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A QUESTÃO JURÍDICA NA GESTÃO ESTRATÉGICA DE FUNDOS DE PENSÃO Flavio Martins Rodrigues 1 Matheus Corredato Rossi 2 Publicado originalmente no livro “Fundos de Pensão: Gestão Estratégica”. São Paulo: ABRAPP/ICSS/SINDAPP, 2008. p. 29-48 . SUMÁRIO: 1. Apresentação; 2. A matéria jurídica na administração de passivos atuarias: o cenário do ativismo judicial; 3. A matéria jurídica na gestão das reservas garantidoras; 4. Considerações finais; 5. Referências bibliográficas. 1. APRESENTAÇÃO Há muito tempo atrás, o Estado, entendido como a forma suprema de organização da sociedade, trazia consigo, a partir das suas próprias origens, a tendência de se colocar como poder absoluto, sem qualquer reconhecimento de limites e de nenhum outro poder acima de si mesmo. Por sua vez, o Estado moderno, liberal e democrático, surgido a partir da reação contra esse Estado absoluto, passou a reconhecer a todos uma amplitude de direitos e garantias, os quais se caracterizam como imposições recíprocas, positivas e negativas, inclusive aos próprios órgãos estatais, com vistas a assegurar o seu cumprimento. 1 Advogado, Mestre em Direito, sócio do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados, especialista e responsável pela área de Previdência Complementar. 2 Advogado associado do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados, ex-Consultor Jurídico Adjunto da PREVI-BB e Mestre em Direito pela PUC/SP.

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A QUESTÃO JURÍDICA NA GESTÃO ESTRATÉGICA

DE FUNDOS DE PENSÃO

Flavio Martins Rodrigues 1

Matheus Corredato Rossi 2

Publicado originalmente no livro “Fundos de Pensão: Gestão Estratégica”.

São Paulo: ABRAPP/ICSS/SINDAPP, 2008. p. 29-48 .

SUMÁRIO: 1. Apresentação; 2. A matéria jurídica na administração de

passivos atuarias: o cenário do ativismo judicial; 3. A matéria jurídica na

gestão das reservas garantidoras; 4. Considerações finais; 5. Referências

bibliográficas.

1. APRESENTAÇÃO

Há muito tempo atrás, o Estado, entendido como a forma suprema de organização da

sociedade, trazia consigo, a partir das suas próprias origens, a tendência de se colocar como poder absoluto,

sem qualquer reconhecimento de limites e de nenhum outro poder acima de si mesmo.

Por sua vez, o Estado moderno, liberal e democrático, surgido a partir da reação contra

esse Estado absoluto, passou a reconhecer a todos uma amplitude de direitos e garantias, os quais se

caracterizam como imposições recíprocas, positivas e negativas, inclusive aos próprios órgãos estatais, com

vistas a assegurar o seu cumprimento.

1 Advogado, Mestre em Direito, sócio do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados, especialista e responsável pela área de Previdência Complementar.

2 Advogado associado do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados, ex-Consultor Jurídico Adjunto da PREVI-BB e Mestre em Direito pela PUC/SP.

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Corolário da sustentação desse Estado Democrático de Direito, a Constituição Federal

brasileira previu a existência dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário3), independentes e

harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais e prevendo as prerrogativas e imunidades para

que bem pudessem exercê-las.

Seja nas relações jurídicas entre particulares ou entre Estado e o particular, a Constituição

Federal atribuiu ao Poder Judiciário a função de intervir para assegurar a aplicação do direito ao caso

concreto. Mais do que isso, o Poder Constituinte Originário ao prever o princípio da proteção judiciária (CF,

art. 5º, inc. XXXV), determinou que “desde que haja plausibilidade da ameaça ao direito, [o Pode

Judiciário] é obrigado a efetivar o pedido de prestação jurisdicional requerido pela parte de forma regular,

pois a indeclinabilidade da prestação judicial é princípio básico que rege a jurisdição, uma vez que a toda

violação de um direito responde uma ação correlativa, independentemente de lei especial que a outorgue”.4

Desse princípio, também chamado de inafastabilidade do controle jurisdicional, decorre a

relevância de se considerar cuidadosamente o aspecto jurídico em toda e qualquer atividade desempenhada

na sociedade e que envolvam riscos legais e, não se diferem as relações em que são partes as Entidades

Fechadas de Previdência Complementar (“EFPC” ou “Fundo de Pensão”), mormente numa época em que se

avolumam os processos judiciais tendo como objeto assuntos relacionados à previdência complementar.

Cada vez mais a “questão jurídica” ganha espaço na gestão dos Fundos de Pensão, tanto

na administração de passivos atuariais como na aplicação das reservas garantidoras, passando a ter

3 Como não se pretende, nesse texto, um estudo aprofundado da Teoria do Estado Pós-Moderno, preferiu-se a simplificação, sendo certo que hoje se reconhece a existência institucional de órgãos autônomos, tais como o Ministério Público e as Cortes de Contas. 4 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 73. Com relação à independência do Poder Judiciário, confira-se: “Essa elevada missão, que interfere com a liberdade humana e se destina a tutelar os direitos subjetivos, só poderia ser confiada a um poder do Estado, distinto do Legislativo e do Executivo, que fosse cercado de garantias constitucionais de independência. Essas garantias assim se discriminam: (1) garantias institucionais, as que protegem o Poder Judiciário como um todo, e que se desdobram em garantias de autonomia orgânico-administrativa e financeira; (2) garantias funcionais ou de órgãos, que asseguram a independência e a imparcialidade dos membros do Poder Judiciário, previstas, aliás, tanto em razão do próprio titular mas em favor ainda da própria instituição.” (SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 29. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 588).

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efetivamente um caráter estratégico na busca do equilibro financeiro e atuarial dos planos previdenciários

administrados, de modo a torná-los capazes de honrar com os benefícios contratados.

No presente trabalho, procuramos chamar a atenção para as mudanças ocorridas no âmbito

do sistema processual brasileiro no sentido da facilitação de acesso à Justiça, as quais rompendo com a

concepção clássica das relações processuais individualistas, proporcionaram alternativas de proteção

coletiva de direitos, alcançando invariavelmente as relações jurídicas estabelecidas no âmbito da

previdência complementar.

Ressaltamos ainda as recentes mudanças promovidas no âmbito do Supremo Tribunal

Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), com o objetivo de conferir maior efetividade ao

processo judicial e abrangência coletiva às suas decisões, as quais passaram a demandar cuidados

redobrados dos gestores no trato da matéria jurídica no âmbito das EFPC.

Há, de um lado, um maior espaço postulatório para o cidadão e, de outro, um

desenvolvimento da função jurisdicional, gerando um ambiente próprio para um fenômeno que se tem

denominado de “ativismo judicial”, inclusive em ações envolvendo as EFPC e seus patrocinadores. Nesse

sentido, nunca foi tão importante o enfrentamento aprofundado do tema da previdência complementar nas

defesas das diversas entidades que administram planos fechados, haja vista o risco de decisões com

abrangência coletiva, capazes, muitas vezes, de não oferecer as melhores respostas às questões centrais

envolvidas num arranjo previdenciário, em especial o equilíbrio financeiro e atuarial do plano de benefícios.

Nesse contexto, cabe lembrar que na hermenêutica contemporânea, a norma como

instrumento regulatório do comportamento humano engloba aspectos sociais e axiológicos determinantes da

própria eficácia do direito. A Constituição Federal de 1988 deu origem a uma interpretação baseada em

princípios e fundada em valores éticos e sociais, onde o magistrado é chamado a contribuir com a fixação do

conteúdo concreto dos direitos sociais, no qual se insere a previdência complementar.5

5 Deve-se ressaltar que o tratamento constitucional da previdência complementar (art. 202) está inserido no Título “Da Ordem Social”.

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Há que se observar ainda a relevância da matéria jurídica na gestão das reservas

garantidoras, conforme será destacado na segunda parte do presente trabalho. Quando o assunto são os

investimentos das EFPC, especial atenção deve ser empregada a partir de uma análise jurídica bem

fundamentada que possa mapear a extensão dos riscos legais a serem assumidos, sem prejuízo da necessária

segurança jurídica.

Ao contextualizarmos a economia nacional no ambiente de redução das taxas de juros, o

tema dos investimentos ganha maior relevância para os Fundos de Pensão em razão da necessidade de se

buscar novas alternativas de investimentos em substituição à gestão passiva baseada em operações com

títulos públicos de longo prazo, cuja elevada rentabilidade assegurava tranqüilamente o cumprimento das

metas atuariais.

Fato é que as mudanças no cenário econômico e na própria regulamentação específica dos

investimentos das EFPC, como pode ser constatado nos últimos anos, têm provocado o aumento do

monitoramento e a fiscalização por parte dos órgãos de controle, com especial atenção nos cuidados

tomados pelos Fundos de Pensão na gestão das reservas garantidoras, seja de forma direta (carteira própria)

ou indireta (carteira administrada ou fundo de investimento).

Daí a relevância do tratamento da matéria jurídica na gestão dos investimentos, com vistas

a evitar o sancionamento por parte dos órgãos de fiscalização, bem como perdas financeiras aos planos de

benefícios nesse novo contexto econômico, como teremos a oportunidade de discorrer.

2. A MATÉRIA JURÍDICA NA ADMINISTRAÇÃO DE PASSIVOS ATUARIAIS: O CENÁRIO DO

ATIVISMO JUDICIAL

O fenômeno previdenciário, inaugurado nos Estados Unidos da América (de forma

privada) e na Alemanha (de forma pública) no final do século XIX, surgiu como resultado do

desenvolvimento das modernas estruturas de produção capitalista, que exigiam, diante das pressões sociais,

salvaguardas para os integrantes desse processo. Até então, a desnecessidade de intervenção estatal era

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inerente à organização da sociedade, onde o direito positivo e o próprio Estado cumpriam o seu papel de

proteger a pessoa humana na exata medida das relações jurídicas.6

Pode-se então considerar que a instituição dos regimes previdenciários, decorreu das

mudanças dos sistemas de produção dessa época e, conseqüentemente, da superação do conceito

individualista das relações jurídicas, as quais passaram a ser influenciadas pelo fenômeno da massificação e

coletivização das relações. O próprio direito positivo teve que se adaptar a fim de atender às exigências

dessa nova ordem social, como observa RONALDO PORTO MACEDO JUNIOR:7

A sociedade do final do século XIX é marcada por uma estrutura de organização do direito apoiada numa nova postura epistemológica em relação ao período clássico que a precede. A nova maneira de socializar o risco, diferentemente do que ocorria dentro do pensamento liberal clássico que o entendia como um mero infortúnio incomensurável, está fundada num princípio genérico e abrangente de natureza solidarística. O direito liberal clássico, fundado na noção de troca, é substituído pela noção de acordo de solidariedade, fundados na idéia de justa distribuição ou eqüitativa alocação dos ônus e lucros sociais. Nesse sentido, o direito social passa, cada vez mais, a ser o resultado de um equilíbrio entre interesses conflitantes formalizadores como um acordo que sempre implicará em sacrifícios mútuos.

É bem verdade que os sistemas previdenciários, com a dimensão que hoje possuem,

consubstanciam mudança que se deu a partir do segundo pós-guerra com a sedimentação do conceito do

wellfare state.8 De qualquer forma, como parte integrante dos sistemas protetivos surgidos da superação da

concepção individualista das relações jurídicas, tem-se que, desde a sua origem, o fenômeno previdenciário

6 À época, a ideologia econômica do laissez- faire que teve Adam Smith como um dos seus principais defensores, estava mais do que difundida por toda a Europa. Acreditava-se que a iniciativa privada deveria guiar-se livremente, com pouca ou nenhuma intervenção governamental, porquanto todos os indivíduos que promovessem seus interesses seriam orientados por uma “mão invisível” que produziria o máximo de bem social. Sobre o assunto, ver: SMITH, Adam. An inquiry into the nature and causes of the wealth of nations. Nova York: Prometheus Books, 1994; BJORK, Gordon C. A Emprêsa Privada e o Interesse Público: Os Fundamentos de uma Economia Capitalista. trad. Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Zahar, 1971. 7 Ação Civil Pública, o Direito Social e os Princípios. in “A Ação Civil Pública após 20 anos: efetividade e desafios”. coord. Edis Milaré. São Paulo: RT, 2005. p. 562. 8 Neste sentido, ver o nosso artigo: RODRIGUES, Flavio Martins. Previdência Complementar: Conceitos e Elementos Jurídicos Fundamentais. in “Direito Previdenciário”. Niterói: Impetus, 2005.

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(regime público e regime privado) tem uma feição coletiva passível de ser visualizada em se tratando de

pacificação de eventuais conflitos.9

No Brasil, podemos afirmar que esses regimes encontram-se em fase de construção

normativa10 e, até pouco tempo atrás, a administração de passivos atuariais podia ser conduzida com um

viés estritamente individualista das relações jurídicas, tomado à época como o padrão adequado no trato dos

riscos de demandas judiciais previdenciárias.

Aos poucos, foram sendo implementadas diversas modificações legislativas que acabaram

reconhecendo a insuficiência do nosso direito processual clássico no trato dos chamados direitos sociais,

dentre eles o direito previdenciário. A partir daí, começaram a ser buscadas soluções paralelas à concepção

individualista da tutela jurisdicional, possibilitando-se assim algum nível de proteção coletiva desses

direitos.

A própria Constituição Federal de 1988 foi decisivamente um marco na inserção dos

direitos coletivos lato sensu no conceito de acesso à justiça como direito fundamental e como alicerce do

Estado Democrático de Direito. Com a nova Constituição brasileira, foram criados novos instrumentos

destinados à defesa coletiva de direitos como, por exemplo, o mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX)

e a outorga de legitimidade para os sindicatos (art. 8º, III) e para a as entidades associativas (art. 5º, XXI)

defenderem os direitos de seus filiados.11

9 Referindo-se ao movimento que se convencionou chamar de “constitucionalismo social”, observa Wagner Balera: “Velhas estruturas jurídicas, baseadas no individualismo, cedem passo ante essa ordem, na qual se acha colocado, como elemento subjacente, o solidarismo. Dali para frente caberá ao Estado atuar como agente do desenvolvimento social e, desse lugar de comando, sobrepor-se ao aleatório das situações concretas. Contando com o auxílio do planejamento – talvez sua principal arma tática –, cumpre ao Estado-providência engendrar, num sistema, a segura cobertura das terríveis contingências que deram causa à questão social.” (in Noções Preliminares de Direito Previdenciário. São Paulo: Quartier Latin, 2004. p. 54). 10 Por exemplo, a estrutura regulatória e normatizadora, ao tempo da redação desse artigo, era objeto de discussão por meio da proposta contida no Projeto de Lei nº 3962/2008, que dispõe sobre a criação da Superintendência Nacional de Previdência Complementar - PREVIC. 11 As inovações legislativas tiveram origem com o advento da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), que passou a tutelar os direitos metaindividuais. Certo é que os instrumentos jurídicos atuais, possibilita-nos uma visão que até então não era tão acessível ao observador do mesmo sistema anteriormente, como observa Lúcia Valle Figueiredo: “Deveras, anteriormente à Constituição de 1988, grande foi o esforço doutrinário, por não se ter construção sólida, para vencer a estrutura clássica processual garantidora apenas do direto individual, e, sobretudo, vencer as amarras do art. 6º do CDC (que dispõe dobre a

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Com a edição do Código de Defesa do Consumidor (“CDC”), a defesa coletiva de direitos

ganhou contornos específicos, tendo sido criadas normas de procedimento para aquilo que se chamou de

“ações coletivas para defesa de interesses individuais homogêneos”, assim definidos pelo Exmo. Ministro

do STJ, TEORI ALBINO ZAVASCKI, como o conjunto de diversos direitos subjetivos individuais que,

embora pertencentes a distintas pessoas, têm a assemelhá-los uma origem comum, o que lhes dá um grau de

homogeneidade suficiente para ensejar a sua defesa coletiva.12

Muito embora inserida no regramento próprio da tutela das relações de consumo, a

natureza abrangente de tal disciplina passou a alcançar todos os tipos de relações jurídicas, desde que

passíveis de serem identificados os elementos comuns que permitem a postulação conjuntamente dos

direitos individuais, como é o caso das relações jurídicas estabelecidas no âmbito da previdência

complementar.13

Com todo esse aparato legislativo, as demandas coletivas acabaram, paulatinamente,

ganhando espaço no judiciário nacional.14

substituição processual) trazia sério entraves, pois estaria a vedar postulações de direitos, que não fossem próprios, a não ser em casos específicos e determinados pela lei. Destarte, partindo-se do princípio que a todo direito deve existir em contrapartida dever, seria verdadeiro absurdo o juiz não conseguir extrair do contexto sistemático a tutela imprescindível ao direito difuso. Se o direito individual é tutelável, o direito que transcende às classes, que atinge a coletividade como um todo, não pode também deixar de o ser por mesquinha questão processual. Em matéria de direito difuso, se sempre tivéssemos tido em mente tal preocupação, teríamos sabido retirar a tutela necessária mesmo antes dos instrumentos agora disponíveis.” (Ação Civil Pública – Gizamento Constitucional e Legal. in “A Ação Civil Pública após 20 anos: efetividade e desafios”. coord. Edis Milaré. São Paulo: RT, 2005. p. 346). 12 Leciona o magistrado: “Não se trata, já se viu, de um novo direito material, mas simplesmente de uma nova expressão para classificar certos direitos subjetivos individuais (...). A homogeneidade não é característica individual e intrínseca desses direitos subjetivos, mas, sim, uma qualidade que decorre da relação de cada um deles com os demais direitos oriundos da mesma causa fática ou jurídica. Em outras palavras, a homogeneidade não altera nem compromete a essência do direito, sob o seu aspecto material, que, independente dela, continua sendo um direito subjetivo individual.” (ZAVASCKI, Teori Albino. in Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2007. p. 160). 13 Temos a convicção de que o CDC não se aplica às relações entre participantes e as EFPC. Contudo, deve-se ter em mente que o verbete nº 321 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, publicada em 05/12/2005, determinou a sua incidência pelo que se torna relevante tratar do tema. 14 Hodiernamente, a doutrina processual brasileira caminha para a formulação de propostas para edição de um Código Brasileiro de Processos Coletivos, como revela a Profa. Ada Pellegrini Grinover: “o texto do Anteprojeto será amplamente divulgado e discutido, não só por especialistas mas também pela sociedade civil, com intuito de aperfeiçoá-lo. Por ora, pode-se afirmar que o Anteprojeto objetiva reunir, sistematizar e melhorar as regras sobre ações coletivas, hoje existentes em leis esparsas, às vezes inconciliáveis entre si, harmonizando-as e conferindo-lhes tratamento consentâneo com sua relevância jurídica, social e política.

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A par do domínio dos arranjos previdenciários e das técnicas de gestão e aplicação dos

recursos garantidores dos planos de benefícios, definitivamente a gestão estratégica das EFPC não pode

prescindir de considerar o risco de novos conflitos e de suas conseqüências na administração de passivos

atuariais, sobretudo quando decorrentes de ações coletivas. Tais processos são capazes de trazer impactos

financeiros e atuariais expressivos e imediatos.

Não tem sido raro o acolhimento pelo Poder Judiciário de pedidos coletivos de

participantes assistidos, participantes ativos e ex-participantes que acabam indo além dos direitos

assegurados pelo regulamento do plano de benefícios, gerando para os patrocinadores e demais participantes

a repartição solidária do ônus financeiro necessário à recomposição das reservas que possam assegurar os

benefícios contratados.

Some-se ainda o fato de que tem crescido consideravelmente o volume de processos

judiciais relacionados à previdência complementar nos últimos anos, certamente em função da propagação

do conceito de cidadania no seio da sociedade, bem como da própria facilitação de acesso à Justiça através

das medidas coletivas e, ainda, de forma organizada por grupos (ações plúrimas).

Por outro lado, a pouca cultura brasileira da previdência capitalizada tende a conduzir o

Poder Judiciário a enfrentar as questões da previdência complementar a partir de uma falsa impressão de

que se está diante de uma relação jurídica material de proporções assimétricas, quando na verdade o Fundo

de Pensão réu não passa de uma associação de pequenas poupanças de trabalhadores constituída com uma

finalidade previdenciária e regida por uma natureza contratual civil.15

Tudo com o objetivo de tornar sua aplicação mas clara e correta, buscando, ao mesmo tempo, extrair a maior efetividade possível de importantes instrumentos constitucionais de direito processual.” (Rumo a um Código Brasileiro de Processos Coletivos. in “A Ação Civil Pública após 20 anos: efetividade e desafios”. coord. Edis Milaré. São Paulo: RT, 2005. p. 16). 15 Sobre a natureza contratual civil, pudemos afirmar que o “entendimento doutrinário de que a relação entre participantes, assistidos e beneficiários e a entidade de previdência complementar possui natureza contratual civil constou também expressamente referido na expressão “benefício contratado”, colacionada no art. 202, caput, como na menção de que as ‘condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes’ (art. 202, § 2º). (...) Veja-se que, no caso dos fundos de pensão, a universalidade de valores alocada junto aos planos de benefícios pertence não à entidade de previdência, mera administradora, mas ao conjunto de participantes e beneficiários abrangidos pelo plano. A relação, ainda que intermediada pela entidade de previdência fechada, se dá entre pares, no caso trabalhadores e seus dependentes, todos igualmente destinatários de prestações

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É preciso então que sejam corretamente explorados os argumentos de defesa da entidade a

fim de que sejam compreendidas as estruturas de funcionamento dos planos de benefícios, mais

especificamente as suas bases atuariais. Ademais, deve-se apresentar de forma didática o arcabouço jurídico

da previdência complementar de forma que possa ser inteiramente aplicado ao caso concreto.

Cabe lembrar que duas mais relevantes Cortes do país têm passado por mudanças

significativas com o objetivo de conferir a necessária eficiência ao Poder Judiciário. O STF e o STJ

pretendem, com razão, que suas decisões sejam garantidoras da Constituição e das leis federais e não sirvam

apenas de meros mecanismos de prorrogação dos efeitos das decisões de segunda instância.

Basicamente, as mudanças direcionam-se no sentido de conferir abrangência coletiva às

suas decisões, como por exemplo, a recente edição de súmulas vinculantes pelo STF, as quais têm o poder

de vincular os Tribunais e a administração pública em todo o país sobre o assunto sumulado e, ainda, o novo

requisito de admissibilidade dos recursos ao STF, consistente na exigência de repercussão geral da questão

constitucional suscitada.

Introduzida pela Emenda Constitucional 45/2004, juntamente com a súmula vinculante, a

repercussão geral tem a finalidade de delimitar a competência do STF, no julgamento de recursos, às

questões constitucionais com relevância social, política, econômica ou jurídica, que transcendam os

interesses subjetivos da causa.

Ainda nessa linha, mais recentemente, foi editada a Lei nº 11.672/2008, que acrescentou

ao Código de Processo Civil o art. 543-C, estabelecendo o procedimento para julgamento de recursos

repetitivos no âmbito do STJ. Em breve síntese, a recente norma dispôs que havendo multiplicidade de

recursos com fundamento em idêntica “questão de direito”, cabe ao presidente do tribunal de origem

(Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça) admitir um ou mais recursos especiais representativos

da controvérsia e encaminhá-lo(s) ao STJ, suspendendo a tramitação dos demais recursos que versem sobre

a mesma questão por 180 dias.

previdenciárias.” (RODRIGUES, Flavio Martins. Previdência Complementar: conceitos e elementos jurídicos fundamentais. in “Revista de Previdência da UERJ/CEPED”. n. 3. Rio de Janeiro: Gramma, 2005. p. 10/11).

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Somente após a publicação da decisão do STJ, os recursos sobrestados na origem têm

seguimento negado ou são novamente examinados pelo tribunal de origem, conforme o caso. Já no âmbito

do STJ, constatada a existência de múltiplos recursos com fundamento em questões idênticas de direito, o

Ministro relator, por despacho, pode afetar o julgamento de um deles, sendo que o julgamento do recurso

afetado deverá se encerrar em 60 dias, contados da suspensão de julgamento de processos sobre o mesmo

tema.

Certamente inspirada nos chamados “leading cases” do direito norte-americano, a nova lei

passou a valer inclusive para os processos em andamento, independentemente da fase processual em que se

encontrem (princípio da imediatidade da lei processual). Como pode ser observado, a novo procedimento

recursal tende a observar prazos extremamente rígidos e faz com que todos os tribunais tenham uma solução

uniforme para os julgamentos de recursos com questões repetitivas.

De extrema relevância essa novidade para a gestão estratégica jurídico-processual das

EFPC, tendo em vista que as controvérsias surgidas no âmbito das relações jurídicas da previdência

complementar, por regra, acabam tendo uma origem comum e um grau de homogeneidade suficiente para

que o seu desfecho possa decorrer da aplicação desse novel procedimento de julgamento de recursos

repetitivos no âmbito do STJ.

Daí a importância então de se atentar para essa hipótese futura, procurando realizar um

trabalho específico, de caráter estratégico, sobre o julgamento do recurso afetado que servirá de orientação

para os demais casos com fundamento em idêntica questão de direito. No exercício de nossa advocacia,

temos tido a oportunidade de conhecer a forma de atuação de diversas EFPC e, por vezes, percebe-se que a

matéria jurídica é tratada sem a ponderação de seus expressivos impactos, sobretudo com relação ao

incremento do passivo atuarial. Muitas vezes, opta-se por uma gestão de efeitos econômicos de curto prazo

em detrimento de uma gestão com visão de longo prazo de caráter qualitativo e estratégico.

A mesma orientação é válida em se tratando do debate da previdência complementar junto

ao STF. Com o advento da Emenda nº 20/1998, a previdência complementar passou a ter status

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constitucional, na nova redação dada ao art. 202 da Carta Federal, inserindo-se no âmbito das prestações

próprias da seguridade social, por conseguinte, no ambiente do direito social.16

Logo, a depender da controvérsia, o STF pode vir a ser chamado a oferecer respostas

concretas às questões da EFPC e, conseqüentemente, servir de fonte irradiadora de efeitos sobre aos demais

casos assemelhados. Exemplo eloqüente é a definição da competência jurisdicional para o julgamento das

relações entre participantes e Fundos de Pensão, atualmente em ávida discussão em nossa Corte

Constitucional.

Sabe-se que a Constituição Federal de 1988 deu origem a uma interpretação baseada em

princípios e fundada em valores éticos e sociais. Sem se esquecer do compromisso com a lei, o intérprete –

por excelência, o STF – passou a olhar para os valores reais da sociedade deixando-se de lado o chamado

positivismo emblemático. Avançou-se, então, para a noção de um Direito como função social, onde as

definições, princípios e regras efetivamente novos, servem para balizar uma técnica nova de hermenêutica.17

16 Nesse sentido, tivemos a oportunidade de afirmar que: “Como se disse, com o advento da Emenda nº 20, a previdência complementar passou a ter assento constitucional, na nova redação dada ao art. 202 da Carta Federal. Seus princípios e normas gerais foram consolidados como arcabouço normativo mais duradouro. (...) Para os que conhecem a dimensão dos contemporâneos modelos de interpretação constitucional, a matéria possuir tão pormenorizado tratamento na Carta Política é avanço relevante derivado da compreensão social da importância dos regimes complementares.” (RODRIGUES, Op. cit., p. 8/9). 17 Neste sentido: “Atualmente, uma Constituição já não se destina a proporcionar um retraimento do Estado diante da Sociedade Civil, como no princípio do constitucionalismo moderno, com sua ideologia liberal. Muito pelo contrário, o que se espera hoje de uma Constituição são linhas gerais para guiar a atividade estatal e social, a fim de promover o bem-estar individual e coletivo dos integrantes da comunidade que soberanamente a estabelece. A essa mudança de função das Constituições e do próprio Estado, que afinal de contas é por elas instaurado, resultante da forma como historicamente se desenvolveram as sociedades em que aparecem, correspondem também, como não podia deixar de ser, modificações radicais no plano jurídico. As normas jurídicas que passam a ser necessárias não possuem mais o mesmo caráter condicional de antes, com um sentido retrospectivo, quando se destinavam basicamente a estabelecer certa conduta, de acordo com um padrão, em geral fixado antes dessas normas e não com base nelas, propriamente. (...) A regulação que no presente é requisitada ao Direito assume caráter finalístico, e um sentido prospectivo, pois, para enfrentar a imprevisibilidade das situações a serem reguladas, ao que não se presta o esquema simples de subsunção de fatos a um previsão legal abstrata anterior, precisa-se de normas que determinam objetivos a serem alcançados futuramente, sob as circunstâncias que então se apresentem.” (GUERRA FILHO, Willis Santiago. A Filosofia do Direito: aplicada ao direito processual e à teoria da constituição. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. p. 73/74). Confira-se ainda: BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

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Assim, atualmente o Poder Judiciário é chamado a contribuir para a efetivação dos direitos

sociais, procurando fixar o conteúdo concreto desses dispositivos, de regra lançados em termos amplos,

dependentes de integração de sentido, inclusive em relação à previdência complementar.

Apenas como exemplo, podemos observar que a Constituição Federal de 1988 foi

pormenorizada ao tratar da Previdência, situando-a no Título VIII, que trata “Da Ordem Social”. O Poder

Constituinte Originário, ao inaugurar o referido Título, afirmou que “a ordem social tem como base o

primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais” (art. 193). Ainda em sede introdutória

do tema, nas disposições gerais dispôs-se que “a seguridade social compreende um conjunto integrado de

ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à

saúde, à previdência e à assistência social” (art. 194). É, portanto, dentro desse ambiente de princípios

constitucionais que a previdência complementar acabou sendo inserida e deverá ser interpretada e provida.

Portanto, em meio à proliferação do contencioso da previdência complementar, é preciso

que sejam adequadamente apresentados os argumentos de defesa da entidade, a fim de que o sistema

jurídico da previdência complementar, notadamente os seus conceitos e princípios centrais, possam ser

compreendidos e ponderados na decisão do caso concreto. Com essa visão estratégica, certamente estará o

gestor buscando respostas adequadas do Poder Judiciário às questões específicas de sua entidade.

3. A MATÉRIA JURÍDICA NA GESTÃO DAS RESERVAS GARANTIDORAS

É sabido que as EFPC possuem “como objeto a administração e execução de planos de

benefícios de natureza previdenciária” (LC 109/2001, art. 32, caput). De maneira fundamental, no que toca

ao processo de custeio, essas tarefas se materializam através do (i) recebimento de contribuições vertidas

por participantes, assistidos e patrocinadores; (ii) investimento de tais valores; e (iii) posterior pagamento de

benefícios previdenciários.

Os investimentos devem obter, pelo menos, rentabilidade capaz de cumprir com as metas

atuariais de retorno sobre as reservas dos planos no caso de planos na modalidade de benefício definido,

sendo que, nos planos de contribuição definida, o retorno sobre os ativos deve seguir padrões gerais de

mercado. Ou seja, em qualquer caso espera-se por retornos reais. A lógica, e mesmo as regras que incidem

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sobre as EFPC, exigem que os recursos dessas entidades não fiquem parados em caixa, mas que sejam

investidos em operações rentáveis, pois são essenciais para a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial

dos planos, permitindo-se ainda a possibilidade de saldamento das obrigações contratadas.

Foi-se o tempo em que as autoridades monetárias brasileiras obrigavam a que as entidades

de previdência realizassem investimentos compulsórios, quase sempre com baixo retorno.18 Já há alguns

anos, os gestores de planos previdenciários podem avaliar livremente as condições de cada investimento sob

a ótica do interesse dos participantes e assistidos, porém sempre dentro de uma linha de prudência, evitando-

se riscos desnecessários.

A legislação tem avançado nesse sentido e a fiscalização cada vez mais vem exigindo

como parâmetro de uma gestão prudente da EFPC uma atuação pronta, idônea, jurídica e calcada em

aprofundados conhecimentos técnicos dos meandros que suportam os planos previdenciários e seus

investimentos.19

Não é demais relembrar que a gestão fiduciária desempenhada pelos Fundos de Pensão

está na seara do direito privado – nesse sentido, o caput do art. 202 da Carta Federal refere-se ao “regime de

previdência privada” - e como tal, os gestores são destinatários de grandes responsabilidades e trafegam

pelos diversos aspectos privados que sustentam os arranjos previdenciários, dentre eles a matéria jurídica,

notadamente em relação à aplicação das reservas garantidoras.

De fato, quando o assunto é a aplicação dos recursos dos planos de benefícios, diversos

aspectos merecem a atenção, em especial a questão legal, pois “são recursos de terceiros, e portanto devem

ser geridos com a prudência que esta situação exige, principalmente porque sua finalidade é pagar

benefícios quando há perda de capacidade laborativa do participante (morte, invalidez); são recursos de

vulto, porque são resultado da reunião da poupança previdenciária de várias pessoas, para ser investida

coletivamente; são recursos disponíveis por longo prazo, porque em geral a relação de um participante 18 Atualmente, o art. 9º, §2º da Lei Complementar 109/01, veda “o estabelecimento de aplicações compulsórias ou limites mínimos de aplicação”. 19 Entre nós tem sido comum o standart do homem ativo e probo, nos Estados Unidos e Reino Unido usava-se a expressão prudent man, hoje já substituída pela expressão prudent expert.

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com seu plano de previdência administrado por fundo de pensão dura décadas; são, finalmente, recursos

destinados a se tornarem líquidos, porque em algum momento deverão ser convertidos em dinheiro para

pagamento de benefícios previdenciários (renda mensal, pecúlio, etc)”.20

Atualmente, as oportunidades de investimentos em mercado mostram-se cada vez mais

complexas sob o ponto de vista de sua estruturação financeira e jurídica. De outro lado, as regras editadas

pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), pelo Conselho de Gestão da Previdência Complementar

(CGPC) e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) têm determinado maior grau de especialização dos

gestores das EFPC e prestadores de serviços, sobretudo quando o assunto é a obtenção de retornos

financeiros no ambiente de crescentes riscos de investimento e riscos legais.

Nas últimas décadas, para diminuir o nível de extrema liquidez no mercado brasileiro,

temos visto o Governo Federal fixar como elemento central da política econômica o estabelecimento de

altas taxas de juros reais para a rentabilidade dos títulos públicos federais. Contudo, esse instrumento

monetário vem perdendo força, de forma que, cada vez mais, os Fundos de Pensão deverão buscar a

rentabilidade necessária paras as suas reservas garantidoras em investimentos de origem privada.

Veja-se que não se trata de uma situação circunstancial, mas de uma tendência firme e

publicamente definida, conforme observa o economista EDUARDO BOM ÂNGELO:

A qualidade dos fundamentos econômicos que o Brasil vem consistentemente apresentando nos últimos anos - com o controle da inflação, gradual diminuição da taxa de juros, concretização das metas fiscais, significativa melhoria no perfil da dívida pública e queda importante do risco-país, possibilitando que o investment grade seja rapidamente atingido - vem provocando a diminuição dos prêmios atrelados a títulos públicos. Estas condições fazem com que nos aproximemos cada vez mais dos mercados mais desenvolvidos na gestão de previdência privada e de fundos de investimentos. (...) A perspectiva que se apresenta é a diversificação, buscando um “mix” de aplicações que permitam alcançar uma rentabilidade real satisfatória, com um patamar de risco aceitável.

20 CHEDEAK, José Carlos Sampaio; PAIXÃO, Leonardo André e PINHEIRO, Ricardo Pena. Regulação dos Investimentos nos Fundos de Pensão: Evolução histórica, tendências recentes e desafios regulatórios. in “Revista de Previdência da UERJ/CEPED”. n. 3. Rio de Janeiro: Gramma, 2005. p. 36.

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A opção que já vem sendo adotada na gestão das carteiras de longo prazo é de aumentar a participação de papéis de renda variável (ações), bem como de papéis não governamentais (títulos de dívida emitidos por empresas do setor privado, como debêntures, commercial papers, CDB’s, etc).21

Assim, é preciso perceber que se está diante de um novo ambiente de investimentos em

nosso país.22 As aplicações das EFPC e seus veículos de investimento passam a voltar-se para investimentos

privados e com estruturas novas e mais complexas. Inovadoras especialmente no sentido oferecer

rentabilidade atrativa com mecanismos e instrumentos financeiros que mitigam os riscos envolvidos nas

operações privadas.

Daí a importância de uma análise jurídica exauriente e bem fundamentada, realizada por

profissionais com expertise na área e que saibam exatamente a extensão dos riscos legais que podem ser

assumidos, de modo a conferir a necessária segurança jurídica à gestão das EFPC.

De outro lado, é necessário que a opinião legal sobre as oportunidades de investimentos

não se esgotem num mero silogismo jurídico entre a hipótese prevista na norma prudencial de

investimentos, tomada como premissa maior, e os aspectos factuais da modalidade proposta, tomada como

premissa menor, para se concluir simplesmente se é ou não legalmente possível a alocação dos recursos

garantidores na forma pretendida pela entidade.

Exige-se hoje do profissional do direito, técnica mais consistente, capaz de agregar efetivo

valor à gestão estratégica dos Fundos de Pensão. Não é incomum depararmo-nos com estruturas de

investimentos que, numa primeira avaliação, somos levados a concluir pela vedação à participação da

21 ÂNGELO, Eduardo Bom. Investimentos na Previdência: escala e eficiência para garantir a sustentabilidade. in “Revista de Previdência da UERJ/CEPED”. n. 06. Rio de Janeiro: Gramma, 2007. p. 127/146. No referido trabalho, o autor discorre com profundidade sobre o desafio dos gestores da previdência complementar frente a um cenário de declínio de taxas de juros, ressalvando a importância do aumento da participação desse setor como alternativa de investimento no Brasil e a compatibilização dos objetivos de curto e longo prazo que garantam retornos financeiros adequados, passando por questões econômicas fundamentais que se traduzem em escala e eficiência, como forma de assegurar a sustentabilidade dos negócios, tanto do ponto de vista dos participantes e assistidos/consumidor como das entidades/empresas que atuam neste setor. 22 Esse cenário acabou sendo fortalecido após a decisão das agências de classificação de riscos - Standard & Poor’s e Fitch Ratings - em considerar o Brasil como um país seguro. A expectativa dos analistas econômicos e financeiros é de uma melhora significativa para todas as áreas de negócios dentro do País.

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entidade, podendo como isso implicar na perda de uma razoável oportunidade negocial. Contudo, um hábil

profissional jurídico pode propor a alteração da estrutura de forma a aproveitar a chance de investimento

com aderência regulatória. Outras situações permitem que se vislumbre alternativas de estruturação do

investimento proposto com custos operacionais ou tributários substancialmente menores e com mecanismos

de acompanhamento mais eficazes.

Muito embora a regra prudencial de investimentos estabeleça limites por segmento, sub-

segmento, carteiras e modalidades, além de restrições e vedações, haverá sempre a possibilidade de se

buscar as alternativas legais que possam melhor acomodar os interesses das EFPC, a partir da

compatibilização do conceito de risco de investimento com princípios e regras da previdência

complementar.23

Tomemos, como exemplo, a vedação legal a que os investimentos das EFPC no segmento

de imóveis, assumam a modalidade de “incorporação imobiliária” nos termos da Lei 4.591/1964. A partir

da Resolução CMN 2.324/1996, entendeu por bem o CMN proibir expressamente a atuação das EFPC na

qualidade de incorporadoras, certamente visando evitar a assunção dos riscos inerentes a tal atividade

econômica, incompatível, de certa forma, com a atividade fim dos Fundos de Pensão.

Tal previsão, contudo, não significa necessariamente que as EFPC não possam buscar

estruturas alternativas de investimentos lastreadas na atividade econômica – diga-se rentável – da

incorporação imobiliária. Por exemplo, via aplicação em quotas de Fundo de Investimento em Participações,

reconhecidamente um importante ambiente de investimento para as equações de funding de operações

imobiliárias, especialmente as incorporações, por se tratar de uma estrutura regulamentada e com maior grau

23 Evidentemente que a análise jurídica deverá sopesar o meio a ser empregado e o fim visado por uma disposição normativa, para que, acima de tudo, não se interfira no conteúdo legal de proteção aos participantes e assistidos. Neste sentido, pudemos observar: “Não há dúvidas de que os limites máximos são adotados para proteger os interesses dos participantes dos planos de benefícios, razão porque seria um paradoxo invocar puramente a proteção coletiva para justificar novos investimentos que levassem a entidade fechada de previdência complementar (EFPC) ao desenquadramento ou até mesmo ao agravamento dessa situação. A norma do art. 4º da Resolução [CMN 3.121/03] taxativamente impede as EFPC’s de efetuarem “novas aplicações” que onerem os excessos porventura verificados na data da entrada em vigor da mesma relativamente aos limites estabelecidos. Semelhante comando encontra-se inserto no §2º do art. 53 do Regulamento anexo à Resolução [CMN 3.121/03].” ROSSI, Matheus Corredato. Aspectos Jurídicos da Regulação dos Investimentos das Entidades Fechadas de Previdência Complementar. in “Revista de Previdência da UERJ/CEPED”. n. 06. Rio de Janeiro: Gramma, 2007. p. 7.

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de transparência e segurança aos quotistas. O mesmo ocorrendo com relação a investimentos em ações e

outros ativos mobiliários de companhias abertas que atuem como incorporadoras.

Note-se que, na qualidade de entes privados, a falta de vedação legal impõe concluir que a

escolha do investimento em si e sua modalidade são atributos inerentes às EFPC conforme lhes pareça mais

razoável.

Tudo isso, portanto, decorre da complexidade das operações financeiras que se renovam

velozmente e, como sempre, a norma jurídica tende a não acompanhar essas mudanças, como observa

JOÃO MARCELO MÁXIMO R. DOS SANTOS:

Com efeito, as políticas de regulação estatais, tanto no sentido amplo (de intervenção) como restrito (de normatização) do termo, têm sofrido transformações estruturais. Esse movimento, por sua vez, acontece porque a dinâmica da vida econômica já não permite uma atuação estatal focada no estabelecimento de regras de conduta detalhadas e específicas para cada espécie de atividade ou mercado. Diferentemente, o Estado regulador deve ocupar-se cada vez mais da definição de estratégias de supervisão e controle, tanto dos atos individuais como do conjunto de atores enquanto grupo e mesmo enquanto agente de auto-regulação. (...) Por outro lado, ainda que os conceitos indeterminados [sic] e os tipos fechados fossem ontologicamente possíveis, o que se admite para argumentar, a sua imposição como elementos normativos significaria a produção de normas que já nasceriam ultrapassadas. Isso pela impossibilidade do direito acompanhar todas as transformações econômicas, cada vez mais velozes, ainda que em um direito instrumental como o econômico, que se caracteriza pela freqüente adaptação a novas realidades.24

Relembre-se que, ao final dos anos 90, a necessidade de investimentos decorrentes das

ondas privatizadoras e liberalizadoras do mercado brasileiro, provocaram significativas mudanças no

ambiente regulamentar de vários setores da economia, dentre eles os investimentos da previdência

complementar.

24 SANTOS, João Marcelo Máximo R. dos. Visão Jurídica da Auto-Regulação. in “Revista de Previdência da UERJ/CEPED”. n. 02. Rio de Janeiro: Gramma, 2005. p. 149.

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Foi a partir da Resolução CMN 2.720/2000, que se possibilitou às EFPC meios de

alocação de recursos em modalidades de investimentos que há algum tempo o mercado já praticava, como

foi o caso das debêntures de sociedades de propósito especifico. Posteriormente, a Resolução CMN

2.829/2001 passou a apoiar expressamente o crescente movimento das boas práticas de governança

corporativa e, ainda, a prestigiar a gestão profissional de ativos. Com a Resolução CMN 3.121/2003, foram

autorizadas novas modalidades de investimento, além de criados mecanismos de aferição de performances e

dos diversos riscos a que a EFPC está sujeita.

Mais recentemente, o Conselho Monetário Nacional, percebendo a mudança do cenário

macroeconômico, editou a Resolução CMN 3.456/2007 pela qual admitiu-se a assunção pelas EFPC de

“riscos privados” em maior escala, a partir da previsão de novas modalidades de aplicação (Fundos

Previdenciários, Fundos Multimercados de maior risco, Letras de Crédito Imobiliário e obrigações de

organismos multilaterais) e ampliação de limites de outras modalidades já permitidas, as quais passaram a

ter uma maior procura pelos investidores de uma forma geral (Fundo de Investimento em Direitos

Creditórios e Cédulas de Crédito Bancário).

Seguindo o exemplo das normas anteriores, a Resolução CMN 3.456/2007 não teve (e

nem poderia ter) a pretensão de antever e tratar de todas as hipóteses de investimentos nesse novo ambiente

econômico. Porém, com o foco na melhoria na qualidade das decisões internas de investimentos das EFPC,

o CMN alocou expressamente na esfera interna da entidade o controle e a avaliação dos riscos dos

investimentos, alguns inclusive de forma inovadora (dentre eles o risco legal), determinando a necessidade

de “identificar, avaliar, controlar e monitorar os riscos sistêmico, de crédito, de mercado, de liquidez,

operacional e legal e a segregação de funções do gestor e do agente custodiante, bem como observar o

potencial conflito de interesses e a concentração operacional em contrapartes do mesmo conglomerado

econômico-financeiro, com o objetivo de manter equilibrados os aspectos prudenciais e a gestão de custos”

(art. 61 do Regulamento Anexo à Resolução CMN 3.456/2007) (grifo nosso).

A atual Resolução foi mais além e estabeleceu que “as análises (...) e os documentos que

as fundamentaram deverão permanecer na entidade fechada de previdência complementar à disposição do

conselho fiscal e da Secretaria de Previdência Complementar” (art. 61, §2º). Ou seja, as decisões de

investimento precisam possuir análises prévias documentadas, que conterão os estudos técnicos realizados,

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devendo esse material permanecer arquivado na entidade. Nesse contexto, revela-se crucial a existência de

análises jurídicas consistentes, conforme mencionamos acima, que possam conferir a necessária segurança

jurídica aos interesses da entidade.

A propósito, a abordagem de todos os aspectos legais do investimento proposto contribui,

inclusive, para que a fiscalização externa, a cargo da SPC, possa bem compreender a lógica da decisão de

investimento tomada e, eventualmente, determinar o procedimento de correição ao invés de autuação

desnecessária, conforme assegurado pelo art. 22, §2º do Decreto 4.942/2003.25

Entendimentos equivocados por parte da fiscalização acerca de decisões tomadas nesse

novo contexto macroeconômico tendem a gerar para os Fundos de Pensão o receio na busca da necessária

diversificação da carteira em investimentos lastreados em títulos corporativos. Necessidade – como se disse

– que se impõe pela redução dos volumes financeiros aplicados em títulos públicos federais em razão do

decréscimo da taxa real básica de juros.

Fato é que, as mudanças econômicas e na regulamentação têm provocado o aumento do

monitoramento e a fiscalização por parte dos órgãos de controle, notadamente da SPC, com foco exatamente

nos cuidados tomados pelas EFPC na gestão dos investimentos, seja de forma direta (carteira própria) ou

indireta (carteira administrada ou fundo de investimento). O maior grau de especialidade dos gestores e

prestadores de serviços, independe, portanto, do modelo de compartilhamento da gestão dos investimentos

com terceiros.

Em recente decisão, a SPC posicionou-se pela responsabilidade dos gestores das EFPC,

ainda que toda ou parte da carteira de investimentos esteja terceirizada. A tese central deste novo

posicionamento foca-se no fato de que a terceirização não afasta a obrigação dos gestores dos Fundos de

Pensão, mandatados para esse fim, em acompanhar, monitorar, fiscalizar, gerir a atuação dos terceirizados e

25 É o texto do Decreto 4.942/2003:

“Art. 22. (...) §2º Desde que não tenha havido prejuízo à entidade, ao plano de benefícios por ela administrado ou ao participante e não se verifique circunstância agravante prevista no inciso II do art. 23, se o infrator corrigir a irregularidade cometida no prazo fixado pela Secretaria de Previdência Complementar, não será lavrado o auto de infração.”

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tomar as providências cabíveis caso ocorra uma operação inadequada realizada pelo gestor externo (neste

último caso, o que temos chamado de cláusulas contratuais que contemplem uma “política de

conseqüências”).

Tais condutas têm sido qualificadas pela SPC como omissão por parte dos gestores da

EFPC, os chamados atos comissivos por omissão consistentes na violação de um dever jurídico de agir.

Assim, tanto a deficiência no acompanhamento como a não adoção de medidas a posteriori que possam

repor eventuais prejuízos são passíveis de punição.26

O referido entendimento vem apoiado na manifestação exarada pelo Departamento de

Legislação e Normas – DELEG da SPC, através da Nota Técnica nº 100/2007/SPC/DELEG, de 17/12/2007,

a qual deixa claro o seguinte:

(...) o dirigente da entidade fechada de previdência complementar que terceirizou a aplicação de seus recursos no mercado financeiro não pode ser responsabilizado por ‘aplicar em desacordo com as diretrizes do CMN’, já que quem aplica, no caso, não é ele. (...) Além disso, penalizar o dirigente da entidade previdenciária por uma conduta praticada por um terceiro equivaleria a imputar-lhe responsabilidade objetiva, esta não admitida pela Lei Complementar nº 109/01. (...) Isto não significa, porém, que os dirigentes das entidades fechadas de previdência complementar não possam ser punidos em virtude de práticas irregulares que venham a ser perpetradas pelos administradores de fundos de investimento. (...) Deverá ser verificado, em cada caso concreto, se o dirigente da entidade atuou com diligência no acompanhamento da gestão do fundo de investimento, se adotou medidas para evitar a prática de irregularidades pelo administrador do fundo de investimento (especialmente através da inserção de cláusulas restritivas no contrato celebrado), bem como se tomou as providências pertinentes quando a prática vedada chegou ao seu conhecimento.

26 Sobre a relevância jurídica dos atos omissivos, confira-se: “A omissão, todavia, como pura atitude negativa, a rigor não pode gerar, física ou materialmente, o dano sofrido pelo lesado, porquanto do nada nada provém. Mas tem-se entendido que a omissão adquire relevância jurídica, e torna o omitente responsável, quando este tem o dever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir o resultado, dever, esse, que pode advir da lei, do negócio jurídico ou de uma conduta anterior do próprio omitente, criando o risco da ocorrência do resultado, devendo, por isso, agir para impedi-lo.” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 24).

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Observe-se que especial atenção tem sido dada pela fiscalização nos atos de contratação de

um gestor profissional. Aspectos contratuais de maior relevância, tais como a necessidade de cientificação

do contratado sobre a necessidade de observância das diretrizes de investimentos fixadas pelo CMN, o nível

necessário de informação, etc., certamente não passarão despercebidas e podem ser determinantes no

resultado da fiscalização, ao apurar a responsabilidade do gestor do Fundo de Pensão.

Na difícil tarefa de acompanhar os atos do gestor terceirizado, faz-se necessária a

identificação pelas EFPC, através de seus controles internos, de situações que estejam em desacordo com a

regra prudencial de investimentos, preferencialmente antes de iniciado um procedimento de fiscalização.

Assim, devem os gestores internos das EFPC utilizar todos os instrumentos jurídicos para determinar ao

gestor externo a regularização de uma situação anormal constatada.

Ao assim proceder, certamente a fiscalização notará que os gestores diligentemente

adotaram as providências necessárias, exatamente como recomendadas pela Nota Técnica DELEG, numa

atitude que revela a sua preocupação em não confrontar qualquer norma que possa trazer insegurança aos

seus planos de benefícios e aos participantes e assistidos.

Como se disse, é recomendável ainda uma “política de conseqüências”, capaz de

determinar o estabelecimento de regras e penalidades a serem impostas aos contratados na hipótese de

descumprimento das normas prudenciais de investimentos, podendo ser uma advertência, multa e/ou

assinatura de termo de ajustamento de conduta visando evitar a reincidência da irregularidade.

Nestes casos, a “política de conseqüências” juridicamente construída pelas EFPC, além de

representar uma ferramenta de mitigação de riscos para os ativos garantidores investidos, certamente

demonstra a atuação diligente dos gestores nas atividades de monitoramente, fiscalização e

acompanhamento dos atos praticados pelos seus terceirizados, tal como vem sendo exigido pela SPC.

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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constantemente, as composições previdenciárias demandam a discussão e o

amadurecimento das mais diversas matérias. A longevidade, as novas formas de produção e de

remuneração, a realidade econômica e outros fatores, que repercutem nas relações previdenciárias, têm

requerido soluções a fim de que não se rompam esses arranjos protetivos do trabalhador.

A propósito, o Brasil, assim como outros países, tem sofrido os efeitos dessas novas

condições, o que, inclusive, determinou seguidas reformas constitucionais sobre o tema, trazendo inegável

evolução para os regimes previdenciários, notadamente para a previdência complementar fechada.27

Tais reformas denotam uma preocupação de natureza essencialmente jurídica, consistente

em ajustar as normas de forma a que se consiga prover o bem-estar social. As EFPC devem proceder do

mesmo modo, conferindo o devido cuidado às questões jurídicas relacionadas aos temas específicos no

âmbito de suas atividades, atentando para os riscos das demandas judiciais e de eventual administração de

questões jurídicas que impactem os seus respectivos passivos atuarias.

Diante da ampliação do contencioso judicial da previdência complementar e das recentes

reformas no sistema processual, o enfretamento pelas EFPC dos temas levados à apreciação do Poder

Judiciário requer cuidados redobrados na forma de apresentação de suas teses, exigindo-se dos profissionais

encarregados uma visão holística da previdência complementar, a partir de seus conceitos centrais e

princípios norteadores, inclusive de natureza atuarial.

No campo da gestão dos ativos garantidores, a atenção com as questões jurídicas voltam-

se principalmente para os investimentos privados e as novas estruturas, mais complexas, derivada do novo

ambiente de investimentos em nosso país, conforme pudemos apontar.

27 Referimo-nos aqui às reformas levadas a efeito pelas Emendas Constitucionais no 20, de 15 de dezembro de 1998, n° 41, de 19 de dezembro de 2003, e n° 47, de 5 de julho de 2005.

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Assim, a gestão fiduciária exercida pelos dirigentes e corpo técnico dos Fundos de Pensão

tem diante de si grandes desafios. Diante de um novo quadro institucional, cada vez mais, a formação de

suas convicções deverá estar amparada e orientada por considerações jurídicas.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

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