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A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E SEUS IMPACTOS NO TRABALHO E SAÚDE DAS PROFESSORAS DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DA CIDADE DE MARÍLIA, SÃO PAULO Maria do Carmo Capputti Mazzini Profª. Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus de Marília [email protected] Políticas Educacionais, Gestão de Sistemas e Organizações, Trabalho e Movimentos Sociais. Com essa pesquisa pretendemos analisar o processo de reestruturação capitalista e seus
impactos no mundo do trabalho docente. Estudaremos a categoria de professoras da
rede municipal de ensino da cidade de Marília, São Paulo, cujo quadro integramos
desde o ano de 1986. As transformações ocorridas no mundo do trabalho que visam
atender as novas necessidades de acumulação do capital implicaram na instalação de
um novo modelo de organização das atividades docentes no interior das escolas. As
novas regulações atingiram de modo sistêmico a categoria em estudo aprofundando a
precarização das condições de trabalho e impactando na vida e saúde de suas
trabalhadoras. Assim, um conjunto de doenças, como transtornos, compulsões, stress e
uso de medicamentos controlados passaram a fazer parte do dia a dia dessas
profissionais aniquilando a qualidade de vida das mesmas. Desta forma, buscamos
refletir em que medida as transformações na organização do trabalho docente estão
relacionadas com essas patologias. Utilizamos para análises categorias como
reestruturação docente, precarização do trabalho, flexibilização, alienação, etc.
Palavras-chave:1- reestruturação docente, 2-trabalho docente, 3-precarização do
trabalho.
1. Justificativa
Este estudo surgiu de nosso interesse em compreender o processo de
reestruturação da produção engendrado pelo capital e analisar seus impactos no mundo
do trabalho docente, particularmente no que concerne à categoria de professoras da
rede municipal de ensino da cidade de Marília, São Paulo, cujo quadro integramos
desde o ano de 1986.
Assistimos nos últimos tempos profundas transformações no trabalho docente,
as quais têm modificado as características dessa atividade profissional por meio da
introdução de um rol de afazeres estranhos ao mister pedagógico e da acumulação e
intensificação de tarefas diárias.
Essas condições vêm precarizando o trabalho no interior das escolas, afetando
o tempo de vida pessoal dessas trabalhadoras e necessita ser refletido pela categoria,
principalmente no que diz respeito aos impactos provocados na sua condição de vida
pessoal e de saúde, dado o alto número de casos de adoecimentos apresentados entre
as servidoras públicas do magistério municipal.
Não bastasse a relevância que representa para a categoria em si, a pesquisa
contribuirá para uma maior reflexão pelos sindicatos e partidos políticos locais bem
como demais trabalhadores acerca das imposições do capital sobre o mundo do
trabalho e sobre suas possibilidades de mudanças.
2. Fundamentação Teórica
As condições de trabalho que as professoras da rede municipal de ensino da
cidade de Marília vêm enfrentando em seu cotidiano têm levado à categoria um
intenso processo de precarização e desprofissionalização.
As sucessivas reestruturações implantadas, bem como as que se encontram em
curso, têm provocado transformações profundas em suas atividades laborais, refletindo
as mudanças ocorridas no mundo do trabalho promovidas pelo capital, com o intuito
de reorganizar suas bases produtivas e retomar seu processo de acumulação.
No campo educacional, as reestruturações ocorrem por meio de reformas
implantadas no sistema de ensino. Esse processo inicia-se, à nível macro, a partir de
1990, impulsionado pelas políticas neoliberais que propuseram amplas reformas para o
sistema educacional brasileiro. As reformas instaladas, promovidas pelos
representantes do capital, tais como o Banco Mundial, a Organização das Nações
Unidas (ONU), o Fundo Monetário Internacional (FMI), etc., transformaram a
organização escolar atingindo de modo sistêmico as escolas da rede pública municipal
de Marília.
Até o ano de 1997, a rede municipal de ensino de Marília contou com
atendimento exclusivo à educação infantil. Com o advento da municipalização do
ensino fundamental, inaugura na rede um novo modelo de organização escolar e de
trabalho docente.
O imperativo da alfabetização levou a uma mudança significativa nas tarefas
das professoras em sala de aula e dos gestores nas escolas: mapas e tabelas passaram a
ser preenchidos e mensurados e índices perseguidos.
Nem a educação infantil escapou das reformas instaladas, pois na série pré III
(última etapa do ciclo da educação infantil à época) os alunos passaram a ser
submetidos a um processo sistemático de alfabetização, outrora desenvolvido em um
contexto mais amplo de formação integral sem, no entanto, compromisso formal com
este fim.
É possível verificar que as sucessivas reestruturações adotadas à nível local
guardam estreita relação com as reformas educacionais ocorridas no Brasil no período
histórico destacado: de modo sistêmico foram reproduzidos programas, propostas e
orientações, as mesmas que subsidiaram a educação nacional.
ROSEMBERG (2010, p.196) pontua que desde os anos de 1990 o Brasil,
juntamente com países da América Latina, realizaram reformas em seus sistemas
educacionais adequando legislação, planejamento, gestão educacional, currículo,
avaliação, financiamento, etc. de modo a engrossar um movimento internacional que
reconhecia na educação o caminho para suplantar as desigualdades sociais e
econômicas em curso nesses países.
Seguidamente, ao longo da história, a educação é apresentada como a redentora
das condições econômicas e sociais dadas. Sob este aspecto esclarece OLIVEIRA
(2004):
As reformas educacionais dos anos de 1960, que ampliaram o acesso à escolaridade, assentavam-se no argumento da educação como meio mais seguro para a mobilidade social individual ou de grupos. [...] Já as reformas educacionais dos anos de 1990 tiveram como principal eixo a educação
para a equidade social. (OLIVEIRA, 2004, p. 1129) [os grifos são nossos]. Com relação às reformas implantadas a partir de 1990, continua:
O argumento central dessas reformas poderia ser sintetizado na expressão largamente utilizada nos estudos produzidos pelos organismos internacionais pertencentes à ONU para orientação dos governos latino-americanos com relação à educação: transformação produtiva com
equidade (OLIVEIRA, 2004, p.1129) [os grifos são da autora]. .
Entretanto para um entendimento adequado do papel que cumpre a educação
em nossa sociedade, com suas políticas e reformas educacionais que fomentaram as
reestruturações nos sistemas de ensino no Brasil e na rede de Marília, faz-se necessário
integrá-la num contexto que toma a totalidade histórica e social engendrada.
Com este propósito, buscamos auxílio na bibliografia especializada e
encontramos em NOMA e CZERNISZ (2010) a análise do cenário social do final do
século XX, o qual, segundo as autoras, foi marcado por profundas transformações no
regime capitalista que buscou reorganizar o capital no plano econômico visando sua
retomada no processo de acumulação.
Igualmente SOUZA (2010), aponta que a partir de 1970 a crise estrutural do
capitalismo leva a esse movimento de reorganização que permite ao capital não
somente transformar seu regime de acumulação como também o modo de travar as
relações sociais e políticas. Com suas palavras:
O conjunto de transformações vivenciadas desde os anos de 1970 significa a materialização da crise de um modelo de desenvolvimento do capital fundado no regime de acumulação rígida que possuía no taylorismo/fordismo seu modelo de organização produtiva, e no Estado de Bem Estar Social, seu modelo de regulação social. O esgotamento deste modelo de desenvolvimento fundado no pós II Guerra Mundial, somado ao acúmulo de inovações tecnológicas no campo da microeletrônica e da informática e ao avanço das conquistas políticas da própria classe trabalhadora, constituíram-se as condições objetivas que condicionaram a empreitada do capital e obrigaram-no a recompor suas bases de acumulação e implantar novas modalidades de produção e de mediação do conflito capital/trabalho no nível mundial (SOUZA, 2010, p. 133).
Esse novo estágio histórico do desenvolvimento do capital caracterizou-se pela
dominação dos grandes monopólios (corporações transnacionais, formações de
cartéis), pela financeirização do capital1, pela instalação do padrão toyotista de
produção de mercadorias, pela globalização e suas políticas neoliberais.
A reação mais evidente neste movimento foi o advento do neoliberalismo,
sistema ideológico e político de dominação que utiliza políticas sociais e econômicas
como medida para atingir seus propósitos (NOMA e CZERNISZ, 2010). 1 Novo regime de exportação e acumulação mundial de capital predominantemente financeiro que "implicou em uma interdependência de vários países e regiões acompanhada de uma polarização maior entre países pobres e ricos" (NOMA e CZERNISZ, 2010, p. 195).
Apesar de essa doutrina ter surgido no final dos anos de 1930, ganha força a
partir de 1970 com a crise estrutural do capitalismo. Nos países da América Latina,
assim como no Brasil, se propagou a partir de 1990 (período relativo ao governo de
Fernando Collor de Mello) e trouxe consigo impactos violentos no mundo social e do
trabalho.
Com o neoliberalismo amplas reformas educacionais propostas por organismos
internacionais foram realizadas na América Latina. Podemos citar as principais para o
período: Relatório Educação e Conhecimento de 1992, elaborado pela
CEPAL/UNESCO; Relatório Prioridades e Estratégias para Educação de 1995,
elaborado pelo Banco Mundial; Relatório Cueller de 1997, elaborado pela Comissão
Mundial de Cultura e Desenvolvimento para UNESCO; Pilares da Educação para o
século XXI de 1998, elaborado pela UNESCO; Relatório Delors de 1999, elaborado
pela Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI para UNESCO e, a
nível local, o Plano Nacional de Educação, aprovado em 2001.
Conforme análise minuciosa de LIMA FILHO (2010, p.228), os documentos
em questão detectam "deficiências dos sistemas educacionais", sendo que essas
deficiências são as responsáveis "pela permanência do subdesenvolvimento e das
crises nos países do hemisfério sul": curiosa contradição de ensejar a educação como
sendo, ao mesmo tempo, a culpada e a redentora da situação social do país.
O neoliberalismo, através de seus representantes, materializados nos
organismos internacionais, massifica a ideia de que a educação é fundamental para a
redução das desigualdades econômicas e sociais, vinculando o processo educativo de
uma nação ao seu desenvolvimento econômico.
LIMA FILHO (2010) nos alerta que os relatórios da CEPAL e do Banco
Mundial, já destacados, são encontrados em grande número de citações bibliográficas
e de referências em documentos oficiais dos governos e de instituições do campo
educacional.
Além de constatar a disseminação dos relatórios em programas
governamentais, o referido autor desvela o conteúdo dos mesmos demonstrando algo a
mais em suas orientações que "extrapola o campo das ações conjunturais e de
programas ou níveis educacionais [...] para situar-se no campo das ações estratégicas
que visam orientar o modelo estatal e as políticas institucionais que serão conduzidas
no campo educacional para o conjunto dos países de baixa e média renda [...]" (LIMA
FILHO, 2010, p. 215) [os grifos são nossos].
Vejamos pois que, o núcleo dos relatórios propostos está em buscar uma
redefinição do papel do Estado Nacional com o intuito de consolidar econômica e
politicamente o capitalismo mundial.
As reformas para o campo da educação estariam a serviço da consolidação
desse processo cumprindo "um papel importante como parte estratégica de
manutenção da hegemonia da economia política internacional" (LIMA FILHO, 2010,
p.213).
Sob esta ótica é possível compreender o interesse dos organismos
internacionais em propor e financiar reformas para os sistemas educacionais dos países
periféricos, incluindo o Brasil.
LIMA FILHO (2010) esclarece como esse processo se consolida:
[...] as políticas educacionais dos organismos internacionais para a América Latina pode ser buscado no papel reservado aos países da região na divisão internacional do trabalho (LIMA FILHO, 2010, p. 228).
Ou seja, a esses países cabe uma qualificação profissional necessária a
atividades simples, garantida com investimentos no ensino básico. Já a qualificação
científica e tecnológica dar-se-á a uma parcela reduzida de estudantes desses países,
geralmente aos provenientes da classe econômica dominante e se concentrará
predominantemente nos países desenvolvidos, configurando a divisão internacional do
trabalho entre países periféricos e centrais, promovida pelo capitalismo mundial.
Nesse sentido, as reformas educacionais são necessárias na medida em que
"promovem a regulação social" e organizam a "gestão do trabalho sob a lógica do
capital e do mercado" (NOMA e CZERNISZ, 2010, p. 197).
Como vimos, a mundialização do capital trouxe em seu bojo a reestruturação
produtiva do mundo do trabalho que exigiu uma adequação da força trabalhadora a
esse novo contexto.
O mercado globalizado modificou profundamente a divisão internacional do
trabalho rendendo às empresas transnacionais o poderio de coordenar o processo
econômico mundial (BRUNO, 1997).
Formadas por grandes grupos e conglomerados econômicos, as empresas
transnacionais tem a capacidade de acumular e transferir dinheiro "criando redes de
empresas e operações interdependentes para onde se desloca a tomada de decisões e a
gestão da economia mundial" (BRUNO, 1997, p. 19).
ALVES (2001, p.16), ao demonstrar o fenômeno da globalização destaca que
"o totalitarismo da globalização não se dá mais sob a direção do Estado, mas sim da
economia". Segundo sua análise, ao discutir conceito sobre globalização, elucida:
A globalização sustentada por regimes globalitários, isto é, governos que promulgam o monetarismo, a desregulamentação, o livre comércio, o livre fluxo de capitais e as privatizações maciças, tenderam a diminuir o papel dos poderes públicos (ALVES, 2001, p. 16).
Ainda nos auxiliando nesse autor, verificamos que os gestores dos regimes
globalizados, outrora materializados nos bancos e nas grandes empresas e atualmente
nos fundos de pensão e de investimentos, "dominam setores importantes da economia
dos Estados do Sul - tais como o Brasil" e determinam como se darão os investimentos
em amplos aspectos da vida social destes países, tais como "emprego, saúde,
educação, cultura, proteção do meio ambiente" (ALVES, 2001, p. 16).
O capitalismo e sua lógica da acumulação tende obviamente a se preocupar
"com a quantidade de riqueza abstrata, ou dinheiro, que é acumulada por tal atividade
de negócio", uma vez que sob o aspecto da coisa pública não existe "compromisso
social, nem preocupação com a qualidade" (ALVES, 2001, P. 17).
Uma vez que a globalização suplanta os Estados-Nação em decorrência dos
setores econômicos mundialmente integrados, assistimos no Brasil e nos demais países
periféricos o predomínio de setores econômicos arcaicos, com baixa capacitação
tecnológica "e formas de exploração do trabalho calcadas nos mecanismos da mais-
valia absoluta em suas formas mais cruéis" (BRUNO, 1997, p. 21).
As condições capitalistas de produção e reprodução mundializadas e
hierarquizadas do centro à periferia com setores econômicos altamente desenvolvidos
e avançados e outros arcaicos, que prevalecem nos países como o Brasil, compõe o
cenário mundial globalizado.
Para o contexto brasileiro, mão de obra com baixa e média qualificação para a
maioria de sua população satisfaz os interesses e necessidades do capital na divisão
internacional do trabalho, na medida em que atende aos setores econômicos mantendo
a produção e formando um contingente de mão de obra reserva que funciona cobrindo
eventuais demandas em momentos de pico nos setores produtivos da economia, ao
mesmo tempo em que força para baixo os salários praticados.
Nesse cenário a educação tem a função de capacitar esse contingente de
trabalhadores para o mercado garantindo o aumento da produtividade. Entretanto o
que é difundido pelo capital através de seus representantes é que a educação, formando
seus estudantes para o mercado de trabalho garante, ao mesmo tempo, a promoção da
equidade social através da mobilidade desses estudantes nas classes sociais e o
desenvolvimento econômico do país.
Ancorados nesse discurso que os organismos internacionais e nacionais
propuseram, orientaram e financiaram na década de 1990 reformas educacionais para
o Brasil e para os países vizinhos na América Latina.
As reformas educacionais ocorridas no Brasil com seus reais interesses e
propalados discursos tratados até aqui a partir de uma perspectiva histórica nos permiti
compreender o papel que vem cumprindo a educação em nossa sociedade.
Cumpre-nos agora demonstrar em que sentido tais reformas alteraram o
modelo de organização da produção nas unidades escolares, destacando as da rede
municipal da Marília, e quais foram as implicações para as condições de trabalho das
profissionais em estudo.
Obviamente que a reestruturação ocorrida à nível micro reflete o cerne das
mudanças observadas no contexto geral: flexibilização das leis e conquistas da
categoria, intensificação e acúmulo de tarefas, precarização das condições de trabalho,
desprofissionalização e alienação das trabalhadoras.
Por falta de elementos teóricos e formação inicial adequada bem como pelo
profundo envolvimento com as tarefas diárias do preparo das aulas, essas
trabalhadoras que compõe o cenário escolar, em sua maioria, não identificam as
reformas estruturais sob as quais estão submetidas, ficando sem compreender as
causas reais das condições de trabalho que enfrentam.
Se, por um lado, as causas estruturais não são identificadas e desmistificadas
por essas professoras, por outro, seus reflexos são sentidos em seus corpos e mentes:
sentem a intensificação das tarefas que diminuem o espaço de vida particular e uma
crescente condição de adoecimento, assuntos que procuraremos discutir mais adiante.
Importante marcar que foi no movimento das reformas educacionais, já
mencionadas, implantadas no Brasil a partir da década de 1990 que mudanças
operaram na rede em Marília, destacando como divisor de águas a municipalização do
ensino fundamental.
O tema da municipalização do ensino fundamental, difundido no país a partir
de 1980, ganha força justamente uma década depois e culmina em 1998 com sua
instalação nos sistemas de ensino do país.
A municipalização do ensino no Brasil se traduz como resposta concreta dos
países periféricos ao compromisso assumido em consonância às reformas
internacionais de ampliar e expandir a educação básica a sua população como
estratégia de promover a equidade social.
Segundo OLIVEIRA (2004):
Observa-se, então, um duplo enfoque nas reformas educacionais que se implantam neste período na América Latina: a educação dirigida à formação para o trabalho e a educação orientada para a gestão ou disciplina da pobreza (OLIVEIRA, 2004. P. 1131).
Ainda nos orientando nessa autora, verificamos que juntamente com a
municipalização do ensino fundamental, outras medidas marcaram a "nova
regulamentação das políticas educacionais" no Brasil tais como: a "centralidade
atribuída à administração escolar", isto é, a escola supostamente autônoma é chamada
a promover a gestão escolar; a criação do FUNDEF (fundo de manutenção e
desenvolvimento do ensino fundamental e valorização do magistério) que instituiu o
"financiamento per capita" da educação, com repasses de recursos conforme o número
de alunos matriculados nas redes, estaduais e municipais, as quais deveriam gerir e
administrar tanto a formação dos alunos como os recursos humanos e materiais
recebendo do fundo para tal; a "regularidade e ampliação dos exames nacionais de
avaliação (SAEB, ENEM, ENC), bem como avaliação institucional" e a introdução de
"mecanismos de gestão escolar que insistem na participação da comunidade"
(OLIVEIRA, 2004, p.1130).
À nível local tais fatores foram igualmente adotados nas escolas municipais de
Marília: além do FUNDEF, instalado por força de lei, o discurso da escola autônoma, a
implantação do SAREM (sistema de avaliação e rendimento do ensino de Marília),
bem como a orientação para a convocação da comunidade escolar com o intuito de
participar da gestão nas escolas (a propalada gestão democrática), dentre outros,
marcaram um novo modelo de gestão e organização do trabalho escolar que passaria a
ser adotado na rede e que representou mudanças significativas nas relações de trabalho
no interior dessas unidades escolares.
A reestruturação do trabalho docente, como veremos mais adiante, trouxe
transformações profundas para o magistério municipal e seus efeitos tem-se refletido
atualmente, não só nas condições de carreira dessas profissionais (com perdas de
direitos e conquistas), como também nas condições de trabalho e da vida subjetiva das
mesmas.
Entretanto, antes de avançarmos o debate sobre os reflexos e consequências
que a introdução de novos modelos de organização do trabalho docente combinada
com formulações de políticas para a educação nacional, trouxe para as condições de
trabalho do magistério em Marília, faz-se necessário conhecer o modelo instalado,
pontuando os fatores que marcaram seus aspectos, administrativo e pedagógico.
Primeiro analisaremos o discurso da suposta autonomia escolar, tão propalado
pelos gestores da educação municipal nos idos dos anos de 1998 em diante.
A propalada autonomia colocava as escolas no centro do trabalho pedagógico,
ou seja, uma nova significação lhes era atribuída: de agente fomentadora de
aprendizagem, local de excelência, de eficiência e, consequentemente, de sucesso do
ensino praticado ao maior número possível de alunos. Este deslocamento do
planejamento e da gestão do trabalho pedagógico e administrativo do núcleo central da
secretaria municipal da educação para o interior das escolas, na realidade, transfere
responsabilidades ao mesmo tempo em que mantém, à nível central, o controle dos
programas a serem implantados.
Assim, medidas de padronização e massificação dos processos administrativos
e pedagógicos foram instaladas pela secretaria de educação no interior das escolas
através de tarefas que passaram a fazer parte do dia a dia dos profissionais da rede, tais
como: preenchimento de mapas e tabelas, cumprimento de roteiros de atividades a
serem desenvolvidas, adoção de modelo único de semanário, de avaliação, de proposta
curricular, etc..
Essa reestruturação, esclarece OLIVEIRA (2004), apregoada pelas reformas
educacionais, se difundiu nas escolas do país "sob o argumento da organização
sistêmica, da garantia da suposta universalidade", entretanto o que se buscava
principalmente era "baixar custos ou redefinir gastos e permitir o controle central das
políticas implementadas" (OLIVEIRA, 2004, p.1131).
Na prática, o que competia às escolas em estudo com o novo modelo de
organização do trabalho adotado, era atingir fins, principalmente pedagógicos, sendo
que para tal poderiam utilizar toda a autonomia que dispunham lançando mão de
arranjos que melhor atendessem a localidade, bem como poderiam beneficiar-se da
autorizada descentralização das decisões pedagógicas e assim optar pela base teórica,
metodológica e estratégica que melhor engendrasse o sucesso dos projetos
sistematizados em nível central.
As escolas também usufruíam de liberdade para buscar parcerias com a
comunidade local, com as instituições de ensino e pesquisa circunvizinhas e outros
agentes da sociedade que pudessem auxiliar na implantação das propostas. Essa
medida serviu, na realidade, para retirar do núcleo central da secretaria de educação a
responsabilidade sobre o processo e o resultado dos projetos implantados, uma vez
que o alcance ou não das metas exigidas, consequentemente, recairia sobre os
profissionais da escola e, a professora em última instância, acabaria respondendo
"pelo desempenho dos alunos, da escola e do sistema" (OLIVEIRA, 2004, p.1132).
Para mensurar tal desempenho, em 2003 é instituído na rede municipal, a
exemplo do se consolidava em nível nacional com relação aos exames de avaliação,
o SAREM (sistema de avaliação do rendimento do ensino de Marília) objetivando
quantificar a aprendizagem dos alunos, o desempenho das professoras nesse processo
e a classificação que a escola ocuparia num ranking dentro da rede.
Avançando com a análise sobre o modelo de gestão e organização escolar
implantado na rede de Marília, analisaremos, na sequência, mais um aspecto das
políticas públicas para a reforma dos sistemas de ensino do país: a gestão democrática
nas escolas com a participação da comunidade nas decisões escolares. Apoiada nesse
princípio a secretaria de educação de Marília propunha reiteradas orientações no
sentido de incentivar os gestores a implementarem nas escolas ações que garantissem
o envolvimento da comunidade na vida escolar (tais como: quermesses, feiras,
reuniões, homenagens, festas, simpósios, palestras, projetos, etc.), além das previstas
em lei, como por exemplo os colegiados (conselho de escola, grêmio estudantil), as
associações de pais e mestres, etc.
Tais "mecanismos que insistem na participação da comunidade", em grande
medida possibilitaram essa participação numa frente difusa daquela preconizada pela
gestão escolar democrática: a contribuição financeira. Segundo OLIVEIRA (2004),
essa seria uma fórmula de garantir a expansão dos sistemas de ensino em países com
desigualdade social, tal como o Brasil, que combina financiamento da educação por
meio de políticas públicas com estratégias de gestão que apelam ao voluntarismo e
comunitarismo. Nas palavras autora:
Tais estratégias possibilitam arranjos locais como a complementação orçamentária com recursos da própria comunidade assistida e de parcerias. (OLIVERIA, 2004, p. 1131).
A abertura dessa possibilidade de financiamento complementar atingiria, em
cheio, as escolas da modalidade educação infantil na rede de Marília, as quais,
excluídas do regime do FUNDEF, não recebiam recursos desse fundo estando
exclusivamente dependente do financiamento dos próprios recursos locais.
Foi no bojo dessas reformas veiculadas em nível nacional que a secretaria de
educação de Marília lança, em 1997, o projeto "Esta Emei é do meu Coração" que
consiste em solicitar da comunidade escolar contribuição monetária, voluntária e
mensal para subsidiar complementarmente projetos pedagógicos, bem como promover
melhorias nos aspectos físicos e materiais da escola2.
À medida que se instalavam programas, que se regulamentavam sistemas de
avaliação e controle, que se reproduziam ideias, conceitos e discursos oriundos das
reformas educacionais em nível nacional, desenhava-se, paulatinamente, na rede de
ensino de Marília o modelo de gestão e organização escolar que transformaria
profundamente as relações no interior das escolas: diretores, coordenadores e
principalmente professoras assistiriam a mudanças em suas tarefas e condições de
trabalho com resultados nefastos para o magistério municipal verificado quase uma
década depois.
Esse novo regime de organização do trabalho educacional utiliza os mesmos
"dispositivos e protocolos organizacionais", conforme esclarece ALVES (2007), que
regulamenta o mundo do trabalho no capital, marcados pelos processos de
flexibilização, precarização, alienação e estranhamento.
Isto posto, nossa tarefa, na sequência, será a de buscar desenvolver essas
categorias numa perspectiva histórica, uma vez que procuraremos evidenciar a
presença destes elementos no trabalho das professoras da rede de ensino de Marília.
Quando apontamos a presença do trabalho flexibilizado no interior das escolas
da rede estamos falando do trabalho que desregulamenta as relações trabalhistas
através da perda de direitos do trabalho formal, das conquistas históricas travadas pela
categoria e que resultaram em melhorias nas condições de trabalho.
Além disso, a flexibilização aparece também com a adoção de novas formas de
produção verificadas pela introdução de novas tarefas e funções que impõe à
profissional um novo perfil.
2 Este programa está em curso até hoje na rede, na modalidade educação infantil, mesmo com a regulamentação em 2007 do FUNDEB (fundo de manutenção e desenvolvimento da educação básica e de valorização dos profissionais do magistério) que incluiu no repasse de recursos os alunos matriculados na educação infantil.
Segundo OLIVEIRA (2004) "a rígida divisão das tarefas, característica
marcante do fordismo, vem cedendo lugar a formas mais horizontais e autônomas de
organização do trabalho, permitindo maior adaptabilidade dos trabalhadores às
situações novas, possibilitando a intensificação da exploração do trabalho"
(OLIVEIRA, 2004, P. 1139).
Do ponto de vista histórico encontramos a gênese da flexibilização nas
transformações estruturais do modo de produção e reprodução do sistema capitalista
em seu processo de desenvolvimento e crises.
Conforme descreve ALVES (2007), a marca ontológica desse sistema está na
luta de classes e na correlação de forças entre capital e trabalho resultando daí formas
de Estado-político que ora garantem conquistas e direitos sociais do mundo do
trabalho (o Estado de bem estar social que correspondeu ao período de ascensão do
capitalismo), ora explicitam, com a precarização, a perda desses direitos acumulados
pelos trabalhadores assalariados (o Estado neoliberal no período de decadência e crise
estrutural do capital).
Flexibilizou-se, assim, "as conquistas sociais do mundo do trabalho, seja no
campo da legislação trabalhista, seja dos direitos previdenciários [...]" a fim de atender
as novas demandas do capitalismo em sua nova etapa de financeirização e
mundialização (ALVES, 2007, p. 189).
No bojo de sua recomposição para a retomada da acumulação, o capital
reestrutura suas bases de produção dando lugar a um novo regime de acumulação
flexível caracterizado por novas tendências organizacionais, hoje explícitas no modelo
toyotista de produção.
No interior das escolas uma nova organização se instalou refletindo as
transformações operadas no mundo empresarial e praticadas pelas políticas do Estado
neoliberal, expressando assim, a hegemonia do capital nas mais diversas facetas do
mundo do trabalho.
Uma das mais expressivas reestruturações que apontam na direção do trabalho
flexibilizado nas escolas da rede de Marília foi a incorporação silenciosa de diversas
novas funções nas tarefas docentes, funções, diga-se de passagem, adversas às
atribuições do mister pedagógico.
Paulatinamente foram introduzidas novas e "naturais atribuições" revestidas
com o status da modernidade, da renovação e da adaptabilidade aos novos tempos,
colaborando para o surgimento de um novo perfil da educadora, mais robusto e com
múltiplas funções como, por exemplo, a de psicóloga, enfermeira, mãe, cuidadora,
animadora, etc.: um novo papel para responder às novas demandas impostas pela nova
ordem social.
Esse movimento leva a uma desqualificação do trabalho docente na medida em
que exige dessas profissionais uma atuação alheia a sua formação por excelência,
pulverizando o caráter técnico-formativo da profissão que lhes confere o status de
especialistas no assunto. O magistério passa a ser profissão que outros profissionais e
até mesmo leigos podem opinar e exercer.
Além disso, tais funções acabaram por intensificar as tarefas diárias por elas
desempenhadas e descaracterizar seu papel profissional, colaborando para a perda da
identidade com relação a sua posição e ocupação social empurrando a categoria a um
processo de desprofissionalização e precarização.
Mas não é apenas isso. O novo modelo de gestão escolar, introduzido pelas
reformas educacionais, conduziu a profissional da rede municipal a um processo de
alienação e estranhamento.
Conforme apontamos anteriormente, essas profissionais (diretora,
coordenadora, professora, etc.), com raras exceções, perderam o controle sobre o seu
processo de trabalho. A professora, por exemplo, transformou-se em uma pessoa que
preenche tabelas, semanários e modelos de avaliação, que transcreve propostas
curriculares já prontas, ainda desenvolve projetos pedagógicos com temas já definidos
à nível de secretaria de educação (projeto disciplina, projeto inclusão, projeto sobre o
meio ambiente e tantos outros), também aplica testes e provas avaliativas em seus
alunos que muitas vezes não foi ela quem elaborou, já estão prontas, pois foram
formuladas em nível central.
Executando ações extremamente direcionadas, o trabalho criador desaparece,
se empobrece e a docente fica condicionada a sempre buscar receitas de práticas e
metodologias que garantam seu fazer pedagógico, pois assim se encontram
acostumadas e formadas. Resistem, muitas vezes, em participar de propostas que
privilegiam a atividade reflexiva, o aprimoramento conceitual, a leitura de obras que
poderiam subsidiar a sua formação inicial, garantindo-lhes um aprofundamento teórico
que fomentaria sua prática e aprimoraria seu trabalho cotidiano.
Isto nos remete a outro aspecto colaborador da alienação em que se encontra a
categoria: a formação continuada em serviço disponibilizada.
Vejamos pois que, aliadas à condição de padronização e massificação dos
processos pedagógicos acima apontados, encontram-se nas mesma situação as
propostas de formação em serviço adotadas pela rede municipal: qualificação prática,
desarticulada e desintegrada do processo ensino-aprendizagem, resultando na condição
de alienação que vínhamos discutindo.
Os estudos de MINTO (2009) sobre o ensino à distância apontam para uma
mesma condição de alienação vivida pelo profissional que atua em tal modalidade de
ensino. Em sua análise, evidencia, políticas que norteiam a modalidade à distância,
práticas que regulam a atuação destes docentes direcionando-os a uma análoga
condição de alienação vivenciada pelas professoras de Marília.
Dentre as regulamentações por ele detectadas, reproduzimos àquelas que
encontram semelhança com o caso da rede de Marília: "padronização e aligeiramento
do trabalho didático; retirada do controle do professor sobre o processo educativo (seu
processo de trabalho), deslocando-o para um mecanisismo [...] que impõe o ritmo e a
forma de trabalho", fenômeno que o autor considera como a consolidação e a
ampliação da "distância entre os momentos de concepção, execução e avaliação" de
seu processo de trabalho (MINTO, 2009, p. 4) [os grifos são do autor].
ALVES (2007) ao explicitar a categoria alienação faz a seguinte
reflexão:
[...] ao falarmos em estranhamento, queremos dizer alienação. Para nós as duas palavras têm o mesmo significado, ou seja, possuem um claro sentido negativo. Se a exteriorização ou objetivação da atividade do homem como ser genérico possui um sentido de positividade, por outro lado, o estranhamento possui um claro sentido de negação, obstaculizando o desenvolvimento do ser genérico do homem através do trabalho. (ALVES, 2007, p. 20) [os grifos são do autor].
Buscando aprofundar a análise, transcrevemos a seguinte citação do autor:
[...] O homem é um animal que produz objetos, isto é se objetiva em produtos [...]. É através deste processo de objetivação (do trabalho) que o animal homem se tornou humano. Entretanto sob determinadas condições históricas da propriedade [...] o objeto de trabalho (ou produto de trabalho) se tornou coisal, ou seja, tornou-se uma coisa, produto-mercadoria [...] que nega o próprio sujeito humano [...]. Desta forma, a objetivação assume, deste modo, uma forma estranhada (ALVES, 2007, p. 20-21).
Ora, não é senão essa a condição dessas educadoras? Vejamos que sim, pois, ao
perder o controle, estando fora do domínio do processo de seu trabalho (o processo
pedagógico, o processo ensino-aprendizagem) tornam-se sujeitos alienados,
expropriados de seus saberes; seu trabalho torna-se mecanizado, como citamos em
MINTO (2009), deixa de ser criador, emancipado, afetando sua condição de ser
genérico, humano e social, como verificamos com ALVES (2007), posto que seu
trabalho é negado a si mesma ao deixar de dominar o ato de produzir (planejar, ensinar
e transmitir o conhecimento a seus alunos) o que torna esse processo algo estranho a
elas , visto que a relação de seu trabalho com a atividade pedagógica e ainda seus
resultados resta-lhes fora de si, deslocada e separada de si: onde o conhecimento
habita não reside mais o profissional.
NOVAES (p. 18, s/d) expondo sobre o processo educativo alienado, faz os
seguintes questionamentos:
São os professores estatais [no sentido de agente público] trabalhadores alienados? Parece-nos que sim, pois eles: a) não participam da construção do sistema educacional, b) participam de uma forma subordinada de uma gestão escolar hierárquica e que é regida por inúmeras leis e normas que não foram criadas por eles, c) exercem seu papel de mando numa relação social de dominação, d) recebem um salário pelo seu trabalho, e) não participam da construção do material didático, f) veiculam um tipo de conhecimento que tende muito mais a manter a sociedade de classes, g) na melhor das hipóteses, dominam o conteúdo de uma disciplina, h) não controlam seu tempo de trabalho, portanto, não tem tempo para pesquisar e se informar sobre a "atualidade", i) exercem uma atividade rotineira, não prazerosa, sem sentido social que leva a consequências como absenteísmo, rotatividade, fuga do trabalho. Em outras palavras, este trabalho tende a ser alienante porque não está umbilicalmente conectado com as lutas anti-capital do seu tempo histórico (NOVAES, p. 18).
A condição de alienação de trabalhadores da educação, destacada por
NOVAES, MINTO (2009) e tanto outros pesquisadores, é um dos aspectos que
compõe o complexo de reestruturações ocorridas nas escolas da rede de Marília e que,
juntamente com os demais já apontados (trabalho flexibilizado, intensificado,
desprofissionalização), representou um novo mundo do trabalho para esta categoria,
marcado por transformações profundas nas relações, tarefas, tempo e vida, inclusive
pessoal e subjetiva, dessas trabalhadoras restando-lhes um universo precarizado de
circulação profissional e social.
Todos esses traços articulados produziram um longo e contínuo processo de
precarização de suas condições de trabalho que culminou no que ALVES (2007)
chamou de novo e precário mundo do trabalho.
Sua gênese está, conforme já elucidamos, na promoção de mudanças que o
capital implementou na forma de organização da produção a fim de retomar seu
processo de acumulação visando superar a crise instalada com o modelo então vigente.
Para operar as mudanças necessárias o capital utilizou um conjunto de
inovações tecnológicas e da informação, bem como inaugurou um novo modelo de
gestão do trabalho, mais horizontal e flexível.
Como vimos, esta nova regulamentação social e trabalhista transformou as
relações de trabalho por meio de um processo de precarização das condições
existentes.
Neste novo mundo precarizado se instalaram as doenças laborais, inclusive a
depressão, as rotinas de trabalho intensificadas e as tarefas e jornadas de trabalho
ampliadas: uma professora da rede de Marília, por exemplo, utiliza seu período de vida
particular para desenvolver seus trabalhos da escola (elaboração de semanário,
avaliações e relatórios reflexivos, atualização de seu diário de bordo, correção de
provas, elaboração de atividades, preenchimento de quadros sobre a proposta
curricular, preparação e preenchimento de quadros de consolidados sobre avaliação
escolar, preparação de adereços para festas da escola, etc.).
As tarefas e atividades que realizam se multiplicam diariamente (o professor
com várias funções que falamos anteriormente) e acabam por requerer dedicação que
ultrapassa os limites de sua jornada de trabalho, intensificando sua condição de
exploração.
ALVES (2013) no capítulo 8 desta obra, sob o título: Trabalho Docente e
Precarização do Homem-Que-Trabalha aborda a condição de precarização do trabalho
docente tomando como análise a mesma categoria em estudo por nós, as professoras
da educação pública municipal de Marília, São Paulo.
Segundo sua análise, "as condições de trabalho [destas profissionais] e seus
impactos na vida pessoal, desvela uma dimensão da precarização do trabalho que
oculta a desefetivação do ser genérico do homem" (ALVES, 2013, p. 175).
Para o autor, a precarização do trabalho se dá, por um lado, na instância da
rotina intensificada e na dedicação incondicional ao trabalho e, por outro lado, no
surgimento de condições de adoecimento, insegurança e descontrole pessoal (p. 177).
Esta condição, que o autor chama de precarização do homem que trabalha
afeta a vida particular, e não apenas a profissional, dessas trabalhadoras, "atinge a
dimensão da pessoa humana, corroendo fundamentalmente o desenvolvimento
humano" (ALVES, 2013, p. 178) [os grifos são nossos].
Para o autor, que colheu depoimentos de uma parcela dessas profissionais, tais
condições explicitam "a perversidade do trabalho criativo" que realizam.
Com suas palavras:
Por um lado elas [as professoras da rede de Marília] executam um trabalho de amor e dedicação profissional; mais, por outro lado, o trabalho pedagógico torna-se um fardo com o peso das cobranças e outras mazelas da sociedade burguesa em sua etapa de barbárie social que desefetivam o sentido do ofício de professora [...] (ALVES, 2013, p.189).
O trabalho estranhado que desenvolvem gera o surgimento de transtornos,
adoecimentos e compulsões. É crescente o número de casos de licenças médicas,
afastamentos e introdução em regime de dedicação parcial entre a categoria e ainda o
uso de medicamentos controlados e acompanhamentos com profissionais da saúde
para tratamento de doenças físicas e emocionais.
Esse cenário gera o desinteresse pela profissão, o absenteísmo, o isolamento,
além de desagregar a categoria e mutilar o trabalho pedagógico criativo levando a um
ciclo vicioso que potencializa as condições já precarizadas de trabalho. Nosso
convívio de longa data no magistério municipal permitiu sentir e também enxergar
essa condição entre as colegas educadoras.
Acreditamos que a falta de perspectivas representa uns dos maiores desafios
para a categoria, que não vislumbra a possibilidade da resistência como um possível
caminho para superação da situação nem a reorganização das atividades laborais como
meio de retomada do controle sobre o processo de trabalho e o desenvolvimento de
uma pedagogia criativa que leva à autorealização humana.
Por fim, se faz crucial a compreensão pelas professoras de que a forma de
dominação e exploração do capital sobre os trabalhadores, que reflete em suas
condições de trabalho e saúde, só deixará de existir quando esses passarem a controlar
coletivamente e com autonomia o processo de trabalho, condição necessária para a
superação da ordem ora instalada.
3. Objetivos
3.1 Geral
Analisar a reestruturação produtiva e seus impactos nas condições de trabalho e
saúde das professoras da rede de ensino de Marília.
3.2 Específicos
a) Compreender a reestruturação produtiva ocorrida no mundo do trabalho e sua
implicação para o trabalho docente.
b) Identificar as reestruturações ocorridas na rede municipal de ensino de Marília e
seus impactos nas condições de trabalho das professoras.
c) Investigar as consequências que a nova organização da produção docente traz para
as condições de vida e saúde das professoras da rede em estudo.
4. Metodologia
O trabalho constará de pesquisa bibliográfica e documental, bem como o uso
de questionários para a coleta dedados empíricos.
A pesquisa bibliográfica abordará a temática das reestruturações ocorridas no
mundo do trabalho engendradas pelo capital e seus reflexos no trabalho docente que
levaram a categoria a condições precárias de trabalho afetando a saúde física e mental
bem como a vida cotidiana dessas trabalhadoras.
A pesquisa documental nos permitirá examinar artigos veiculados pela mídia,
leis, decretos e outros documentos diversos anunciando reformas que comprovam o
contexto local de reestruturações.
A coleta de dados empíricos constará de questionários com perguntas abertas
que valorizam aspectos qualitativos e interpretativos e permitem obter opiniões,
sentimentos e expectativas de professoras das escolas públicas do município de Marília.
Pretendemos coletar dados que abordam as mudanças que ocorreram ao longo
do tempo nas condições de trabalho da professora na rede: a relação tempo de trabalho e
tempo de vida pessoal; as condições salariais; as conquistas trabalhistas; as atribuições e
tarefas; o entusiasmo com a profissão; as atuais condições de saúde, etc.
5. Forma de Análise de dados
Primeiro organizaremos os dados obtidos de cada questionário estabelecendo
uma correspondência entre as respostas dos diferentes questionários. Na sequência,
pretendemos analisar as diferenças e semelhanças entre as respostas sobre cada tema
abordado nos diferentes questionários.
Depois procuraremos interpretar as respostas à luz das teorias estudadas na
pesquisa bibliográfica descrevendo o processo de precarização entre os níveis macro e
micro, suas contradições, generalizações e particularidades.
6. Cronograma
A tabela abaixo destaca Período x Atividades a serem desenvolvidas:
TEMPO ATIVIDADES DE PESQUISA
6 Meses Levantamento Bibliográfico
3 Meses Levantamento de documentos, leis, artigos, etc.
3 Meses Elaboração e aplicação de questionários
12 Meses Sistematização dos dados coletados
Análise e interpretação à luz das teorias utilizadas
Redação da pesquisa
24 Meses Conclusão
7. Bibliografia
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