes a 15% do pessoal)

e sócios (5% da equipe) repartiam os 89% restantes. Semestralmente, os

funcionários eram avaliados pelos chefes. O bom desempenho era premiado com

bônus; os melhores eram convidados a entrar na sociedade.

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Talento por Metro Quadrado

Diferentemente do que se via no Goldman, no Garantia era possível virar

sócio com apenas cinco anos de banco. Na média, a idade dos sócios ficava abaixo

dos 35 anos. Os mais precoces chegaram lá aos 24.

José Olympio Pereira, hoje diretor do banco Credit Suisse no Brasil, entrou

no Garantia em 1985 e só saiu 13 anos depois, em 1998. Quando chegou, era um

engenheiro civil recém formado que sabia que seu futuro não estava na engenharia.

Ouvira falar que mercado financeiro era uma boa opção. E que o Garantia era o

melhor lugar para se trabalhar.

Assim que teve a chance, bateu na porta do banco e pediu emprego. "Se

não me cobrarem nada para trabalhar aqui, eu topo", disse. O que mais o

impressionou nos primeiros meses do Garantia foi a quantidade de pessoas

inteligentes e ambiciosas por metro quadrado. E as oportunidades que se davam a

elas. Um mês depois de sua chegada, Arminio Fraga desembarcou para comandar o

departamento econômico. O responsável pela área de

renda variável, àquela época, era ninguém menos que André Lara Resende

- que logo em seguida participaria da formulação do Plano Cruzado e, quase uma

década mais tarde, se tornaria um dos pais do Plano Real.

Apenas um ano se passara quando o responsável pela área de underwriting

do banco (ofertas públicas de títulos em geral, incluindo ações de empresas) foi

deslocado para o setor de câmbio. José Olympio, que desde o início se interessara

pelo departamento, foi convidado a assumir o posto. Aos 24 anos de idade. "A regra

lá era jogar no fogo e dar oportunidade para as pessoas se provarem", diz. Já

àquela altura, segundo o executivo, Lemann tinha uma "aura de liderança". "O Jorge

Paulo é um sedutor. Aparentemente simples, do tipo que usava calça US Top, mas

infinitamente sofisticado."

Uma das regras não escritas do banco – posteriormente aplicada a todas as

empresas sob sua gestão – era a de que existiam dois deslizes certeiros para

provocar uma demissão: aparecer na revista Caras ou comprar carro importado.

Para Lemann, esbanjar dinheiro ou se entregar à ostentação são pecados capitais.

Seus três filhos do primeiro casamento eram motivo de piada entre os amigos da

faculdade. Enquanto muitos deles, todos com menos dinheiro que os filhos de

Lemann, circulavam em carros importados, os três dirigiam surrados Gols e Paratis.

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Jorge Paulo é um homem de hábitos, a maioria simples. Quando dá

expediente no escritório de São Paulo, seu "uniforme" é camisa branca de mangas

curtas, calça azul de sarja e confortáveis sapatos de camurça. No passado, era

comum vê-lo pedalando sua bicicleta, a caminho da padaria. Era ele quem

comprava o pão para o café-da-manhã das crianças. Até hoje, quando está no

escritório de São Paulo, às vezes vai a pé até o supermercado, comprar barrinhas

de cereal. Em compensação, não freqüenta eventos sociais, vai pouquíssimo a

restaurantes e raramente recebe em sua casa. Jura ter o mesmo peso desde os 17

anos. Às custas de um estilo de vida espartano. Acorda cedo, geralmente às 5h30, e

vai dormir antes das 10 da noite. O café-da-manhã é frugal: frutas e suco, apenas.

No almoço e no jantar, come pouco e só bebe água mineral. Sua dieta favorece

legumes, cereais e carnes magras. Nada de doces, nada de álcool (nem mesmo

cerveja...) nem de refrigerantes. Nas reuniões de conselho da Fundação Lemann,

bisnaguinhas macias do tipo egg sponge são incluídas no pequeno bufê. Jorge

Paulo é fã declarado, mas nunca cai em tentação. Enquanto seus companheiros de

mesa tomam um cafezinho, ele beberica água mineral, direto da garrafinha.

Até hoje, na copa de seu escritório pessoal, apenas alimentos saudáveis são

colocados à disposição dos funcionários. Pão, queijo branco e requeijão light são

oferecidos para o café-da-manhã. Uma cesta de frutas é recebida todas as tardes. O

bufê que o atende, o Nossa Casa, é o mesmo desde os tempos do Garantia. Um

cardápio semanal, todo de pratos saudáveis, é oferecido aos funcionários que

preferem almoçar no escritório.

Encomendas individuais são pagas à parte. Quando recebe visitas, os

gestos calorosos marcam mais do que o cardápio. "Na única vez em que me

encontrei com Lemann, ele mesmo arrumou a mesa, fazendo questão de servir a

mim e aos outros convidados", diz Maciel Neto, da Suzano. "Achei curioso e

extremamente gentil".

"Nossa Filosofia"

Arminio Fraga, também ele um financista bem-sucedido e de hábitos

modestos, foi economista-chefe do Garantia entre 1985 e 1988. Depois, trabalhou

para George Soros, presidiu o Banco Central no segundo governo FHC e fundou a

Gávea Investimentos. Não é por falta de modelos para comparação, portanto, que

ele tem Lemann e seu banco em alta conta. "Era um ambiente meritocrático, onde

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todo mundo se sentia sócio e aspirava a ser sócio de fato. Um ambiente de alta

competência, com regras claríssimas de meritocracia", afirma. "Uma coisa

totalmente diferente do que existia no Brasil naquela época."

Três frases de um documento chamado Nossa Filosofia, que era distribuído

a cada novo funcionário do Garantia, resumem o ideal de Recursos Humanos de

Lemann: "As pessoas devem ser de alta qualidade. Para isso, selecionamos os

melhores e os treinamos bem. Todos participam dos lucros, e oportunidades estão

ao dispor dos que trabalham no Garantia e se provam". O "se provam" é o "xis" da

questão. Premiar os melhores funcionários e dispensar os que não dão conta do

recado é um darwinismo corporativo tão velho quanto o capitalismo. Inclusive no

Brasil. A inovação de Lemann foi introduzir parâmetros capazes de eliminar a

subjetividade. Basicamente, isso significa medir tudo. E não se distrair com

amizades ou tempo de casa na hora de distribuir bônus. "Nessa cultura não tem

espaço para gato gordo", diz um ex-funcionário do Garantia, que deixou o banco há

sete anos, é dono da própria empresa e, mesmo assim, só aceita falar do passado

sem ser identificado. Como seu depoimento é precioso, vamos chamá-lo de

Osvaldo, um nome fictício.

Osvaldo entrou no Garantia com 22 anos, recém-saído da faculdade. E

definitivamente gostou do que viu. "Para mim, que era superarrogante, metido a

besta, era perfeito. Finalmente estava entre meus pares", diz. "O banco (em uma

aparente contradição com sua propalada austeridade) pagava passagem de primeira

classe; cheguei a voar com o Jack Nicholson. Eu jantava no Nobu quando estava

em Nova York. Me achava o dono do mundo." O salário era baixo. Um quarto do que

a McKinsey e o Banco Indosuez ofereceram a ele na mesma época. "Meu primeiro

bônus foi um lixo. O segundo deu para pagar um jantar para a minha mãe no La

Tambouille [restaurante francês em São Paulo]. Com o terceiro, comprei um Fiat

Tipo. Assim foi, melhorando ano a ano. Ainda vivo daquele dinheiro."

Nem tudo, porém, eram alegrias. Ainda como jovem funcionário, depois de

perder três namoradas que não suportavam seu "casamento" com o banco, Osvaldo

teve uma conversa séria com o pai. "Ele me perguntava: como você trabalha num

lugar desses?", diz. "E tinha razão, porque eu perdia minhas próprias festas de

aniversário." No Garantia não havia dias tranqüilos. A frase que resume essa

filosofia é a que diz que um dia é 5% do mês.

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A Canetada de Simonsen

Por muito pouco o Garantia não engrossou a estatística das empresas

brasileiras que morrem em seu primeiro ano de vida. Culpa de um episódio típico

dos anos de muita inflação e nenhuma democracia. Preocupado com uma disparada

de preços e salários, o então ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen,

expurgou quatro pontos percentuais da correção monetária. A tunga quase feriu de

morte Lemann e companhia, porque o Garantia tinha posições grandes em ORTNs

(Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional). A canetada de Simonsen levou boa

parte do patrimônio do banco para o buraco.

Subitamente convencido de que precisava de alguém para traçar cenários

econômicos e, na medida do possível, antecipar guinadas como essa, Lemann

chamou o economista Cláudio Haddad, então professor da FGV, para lhe prestar

consultoria. "Gostei dele [de Lemann] desde a primeira reunião. Os empresários

brasileiros naquela época não tinham muita informação sobre o que acontecia lá

fora. Mas o Jorge Paulo tinha visão global", afirma o economista.

Haddad estava com 30 anos. Depois de uma longa temporada de estudos

nos Estados Unidos, tinha voltado de Chicago em 1974 - e viu no convite do

Garantia, inicialmente, uma oportunidade de complementar a renda de professor,

pressionada pela chegada do primeiro filho. "Eu não esperava, mas aquilo foi

fascinante", diz. Haddad saiu da FGV e tornou-se economista-chefe do Garantia em

1979. Brilhou no mercado a ponto de o Banco Central tomá-lo emprestado de 1980

a 1982 e fazer dele o primeiro diretor de dívida pública da história da instituição. Em

1983, Haddad voltou como sócio, para montar uma área de corporate finance

(serviços financeiros para grandes empresas). Mais dez anos e chegou a

superintendente, cargo executivo mais alto no organograma do Garantia, onde ficou

até a venda do banco, em 1998.

Poucas pessoas conhecem melhor a história do Garantia e de seus

principais sócios. Segundo ele, apesar das décadas de trabalho conjunto, Lemann,

Telles e Sicupira têm personalidades bem diferentes. Jorge Paulo é o estrategista,

um líder nato. "Tem um raciocínio absolutamente lógico", diz Haddad. Beto, ao

contrário, é um "operador do tipo trator", sempre transbordando energia. E Marcel "é

o cara mais focado". No trato com funcionários, sócios e clientes, Jorge Paulo

sempre foi a figura carismática. E Marcel, o boa-praça sem papas na língua. É o

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mais informal do trio e também o mais falante. Bem humorado, sorridente, gosta de

desafiar as pessoas, na expectativa de que se superem. "A gente joga sempre um

osso maior do que se pode morder", ele costuma dizer. "Tem gente que adora isso,

tem gente que fica assustada pra burro. Assustou, saiu." Beto é o menos suave.

"Dos três, é o mais duro. Mas é um bom sujeito. Se gosta de você, te defende até a

morte. Se não gosta, sai debaixo", diz Haddad.

Por diferentes que sejam, ao longo de 35 anos, Lemann, Telles e Sicupira

tornaram-se figuras complementares. "Ao longo do tempo, pegamos confiança um

no outro. Ninguém vai deixar o barco afundar. Morre junto, se for o caso", disse

Marcel, em depoimento no livro Como Fazer uma Empresa Dar Certo em um País

Incerto, publicado pelo Instituto Empreender Endeavor. Lemann é citado na mesma

obra, dizendo: "Eu sou a favor de sócios. Tive sócios a vida inteira e isso me ajudou

muito (...). Nós três conseguimos fazer muito mais do que conseguiríamos

separados".

O estilo de liderança de Lemann talvez possa ser descrito como minimalista.

Não é coincidência o fato de que ele nunca apareceu no organograma de nenhuma

de suas empresas como presidente-executivo ou CEO. Ele é, tão tipicamente quanto

possível, um presidente de conselho. "O Jorge Paulo não faz a empresa funcionar.

Nunca teve paciência para detalhes operacionais", afirma Haddad. Seu interesse

está no quadro mais amplo, na última linha do balanço. Relatórios e apresentações

que chegam às suas mãos são sempre lidos de trás para a frente. Ele vai direto aos

números, à conclusão. O que sugere que um elemento central da cultura de gestão

que ajudou a criar - o foco nos resultados - é também um forte traço de sua

personalidade. O hábito de olhar primeiro para o saldo de uma iniciativa reflete uma

máxima que qualquer funcionário que tenha passado por suas empresas conhece

bem: "esforço não é resultado". Não importa o quanto alguém se empenhou numa

tarefa ou o que fez para cumpri-la. O que conta, ao fim e ao cabo, é se o objetivo

inicial foi atingido ou não. Dependendo dos números apresentados ao final de um

balanço, aí sim, ele talvez tenha interesse em conhecer detalhes sobre o caminho

percorrido para chegar até lá.

Se o chefe é assim, nada mais razoável do que os executivos de suas

empresas participarem de treinamentos para aprender a montar apresentações e

relatórios que vão direto ao ponto. E eles participam. Até porque ser objetivo numa

reunião com ele é uma necessidade. Lemann fica sonolento em reuniões muito

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longas. Seus olhos se fecham involuntariamente e ele chega a cabecear. "Até que

abre o olho e sintetiza a resposta para o problema que está sendo discutido na

mesa", afirma Fersen Lambranho, um dos sócios controladores da GP

Investimentos, que teve Jorge Paulo como fundador e conselheiro entre 1993 e

2004. Um pouco por pressa, um pouco por indisponibilidade, muita coisa que passa

por Lemann é resolvida por e-mail. Onde quer que esteja, ele responde rapidamente

(e em pouquíssimas palavras) às mensagens. Em 2004, quando o BlackBerry ainda

era pouco usado no Brasil, ele já tinha o dele, hoje um companheiro inseparável de

viagens.

On the Road

Jorge Paulo é um globetrotter. Passe duas horas a seu lado e ele lhe

contará episódios passados nas Bahamas, na China, nos Estados Unidos, na Nova

Zelândia... As incontáveis horas de vôo são aproveitadas para leitura. Foi a bordo de

seu jato executivo de 18 lugares que ele devorou, por exemplo, The Last Tycoons:

The Secret History of Lazard Frères & Co. ("Os últimos magnatas: a história secreta

do Lazard Frères & Co."), de William Cohan - um dos "livros do ano" de 2007 da lista

de economia e negócios da revista The Economist. Ou Billions of Entrepreneurs

("Bilhões de empreendedores"), de Tarun Khanna, professor da Harvard Business

School que ocupa a cátedra Jorge Paulo Lemann naquela faculdade. Ele compara

os modelos de desenvolvimento da Índia e da China.

Lemann gostou bastante do livro Doing What Matters ("Fazendo o que

importa"), de Jim Kilts, o executivo que consertou a Gillette e preparou-a para a

venda para a Procter & Gamble. É um assunto que ele conhece por dentro. Jorge

Paulo foi um dos maiores acionistas da Gillette e teve assento no conselho da

companhia por cinco anos, parte deles durante a gestão de Kilts. Quando a Gillette

foi vendida para a Procter & Gamble, em 2005, Kilts entregou a empresa a A.G.

Lafley, CEO da P&G e autor de outro lançamento badalado: The Game Changer ("O

virador de jogo"). Lemann acha Lafley "sem graça demais". Com a venda da Gillette,

o brasileiro trocou seus papéis por ações da Procter. Na primeira oportunidade, foi

assistir a uma apresentação de Lafley. Saiu convencido de que, sob o comando

dele, nada de muito ruim aconteceria com a empresa. Nem nada de muito bom.

Tempos depois, vendeu, na alta, todas as suas ações.

Talvez por incompreensão sobre as virtudes e limitações de Lemann,

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surgiram em torno dele um sem-número de mitos. Um dos mais recorrentes é o do

gênio financeiro, refutado pelos que o conhecem. "A cabeça de finanças do Marcel,

por exemplo, é muito melhor. O Jorge Paulo não entende nada de mesa de

operações", diz Cláudio Haddad. Outro é o do investidor intuitivo que transforma

negócios falidos em ouro. "O toque de Midas não existe", diz Antonio Bonchristiano,

parceiro de Fersen Lambranho no comando da GP Investimentos. "O importante não

é como ele decide, mas como orienta aqueles que estão abaixo para que tomem a

decisão correta."

Na "cultura Garantia", uma companhia não é uma pirâmide, com níveis

hierárquicos que se afunilam até a inexpugnável cúpula. A arquitetura é a de um

circo romano. O que significa que o líder está no centro, onde todos podem vê-lo. E

isso praticamente o obriga a liderar pelo exemplo. "Tem empresário que faz

negócios para ganhar poder, acumular patrimônio ou prestígio. O que o Jorge Paulo

adora é fazer negócios pelos negócios e ganhar dinheiro com isso", afirma

Bonchristiano. Para ele próprio e para seus associados. Lemann e seus sócios

orgulham-se de ser os maiores criadores de milionários do Brasil. Quem não gosta

dessa cultura vê os "garotos do Garantia" como versões brasileiras dos yuppies da

Wall Street dos anos 80. Pessoalmente, Lemann não veste a carapuça. Diz que se

diverte trabalhando, que gosta do que faz e que dinheiro é só um meio de medir o

desempenho de um negócio.

Recentemente, ao fazer uma reflexão sobre sua essência, Lemann pôs no

papel a seguinte definição: "Não sou um cara vidrado em poder (nunca mandei

muito); não sou ligado em ser dono (sempre dividi e me associei, se fosse

vantajoso); não sou ligado em dinheiro (quase não gasto, exceto para filantropia).

Nenhuma dessas coisas se levam conosco. O que eu gosto mesmo é de criar coisas

legais, regá-las e tentar garantir que tenham durabilidade".

Onde os fracos não têm vez

Ideologia à parte, o fato é que dinheiro sempre foi o combustível de qualquer

empresa de Jorge Paulo Lemann. "A divisão do lucro é insumo básico desse modelo

de negócio. Ele não faz isso porque é generoso", afirma Fersen. O avanço rápido

dos mais jovens e determinados é estimulado. A ordem é: aproveite enquanto está

no auge da força, porque ninguém vai aliviar para você no futuro. "Você tem de

saber, quando está subindo, que vai chegar sua hora de sair", diz o sócio da GP. Se

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os mais jovens e aptos têm espaço para crescer e, em dado momento, atropelar a

geração anterior, na "cultura Garantia" os fracos não têm vez. "É uma cultura

darwinista demais. Dá para ficar muito rico trabalhando desse jeito, mas não dá para

ser feliz", afirma um ex-banqueiro de investimento que chegou a concorrer com o

Garantia nos anos 90, na área de private equity.

Numa estrutura enxuta como a de um banco de investimento, a seleção

natural se dá com alguma tranqüilidade. Uma marca da cultura Garantia é instilar

nas pessoas o sentido da competição. Por vezes, isso é feito por meio de jogos. O

próprio Sicupira, tempos atrás, saiu fantasiado de baiana na Avenida Rio Branco, no

Rio de Janeiro, depois de atingir metas na Americanas, que ele presidia. Fez

lembrar a célebre dança do hula-hula executada por Sam Walton em plena Wall

Street, em 1983, depois que o Wal-Mart alcançou uma margem de lucro de 8%.

Quando, porém, essas brincadeiras são transplantadas para grandes

empresas do setor industrial, com milhares e milhares de empregados, os efeitos

colaterais parecem ser inevitáveis. Com freqüência, quem não se adapta à cultura

sai voluntariamente ou é expelido do sistema. Por causa disso, surgem processos

trabalhistas peculiares. Por exemplo, em 2005 e 2006 a AmBev chegou a ser

condenada a pagar multas de até R$ 1 milhão sob alegação de assédio moral feita

por funcionários que não atingiam metas de venda no Rio Grande do Sul, Rio

Grande do Norte e em Minas Gerais.

Nos processos, há fartura de relatos de episódios que foram tomados como

humilhações. Coisas que vão desde proibir o empregado de baixo desempenho de

se sentar durante longas reuniões a obrigar profissionais a se vestir de mulher e

dançar sobre uma mesa na frente dos colegas. A AmBev sempre pagou as

indenizações. Foram, de acordo com a companhia, casos isolados. "A história da

hipercompetição é contada por quem saiu das empresas do grupo", afirma Fersen.

"Tem muita gente que não gosta de dizer a verdade, e tem muita gente que não

gosta de ouvir a verdade [sobre seu desempenho profissional]." A discordância

sobre este assunto é claramente incômoda para aqueles que adotaram como seus -

e mesmo de suas famílias - os valores de Lemann. O filho de Fersen estudava numa

das escolas de elite de São Paulo, que tinha um sistema de avaliação de

desempenho e premiação aos melhores alunos de cada classe. Quando o colégio

decidiu extinguir o prêmio, alegando que ele estimulava demais a competitividade

entre as crianças, Fersen mudou o menino para uma escola onde as turmas são

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divididas por performance, como ele diz. "A vida é assim", afirma.

Questionamentos ao modelo de negócio do Garantia, considerado

intrinsecamente superior aos demais, tendem a ser recebidos com impaciência. O

próprio Marcel Telles, no entanto, já admitiu que esse regime de dedicação integral à

empresa, foco nos resultados e expectativa de bônus milionários não é para todo

mundo. A respeito disso, ele toma emprestado o lema dos marines americanos:

"Few and Proud" ("Poucos e Orgulhosos").

"As pessoas adoram dizer que a Natura é a companhia bacana, e a AmBev

é a que tira sangue", diz Bonchristiano. "Mas veja o que a Natura está passando

agora, por falta de resultados financeiros mais sólidos [as ações da companhia vêm

perdendo valor há meses e uma grande reestruturação foi anunciada em fevereiro].

Em contrapartida, os meninos da AmBev estão ganhando o mundo."

Muito Além da Cocada Preta

Ganhar o mundo é uma expressão cara a Jorge Paulo Lemann. Ele e seus

sócios estão entre os pioneiros do movimento de globalização das empresas

brasileiras. A convicção de que era preciso se internacionalizar veio em 1997, ainda

nos tempos do Garantia. Naquele momento, o banco se via como o "rei da cocada

preta". Achava que não tinha nada a ver com a crise asiática. Mas levou uma sova

quando os mercados viraram lá fora. Foi um claro sinal de que as coisas marchavam

para uma globalização. Lemann gosta de usar como anti-exemplo a companhia

mexicana Modelo. É uma cervejaria excepcional, rentável e dona da Corona, uma

marca mundial. Mas está só no México. Por isso, na consolidação mundial que

começa a ocorrer, seu papel vai ser pequeno. Também a AmBev poderia ter se

contentado com o domínio do mercado brasileiro. Lemann e seus sócios seriam,

novamente, os reis da cocada preta nacional. Mas não participariam do jogo mundial

de consolidação que está acontecendo como participam hoje, em condições de fazer

o que ele apelidou de "as grandes chamadas."

Já em 1994, seis anos antes da união com a Antarctica, a Brahma fez as

primeiras chamadas. Comprou a Cervejaria Nacional, na Venezuela, e iniciou

operações na Argentina. A partir da criação da AmBev, a internacionalização

deslanchou. Nos primeiros quatro anos, a empresa investiu US$ 700 milhões e

instalou-se em 11 países da América Latina.

Em 2004, uma possibilidade de fusão com a cervejaria belga Interbrew

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começou a ser avaliada. Num mercado que apontava para uma consolidação global,

tornar-se realmente multinacional era um imperativo. E a união com os belgas

revelou-se a melhor opção. Se fechassem negócio com a americana Anheuser-

Busch naquela época, os brasileiros seriam engolidos. Com a Heineken, também

não se trataria de uma fusão entre iguais. Já com os sul-africanos da SAB Miller até

dava para conversar, mas dali nasceria uma firma composta de Brasil e África do

Sul, uma combinação indigesta para investidores internacionais – ou pelo menos

era, cinco anos atrás. Costurou-se, então, a fusão com a Interbrew, que deu origem

à InBev. Lemann, Telles e Sicupira trocaram os 22% de participação na AmBev, que

lhes garantia o controle da empresa, por 25% do novo negócio. Trocaram, também,

seu mando único, ao lado da Fundação Zerrener (Fahz), sobre a companhia

brasileira por um mando compartilhado com os belgas sobre a multinacional.

Além deste jogo de mercado, a parceria com os belgas reflete uma

coincidência de interesses. Para a AmBev, que desenvolveu como nenhuma outra

empresa a competência para formar jovens talentos motivados pelas oportunidades

que lhes são oferecidas, a internacionalização é uma maneira de manter a fila

andando. Em uma conversa com Jim Collins, consultor e autor do clássico Feitas

para Durar, Marcel foi questionado: "Qual o problema da empresa hoje?".

Respondeu que, mantida a estrutura então existente, a falta de oportunidades

internas seria um risco. A AmBev contava com jovens executivos de primeira linha,

como Carlos Brito, nos melhores postos disponíveis no Brasil. E, embaixo deles, um

esquadrão de diretores e gerentes bem formados e ambiciosos. Se o topo da cadeia

não se movesse, o modelo de meritocracia poderia entrar em colapso. Logo, seria

fundamental que houvesse uma expansão para fora do país.

Por outro lado, a Interbrew via-se dona de um portentoso portfólio com mais

de 200 marcas, mas seus resultados poderiam ser melhorados. Hoje, a

multinacional belgobrasileira está presente em 32 países das Américas, da Europa e

da Ásia. Marcel passa metade de seu tempo em viagens pelo exterior.

Outro fator que favorece o processo de globalização da AmBev é o capital

humano. Setores associados à velha economia, como mineração, siderurgia,

cimento, e a própria cervejaria, deverão cada vez mais, como se observa, ser

controlados por empresas provenientes de países emergentes. A brasileira Vale, as

indianas Tata e Mittal Steel e a mexicana Cemex são exemplos ilustrativos dessa

tendência. Jovens de países desenvolvidos almejam trabalhar em setores

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tecnologicamente mais inovadores. Já seus pares oriundos de países emergentes

não desprezam oportunidades na indústria tradicional. Ao contrário, para um

brasileiro, um indiano ou um chinês, promover um turnaround (uma virada para

melhor) numa grande cervejaria europeia pode ser a oportunidade de uma vida.

Hoje, a regra é a mobilidade. Assim como há brasileiros na matriz belga, há

expatriados estrangeiros em postos importantes na sede brasileira da AmBev. A

língua oficial do grupo é o inglês. É nesse idioma que são feitas as freqüentes

reuniões para intercâmbio das melhores práticas alcançadas em cada país. Para

muitos jovens belgas, a InBev e sua aguerrida cultura tornaram-se agora uma

alternativa de emprego. Por falta de empresas com esse perfil, muitos dos

formandos mais ambiciosos optavam por tentar a sorte na Inglaterra. Com todo esse

movimento internacional de executivos, é fácil concluir que está se formando um

valioso ativo multicultural.

Motivado pelos negócios da InBev, que tem 1 bilhão de euros investidos por

lá, Lemann tem ido com freqüência à China. De onde sempre volta impressionado

com a ânsia do chinês por ganhar dinheiro, empreender, subir na vida. Quem já o

ouviu elogiando o Partido Comunista de lá custa a crer que se trata mesmo do mais

capitalista dos capitalistas brasileiros. A China, observa ele, pode não ser uma

democracia, mas é, sim, uma meritocracia. Você só sobe no partido se foi um bom

prefeito de Xangai, se tocou bem uma empresa estatal ou fez coisa semelhante.

Jorge Paulo compara o PC à General Electric, no sentido da eficiência. E adverte

quem quiser ouvir: "Competir com aqueles caras não vai ser moleza, não".

No ano passado, Lemann levou sua família para "bicicletar" pela China. Ele,

cinco dos seis filhos e alguns netos. Como os casais chineses, devido à política de

controle de natalidade, só podem ter um filho, a trupe de brasileiros chamava a

atenção. A ponto de chineses pedirem para tirar fotografias do pequeno clã ali

reunido. Choques culturais à parte, o propósito da viagem foi dar aos filhos a chance

de começar já a se familiarizar com aquele que promete ser o país mais importante

do futuro.

O Pitbull do Garantia

Os diferentes estilos de Lemann, Telles e Sicupira revelaram-se em cores

vivas quando eles migraram do ambiente ultracompetitivo de um banco de

investimentos para empresas de setores mais tradicionais. Marcel era o chefe da

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mesa de operações do Garantia – o chamado head trader. Até fazer uma notável

transição para ser CEO da Brahma, uma enorme fabricante de cervejas. "Um trader

nunca é bonzinho. Numa mesa de operações, você é um lobo entre lobos que

querem te comer", afirma Cláudio Haddad. Na AmBev, Telles aprendeu a pastorear

ovelhas.

Já Beto mostrou as garras logo que assumiu a Lojas Americanas - comprada

por ele, Marcel e Lemann em 1982, na primeira oferta hostil da história da Bovespa.

Comum nos Estados Unidos, a manobra até então inédita por aqui consiste em ir

comprando, aos poucos, ações de uma empresa até formar uma posição grande o

bastante para desafiar os controladores e forçá-los a abrir mão do comando. Assim

foi feito na Americanas, e o choque de, do dia para a noite, ter um novo dono e uma

gestão radicalmente diferente convulsionou a empresa. Ao primeiro contato com as

metas, os controles de custo e a dura cobrança por resultados levados do Garantia,

um grupo de diretores da rede varejista se rebelou. Numa reunião desagradável, ao

final de uma manhã de trabalho, os revoltosos puseram o novo presidente contra a

parede. Com uma ameaça resumida por um sonoro "se você não mudar, não dá

para ficar na empresa". Beto ouviu, ponderou por algumas horas e, logo depois do

almoço, demitiu todos os diretores rebeldes. "Aprendi que é preciso bater de frente -

e logo - com o problema. Complacência zero, principalmente quando se está

construindo a cultura da empresa", disse ele no depoimento à Endeavor.

Em se tratando do pitbull do Garantia, o desfecho não deveria surpreender.

Nove anos mais novo que Lemann e carioca como ele, Carlos Alberto da Veiga

Sicupira é o protótipo do self made man. Filho de um funcionário público e de uma

dona de casa, descobriu o mundo dos negócios aos 14 anos, comprando e

vendendo carros. O prazer de negociar o fez abandonar o sonho inicial: ser

marinheiro. "Queria uma coisa que, se desse certo, eu não soubesse o limite. [Na

Marinha] se fizesse tudo certo, eu sabia aonde iria parar: ocupando o cargo de

almirante", afirmou ele. Beto formou-se em administração de empresas pela

Universidade Federal do Rio de Janeiro. Mas foi no mar, praticando pesca

submarina, em 1973, que ele conheceu o homem que se tornaria seu sócio por toda

a vida. Talvez impressionado com o fôlego e a pontaria do recém-conhecido,

Lemann o convidou para trabalhar no Garantia. Antes disso, Sicupira tinha feito

carreira em corretoras e distribuidoras de valores. A primeira delas, montada do zero

por ele próprio, aos 17 anos de idade - depois de emancipar-se judicialmente. Beto

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não sabia nada sobre corretoras. Montou o negócio já pensando em vendê-lo, como

efetivamente fez um ano depois, criando um hábito que o acompanharia ao longo de

toda a carreira. Até a compra da Lojas Americanas, o lema do Garantia era "não

passar da sala de visitas". Ou seja, limitar-se a investir em empresas, sem envolver-

se na operação delas no dia-a-dia. Convencido do potencial de crescimento do

varejo no Brasil, Sicupira começou a comprar ações da Americanas aos poucos.

Quando olhou para a maneira como a empresa era administrada, teve a certeza de

que precisava se envolver no negócio para fazê-lo crescer. Dada a péssima

reputação da rede varejista no mercado naqueles tempos, ele convenceu Lemann e

Marcel a comprar de uma vez o controle dela, e se ofereceu para deixar o banco e

consertar a companhia. Assim foi feito. Beto manteve as ações do Garantia, mas

abriu mão do salário que recebia. "Eu sempre quis fazer coisas que os outros não

faziam. Sempre quis pegar umas bolas meio quadradas", diz ele, no livro já

mencionado. Sob seu comando, o número de funcionários na Lojas Americanas

cairia, nos anos 80, de 14 mil para 8 mil. Começava ali a ser criada a fama de

ceifadores de empregos da turma do Garantia. Na AmBev, a redução foi de 24 mil

para 14 mil colaboradores. Na ALL, de 12 mil para 1,8 mil. Ao longo dos anos, esse

enxugamento foi revertido. Hoje, a Americanas emprega 14 mil funcionários, a ALL

6,5 mil e a AmBev, 35 mil, sendo 22 mil no Brasil.

Na Picape de Sam Walton

Logo depois de ser informado por Sicupira da degola geral na cúpula da

Lojas Americanas, Jorge Paulo enviou seis cartas para grandes varejistas do mundo

todo, pedindo auxílio para conhecer o setor. Dois responderam. Um deles era Sam

Walton, convidando o brasileiro a conhecer a sede do Wal-Mart em Bentonville -

então um buraco no interior do Arkansas. Depois de horas intermináveis de vôo,

começando num Boeing e terminando num teco-teco, Lemann e Sicupira

desembarcaram em um aeroporto minúsculo. Encontraram de cara um sujeito

sentado numa picape surrada, equipada com cães e um rifle de caça. "Conhece

Sam Walton?", Jorge Paulo perguntou. "Sou eu mesmo, sobe aí e vamos embora."

Lemann e Sicupira acabaram ficando amigos do dono do Wal-Mart. Quando

descobriu que tipo de tenista era Jorge Paulo, Walton passou a convidá-lo para

formar dupla com ele e surrar adversários incautos. A lenda do varejo retribuiu a

visita e, obcecado que era por ver e entender tudo por conta própria, meteu-se num

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entrevero com seguranças de uma loja carioca do Carrefour, ao ser flagrado

medindo os espaços de prateleiras. O episódio do aeroporto é um indício do quanto

a frugalidade, que é uma marca da cultura Garantia, deve ao homem de Bentonville.

Não é possível, porém, compreender um dos seus valores fundamentais sem

conhecer um pouco da história dos Lemann.

Sua família paterna é da pequena cidade de Langnau, na região suíça de

Emmental. Ou pelo menos está lá há mais de 600 anos, desde que foi expulsa de

um vilarejo vizinho por, acredite, explodir uma fábrica de dinamite. Durante dois

séculos, os Lemann foram chapeleiros. Até que encontraram sua verdadeira

vocação no comércio de queijos. No início do século 20, literalmente sem espaço no

negócio para abrigar uma nova geração, a família "exportou" três irmãos Lemann

para a América. Um deles foi para a Argentina. Outro para os Estados Unidos. O

terceiro, pai de Jorge Paulo, veio para o Brasil. E aqui fundou a fabricante de

laticínios Leco, abreviatura de Lemann & Company. Mais do que práticas de

negócios, porém, o que Jorge Paulo herdou da família foi a ética protestante do

"Deus lhe dá o que você trabalhou para conquistar". Sua mãe, é verdade, era

brasileira. Mas também filha de suíços, que se estabeleceram na Bahia para

exportar cacau. "Era todo mundo linha-dura", Lemann gosta de dizer.

Aqueles, porém, que pensam em Jorge Paulo como bom moço em tempo

integral se surpreendem com um episódio de seu primeiro ano em Harvard. Em

tempos inocentes, 40 anos antes do 11 de setembro, ele viajara para os Estados

Unidos levando na bagagem bombas cabeça-de-negro brasileiras. Guardou-as em

seu alojamento, até que um dia estourou no campus uma rebelião estudantil. Em

meio ao tumulto de alunos gritando, acendendo fogueiras, pensou: "Momento ideal

para soltar as bombas". E começou a jogá-las pela janela do quarto. Foi um sucesso

com os rebeldes do lado de fora.

De repente, Lemann acende mais uma bomba e, ao mesmo tempo, alguém

acende a luz do quarto, até então às escuras. Era o reitor. E ele com a bomba acesa

na mão. O jeito foi jogá-la. Dias depois, sua mãe recebeu uma carta, recomendando

que o filho se ausentasse da faculdade por um ano, até que ficasse mais maduro.

Jorge Paulo há tempos lhes dá razão. Ele chegara à faculdade com apenas 17 anos,

saído direto do Arpoador e, sinceramente, não gostava de Harvard naquela época.

Mas como a carta apenas recomendava a suspensão, resolveu voltar às aulas e

concluiu o curso em apenas mais dois anos.

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Resolveu voltar, é verdade, muito por influência de um tio americano, que

lhe dizia que Harvard era uma maravilha, sua grande oportunidade na vida etc.

Quando Lemann começou a fazer sucesso nos negócios, esse tio não perdia a

chance de lhe dizer: "Tá vendo como eu te fiz bem?". A vingança chegou 20 anos

depois, quando Bill Gates, famoso por ter abandonado Harvard no primeiro ano,

tornou-se o homem mais rico do mundo. Jorge Paulo devolveu a provocação: "Viu

quantos bilhões você me custou?".

Formado economista, Lemann foi para a Suíça, estagiar no Credit Suisse.

Mas aquilo também não era para ele. "Durou pouco. Era modorrento, eu lambia selo,

atendia telefone, não estava aprendendo nada", confidenciou ele uma vez.

Convidado a jogar o campeonato suíço de tênis, pediu uma semana de licença ao

banco. Resultado: ganhou o torneio, foi convidado a representar o país na Copa

Davis e deu adeus ao estágio.

A melhor metáfora para descrever Lemann nos negócios, para muitos, é a

comparação com seu estilo no tênis. "Jorge Paulo é jogador de fundo de quadra.

Não se aventura a subir à rede para um voleio temerário", afirma Luiz Cezar

Fernandes, sócio de primeira hora dele no Garantia. "Ele bate, rebate com efeito,

nos cantos, deixando a plateia tensa e o adversário exausto. Controlado, aguarda o

oponente impacientar-se e perder o ponto."

Fundo de Quadra

Lemann começou a jogar tênis aos 7 anos, no Country Club do Rio, levado

pela mãe. Seu primeiro professor, o chileno José Aguero, era uma figura marcante,

um expatriado de feições indígenas que se revelaria uma extraordinária influência.

Deve-se a ele a lendária resistência de Jorge Paulo em dar entrevistas. Aguero

sempre lhe dizia: "quem joga para a plateia não ganha o jogo. E o seu negócio é

ganhar o jogo". Ele nunca se esqueceu da advertência. E passou a vida ganhando

jogos, sobretudo no mundo dos negócios, sem dar muita bola para a audiência.

Apesar do nome, o Country Club é bem urbano. Fica em Ipanema e é

tradicionalmente um dos mais exclusivos do país, àquela época freqüentado

principalmente por estrangeiros bons de berço. Jorge Paulo ganhou campeonatos

infantis na virada dos anos 40 para os 50 e tornou-se campeão brasileiro juvenil aos

17 anos. Depois do breve período em que brilhou na Suíça, podia ter se

profissionalizado. Sua explicação de por que não seguiu carreira no esporte é

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reveladora de uma personalidade ambiciosa. "Pelo tanto que jogava, percebi que

dificilmente estaria entre os dez melhores do mundo. Resolvi parar. Percebi que não

seria um astro", disse ele, no passado, à revista Tênis Brasil. Mas Lemann não

parou por ali. Jogou a Davis de 1972, dessa vez pelo Brasil, e foi cinco vezes

campeão brasileiro. A última das finais que venceu, em 1975, é seu jogo favorito - a

vitória sobre Fernando Gentil em uma partida de seis horas, em que este saiu

perdendo por dois sets a zero. Mais tarde, aos 47 anos, Lemann ganharia o mundial

de veteranos. Com o estilo de sempre. "Ninguém consegue chegar nessa idade e

continuar trocando três horas de bola com um chato como eu."

Seus parceiros de tênis o definem como um sujeito cerebral, "uma pedra de

gelo na quadra", que tem como principal golpe uma "esquerda" violenta. "Ele era

capaz de virar um jogo que o ginásio inteiro já dava como perdido, tamanha sua

concentração na quadra", afirma o ex-tenista e atual treinador Carlos Alberto

Kirmayr, amigo de longa data de Lemann. Kirmayr sentiu na pele o estilo de jogo

gelado e o backhand poderoso de Lemann, na final do campeonato brasileiro de

1971. "Perdi por 3 sets a 2, num jogo de cinco horas", diz. "Dei o troco dois anos

depois, devolvendo os 3 a 2 no Brasileiro de 73."

Outro colega das quadras, Nelson Aerts, ex-campeão brasileiro e

panamericano de tênis, narra um episódio que retrata a obsessão por resultados do

futuro banqueiro. No Rio de Janeiro dos anos 70, Lemann não encontrava sparrings

à altura para treinar fundamentos. Decidiu, então, usar o bom e velho paredão para

aprimorar seus golpes. "O normal seria ficar duas, três horas no paredão, mas ele

passava o dia inteiro golpeando a bolinha contra o muro", afirma Aerts.

Kirmayr e Aerts são hoje parceiros de Lemann em projetos de apoio ao

tênis. O primeiro toca um programa vinculado ao Instituto LOB do Tênis Feminino,

cujo principal objetivo é colocar uma menina brasileira entre as 100 melhores

tenistas do mundo. No Instituto Tênis, presidido por Aerts, as digitais do empresário

estão em dois programas: o de desenvolvimento de crianças para a prática do tênis

e o de aprimoramento de potenciais talentos do esporte.

Menos por seus dotes em quadra do que por seu mecenato fora dela,

Lemann tem entre seus fãs ninguém menos que Gustavo Kuerten. O maior tenista

brasileiro de todos os tempos não viu Jorge Paulo jogar. Mas o considera "de

extrema importância" para a modalidade. "Ele vem investindo no tênis há muitos

anos, e eu diria que é um dos principais apoiadores do esporte no país", afirma

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Guga.

Em 1994, Lemann sofreu um infarto. A partir daí, reduziu consideravelmente

o ritmo nos esportes e no trabalho. Voltou-se mais para a família. Vive hoje numa

casa ampla nos arredores de Zurique, com a mulher, Susanna, e seus filhos com

ela. Até hoje, é verdade, joga tênis sempre que está em casa, na Suíça ou no Brasil,

costumeiramente às 6h30 da manhã. E só viaja carregando suas raquetes - sempre

da marca Wilson, atualmente do modelo K-Factor, o mesmo usado pelo suíço Roger

Federer. Apesar da fortuna de quase US$ 6 bilhões, Lemann segue desprezando o

luxo exibicionista. "Ele gosta de coisa boa, mas não rasga dinheiro", afirma o tenista

Cássio Motta, outro ex-campeão amigo do empresário. Riqueza para ele, é ter

tempo para fazer o que gosta.

Logo depois da venda do Garantia para o Credit Suisse, em 1998, o

empresário relatou à revista Época a seguinte história: "Há cerca de um mês, jantei

em Boston com Warren Buffett [o investidor que hoje é o homem mais rico do

mundo, com uma fortuna de US$ 62 bilhões, e naquele tempo já era o segundo da

lista, atrás de Bill Gates]. No jantar, ele me perguntou como me sentia em relação à

negociação do Garantia. Eu disse que estava bem e preferiria tentar ser mais

Warren Buffett e menos Sandy Weill, Jon Corzine ou John Reed [chefões do

Travelers, Goldman Sachs e Citibank]. Buffett me perguntou por que, e eu disse que

ele tinha mais senso de humor, mais domínio sobre o próprio tempo e era mais rico.

Ele respondeu da seguinte forma: 'Então vou mostrar como sou rico'. Puxou do bolso

a agenda, folheou algumas páginas, quase todas em branco, e disse: 'Veja como

sou rico. Olhe quanto tempo tenho para fazer o que quero, quando quero.'"

O Grande Laboratório

Os conceitos, as práticas e as idiossincrasias formuladas ao longo de anos

no Garantia encontraram seu verdadeiro campo de provas na Brahma, quando a

cervejaria carioca foi comprada por Lemann, Telles e Sicupira, em novembro de

1989. Àquela altura, a Brahma, embora um pouco maior, era uma companhia pior

administrada do que a Antarctica. Seu lucro antes de impostos, por exemplo, era de

apenas 10%, ante 17% da rival paulista. Sua margem operacional, de meros 8%, em

comparação a 26% da concorrente. Nomeado executivo-chefe da cervejaria, Marcel

deixou a segurança do banco para enfrentar o desconhecido, acompanhado de

apenas quatro funcionários. De cara, cortou os carros cedidos pela empresa aos

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diretores. Acabaram as diferenças de classe no restaurante da empresa, as salas

individuais para os executivos e as secretárias particulares. Todo funcionário passou

a ser classificado em uma de quatro categorias: adequado, competente, superior ou

excelente. Apesar do tamanho da empresa, em pouco tempo um jovem talento podia

entrar no radar da cúpula, passando a fazer parte do grupo dos "indispensáveis".

Um dos primeiros a entrar para esse clube foi um aplicado e discreto

engenheiro mecânico chamado Carlos Brito. Ele chegou com Marcel, teve alguns

meses para conhecer a companhia e rapidamente foi encarregado da gerência geral

da fábrica de Agudos, no interior de São Paulo, então a maior entre as 23 da

Brahma. Foi considerado excelente na função e ganhou oito salários de bônus já no

primeiro ano. Antes de chegar à cervejaria, Brito trabalhava na Shell e sonhava com

um MBA em Stanford. Um dia, na cara dura, ligou para o Garantia e conseguiu

agendar uma reunião com Lemann em pessoa. Disse que queria fazer o curso e

precisava de US$ 22 mil. O então banqueiro topou financiá-lo, marcou aquele nome

em seu caderninho e lembrou dele quando começou a comprar empresas não

financeiras. Brito passou dois meses na Lojas Americanas antes de entrar na

Brahma. De onde nunca mais saiu. Trabalhou em finanças, operações e vendas,

antes de ser nomeado presidente-executivo do que já era a AmBev, em 2004. Com

a criação da InBev, naquele mesmo ano, assumiu brevemente o controle da

subsidiária americana da companhia. Em 2005, chegou à presidência do grupo todo.

E tratou de levar a "cultura Garantia" para a matriz, na Bélgica.

Hoje, nas reuniões de conselho da InBev, analisa-se pessoa a pessoa nas

principais funções de comando. E apontam-se substitutos para cada posição.

"Temos 85 mil funcionários, mas 250 são os que realmente fazem a diferença.

Essas pessoas são geridas de modo distinto, porque nós queremos ter certeza de

que estão animadas e não vão deixar a companhia", afirmou Carlos Brito, em uma

palestra que proferiu em Stanford em fevereiro. "Enquanto algumas empresas

preferem contratar empregados em meio de carreira, a InBev busca recém-formados

e os molda para a liderança", disse ele na mesma ocasião. "Líderes podem ser

formados, podem ser treinados, podem aprimorar suas habilidades." A AmBev hoje

não só forma como exporta executivos. Quarenta e seis deles estão na Europa, 16

na América do Norte, cinco na Ásia e 42 nos países da América Latina onde a

cervejaria está presente. Só no conselho da InBev são quatro brasileiros.

Antes de serem treinados e aprimorados, futuros líderes precisam ser

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recrutados - e aí está um dos diferenciais mais consistentes da política de RH

inaugurada na Brahma. Todo ano, a FGV sedia a "Semana de Recrutamento",

quando várias empresas se apresentam para divulgar programas de estágio. As

palestras dos representantes das companhias são formais, muitas vezes chatas.

Diretores engravatados e executivas de tailleur ocupam as cadeiras atrás da

bancada de madeira de lei do Salão Nobre, projetam apresentações e, às vezes,

vídeos corporativos. Na saída, entregam fichas de cadastro. As de Marcel Telles, em

nome da Brahma, da AmBev ou da InBev, são bem diferentes - e reverberam

durante dias nos corredores da faculdade. Para começar, em vez de um diretor de

RH, quem se apresenta é o presidente e um dos principais acionistas. Com o

auditório abarrotado por estudantes sentados ou em pé, ocupando todos os espaços

livres, o empresário chega sorridente, de calça e camisa jeans, senta-se sobre a

mesa e dispara algo como: "E então, preparados para colocar o seu na reta? Porque

é sobre isso que vim falar aqui. Procuramos pessoas dispostas a colocar na reta".

Gargalhada geral. Marcel ganhou a plateia, que ouve atenta o desfiar de números

que ele apresenta na seqüência, antes de explicar o sistema de remuneração

variável. As fichas de cadastro são avidamente preenchidas e a empresa está

garantida por mais um ano no topo da lista das companhias em que os estudantes

gostariam de trabalhar.

Quem for selecionado, não perderá Marcel de vista, enquanto estiver dando

resultado. Tradicionalmente na AmBev e mais recentemente na InBev, todo mês de

dezembro é marcado por um café-da-manhã em que os conselheiros da companhia

recebem um grupo de trainees. Os encontros são sempre às 8 horas da manhã,

antes da reunião formal do conselho de administração. Lemann, Marcel e Beto

participam de todos. Se a reunião é, por exemplo, em Toronto (sede da Labatt,

braço canadense da AmBev), Jorge Paulo manda levar seis ou sete estagiários para

lá. Um jovem recém-formado tem de ter muita personalidade para se sair bem em

um evento desse tipo. Mas Lemann gosta é de gente ambiciosa mesmo. Quem já o

teve como entrevistador em um processo seletivo profissional por certo ouviu

perguntas como "qual é a sua meta pessoal?" ou "onde você quer chegar?". Ele diz

que, nessas ocasiões, procura o "brilho nos olhos".

Marcel, por sua vez, afirma que gostaria de ser lembrado "como um cara

que sempre deixou um monte de gente melhor do que ele nos lugares por onde

passou". Disse isso a Época NEGÓCIOS em pleno camarote da Brahma no

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sambódromo carioca, no domingo de Carnaval. Seu estilo é a personificação da

simplicidade bem-sucedida à Garantia. Bermuda azul e a obrigatória camisa da

cervejaria. Tênis de corrida sem meia. Além de bronzeado, Marcel está mais magro

do que nos tempos da AmBev. Em compensação, os cabelos e a barba estão mais

brancos. Vendo os desfiles das escolas de samba com os brasileiros da AmBev e os

belgas da Interbrew, Marcel se faz absolutamente disponível a qualquer um – e é

procurado sobretudo pelos mais jovens.

Carioca como seus dois principais sócios, aparentando bem menos que

seus 58 anos, Marcel Hermann Telles é filho de um piloto da aviação civil e de uma

dona de casa. Seu interesse pelas finanças foi despertado quando cursava

economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Descobri que meus amigos

que andavam com terno bacana e moto melhor trabalhavam no mercado financeiro",

diz, no livro da Endeavor. Recrutado por Luiz Cezar Fernandes, descobriu seu

métier assim que teve a primeira chance numa mesa de operações. Em pouco

tempo, assumiu o comando de toda a área de corretagem, que respondia pela

metade dos negócios do Garantia quando este foi transformado em banco de

investimento. Trader de uma casa considerada extremamente agressiva, defendia

que é preciso ser ousado e tomar decisões arriscadas, desde que se conheça

profundamente o mercado onde se está atuando. Para ele, perder faz parte do jogo.

Desde que se aprenda com o prejuízo.

Quando assumiu a direção da Brahma, Marcel não sabia nada sobre

cervejas. Seu segundo em comando, Magim Rodrigues, ex-presidente da Lacta, era

fera em chocolates, mas também não estava familiarizado com malte, lúpulos e

botequins. Logo nos primeiros meses, a dupla visitou as melhores cervejarias da

Alemanha e dos Estados Unidos - incluindo um quase estágio, inspirador, na

Anheuser-Busch, seu principal benchmark.

Desde então, Marcel professa uma fidelidade quase doentia às marcas que

controla. Não admite que produtos concorrentes sejam consumidos por seus

funcionários nem por sua família. Antes da criação da AmBev, ele dizia aos filhos,

então bem pequenos, que não tomassem Guaraná Antarctica porque a bebida tinha

xixi misturado. Depois da fusão com a antiga rival, não foi fácil convencer os

meninos de que o refrigerante agora era seguro.

Reza a lenda que mais de um candidato a uma vaga na Brahma, convidado

para um almoço-entrevista com executivos da empresa, perdeu o emprego por um

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deslize na hora dos pedidos. Ao inadvertidamente escolher uma Coca-Cola para

acompanhar a comida, ouviu a sentença: sua entrevista acaba aqui.

Qualidade Total

A cultura de dono tirada do Goldman Sachs, as lições do bom marketing

americano e as técnicas de cervejaria alemãs não explicam todo o sucesso da

Brahma. O que levou a "cultura Garantia" ao estágio seguinte e a tornou

transplantável para empresas de praticamente qualquer setor foi o sistema de

produção à japonesa. Quem o explica, numa conversa informal no lobby do Hotel

Hilton de São Paulo, é o consultor mineiro Vicente Falconi, criador do INDG (Instituto

de Desenvolvimento Gerencial).

Formado em engenharia pela Universidade Federal de Minas Gerais, Falconi

fez mestrado e doutorado nos Estados Unidos na virada dos anos 60 para os 70.

Voltou para o Brasil em 1972, com teses publicadas sobre controle de processos e

uma paixão por modelos matemáticos supostamente capazes de melhorar o

desempenho de fornos siderúrgicos. Já em sua primeira experiência prática, porém,

aprendeu na Acesita que modelos matemáticos puros não funcionam, por

indisciplina dentro da empresa. "Eu ainda não sabia que disciplina é gestão", diz. Por

volta de 1978, Falconi começou a estudar a literatura sobre programas de qualidade,

àquela altura dominada por autores japoneses. Depois de anos batalhando uma

bolsa científica, o futuro consultor finalmente pôs os pés no Japão, em 1984.

Encontrou fábricas mais ou menos iguais às brasileiras. Mas descobriu um "outro

mundo" em termos de sistemas. Falconi iniciou uma relação estreita com o Japão.

Que o levaria a escrever cinco livros sobre o tema qualidade total, de 1989 e 1996.

"Um belo dia, na escola de engenharia em Belo Horizonte, aparece do nada

o Marcel Telles, de jeans e camiseta, procurando por mim", diz Falconi. Eram os

últimos dias de 1991, época de preços controlados pelo governo Collor. Marcel

acabara de voltar de uma reunião em Brasília com Dorothea Werneck, a

coordenadora das Câmaras Setoriais que, entre outras coisas, geriam o famigerado

"tabelamento". No encontro, Dorothea condicionou um aumento nos preços da

cerveja a que o executivo fosse procurar Falconi - e tratasse de aprender alguma

coisa sobre produtividade. Dias depois, o consultor fez uma apresentação, no Hotel

Sheraton do Rio, para toda a cúpula da Brahma. Marcel sentou na primeira fila e

ficou o dia todo. A partir de então, Falconi passou a fazer consultoria para a Brahma.

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E levou vários japoneses para ensinar aos cervejeiros brasileiros técnicas de

qualidade total. No início de 1997, ele foi convidado por Marcel a ingressar no

conselho da Brahma.

O embrião do hoje famoso Orçamento Base Zero surgiu cerca de um ano

depois, com o Programa Volta às Origens, organizado em torno de uma meta de

redução de custo de R$ 100 milhões. Ao final de 1998, numa reunião de conselho,

Lemann quis saber qual havia sido a economia conseguida com o tal programa.

Para espanto geral, não se sabia a resposta exata. Imediatamente, Marcel acionou

Falconi e o também consultor Gustavo Pierini, ex-McKinsey, ex-Garantia e ex-GP

Investimentos, que mais tarde atuaria no processo de fusão da Antarctica com a

Brahma. Gustavo propôs métodos de planejamento para a redução de custos das

várias fábricas e da matriz. Falconi acrescentou métodos para execução e

verificação das economias - "sem um sistema que em sete dias úteis te mostra o

resultado do mês anterior, esqueça, não tem corte de custos", diz ele. Estava criada

uma ferramenta operacional genuinamente brasileira que em dez anos estaria

consagrada como modelo de excelência em controle de custos.

Tradicionalmente, as empresas costumam inspirar-se no orçamento do ano

anterior e aplicar-lhe índices de redução para montar o do ano corrente, sem saber

se o valor de cada despesa corresponde à realidade daquele momento. Com o

Orçamento Base Zero (ou simplesmente OBZ), parte-se sempre do zero, estudando

as despesas uma por uma para identificar possíveis excessos (ou carências) nos

gastos de cada item. Isso vale para tudo: compra de insumos, aquisição de material

de escritório ou gestão de serviços terceirizados.

Não por acaso, surgiram nos escritórios da Brahma especialistas em itens

como transporte, aluguel, iluminação e água. São consultores internos altamente

especializados, conhecidos até hoje como Boinas Verdes. "Somos totalmente

paranóicos com o controle da gestão. Mesmo nas melhores horas, estamos

apertando os custos", diz Marcel, no livro Como Fazer uma Empresa Dar Certo em

um País Incerto. "Quando ficar ruim, eu tenho certeza de que a água vai subir, mas

vai afogar o outro, o competidor, antes de chegar à minha boca."

A rigidez no controle de custos fez da Brahma uma empresa

excepcionalmente forte em processos. Em seus primeiros anos à frente da

cervejaria, Telles fechou fábricas deficitárias, reduziu quase à metade o quadro de

pessoal, redefiniu funções, fundiu atividades, agilizou a distribuição, visitou pontos-

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de-venda, negociou com fornecedores e parceiros e investiu pesadamente em

publicidade. Em 1998, último ano antes do início do processo de fusão com a

Antarctica, a Brahma havia deixado sua histórica concorrente vergonhosamente

para trás. Seu lucro líquido era de R$ 329,1 milhões, ante R$ 64,2 milhões dos

paulistas. Em 1999, um ano complicadíssimo por causa da desvalorização do real, o

faturamento da Brahma foi mais do que o dobro do da Antarctica: US$ 7 bilhões,

ante US$ 3,3 bilhões. A cervejaria, que custara US$ 60 milhões à turma do Garantia

dez anos antes, valia então R$ 3,7 bilhões. A Antarctica, parada no tempo, foi

simplesmente atropelada.

Victório de Marchi, co-presidente do conselho da AmBev desde o anúncio da

fusão, era o principal executivo da Antarctica em 2000. Àquela altura, ele garante, a

cervejaria paulista já iniciara uma revisão de seus métodos gerenciais familiares. "A

Brahma, no entanto, começou um pouco antes. E já tinha percorrido o dobro da

distância", afirma Victorio. Por exemplo: na Antarctica havia casual friday, enquanto

na Brahma já não se usava terno e gravata em nenhum dia da semana.

Sem Gravata, Sem Paredes

O executivo Magim Rodrigues, que se tornaria o primeiro presidente da

Ambev, é um ótimo exemplo do que a mudança de guarda-roupa pode fazer por um

executivo. Em seu tempo de Lacta, ele só era visto de paletó e gravata. Era um

senhor ligeiramente encurvado. Aparentava ser uns 20 anos mais velho do que

quando ressurgiu na Brahma, no estilo mangas de camisa celebrizado pelo GP.

Desde o início, Lemann impôs em seu banco o predomínio do coletivo sobre

o individual. A mensagem a transmitir era de que o resultado dependia igualmente

de todos: dele ao menos graduado dos funcionários de retaguarda. É por isso que

nunca vestiu-se terno e gravata dentro do Garantia - a não ser para reuniões com

certos clientes ou parceiros.

Também não devia haver no banco a figura do chefe inacessível. Por isso,

os escritórios do banco eram grandes salões sem divisórias e mesmo os sócios-

diretores não tinham direito a salas fechadas. No já mencionado documento Nossa

Filosofia, há uma síntese de como a simplicidade era cultuada no Garantia: "Nossa

organização é objetiva, simples, informal e comunicativa. Fazemos as coisas com

muita objetividade. O que pode ser feito de maneira simples é melhor". Mais de 30

anos depois, Brito abordou o tema na sua palestra em Stanford: "Nós não temos

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jatos da companhia. Eu não tenho um escritório. Divido minha mesa com meus vice-

presidentes. Eu sento com meu cara de marketing à minha esquerda, meu cara de

vendas à minha direita, meu cara de finanças na minha frente".

Tabela 6-4: Características do Grupo GP.

O Homem que Copiava

Lemann despontou no cenário empresarial brasileiro no momento exato, os

anos pré-abertura de mercado. Ou seja, no contexto histórico de um capitalismo

tardio. Para Thomaz Wood Jr., professor de administração na FGV, o que sucedeu

no caso da Brahma foi a migração de um estilo gerencial típico do setor financeiro e

das empresas americanas de capital aberto para uma grande empresa industrial

local. "O que caracteriza esse estilo gerencial é o foco no resultado de curto prazo e

GOLDMAN SACHSDe lá saíram a meritocracia e o sistema de partnership, que transforma

executivos em sócios do banco

WAL-MARTDo fundador da rede, Sam Walton, Lemann absorveu a cultura da frugalidade e a

atenção permanente ao corte de custos

GENERAL ELECTRICOs relatórios da GE eram a bíblia do Garantia. Lemann e seus sócios liam tudo o

que encontravam sobre Jack Welch

CULTURA DE DONO

A idéia é que cada funcionário deve se sentir dono da empresa. Para isso, deve

ter autonomia para decidir, responsabilidade pelo resultado e participação nos

lucros

SIMPLICIDADESalas sem paredes, roupas informais e poucos níveis hierárquicos. Tudo deve ser

resolvido simples e rapidamente

PRÊMIO E CASTIGOA meritocracia se dá pela criação de metas para tudo. Não há limites para os

bônus salariais dos que as superam

CAÇA AOS GASTOS

"Ser paranóico com custos e despesas, que são as únicas variáveis sob nosso a

garantir a sobrevivência no longo prazo", diz um dos 18 mandamentos da

"cultura Garantia"

A Brahma, comprada pelo Garantia em 1989, deu origem à AmBev e levou a cultura do banco para a

indústria. suas práticas de gestão são influentes na matriz belga da InBev

O modelo de meritocracia rigidamente medida e regiamente remunerada tornou-se padrão nos

bancos de investimento brasileiros, a começar pelo Pactual, criado por um ex-sócio do Garantia

O foco no lucro do acionista, a remuneração variável de executivos e o Orçamento Base Zero hoje

estão presentes no modelo de gestão de algumas das melhores empresas nacionais de capital aberto

A CULTURA GARANTIA

DE ONDE VEIO

O QUE É

PARA ONDE FOI

Como os estilos de Sam Walton e Jack Welch inspiraram um modelo de gestão dos mais influentes do

país

A GP, firma de investimentos em participações criada por Lemann, comprou mais de 30 empresas. Da

ALL ao Submarino. Todas elas praticam a "cultura Garantia"

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uma atitude racionalista sobre gestão, processos e pessoas", afirma Wood. No Brasil

do início dos anos 90, isso soava novo.

Um ponto a reter quando se discute o legado de Lemann e de seus

parceiros de negócios diz respeito à autoria: as ideias quase nunca são deles. "O

Jorge Paulo não é um gênio numa torre de marfim", afirma Cláudio Haddad, hoje

presidente do Ibmec São Paulo. Uma das características mais marcantes da "cultura

Garantia" é sua sem-cerimônia em copiar bons exemplos. "A grande vantagem do

Brasil é que você pode copiar o que está sendo desenvolvido em outro lugar e fazer

aqui. Pode copiar tudo, não precisa ficar reinventando a roda", disse uma vez Beto

Sicupira. "O que nós fizemos a vida toda? Só copiamos. Não inventamos nada,

nada. Ainda bem. Inventar coisas é um perigo danado." Não por acaso, implementar

(e não criar ou inovar) é a palavra preferida no circuito Garantia. "Vale muito mais

uma lógica boa, uma execução boa, do que qualquer inovação brilhante", disse

Lemann, anos atrás. "Você tem de se preocupar com a inovação. Mas se tem

alguém fazendo bem, melhor não gastar muito tempo procurando como fazer. Vai lá,

olha e adapta da sua maneira, e pronto."

No Brasil das décadas de 70 e 80, a busca de benchmarks e a replicação de

boas ideias alheias não era algo trivial. Bastava a cultura da família controladora.

Quando muito, traziam-se elementos operacionais de fora, mas não sistemas de

governança. Transformar funcionários em acionistas, por exemplo, era uma

tremenda novidade. Algo que só existia em firmas de advocacia. Uma novidade que

motiva Fersen Lambranho, da GP, a fazer uma previsão ousada: "Daqui a seis

séculos, quando alguém escrever um novo Raízes do Brasil, o nome do Jorge vai

aparecer. Na América Latina inteira não tem meritocracia. No Brasil, graças a ele,

tem. Isso vai nos diferenciar de forma brutal".

O desejo e a capacidade de Lemann de se destacar na arena internacional

entusiasmam seus admiradores. "Jorge Paulo vai ser lembrado como um dos

empresários que levaram o Brasil para o mundo", diz Bonchristiano, da GP. Por

outro lado, o desprendimento de homens de negócio que hoje moram fora do Brasil,

têm a sede de sua principal empresa na Bélgica e fizeram história adquirindo e

reformando companhias com problemas desagrada seus críticos mais severos. "O

Lemann é um comerciante. Ele é bom de comprar e vender empresas. Não sei se

sabe construí-las", afirma o ex-ministro Antônio Delfim Netto. Tanto na academia

como no meio industrial, há quem defenda que os homens do Garantia não

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merecem ser chamados de empresários. Por sua origem no mercado financeiro,

seriam meros financistas ou investidores. Especialistas em tornar lucrativas

empresas mal geridas, e não em construir companhias para o futuro.

José Olympio, do Credit Suisse, discorda do uso do rótulo "financista" para

descrever Lemann. "É muito estreito para ele. O Jorge Paulo é um criador de

organizações", diz. Discorda, também, da ideia de que empresários para valer são

apenas industriais, como os Ermirio de Moraes ou os Gerdau Johannpeter, que

construíram do zero sólidos impérios de cimento e aço. "O Jorge Gerdau e o Jorge

Lemann são dois dos empresários brasileiros que eu mais admiro. Para mim, são do

mesmo nível", afirma. "A diferença é que o Lemann é um revolucionário. Ele

promoveu uma revolução cultural dentro do capitalismo brasileiro."

Para José Olympio, Lemann já é uma figura histórica, talvez comparável ao

Barão de Mauá. Do nível dele, hoje, como exemplo de empreendedorismo, só

haveria um empresário: Eike Batista, dono da EBX e de uma fortuna ainda maior do

que a do fundador do Garantia, avaliada pela Forbes em US$ 6,6 bilhões. "O Eike

hoje é um revolucionário, no sentido de pensar muito grande e empreender em ritmo

alucinante", diz. "E nas empresas dele tem muita cultura Garantia: sistema de

sociedade, atração dos melhores, aposta numa garotada muito boa."

Lemann naturalmente tem suas preferências, brasileiros pelos quais se

mede. Amador Aguiar, o fundador do Bradesco, é o que mais o entusiasma. Por ter

criado uma cultura empresarial fortíssima e um banco líder de mercado, que

sobrevivem há décadas sem ele. Jorge Paulo o considera subestimado. Ele próprio

se vê como formador de uma cultura influente para muitas empresas. E não como a

maioria de seus pares no empresariado brasileiro, julgados pelo patrimônio que

conseguiram construir e deixar para seus herdeiros.

Mas Lemann parece ser sincero quando diz, em círculos íntimos, que não se

considera dono da "cultura Garantia". E que seu maior mérito teria sido conhecer

seus pontos fracos e se cercar de gente melhor do que ele para compensar tais

deficiências. Melhor, note bem. E não descendente, herdeiro ou apadrinhado. Nunca

ninguém da família Lemann trabalhou nas suas empresas como executivo. Jorge

Paulo tem a convicção de que, no momento em que familiares entram na

meritocracia, o modelo se distorce, se corrompe.

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Do Rio Até Moscou

Desde muito cedo, a "cultura Garantia" se disseminou do banco para o

mercado. Beto Sicupira fez o primeiro movimento, ao levar o modelo de organização

para a Lojas Americanas em 1982. No ano seguinte, Luiz Cezar Fernandes deixou o

Garantia depois de 12 anos para criar seu próprio banco, o Pactual, à imagem e

semelhança da instituição concebida por Lemann. A partir de então, todos os bancos

de investimento brasileiros emularam, com maior ou menor ênfase, o modelo

Garantia: Icatu, Bozano Simonsen, Matrix... O próprio Credit Suisse, que comprou o

banco de Lemann em 1998, manteve muito de sua cultura. Folclórico, porém

verdadeiro, é o caso do banco russo Renaissance Capital, que assumidamente se

inspirou no brasileiro Garantia, muito antes de o termo Bric unir os dois países. Um

ex-Garantia que esteve lá nos anos 90 diz que o escritório-sede, em Moscou, era

idêntico ao da "matriz".

Em 1989, o mesmo software começou a rodar na Brahma - e depois na

AmBev, e por fim na InBev. A influência cultural dos brasileiros na InBev é o que os

especialistas chamam de "movimento reverso" - a estratégia mais rara de fusão,

porque pressupõe a consciência do comprador de que o próprio modelo de gestão

não é o mais adequado para o futuro. A psicóloga Betania Tanure, professora da

Fundação Dom Cabral, estudou a AmBev de perto e se arrisca a dizer por que a sua

cultura predominou. "A Interbrew é uma organização absolutamente vencedora. Não

obstante, entendeu que corria o risco do subdesempenho", diz. "Ela tinha um estilo

mais conservador, mais lento. E o mundo estava pedindo outra coisa."

Agora, o mundo parece demandar mais velocidade e foco da americana

Anheuser-Busch, que aos poucos vai sendo atraída para a área de influência da

InBev. Em um relatório de julho passado, analistas do setor de bebidas do Citigroup,

em Nova York, estimaram em 70% a chance de uma fusão entre as duas cervejarias

ocorrer nos próximos dois anos, criando um colosso com 25% do mercado mundial.

"Numa união InBev-Anheuser, a nova megacervejaria se beneficiaria da agressiva

equipe brasileira de vendas e marketing do diretor-presidente da InBev, o brasileiro

Carlos Brito", afirmou o diário americano Wall Street Journal.

Marcel Telles vem promovendo há algum tempo um esforço de aproximação

com a família Busch, que, apesar de deter apenas 4% das ações da Anheuser,

ainda exerce uma tremenda influência na companhia. O principal herdeiro da

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Anheuser, August Busch IV, já esteve no camarote da Brahma, a convite do

brasileiro, para apreciar o Carnaval carioca. É um ritual de acasalamento promissor.

Os belgas da Interbrew também freqüentaram "informalmente" a Marquês de

Sapucaí em 2002 e 2003. No ano seguinte, nasceu a InBev. Não há confirmação

oficial do interesse de Lemann pela Anheuser. Mas quem o conhece aposta na

concretização do negócio. "Ele não vai sossegar enquanto não comprar a

Budweiser", diz Bonchristiano, da GP.

Se comprar uma grande empresa americana é o "sonho de consumo" de

Lemann, um importante primeiro passo foi dado na virada do ano. O 3G, fundo

formado com recursos dele, de Marcel e de Sicupira, comprou um naco de 8,3% da

ferrovia americana CSX, com sede na Flórida, por US$ 1,5 bilhão no final do ano

passado. O parceiro deles no investimento é o TCI, The Children's Investment, fundo

ativista pelos direitos dos minoritários que ficou mundialmente conhecido por

"denunciar" a incompetência dos gestores holandeses do ABN Amro e detonar o

processo que culminou com o desmembramento do banco e a venda de suas

partes. Conforme esperado, um questionamento similar foi lançado contra a

administração da CSX, um grupo de US$ 17 bilhões com ações pulverizadas na

Bolsa de Nova York. Se a cúpula americana da empresa cair, a administração tem

boas chances de parar em mãos brasileiras. O trio do Garantia já tem até o nome

para assumir a companhia: Alexandre Behring, o executivo que presidiu a ALL de

1998 a 2004 e fez dela a maior operadora ferroviária da América Latina.

Parte do portfólio de investimentos pessoais de Lemann, Marcel e Beto, a

ALL é um dos principais casos de sucesso da GP Investimentos, a firma de private

equity que funciona como o principal vetor de disseminação da "cultura Garantia".

Criada em 1993, pelo trio e por um quarto sócio chamado Roberto Thompson, a GP

nasceu para replicar em empresas de médio porte as experiências da Lojas

Americanas e da Brahma. O grupo inicial de sócios captou meio bilhão de dólares no

exterior, com o objetivo de comprar empresas em dificuldades, saneá-las e vendê-

las com lucro. Um dos exemplos da fase inicial foi a rede de supermercados Sé,

comprada e vendida em 1997.

Assim como o Garantia, a GP foi moldada de acordo com o conceito de

partnership, uma sociedade na qual os funcionários poderiam se tornar sócios. Ao

longo dos anos, os sócio-fundadores foram reduzindo sua participação na firma, até

encerrá-la em outubro de 2004. Na época, os investimentos de private equity da GP

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somavam US$ 1,3 bilhão. Eles haviam comprado participações em 32 empresas -

entre elas ALL, Gafisa, Ig e Telemar -, das quais já haviam vendido 18. Uma nova

geração, liderada por Fersen e Bonchristiano, assumiu o controle. Segundo a dupla,

a cultura da companhia não mudou nada desde então. "A GP diferencia-se dos

outros fundos de private equity porque tem a tecnologia de gestão Garantia", diz

José Olympio, do Credit Suisse. "A empresa que vende participação à GP não quer

só dinheiro. Quer know-how de administração."

Por fim, há o INDG, de Vicente Falconi, que funciona como um braço de

consultoria da AmBev. O instituto tem hoje cerca de mil consultores, sendo 250 no

exterior, onde está 25% de seu faturamento. E, assumidamente, não faz outra coisa

que não difundir o que lá se chama "cultura AmBev". A Sadia - que não por acaso

tem Falconi como conselheiro – é uma das empresas que, sob orientação do INDG,

está trabalhando, já há mais de dois anos, para montar sistemas semelhantes de

meritocracia. Marcel gosta da ideia e abriu a AmBev para que a Sadia a visite e

estude seus processos. Ele e Beto Sicupira fazem parte do conselho do instituto, ao

lado de empresários como Jorge Gerdau e o próprio Walter Fontana, da Sadia.

Sicupira e Gerdau lideram um grupo de empresários engajados em introduzir

métodos gerenciais de ponta no setor público. "Meritocracia, remuneração variável,

Orçamento Base Zero, tudo isso está sendo levado para governos", diz Falconi. A

administração estadual de Minas Gerais está mais adiantada nesse processo, mas

os governos do Rio Grande do Sul, de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Alagoas,

Sergipe e Pernambuco estão trabalhando com gestão, seleção de pessoas, redução

de custos e melhoria da arrecadação por meio de sistemas. No início de fevereiro, o

governo federal contratou o INDG para reduzir gastos em todos os ministérios. O

instituto de Falconi tem 15 meses para apresentar propostas que possibilitem uma

economia de R$ 600 milhões.

Devolver À Sociedade

Alinhando-se a uma tradição muito americana de grandes filantropos,

Lemann, Telles e Sicupira acreditam que é seu papel devolver à sociedade, como

pessoas físicas, o que ela lhes ofereceu enquanto empresários. Nos últimos anos,

cada um dos componentes do trio tratou de criar fundações para organizar as

doações de suas respectivas famílias.

Marcel foi o primeiro a pôr o bloco na rua. Criou, em 1999, o Instituto Social

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Maria Telles (Ismart), batizado em homenagem a sua mãe. Seu objetivo é promover

o desenvolvimento acadêmico de jovens talentosos e de baixa renda. No ano 2000,

foi a vez de a família Sicupira criar a Fundação Brava, que investe em projetos de

melhoria da gestão pública e de ONGs. Entre as organizações beneficiadas estão a

Fundação Pró-Tamar, a AACD e o Banco da Providência. Jorge Paulo, por sua vez,

mantém, desde 2002, a Fundação Lemann, que investe principalmente em projetos

de melhoria da educação pública.

A mais conhecida incursão filantrópica do trio Garantia é conjunta, existe

desde 1991 e chama-se Fundação Estudar. Seu objetivo é conceder bolsas de

estudo para estudantes brasileiros de graduação e pós-graduação, que cursem

administração, economia, engenharia e relações internacionais. Bernardo Hees, o

jovem presidente da ALL, foi o primeiro bolsista da Fundação Estudar. Depois de

formado economista pela PUC do Rio, Bernardo trabalhou no ramo de petróleo e no

mercado financeiro, antes de partir para um mestrado na Inglaterra. De volta ao

Brasil, em 1998, foi trabalhar na América Latina Logística, de onde não saiu mais.

Agora na presidência, está colocando sob um mesmo guarda-chuva todas as

iniciativas de responsabilidade social da companhia. Neste mês de abril será

anunciada a criação do Instituto ALL. "Estou fechando o ciclo", diz ele.

Em outra de suas atividades extra-empresariais, Lemann, Marcel e Beto

dedicam-se a turbinar a carreira de empreendedores brasileiros. Fazem isso por

meio do Instituto Empreender Endeavor, uma entidade americana trazida para o

Brasil por Sicupira. "Lemann, Marcel e Beto trouxeram o melhor do mundo dos

negócios para o mundo das ONGs", afirma Paulo Veras, coordenador do instituto.

"Muita gente contenta-se em defender uma causa nobre. Mas para eles não basta

estar fazendo algo positivo para o país." Há cobrança por resultados, por recrutar

gente boa, por levantar recursos etc. Há também avaliação de desempenho por

metas. No caso da Endeavor, por exemplo, o valor de mercado das empresas

apoiadas tem de crescer 40% ao ano.

Fica difícil reclamar quando se sabe que Lemann aplica os mesmíssimos

princípios dentro de casa. Tanto no seu escritório pessoal como nas suas

residências, todos os empregados têm metas, passam por avaliações e recebem

remuneração variável. Isso vale para copeiras, motoristas, pilotos... Em seu

escritório, as equipes de serviço (copa, faxina e recepção) são avaliadas pelos

funcionários atendidos por elas a cada três meses.

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BOOOOM-DÍÍÍÍAAAA!

Quem conhece os feitos empresariais de Lemann e os métodos de gestão

implantados em suas empresas se espanta quando o encontra pessoalmente. Não

há traço de arrogância em seu jeito afável e bem-humorado.

Quando está em São Paulo, Lemann pode ser visto desde cedo no escritório

onde hoje estão concentradas as sedes de todas essas fundações, além da equipe

encarregada dos investimentos do trio. Ele caminha a passos largos pelos

corredores, distribuindo bons-dias a quem encontra pelo caminho. Não aquela

saudação protocolar dos ambientes corporativos. Com sua voz forte, Jorge Paulo

estende as vogais em cumprimentos quase musicados: "booooom-dííííaaaa!". Outra

característica é a fala com sotaque carioca, com erres e esses pronunciados. Isso

quando ele fala, porque este é um homem de poucas palavras, extremamente

objetivo, que aprecia pessoas igualmente objetivas. Mas que guarda o senso de

humor típico de um Rio de Janeiro mais romântico, é tremendamente articulado e

dono de um vocabulário rico que de vez em quando se apoia em palavras em inglês

- sempre com pronúncia impecável, nunca com pedantismo. Atento a características

individuais e dono de uma memória excepcional, brinca com uns, faz graça com

outros e assim diminui a distância entre ele, o mito, e seus colaboradores. Como a

funcionária gourmet que uma tarde foi flagrada por ele na copa, atracada com uma

sobremesa que sobrara intacta do almoço, e nunca mais deixou de ouvir

comentários divertidos sobre doces e gulodices.

Seu escritório pessoal, na zona sul de São Paulo, reflete o apreço pela

discrição. Não há, na recepção do edifício que o abriga, nenhuma pista de que ali se

encontra o QG de Lemann. Os crachás dos funcionários contam apenas com uma

foto, seu nome e o número do andar. Mesmo quando se desembarca do elevador,

não há logomarca ou placa de nenhuma espécie identificando o escritório, dividido

em duas alas, com entradas independentes. À direita da recepção, um extenso

corredor, com paredes de madeira clara, dá acesso às salas de reunião. Assim, as

visitas nunca vêem os funcionários trabalhando, e estes nunca sabem quem

aparece no escritório para reuniões. Apenas Jorge Paulo, Marcel, Beto e o sócio

Roberto Thompson têm salas individuais, localizadas num dos extremos do andar.

Lemann sempre apareceu publicamente o mínimo possível, mas tornou-se

quase invisível a partir de 1999, depois de uma dramática tentativa de seqüestro de

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seus três filhos menores em São Paulo - o carro blindado que os conduzia foi

metralhado. Foi quando, contrariado, mudou-se com a família do Brasil para a Suíça.

Os amigos mais chegados devem sentir falta das lendárias festas juninas que Jorge

Paulo organizava em sua casa no Jardim Europa. Festas para valer, com fogueira,

pau-de-sebo, comidas típicas e uma grande quadrilha, para a qual ele e Susanna se

paramentavam como autênticos noivos caipiras. Até hoje, Bianka Telles, a mulher de

Marcel, criada no sul da Bahia, é a única participante que, atestadamente, chegou

ao topo do pau-de-sebo.

Lemann está fora do país pelos filhos menores. Na Suíça, eles vão para a

escola sozinhos, andam de trem, viajam pela Europa e passeiam de bicicleta sem

maiores problemas. No Brasil, a família teria duas opções: a irresponsabilidade de

não ter seguranças ou o desconforto de viver cercado por eles. A decisão foi deixar

as crianças crescerem em Zurique. Mais tarde, quando estiverem na idade de ir para

a faculdade, elas terão liberdade de escolher onde viver. Jorge então voltará.

Mesmo tendo acumulado uma fortuna estimada em US$ 5,8 bilhões, de

acordo com a mais recente lista de bilionários globais da revista Forbes, Lemann

encara perguntas sobre uma eventual aposentadoria quase como ofensa. Mais de

uma vez, já admitiu que nunca se considerará totalmente realizado. Não basta, por

exemplo, ter a maior cervejaria do mundo. É preciso também ser o melhor. Não por

acaso, o atual slogan da InBev é from biggest to best, "de maior a melhor". No

encerramento da carta que publicou no relatório anual de 2003 da Fundação

Lemann, ele escreve: "Tenho a sensação de estar no rumo certo, apesar de saber

que nunca se chega totalmente lá". Em depoimento ao livro Como Fazer uma

Empresa Dar Certo em um País Incerto, ele diz: "Estou sempre querendo chegar lá,

conquistar mais alguma coisa. Essa é a graça. No dia em que eu tiver realizado o

meu sonho, morri".

Já há algum tempo, as famílias da santíssima trindade do Garantia estão

sendo preparadas em conjunto para suceder Lemann, Marcel e Sicupira. Suas

mulheres estudam contabilidade juntas; os filhos fazem em grupo o treinamento de

gestão. Jorge Felipe, filho caçula do primeiro casamento de Lemann, mais

conhecido no mercado como Pipo, é o único herdeiro a freqüentar os pregões

brasileiros. Desde 2003, ele é dono da corretora Flow. Seu pai é sócio minoritário da

firma, com menos de 10% das ações. Paulo, o irmão mais velho, também tem

participação, mas seu negócio é uma firma de gestão de recursos em Nova York.

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Além de conselheiro da Fundação Lemann, ele é o responsável por investir o

dinheiro que Jorge Paulo doou à entidade e não entrou nos orçamentos anuais – o

chamado endowment. Esses recursos têm a finalidade de garantir a continuidade do

trabalho da fundação depois da morte de Lemann. Até lá, ele realiza doações

anuais, de acordo com o orçamento aprovado para cada ano.

Jorge Paulo Lemann gosta de pensar, segundo quem o conhece bem, que

sua maior contribuição pessoal ao meio empresarial brasileiro terá sido a cultura do

"sonho grande". O estímulo aos homens e mulheres de negócio que desejam

construir algo excepcional e que se movem por esse ideal. Se o sonho é pequeno,

ele costuma dizer, você se perde no meio do caminho. Com picuinhas. Daí uma das

raras frases de efeito que se atribuem a este capitalista de muita ação e poucas

palavras: "Pensar pequeno e pensar grande dá o mesmo trabalho. Mas pensar

grande te liberta dos detalhes insignificantes".

Ao longo de duas décadas de negócios, o Banco Garantia só perdeu

dinheiro em dois anos: o primeiro, 1976, e o último, 1998. O prejuízo inicial pode ser

creditado a uma arbitrariedade tirada do saco de maldades do governo militar. Mário

Henrique Simonsen, então ministro da Fazenda, expurgou quatro pontos percentuais

da correção quase quebrou o banco de Jorge Paulo Lemann. O último foi

barbeiragem. Excesso de confiança. Em meados de 1997, quando estourou a crise

cambial nos países do Sudeste Asiático, o Garantia foi duramente atingido pela fuga

de capitais dos países emergentes, mas demorou a entender a extensão dos danos.

Quando a Tailândia sofreu um ataque especulativo, em julho, o banco agüentou

firme, esperando uma virada. Em quando Hong Kong caiu e todo o Sudeste Asiático

foi contaminado, era tarde demais para recuar. O lucro do Garantia em 2007 caiu a

um décimo do registrado em 1996. O patrimônio de seus fundos de investimento

caiu banco entrou 1998 sangrando e, em maio, foi vendido por US$ 800 milhões -

baratíssimo por qualquer critério que se analise - para o Credit Suisse.

O Garantia, ficou claro então, fora muito bem sucedido como máquina de

ganhar dinheiro, mas não era capaz de sobreviver porque a cultura empresarial de

seu início se perdeu em algum momento. A venda forçada do banco é,

assumidamente, a maior frustração de Lemann. Sua visão sobre o assunto é dura

consigo próprio e, sobretudo com a geração que estava no comando durante a crise.

A autocrítica é de que ele não percebeu que seu time se tornara focado demais em

bônus e pouco preocupado com a construção de empresa perene. O Garantia

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estava nas mãos de uma nova geração. Cláudio Haddad pensava em fazer algo

com educação (que resultou no Ibmec São Paulo). "Outros sócios mais próximos do

topo da hierarquia tinham ganho muito dinheiro e preferiram vender a prosseguir na

construção. Na venda, alguns sócios mais jovens se ressentiram porque gostariam

de ter continuado o trabalho de perenizar o Garantia", diz Lemann em círculos

restritos. Esse desvio da rota original coincide com o Lemann se afastou do dia-a-dia

do banco, depois do infarto que sofreu em 1994. Beto estava longe havia anos,

pilotando a Lojas Americanas. E Marcel, desde 1989, era presidente da Brahma.

Durante o processo que culminou com a venda para o Credit Suisse, o

Garantia foi alvo de críticas por parte de cotistas de seus fundos de investimento.

Nos casos mais leves, eles se diziam desinformados sobre o nível de risco a

estiveram expostos. Nos mais pesados, acusavam o banco de empurrar prejuízos

de sua tesouraria para os fundos de investimento. O piloto Raul Boesel, à época na

Fórmula Indy, ganhou manchetes dentro e fora do Brasil que perdera metade dos

US$ 3 milhões que tinha aplicados e reclamar dos gestores do Garantia. "O banco

não foi claro comigo sobre no que eles estavam investindo. Não explicavam o risco

que eu estava correndo", diz Boesel hoje em dia. Segundo ele, sua carteira de

investimentos deveria ser "superconservadora". Mas, quando a crise estourou, ele

descobriu que as aplicações eram "alavancadas" (as apostas dos gestores eram

maiores que o patrimônio do fundo). Cláudio Haddad, superintendente do Garantia à

época, diz que se lembra do caso de Boesel, mas prefere não falar sobre ele. "O que

posso dizer é que esse fundo dava 30%, 40% ao ano de ganho, ano após ano. É

alavancagem. Ou você acha que o dinheiro nascia em árvores?", afirma. "Nossos

clientes eram investidores qualificados. Não tinha nenhuma viuvinha que tirou a

poupança do Bradesco e botou no Garantia."

Se o episódio da venda do Garantia foi o primeiro a expor Lemann, a união

da AmBev com a belga Interbrew, anunciada seis anos depois, é até hoje o mais

usado contra ele. A aliança que deu origem à da troca de participações entre os

acionistas controladores da Ambev (Lemann, Telles e Sicupira) e da Interbrew (as

três famílias belgas que controlavam a cervejaria europeia). Os brasileiros

converteram suas ações, que Representavam 22% do capital total da AmBev, em

25% do capital da InBev. Lemann e seus parceiros se comprometeram a não vender

sua participação por 20 anos e ficaram com 50% do controle da nova empresa.

Por determinação da Lei das S/As, que rege as companhias listadas na

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Bovespa, a Interbrew teve de fazer uma pública para comprar as ações ordinárias

restantes. Ofereceu aos donos desses papéis ações da Interbrew ou o equivalente a

80% dos ganhos que os controladores tiveram ao vender suas participações. O

direito, estendido aos detentores de ações preferenciais, sem direito a voto, que

viram os preços de seus papéis desabar após a divulgação do acordo. Dez dias

depois do comunicado da operação, as preferenciais acumulavam perdas de 32%. O

fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, Previ, detinha cerca de 14%

dessas ações e chegou a perder mais de R$ 800 milhões. Posteriormente, o preço

das ações voltou a subir. Daquele episódio até 20 de março último, segundo a

companhia, os papéis valorizaram cerca de 200%.

O assunto é explosivo nos meios próximos a Lemann. "Nada me revoltou

mais do que a reação dos minoritários quando ele [Jorge Paulo] fechou o negócio

com a Interbrew", afirma José Olympio. Ele chama os acionistas que se rebelaram

de "investidores vestindo-se de vestais e reclamando porque o microondas que

compraram não passava a novela das 8". Explica-se: "Se você comprou ação

preferencial, tem de saber que ela paga 10% mais, mas não tem tag along (direito

de venda conjunta com o controlador). Se comprou ordinária, é o contrário. O que

um papel cumpra o que se espera do outro". Reservadamente, o próprio Lemann

costuma fazer comparação semelhante. "O cara comprou um Fiat, sabendo que era

um Fiat, e depois achou que talvez tivesse uma Ferrari na garagem."

Na mesma ocasião, o grupo controlador da AmBev foi atacado por

supostamente vender o controle da belgas. Carlos Lessa, então presidente do

BNDES, chamou Lemann, Telles e Sicupira de "vendilhões do templo". Na ocasião,

disse: "esses três rapazes (...) são qualquer coisa, menos brasileiros". Lemann

nunca respondeu publicamente, mas, privadamente, acusou o golpe. "Não estão

reconhecendo o nosso valor", disse. "Falam bem de jogador de futebol que vai jogar

na Europa e nos dão pancada, quando na realidade somos bem jogadores. Somos

donos, também."