22
A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E SEUS IMPACTOS NO TRABALHO E SAÚDE DAS PROFESSORAS DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DA CIDADE DE MARÍLIA, SÃO PAULO Maria do Carmo Capputti Mazzini Profª. Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus de Marília [email protected] Políticas Educacionais, Gestão de Sistemas e Organizações, Trabalho e Movimentos Sociais. Com essa pesquisa pretendemos analisar o processo de reestruturação capitalista e seus impactos no mundo do trabalho docente. Estudaremos a categoria de professoras da rede municipal de ensino da cidade de Marília, São Paulo, cujo quadro integramos desde o ano de 1986. As transformações ocorridas no mundo do trabalho que visam atender as novas necessidades de acumulação do capital implicaram na instalação de um novo modelo de organização das atividades docentes no interior das escolas. As novas regulações atingiram de modo sistêmico a categoria em estudo aprofundando a precarização das condições de trabalho e impactando na vida e saúde de suas trabalhadoras. Assim, um conjunto de doenças, como transtornos, compulsões, stress e uso de medicamentos controlados passaram a fazer parte do dia a dia dessas profissionais aniquilando a qualidade de vida das mesmas. Desta forma, buscamos refletir em que medida as transformações na organização do trabalho docente estão relacionadas com essas patologias. Utilizamos para análises categorias como reestruturação docente, precarização do trabalho, flexibilização, alienação, etc. Palavras-chave:1- reestruturação docente, 2-trabalho docente, 3-precarização do trabalho.

A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E SEUS IMPACTOS NO TRABALHO … · do trabalho docente, particularmente no que concerne à categoria de professoras da rede municipal de ensino da cidade

  • Upload
    lyhanh

  • View
    217

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

A REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E SEUS IMPACTOS NO TRABALHO E SAÚDE DAS PROFESSORAS DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DA CIDADE DE MARÍLIA, SÃO PAULO Maria do Carmo Capputti Mazzini Profª. Tânia Suely Antonelli Marcelino Brabo Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Campus de Marília [email protected] Políticas Educacionais, Gestão de Sistemas e Organizações, Trabalho e Movimentos Sociais. Com essa pesquisa pretendemos analisar o processo de reestruturação capitalista e seus

impactos no mundo do trabalho docente. Estudaremos a categoria de professoras da

rede municipal de ensino da cidade de Marília, São Paulo, cujo quadro integramos

desde o ano de 1986. As transformações ocorridas no mundo do trabalho que visam

atender as novas necessidades de acumulação do capital implicaram na instalação de

um novo modelo de organização das atividades docentes no interior das escolas. As

novas regulações atingiram de modo sistêmico a categoria em estudo aprofundando a

precarização das condições de trabalho e impactando na vida e saúde de suas

trabalhadoras. Assim, um conjunto de doenças, como transtornos, compulsões, stress e

uso de medicamentos controlados passaram a fazer parte do dia a dia dessas

profissionais aniquilando a qualidade de vida das mesmas. Desta forma, buscamos

refletir em que medida as transformações na organização do trabalho docente estão

relacionadas com essas patologias. Utilizamos para análises categorias como

reestruturação docente, precarização do trabalho, flexibilização, alienação, etc.

Palavras-chave:1- reestruturação docente, 2-trabalho docente, 3-precarização do

trabalho.

1. Justificativa

Este estudo surgiu de nosso interesse em compreender o processo de

reestruturação da produção engendrado pelo capital e analisar seus impactos no mundo

do trabalho docente, particularmente no que concerne à categoria de professoras da

rede municipal de ensino da cidade de Marília, São Paulo, cujo quadro integramos

desde o ano de 1986.

Assistimos nos últimos tempos profundas transformações no trabalho docente,

as quais têm modificado as características dessa atividade profissional por meio da

introdução de um rol de afazeres estranhos ao mister pedagógico e da acumulação e

intensificação de tarefas diárias.

Essas condições vêm precarizando o trabalho no interior das escolas, afetando

o tempo de vida pessoal dessas trabalhadoras e necessita ser refletido pela categoria,

principalmente no que diz respeito aos impactos provocados na sua condição de vida

pessoal e de saúde, dado o alto número de casos de adoecimentos apresentados entre

as servidoras públicas do magistério municipal.

Não bastasse a relevância que representa para a categoria em si, a pesquisa

contribuirá para uma maior reflexão pelos sindicatos e partidos políticos locais bem

como demais trabalhadores acerca das imposições do capital sobre o mundo do

trabalho e sobre suas possibilidades de mudanças.

2. Fundamentação Teórica

As condições de trabalho que as professoras da rede municipal de ensino da

cidade de Marília vêm enfrentando em seu cotidiano têm levado à categoria um

intenso processo de precarização e desprofissionalização.

As sucessivas reestruturações implantadas, bem como as que se encontram em

curso, têm provocado transformações profundas em suas atividades laborais, refletindo

as mudanças ocorridas no mundo do trabalho promovidas pelo capital, com o intuito

de reorganizar suas bases produtivas e retomar seu processo de acumulação.

No campo educacional, as reestruturações ocorrem por meio de reformas

implantadas no sistema de ensino. Esse processo inicia-se, à nível macro, a partir de

1990, impulsionado pelas políticas neoliberais que propuseram amplas reformas para o

sistema educacional brasileiro. As reformas instaladas, promovidas pelos

representantes do capital, tais como o Banco Mundial, a Organização das Nações

Unidas (ONU), o Fundo Monetário Internacional (FMI), etc., transformaram a

organização escolar atingindo de modo sistêmico as escolas da rede pública municipal

de Marília.

Até o ano de 1997, a rede municipal de ensino de Marília contou com

atendimento exclusivo à educação infantil. Com o advento da municipalização do

ensino fundamental, inaugura na rede um novo modelo de organização escolar e de

trabalho docente.

O imperativo da alfabetização levou a uma mudança significativa nas tarefas

das professoras em sala de aula e dos gestores nas escolas: mapas e tabelas passaram a

ser preenchidos e mensurados e índices perseguidos.

Nem a educação infantil escapou das reformas instaladas, pois na série pré III

(última etapa do ciclo da educação infantil à época) os alunos passaram a ser

submetidos a um processo sistemático de alfabetização, outrora desenvolvido em um

contexto mais amplo de formação integral sem, no entanto, compromisso formal com

este fim.

É possível verificar que as sucessivas reestruturações adotadas à nível local

guardam estreita relação com as reformas educacionais ocorridas no Brasil no período

histórico destacado: de modo sistêmico foram reproduzidos programas, propostas e

orientações, as mesmas que subsidiaram a educação nacional.

ROSEMBERG (2010, p.196) pontua que desde os anos de 1990 o Brasil,

juntamente com países da América Latina, realizaram reformas em seus sistemas

educacionais adequando legislação, planejamento, gestão educacional, currículo,

avaliação, financiamento, etc. de modo a engrossar um movimento internacional que

reconhecia na educação o caminho para suplantar as desigualdades sociais e

econômicas em curso nesses países.

Seguidamente, ao longo da história, a educação é apresentada como a redentora

das condições econômicas e sociais dadas. Sob este aspecto esclarece OLIVEIRA

(2004):

As reformas educacionais dos anos de 1960, que ampliaram o acesso à escolaridade, assentavam-se no argumento da educação como meio mais seguro para a mobilidade social individual ou de grupos. [...] Já as reformas educacionais dos anos de 1990 tiveram como principal eixo a educação

para a equidade social. (OLIVEIRA, 2004, p. 1129) [os grifos são nossos]. Com relação às reformas implantadas a partir de 1990, continua:

O argumento central dessas reformas poderia ser sintetizado na expressão largamente utilizada nos estudos produzidos pelos organismos internacionais pertencentes à ONU para orientação dos governos latino-americanos com relação à educação: transformação produtiva com

equidade (OLIVEIRA, 2004, p.1129) [os grifos são da autora]. .

Entretanto para um entendimento adequado do papel que cumpre a educação

em nossa sociedade, com suas políticas e reformas educacionais que fomentaram as

reestruturações nos sistemas de ensino no Brasil e na rede de Marília, faz-se necessário

integrá-la num contexto que toma a totalidade histórica e social engendrada.

Com este propósito, buscamos auxílio na bibliografia especializada e

encontramos em NOMA e CZERNISZ (2010) a análise do cenário social do final do

século XX, o qual, segundo as autoras, foi marcado por profundas transformações no

regime capitalista que buscou reorganizar o capital no plano econômico visando sua

retomada no processo de acumulação.

Igualmente SOUZA (2010), aponta que a partir de 1970 a crise estrutural do

capitalismo leva a esse movimento de reorganização que permite ao capital não

somente transformar seu regime de acumulação como também o modo de travar as

relações sociais e políticas. Com suas palavras:

O conjunto de transformações vivenciadas desde os anos de 1970 significa a materialização da crise de um modelo de desenvolvimento do capital fundado no regime de acumulação rígida que possuía no taylorismo/fordismo seu modelo de organização produtiva, e no Estado de Bem Estar Social, seu modelo de regulação social. O esgotamento deste modelo de desenvolvimento fundado no pós II Guerra Mundial, somado ao acúmulo de inovações tecnológicas no campo da microeletrônica e da informática e ao avanço das conquistas políticas da própria classe trabalhadora, constituíram-se as condições objetivas que condicionaram a empreitada do capital e obrigaram-no a recompor suas bases de acumulação e implantar novas modalidades de produção e de mediação do conflito capital/trabalho no nível mundial (SOUZA, 2010, p. 133).

Esse novo estágio histórico do desenvolvimento do capital caracterizou-se pela

dominação dos grandes monopólios (corporações transnacionais, formações de

cartéis), pela financeirização do capital1, pela instalação do padrão toyotista de

produção de mercadorias, pela globalização e suas políticas neoliberais.

A reação mais evidente neste movimento foi o advento do neoliberalismo,

sistema ideológico e político de dominação que utiliza políticas sociais e econômicas

como medida para atingir seus propósitos (NOMA e CZERNISZ, 2010). 1 Novo regime de exportação e acumulação mundial de capital predominantemente financeiro que "implicou em uma interdependência de vários países e regiões acompanhada de uma polarização maior entre países pobres e ricos" (NOMA e CZERNISZ, 2010, p. 195).

Apesar de essa doutrina ter surgido no final dos anos de 1930, ganha força a

partir de 1970 com a crise estrutural do capitalismo. Nos países da América Latina,

assim como no Brasil, se propagou a partir de 1990 (período relativo ao governo de

Fernando Collor de Mello) e trouxe consigo impactos violentos no mundo social e do

trabalho.

Com o neoliberalismo amplas reformas educacionais propostas por organismos

internacionais foram realizadas na América Latina. Podemos citar as principais para o

período: Relatório Educação e Conhecimento de 1992, elaborado pela

CEPAL/UNESCO; Relatório Prioridades e Estratégias para Educação de 1995,

elaborado pelo Banco Mundial; Relatório Cueller de 1997, elaborado pela Comissão

Mundial de Cultura e Desenvolvimento para UNESCO; Pilares da Educação para o

século XXI de 1998, elaborado pela UNESCO; Relatório Delors de 1999, elaborado

pela Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI para UNESCO e, a

nível local, o Plano Nacional de Educação, aprovado em 2001.

Conforme análise minuciosa de LIMA FILHO (2010, p.228), os documentos

em questão detectam "deficiências dos sistemas educacionais", sendo que essas

deficiências são as responsáveis "pela permanência do subdesenvolvimento e das

crises nos países do hemisfério sul": curiosa contradição de ensejar a educação como

sendo, ao mesmo tempo, a culpada e a redentora da situação social do país.

O neoliberalismo, através de seus representantes, materializados nos

organismos internacionais, massifica a ideia de que a educação é fundamental para a

redução das desigualdades econômicas e sociais, vinculando o processo educativo de

uma nação ao seu desenvolvimento econômico.

LIMA FILHO (2010) nos alerta que os relatórios da CEPAL e do Banco

Mundial, já destacados, são encontrados em grande número de citações bibliográficas

e de referências em documentos oficiais dos governos e de instituições do campo

educacional.

Além de constatar a disseminação dos relatórios em programas

governamentais, o referido autor desvela o conteúdo dos mesmos demonstrando algo a

mais em suas orientações que "extrapola o campo das ações conjunturais e de

programas ou níveis educacionais [...] para situar-se no campo das ações estratégicas

que visam orientar o modelo estatal e as políticas institucionais que serão conduzidas

no campo educacional para o conjunto dos países de baixa e média renda [...]" (LIMA

FILHO, 2010, p. 215) [os grifos são nossos].

Vejamos pois que, o núcleo dos relatórios propostos está em buscar uma

redefinição do papel do Estado Nacional com o intuito de consolidar econômica e

politicamente o capitalismo mundial.

As reformas para o campo da educação estariam a serviço da consolidação

desse processo cumprindo "um papel importante como parte estratégica de

manutenção da hegemonia da economia política internacional" (LIMA FILHO, 2010,

p.213).

Sob esta ótica é possível compreender o interesse dos organismos

internacionais em propor e financiar reformas para os sistemas educacionais dos países

periféricos, incluindo o Brasil.

LIMA FILHO (2010) esclarece como esse processo se consolida:

[...] as políticas educacionais dos organismos internacionais para a América Latina pode ser buscado no papel reservado aos países da região na divisão internacional do trabalho (LIMA FILHO, 2010, p. 228).

Ou seja, a esses países cabe uma qualificação profissional necessária a

atividades simples, garantida com investimentos no ensino básico. Já a qualificação

científica e tecnológica dar-se-á a uma parcela reduzida de estudantes desses países,

geralmente aos provenientes da classe econômica dominante e se concentrará

predominantemente nos países desenvolvidos, configurando a divisão internacional do

trabalho entre países periféricos e centrais, promovida pelo capitalismo mundial.

Nesse sentido, as reformas educacionais são necessárias na medida em que

"promovem a regulação social" e organizam a "gestão do trabalho sob a lógica do

capital e do mercado" (NOMA e CZERNISZ, 2010, p. 197).

Como vimos, a mundialização do capital trouxe em seu bojo a reestruturação

produtiva do mundo do trabalho que exigiu uma adequação da força trabalhadora a

esse novo contexto.

O mercado globalizado modificou profundamente a divisão internacional do

trabalho rendendo às empresas transnacionais o poderio de coordenar o processo

econômico mundial (BRUNO, 1997).

Formadas por grandes grupos e conglomerados econômicos, as empresas

transnacionais tem a capacidade de acumular e transferir dinheiro "criando redes de

empresas e operações interdependentes para onde se desloca a tomada de decisões e a

gestão da economia mundial" (BRUNO, 1997, p. 19).

ALVES (2001, p.16), ao demonstrar o fenômeno da globalização destaca que

"o totalitarismo da globalização não se dá mais sob a direção do Estado, mas sim da

economia". Segundo sua análise, ao discutir conceito sobre globalização, elucida:

A globalização sustentada por regimes globalitários, isto é, governos que promulgam o monetarismo, a desregulamentação, o livre comércio, o livre fluxo de capitais e as privatizações maciças, tenderam a diminuir o papel dos poderes públicos (ALVES, 2001, p. 16).

Ainda nos auxiliando nesse autor, verificamos que os gestores dos regimes

globalizados, outrora materializados nos bancos e nas grandes empresas e atualmente

nos fundos de pensão e de investimentos, "dominam setores importantes da economia

dos Estados do Sul - tais como o Brasil" e determinam como se darão os investimentos

em amplos aspectos da vida social destes países, tais como "emprego, saúde,

educação, cultura, proteção do meio ambiente" (ALVES, 2001, p. 16).

O capitalismo e sua lógica da acumulação tende obviamente a se preocupar

"com a quantidade de riqueza abstrata, ou dinheiro, que é acumulada por tal atividade

de negócio", uma vez que sob o aspecto da coisa pública não existe "compromisso

social, nem preocupação com a qualidade" (ALVES, 2001, P. 17).

Uma vez que a globalização suplanta os Estados-Nação em decorrência dos

setores econômicos mundialmente integrados, assistimos no Brasil e nos demais países

periféricos o predomínio de setores econômicos arcaicos, com baixa capacitação

tecnológica "e formas de exploração do trabalho calcadas nos mecanismos da mais-

valia absoluta em suas formas mais cruéis" (BRUNO, 1997, p. 21).

As condições capitalistas de produção e reprodução mundializadas e

hierarquizadas do centro à periferia com setores econômicos altamente desenvolvidos

e avançados e outros arcaicos, que prevalecem nos países como o Brasil, compõe o

cenário mundial globalizado.

Para o contexto brasileiro, mão de obra com baixa e média qualificação para a

maioria de sua população satisfaz os interesses e necessidades do capital na divisão

internacional do trabalho, na medida em que atende aos setores econômicos mantendo

a produção e formando um contingente de mão de obra reserva que funciona cobrindo

eventuais demandas em momentos de pico nos setores produtivos da economia, ao

mesmo tempo em que força para baixo os salários praticados.

Nesse cenário a educação tem a função de capacitar esse contingente de

trabalhadores para o mercado garantindo o aumento da produtividade. Entretanto o

que é difundido pelo capital através de seus representantes é que a educação, formando

seus estudantes para o mercado de trabalho garante, ao mesmo tempo, a promoção da

equidade social através da mobilidade desses estudantes nas classes sociais e o

desenvolvimento econômico do país.

Ancorados nesse discurso que os organismos internacionais e nacionais

propuseram, orientaram e financiaram na década de 1990 reformas educacionais para

o Brasil e para os países vizinhos na América Latina.

As reformas educacionais ocorridas no Brasil com seus reais interesses e

propalados discursos tratados até aqui a partir de uma perspectiva histórica nos permiti

compreender o papel que vem cumprindo a educação em nossa sociedade.

Cumpre-nos agora demonstrar em que sentido tais reformas alteraram o

modelo de organização da produção nas unidades escolares, destacando as da rede

municipal da Marília, e quais foram as implicações para as condições de trabalho das

profissionais em estudo.

Obviamente que a reestruturação ocorrida à nível micro reflete o cerne das

mudanças observadas no contexto geral: flexibilização das leis e conquistas da

categoria, intensificação e acúmulo de tarefas, precarização das condições de trabalho,

desprofissionalização e alienação das trabalhadoras.

Por falta de elementos teóricos e formação inicial adequada bem como pelo

profundo envolvimento com as tarefas diárias do preparo das aulas, essas

trabalhadoras que compõe o cenário escolar, em sua maioria, não identificam as

reformas estruturais sob as quais estão submetidas, ficando sem compreender as

causas reais das condições de trabalho que enfrentam.

Se, por um lado, as causas estruturais não são identificadas e desmistificadas

por essas professoras, por outro, seus reflexos são sentidos em seus corpos e mentes:

sentem a intensificação das tarefas que diminuem o espaço de vida particular e uma

crescente condição de adoecimento, assuntos que procuraremos discutir mais adiante.

Importante marcar que foi no movimento das reformas educacionais, já

mencionadas, implantadas no Brasil a partir da década de 1990 que mudanças

operaram na rede em Marília, destacando como divisor de águas a municipalização do

ensino fundamental.

O tema da municipalização do ensino fundamental, difundido no país a partir

de 1980, ganha força justamente uma década depois e culmina em 1998 com sua

instalação nos sistemas de ensino do país.

A municipalização do ensino no Brasil se traduz como resposta concreta dos

países periféricos ao compromisso assumido em consonância às reformas

internacionais de ampliar e expandir a educação básica a sua população como

estratégia de promover a equidade social.

Segundo OLIVEIRA (2004):

Observa-se, então, um duplo enfoque nas reformas educacionais que se implantam neste período na América Latina: a educação dirigida à formação para o trabalho e a educação orientada para a gestão ou disciplina da pobreza (OLIVEIRA, 2004. P. 1131).

Ainda nos orientando nessa autora, verificamos que juntamente com a

municipalização do ensino fundamental, outras medidas marcaram a "nova

regulamentação das políticas educacionais" no Brasil tais como: a "centralidade

atribuída à administração escolar", isto é, a escola supostamente autônoma é chamada

a promover a gestão escolar; a criação do FUNDEF (fundo de manutenção e

desenvolvimento do ensino fundamental e valorização do magistério) que instituiu o

"financiamento per capita" da educação, com repasses de recursos conforme o número

de alunos matriculados nas redes, estaduais e municipais, as quais deveriam gerir e

administrar tanto a formação dos alunos como os recursos humanos e materiais

recebendo do fundo para tal; a "regularidade e ampliação dos exames nacionais de

avaliação (SAEB, ENEM, ENC), bem como avaliação institucional" e a introdução de

"mecanismos de gestão escolar que insistem na participação da comunidade"

(OLIVEIRA, 2004, p.1130).

À nível local tais fatores foram igualmente adotados nas escolas municipais de

Marília: além do FUNDEF, instalado por força de lei, o discurso da escola autônoma, a

implantação do SAREM (sistema de avaliação e rendimento do ensino de Marília),

bem como a orientação para a convocação da comunidade escolar com o intuito de

participar da gestão nas escolas (a propalada gestão democrática), dentre outros,

marcaram um novo modelo de gestão e organização do trabalho escolar que passaria a

ser adotado na rede e que representou mudanças significativas nas relações de trabalho

no interior dessas unidades escolares.

A reestruturação do trabalho docente, como veremos mais adiante, trouxe

transformações profundas para o magistério municipal e seus efeitos tem-se refletido

atualmente, não só nas condições de carreira dessas profissionais (com perdas de

direitos e conquistas), como também nas condições de trabalho e da vida subjetiva das

mesmas.

Entretanto, antes de avançarmos o debate sobre os reflexos e consequências

que a introdução de novos modelos de organização do trabalho docente combinada

com formulações de políticas para a educação nacional, trouxe para as condições de

trabalho do magistério em Marília, faz-se necessário conhecer o modelo instalado,

pontuando os fatores que marcaram seus aspectos, administrativo e pedagógico.

Primeiro analisaremos o discurso da suposta autonomia escolar, tão propalado

pelos gestores da educação municipal nos idos dos anos de 1998 em diante.

A propalada autonomia colocava as escolas no centro do trabalho pedagógico,

ou seja, uma nova significação lhes era atribuída: de agente fomentadora de

aprendizagem, local de excelência, de eficiência e, consequentemente, de sucesso do

ensino praticado ao maior número possível de alunos. Este deslocamento do

planejamento e da gestão do trabalho pedagógico e administrativo do núcleo central da

secretaria municipal da educação para o interior das escolas, na realidade, transfere

responsabilidades ao mesmo tempo em que mantém, à nível central, o controle dos

programas a serem implantados.

Assim, medidas de padronização e massificação dos processos administrativos

e pedagógicos foram instaladas pela secretaria de educação no interior das escolas

através de tarefas que passaram a fazer parte do dia a dia dos profissionais da rede, tais

como: preenchimento de mapas e tabelas, cumprimento de roteiros de atividades a

serem desenvolvidas, adoção de modelo único de semanário, de avaliação, de proposta

curricular, etc..

Essa reestruturação, esclarece OLIVEIRA (2004), apregoada pelas reformas

educacionais, se difundiu nas escolas do país "sob o argumento da organização

sistêmica, da garantia da suposta universalidade", entretanto o que se buscava

principalmente era "baixar custos ou redefinir gastos e permitir o controle central das

políticas implementadas" (OLIVEIRA, 2004, p.1131).

Na prática, o que competia às escolas em estudo com o novo modelo de

organização do trabalho adotado, era atingir fins, principalmente pedagógicos, sendo

que para tal poderiam utilizar toda a autonomia que dispunham lançando mão de

arranjos que melhor atendessem a localidade, bem como poderiam beneficiar-se da

autorizada descentralização das decisões pedagógicas e assim optar pela base teórica,

metodológica e estratégica que melhor engendrasse o sucesso dos projetos

sistematizados em nível central.

As escolas também usufruíam de liberdade para buscar parcerias com a

comunidade local, com as instituições de ensino e pesquisa circunvizinhas e outros

agentes da sociedade que pudessem auxiliar na implantação das propostas. Essa

medida serviu, na realidade, para retirar do núcleo central da secretaria de educação a

responsabilidade sobre o processo e o resultado dos projetos implantados, uma vez

que o alcance ou não das metas exigidas, consequentemente, recairia sobre os

profissionais da escola e, a professora em última instância, acabaria respondendo

"pelo desempenho dos alunos, da escola e do sistema" (OLIVEIRA, 2004, p.1132).

Para mensurar tal desempenho, em 2003 é instituído na rede municipal, a

exemplo do se consolidava em nível nacional com relação aos exames de avaliação,

o SAREM (sistema de avaliação do rendimento do ensino de Marília) objetivando

quantificar a aprendizagem dos alunos, o desempenho das professoras nesse processo

e a classificação que a escola ocuparia num ranking dentro da rede.

Avançando com a análise sobre o modelo de gestão e organização escolar

implantado na rede de Marília, analisaremos, na sequência, mais um aspecto das

políticas públicas para a reforma dos sistemas de ensino do país: a gestão democrática

nas escolas com a participação da comunidade nas decisões escolares. Apoiada nesse

princípio a secretaria de educação de Marília propunha reiteradas orientações no

sentido de incentivar os gestores a implementarem nas escolas ações que garantissem

o envolvimento da comunidade na vida escolar (tais como: quermesses, feiras,

reuniões, homenagens, festas, simpósios, palestras, projetos, etc.), além das previstas

em lei, como por exemplo os colegiados (conselho de escola, grêmio estudantil), as

associações de pais e mestres, etc.

Tais "mecanismos que insistem na participação da comunidade", em grande

medida possibilitaram essa participação numa frente difusa daquela preconizada pela

gestão escolar democrática: a contribuição financeira. Segundo OLIVEIRA (2004),

essa seria uma fórmula de garantir a expansão dos sistemas de ensino em países com

desigualdade social, tal como o Brasil, que combina financiamento da educação por

meio de políticas públicas com estratégias de gestão que apelam ao voluntarismo e

comunitarismo. Nas palavras autora:

Tais estratégias possibilitam arranjos locais como a complementação orçamentária com recursos da própria comunidade assistida e de parcerias. (OLIVERIA, 2004, p. 1131).

A abertura dessa possibilidade de financiamento complementar atingiria, em

cheio, as escolas da modalidade educação infantil na rede de Marília, as quais,

excluídas do regime do FUNDEF, não recebiam recursos desse fundo estando

exclusivamente dependente do financiamento dos próprios recursos locais.

Foi no bojo dessas reformas veiculadas em nível nacional que a secretaria de

educação de Marília lança, em 1997, o projeto "Esta Emei é do meu Coração" que

consiste em solicitar da comunidade escolar contribuição monetária, voluntária e

mensal para subsidiar complementarmente projetos pedagógicos, bem como promover

melhorias nos aspectos físicos e materiais da escola2.

À medida que se instalavam programas, que se regulamentavam sistemas de

avaliação e controle, que se reproduziam ideias, conceitos e discursos oriundos das

reformas educacionais em nível nacional, desenhava-se, paulatinamente, na rede de

ensino de Marília o modelo de gestão e organização escolar que transformaria

profundamente as relações no interior das escolas: diretores, coordenadores e

principalmente professoras assistiriam a mudanças em suas tarefas e condições de

trabalho com resultados nefastos para o magistério municipal verificado quase uma

década depois.

Esse novo regime de organização do trabalho educacional utiliza os mesmos

"dispositivos e protocolos organizacionais", conforme esclarece ALVES (2007), que

regulamenta o mundo do trabalho no capital, marcados pelos processos de

flexibilização, precarização, alienação e estranhamento.

Isto posto, nossa tarefa, na sequência, será a de buscar desenvolver essas

categorias numa perspectiva histórica, uma vez que procuraremos evidenciar a

presença destes elementos no trabalho das professoras da rede de ensino de Marília.

Quando apontamos a presença do trabalho flexibilizado no interior das escolas

da rede estamos falando do trabalho que desregulamenta as relações trabalhistas

através da perda de direitos do trabalho formal, das conquistas históricas travadas pela

categoria e que resultaram em melhorias nas condições de trabalho.

Além disso, a flexibilização aparece também com a adoção de novas formas de

produção verificadas pela introdução de novas tarefas e funções que impõe à

profissional um novo perfil.

2 Este programa está em curso até hoje na rede, na modalidade educação infantil, mesmo com a regulamentação em 2007 do FUNDEB (fundo de manutenção e desenvolvimento da educação básica e de valorização dos profissionais do magistério) que incluiu no repasse de recursos os alunos matriculados na educação infantil.

Segundo OLIVEIRA (2004) "a rígida divisão das tarefas, característica

marcante do fordismo, vem cedendo lugar a formas mais horizontais e autônomas de

organização do trabalho, permitindo maior adaptabilidade dos trabalhadores às

situações novas, possibilitando a intensificação da exploração do trabalho"

(OLIVEIRA, 2004, P. 1139).

Do ponto de vista histórico encontramos a gênese da flexibilização nas

transformações estruturais do modo de produção e reprodução do sistema capitalista

em seu processo de desenvolvimento e crises.

Conforme descreve ALVES (2007), a marca ontológica desse sistema está na

luta de classes e na correlação de forças entre capital e trabalho resultando daí formas

de Estado-político que ora garantem conquistas e direitos sociais do mundo do

trabalho (o Estado de bem estar social que correspondeu ao período de ascensão do

capitalismo), ora explicitam, com a precarização, a perda desses direitos acumulados

pelos trabalhadores assalariados (o Estado neoliberal no período de decadência e crise

estrutural do capital).

Flexibilizou-se, assim, "as conquistas sociais do mundo do trabalho, seja no

campo da legislação trabalhista, seja dos direitos previdenciários [...]" a fim de atender

as novas demandas do capitalismo em sua nova etapa de financeirização e

mundialização (ALVES, 2007, p. 189).

No bojo de sua recomposição para a retomada da acumulação, o capital

reestrutura suas bases de produção dando lugar a um novo regime de acumulação

flexível caracterizado por novas tendências organizacionais, hoje explícitas no modelo

toyotista de produção.

No interior das escolas uma nova organização se instalou refletindo as

transformações operadas no mundo empresarial e praticadas pelas políticas do Estado

neoliberal, expressando assim, a hegemonia do capital nas mais diversas facetas do

mundo do trabalho.

Uma das mais expressivas reestruturações que apontam na direção do trabalho

flexibilizado nas escolas da rede de Marília foi a incorporação silenciosa de diversas

novas funções nas tarefas docentes, funções, diga-se de passagem, adversas às

atribuições do mister pedagógico.

Paulatinamente foram introduzidas novas e "naturais atribuições" revestidas

com o status da modernidade, da renovação e da adaptabilidade aos novos tempos,

colaborando para o surgimento de um novo perfil da educadora, mais robusto e com

múltiplas funções como, por exemplo, a de psicóloga, enfermeira, mãe, cuidadora,

animadora, etc.: um novo papel para responder às novas demandas impostas pela nova

ordem social.

Esse movimento leva a uma desqualificação do trabalho docente na medida em

que exige dessas profissionais uma atuação alheia a sua formação por excelência,

pulverizando o caráter técnico-formativo da profissão que lhes confere o status de

especialistas no assunto. O magistério passa a ser profissão que outros profissionais e

até mesmo leigos podem opinar e exercer.

Além disso, tais funções acabaram por intensificar as tarefas diárias por elas

desempenhadas e descaracterizar seu papel profissional, colaborando para a perda da

identidade com relação a sua posição e ocupação social empurrando a categoria a um

processo de desprofissionalização e precarização.

Mas não é apenas isso. O novo modelo de gestão escolar, introduzido pelas

reformas educacionais, conduziu a profissional da rede municipal a um processo de

alienação e estranhamento.

Conforme apontamos anteriormente, essas profissionais (diretora,

coordenadora, professora, etc.), com raras exceções, perderam o controle sobre o seu

processo de trabalho. A professora, por exemplo, transformou-se em uma pessoa que

preenche tabelas, semanários e modelos de avaliação, que transcreve propostas

curriculares já prontas, ainda desenvolve projetos pedagógicos com temas já definidos

à nível de secretaria de educação (projeto disciplina, projeto inclusão, projeto sobre o

meio ambiente e tantos outros), também aplica testes e provas avaliativas em seus

alunos que muitas vezes não foi ela quem elaborou, já estão prontas, pois foram

formuladas em nível central.

Executando ações extremamente direcionadas, o trabalho criador desaparece,

se empobrece e a docente fica condicionada a sempre buscar receitas de práticas e

metodologias que garantam seu fazer pedagógico, pois assim se encontram

acostumadas e formadas. Resistem, muitas vezes, em participar de propostas que

privilegiam a atividade reflexiva, o aprimoramento conceitual, a leitura de obras que

poderiam subsidiar a sua formação inicial, garantindo-lhes um aprofundamento teórico

que fomentaria sua prática e aprimoraria seu trabalho cotidiano.

Isto nos remete a outro aspecto colaborador da alienação em que se encontra a

categoria: a formação continuada em serviço disponibilizada.

Vejamos pois que, aliadas à condição de padronização e massificação dos

processos pedagógicos acima apontados, encontram-se nas mesma situação as

propostas de formação em serviço adotadas pela rede municipal: qualificação prática,

desarticulada e desintegrada do processo ensino-aprendizagem, resultando na condição

de alienação que vínhamos discutindo.

Os estudos de MINTO (2009) sobre o ensino à distância apontam para uma

mesma condição de alienação vivida pelo profissional que atua em tal modalidade de

ensino. Em sua análise, evidencia, políticas que norteiam a modalidade à distância,

práticas que regulam a atuação destes docentes direcionando-os a uma análoga

condição de alienação vivenciada pelas professoras de Marília.

Dentre as regulamentações por ele detectadas, reproduzimos àquelas que

encontram semelhança com o caso da rede de Marília: "padronização e aligeiramento

do trabalho didático; retirada do controle do professor sobre o processo educativo (seu

processo de trabalho), deslocando-o para um mecanisismo [...] que impõe o ritmo e a

forma de trabalho", fenômeno que o autor considera como a consolidação e a

ampliação da "distância entre os momentos de concepção, execução e avaliação" de

seu processo de trabalho (MINTO, 2009, p. 4) [os grifos são do autor].

ALVES (2007) ao explicitar a categoria alienação faz a seguinte

reflexão:

[...] ao falarmos em estranhamento, queremos dizer alienação. Para nós as duas palavras têm o mesmo significado, ou seja, possuem um claro sentido negativo. Se a exteriorização ou objetivação da atividade do homem como ser genérico possui um sentido de positividade, por outro lado, o estranhamento possui um claro sentido de negação, obstaculizando o desenvolvimento do ser genérico do homem através do trabalho. (ALVES, 2007, p. 20) [os grifos são do autor].

Buscando aprofundar a análise, transcrevemos a seguinte citação do autor:

[...] O homem é um animal que produz objetos, isto é se objetiva em produtos [...]. É através deste processo de objetivação (do trabalho) que o animal homem se tornou humano. Entretanto sob determinadas condições históricas da propriedade [...] o objeto de trabalho (ou produto de trabalho) se tornou coisal, ou seja, tornou-se uma coisa, produto-mercadoria [...] que nega o próprio sujeito humano [...]. Desta forma, a objetivação assume, deste modo, uma forma estranhada (ALVES, 2007, p. 20-21).

Ora, não é senão essa a condição dessas educadoras? Vejamos que sim, pois, ao

perder o controle, estando fora do domínio do processo de seu trabalho (o processo

pedagógico, o processo ensino-aprendizagem) tornam-se sujeitos alienados,

expropriados de seus saberes; seu trabalho torna-se mecanizado, como citamos em

MINTO (2009), deixa de ser criador, emancipado, afetando sua condição de ser

genérico, humano e social, como verificamos com ALVES (2007), posto que seu

trabalho é negado a si mesma ao deixar de dominar o ato de produzir (planejar, ensinar

e transmitir o conhecimento a seus alunos) o que torna esse processo algo estranho a

elas , visto que a relação de seu trabalho com a atividade pedagógica e ainda seus

resultados resta-lhes fora de si, deslocada e separada de si: onde o conhecimento

habita não reside mais o profissional.

NOVAES (p. 18, s/d) expondo sobre o processo educativo alienado, faz os

seguintes questionamentos:

São os professores estatais [no sentido de agente público] trabalhadores alienados? Parece-nos que sim, pois eles: a) não participam da construção do sistema educacional, b) participam de uma forma subordinada de uma gestão escolar hierárquica e que é regida por inúmeras leis e normas que não foram criadas por eles, c) exercem seu papel de mando numa relação social de dominação, d) recebem um salário pelo seu trabalho, e) não participam da construção do material didático, f) veiculam um tipo de conhecimento que tende muito mais a manter a sociedade de classes, g) na melhor das hipóteses, dominam o conteúdo de uma disciplina, h) não controlam seu tempo de trabalho, portanto, não tem tempo para pesquisar e se informar sobre a "atualidade", i) exercem uma atividade rotineira, não prazerosa, sem sentido social que leva a consequências como absenteísmo, rotatividade, fuga do trabalho. Em outras palavras, este trabalho tende a ser alienante porque não está umbilicalmente conectado com as lutas anti-capital do seu tempo histórico (NOVAES, p. 18).

A condição de alienação de trabalhadores da educação, destacada por

NOVAES, MINTO (2009) e tanto outros pesquisadores, é um dos aspectos que

compõe o complexo de reestruturações ocorridas nas escolas da rede de Marília e que,

juntamente com os demais já apontados (trabalho flexibilizado, intensificado,

desprofissionalização), representou um novo mundo do trabalho para esta categoria,

marcado por transformações profundas nas relações, tarefas, tempo e vida, inclusive

pessoal e subjetiva, dessas trabalhadoras restando-lhes um universo precarizado de

circulação profissional e social.

Todos esses traços articulados produziram um longo e contínuo processo de

precarização de suas condições de trabalho que culminou no que ALVES (2007)

chamou de novo e precário mundo do trabalho.

Sua gênese está, conforme já elucidamos, na promoção de mudanças que o

capital implementou na forma de organização da produção a fim de retomar seu

processo de acumulação visando superar a crise instalada com o modelo então vigente.

Para operar as mudanças necessárias o capital utilizou um conjunto de

inovações tecnológicas e da informação, bem como inaugurou um novo modelo de

gestão do trabalho, mais horizontal e flexível.

Como vimos, esta nova regulamentação social e trabalhista transformou as

relações de trabalho por meio de um processo de precarização das condições

existentes.

Neste novo mundo precarizado se instalaram as doenças laborais, inclusive a

depressão, as rotinas de trabalho intensificadas e as tarefas e jornadas de trabalho

ampliadas: uma professora da rede de Marília, por exemplo, utiliza seu período de vida

particular para desenvolver seus trabalhos da escola (elaboração de semanário,

avaliações e relatórios reflexivos, atualização de seu diário de bordo, correção de

provas, elaboração de atividades, preenchimento de quadros sobre a proposta

curricular, preparação e preenchimento de quadros de consolidados sobre avaliação

escolar, preparação de adereços para festas da escola, etc.).

As tarefas e atividades que realizam se multiplicam diariamente (o professor

com várias funções que falamos anteriormente) e acabam por requerer dedicação que

ultrapassa os limites de sua jornada de trabalho, intensificando sua condição de

exploração.

ALVES (2013) no capítulo 8 desta obra, sob o título: Trabalho Docente e

Precarização do Homem-Que-Trabalha aborda a condição de precarização do trabalho

docente tomando como análise a mesma categoria em estudo por nós, as professoras

da educação pública municipal de Marília, São Paulo.

Segundo sua análise, "as condições de trabalho [destas profissionais] e seus

impactos na vida pessoal, desvela uma dimensão da precarização do trabalho que

oculta a desefetivação do ser genérico do homem" (ALVES, 2013, p. 175).

Para o autor, a precarização do trabalho se dá, por um lado, na instância da

rotina intensificada e na dedicação incondicional ao trabalho e, por outro lado, no

surgimento de condições de adoecimento, insegurança e descontrole pessoal (p. 177).

Esta condição, que o autor chama de precarização do homem que trabalha

afeta a vida particular, e não apenas a profissional, dessas trabalhadoras, "atinge a

dimensão da pessoa humana, corroendo fundamentalmente o desenvolvimento

humano" (ALVES, 2013, p. 178) [os grifos são nossos].

Para o autor, que colheu depoimentos de uma parcela dessas profissionais, tais

condições explicitam "a perversidade do trabalho criativo" que realizam.

Com suas palavras:

Por um lado elas [as professoras da rede de Marília] executam um trabalho de amor e dedicação profissional; mais, por outro lado, o trabalho pedagógico torna-se um fardo com o peso das cobranças e outras mazelas da sociedade burguesa em sua etapa de barbárie social que desefetivam o sentido do ofício de professora [...] (ALVES, 2013, p.189).

O trabalho estranhado que desenvolvem gera o surgimento de transtornos,

adoecimentos e compulsões. É crescente o número de casos de licenças médicas,

afastamentos e introdução em regime de dedicação parcial entre a categoria e ainda o

uso de medicamentos controlados e acompanhamentos com profissionais da saúde

para tratamento de doenças físicas e emocionais.

Esse cenário gera o desinteresse pela profissão, o absenteísmo, o isolamento,

além de desagregar a categoria e mutilar o trabalho pedagógico criativo levando a um

ciclo vicioso que potencializa as condições já precarizadas de trabalho. Nosso

convívio de longa data no magistério municipal permitiu sentir e também enxergar

essa condição entre as colegas educadoras.

Acreditamos que a falta de perspectivas representa uns dos maiores desafios

para a categoria, que não vislumbra a possibilidade da resistência como um possível

caminho para superação da situação nem a reorganização das atividades laborais como

meio de retomada do controle sobre o processo de trabalho e o desenvolvimento de

uma pedagogia criativa que leva à autorealização humana.

Por fim, se faz crucial a compreensão pelas professoras de que a forma de

dominação e exploração do capital sobre os trabalhadores, que reflete em suas

condições de trabalho e saúde, só deixará de existir quando esses passarem a controlar

coletivamente e com autonomia o processo de trabalho, condição necessária para a

superação da ordem ora instalada.

3. Objetivos

3.1 Geral

Analisar a reestruturação produtiva e seus impactos nas condições de trabalho e

saúde das professoras da rede de ensino de Marília.

3.2 Específicos

a) Compreender a reestruturação produtiva ocorrida no mundo do trabalho e sua

implicação para o trabalho docente.

b) Identificar as reestruturações ocorridas na rede municipal de ensino de Marília e

seus impactos nas condições de trabalho das professoras.

c) Investigar as consequências que a nova organização da produção docente traz para

as condições de vida e saúde das professoras da rede em estudo.

4. Metodologia

O trabalho constará de pesquisa bibliográfica e documental, bem como o uso

de questionários para a coleta dedados empíricos.

A pesquisa bibliográfica abordará a temática das reestruturações ocorridas no

mundo do trabalho engendradas pelo capital e seus reflexos no trabalho docente que

levaram a categoria a condições precárias de trabalho afetando a saúde física e mental

bem como a vida cotidiana dessas trabalhadoras.

A pesquisa documental nos permitirá examinar artigos veiculados pela mídia,

leis, decretos e outros documentos diversos anunciando reformas que comprovam o

contexto local de reestruturações.

A coleta de dados empíricos constará de questionários com perguntas abertas

que valorizam aspectos qualitativos e interpretativos e permitem obter opiniões,

sentimentos e expectativas de professoras das escolas públicas do município de Marília.

Pretendemos coletar dados que abordam as mudanças que ocorreram ao longo

do tempo nas condições de trabalho da professora na rede: a relação tempo de trabalho e

tempo de vida pessoal; as condições salariais; as conquistas trabalhistas; as atribuições e

tarefas; o entusiasmo com a profissão; as atuais condições de saúde, etc.

5. Forma de Análise de dados

Primeiro organizaremos os dados obtidos de cada questionário estabelecendo

uma correspondência entre as respostas dos diferentes questionários. Na sequência,

pretendemos analisar as diferenças e semelhanças entre as respostas sobre cada tema

abordado nos diferentes questionários.

Depois procuraremos interpretar as respostas à luz das teorias estudadas na

pesquisa bibliográfica descrevendo o processo de precarização entre os níveis macro e

micro, suas contradições, generalizações e particularidades.

6. Cronograma

A tabela abaixo destaca Período x Atividades a serem desenvolvidas:

TEMPO ATIVIDADES DE PESQUISA

6 Meses Levantamento Bibliográfico

3 Meses Levantamento de documentos, leis, artigos, etc.

3 Meses Elaboração e aplicação de questionários

12 Meses Sistematização dos dados coletados

Análise e interpretação à luz das teorias utilizadas

Redação da pesquisa

24 Meses Conclusão

7. Bibliografia

ALVES, Giovanni. Dimensões da Reestruturação Produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. Londrina: Práxis, 2007. _______________. Dimensões da Precarização do Trabalho: ensaios de sociologia do trabalho. Bauru: Projeto Editorial Práxis, 2013. ______________. Dimensões da Globalização: o capital e suas contradições. Londrina: Práxis, 2001. BATISTA, Roberto Leme. A Reestruturação Produtiva do Capital e a Emergência da Noção de Competência no Mundo do Trabalho. In: SOUZA, José dos Santos; ARAUJO, Renan (Org.). Trabalho, Educação e Sociabilidade. Maringá: Práxis: Massoni, 2010. BENINI, Elcio Gustavo; FERNANDES, Maria Dilnéia Espíndola. Ensino Superior a Distância e o Trabalho Docente: Recentes Configurações no Âmbito do Público e Privado. Revista Educação e Política em Debate. Vol. 1, n 1, jan/jul.2012. BRUNO, Lúcia Emília Nuevo Barreto. Poder e Administração no Capitalismo Contemporâneo. In: OLIVEIRA, Dalila Andrade (Org.) Gestão Democrática da Educação: desafios contemporâneos. Petrópolis, RJ: Vozes, 1997. CÂNDIDO, A. Um funcionário da Monarquia-ensaio sobre o segundo escalão. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2007. ___________. A Revolução de 1930 e a Cultura. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, vol. 2, n.4 p. 27-36, abr. 1984. DAL RI, Neusa; VIEITEZ, Cândido. A Educação no Movimento Social: a luta contra a precarização do ensino público. In: LIMA, F. C. S.; SOUZA, J. U. P.; CARDOZO, M. J. P. B. (Org.). Democratização e educação pública: sendas e veredas. São Luís: Ed. Da UFMA, 2011, p. 133-165.

FALEIROS, V. P. A Política Social do Estado Capitalista: as funções da previdência e da assistência social. São Paulo: Cortez, 1980. FELIX ROSAR, Maria de Fátima. Cap. II: Administração Escolar- um problema educativo ou empresarial? Campinas: Cortez/Autores Associados, 2012, 5ª Ed. GERMANO, J. W. Estado Militar e Educação no Brasil. São Paulo: Cortez, 1994. HARVEY, D. A Teoria Marxista do Estado. In: HARVEY, D. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2005. KUENZER, A. Z. As Mudanças no Mundo do trabalho e a Educação: novos desafios para a gestão. In: FERREIRA, N. S. C. Gestão Democrática da Educação: atuais tendências, novos desafios. São Paulo: Cortez, 1998, p. 33 - 58. LIMA, Barreto, A. H. Três Gênios de Secretaria. (pdf) www.dominiopublico.gov.br LIMA, Domingos Leite Filho. Reformas Educacionais e Redefinição da Formação de Sujeito. In: SOUZA, José dos Santos; ARAUJO, Renan (Org.). Trabalho, Educação e Sociabilidade. Maringá: Práxis: Massoni, 2010. MINTO, Lalo Watanabe. Educação Superior, Trabalho Docente e Capitalismo no Brasil: Problematizando o Ensino à Distância. In: Educação Superior e Capitalismo no Brasil: problematizando o ensino à distância (EàD). 6º Colóquio Internacional Marx e Engels, Unicamp/IFCH/Cemax, novembro de 2009. NOMA, Amélia Kimiko; CZERNISZ, Eliane Cleide da Silva. Trabalho, Educação e Sociabilidade na Transição do Século XX para o XXI: o enfoque das políticas educacionais. In: SOUZA, José dos Santos; ARAUJO, Renan (Org.). Trabalho, Educação e Sociabilidade. Maringá: Práxis: Massoni, 2010. NOVAES, Henrique T. Trabalho como Necessidade Vital, Trabalho Alienado e Estranhamento: o que os trabalhadores do sistema precisam saber. In: NOMA, A. K. Maringá: Ed. UEM, sem datação. OLIVEIRA, Dalila Andrade. A Reestruturação do Trabalho Docente: Precarização e Flexibilização. Revista Educação e Sociedade, Campinas, vol. 25, n. 89: 1127-1144 Set/Dez.2004. PARO, Vitor. Administração Escolar: Introdução Crítica. São Paulo: Cortez, 2006. ROSEMBERG. In: SOUZA, José dos Santos; ARAUJO, Renan (Org.). Trabalho, Educação e Sociabilidade. Maringá: Práxis: Massoni, 2010. SOUZA, José dos Santos. Trabalho, Educação e Luta de Classes na Sociabilidade do Capital. In: SOUZA, José dos Santos; ARAUJO, Renan (Org.). Trabalho, Educação e Sociabilidade. Maringá: Práxis: Massoni, 2010.