9
ISSN: 2238-0272 #17.ART 17º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia 2018 88 A [Re]construção na Arte Contemporânea 1 Cristina Landerdahl 2 Resumo No campo das artes visuais, para um projeto artístico ser construído é preciso uma pesquisa prévia, alinhada ao fazer artístico e aos métodos de trabalho do autor, sob um conceito, resultando na obra. Na arte contemporânea, especificamente em obras computacionais, também é preciso que se tenha domínio técnico de aparatos informáticos, pois os processos necessários para a produção de obras computacionais passam por hardwares e sof- twares. Então, propõe-se uma exposição imaginária de cinco obras computacionais, seguindo a ideia de André Malraux em seu livro O Museu Imaginário, de título A [Re]construção na Arte Contemporânea, objetivando trazer para o presente um pouco do passado, como uma espécie de imersão por meio dessas obras escolhidas, ao lado de suas recria- ções ou modificações. Os projetos artísticos são, em ordem de criação: 6 TV Dé-Coll/age (1963), de Wolf Vostell; TV Crown (1965), de Nam June Paik; Pac-Man (1980), de Toru Iwatani; The Legible City (1989-1991), de Jeffrey Shaw; e Desertesejo (2000), de Gilberto Prado. Ainda, sugere-se que esta exposi- ção seja apreciada e experienciada de maneira fan- tástica, invadindo uma dimensão quimérica daqueles que se depararem com esta proposição, testando as possibilidades de experienciação do passado e do presente. Planeja-se a vivência idealizada deste conjunto de obras e, mais ainda, vislumbra-se a pos- sibilidade de estimular este exercício àqueles que se sentirem instigados a criar sua própria exibição. Palavras-chave arte contemporânea, arte computacional, criação, recriação, preservação. Abstract In the field of visual arts, for an artistic project to be built requires prior research, aligned with the artistic work and the methods of work of the author, under a concept, resulting in the work. In contem- porary art, specifically in computational works, it is also necessary to have technical mastery of com- puter equipment, since the processes necessary for the creation or construction of numerical works go through hardware and software. Then, an imaginary exhibition of five computational works is proposed, following the idea of André Malraux in his book The Imaginary Museum, title A [Re] construction in Con- temporary Art, aiming to bring to the present a bit of the past, as a species of immersion through these chosen works, alongside their recreations or modifi- cations. The artistic projects are, in order of creation: 6 TV Dé-Coll/age (1963), by Wolf Vostell; TV Crown (1965), by Nam June Paik; Pac-Man (1980), by Toru Iwatani; The Legible City (1989-1991), by Jeffrey Shaw; and Desertesejo (2000), by Gilberto Prado. Still, it is suggested that this exposition be appreci- ated and experienced in a fantastic way, invading a chimerical dimension of those who come across this proposition, testing the possibilities of past and pres- ent experience. It is planned the idealized experience of this set of works and, moreover, the possibility of stimulating this exercise is envisaged for those who feel encouraged to create their own exhibition.

A [Re]construção na Arte Contemporânea · 1.AR • 1 ncontro Internacional de Arte e ecnologia ... melhanças nas interações através dos tempos, em consonância com aquilo que

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: A [Re]construção na Arte Contemporânea · 1.AR • 1 ncontro Internacional de Arte e ecnologia ... melhanças nas interações através dos tempos, em consonância com aquilo que

ISSN: 2238-0272#17.ART • 17º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia • 2018

88

A [Re]construção na Arte Contemporânea1

Cristina Landerdahl2

Resumo

No campo das artes visuais, para um projeto

artístico ser construído é preciso uma pesquisa

prévia, alinhada ao fazer artístico e aos métodos

de trabalho do autor, sob um conceito, resultando

na obra. Na arte contemporânea, especificamente

em obras computacionais, também é preciso que

se tenha domínio técnico de aparatos informáticos,

pois os processos necessários para a produção de

obras computacionais passam por hardwares e sof-

twares. Então, propõe-se uma exposição imaginária

de cinco obras computacionais, seguindo a ideia

de André Malraux em seu livro O Museu Imaginário,

de título A [Re]construção na Arte Contemporânea,

objetivando trazer para o presente um pouco do

passado, como uma espécie de imersão por meio

dessas obras escolhidas, ao lado de suas recria-

ções ou modificações. Os projetos artísticos são,

em ordem de criação: 6 TV Dé-Coll/age (1963), de

Wolf Vostell; TV Crown (1965), de Nam June Paik;

Pac-Man (1980), de Toru Iwatani; The Legible City

(1989-1991), de Jeffrey Shaw; e Desertesejo (2000),

de Gilberto Prado. Ainda, sugere-se que esta exposi-

ção seja apreciada e experienciada de maneira fan-

tástica, invadindo uma dimensão quimérica daqueles

que se depararem com esta proposição, testando

as possibilidades de experienciação do passado e

do presente. Planeja-se a vivência idealizada deste

conjunto de obras e, mais ainda, vislumbra-se a pos-

sibilidade de estimular este exercício àqueles que

se sentirem instigados a criar sua própria exibição.

Palavras-chave

arte contemporânea, arte computacional, criação,

recriação, preservação.

Abstract

In the field of visual arts, for an artistic project

to be built requires prior research, aligned with the

artistic work and the methods of work of the author,

under a concept, resulting in the work. In contem-

porary art, specifically in computational works, it is

also necessary to have technical mastery of com-

puter equipment, since the processes necessary for

the creation or construction of numerical works go

through hardware and software. Then, an imaginary

exhibition of five computational works is proposed,

following the idea of André Malraux in his book The

Imaginary Museum, title A [Re] construction in Con-

temporary Art, aiming to bring to the present a bit of

the past, as a species of immersion through these

chosen works, alongside their recreations or modifi-

cations. The artistic projects are, in order of creation:

6 TV Dé-Coll/age (1963), by Wolf Vostell; TV Crown

(1965), by Nam June Paik; Pac-Man (1980), by Toru

Iwatani; The Legible City (1989-1991), by Jeffrey

Shaw; and Desertesejo (2000), by Gilberto Prado.

Still, it is suggested that this exposition be appreci-

ated and experienced in a fantastic way, invading a

chimerical dimension of those who come across this

proposition, testing the possibilities of past and pres-

ent experience. It is planned the idealized experience

of this set of works and, moreover, the possibility of

stimulating this exercise is envisaged for those who

feel encouraged to create their own exhibition.

Page 2: A [Re]construção na Arte Contemporânea · 1.AR • 1 ncontro Internacional de Arte e ecnologia ... melhanças nas interações através dos tempos, em consonância com aquilo que

ISSN: 2238-0272#17.ART • 17º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia • 2018

89

Keywords

contemporary art, computacional art, creation, rec-

reation, preservation.

Introdução

Construir, do latim constructĭo, se refere ao ato

de edificar, fabricar, desenvolver. A construção é o

momento primeiro, o ponto de partida na instauração

de um projeto original, seja este real ou imaginário. A

reconstrução se dá posteriormente, para modificar,

ajustar ou atualizar aspectos que parecem necessá-

rios num determinado trabalho já existente.

No campo das artes visuais, quando um projeto

é construído existe uma pesquisa prévia, alinhada ao

fazer artístico e aos métodos de trabalho do autor,

sob um conceito, resultando na obra3, por exemplo.

Na arte contemporânea, e mais especificamente

em obras computacionais, é preciso que se tenha

domínio técnico de aparatos informáticos por parte

do artista, ou uma equipe especializada que o auxi-

lie. Os processos necessários para a produção, ou

construção, de obras computacionais passam por

hardwares e softwares com funcionalidades distintas

que vão compor o trabalho4.

Com o passar dos anos, podem ser requeridos

ajustes e atualizações para que os projetos artísticos

(computacionais), estejam aptos a nova exposição,

de maneira que as funcionalidades propostas pelo

conceito do artista estejam preservadas5. Estas

obras serão versões reconstruídas, e não originais,

mesmo que as características e propriedades dos

projetos primeiros permaneçam.

As obras computacionais, em sua maioria, não

são estáticas ou contemplativas. Não têm observa-

dores, e sim interatores, que muitas vezes são co-

-autores deste trabalho em constante processo6. As

interações e intervenções que são articuladas pelo

público podem ressignificar, sustentar e/ou manifes-

tar questões diferentes daquelas que foram preten-

didas pelo artista. Este, tem a possibilidade de pla-

nejar até onde chega a liberdade do integrator com

relação à sua participação no projeto, instaurando

uma obra mais ou menos modificável, com maior ou

menor autonomia7.

As experiências subjetivas de autor e interagir

se mesclam durante a experienciação artística. A

obra varia de acordo com as vivências singulares

de cada um e do panorama social e político em que

habita, por meio da sua subjetividade. Há desse-

melhanças nas interações através dos tempos, em

consonância com aquilo que o integrator está adap-

tado, com as tecnologias disponíveis na época, com

o grau de conhecimento dos aparatos presentes no

cotidiano, entre outros fatores.

Na arte contemporânea, o conceito pode definir

a obra, e não necessariamente o seu tema. Cada ar-

tista tem seu método de criação, e com ele instaura

seu trabalho ante um conceito disparador propondo

experiências diversas que sensibilizam, muitas ve-

zes, os cinco sentidos. O que resulta dessa relação

sujeito<>obra varia conforme toda a prática indivi-

dual, do autor e do interator, que é continuamente

abastecida de experiências e memórias8.

Da mesma maneira ocorre com as exposições,

como nesta proposta fantástica que aqui apresen-

ta-se, onde o curador pode ser seu autor e colocar

nela a sua marca, sua individualidade, seu conceito.

Esse entendimento é defendido pela socióloga fran-

cesa Nathalie Heinich9, que diz que a singularidade

de uma exposição pode conceder a autoria de uma

produção curatorial.

Assim, propõe-se uma exposição imaginária, de

título [Re]construção na Arte Contemporânea, objeti-

vando trazer para o presente um pouco do passado,

como uma espécie de imersão por meio das obras

escolhidas, na época em foram concebidas, ao lado

de suas recriações ou modificações. A escolha deste

Page 3: A [Re]construção na Arte Contemporânea · 1.AR • 1 ncontro Internacional de Arte e ecnologia ... melhanças nas interações através dos tempos, em consonância com aquilo que

ISSN: 2238-0272#17.ART • 17º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia • 2018

90

agrupamento de obras foi feita de maneira não linear

e subjetiva, obedecendo a única premissa de serem/

estarem, de alguma maneira, dependentes da tec-

nologia na sua atualização. Com isso, pretende-se

oportunizar a análise comparativa das criações e re-

criações, através dos materiais físicos componentes,

das funcionalidades e dos conceitos de cada uma,

mantidos ou não, desvelando seu lugar na arte con-

temporânea, por parte do público especializado e/ou

leigo. A experiência dos indivíduos com as obras, no

caso de se comparar a interação com a obra original

e com a obra reconstruída, resulta diferente.

Seguindo, de maneira livre, a construção de

André Malraux em seu livro O Museu Imaginário10,

sugere-se que essa exposição também seja aprecia-

da e experienciada de maneira fantástica, invadindo

uma dimensão quimérica daqueles que se depara-

rem com esta proposição. Não busca-se um local

físico, cerceado por paredes ou limites. Planeja-se a

vivência idealizada deste conjunto de obras e, mais

ainda, vislumbra-se a possibilidade de estimular este

exercício àqueles que se sentirem instigados a criar

sua própria exibição.

As obras

Para esta mostra, foram escolhidas as cinco

obras que fazem parte da dissertação de mestrado

da autora deste artigo, com defesa prevista para o

início de 201911. São elas, em ordem de criação: 6

TV Dé-Coll/age (1963), de Wolf Vostell; TV Crown

(1965), de Nam June Paik; Pac-Man (1980), de Toru

Iwatani; The Legible City (1989-1991), de Jeffrey

Shaw; e Desertesejo (2000), de Gilberto Prado.

A primeira obra escolhida, 6 TV Dé-Coll/age

(1963), de Wolf Vostell, faz parte do acervo do Mu-

seo Nacional Centro de Arte Reina Sofía (MNCARS).

É uma instalação construída em 1963 e reconstruída

em 1995 (Figura 1).

Figura 1. 6 TV Dé-Coll/age, de Wolf Vostell. Obra recons-truída em 1995 e obra original em 1963. Instalação de dimensões variáveis. Disponível em: <http://www.museo-reinasofia.es/coleccion/obra/6-tv-collage>. Acesso em: 03 jul 2018.

A obra original é composta por seis monitores

de TV de tubo, seis armários metálicos de escritório

com gavetas, um telefone, três fotografias em preto

e branco, um convite de exposição e seis canteiros

com brotos de agrião.

Lino García Morales, em seu texto Refectum#1

- 6 TV Dé-Coll/age de Wolf Vostell - Un caso de es-

tudio12, conta que a obra foi feita para uma exposi-

ção da Smolin Gallery, de Nova Iorque. As imagens

que apareciam nas televisões foram alteradas pelo

artista, por meio da manipulação das funções dos

aparelhos, para que aparecessem borradas, distor-

cidas e com ruídos. Ao final da exposição, a obra foi

desmontada, sendo reconstruída em 1995 a pedido

do artista, para a III Bienal de Lyon.

O Museo Reina Sofía adquiriu a reconstrução

da obra, que reproduz as gravações das imagens

da obra original feitas por Vostell durante a mostra.

Segundo Morales13, esta obra é uma das primeiras

em que o sinal de televisão foi adulterado. Esta rein-

terpretação mantém o conceito original utilizando

tecnologias diferentes na sua implementação.

Nesse caso, a obra que utiliza algum tipo de

aparato computacional não é a original, e sim sua

cópia, onde foram utilizadas as gravações das ima-

gens da exposição de 1963 em arquivos digitais. Na

Page 4: A [Re]construção na Arte Contemporânea · 1.AR • 1 ncontro Internacional de Arte e ecnologia ... melhanças nas interações através dos tempos, em consonância com aquilo que

ISSN: 2238-0272#17.ART • 17º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia • 2018

91

recriação de 6 TV Dé-Coll/age há uma conversão do

meio analógico ao numérico.

Analisando os materiais da obra observam-se

as televisões antigas, que já são praticamente ine-

xistentes nos dias atuais. Além disso, aproxima-se

a extinção do sinal analógico de TV no Brasil, mo-

vimento de atualização de tecnologia que já vem

acontecendo em outros países do mundo.

Morales esclarece que para exposição da obra

no espaço não existe documentação por parte do

autor que referencie sobre posicionamento das par-

tes, a sincronização das imagens, a iluminação, o

som ou qualquer outro aspecto.

A segunda obra designada, pelo seu ineditismo

e pela trajetória de seu autor, é TV Crown (1965),

do artista visual coreano Nam June Paik (Figura 2).

Figura 2. TV Crown (1965), de Nam June Paik. Versão ori-ginal composta por uma televisão RCA modificada. Versão reconstruída (1998-99): Televisão Samsung modificada com amplificadores de sinal. Fotografia de David Heald, da instalação apresentada no ano de 2004. Disponível em: <http://www.fondation-langlois.org/html/e/media.php?NumObjet=71580>. Acesso em: 03 jul 2018.

Este trabalho é pioneiro na reprodução de ima-

gens gravadas com a primeira câmera de vídeo da

época, uma Portapak da marca Sony, segundo o que

foi disponibilizado online pela organização interna-

cional Daniel Langlois Foundation for Art, Science,

and Technology14.

TV Crown foi recriada entre os anos de 1998 e

1999 e exposta na mostra Seeing Double: Emulation

in Theory and Practice15 feita no Guggenheim Mu-

seum, em Nova Iorque, em 2004. Na exposição, or-

ganizada entre o Solomon R. Guggenheim Museum16

e a Daniel Langlois Foundation17, foi possível fazer a

comparação das versões originais e as recriações

dos projetos artísticos, montados lado a lado, pos-

sibilitando que especialistas em arte e público ob-

servassem se os conceitos das obras haviam sido

mantidos.

O game Pac-Man, criado em 1980 por Toru Iwa-

tani (Figura 3), também compõe a presente mostra

imaginária.

Figura 3. Pac-Man (1980), de Toru Iwatani. Game. Dis-ponível em: <https://www.moma.org/explore/inside_out/2012/11/29/video-games-14-in-the-collection-for-starters/>. Acesso em: 03 jul 2018.

Esta obra pertence ao MoMA PS1 e foi adquiri-

da com mais 13 games para a coleção do museu, se-

Page 5: A [Re]construção na Arte Contemporânea · 1.AR • 1 ncontro Internacional de Arte e ecnologia ... melhanças nas interações através dos tempos, em consonância com aquilo que

ISSN: 2238-0272#17.ART • 17º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia • 2018

92

gundo a curadora sênior de Arquitetura e Design do

MoMA, Paola Antonelli18, no ano de 2012. A coleção

foi constituída de games considerados composições

de arte, design e programação, cuja intenção era a

de aproximar as pessoas ao espaço museal. Anto-

nelli especifica que a escolha dos títulos adquiridos

foi feita por serem exemplos de interatividade, que

possuem narrativa, sonoridade, criatividade e design

contemporâneo19.

Pac-Man foi criado a partir da aspiração de seu

autor de fazer um game não violento, que fosse di-

rigido a casais adolescentes e grupos que estavam

iniciando a prática com esse tipo de entretenimen-

to20. O conhecido personagem amarelo, protagonis-

ta do jogo, foi criado enquanto Iwatani comia pizza,

e em seguida pensou nos fantasmas coloridos. O

traço dos desenhos não era assustador, e sim di-

vertido, assim como seus sons, pretendendo alcan-

çar o público feminino. Toru Iwatani, segundo o site

do MoMA21, diz ter se inspirado na super força de

Popeye quando comia espinafre para proporcionar

super poderes ao Pac-Man, e possibilitar que ele

comesse os fantasmas depois de ter saboreado as

pílulas poderosas.

A quarta obra nomeada é do artista australiano

Jeffrey Shaw, The Legible City (1989-1991). Nessa

instalação interativa, que teve a colaboração de

Dirk Groeneveld e Gideon May, é possível fazer um

passeio virtual numa bicicleta ergométrica por re-

presentações simuladas de Manhattan, Amsterdam

e Karlsruhe22 (Figura 4).

Figura 4. The Legible City, de Jeffrey Shaw. Instalação interativa de dimensões variáveis. Disponível em: <ht-tps://www.jeffreyshawcompendium.com/portfolio/legible-city/>. Acesso em: 03 jul 2018.

As ruas são representadas por letras tridimen-

sionais que formam textos, geradas por computador

e construídas a partir dos mapas das cidades. O

artista, em seu site, explica que ao passear por es-

ses caminhos o sujeito se coloca em uma jornada

de leitura, escolhendo a combinação das palavras,

formando textos e significados.

O projeto artístico foi montado com peças físi-

cas, como a bicicleta ergométrica e seus compo-

nentes mecânicos que transformam o esforço de

pedalar em estímulo digital para a movimentação

da imagem na tela. A bicicleta possui um mapa que

ajuda o visitante a ter uma visão geral do espaço a

ser percorrido.

Nas representações das ruas das cidades de

Amsterdam e Karlsruhe, as letras foram feitas de

acordo com a exata reprodução do contorno dos

prédios reais, mantendo os volumes existentes23.

É importante considerar que a interação de um

sujeito nascido na década de 1970 frente a este pro-

jeto é dissonante da resposta de outro que nasceu

nos anos 2000, que participa da obra atualizada.

Os processos e conceitos utilizados por Shaw para

Page 6: A [Re]construção na Arte Contemporânea · 1.AR • 1 ncontro Internacional de Arte e ecnologia ... melhanças nas interações através dos tempos, em consonância com aquilo que

ISSN: 2238-0272#17.ART • 17º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia • 2018

93

a instauração da obra original foram recebidos por

um público pouco iniciado na tecnologia informática,

até mesmo pela pouca variedade de aparelhos exis-

tentes na época, se comparado com o que se tem a

partir de 2015. Atualmente, depois de toda a [r]evo-

lução24 e disseminação da informática e eletrônica,

as pessoas estão mais acostumadas aos aparatos e

dispositivos computacionais de uso cotidiano, que

nos acompanham a todos os lugares.

Por último, escolheu-se a obra Desertesejo (Fi-

gura 5), do artista brasileiro Gilbertto Prado, feita

em 2000.

Figura 5. Desertesejo, de Gibertto Prado. Captura da tela inicial da obra Desertesejo online. Disponível em: <http://www2.eca.usp.br/cap/gilbertto/desertesejo_site/in-dex.html>. Acesso em: 07 fev 2018.

Essa obra apresenta um mundo virtual em três

dimensões, um ambiente interativo multiusuário, que

permite a presença simultânea de até 50 participan-

tes. É um projeto artístico computacional desenvol-

vido, segundo seu autor, com o intuito de fazer uma

reflexão relativa ao excesso de pessoas no cyber

mundo. A obra permite a experienciação do ambien-

te virtual e sua interação de modo distinto nesse

ambiente simulado25.

Em 2014, o Instituto Itaú Cultural propôs a re-

construção da obra, pois não era possível sua exi-

bição no formato original. Para tanto, foi necessária

uma nova estruturação técnica, relativa ao hardware

e software, pois aqueles utilizados na criação do pro-

jeto original já estavam obsoletos. Uma equipe do

Itaú Cultural, coordenada pelo gerente de inovação

da instituição Marcos Cuzziol, reconstruiu da obra26.

Algumas das características da obra primeira

forma mantidas, como a velocidade lenta e os gráfi-

cos simples desenvolvidos anteriormente. Por outro

lado, a obra restaurada inclui alguns detalhes, como

a areia do deserto e as cores do céu, que não era

possível de se reproduzir a partir da tecnologia da

obra original, além de modos de exibição como tela

curva de grande proporção para interação no espa-

ço expositivo.

Gilbertto Prado, durante uma entrevista27, conta

que na época da construção de Desertesejo bus-

cava uma experiência para trabalhar com as novas

mídias que estavam emergindo, e como seria pos-

sível perceber o mundo através dessas tecnologias,

quando estivessem ao alcance de todos. No início

dos anos 2000, o acesso à internet era viável so-

mente em alguns computadores, pois o alcance da

rede era muito limitado e, além disso, a velocidade

de transferência de dados era muito menor do que

se tem hoje.

O público das obras originais e das obras atualizadas

Estas 5 obras escolhidas para compor a mos-

tra, de alguma maneira, influenciaram a trajetória da

Arte Contemporânea no Brasil e fora daqui, fazendo

com que diversos questionamentos surgissem com

as modificações e deslocamentos alcançados no pa-

norama das artes visuais. As obras aqui trazidas são

de diferentes épocas, apresentadas na a atualida-

de através de seu restauro para que pudessem ser

degustadas e testadas, mas de maneira nenhuma

contestadas na sua existencialidade. É fundamental

Page 7: A [Re]construção na Arte Contemporânea · 1.AR • 1 ncontro Internacional de Arte e ecnologia ... melhanças nas interações através dos tempos, em consonância com aquilo que

ISSN: 2238-0272#17.ART • 17º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia • 2018

94

a contribuição de cada uma das obras, e de tantas

outras, que indicaram caminhos novos a serem ex-

plorados. Bem como suas recriações, que tentam

atravessar as barreiras do tempo para reafirmar o

seu papel, mesmo que documental, na arte compu-

tacional contemporânea, carregando traços da so-

ciedade e da política de outros tempos.

As experiências vividas pelo artista e pelo inte-

rator, quando da origem de cada projeto artístico,

são bastante distintas daquelas observadas pelo

público das recriações das obras. As tecnologias

informacionais e até mesmo o funcionamento de

toda a sociedade, cada vez mais sensibilizada por

dispositivos computacionais, se modificaram.

Passados alguns anos da produção de cada

uma dessas obras discutidas, a subjetividade do

público foi-se transformando juntamente com a so-

ciedade, fazendo com que as percepções e senti-

dos precisassem ser atingidos de maneira distinta

do que acontecia anteriormente. Se faz necessário

pensar a longevidade da obra, em conjunto com o

artista, decidindo qual o rumo a ser seguido para

que ela se mantenha, ou não, no projeto artístico

original e/ou sejam criadas de novas experiências

de interação com o público.

Referências

ANTONELLI, P. Por que eu trouxe o Pac-Man ao

MoMA. TEDSalon | NY2013. Disponível em:

<https://www.ted.com/talks/paola_antonelli_

why_i_brought_pacman_to_moma?language=pt-

br> Acesso em: 30 jun 2018.

ANTONELLI, P. Video Games: 14 in the Collection,

for Starters. In INSIDE/OUT a MoMA/MoMA

PS1 BLOG, 2012. Disponível em: <https://www.

moma.org/explore/inside_out/2012/11/29/

video-games-14-in-the-collection-for-starters/>.

Acesso em 30 out 2018. CASTILLA, A. (org.).

Arte contemporáneo en sala de guardia: dilemas

y sistemas para la conservación de las obras de

arte. 1a ed. – Buenos Aires: Teseo, 2015.

CUZZIOL, M. Entrevista sobre a obra Desertesejo e

coleção de obras cibernéticas do Itaú Cultural.

26 de setembro de 2018, São Paulo - Brasil.

Entrevista concedida a Cristina Landerdahl.

Daniel Langlois Foundation. Disponível em: <http://

www.fondation-langlois.org/html/e/page.

php?NumPage=513>. Acesso em: 30 jun 2018.

DELMAS, D. Electronic arts unplugged: Museum

politics and the preservation of New Media

(2006). Disponível em: <https://goo.gl/15GBXi>

Acesso em 06 de jun. de 2017.

GIANETTI, C. Estética Digital. Sintopia da arte, a

ciência e a tecnologia. C/Arte. Belo Horizonte,

2006.

GRAU, O.; HALLER, S.; RÜHSE, V. ; HOTH, J. ;

SCHILLER, D. ; SEISER, M. Documenting

Media Art: Towards a social WEB 2.0-Archive

for MediaArtHistories and integrative Bridging

Thesaurus. In: Newest Art History. Wohin

geht die jüngste Kunstgechichte? Verband

österreichischer Kunsthistorikerinnem und

Kunsthistoriker, 2017. Disponível em: <https://

goo.gl/yiTygx>. Acesso em: 23 out 2017.

IPPOLITO, J. et al. Forging the future: new tools for

variable media art preservation. In: Proceedings

of the 9th ACM/IEEE-CS joint conference

on Digital libraries. ACM, 2009. p. 403-404.

Disponível em: <https://dl.acm.org/citation.

cfm?id=1555484>. Acesso em 28 jan 2018.

Page 8: A [Re]construção na Arte Contemporânea · 1.AR • 1 ncontro Internacional de Arte e ecnologia ... melhanças nas interações através dos tempos, em consonância com aquilo que

ISSN: 2238-0272#17.ART • 17º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia • 2018

95

LANDERDAHL, C. Arte Computacional: preservação

e arquivamento na contemporaneidade. Texto

de qualificação de mestrado (não publicado).

PPGART/CAL - UFSM, 2018.

MALRAUX, A. O museu imaginário. Edições 70.

Reimpressão (Arte & comunicação; 70). Lisboa,

Portugal, 2011.

Museum of Modern Art - MoMA. Disponível em:

<https://www.moma.org>. Acesso em: 30 jun

2018.

Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía.

Disponível em: <http://www.museoreinasofia.

es/en/collection/artwork/6-tv-collage>. Acesso

em 28 jun 2018.

PAUL, C. Digital art. London: Thames & Hudson,

2003. Edição do Kindle.

PRADO, G. Entrevista sobre a obra Desertesejo

original e seu restauro. 04 de novembro de 2017,

Buenos Aires - Argentina. Entrevista concedida

a Cristina Landerdahl.

SHAW, J. The Legible City. Disponível em: <https://

www.jeffreyshawcompendium.com/portfolio/

legible-city>. Acesso em 03 jul 2018.

REY, S. A fotografia e as fabulações no projeto

curatorial da exposição INTER-DITO. ouvirOUver,

v. 11, n. 2, p. 292-307. Disponível em: <https://

goo.gl/V5KqJo>. Acesso em: 30 jun 2018.

RINEHART, R. & IPPOLITO, J. Re-collection: Art, New

Media, and Social Memory. Leonardo Book

Series. Edição do Kindle, 2014.

RUPP, B. O curador como autor de exposições. Revista-

Valise, v. 1, n. 1, p. 131-143, 2011. Disponível

em: <https://goo.gl/ZfkDLg>. Acesso em: 30 jun

2018.

The Legible City in ZKM - Zentrum Für Kunst und

Medientechnologie Karlsruhe. Disponível em:

<https://zkm.de/en/publication/jeffrey-shaw-

the-legible-city>. Acesso em: 28 jun 2018.

Notas1 Texto original escrito na forma de ensaio para

a disciplina de Tópico especial I: o ensaio como forma de abordar a pesquisa em artes, ministrada pela Profa. Dra. Sandra Rey (UFRGS), no primeiro semestre de 2018, no PPGART/UFSM.

2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da UFSM. Desenvolve pesquisa, com bolsa da Capes, na área de Arte e Tecnologia, abordando a Arte Digital na Contemporaneidade: Desafios para Preservação e Arquivamento, sob orientação da Profa. Dra. Nara Cristina Santos. Membro do LABART - Laboratório de Pesquisa em Arte Contemporânea, Tecnologia e Mídias Digitais e integrante do Grupo de pesquisa Arte e Tecnologia do CNPq. Email de contato: [email protected]

3 GRAU, COONES & RÜHSE, 2017

4 RINEHART & IPPOLITO, 2014

5 CUZZIOL, 2018

6 SANTOS, 2004.

7 GIANETTI, 2006, p. 6

8 RINEHART & IPPOLITO, 2014

9 In DELMAS, 2006

10 MALRAUX, 2011

11 LANDERDAHL, 2018

Page 9: A [Re]construção na Arte Contemporânea · 1.AR • 1 ncontro Internacional de Arte e ecnologia ... melhanças nas interações através dos tempos, em consonância com aquilo que

ISSN: 2238-0272#17.ART • 17º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia • 2018

96

12 MORALES in CASTILLA, 2015

13 MORALES in CASTILLA, 2015

14 http://www.fondation-langlois.org/html/e/page.php?NumPage=513

15 http://www.fondation-langlois.org/html/e/page.php?NumPage=2253

16 https://www.guggenheim.org/exhibition/seeing-double-emulation-in-theory-and-practice

17 http://variablemedia.net/e/seeingdouble/

18 https://www.ted.com/talks/paola_antonelli_why_i_brought_pacman_to_moma?language=pt-br

19 ANTONELLI, 2012.

20 https://www.moma.org/collection/works/164917

21 https://www.moma.org/collection/works/164917

22 https://www.jeffreyshawcompendium.com/portfolio/legible-city

23 https://zkm.de/en/publication/jeffrey-shaw-the-legible-city

24 GRAU, COONES & RÜHSE, 2017

25 LANDERDAHL, 2018

26 CUZZIOL, 2018

27 PRADO, 2017