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R Enferm UERJ 2004; 12:217-21. • p.217 REABILIT EABILIT EABILIT EABILIT EABILITAÇÃO AÇÃO AÇÃO AÇÃO AÇÃO PSICOSSOCIAL SICOSSOCIAL SICOSSOCIAL SICOSSOCIAL SICOSSOCIAL: OBJETIV OBJETIV OBJETIV OBJETIV OBJETIVOS OS OS OS OS, PRINCÍPIOS PRINCÍPIOS PRINCÍPIOS PRINCÍPIOS PRINCÍPIOS E VALORES ALORES ALORES ALORES ALORES PSY SY SY SY SYCHOSOCIAL CHOSOCIAL CHOSOCIAL CHOSOCIAL CHOSOCIAL REHABILIT EHABILIT EHABILIT EHABILIT EHABILITATION TION TION TION TION: OBJECTIVES OBJECTIVES OBJECTIVES OBJECTIVES OBJECTIVES, PRINCIPLES PRINCIPLES PRINCIPLES PRINCIPLES PRINCIPLES AND AND AND AND AND VAL AL AL AL ALUES UES UES UES UES Alice Hirdes * Luciane Prado Kantorski ** RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: RESUMO: Este artigo trata de resgatar na literatura o referencial da reabilitação psicossocial e reabili- tação psiquiátrica enfatizando seu conceito, objetivos, princípios e valores. Ressalta-se aproximações e diferenças entre tratamento e reabilitação psicossocial, destacando-se esta última como um processo que engloba a tecnologia de ajuda às pessoas com severas desabilidades psiquiátricas a alcançar me- lhores níveis de funcionamento na comunidade. Palavras-Chave: Palavras-Chave: Palavras-Chave: Palavras-Chave: Palavras-Chave: Prática profissional; psiquiatria;reabilitação; saúde mental. ABSTRACT ABSTRACT ABSTRACT ABSTRACT ABSTRACT: This article aims to recover from the literature the theoretical basis about psychosocial and psychiatric rehabilitation, highlighting their concepts, objectives, and values. The similarities and differences between psychosocial treatment and psychosocial rehabilitation have been stressed. Rehabilitation has been pointed out as a process that includes a technology for helping people, suffering from severe psychiatric disabilities, to reach better levels of living in the community. Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Keywords: Professional practice; psychiatrics; rehabilitation; mental health. I NTRODUÇÃO NTRODUÇÃO NTRODUÇÃO NTRODUÇÃO NTRODUÇÃO No presente artigo, através de um resgate das concepções teóricas de autores como Anthony, Cohen e Danley 1 Farkas 2 , Liberman 3 , Pitta 4 , Pratt et al. 5 , Saraceno 6 , entre outros, objetiva-se analisar o referencial da reabilitação psicossocial - valores, prin- cípios e objetivos e o diferencial estabelecido entre tratamento e reabilitação. Não é objeto deste estudo a descrição das inúmeras técnicas reabilitativas pro- postas por seus autores. O presente estudo abrange obras do período de 1990 a 2004, a partir de referencial teórico nacional e internacional. Segundo a Declaração de Consenso em Reabilitação Psicossocial 7 , reabilitação psicossocial é um processo que facilita a oportunidade para indivíduos - que são prejudicados, inválidos ou dificultados por uma desordem mental - alcançarem um ótimo nível de fun- cionamento independente na comunidade. Isso im- plica ambos os indivíduos - profissionais e usuários - melhorando competências e introduzindo mudanças ambientais para criar uma vida com a melhor qualida- de possível para pessoas que experimentaram uma de- sordem mental ou têm uma deterioração mental que produz um certo grau de inaptidão. Reabilitação psicossocial aponta para prover o ótimo nível de funcionamento de indivíduos e sociedades e a minimização de incapacidades e des- vantagem física ou mental (disabilities e handicaps), acentuando escolhas individuais em como viver prosperamente na comunidade 7 . De acordo com esse documento, a reabilita- ção psicossocial, previamente considerada como prevenção terciária, evoluiu em um conceito, um corpo de conhecimentos de modos de organizar serviços e métodos sujeitos à validação empírica, e está preocupada com a prevenção/redução das desabilidades associadas com desordens mentais e de comportamento. É particularmente útil para ser empregada em cuidado na comunidade, ainda que a maioria de suas técnicas e terminologias seja de alguma maneira associada ao cuidado hospitalar. Isto se deve ao fato de ter sido inicialmente pratica- do no asilo, em grandes hospitais mentais. Seus métodos incluem modos de organizar ser- viços para maximizar continuidade do cuidado, tra- tamento e intervenções compreensivas com indi- víduos, aumentando capacidades e reduzindo ten-

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Hirdes A, Kantorski,LP

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Alice Hirdes*

Luciane Prado Kantorski**

RESUMO:RESUMO:RESUMO:RESUMO:RESUMO: Este artigo trata de resgatar na literatura o referencial da reabilitação psicossocial e reabili-tação psiquiátrica enfatizando seu conceito, objetivos, princípios e valores. Ressalta-se aproximações ediferenças entre tratamento e reabilitação psicossocial, destacando-se esta última como um processoque engloba a tecnologia de ajuda às pessoas com severas desabilidades psiquiátricas a alcançar me-lhores níveis de funcionamento na comunidade.Palavras-Chave:Palavras-Chave:Palavras-Chave:Palavras-Chave:Palavras-Chave: Prática profissional; psiquiatria;reabilitação; saúde mental.

ABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACTABSTRACT::::: This article aims to recover from the literature the theoretical basis about psychosocial andpsychiatric rehabilitation, highlighting their concepts, objectives, and values. The similarities anddifferences between psychosocial treatment and psychosocial rehabilitation have been stressed.Rehabilitation has been pointed out as a process that includes a technology for helping people, sufferingfrom severe psychiatric disabilities, to reach better levels of living in the community.Keywords:Keywords:Keywords:Keywords:Keywords: Professional practice; psychiatrics; rehabilitation; mental health.

IIIIINTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃONTRODUÇÃO

No presente artigo, através de um resgate dasconcepções teóricas de autores como Anthony,Cohen e Danley1 Farkas2, Liberman3, Pitta4, Pratt etal.5, Saraceno6, entre outros, objetiva-se analisar oreferencial da reabilitação psicossocial - valores, prin-cípios e objetivos e o diferencial estabelecido entretratamento e reabilitação. Não é objeto deste estudoa descrição das inúmeras técnicas reabilitativas pro-postas por seus autores.

O presente estudo abrange obras do período de1990 a 2004, a partir de referencial teórico nacional einternacional. Segundo a Declaração de Consenso emReabilitaçãoPsicossocial7, reabilitaçãopsicossocial éumprocesso que facilita a oportunidade para indivíduos -que sãoprejudicados, inválidos oudificultadosporumadesordem mental - alcançarem um ótimo nível de fun-cionamento independente na comunidade. Isso im-plica ambos os indivíduos - profissionais e usuários -melhorando competências e introduzindo mudançasambientais para criar uma vida com a melhor qualida-de possível para pessoas que experimentaram uma de-sordem mental ou têm uma deterioração mental queproduz um certo grau de inaptidão.

Reabilitação psicossocial aponta para provero ótimo nível de funcionamento de indivíduos esociedades e a minimização de incapacidades e des-vantagem física ou mental (disabilities e handicaps),acentuando escolhas individuais em como viverprosperamente na comunidade7.

De acordo com esse documento, a reabilita-ção psicossocial, previamente considerada comoprevenção terciária, evoluiu em um conceito, umcorpo de conhecimentos de modos de organizarserviços e métodos sujeitos à validação empírica, eestá preocupada com a prevenção/redução dasdesabilidades associadas com desordens mentais ede comportamento. É particularmente útil para serempregada em cuidado na comunidade, ainda quea maioria de suas técnicas e terminologias seja dealguma maneira associada ao cuidado hospitalar.Isto se deve ao fato de ter sido inicialmente pratica-do no asilo, em grandes hospitais mentais.

Seus métodos incluem modos de organizar ser-viços para maximizar continuidade do cuidado, tra-tamento e intervenções compreensivas com indi-víduos, aumentando capacidades e reduzindo ten-

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Reabilitação psicossocial

são excessiva, para habilitar a uma ótima participa-ção econômica e social e evitar recaída. Deveria serum empreendimento em comum, no qual profissio-nais e usuários combinam para transformar os pa-péis sociais de receptores do serviço7.

Em virtude da reabilitação psicossocial apontarpara a reduçãodeestigmaepreconceito evisar promo-ver eqüidade e oportunidade, seus proponentes estãoempenhados na organização, legislação,profissionalização, qualidade de cuidado e garantia dequalidadedevida, organização familiar e suporte, auto-ajuda, participação educacional e promoção de esfor-ços para fortalecer serviços, expansão de serviços, pes-quisa e desenvolvimento dos sistemas existentes.

Através do exposto, podemos observar a am-plitude do campo de atuação e as diversas instânciasnas quais a reabilitação psicossocial necessita inter-vir e se consolidar, como demonstram os estudos de-senvolvidos por diversos autores1-5, 8-12.

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A reabilitação psicossocial consiste em umprocesso complexo, uma vez que necessita da arti-culação de várias instâncias, políticas específicas vol-tadas para a área e, sobretudo, capacitação técnicados profissionais. Na prática, muito se tem faladosobre reabilitação psicossocial, desde o advento dasdiscussões sobre desinstitucionalização. Via de regra,os serviços que trabalham na perspectiva da reformapsiquiátrica se intitulam reabilitadores. Os princípi-os, objetivos e pressupostos da reforma psiquiátricaorientam as práticas nos serviços. Da mesma manei-ra, existem princípios, objetivos e valores que orien-tam o trabalho de reabilitação psicossocial. Da suaobservância, aparentemente fáceis num primeiroolhar, revelar-se-á a concretude das ações dos traba-lhadores em saúde mental.

O crescente interesse pela reabilitação, nos úl-timos 10 anos, pela comunidade psiquiátrica inter-nacional, deve-se de maneira direta ou indireta a trêsfatores: a diminuição dos pacientes internados emhospitais psiquiátricos, a partir dos anos 60 em todoo mundo6. Nesse processo estão entendidos adesinstitucionalização como também, maisfreqüentemente, a desospitalização. Assim, a razãoprimeira do interesse pela reabilitação nasce de umanecessidade de entretenimento extramanicomial6.

A segunda razão deve-se às demandas dos paci-entes ainda hospitalizados e ao crescimento dos direi-

tos dos doentes mentais, com o conseqüente reconhe-cimento desses direitos por técnicos, administrado-res, políticos, familiares e pelos próprios pacientes.

A terceira razão para a cultura reabilitativa estárelacionada à evolução dos conhecimentos psiquiá-tricos. Saraceno6 cita os estudos epidemiológicos deBleuler, Ciompi e Muller, Tsuang e col., Huber e col. eHarding e col., iniciados há 20 anos, que colocaramem dúvida a certeza da evolução desfavorável de de-terminadas patologias, como a esquizofrenia. Outrostrabalhos (Brown e col. e Leff e Vaughn) retomadospor Saraceno6, corroboram o papel do contexto fami-liarnodecursodaspsicoses.Estes estudosdemonstram,na concepção de Saraceno6, que a cronificação dopsicótico não resulta necessariamente da doença, masde outras variáveis nas quais se pode realizar interven-ções. Essas variáveis ligadas a contextos microssociais(família, comunidade) apontam para estratégias demanejo ambiental, distantes das estratégias propostaspelo modelo psiquiátrico biomédico.

Saraceno6 faz referência às intervençõesextramuros que têm seu foco centrado na farmacolo-gia e na psicoterapia. Não é incomum encontrarmosa simples transposição das práticas tão condenadas,realizadas nas instituições totais para diferentessettings: hospitais-dia, centros de atençãopsicossocial, unidades psiquiátricas em hospitais ge-rais, entre outros. O discurso, às vezes, parece nãoencontrar eco nas práticas idiossincráticas. Pensa-mos que a crítica deva estar presente independentedo setting, e sobretudo nos serviços que trabalhamsob a égide da reforma psiquiátrica. Uma crítica queexplicite as contradições e promova a sua superação.

Presenciamos excelentes projetos de reabilita-ção psicossocial sendo desenvolvidos, tendo comosetting a rua, a cidade, o habitar do usuário. Isso vemcorroborar que esta é uma prática de articulação, depreservação ou resgate da história das pessoas. Mos-tra, também, que, enquanto muitos profissionais “es-peram” eternamente as condições ideais que às ve-zes não chegam nunca, outros, criativos e envolvi-dos, fazem de cada lugar, de cada momento, a opor-tunidade para pôr em prática a reabilitação dentrodo setting real da vida das pessoas. Consideramos estecomo o melhor laboratório para o desenvolvimentode práticas reais e contextualizadas, onde o interes-se pela vida e reabilitação das pessoas transcende aslimitações de estrutura física. Talvez este seja o úni-co setting onde não haja a constante preocupação dedesinstitucionalizar - reabilitar o contexto, enten-dendo-se que esse flui na sua totalidade para a não-institucionalização.

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Algumas produções2,5 com o título de reabili-tação psiquiátrica utilizam essa terminologia comosinônimo de reabilitação psicossocial. Entendemosa reabilitação psicossocial como um conceito maisamplo do que a terminologia reabilitação psiquiá-trica sugere. Entretanto, para fins deste estudo, ado-taremos os dois conceitos como sinônimos. Na opi-nião de Pratt et al.5, são empregados dois termos -reabilitação psiquiátrica e reabilitação psicossocial,para a mesma prática.

Na análise das distinções entre tratamento ereabilitação, Anthony, Cohen e Farkas1 assinalamque o tratamento e a reabilitação são procedimen-tos que idealmente deverão ocorrer em seqüência ousimultaneamente, sobrepostos e complementares uma outro. Apontam que as técnicas de tratamento ereabilitação são realizadas no mesmo programa ouem programas separados na mesma instituição. Eambos, tratamento e reabilitação, algumas vezes pro-vidos pelo mesmo profissional.

Entretanto, autores1 ressaltam que deverão serfeitas distinções entre tratamento e reabilitação parauma efetiva contribuição para as necessidades daspessoas com desabilidades psiquiátricas. Recordamque no passado a reabilitação psiquiátrica era consi-derada somente após a conclusão do tratamento, ouainda, considerada como uma alternativa quando otratamento falhava. Observam que no presente mui-tos programas de reabilitação psiquiátrica se utili-zam de técnicas de tratamento, ao invés da tecnologiade reabilitação. Que em muitos settings, a principalmodalidade de ajuda está apta para a combinação defarmacoterapia e terapia individual ou em grupos. E,também, que o staff que provê os serviços de reabili-tação é selecionado para o treinamento do uso detécnicas terapêuticas e não para a habilidade datecnologia de reabilitação psiquiátrica.

Anthony, Cohen e Farkas1, ao descreverem asdiferenças entre tratamento e reabilitação, enten-dem que a missão da reabilitação é promover o fun-cionamento e satisfação em ambientes específicos,enquanto o tratamento está focado na redução desintomas, na cura, ou desenvolvimento de insightsterapêuticos; a intervenção da reabilitação pode ocor-rer independente da teoria causal, enquanto o trata-mento está baseado em uma variedade de teorias cau-sais quedeterminamanaturezada intervenção; o focoda reabilitação está no presente e futuro enquanto otratamento foca o passado, o presente e futuro.

Ressaltam também que o diagnóstico de reabi-litação identifica as habilidades presentes e neces-sárias e o suporte ambiental, o tratamento identifica

sintomas e possíveis causas; a intervenção da reabi-litação está baseada no diagnóstico de reabilitação ecompreende o desenvolvimento de habilidades eincremento de suporte, o tratamento está baseadoem psicoterapia e farmacoterapia; a origem históri-ca da reabilitação é o desenvolvimento de recursoshumanos, reabilitação vocacional, reabilitação físi-ca, terapia centrada no cliente, educação especial eabordagens de aprendizagem, enquanto o tratamen-to se origina nas teorias psicodinâmicas e na medi-cina voltada para o cuidado do corpo1.

Para Pratt et al.5,um dos mais recentes acrésci-mos em reabilitação psiquiátrica diz respeito ao de-senvolvimento do conceito de recuperação. Em vir-tude de muitas condições serem de longa duração,pessoas com doenças mentais severas e profissionaisnão utilizavam a expressão cura. Atualmente, o con-ceito e a importância de recuperação de doençasmentais severas é aceito e reconhecido por muitossetores e representa a promessa de esperança para ofuturo. Ressalte-se que, para muitas condições, re-cuperação significa cura. Mas para uma pessoa comuma longa história de doença mental, recuperaçãose refere à reformulação de aspirações de vida e even-tual adaptação à doença1,5.

Os objetivos da reabilitação psiquiátrica repre-sentam os objetivos dos serviços que executam a re-abilitação psiquiátrica. E tais objetivos são aquelespelos quais os serviços de reabilitação psiquiátricadeverão lutar para alcançar para os seus clientes.Objetivos são diretrizes para os serviços andarem demãos dadas com os valores da reabilitação psiquiá-trica. A combinação de objetivos e valores de ajudadetermina os princípios orientadores dos serviços. Narevisão de Pratt et al.5 para identificar as idéiassugeridas por muitos autores sobre os objetivos dareabilitação psiquiátrica, tem-se o consenso univer-sal de que os serviços de reabilitação psiquiátrica sãodesignados para ajudar pessoas com doença mentalsevera a: alcançar recuperação; atingir a máximaintegração comunitária; a atingir a mais alta possi-bilidade de qualidade de vida.

Pratt et al.5 compreendem valores como atitu-des gerais que influenciam o comportamento profis-sional de diferentes maneiras. Apontam para a ne-cessidade de os trabalhadores de reabilitação psiqui-átrica terem esses valores articulados porque eles es-tão embutidos nos modelos (projetos) dos programase nas estratégias dos serviços. Salientam a importân-cia de, na revisão dos cinco valores da reabilitaçãopsiquiátrica descritos a seguir, considerar como es-tão relacionados com os objetivos da reabilitação

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Reabilitação psicossocial

psiquiátrica. O profissional de reabilitação psiquiá-trica: acredita que todas as pessoas têm o direito daautodeterminação, incluindo a participação em to-das as decisões que afetam suas vidas; acredita nadignidade e valor de todos os seres humanos, indife-rente aos graus de impairment, disability ou handicap;é otimista em consideração ao melhoramento eeventual recuperação de pessoas com doença men-tal severa que estão sob os seus cuidados; assume quetodas as pessoas têm capacidade de aprender e cres-cer; é sensível no respeito individual, cultural e di-ferenças étnicas de cada consumidor.

Os princípios orientadores da reabilitação psi-quiátrica compreendem um conjunto de normas quepodem ser aplicadas em situações específicas, paraatingir os objetivos, e refletem os valores nesse cam-po. Essas normas, segundo Pratt et al.5, podem semanuseadas pelos profissionais de reabilitação psi-quiátrica sempre em face de situações que envolvamdecisões importantes. Esses princípios são instrumen-tos importantes para providenciar orientação no dia-a-dia, em situações clínicas e para a sistematizaçãoda prática de reabilitação psiquiátrica.

Os princípios da reabilitação psiquiátrica são osseguintes: individualização de todos os serviços; máxi-mo envolvimento de clientes, preferência e escolha;normalização e serviços comunidade-baseado; focali-zar os pontos fortes; avaliação situacional; integraçãotratamento/reabilitação, abordagemholística; serviçoscoordenados, acessíveis e contínuos; foco vocacional;treinamento de habilidades; modificações ambientaise suporte; participação com a família e foco orientadona identificação, avaliação e resultado5.

Entretanto, faz-se necessário esclarecer que,apesar de os objetivos e valores serem compartilha-dos universalmente, o mesmo não ocorre na aplica-ção dos princípios, pois profissionais de diferentessettings comumente priorizam princípios diferentes.Os autores entendem que a repriorização écomumente uma resposta para a diferença real exis-tente entre settings e situação única.

Pitta4entende que as variáveis que estão relacio-nadas e determinam os resultados da reabilitação po-dem ser distribuídas em dois extremos: no micro e nomacro.Omicroestá relacionadoàafetividade, à conti-nuidade, ao vínculo real estabelecido entre paciente-profissional e ao tempo gasto nessa relação. O nívelmacroestá relacionadoàorganizaçãodoserviço, seestáaberto24hou12h, a sua relaçãocomacomunidadeeasatisfaçãode seususuários eprofissionais.Navisãodes-sa autora, estas são as variáveis que determinam se astécnicas, independente de quais forem, estão funcio-

nando ou não. Isso corrobora que as variáveis que in-fluemnamelhoraoupioradospacientesnão sãoas téc-nicas em si, mas o programa, os serviços e as pessoas(profissionais) que neles trabalham.

Reabilitar pode ser entendido, para Kinoshita13,como um processo de restituição contratual do usu-ário, com vistas a ampliar a sua autonomia. Acontratualidade do usuário estará determinada pri-meiramente pela relação estabelecida com os pró-prios profissionais que o atendem. Depois pela capa-cidade de elaborar projetos, isto é, ações práticas quemodifiquem as condições concretas de vida, de modoque a subjetividade do sujeito possa enriquecer-se,assim como para que as abordagens terapêuticas es-pecíficas possam contextualizar-se. A autonomiapassa a ser entendida como a capacidade de umindívíduo gerar normas, ordens para a sua vida, con-forme as diversas situações que enfrente. Assim, nãose trata de confundir autonomia com auto-suficiên-cia nem com independência.

Para Goldberg14, o tratamento e a reabilitaçãosão perspectivas indissociáveis e deveriam ocorrercom a mesma equipe, na mesma instituição. O autorentende que, para um paciente com intensa dificul-dade decorrente de sua doença, é bastante delicadoe difícil estabelecer laços com pessoas diferentes elugares desconhecidos, sendo muitas vezes essa a for-ma como se apresentam os locais e profissionais.

Hirdes15,16,e Hirdes e Kantorski17 entendem queas práticas da vida cotidiana se constituem como es-senciais para a reabilitação psicossocial. A diferenci-ação entre tratar pessoas com sua subjetividade apa-rece como um diferencial importante em relação àcentralização no tratamento, na doença. Entretanto,esta superação só se faz concreta e possível se os pro-fissionais assumirem outras posições nos settings. As-sim como a constante avaliação das práticas. O res-peito, o relacionamento interpessoal, a validação daidentidade dos usuários, o acolhimento, o escutar ooutro, o partilhar de experiências vividas aparecemcomo um estilo de trabalho de um dos primeiros ser-viços de saúde mental do país. Esses diferenciais, quecontornam as ações, introduzem saltos qualitativosque se inserem na vida cotidiana das pessoas.

CCCCCONSIDERAÇÕESONSIDERAÇÕESONSIDERAÇÕESONSIDERAÇÕESONSIDERAÇÕES FFFFFINAISINAISINAISINAISINAIS

Compreendemos que os projetos terapêuticosindividualizados, assim como os programasreabilitativos, não devem ser encarados como pro-cessos meramente normativos, mas devem respon-der aos objetivos propostos, como um conjunto de

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diretrizes e estratégias que direcionam as ações. Paratanto, algumas características são necessárias: a fle-xibilidade, o redimensionamento e a constante ava-liação. Isso implica um processo de construção cole-tiva e cotidiana, com a participação e oenvolvimento da equipe em sua totalidade, para quea proposta daí resultante seja o retrato do compro-misso de todos para com a excelência da qualidadeda atenção oferecida.

Entendemos que a reabilitação psicossocialdeverá prover serviços nos quais as possibilidades setransformem em uma realidade dialeticamenteconstruída-inventada no seu cotidiano. Para que aspossibilidades se transformem em realidade, é neces-sário o envolvimento de profissionais, familiares,usuários e a desmitificação do sofrimento psíquico eeducação da sociedade. Numa perspectiva que re-meta à dignidade, ao valor e ao potencial para cres-cimento de cada ser humano.

RRRRREFERÊNCIASEFERÊNCIASEFERÊNCIASEFERÊNCIASEFERÊNCIAS

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RRRRREHABILITEHABILITEHABILITEHABILITEHABILITAAAAACIÓNCIÓNCIÓNCIÓNCIÓN PPPPPSICOSOCIALSICOSOCIALSICOSOCIALSICOSOCIALSICOSOCIAL::::: OBJETIVOBJETIVOBJETIVOBJETIVOBJETIVOSOSOSOSOS,,,,, PRINCIPIOSPRINCIPIOSPRINCIPIOSPRINCIPIOSPRINCIPIOS YYYYY VVVVVALORESALORESALORESALORESALORES

RESUMEN:RESUMEN:RESUMEN:RESUMEN:RESUMEN: Este artículo trata de rescatar en la literatura el referencial de la rehabilitación psicosocialy rehabilitación psiquiátrica enfatizando su concepto, objetivos, principios y valores. Se resaltaaproximaciones y diferencias entre tratamiento y rehabilitación psicosocial, destacándose esta últimacomo un proceso que engloba la tecnología de ayuda a las personas con severas inhabilidades psiquiá-tricas a alcanzar mejores niveles de funcionamiento en la comunidad.Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave:Palabras clave: Práctica profesional; psiquiatría; rehabilitación; salud mental.

Recebido em:02.04.2004Aprovado em:02.08.2004

NotasNotasNotasNotasNotas*Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Campus de Erechim. Mestre em Enfermagem pela UFSC. E-mail [email protected]

/ [email protected]**Faculdade de Enfermagem e Obstetrícia da Universidade Federal de Pelotas. Doutora em Enfermagem. E-mail: [email protected]