A rebelião romantica rui martins

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A REBELIO ROMNTICA DA JOVEM GUARDA
Escrito por Rui Martins
Publicado pela Editora Fulgor em 1966

CAPTULO IAS REBELIES JUVENIS CONTEMPORNEAS

a) Oposio natural nas sociedades urbanasUma franca hostilidade juvenil aos padres da sociedade organizada, em busca de novos valores, parece ser a constante na maioria dos pases do mundo contemporneo. Demonstrando possuir uma posio independente diante da existncia, os jovens desafiam a validade das estruturas aceitas pelo mundo adulto e, no raro, promovem manifestaes, nas quais deixam bem patente essas discordncias.Essa oposio, em muitos casos, bastante compreensvel, pois ~ natural que as novas geraes no aceitem passivamente as estruturas, costumes e convenes observados pelos que as antecederam. De certa forma, esse comportamento rebelde contra a experincia dos adultos parece ser uma maneira encontrada pela natureza para permitir a renovao da sociedade e possibilitar-lhe a observncia de uma dinmica que os velhos conservadores jamais permitiriam.Cada gerao, ento, no esforo que despende antes de se integrar no mundo dos adultos, provoca, como conseqncia dos atritos surgidos, a formao de um clima propcio a uma nova compreenso de determinados fatos por toda a sociedade. Essa regular reinterpretao e reconsiderao pela sociedade de fatos e conceitos, at ali tidos como definitivos, seria a grande contribuio da juventude no sentido de impedir a estratificao social. O sangue novo funcionaria, assim, como uma espcie de revitalizador.Nas sociedades urbanas industriais ou em industrializao, a influncia da mocidade faz-se sentir de forma ainda mais marcante. O fenmeno dos grandes aglomerados urbanos uma novidade que a raa humana s veio a conhecer no nosso sculo. Isto equivale a dizer que, nas urbes, onde os valores tradicionais de comportamento se desatualizam, com a sociedade dos adultos aturdida e debaixo do impacto de uma nova maneira de conviver, os jovens destroem tabus seculares preservados pelas comunidades que tinham a seu favor um perfeito aparelho de compulso social.Nos grandes centros urbanos, tudo se dilui, no havendo mais possibilidade do controle rgido do comportamento de seus habitantes como ocorria nas antigas organizaes sociais. Os prprios membros mais conservadores da nova sociedade percebem que vivem uma nova situao, diferente daquela compreenso rural de existncia que possuam. Conscientes, portanto, de que seus antigos padres e conceitos esto sendo superados, os mais conservadores se chocam e se desarticulam, sem saber como enfrentar a nova situao. A maioria rebela-se contra esse novo tipo de organizao social, que consideram desumano e destrutivo, porm, o processo irreversvel e a cada dia mais populosos se tornam os centros urbanos, num mundo em exploso demogrfica e em franca expanso industrial.

b) O mundo autnomo da juventudeNesse momento histrico de transformao, a juventude aproveita-se dos desencontros existentes no mundo dos adultos para demonstrar seu inconformismo e seu desinteresse por esquemas forjados de comportamento. E, ento, difceis de controlar porque so muitos, os moos aturdem e agridem a sociedade com atitudes ousadas. Criam um mundo autnomo, cuja ideologia a franca oposio a tudo quanto esteja aceito como definitivo.Nesse mundo autnomo, a todo instante aumentado de novos componentes, ao mesmo tempo, que dele saem todos aqueles jovens ingressantes na vida sria dos adultos, recm-engajados no esquema de produo da sociedade. Para estes, a necessidade de produzir para sobreviver determina sua integrao social. A partir desse momento, tm de adotar a linguagem, os modos, os trajes aprovados pelos adultos para conseguir sua confiana. Em pouco tempo, integram-se de tal forma no novo ambiente que a incerteza inicial da juventude esquecida, passando a encontrar nos ideais defendidos pela sociedade os seus prprios ideais de existncia.Entretanto, o mundo dos jovens, constantemente renovado, permanece sempre irrequieto como um foco constante de preocupaes. Naturalmente, tm os jovens razes suficientes para demonstrar seu descontentamento perante a sociedade. H uma natural dificuldade para compreender a razo de sua presena num mundo cada vez mais conturbado.At h algum tempo, a religio resolvia o problema, apresentando aos jovens solues para as suas perguntas de contedo metafsico. A juventude atual, porm, no se satisfaz facilmente com as explicaes que confortaram as geraes passadas. De fato, o mundo mudou, criando com o seu fantstico desenvolvimento tcnico e cientfico as bases para o ceticismo. No um ceticismo definido, consciente, mas de atitudes.A maioria dos jovens no rompe seus vnculos tradicionais de religiosidade, apenas os relega a um plano secundrio. Mantm como herana atvica o medo do sobrenatural e por isso no o desafiam, embora tambm no o cultuem, porque desconfiam da veracidade das solues que a religio apresenta. Nascidos numa poca de fatos concretos, de experincias de laboratrio, de milagres visveis, no conseguem aceitar verdades que a razo no pode explicar.A natural dificuldade do jovem compreender sua presena no mundo agravada, tambm, pelas prprias contradies da sociedade. Encontrando toda uma estrutura j montada, a juventude resiste para aceit-la, pois o idealismo que a caracteriza no pode compreender os vcios da engrenagem que os adultos permitem existir. No podem compreender que tenham de aceitar como seus mentores aqueles que tm falhado ao consentir na formao de uma sociedade egosta, materialista e por isso corrupta. No entendem, igualmente, a manuteno dos preconceitos de raa, de cor, de crena ou de classe, porque no seu mundo juvenil prepondera a fraternidade, desconhecendo-se as diferenas, pois elas foram diludas no fato principal de tf)dos serem moos desejosos de grandes mudanas.H, ainda, uma razo de ordem emotiva, consubstanciada na resistncia dos jovens em aceitar uma sociedade dominada pela tcnica e pelas mquinas, causadora, desta forma, da despersonalizao de seus membros. O exato, o certo, o calculado dentro de um esquema considerado perfeito, ofende, nos aglomerados urbanos, o instinto criador da juventude, amante das tentativas e das inovaes.Sentindo-se ameaados pelo perfeccionismo das mquinas, os jovens buscam uma afirmao maior no seu mundo juvenil que consideram mais humano porque menos controlado por frmulas ou mecanismos de preciso. So individualistas e, por essa razo, lutam contra a possibilidade da estandardizao, resistindo a uma sociedade que despreza o seu romantismo.Sentem que neles est a esperana de um mundo novo e sonham com o instante em que convencero a todos de que viver a coisa mais importante da existncia. Longe das preocupaes de ordem econmica mais imediatas, detestam aqueles que as tm e adotam como princpio o desperdcio.

c) A mocidade nos pases subdesenvolvidosEsses comportamentos at aqui citados so, naturalmente, prprios de mocidade que vivem em centros urbanos de regies desenvolvidas, onde as diferenas sociais no so to marcantes e a classe mdia rene a maioria da populao.Nas regies subdesenvolvidas, a integrao do jovem na sociedade chega a ser dolorosa, pois ele sente o distanciamento das classes e a quase impossibilidade de super-lo. Os pertencentes s classes menos favorecidas tm uma participao muito pequena no mundo dos jovens, obrigados que so, ainda adolescentes, a produzir para ajudar a subsistncia de suas famlias.Da absoro do trabalho poucas energias lhes restam depois para grandes exteriorizaes. O trabalho tambm os afasta da cultura, pelo que, no so estes os jovens que podem manifestar sua indisposio aos padres dos adultos. Precocemente se tornam srios e assumem responsabilidades que os integram, rapidamente, no mundo adulto da classe a que pertencem.Da, serem mais conservadores e mais identificados com os adultos, pois a luta diria pela sobrevivncia e o tipo de necessidades que tm so iguais para ambos. Por isso, serem as classes pobres, nos centros urbanos, as mais zelosas pelas tradies, mantendo com fidelidade suas crenas, festas, msicas e supersties sem grandes mudanas. Os morros cariocas so um exemplo vivo, no zelo com que pais passam para filhos o amor pelo samba que, anualmente, trazem para as ruas. Embora a influncia da televiso seja um fato novo a considerar, as diferentes vogas estrangeiras no chegam a atingi-los com violncia.O movimento juvenil fica restrito, portanto, a dois principais: o dos jovens classe mdia (pequena burguesia) e o dos jovens ricos (alta burguesia). Por ser a classe mdia aquela em que seus componentes aspiram e imitam os da classe superior, parece ser mais difcil a integrao na sociedade dos jovens a ela pertencentes. Mantidos e sustentados pelos pais at uma certa idade para que estudem, convivem nesse perodo com os colegas mais abastados, participam de suas aspiraes, tm os mesmos gostos, tornando-se difcil para eles o instante em que devem retornar realidade. Assim, enquanto os jovens dos pases desenvolvidos podem desfrutar de uma srie de comodidades, embora exista a possibilidade de uma guerra que lhes tira um pouco da f no futuro, a maioria dos jovens dos pases subdesenvolvidos contenta-se em conviver ou procura imitar os amigos mais privilegiados, conscientes, entretanto, da prpria situao.Essa a razo porque, nestes pases, comum a mocidade promover e participar de movimentos polticos, nos quais injeta todo dinamismo mas, ao mesmo tempo, toda a sua inconstncia juvenil. Assim, ocorre, freqentemente, que jovens mais privilegiados ao verificarem que seus companheiros lutam com dificuldades se revoltam contra a sociedade, unindo-se a eles nos seus movimentos de protesto.Na maioria das vezes, falta-lhes o lastro necessrio, bastando que assumam seus postos no mecanismo da produo para passar-lhes como por encanto todo o ardor revolucionrio. Os seus companheiros, aspirantes da situao privilegiada, cessam igualmente seus ardores para que no acontea terem de entregar alguma boa posio depois de a conquistarem com esforos.A incoerncia dessas atitudes explica-se pelo fato de ao ideal defendido no corresponder uma realidade efetiva. O desejo de ser diferente, o gosto da aventura e a vontade de agredir os padres vigentes so, porm, satisfeitos na militncia de uma posio tida como perigosa que pe, inclusive a famlia, em polvorosa. A verificao, posterior, diante de fatos concretos de que a conjuntura social lhes pode ser vantajosa, suficiente para liquidar com suas teorias idealistas.Entretanto, quando a situao no favorece a participao em movimentos nacionais de rebeldia, a juventude desses pases adota tomo seus os movimentos originrios de regies desenvolvidas, numa tentativa de vert-los para o mundo em que vivem. As condies diferentes de existncia revelam, porm, a artificialidadedo movimento. me simples conseqncia do mimetismo e do desejo de novidades, alm de permitir aos jovens uma identificao de atitudes com os companheiros das regies mais evoludas. Naturalmente, os meios de comunicao exercem preponderante papel na divulgao desses movimentos no mbito global, dando uma caracterstica internacional s grandes mobilizaes juvenis.

d) Trs tipos atuais de manifestaes juvenisConsiderando os ltimos movimentos juvenis registrados no mundo, poderemos afirmar que os mesmos esto divididos em trs categorias principais. Manifestaes de rebeldia com propsitos bastante definidos que afetam a estrutura poltica ou social das regies em que ocorrem; manifestaes marcadas pelo non sense e destitudas de objetivo, nas quais a juventude revela uma espcie de prazer sdico em afrontar o mundo dos adultos, sem quaisquer objetivos reformadores da estrutura social; e manifestaes destitudas de periculosidade, nas quais a juventude reveja possuir uma ingenuidade e um ideal de pureza inesperados, como se quisesse mostrar ao mundo serem os seus princpios mais sadios que os dos adultos.Quando estudantes norte-americanos fazem passeatas contrrias ou favorveis ao envio de tropas ao Vietn, quando tomam posies quanto ao problema do preconceito racial ou quando estudantes de qualquer pas promovem greves de protesto, exigindo reformas de ensino ou qualquer outra medida, esto, de forma certa ou errada, tomando posies definidas e tambm vlidas, diante de problemas que lhes dizem respeito. A energia que possuem canalizada numa direo determinada, tornando-se o protesto no simples rebeldia natural, mas o fruto da necessidade de uma tomada de posio. As prprias manifestaes artsticas refletem essa tendncia, apoiando a juventude os artistas que externam seu estado de esprito. o caso de Joan Baez, nos Estados Unidos, que transforma todos seus espetculos numa demonstrao hostil poltica externa dos Estados Unidos.O exemplo tpico da outra espcie de rebeldia, a chamada sem causa ou mais corretamente sem objetivos, a dos play-boys ou transviados. Esta consiste em negar o sistema naquilo que ele tem de menos essencial, espcie de substituio do conformismo ablico da apatia pelo conformismo dilacerante da rebeldia. Embora rechaada pela estrutura social em que se manifesta, no afeta nenhuma instituio e, por isso mesmo, no conduz a coisa alguma.H, por ltimo, a manifestao juvenil que, pela sua falta de agressividade efetiva sociedade estruturada, adquire feies tpicas de uma rebelio romntica, consentida, permitida e at estimulada pelo mundo dos adultos. Como a anterior, no leva a caminho algum, tem, porm, uma caracterstica que a diferencia: um anseio de bondade e de pureza contraposto violncia. A necessidade de agredir destes jovens satisfaz-se com a adoo de outros padres no que diz respeito vestimenta e apresentao pessoal. No mais, o protesto vazio, destitudo de contedo, revelando na juventude um desinteresse por qualquer coisa sria, donde a impossibilidade de tomadas de posio. Esse desinteresse provm em grande parte, da prpria situao atual do mundo, no qual os jovens, apesar do seu anseio de viver, sentem-se inseguros por no encontraremum clima de segurana para o futuro da humanidade. Os jovens cheios de energia entregam-se, ento, aos ritmos frenticos como que tomados pelo mesmo delrio das mquinas.Esta interpretao seria, em parte, vlida para o fenmeno dos Beatles, na Europa, entretanto, no explicaria convenientemente o fenmeno do i-i-i no Brasil, onde h ainda uma srie de outras circunstncias que contriburam para o seu aparecimento.

A REBELIO ROMNTICA DA JOVEM GUARDAEscrito por Rui MartinsPublicado pela Editora Fulgor em 1966

CAPTULO IIOS ADULTOS E SUA INTEGRAO NO MUNDO JUVENIL

a) Causas e disponibilidade de lideranaAt aqui se procurou dar uma viso do significado das rebelies juvenis dentro da sociedade, demonstrando-se que, simples e natural oposio aos padres estabelecidos pelo mundo dos adultos podem juntar-se outros fatores circunstanciais. O surgimento dos grandes aglomerados urbanos veio agravar, de certa forma, o choque de geraes, permitindo juventude novas maneiras de hostilizar os costumes e convenes defendidos pela sociedade. A conquista de uma certa independncia, permitiu aos jovens a tomada de posies e a participao em movimentos de protesto com objetivos bastante definidos. Este, porm, no o caso do i-i-i nacional que, destitudo de qualquer agressividade ou objetivo considerado uma autntica rebelio romntica, sem maiores conseqncias.Sabendo-se, contudo, que a nova manifestao musical atinge, no Brasil, tambm adultos e crianas, surge a necessidade de encontrar-se as determinantes dessa aceitao. Como todo fenmeno social, esse comportamento no deve ser provocado pela ocorrncia de uma nica circunstncia causal, mas ser o resultado de todo um complexo no qual se interligam anseios, expectativas, frustraes e tendncias diante de Jatos consumados. Apontar as causas responsveis, torna-se, por isso, uma atitude temerria, mormente quando no se pode recorrer a dados concretos fornecidos por pesquisas. Sero, portanto, discutidas as causas provveis do fenmeno, podendo todas elas serem vlidas e terem, ao mesmo tempo, contribudo para sua ocorrncia.Inicialmente, a adeso macia em torno do jovem cantor parece indicar a existncia, no Pas, de uma disponibilidade de liderana, da qual resulta um vazio que conduz todos a atitudes irracionais. Apesar dos esforos despendidos, os atuais governantes no conseguiram atrair para si o entusiasmo popular. So pblicas as declaraes do chefe do governo de que sua administrao tem aspectos impopulares, sabendo-se que suas medidas de ordem econmica provocam, geralmente, desagrado geral.Conduzido ao poder na crista de um movimento vitorioso, o atual presidente no possua um anterior lastro de popularidade que o levasse ao exerccio de uma liderana consentida. Recebido com satisfao por uns e com indiferena ou hostilidade por outros, no conseguiu se transformar, nestes dois anos, naquele lder que o povo se acostumara a ter. Esse costume criou-se na longa ditadura de Getlio, cujo paternalismo satisfazia as necessidades de liderana do povo, enquanto impedia a formao de outros chefes polticos.A queda do Estado Novo encontrou o Pas numa crise de lderes, pelo que o povo, nas primeiras eleies, recolocou no poder aqueles que satisfaziam sua necessidade de tutela. O povo revelava, nessa atitude, uma tendncia para formas de governo autoritrio, como resultado do longo aprendizado. Porm, o exerccio da democracia foi, lentamente, corrigindo essa tendncia, embora continuassem a existir poucos lderes. Acreditava-se, ento, numa gradual libertao popular da necessidade dos lderes carismticos e no aparecimento de maior nmero de polticos capazes de exercer liderana.Entretanto, aps os episdios de 1964, seguiu-se um gradativo esvaziamento dos poucos lderes populares, no s os de esquerda como seria inevitvel, como tambm os de direita e centro. Paulatinamente, Carlos Lacerda, Magalhes Pinto, Carvalho Pinto e Adhemar de Barros foram sendo postos de lado pelo novo esquema, participando, de certa forma, do mesmo ostracismo de Juscelino, Jnio e outros, cujos direitos polticos haviam sido cassados, de imediato.Em contrapartida, no se ofereceu ao povo nenhuma figura popular de projeo nacional, o que determinou a atual disponibilidade de liderana. A subseqente reforma eleitoral, instituindo o voto indireto para a escolha dos ocupantes dos cargos majoritrios, teve efeitos semelhantes aos dos esvaziamentos, ressentindo-se o povo de ter sido posto margem na escolha de seus governantes. Disso, proveio um indisfarvel desinteresse pelas coisas polticas. Esse vazio, contudo, precisava ser preenchido. Havia necessidade de acreditar-se em algum ou em alguma coisa.Surgiram, nesse momento, diversos agentes catalisadores destacando-se, entre eles, pela !lua importncia a passada voga das telenovelas. Considerando-se, superficialmente o problema, no se compreende como telenovelas de pouco contedo humano e mnima expresso artstica puderam ser to aceitas a ponto de mudar hbitos familiares. esse comportamento irracional foi, entretanto, a exteriorizao da necessidade do preenchimento de um vazio geral. A identificao com os heris e situaes da trama propiciou, alm disso, uma reconfortante fuga s inquietaes.No caso do i-i-i, o cantor Roberto Carlos preencheu a disponibilidade existente, embora comandando um simples movimento musical. Sua inconseqncia veio ao encontro do desinteresse reinante, enquanto sua msica permitiu mandar tudo pro inferno.

b) Aparecimento da conscincia de massaPela segunda hiptese, o fenmeno Roberto Carlos seria a manifestao de um estado particular de conscincia coletiva nos meios urbanos. Esta explicao no subestima a importncia do tipo fsico do cantor, da msica, da televiso e dos interesses econmicos a ela ligados, porm, ajunta a estes fatores a influncia decisiva da existncia de uma sociedade de massas no Pas. Assim, idntica manifestao dessa situao no plano poltico, caracterizada no chamado populismo, estaria ocorrendo outra, agora, no plano da arte popular, confirmando estar concluda a formao de uma conscincia de massa no Brasil.Essa conscincia de massa capaz de reagir e se movimentar em termos de valores e estmulos os mais elementares.O exemplo tpico seria o movimento populista de Jnio, cujo smbolo era uma vassoura, perfeitamente compreendida como instrumento de limpeza, num instante em que uma parcela da massa desejava um moralista enrgico.No populismo, o nico vnculo consciente que existe para a massa a imagem do lder que transcende os contedos ideolgicos da relao. A pessoa do chefe torna-se a representao de um senhor poderoso ao qual seus seguidores se submetem. No caso de Jnio, era mais importante sua representao de homem duro, moralista enrgico, reservado e quase inacessvel, do que sua posio diante dos problemas sociais ou polticos. Portanto, a predisposio de uma conscincia de massa para a aceitao de lderes carismticos, forma irracional de liderana poltica.Alis, o socilogo Karl Mannheim, na sua obra O Homem e a Sociedade, ao se referir possibilidade da verificao das origens dos elementos racionais e irracionais na sociedade moderna, coloca a questo nos seguintes termos:A sociedade moderna, que no curso da industrializao racionaliza um nmero cada vez maior de pessoas e de esfera da vida humana, rene grande massa de gente em enormes centros urbanos. Sabemos agora, graas a uma psicologia absorvida pelos problemas sociais, que a vida entre as massas de uma grande cidade tende a tornar as pessoas muito mais passveis de sugestes, exploses incontroladas de impulsos e regresses psquicas do que as pessoas organicamente integradas e firmadas em tipos de grupos menores. Assim, a sociedade de massa industrializada tende a produzir um comportamento muito contraditrio, no s na sociedade, mas tambm na vida pessoal do indivduo.Como sociedade industrial em grande escala, cria toda uma srie de atos que so racionalmente calculveis no mais alto grau e que dependem de toda uma srie de represses e renncias de satisfaes impulsivas. Como sociedade de massas, por outro lado, produz todas s irracionalidades e exploses emocionais caractersticas das aglomeraes humanas amorfas. Como sociedade industrial, aperfeioa o mecanismo social de modo que a menor perturbao irracional pode ter os efeitos mais remotos, e como sociedade de massa, favorece um grande nmero de impulsos irracionais e de sugestes, provocando uma acumulao de energias psquicas no sublimadas que, a todo o momento, ameaam esmagar a sutil maquinaria da vida social. Mais adiante, Mannheim acentua que o irracional nem sempre prejudicial, mas que, pelo contrrio est entre as foras mais valiosas do homem, quando age como fora motriz no sentido de finalidades racionais e objetivas, quando cria valores culturais pela sublimao ou quando, como puro impulso, intensifica a alegria de viver sem romper a ordem social com a falta de planejamento. De fato, mesmo uma sociedade de massas corretamente organizada leva em conta todas essas possibilidades de condicionamento de impulsos. Deve, realmente, criar uma sada para um desabafo de impulsos, j que a objetividade da vida quotidiana, provocada pela racionalizao generalizada, representa uma represso constante de impulsos. sob esse ngulo que a funo do esporte e das comemoraes na sociedade de massas, bem como dos objetivos culturais mais gerais da sociedade devem ser entendidos.Entretanto, o socilogo lembra a possibilidade de surgir um perigo especfico da irracionalidade e explica: numa sociedade em que as massas tendem a dominar, as irracionalidades queno tiverem sido integradas na estrutura social podem abrir caminho na vida poltica. Esta situao perigosa porque o aparato seletivo da democracia de massas abre as portas para as irracionalidades precisamente nos pontos onde a direo racional indispensvel. Assim, a prpria democracia produz sua anttese e proporciona armas aos seus inimigos.Logo, a formao de uma conscincia de massas teria possibilidade de, repentinamente, evoluir para um estado em que se lanam os pr-requisitos de uma ordem poltica de tipo autoritrio, baseada no irracional com seus mitos e smbolos. De acordo com esta hiptese, o movimento Roberto Carlos poderia, ento, revelar uma disponibilidade do povo para a aceitao das palavras de ordem de ndole autoritria.

c) Influncia dos meios mecnicos de comunicaoOutro fator determinante do prestgio desmedido de Roberto Carlos parece estar diretamente ligado aos meios mecnicos de comunicao, no caso a televiso, capaz de levar a todos os lares imagens de pessoas que agem como seres presentes. Deve-se assinalar que esses meios de comunicao despertam um certo fascnio sobre as pessoas, justamente pelo fato de serem mecnicos e terem, por isso, alguma coisa de extraordinrio. A televiso como meio mais miraculoso e mais difundido torna-se, ento, uma tcnica capaz de criar padres para a sociedade. Embora passvel de crtica, qualquer coisa que aparea na televiso passa a ser considerada como possuidora de um mnimo de aceitabilidade e um certo grau de importncia. Da, sua influncia sobre as nossas populaes urbanas, onde praticamentetodos os lares possuem e assistem, religiosamente, programas de televiso.Dessa forma, a televiso pode repetir, em escala muito maior, a formao de imagens e dolos, como ocorreu com o cinema e o rdio. Foi o cinema mudo que permitiu o aparecimento do mito Rodolfo Valentino e o cinema falado, Frank Sinatra. No rdio brasileiro, surgiu Orlando Silva, figura que provocava grandes manifestaes entre o elemento feminino.A televiso tem ainda a fora de integrar no universo familiar aqueles que projeta no seu vdeo. As pessoas aceitam e incluem entre seus heris os tipos que, por um processo de seleo, vo considerando ideais. Esses heris tornam-se pouco a pouco quase reais, pois podem ser vistos e ouvidos dentro dos prprios lares. Cria-se assim a necessidade do encontro peridico entre o espectador e o seu heri.Naturalmente, a televiso no pode ser encarada como uma simples criadora de figuras de compensao para todos os espectadores. Haver sempre aqueles que no se deixam influenciar pelo fascnio do aparelho e podero escapar, por isso, da tentao de projetar seus anseios em alguma figura particular. Entretanto, para a maioria indispensvel o encontro peridico. No como conseqncia do exerccio de uma crtica que permite a escolha de bons programas, porm, como possibilidade para satisfao de necessidades ntimas, geralmente inconscientes. Para promover os encontros peridicos, surge a propaganda, cujo objetivo o de criar afinidades entre imagem e espectador com vistas a promoes comerciais ou utilizar as imagens j bem recebidas pelos espectadores para fins publicitrios.O cantor, ator ou animador no o produto que a propaganda quer vender. me vai ser o instrumento para a publicidade tornar conhecido e vendvel determinado produto. Assim, geralmente, a propaganda tem de criar primeiro a imagem para de. pois us-la a servio de um produto. Entretanto, ocorrem, no raro, circunstncias que permitem o aparecimento de imagens, ante as quais o pblico reage de modo favorvel, por encontrar nelas a satisfao de certos anseios.Nestes casos, a mquina publicitria no precisa criar, basta desenvolver a imagem para depois utiliz-la comercialmente. Contudo, h sempre a exigncia de um deslocamento do interesse do pblico, da imagem para o produto, que nem sempre conseguido. Verifica-se, constantemente, uma margem de perda consubstanciada nos que se fixam na imagem e no aceitam o produto.Logo, o ideal seria encontrar-se uma imagem que, ao mesmo tempo, fosse produto. Impondo-se a imagem aos telespectadores estariam, automaticamente, criadas as condies para sua venda como produto.Com Roberto Carlos pode-se dizer que esse ideal foi atingido. Transformado em imagem aceita pela maioria, o cantor permite que seus admiradores possam identificar-se com ele pela compra de sua figura. Isto , sendo ao mesmo tempo a imagem e o produto, Roberto Carlos pode no somente ser visto como tambm adquirido, possibilitando isso aos seus admiradores um contato muito mais direto do que o permitido pela simples viso ou audio.Cada telespectador pode ter o cantor para si, de modo individual. No s naquele momento em que, no vdeo, ele parece :; lhe pertencer, mas todas as vezes em que adquirir e usar aquelas coisas que fazem parte da sua personalidade. H, portanto, a possibilidade quase real da identificao telespectador-heri, no conseguida por outras imagens.

d) A ao dos adultos no comportamento infantilFoi a conquista dos adultos pelo cantor que permitiu a sua penetrao at a rea infantil. O instrumento para o cantor i-i-i chegar at as crianas continuou sendo a televiso.No existem ainda pesquisas exatas que demonstrem se a televiso benfica ou malfica para as crianas. O fato que os pais, enquanto no chega uma opinio da cincia sobre o assunto, iniciam seus filhos, desde a mais tenra idade, na apreciao do absorvedor aparelho.Disposta a imitar tudo, a criana logo reproduz os gestos e as atitudes dos artistas mais vistos, ao mesmo tempo que se revela capaz de reconhec-los de imediato. Sem dvida, esse comportamento interpretado pelos pais como indcio de inteligncia e vivacidade, pelo que passam a ser vistos com maior freqncia os programas diante dos quais as crianas tornam-se mais excitadas. Assim, havendo msica, elas danam; havendo muito movimento, batem palmas ou gritam.Orientada pelos pais, a criana passa, ento, a ter suas preferncias. Reage, naturalmente, e de forma positiva aos estmulos da msica moderna, tomada pelo seu ritmo que exige, inclusive, o movimento de corpo. Encontra tambm as fisionomias que a agradam e no esconde sua satisfao ao v-las.Apesar de liderar um movimento de oposio juvenil ao mundo dos adultos, Roberto Carlos tem trnsito livre em qualquer lar conservador. Alm das razes j apresentadas para explicar seu xito entre os adultos, sabe-se que a figura do cantor consegue despertar grande simpatia junto aos pais e provocar instintos maternais nas mes. Isto porque todos o consideram um bom rapaz, !1ofensivo e afetivo. A circunstncia de ter sofrido um acidente e de, mesmo assim, ter lutado at chegar ao xito, torna-o ainda mais simptico para todos. H, sempre, uma admirao em torno do self-made man que parece confirmar a regra de que quem lutar vence. Ele se torna, portanto, um estmulo e um desafio para todos.Conquistados os pais, o cantor foi apresentado s crianas que aceitaram, prontamente, a nova fisionomia includa no seu mundo infantil. Essa aceitao parece estar muito ligada a simples questo de simpatia pessoal e a uma faculdade inerente no cantor de cativar as crianas.Na conquista das crianas de idade escolar, embora ainda seja grande a parcela do fascnio exercido sobre elas pelo cantor, entram em cena outros fatores. a msica bastante viva e alegre, so as letras simples e, s vezes, at baseadas em estoriazinhas de revistas infantis, com as quais os pequenos esto familiarizados. Acresce, ainda, a circunstncia de muitas professoras terem difundido a msica de Roberto Carlos entre os menores, nas aulas de msica ou canto, por consider-la sadia e fcil de memorizar.Portanto, a no oposio dos pais que, pelo contrrio, at estimulam e a aceitao dos professores criaram o terreno para a difuso do cantor na rea infantil. A propaganda percebeu devidamente essa penetrao do cantor da juventude entre a infncia e, imediatamente, tratou de atingir esse mercado que, no Brasil, imenso.Por isso, os pais que haviam levado a msica de Roberto Carlos para seus fi1hns logo tiveram, tambm, de comprar-lhes todas aquelas coisas usadas e anunciadas pelo intrprete. O atingimento do mundo infantil de forma to macia com a conseqente criao de novas necessidades a serem satisfeitas, demonstrou a fora que os modernos meios de comunicao podem ter, quando aliados propaganda.

A REBELIO ROMNTICA DA JOVEM GUARDAEscrito por Rui MartinsPublicado pela Editora Fulgor em 1966

CAPTULO IIIRAZES DO DECLNIO DA BOSSA NOVA
a) A mensagem social da bossa novaO "i-i-i" quando chegou ao Brasil, encontrou a bossa nova no pleno vigor da segunda fase. Tom Jobin, Carlos Lyra, e Vincius de Moraes eram os grandes compositores, enquanto uma dezena de intrpretes conseguia mobilizar grandes audit6rios e vender milhares de discos. Embora iniciada com o amor, o sorriso e a flor, totalmente desvinculada de questes sociais, a bossa nova em determinado instante aderiu ao chamado movimento das reformas de base, tornando-se um tipo de manifestao de arte engajada. A partir desse momento, suas composies passaram a apresentar mensagens reformistas, abordando problemas nacionais e retratando aquilo que se acreditava serem os anseios populares.Foi a fase dos grandes espetculos, promovidos por estudantes, dos quais participavam os artistas mais destacados da bossanova. Embora falando muito de povo e seus problemas, em virtude de ser uma msica muito elaborada, com letras bastante intelectualizadas, a bossa nova no atingiu como se esperaria as camadas populares. Paradoxalmente, alcanou mais xito na classe mdia, enquanto era prestigiada pelos intelectuais.Transformada num veculo de doutrinao, apesar do xito que alcanava, no se corporificou em nenhum artista especfico. Nara Leo, Maria Bethnia, Os Cariocas, Ed Lobo, Geraldo Vandr ou Ellis Regina todos eram aceitos como legtimos intrpretes da bossa, manifestando-se a juventude com entusiasmo quando se faziam ouvir as msicas de vanguarda, nas quais a mensagem social era mais ousada. Aplausos irrompiam nos :auditrios aos acordes de Deus com a famlia, Terra de ningum ou Carcar, dando a entender que os ouvintes no se fixavam no cantor mas nas letras que satisfaziam sua oposio ao sistema vigente. A bossa nova no era, portanto, uma simples manifestao musical da juventude. Era, tambm, um movimento de rebeldia poltica, consciente e com objetivos bem ,definidos. A juventude, principalmente universitria, que a prestigiava tinha na bossa nova a interpretao musical de seus :anseios.Deve-se notar, contudo, que a bossa nova tornou-se mais ofensiva aps a queda do governo Goulart e a ascenso do atua] presidente. Vinculada com os tipos de mensagens do governo anterior, a bossa nova demonstrou sua desaprovao aos novos -detentores do poder com a composio de msicas francamente contrrias s novas estruturas. Tutelada por intelectuais e criada por aqueles que no participaram da mudana do governo, a bossa nova manteve-se na oposio, desagradando comisso a classe mdia, responsvel em grande parte pela nova situao. Nesta classe, passaram a ter livre trnsito apenas as composies tipo Garota de Ipanema, destitudas de qualquer matiz poltico. Compensando a perda, a bossa nova conseguiu uma certa penetrao nas camadas populares que visualizaram nela a oportunidade de externar seu descontentamento face s medidas econmicas do novo governo. Nesse instante, houve o xito de Carcar e, embora no sendo uma bossa propriamente, surgiu o Comedor de Gilete, com Ary Toledo.Fiis ao objetivo de transmitir mensagens por intermdio da msica popular, autores e intrpretes organizaram diversos shows, entre os quais se sobressaram Opinio e Arena Conta Zumbi, recebidos com entusiasmo pela maioria da juventude universitria. Nesse nterim, o novo governo se firmou no poder, fazendo desaparecer, pouco a pouco, entre seus oponentes a esperana de uma reviravolta, arraigando-se a crena de que as atuais estruturas devero permanecer por longo perodo.Vivendo de mensagens de reforma, a bossa nova, ento, entrou em crise, pois a nova situao - j recebida como definitiva - no favorecia mais aquele tipo de criao. Terminado o clima das euforias reformistas, esfriou o entusiasmo pela bossa nova, pelo fato de suas mensagens se terem tornado inviveis e no corresponderem realidade atual.

b) A msica importada e o aparecimento do mitoNesse instante, o i-i-i comeou a substituir a bossa, descobrindo-se quela altura que a nova manifestao musical jpossua grande prestgio entre os adolescentes. Realmente, a bossa nova no se preocupara em atingir o mundo dos adolescentes que, no Brasil, constitui uma parcela considervel da populao. Gnero muito elaborado, no s na prpria msica como na letra, a bossa nova ficava acima da compreenso dos adolescentes que desejavam apenas um ritmo alegre. As questes sociais no estavam em suas cogitaes.O i-i-i, enfim, os satisfez por ser uma msica muito mais simples e alegre, capaz de provocar, inclusive, movimentos fsicos e utilizar o seu excesso de energias. A prpria letra, que se permanecesse no original funcionaria sempre como um obstculo a uma maior adeso, no chegou a causar dificuldades. Alm das simples verses, foram feitas composies nacionais que chegaram a ter mais xito que as importadas.Fugindo das letras intelectualizadas da bossa, os novos autores desenvolveram temas encontrados em revistas infantis, com cuja leitura estavam acostumados. A simplicidade das letras, prticamente sem contedo, agradou aos adolescentes tambm familiarizados com os personagens das revistas infantis, ao mesmo tempo que atingiu o interesse das prprias crianas.O aparecimento de Roberto Carlos, logo transformado em dolo, imprimiu um tremendo impulso ao movimento, conquistando jovens, adultos e velhos para o i-i-i. Da ligao do cantor com uma empresa de propaganda, resultou, tambm, um lucrativo empreendimento comercial que movimenta uma srie de produtos subsidirios de seu sucesso.Ao contrrio do que ocorria com a bossa, os aficionados do i-i-i escolheram Roberto Carlos como a personificao da nova manifestao musical, ao mesmo tempo, que o transformaramno seu lder e modelo, procurando imit-lo, buscando de todos os modos uma identificao com ele. Diferenciando-se mais ainda da bossa que no se preocupara em criar novos tipos de indumentria, o i-i-i introduziu algumas inovaes, alm de adotar o cabelo comprido como a nota marcante do movimento e alguns slogans.Interessante assinalar-se que, pela primeira vez, a msica importada adquiriu feies nacionais, tomandO-se o i-i-i brasileiro bastante diferenciado do europeu. Isso no aconteceu com o rock and roil, twist ou hully gully, pois a msica importada s fazia sucesso no Brasil, na sua verso original, interpretada pelo cantor estrangeiro. Foi a fase de Bill Haley and His Comets, Paul Anka, Neil Sedaka, Trini Lopez e Elvis Presley, representantes de outra cultura que uma bem montada mquina publicitria conseguia impor entre a juventude. Isso j no ocorre com os Beatles. No obstante tenham grande aceitao entre a juventude, o intrprete nacional Roberto Carlos quem monopoliza toda a msica i-i-i. Levando-se em conta o interesse das gravadoras em promover mais a gravao estrangeira, conclui-se pela existncia de fatores novos no xito de Roberto Carlos.

A REBELIO ROMNTICA DA JOVEM GUARDAEscrito por Rui MartinsPublicado pela Editora Fulgor em 1966CAPTULO IVO PAPEL DA PROPAGANDA NA CRIAO DE IMAGENS

a) Futebol e queda de audincia na televisoOs aficionados de Roberto Carlos preferem, evidentemente, ignorar os motivos apresentados por socilogos, psiclogos ou psiquiatras para explicar o xito alcanado por seu dolo. Basta-lhes o fato de o cantor ser hoje um sucesso sem precedentes. Tm mesmo uma certa antipatia por todos aqueles interessados em encontrar as provveis causas, pois h um certo mistrio no seu dolo que deve ser preservado.De certa forma possuem alguma razo, pois as condies de ordem social ou psquica existentes no instante do aparecimento do dolo no seriam suficientes para explicar seu xito. Boa parte deveu-se associao de Roberto Carlos com tcnicos de publicidade dotados de grande poder criador.Naturalmente, entre a juventude nacional dos centros urbanos existia predisposio para a aceitao de um lder que atendesse determinados anseios. Roberto Carlos surgiu porque na sua pessoa eram atendidos esses anseios. Entretanto, tudo parece indicar que qualquer outro jovem, possuidor de personalidade semelhante de Roberto Carlos, poderia alcanar o mesmo xito se fosse bem lanado pela publicidade. criao do dolo Roberto Carlos esto vinculados o Canal 7, Paulo Machado de Carvalho e a empresa de publicidade Magaldi, Maia & Prosperi. Apesar de parecer meio absurdo, na criao de condies favorveis ao aparecimento do cantor do i-i-i, papel preponderante foi desempenhado pelos clubes de futebol de So Paulo.Tudo comeou quando os clubes de futebol, alegando crescente queda na arrecadao, proibiram a transmisso dos prlios esportivos pela televiso. Todos os telespectadores paulistanos j estavam habituados ao seu programa esportivo domingueiro e a proibio deixou-os sem ter o que assistir. A televiso perdeu, assim, um grande nmero de te1espectadores que, religiosamente', acompanhavam as transmisses das partidas futebolsticas.As pesquisas que setores especializados realizam, sistemticamente, para saber da audincia dos diversos canais de televiso entre a populao, passaram a revelar um grande nmero de televisores desligados durante as tardes de domingo, enquanto as pessoas que mantinham seus aparelhos ligados no demonstravam interesse especfico por nenhum programa existente naquele horrio. No lugar das transmisses esportivas ficara, ento, um hiato, cuja audincia era mnima e que precisava ser conquistado.No Canal 7, as preocupaes eram maiores, pois durante as transmisses esportivas era ele que acusava maior audincia. A mudana de situao atingiu, bvio, seus interesses comerciais, pois se no h audincia no h tambm anunciante. Acresce ainda ter a queda de audincia nos domingos afetado a mdia semanal, passando a emissora a ocupar um lugar inferior em comparao com suas concorrentes.Surgiu, nesse momento, a idia de se fazer um programa com bastante msica e alegria, dedicado juventude. Participariam dele jovens cantores, em incio de carreira, que tivessem algum prestgio entre a mocidade. Para liderar o programa, Paulo Machado de Carvalho lembrou-se de Roberto Carlos, cantor que ele considerava possuir todo o charme exigido pelo lugar. O jovem j havia tido sucesso com algumas msicas e possua uma fisionomia bastante simptica, capaz de conquistar os telespectadores. Prova disto fora a msica No quero ver voc triste, prticamente uma declamao, muito bem recebida pelo pblico juvenil.Para Paulo Machado de Carvalho as caractersticas prprias de Roberto Carlos (um ar de tristeza misturado com ternura e bondade) poderiam cativar uma boa parcela de jovens e permitir a elevao do ndice de audincia da Televiso Record. Os tcnicos em publicidade Magaldi, Maia e Prosperi foram ouvidos a respeito e tambm acreditaram no empreendimento.Como estivessem em negociaes com uma grande loja de roupas, interessada em patrocinar um programa de jovens para vender seus produtos nessa rea, os publicitrios adquiriram, ento, o programa com idias de transferi-lo a essa firma. Entretanto, a pouca audincia do horrio e o fato de o programa ser novo impediu a consumao do negcio. Alegou a firmaque o programa poderia no pegar e que o jovem animador, com seus cabelos compridos, tinha uma certa aparncia acafajestada.A vista disso, os publicitrios elaboraram um cuidadoso plano para o programa, acompanhado de um estudo demonstrando sua possibilidade de atingir a juventude. Consultaram duas grandes empresas, ligadas ao mercado juvenil, e tiveram respostas negativas. As reservas eram as mesmas, continuando a existir restries figura do jovem cantor. No fundo, estas empresas receavam ferir as susceptibilidades dos adultos e de incorrer no perigo de perder o seu mercado de pessoas conservadoras.

b) O registro da marca CalhambequeDiante da negativa sistemtica das empresas consultadas e dos nus decorrentes da sustentao do programa Jovem Guarda sem anunciante, Magaldi, Maia e Prosperi resolveram tomar o programa para si mesmos. Examinaram, portanto, tudo quanto estivesse ligado personalidade do cantor Roberto Carlos e chegaram concluso de que uma msica de grande sucesso permitia a criao de um smbolo comercial. A msica era Calhambeque e seu nome. foi registrado, imediatamente, como marca de propriedade da agncia de publicidade.Scio da agncia nesse empreendimento, Roberto Carlos passou a anunciar os produtos Calhambeque que, pouco a pouco, foram se tomando o trao marcante da Jovem Guarda, como se passou a designar o novo movimento juvenil. Colocada a questo nestes termos, alm daqueles que passaram a comprar os produtos Calhambeque pela oportunidade que traziam de identificaocom o dolo, muitos foram obrigados aderir para no serem chamados de quadrados pelos seus colegas. Assim, a fora da propaganda instituindo uma nova moda para adolescentes, crianas e jovens, adquiriu feies de compulso social.Atualmente, os produtos Calhambeque incluem calas, saias, chapus, cintos, sapatilhas, botinhas, blusas de inverno, bluses de couro, chaveiros, bolsas e fichrios escolares, havendo um mercado sequioso para adquiri-los. A fim de manter relaes bastante cordiais com os pais dos jovens adolescentes e crianas, os publicitrios selecionam os produtos que desejam usar a marca Calhambeque. ms sabem que o mercado juvenil e infantil ter bons compradores enquanto os pais prestigiarem a Jovem Guarda e a considerarem como divertimento inofensivo. H, portanto, a necessidade de tomar-se certas precaues para satisfazer uma sociedade que bastante moralista e at quase puritana na educao dos filhos, embora permita certas liberdades para os adultos.Da, terem negado a marca para bebidas. Muitos pas se decepcionariam com o cantor, cuja imagem para eles pura e ingnua, e passariam a hostilizar o movimento juvenil. Alis, interessante repetir-se que a Jovem Guarda, apesar de querer ser um movimento independente de juventude, como oposio ao mundo j estruturado, tem toda aprovao e tutela dos adultos. Isto porque ela no ameaa ningum e nem pe em dvida as verdades aceitas pela sociedade. Pelo contrrio, parece animar os jovens uma pureza de propsitos e uma ingenuidade de adolescentes que encantam os adultos. A oposio fica apenas nas roupas e nos cabelos e, portanto, inofensiva.No a agncia de publicidade quem fabrica os produtos Calhambeque, ela apenas cede o uso da marca s indstrias interessadas, mediante o pagamento de royalties. Para a confeco das calas, por exemplo, cobrado um royalty por dois metros de tecido utilizado. O tecido fabricado por uma indstria txtil com exclusividade para a Magaldi, Maia & Prosperi.Desse modo, a agncia estabelece um mecanismo de controle sobre o volume de produtos fabricado pelo confeccionista, cujo contrato assinado estabelece especificaes de fabricao, colocao de etiquetas e modelo, ao mesmo tempo que garante ampla cobertura publicitria do produto. O controle para outros produtos baseia-se em estimativas de produo e vendas.Os produtos Calhambeque tm sido vendidos, por enquanto, apenas nas grandes capitais, onde a mocidade se identifica de pronto com o cantor. Entretanto, se o xito de Roberto Carlos permanecer, a agncia publicitria pretende vender esses produtos em todo o Interior, sabendo que o consumidor juvenil do Interior procura sempre imitar os movimentos verificados entre os jovens das metrpoles.Levando-se em conta o fato de que mais de 53% da populao brasileira tem menos de 20 anos de idade, pode-se avaliar a importncia do movimento Roberto Carlos, no aspecto comercial, por ter chamado a ateno para esse enorme mercado de consumidores considerados, at, h pouco, como existente apenas empotencial.

A REBELIO ROMNTICA DA JOVEM GUARDAEscrito por Rui MartinsPublicado pela Editora Fulgor em 1966

CAPTULO VUMA MSICA QUE SATISFEZ A TODOS
a) A reao dos adultos ao v tudo pro infernoUma msica em especial exerceu influncia decisiva na aceitao do cantor Roberto Carlos pelos diversos grupos etrios, tornando-o suficientemente conhecido e consolidando seu sucesso. Quero que v tudo pro inferno chamou a ateno dos adultos para o cantor predileto de seus filhos, pelo fato de ter incorporado sua letra uma imprecao, bastante usada, mas ainda recebida com certa reserva pelos mais velhos.Passada, porm, a primeira impresso dos adultos, foram eles mesmos os principais divulgadores da composio que lhes possibilitava uma vlvula de escape. O estribilho e que tudo o mais v pro inferno deixou de ser apenas o encontro de uma boa rima para sintetizar o desinteresse da gerao moa ante os padres da sociedade constituda e o desencanto dos adultosdiante de uma situao poltica que no evoluiu na medida de suas expectativas.A composio, naturalmente, no foi intencional, contudo, incluiu uma frase que todos estavam pensando. A aceitao foi rpida porque todos reconheceram na letra da nova msica um pouco de sua autoria, sentindo-se tambm co-autores.O mandar alguma coisa para o inferno j faz parte das expresses brasileiras usadas normalmente e expressa bem a atitude de quem, impossibilitado ou cansado de fazer alguma coisa, dela se desinteressa. Tem fora de imprecao e sempre revela um descontentamento ou desnimo.Para os jovens, a expresso representou o retorno a uma posio individualista, de simples defesa dos prprios interesses. Contraposta, portanto, precedente atitude de preocupao coletiva da bossa nova, caracterizada por uma oposio construtiva. V tudo pro inferno sintetizou a posio do jovem que diante de problemas que lhe so apresentados, reage com um que me importa?, numa demonstrao de uma precoce acomodao, de um desinteresse por tudo aquilo que ultrapasse seu desejo de ser aquecido no inverno, ou seja, de ter suas necessidades individuais satisfeitas.Para alguns, os versos quero que voc me aquea neste inverno e que tudo o mais v pro inferno revelam, tambm, uma irresponsabilidade tica diante do amor, considerado como uma simples aventura temporal e inconseqente. Nesta interpretao, a atitude imediata, uma outra demonstrao do revigoramento do individualismo entre a juventude i-i-i.Entre os adultos, todavia, o motivo determinante da aceitao da msica, est ligado necessidade de desabafo e, de algummodo, a frustraes de ordem poltica. A classe mdia, principalmente, que desempenhou papel relevante no movimento contrrio ao governo Goulart, no se considera satisfeita com a situao atual e no esconde suas decepes. Isto porque esperava, de imediato, uma atitude mais drstica do governo para com os corruptos e porque se v atingida, em cheio pela poltica econmica, responsvel pela reduo do seu poder aquisitivo.Assim, os adultos juntaram-se aos jovens no cntico -da melodia que lhes permitiu externar um pouco do seu sentimento. A questo da disponibilidade de liderana aqui tambm Se aplica, pois os seguidores dos lderes esvaziados unem-se aos" demais e tambm desejam que tudo o mais v pro inferno,' numa demonstrao de desinteresse.

b) Desafogo e solidoDepois, h problemas de outra ordem. A populao urbana, contida em apartamentos pequenos, apertada nos coletivos, posta em filas de cinemas e teatros e, ainda sofrendo as conseqncias da falta de planejamento das grandes cidades, precisa desabafar para poder sobreviver. O desabafo do v tudo pro inferno, embora nada solucione, traz um certo alvio da tenso diria para aquele que, mesmo em casa, no pode se- descuidar para no incomodar o vizinho que vive sob o seu apartamento.Acrescentam-se ainda, os problemas prprios do trabalho, o trnsito que congestiona, a gua que falta, o telefone que no d linha ou o nibus que no pra e passa lotado, tudo num desafio constante ao habitante da cidade grande. Para a juventude, alm desses problemas, h o da dificuldade de dilogo com a gerao de seus pais.Criados numa fase em que o mundo se desenvolve abruptamente no campo da tecnologia e da cincia, os jovens tm uma nova compreenso da vida, bem diferente da que tiveram e ainda tm os adultos. Da, sentirem-se incompreendidos e sozinhos na cidade que tem excesso de populao.A mesma composio que manda tudo pro inferno fala, tambm, na existncia dessa solido entre os jovens. Onde quer .que eu ande tudo to triste e o lamento de que a solido me di certificam a existncia na juventude de um vazio, nascido da incompreenso. Parece que a mocidade no tem recebido a ateno, a assistncia e o carinho devidos pelos pais e adultos a ela mais achegados.Procuram, ento, chamar a ateno sobre sua tristeza, enquanto explicam que de pouco lhes vale as vantagens de uma vida de play-boy e as facilidades proporcionadas pela posse de um carro, se a solido lhes acompanha e torna a sua existncia fria, como um inverno. O inverno no seria, portanto, a estao do ano em que o jovem deseja ser aquecido, mas a metfora encontrada para designar a sua situao solitria e a frieza conseqente da falta de afeto.A composio que exerceu o papel preponderante na ascenso e xito de Roberto Carlos parece ter resumido, de forma bastante feliz, as diversas tendncias e anseios da juventude e da maioria dos adultos. O verso rebelde e irreverente, o desinteresse, o individualismo, a acomodao, o lamento e a petio de afeto e carinho coexistem na mesma melodia.Comentrios do BarbieriEu comprei este livro num sbo perto da Praa da S em So Paulo l pelo princpio de 1980. Este livro acabou vindo para Londres onde vivo e agora faz parte da minha bibliotca. Paara coloc-l aqui neste site, com um scanner "escaneei" todas as pginas do livro, incluindo a capa e, depois usei um programa OCR (optical caracter recognizer) para checar todas as pgina usando um programa de inteligcia artificial e assim transformar os "scans" num documento em Microsoft Word. Como o texto do livro foi encrito nos anos 60, com o Word fiz a correo do texto. O texto ento foi reeditado para este web site. Todo cuidado foi tomado para evitar problemas horotgrfico e de compreeno de texto. Se o caro leito encontrar algum problema ficarei feliz em ser comunicado para poder fazer a correo.Direitos AutoraisQueremos deixar claro que no estamos tendo nenhum benifcio financeiro com a publicao online deste texto. Nosso intuito puramente educacional uma vez que este livro est esgotado. Se o autor ou a editora tiver alguma objeo quanto a publicao online deste material, peo-lhes que se comuniquem conosco imediatamente para que, com pesar, retiremos este documento do nosso site.

A REBELIO ROMNTICA DA JOVEM GUARDA
Escrito por Rui Martins
Publicado pela Editora Fulgor em 1966

CAPTULO VIA REBELIO ROMNTICA DA JUVENTUDE NACIONAL

a) A falta de agressividade e o ideal de purezaO que mais chama ateno na juventude i-i-i a sua falta de agressividade e a plena aprovao que lhe do os adultos, os quais chegam mesmo a incentiv-la. Embora essa falta de agressividade possa ser motivo para elogios, torna-se bastante curiosa, pois a nota marcante da juventude sempre tem sido a de colocar em dvida as conquistas das geraes passadas e agredi-la com a apresentao de novos valores.Entretanto, excetuadas as mostras de rebeldia relacionadas com vestimenta e uso de cabelos longos, essa juventude no agride, no ameaa e nem coloca em dvida o nosso tipo de organizao social. No mximo, os jovens i-i-i retiram os esguichadores de gua do pra-brisa dos automveis de determinada marca (brucutus) para com eles fazeres anis que imitem os usados pelos seus lderes.Sucedendo um movimento musical que era comandado por jovens preocupados com questes sociais, a Jovem Guarda confessa-se desvinculada de tais problemas e animada apenas pelo desejo de ser alegre. Essa alegria terr., porm, traos de inconseqncia por demonstrar um total alheamento dos moos diante de problemas ligados sua existncia e sua participao dentro da sociedade.Assim, embora essa juventude fale muito em amor e cante letras inocentes em ritmos alegres, a sua falta de qualquer objetivo no constitui um bom indcio. A prpria adeso dos adultos conservadores parece indicar no trazer o movimento aquele sopro renovador prprio da mocidade.Pode-se argumentar que, depois da Jovem Guarda, decresceu a ocorrncia de desordens, arruaas e violncias praticadas por jovens. A maioria adquiriu um instrumento musical, transformando-se as antigas gangs em estridentes conjuntos musicais. Pode-se ainda acrescentar ser essa mocidade portadora de bons propsitos e de ideais puros, na medida em que demonstra uma prvia disposio para um ajustamento indolor estrutura social.Entretanto, o desinteresse dessa juventude por questes mais srias e a sua superficialidade no so animadores, exceto para os que pretendem manter os jovens marginalizados. Na velha Inglaterra o aparecimento dos Beatles coincide, prticamente, com um renascimento comandado pela juventude. Hbitos, tradies e convenes seculares esto sendo rompidos e derrubados por uma juventude culta e saudvel que deseja mudar a fisionomia velha e austera do pas para outra, .alegre e juvenil.O Brasil, porm, um pas novo em que tudo ainda est em formao. Portanto, um movimento juvenil, sem propsitos esem quaisquer ideais transforma-se num hiato nada salutar para o desenvolvimento nacional. Satisfaz, entretanto, aos conservadores, sempre contrrios a mudanas e, por isso, animados com a inconseqncia juvenil que no pe em perigo a estrutura social.Da, ser bastante correta a designao de rebelio romntica para o atual movimento de adolescentes e jovens. uma rebelio, no sentido da oposio natural dos moos aos adultos, externada na adoo de novos padres de roupas e de apresentao pessoal. Entretanto, o uso de toda energia juvenil apenas em msicas movimentadas e o desinteresse por coisas mais objetivas faz dela uma simples rebelio romntica, que no contra e nem a favor de ningum.Surpreendentemente, os lderes dessa juventude parecem aspirar, inclusive, ideais de pureza que os adultos se revelaram incapazes de manter. Seno vejamos. A cantora Wanderlia, em artigo escrito para determinada revista, deixou claro uma certa irritao para com os que procuram interpretar o comportamento da juventude, afirmando que com o canto e a dana apenas do vazo s energias. Acrescenta que os jovens no destroem nada, cantam msicas puras e danam sem sensualidade. E conclui com uma mensagem em que fala em um mundo novo.Embora negando a existncia de uma rebeldia no seio da mocidade, no consegue a cantora esconder uma certa indisposio para com os adultos. Depois de enumerar os hbitos das juventudes passadas, aos quais critica, ela procura demonstrar que a mocidade atual alegre e viva mas sem maldades. Percebe-se, -ento, existir entre a mocidade uma preveno contra os adultos que lhes fixam as normas de comportamento e que, contudo, no as observam. A desagregao familiar das grandes cidadesno passou despercebida aos jovens. Eles assistiram e assistem com desgosto que seus mentores no praticam os preceitos que lhes querem impingir.Esse comportamento falso de pais ou de mestres, provoca nos moos a aspirao por ideais nobres e a descrena no mundo adulto. Contudo, enredados pela moral pregada pelos que no foram capazes de pratic-la, os jovens tm uma reao paradoxal e querem provar ser muito mais superiores. Assim, embora tenham atitudes mais ousadas, fazem questo de cercar o seu mundo de um clima de sinceridade no existente entre os adultos.Essa reao, porm, satisfaz aos adultos que no percebem a sua sutileza e julgam tratar-se da manifestao de um simples esprito sadio entre os jovens. Do, ento, todo apoio ao movimento pela tranqilidade que ele traz, pois consideram toda a juventude inofensiva. Os ritmos, gritos, pulos e cabelos longos so entendidos como tendncia natural para extravasar energias e parecer diferente.Dessa forma o protesto no atinge seu objetivo, ao mesmo tempo que os jovens, inconscientemente, enquadram-se, de modo precoce, dentro de todo complexo social.

b) Conseqncias da emancipao da mulherH, porm, outra hiptese para explicar esse surto de pureza ou nostalgia de pureza entre a juventude. Seria uma conseqncia da gradual emancipao da mulher, que, hoje, nos centros urbanos equipara-se ao homem, determinando isso um equilbrio de convivncia que parece retardar a maturidade. Em razo desseequilbrio, os jovens passam a apresentar um comportamento tpico de adolescentes em disponibilidade amorosa.A moda masculina e feminina revelam, realmente, uma tendncia mundial para uniformizao, diminuindo gradualmente as diferenas marcantes que existiam entre as roupas para moos e moas. Outro fato interessante refere-se ao uso dos cabelos, com os rapazes passando a usar cabelos longos, enquanto as mulheres os encurtam.Essa uniformizao de indumentria, que no distingue mais os grupos sexuais, parece estar muito relacionada com a mudana da situao da mulher. Durante muitos sculos, a mulher viveu segregada. Era o homem quem providenciava a manuteno da famlia, enquanto a mulher permanecia em casa cuidando das coisas domsticas. A situao dela era pouco superior de um objeto.No tendo tarefas a cumprir e sendo mantida pelo homem, podia esmerar-se no realce de sua beleza. Seus vestidos eram bastante ornamentados, seus cabelos exibiam penteados complicados, ao mesmo tempo que a pintura realava sua beleza.A gradual libertao da mulher que tambm passou a trabalhar ao lado do homem, exigiu dela indumentria mais prtica. Assim, os trajes que possua apenas para se apresentar tiveram de ser substitudos por outros que lhe dessem maior mobilidade no trabalho. Logo, surgiu o tailleur, a verso feminina do terno masculino. medida que a mulher foi ingressando no mundo do homem, as diferenas foram se tornando mnimas, principalmente nos trajes esportivos. Isso poderia, ento, indicar que estivssemos a caminhode uma civilizao in diferenciada ou andrgina. No momento, porm, ocorre uma pequena e inexplicvel inverso.As mulheres aderiram aos saltos baixos, cortam os cabelos e usam calas. Entretanto, os homens passaram a adotar o cabelo comprido, usam camisas esporte parecidas com blusas femininas e gostam do colorido preferido pelas mulheres.Tudo parece indicar que o homem, acostumado a exercer o domnio sobre a mulher, sente-se agora receoso. Obrigado a aceit-Ia como companheira e sua igual, apenas com as diferenas do sexo, o homem vacila. Na Europa, embora a liberdade sexual seja muito grande entre a mocidade, o ajustamento homem e mulher torna-se doloroso.Os prprios filmes dos Beatles demonstram esse clima. Apesar de surgirem mulheres nas cenas, no h o desejo ou a relao ertica, smente companheirismo, como se todos fossem adolescentes. Muitos crticos viram alguma relao entre os Beatles e os Irmos Marx, notaram, contudo, nos primeiros, a falta de agressividade e sensualidade que sobrava nos Irmos Marx.O sexo masculino estaria vivendo, portanto, um perodo de digesto difcil, que seria este da emancipao da mulher. Em sntese, a mulher, no momento em que deixou de ser objeto, tornou-se m companheira para o homem. Isto porque passou a ter desejos, vontades e conscincia de si mesma, rompendo aquele equilbrio antes mantido pela liderana autoritria masculina.A nova realidade tem dupla conseqncia: o aparecimento das sociedades matriarcais, nas quais o homem cede ante a nova mulher; e a multiplicao do homossexualismo, que demonstra oretraimento do homem e a sua incapacidade de juntar-se com uma mulher em condies de igualdade.Sentindo esse impacto, a juventude retarda sua maturidade e se fixa num amor platnico porque, no fundo, teme a realizao sexual. Esse comportamento parecido com a atitude das adolescentes para com os dolos cabeludos. Receosos ainda da idia do sexo elas preferem amar criaturas no bem definidas, que parecem masculinas mas conservam caractersticas femininas. Sentem-se, assim, mais seguras.

A REBELIO ROMNTICA DA JOVEM GUARDAEscrito por Rui MartinsPublicado pela Editora Fulgor em 1966CAPTULO VIIAPOIO E RESERVA DOSADULTOS AOS MOVIMENTOS JUVENIS
a) Autocrtica mostra desejo de convivnciaPara a melhor compreenso da mocidade i-i-i brasileira, no deve ser desprezado o significado da letra de uma composio que alcanou grande xito. Isto porque ela constitui uma verdadeira autocrtica de seu cantor e de seus admiradores, de modo geral. Trata-se da msica Mexerico da Candinha.Nela, Roberto Carlos comenta os defeitos que lhe atribuem e apresenta sua justificativa. Naturalmente, a autocrtica foi feita inconscientemente e , por isso mesmo, mais vlida. Ela tambm confirma que a juventude por ele liderada est interessada em obter a aprovao dos adultos.A Candinha funciona, no caso, como representao da opinio geral da sociedade. A composio responde s principais crticasfeitas juventude moderna com o objetivo evidente de romper as reservas de certos adultos, para que tolerem os moos se no for possvel estimul-los.H tambm na composio o interesse de formar a imagem do pseudo-rebelde, isto , aquele que faz e usa uma srie de coisas extravagantes mas que est, plenamente, integrado na sociedade comandada pelos adultos. O jovem aceita os valores estabelecidos pela sociedade e deixa bem claro ser, no fundo, um bom rapaz. Esse temor de desagradar aos adultos confirma o carter romntico da rebelio juvenil e demonstra de modo cabal a inconseqncia do movimento.A letra da composio Mexerico da Candinha, que enseja um melhor entendimento do esprito juvenil, a seguinte:A Candinha vive a falar de mim em tudo.Diz que eu sou louco,esquisito e cabeludoe que eu no ligo para nada,que eu dirijo em disparada,acho que a Candinha gosta mesmo de falar;ela diz que eu sou malucoe que o hospcio o meu lugar,mas a Candinha quer falar.A Candinha quer fazerda minha vida um inferno,j est falando do modelo do meu terno,e que a minha cala justa,e de ver ela se assustae tambm da bota que ela acha extravagante.Ela diz que eu falo griae que preciso maneirar,Mas a Candinha quer falar.A Candinha gosta de falar de toda gente.Mas as garotas gostamde me ver bem diferente,a Candinha fala mas no fundo me quer bem,e eu no vou ligarpra mexericos de ningum.Mas a Candinha agora j est falando at demais,porm, ela no fundosabe que eu sou bom rapaze sabe bem que essa onda uma coisa naturale eu digo que viver assim que legal.Sei, que um dia,a Candinha vai comigo concordarmas sei que ainda vai falar.Como se v, ao apresentar suas explicaes, Roberto Carlos diz que vivem a falar dele em tudo: que louco, esquisito e cabeludo, que dirige em disparada e que o hospcio seu lugar. Lembra as crticas ao modelo de seu terno, sua cala justa e s suas botas tidas como extravagantes, para depois apresentar suas justificativas.O primeiro argumento do cantor contra esses falatrios torna claro a necessidade da diferenciao sentida pela juventude. A alegao de que as garotas gostam de v-lo bem diferente revela a oposio dos moos possibilidade de parecerem iguais aos adultos, cuja maneira de ser e atitudes so tidas como quadradas.o segundo argumento o de que, apesar de suas esquisitices, ele um bom rapaz. O fato de ele declarar ser um bom rapaz traduz o seu engajamento sociedade com o conseqente reconhecimento da validade das regras por ela estabelecidas. Por outras palavras: No precisam se preocupar comigo, pois minhas manifestaes exteriores de oposio no revelam uma convico ntima e nem descrena nos valores morais aceitos pela sociedade.Da, a complacncia da sociedade para com o comportamento dos moos, pois os adultos sabem que, na realidade, todos querem ser bons, no passando a revolta deles do desejo de deixar crescer o cabelo, usar roupas diferentes ou ter uma gria prpria.Prova disso, o prestgio que o movimento vai recebendo das mais diversas organizaes. Entidades de assistncia, a fim de conseguir mais fundos para suas obras de benemerncia, promovem shows com o dolo i-i-i, convictas de que esto dando juventude o melhor em matria de recreao. At o prprio clero procura falar a linguagem i-i-i, preocupado em mostrar juventude que no condena a nova msica e que considera o jovem Roberto Carlos um modelo para a mocidade. Assim, entre promoes filantrpicas e ofcios religiosos celebrados ao ritmo da nova msica, os adultos vo assumindo paternalmente a direo do movimento juvenil, encantados com a docilidade dos jovens.E a juventude torna-se, simplesmente, barulhenta mas boazinha. Alguma coisa assim como uma criana peralta que gosta de chamar a ateno. Pena que seja tambm irresponsvel e, escassa cultura, junte uma dose de indiferena pelas questes mais srias.

b) Restries aos movimentos sriosEntretanto, a juventude brasileira no toda ela constituda de adeptos do i-i-i. H mesmo um movimento, em franca expanso, cuja finalidade reunir jovens para ouvir a msica clssica. constitudo de milhares de estudantes secundrios ou universitrios que freqentam teatros e at auditrios de emissoras de televiso para ouvir orquestras sinfnicas e msica de cmara.Trata-se da Juventude de So Paulo que procura melhorar o gosto artstico da mocidade e que apresenta, com grande freqncia, timas orquestras interpretando os mais famosos compositores. E, embora poucos saibam, em todas essas apresentaes os auditrios ficam repletos de jovens.H, tambm, um grande interesse entre os moos pelo teatro. Apesar das dificuldades, quase toda escola superior tem o seu grupo teatral. Entre eles destaca-se o Teatro da Universidade Catlica, o conhecido TUCA, cujos componentes foram, recentemente, premiados em festival promovido na Frana. Para participar do festival, esses estudantes dependeram de contribuies de amigos e empresas, pois no possuam o necessrio para pagar as passagens e no contavam com o apoio oficial.Estes movimentos, porm, no recebem os mesmos estmulos que favoreceram a Jovem Guarda. Lutam com dificuldades financeiras e no conseguem despertar o entusiasmo dos adultos que chegam a receb-lo com reservas. No caso tpico dos teatros universitrios, paira sobre eles a eterna desconfiana de que prestigiam tendncias ideolgicas contrrias s tradies nacionais.Assim, entre movimentos srios, que exigem background cultural e que abrem novas fronteiras para os jovens, ou movimentos inofensivos e assinalados por uma total pobreza de contedo, a sociedade prefere ficar com estes ltimos. Partidria da filosofia que defende a marginalizao da juventude, a sociedade brasileira olha com restries quaisquer manifestaes juvenis que pretendam submeter uma anlise suas estruturas.Acham os adultos, de uma forma geral, que os moos devem se divertir e no se preocupar com as coisas mais srias. Confiam que o seu amadurecimento lhes trar, conseqentemente, o engajamento na sociedade, sem a exigncia da realizao das transformaes que o idealismo da juventude julga imprescindveis. Essa resistncia perfeitamente compreensvel numa sociedade conservadora como a nossa, cuja organizao j arcaica passa pelo perodo de crise de ajustamento aos novos padro exigidos pela realidade atual.Ora, o movimento i-i-i, patrocinado por uma bem montada mquina publicitria, conseguiu mobilizar grande parte dos adolescentes e jovens que vivem nos centros urbanos, desviando-os do debate de temas julgados perigosos. Formou, inclusive, um contingente de jovens totalmente alheio aos acontecimentos nacionais e preocupado apenas em imitar seu dolo nos mnimospormenores.Talvez, por isso, tenha recebido tanto apoio. A ltima manifestao de aprovao dada aos jovens i-i-i pela sociedade foi a entrega do ttulo de Cidado Paulistano ao cantor Roberto Carlos, capixaba de Cachoeira do Itapemirim. Por expressiva maioria, tendo sido contrrios apenas quatro vereadores, a Cmara Municipal de So Paulo outorgou ao cantor uma honraria que s concedida a personalidades de grande destaqueque tenham prestado servios de alta significao para a metrpole. Houve, naturalmente, uma dose de imitao, pretendendo reeditar o episdio em que os Beatles foram agraciados com um honraria pela Coroa britnica. No faltou, tambm, o interesse simplesmente poltico de agradar os novos e futuros eleitores juvenis.O principal, porm, est na formalizao da aprovao j tcitamente dada pela sociedade adulta figura do jovem lder e a tudo quanto ele significa. Enquanto isso, a propaganda insiste na apresentao do dolo, junto aos adultos, como figura de elevados dotes morais e de austeros princpios. A atitude mais explorada a de ter negado a marca de sua propriedade a uma fbrica de bebidas, demonstrando assim - dizem - tima formao e preocupao pelo resguardo da juventude. A atitude no deixa de ser comovedora, entretanto, no ser com medidas idnticas que se diminuir o consumo de bebidas. Nem ser com tais desprendimentos que salvar a Ptria. O povo porm vulnervel a tais estmulos e se emociona com apelos sentimentais.Para a campanha do agasalho valem as mesmas crticas. Foi uma promoo bem planejada, semelhante (Quanto vale uma criana, que deu bastante destaque a Moacir Franco. Tais promoes, embora tenham alguma utilidade, pecam pelo exagerado personalismo, enquanto desenvolvem no povo um conceito j superado de assistncia social.

A REBELIO ROMNTICA DA JOVEM GUARDA
Escrito por Rui Martins
Publicado pela Editora Fulgor em 1966

CAPTULO VIIIOS TRAOS CONSERVADORES DO LDER JUVENIL
a) A suposta liberalidadeRoberto Carlos, o lder da juventude i-i-i nacional, embora tenha um modo prprio de se vestir e deixe crescer seus cabelos, agindo numa e noutra forma em desacordo com as convenes sociais, , no fundo, um jovem conservador. O conhecimento de suas impresses sobre diversos assuntos e de seu comportamento em determinadas circunstncias especiais no revelam nenhum inconformismo e nenhuma interpretao mais arrojada para os problemas que a sociedade julga j ter dado a ltima palavra.A suposta liberalidade diante dos tabus mantidos pelas geraes passadas no existe. Ele guarda os mesmos preconceitos preservados pelos adultos e, nas entrevistas que concedeu aos mais diversos rgos de difuso, jamais revelou possuir um espritorenovador ou reformador. H nele concordncia com o pensamento dos mais velhos em todos os assuntos importantes.Talvez algum argumente que essa posio favorvel ao pensamento da sociedade constituda seja uma autodefesa. Isto , para no provocar uma reao que poderia frustrar-lhe o sucesso. Entretanto, essa atitude de autodefesa - se houvesse - confirmaria seu carter conservador. Nenhum jovem possuidor de interpretaes novas, colocado em situao de liderana e crendo em suas idias, iria preocupar-se em mascarar seu pensamento. Pelo contrrio, o desafio e o quixotismo so a caracterstica marcante da mocidade. H um certo prazer para o jovem rebelde em violentar os esquemas que considera superados.Isso no significa que o jovem, pelo simples fato de ser contrrio ao convencional, tenha razo. Mas o fato de ele ser contra e de no fazer segredos disso revela a sua juventude. Todos os grandes movimentos de jovens quer na literatura, pintura ou poltica sempre significaram o rompimento com o que era aceito, dogmticamente, como verdadeiro. O posterior amadurecimento permitia uma reavaliao da deciso inicial. Entretanto, foi sempre o impulso rebelde da juventude o revitalizador da sociedade que, de tempos em tempos, assim submetida a um reexame geral.A aquiescncia aos padres do mundo em que vive no ,porm, o trao marcante da juventude sadia. No h dvida de que essa aceitao satisfaz aos responsveis pelos destinos da sociedade. Os adultos julgam j ter encontrado a explicao definitiva para as questes da existncia e para o comportamento social do homem. Sentem-se seguros quando a gerao moa os entende, pois a apresentao de outras explicaes sempre lhes dolorosa.Entretanto, o mundo encontra-se em fase de constante transformao pelo que impossvel a manuteno de frmulas rgidas de comportamento. Dia a dia, novos conhecimentos obrigam a reviso de fatos anteriores, quer no campo da cincia, da tcnica ou da prpria moral. Verdadeiros tabus das geraes passadas so discutidos abertamente em nosso tempo. At mesmo a religio reformula suas crenas e