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A Reflexão e a Prática de Ensino

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A Reflexão e a Prática de Ensino

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  • A relexo e a prtica no ensino

    Esta coleo traz, em cada volume, reflexes e orientaes prticas para o professor das vrias reas do Ensino Fundamental Ciclo II, das redes pblicas e privadas, acerca das questes mais atuais do ensino.O professor precisa contar com recursos que possam de um lado mostrar para ele como se d a aprendizagem em sua disciplina e, de outro, que sirvam de instrumento prtico para elaborar as suas aulas, atendendo s expectativas atuais de ensino. nesse espao que elaboramos esta coleo de livros. Nas obras, sero encontrados os principais conceitos que orientam o trabalho nas mais diversas disciplinas em um contexto mais atual, em uma linguagem voltada para o trabalho em sala de aula, para os procedimentos de escolha de contedo, de temas, exemplos entre outros. Todas as obras foram produzidas por experientes professores pesquisadores em cada uma das reas do conhecimento.

    Conhea a coleo completa:

    www.blucher.com.br

    Material de apoioao professor no site

    Lngua Portuguesa - Dieli Vesaro Palma | Mrcio Rogrio de Oliveira Cano

    Ingls - Fernanda Coelho Liberali (ORGANIZADORA)

    Leitura e Produo de texto - Anna Maria Marques Cintra | Llian Ghiuro Passarelli

    Matemtica - Celina Aparecida Almeida Pereira Abar | Sonia Barbosa Camargo Igliori

    Cincias - Luciana de Oliveira Lllis | Slvio Miranda PradaHistria - Regina Soares de Oliveira | Vanusia Lopes de Almeida | Vitria Azevedo Fonseca

    Geograa - Robson da Silva Pereira

    Educao Fsica - Marcos Garcia Neira

    Artes - Dlia Rosenthal | Maria Christina de Souza Lima Rizzi (ORGANIZADORAS)

    Mrcio Rogrio de Oliveira CanoCOORDENADOR

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    capa vol 1_lngua portuguesa_final.pdf 1 04/05/2012 11:31:38

  • Lngua portuguesa

    A reflexo e a prtica no ensino

    1

  • Lngua portuguesa

  • MRCIO ROGRIO DE OLIVEIRA CANOautor e coordenador

    A reflexo e a prtica no ensino

    DIELI VESARO PALMAautora

    Lngua portuguesa

    1

  • Coleo A reflexo e a prtica no ensino - Volume 1 - Lngua Portuguesa2012 MRCIO ROGRIO DE OLIVEIRA CANO (autor e coordenador), DIELI VESARO PALMAEditora Edgard Blcher Ltda.

    Ficha catalogrfica

    Palma, Dieli Vesaro, Cano, Mrcio Rogrio de OliveiraPortugus / Dieli Vesaro Palma -- So Paulo:Blucher, 2012. -- (Srie a reflexo e a prticano ensino; v. 1 / coordenador Mrcio Rogriode Oliveira Cano)

    BibliografiaISBN 978-85-212-0668-2

    1. Portugus 2. Portugus - Estudo e ensino3. Prtica de ensino I. Cano, Mrcio Rogrio deOliveira. II. Ttulo. III. Srie.

    Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4 andar04531-012 So Paulo SP BrasilTel.: 55 11 [email protected]

    Segundo o Novo Acordo Ortogrfico, conforme5. ed. do Vocabulrio Ortogrfico da LnguaPortuguesa, Academia Brasileira de Letras,maro de 2009

    proibida a reproduo total ou parcial por quaisquer meios, sem autorizao escrita da Editora.

    ndices para catlogo sistemtico:1. Portugus: Estudo e ensino 469.07

    12-02788 CDD-469.07Todos os direitos reservados pela Editora EdgardBlcher Ltda.

  • Sobre os autores

    MRCIO ROGRIO DE OLIVEIRA CANO

    DIELI VESARO PALMA

    Doutor e Mestre pelo Programa de Estudos Ps-Graduados em Ln-gua Portuguesa da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. De-senvolve pesquisas na rea de Ensino de Lngua Portuguesa e Anlise do Discurso. Possui vrias publicaes e trabalhos apresentados na rea, alm de vasta experincia nos mais variados nveis de ensino. Tambm atua na formao de professores de Lngua Portuguesa e de Leitura e produo de textos nas diversas reas do conhecimento nas redes pblica e particular.

    Ps-Doutora pela Universidade do Porto/Portugal e Doutora pela Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo. Assessora do Conselho Administrativo da PUC-SP. Professora Associada do Departamento de Portugus e atua na Ps-Graduao stricto e lato sensu em Lngua Portuguesa, desenvolvendo pesquisas sobre Histria e Descrio da Lngua Portuguesa e Leitura, Escrita e Ensino da Lngua Portuguesa. Tem publicados diversos livros e artigos sobre historiografia da Lngua Portuguesa e ensino de lngua materna.

  • Esse trecho de uma conferncia de Larrosa emblemtico dos nossos dias, da nossa sociedade do conhecimento ou da informa-o. Duas terminologias que se confundem muitas vezes, mas que tambm podem circular com conceitos bem diferentes. Vimos, muitas vezes, a sociedade do conhecimento representada como simples sociedade da informao. E no isso que nos interessa. Em uma sociedade do conhecimento, podemos, por um lado, crer que todos vivam o conhecimento ou, por outro, que as pessoas o adquiram por meio de e como informao. Nunca tivemos tanto conhecimento e nunca tivemos tantas pessoas informadas e infor-mando. Mas a experincia est sendo deixada de lado.

    O grande arsenal tecnolgico de memorizao e registro em vez de tornar as experincias do indivduo mais plenas, tem esvaziado a experincia, j que todos vivem a experincia do outro, que vive a experincia do outro, que vive a experincia do outro... Quando no tnhamos muito acesso aos registros da histria, era como se vivssemos o acontecimento sempre pela primeira vez. Hoje, pa-rece que tudo foi vivido e est registrado em algum lugar para que possamos seguir um roteiro. Isso paradoxal.

    A experincia o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. No o que se passa, no o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porm, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa est organizado para que nada nos acontea. Wal-ter Benjamin, em um texto clebre, j observava a pobreza de experincias que caracteriza o nosso mundo. Nunca se passaram tantas coisas, mas a experincia cada vez mais rara.Jorge Larrosa Bonda, 2001, I Seminrio Internacional de Educao de Campinas.

    Apresentao

  • Srie8 A reflexo e a prtica do ensino

    No entanto, no compactuamos com uma viso pessimista de que tudo est perdido ou de que haja uma previso extremamente desanimadora para o futuro, mas que, de posse do registro e do conhecimento, podemos formar pessoas em situaes de experincias cada vez mais plenas e indivduos cada vez mais completos. E parece-nos que a escola pode ser um lugar privilegiado para isso. Uma escola dentro de uma sociedade do conhecimento no deve passar informaes, isso os alunos j adquirem em vrios lugares; mas viver a informao, o conhecimento como experincia nica, individual e coletiva.

    Tendo a experincia como um dos pilares que essa coleo foi pensada. Como conversar com o professor fazendo-o no ter acesso apenas s informaes, mas s formas de experienciar essas informaes juntamente com seus alunos? A proposta deste livro partir de uma reflexo terica sobre temas atuais nas diversas reas do ensino, mostrando exemplos, relatos e propondo formas de tornar isso possvel em sala de aula. nesse sentido que vai nossa contribuio. No mais um livro terico, no mais um livro didtico, mas um livro que fique no espao intermedirio dessas experincias.

    Pensando nisso como base e ponto de partida, acreditamos que tal proposta s possa acontecer no espao do pensamento interdis-ciplinar e transdisciplinar. Tal exerccio muito difcil, em virtude das condies histricas em que o ensino se enraizou: um modelo racionalista disciplinar em um tempo tido como produtivo. Por isso, nas pginas desta coleo, o professor encontrar uma pos-tura interdisciplinar, em que o tema ser tratado pela perspectiva de uma rea do conhecimento, mas trazendo para o seu interior pressupostos, conceitos e metodologias de outras reas. E tambm encontrar perspectivas transdisciplinares, em que o tema ser tra-tado na sua essncia, o que exige ir entre, por meio e alm do que a disciplina permite, entendendo a complexidade inerente aos fen-menos da vida e do pensamento.

    Sabemos, antes, que um trabalho inter e transdisciplinar no um roteiro ou um treinamento possvel, mas uma postura de indivduo. No teremos um trabalho nessa perspectiva, se no tivermos um sujeito inter ou transdisciplinar. Por isso, acima de tudo, isso uma experincia a ser vivida.

    Nossa coleo tem como foco os professores do Ensino Funda-mental do Ciclo II. So nove livros das diversas reas que normal-mente concorrem no interior do espao escolar. Os temas tratados so aqueles, chave para o ensino, orientados pelos documentos ofi-

  • 9Ensino-aprendizagem de lngua estrangeira para crianas

    ciais dos parmetros de educao e que esto presentes nas pesqui-sas de ponta feitas nas grandes universidades. Para compor o grupo de trabalho, convidamos professores de cursos de ps-graduao, juntamente com seus orientandos de doutorado e de mestrado e com larga experincia no ensino regular. Dessa forma, acreditamos ter finalizado um trabalho que pode ser usado como um parme-tro para que o professor leia, possa se orientar, podendo retom-lo sempre que necessrio, juntamente com outros recursos utilizados no seu dia a dia.

    Mrcio Rogrio de Oliveira CanoCoordenador da coleo

  • Discutir o ensino de Lngua Portuguesa na sociedade con-tempornea deparar-se com uma srie de questes comple-xas que norteiam tanto os objetivos do ensino de uma lngua a quem j falante nativo, como os prprios objetivos do ensino na modernidade. Do ponto de vista do ensino da lngua, tem se discutido, entre outras questes, se ensinamos uma lngua ou desenvolvemos uma competncia comunicativa por meio dela, se a centralidade est no uso da lngua ou no ensino de gram-tica e, se estiver no uso, quais so os contedos que devem ser priorizados. Do ponto de vista do ensino como um todo, como ensinar Lngua Portuguesa no conjunto das vrias reas do co-nhecimento que circulam na escola e como formar um aluno que no ser especialista nessa rea, mas que precisa dela como meio de ao na e sobre a sociedade? no mbito dessas discus-ses que essa obra foi pensada.

    Se trabalhamos com falantes nativos de determinada lngua, no podemos ter como objetivo ensin-la, tendo em vis-ta que todos j a possuem e utilizam-na, mesmo antes de estar na escola. Partindo desse pressuposto, no ensinamos a Ln-gua Portuguesa, mas a utilizamos como forma de desenvolver a competncia comunicativa do aluno para que ele possa agir

    Prefcio

  • Srie12 A reflexo e a prtica do ensino

    na e sobre a sociedade. Essa reflexo possibilita-nos, portanto, concluir que o nosso eixo o do desenvolvimento de competn-cias e habilidades que permitam ao usurio utilizar com mais conscincia e clareza os textos por meio dos quais interage na e com a sociedade, nas vrias prticas sociais. Dessa forma, ti-ramos do centro do ensino a gramtica tradicional e prescritiva para podermos nos central, como contedo, nos gneros textu-ais com os quais, de fato, as pessoas interagem no mundo e por meio dos quais os sujeitos se constituem. Tendo em vista que os contedos so os gneros, a gramtica, nesse mbito, vai ocupar o espao da constituio do estilo e da estrutura do gnero, pro-posta pela qual optamos neste trabalho.

    Alm dessa reflexo especfica do ensino de Lngua Por-tuguesa, travamos outro conflito em relao a um ensino que no cabe mais em uma dimenso disciplinar, embora a estrutu-ra de organizao dos sistemas escolares ainda o seja. neces-srio pensar em um trabalho que possa formar um sujeito que aja de forma interdisciplinar no mundo. Para isso, pensamos em uma reflexo sobre a lngua que no fique fechada em si, mas que possa atravessar as fronteiras da disciplina, indo buscar, nas vrias reas do conhecimento, elementos que possam, cada vez mais, potencializar o uso da Lngua Portuguesa em um eixo de leitura e produo textual. Dessa forma, podemos contribuir com a formao de um indivduo que possa agir, a partir do co-nhecimento desenvolvido na escola, de forma completa, e no cindido em vrios olhares que no conversam entre si.

    Foi para dar conta dessas reflexes que selecionamos os temas discutidos nesta obra. No teramos como contemplar, no espao deste livro, todos os temas da Lngua Portuguesa, por isso fizemos uma seleo de possveis contedos que se trabalham na escola para, por meio deles, mostrarmos de que forma podemos propor um ensino voltado para o uso da lngua, em contextos de prticas sociais, com vista a formar um aluno que possa agir de forma mais consciente, crtica e tica, sobre o mundo em um contexto de paradigma interdisciplinar. Convidamos os leitores a refletirem conosco, ampliando as discusses aqui proporcionadas a todos os outros temas desenvolvidos em suas salas de aula.

    Os Autores.

  • 1. O ENSINO DA LNGUA PORTUGUESA NO CONTEXTO DO SCULO XXI ................. 19

    1.1 Os desafios da escola na sociedade da informao ............................................ 20

    1.2 Conceito de educao e de ensino e de aprendizagem ...................................... 26

    O ensino de Lngua Portuguesa no atual contexto social .................................. 32

    A formao de professores no contexto atual ................................................... 36

    1.3 Para finalizar ..................................................................................................... 38

    Sugestes de leitura ............................................................................................... 39

    Referncias bibliogrficas ....................................................................................... 40

    2. ASPECTOS DO ENSINO DA ORALIDADE E O GNERO DEBATE PBLICO ............. 45

    2.1 Questes passveis de debate ............................................................................ 49

    2.2 Uma proposta para se debater .......................................................................... 50

    Os papis que compem um debate e suas caractersticas lingusticas ............. 50

    As marcas lingustico-discursivas dos vrios papis assumidos no debate ........ 52

    2.3 Para finalizar ..................................................................................................... 57

    Sugestes de leitura ............................................................................................... 58

    Referncias bibliogrficas ....................................................................................... 59

    3. A RETEXTUALIZAO: DA ENTREVISTA ORAL PARA A ESCRITA ......................... 63

    3.1 A retextualizao .............................................................................................. 69

    3.2 Formando entrevistadores ................................................................................ 73

    3.3 Para finalizar ..................................................................................................... 77

    Sugestes de leitura ............................................................................................... 78

    Referncias bibliogrficas ....................................................................................... 79

    Anexo ..................................................................................................................... 80

    Contedo

  • 4. VARIAESLINGUSTICA E OS DIVERSOS GNEROS DA ESFERA DA VIDA PBLICA, PROFISSIONAL E FAMILIAR .............................................................................. 85

    4.1 Dialetos ............................................................................................................ 86

    4.2 Registros e modalidades ................................................................................... 90

    4.3 Explorando os gneros burocrticos da escola .................................................. 92

    4.4 Os diversos modos de falar da escola e da comunidade: a variao dialetal ...... 95

    4.5 Para finalizar ..................................................................................................... 96

    Sugestes de leitura ............................................................................................... 98

    Referncias bibliogrficas ....................................................................................... 99

    5. A ARTE DA ARGUMENTAO ............................................................................. 103

    5.1 Convencer ou persuadir .................................................................................... 107

    5.2 Argumentatividade e a estrutura global do gnero artigo de opinio............... 111

    5.3 O tom e o engajamento .................................................................................... 112

    5.4 Os tipos de argumentos .................................................................................... 114

    5.5 Defendendo um ponto de vista ......................................................................... 115

    5.6 Para finalizar ..................................................................................................... 120

    Sugestes de leitura ............................................................................................... 121

    Referncias bibliogrficas ....................................................................................... 122

    6. ANNCIO PUBLICITRIO: A COMUNICAO PERSUASIVA ................................. 125

    6.1 Breve percurso histrico .................................................................................... 126

    6.2 Uma distino necessria: publicidade e propaganda ....................................... 128

    6.3 O anncio publicitrio impresso ........................................................................ 131

    6.4 Explorando o gnero anncio na escola ............................................................ 142

    6.5 Para finalizar ..................................................................................................... 144

    Sugestes de leitura ............................................................................................... 146

    Referncias bibliogrficas ....................................................................................... 147

    Anexos .................................................................................................................... 148

  • 7. O GNERO POEMA E A DUPLA FACE DA METFORA: EXPRESSO LINGUSTICA E PROCESSO COGNITIVO ....................................................................................... 153

    7.1 Conceito de figura ............................................................................................. 154

    7.2 A Metfora na viso tradicional ........................................................................ 158

    7.3 A Metfora como processo cognitivo ................................................................ 160

    7.4 Leitura do poema.............................................................................................. 167

    7.5 A leitura como evento social: uma possibilidade de prtica pedaggica ........... 171

    Proposta de atividade ....................................................................................... 172

    7.6 Para finalizar ..................................................................................................... 172

    Sugestes de leitura ............................................................................................... 174

    Referncias bibliogrficas ....................................................................................... 175

    Anexo ..................................................................................................................... 178

    8. INTERDISCIPLINARIDADE E O ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA ..................... 181

    8.1 Definindo as abordagens .................................................................................. 185

    8.2 Propondo interdisciplinaridades ....................................................................... 186

    8.3 Para finalizar ..................................................................................................... 190

    Sugestes de leitura ............................................................................................... 191

  • Para iniciarmos nossa conversa, este captulo introdutrio tra-ta do ensino de Lngua Portuguesa no contexto do desenho social do sculo XXI, herdeiro das conquistas e tradies dos perodos anteriores. Para se entender o momento atual e, nele, o papel da escola, faz-se um rapidssimo apanhado histrico, com vistas a articular os diferentes aspectos que levaram configurao atual da sociedade. Com base nesse panorama, discute-se a funo da escola hoje, prope-se uma viso de educao que possa atender aos objetivos da escola no contexto atual, bem como um mode-lo de ensino e de aprendizagem compatvel com essa meta e, fi-nalmente, apresenta-se uma forma de se desenvolver o ensino de Lngua Portuguesa na Educao Bsica, levando-se em conta os Parmetros Curriculares Nacionais e a formao dos professores.

    1O ensino da Lngua Portuguesa no

    contexto do sculo XXI

  • Srie20 A reflexo e a prtica no ensino

    1.1 OS DESAFIOS DA ESCOLA NA SOCIEDADE DA INFORMAO

    A escola, como ensina Althusser (1970), citado por Brando, um dos Aparelhos Ideolgicos do Estado, o que significa que ela responde, prioritariamente, pela manuteno das ideologias do-minantes na sociedade em determinado momento de sua histria, entendendo-se ideologia como vises de mundo (Cf. BRANDO, 1991) e secundariamente, pela represso, mesmo que de forma pouco perceptvel, disfarada ou simblica. Em decorrncia desse carter, como instituio, frequentemente, ela no se mostra recep-tiva a mudanas. Em contrapartida, ela o lcus para a formao de crianas, jovens e adultos por meio da aquisio de conhecimentos, com vistas a torn-los preparados para a vida em sociedade, o que implica o exerccio da cidadania, ou seja, assumir posies crticas diante das questes sociais. V-se, assim, que, como instituio, ela desempenha um papel paradoxal por ser, de um lado, responsvel pela manuteno do institudo, e de outro, por ser necessria a sua abertura para o novo, sobretudo no que diz respeito produo do conhecimento, processo contnuo e intenso no sculo XXI, e sua divulgao na forma de ensinamentos escolares. Portanto, para de-sempenhar plenamente seu papel, garantindo valores tradicionais e abrindo-se para o novo, ela necessita adequar-se s caractersticas atuais da sociedade.

    Se voltarmos o olhar para o percurso histrico da humani-dade, veremos que houve momentos nessa trajetria marcados por grandes transformaes. Foi o que ocorreu na passagem da pr-histria para a histria, determinada pelo surgimento de uma tecnologia, a escrita, que se somou aos artefatos j criados e que tornou possvel o registro das aes e feitos humanos, represen-tando, portanto, uma grande conquista para o homem, j que ele poderia transmitir para a posteridade suas ideias, crenas, valores e conhecimentos, o que no era garantido pela cultura oral, alm de ter sua vida facilitada pelos instrumentos j criados que fun-cionavam como extenso de suas mos.

    Outro grande momento ocorreu no sculo XVIII, conside-rado o auge da Revoluo Intelectual, iniciada no sculo ante-rior. Nele, surgem novas ideias como novas concepes acerca das instituies polticas, sociais, econmicas e religiosas; sobre a natureza do mundo, a estrutura da sociedade, a liberdade, a pro-priedade, a igualdade e a tolerncia. Seu movimento maior foi a Ilustrao ou Iluminismo que assim apresentado por Japiass e Marcondes (1996, p. 137):

    Nota: segundo

    Brando(1991), ideologia

    uma concepo de mundo

    de uma determinada

    comunidade social numa

    determinada circunstncia

    histrica(p. 27).

    Nota: Auroux (1998)

    considera que a inveno da

    escrita a primeira revoluo

    tecnolingustica da histria

    humana, sendo relativamente

    tardia em relao ao

    surgimento da linguagem.

    Ela ocorreu no perodo

    neoltico, momento em que o

    homem tornou-se sedentrio

    e que um grande nmero

    de tcnicas (agricultura,

    domesticao de animais,

    cermica, tecelagem) se

    desenvolveram, libertando

    os humanos da forte

    dependncia que mantinham

    do meio natural.

  • 21O ensino da Lngua Portuguesa no contexto do sculo XXICapitulo 1

    Movimento filosfico, tambm conhecido como Esclarecimento, Ilustrao ou Sculo das Luzes, que se desenvolve particularmente na Frana, Alemanha e Inglaterra no sc.XVIII, caracterizando-se pela defesa da cincia e da racionalidade crtica, contra a f, a superstio e o dogma religioso. Na verdade, o Iluminismo muito mais do que um movimento filosfico, tendo uma dimenso literria, artstica e poltica. No plano poltico, o Iluminismo defende as liberdades individuais e os direitos do cidado contra o autoritarismo e o abuso do poder. Os iluministas consideravam que o homem poderia se emancipar atravs da razo e do saber, ao qual todos deveriam ter livre acesso.

    So inmeras as contribuies desse perodo, como a criao de bibliotecas, museus, laboratrios, observatrios e institutos cientficos especializados, alm do Sistema Mtrico Decimal; da inveno de aparelhos, como a cmara fotogrfica ou o seu aper-feioamento, o microscpio e o telescpio. H, ainda, um gran-de estmulo ao desenvolvimento cientfico (Astronomia, Fsica, Qumica, Biologia e Cincias Naturais, Cincias da linguagem e nas Cincias Sociais e Filosofia), e divulgao dos trabalhos re-alizados nesse campo.

    Essas conquistas cientficas levam a descobertas e melhora-mentos mecnicos com aplicao industrial, causando a supera-o da indstria artesanal pela industrial. Essa passagem resulta na chamada Revoluo Industrial, iniciada na Inglaterra nos anos 1770. So produtos dessa fase a mecanizao da indstria txtil (mquinas de fiar, teares, descaroador de algodo etc.), aperfei-oamento da mquina de costura e inveno da mquina a vapor, que deu mobilidade ao ser humano, pois ela permitiu o deslo-camento, com maior rapidez, entre grandes distncias. Como decorrncia da revoluo industrial, foram introduzidos, paulati-namente, utenslios que facilitaram o cotidiano das pessoas, bem como foram aprimorados aparatos tecnolgicos, como a ilumi-nao e o gs de rua, que melhoraram a qualidade de vida dos indivduos e determinaram mudanas em seu comportamento.

    O sculo XIX viveu intensamente essa realidade do uso da tec-nologia e das mquinas, a qual foi retratada pela pena mordaz de Ea de Queirs no conto Civilizao, em que, Jacinto, a persona-gem principal, desfruta de todos os avanos cientficos de sua po-ca, fato que acaba tornando-o um ser entediado e que vai descobrir um sentido para a sua vida ao retornar aos hbitos saudveis e des-providos de luxo no campo. Essa mesma crtica, o autor portugus

  • Srie22 A reflexo e a prtica no ensino

    reitera em As cidades e as serras, mostrando como as modernidades tecnolgicas eram nocivas ao homem. Por volta de 1870, lembra Sevcenko (2001), houve um grande progresso no desenvolvimen-to tecnolgico caracterizando a Revoluo Cientfico-Tecnolgica. Ela foi uma consequncia da aplicao do saber cientfico que pos-sibilitou o domnio e a explorao de novos potenciais energticos, como a aplicao da eletricidade, com as primeiras usinas hidro e termeltricas; o uso de derivados de petrleo, que originariam os motores combusto e, posteriormente, os veculos automotores; o surgimento das indstrias qumicas, dos altos-fornos, das fundi-es, das usinas siderrgicas e dos primeiros materiais plsticos e o desenvolvimento de novos meios de transporte (carros, trens e avies, entre outros) e dos meios de comunicao (telgrafo, gra-mofone, rdio, fotografia e cinema).

    Nesse percurso, apontamos avanos relacionados ao desen-volvimento tecnolgico, mas importante destacarmos os pro-gressos intelectuais, expressos pela produo de conhecimentos no campo da Filosofia, das Artes e das Cincias em geral, que, sem dvida, esto na base das conquistas tecnolgicas.

    O sculo XX recebeu toda essa herana e a ela acrescentou novos elementos. Foi um dos momentos histricos em que a so-ciedade passou por constantes e amplas alteraes, manifestadas em distintos campos. Houve profundas mudanas no desenho poltico mundial, agrupando as naes em dois grandes blocos: o capitalista e o comunista, com vises de mundo opostas; hou-ve, entre outras, as duas grandes guerras, nas quais os avanos tecnolgicos contriburam para conflitos altamente destrutivos e desumanos, ceifando milhes de vidas. Contraditoriamente, a in-dstria blica, fator de destruio, contribuiu grandemente para o progresso da Medicina, da Biologia, da Biomedicina, da Eletr-nica, entre outras. Ela possibilitou, por exemplo, o desenvolvi-mento da aviao que, praticamente, no perodo de 100 anos, foi do aparecimento do 14 Bis marco inicial do sonho humano de deslocar-se do cho, inveno do brasileiro Santos Dumont aos grandes supersnicos que voam em altssimas velocidades. Re-fletir sobre esses temas na escola contribui para que o estudante tenha melhor compreenso do mundo atual.

    Na Medicina, no s assistimos cura de muitas molstias j conhecidas, como a vimos tuberculose, ao controle de outras, como a poliomielite e a luta no combate ao cncer, mas tambm o surgimento de novas doenas, como a Aids e as gripes de dife-rentes cepas que provocam grandes epidemias e causam milhares

  • 23O ensino da Lngua Portuguesa no contexto do sculo XXICapitulo 1

    de mortes. Mas a virulncia dessas enfermidades tem obrigado os cientistas de diferentes reas da sade a buscar solues para tais desafios, o que tem gerado grandes saltos no campo da sa-de. Aliada tecnologia de alta preciso, por meio de pesquisas interdisciplinares, como produto da Revoluo da Microeletr-nica (SEVCENKO, 2001), a Medicina tem desenvolvido tcnicas, instrumentos e prteses que apontam, segundo especialistas da rea, promessas de prolongamento da vida humana. Discutir o que essas possibilidades representam para o ser humano uma das funes da escola.

    Ao longo do sculo XX, em relao aos meios de transporte terrestres, praticamente o homem foi da carroa aos carros sofis-ticados, que cada vez mais despertam o desejo dos consumidores. O desenvolvimento industrial, no s automobilstico, ocorreu de forma acelerada e sem a preocupao com suas consequncias. Hoje, so visveis, nas metrpoles, no s os grandes congestio-namentos provocados pelo excesso de veculos, como tambm os danos por eles causados, que prejudicam o meio ambiente na for-ma de poluio, qual se somam os efeitos de outras indstrias poluidoras. Em decorrncia dessa situao, um dos grandes desa-fios do sculo XXI a sustentabilidade ambiental, causa que tem mobilizado, em vrias partes do Planeta, pessoas e instituies em torno da preservao da natureza. Educar a juventude para atuar nessa luta deve ser uma das metas da escola.

    Em relao tecnologia e sua relao com as mdias, ela inva-diu a vida do homem no decorrer do tempo e, de forma intensa, ao longo do sculo XX. Primeiramente, foi o jornal, j conheci-do desde o sculo XVII, mas que teve maior penetrao domi-ciliar no sculo XX. Depois, foi o rdio que revolucionou a vida domstica ao trazer no s a informao para dentro dos lares, mas tambm o apelo ao consumo. Ele foi um fator de agregao familiar durante as duas grandes guerras, pois a famlia, noite, reunia-se ao seu redor para ouvir as notcias do front de guerra, ou, nos momentos de paz, divertir-se com programas musicais. Na sequncia, veio a televiso, que, por meio da imagem, tornou a informao mais interessante para aquele que a recebia em sua casa. Da mesma forma que o rdio, ela reunia a famlia ao seu redor, mas, em lugar de aproximar os membros do grupo fami-liar, ela promoveu o seu isolamento, a ponto de hoje haver fam-lias nas quais cada componente tem a prpria TV em seu quarto, no havendo momentos de encontro entre os familiares. Assim, podemos dizer que a televiso, de certa forma, contribuiu para

    Nota: para o Sevcenko(2001),

    a Revoluo da Micro

    eletrnica est em curso,

    desde o final do sculo

    XX, e causar grandes

    transformaes, muito

    maiores do que as vividas nas

    fases anteriores, sendo, em

    sua opinio, necessrio um

    olhar crtico sobre ela.

  • Srie24 A reflexo e a prtica no ensino

    a desagregao familiar. A prxima novidade foi o computador, inicialmente acessvel a poucos, mas que rapidamente foi se po-pularizando e tornando-se uma ferramenta indispensvel no tra-balho e na escola, sobretudo com as mquinas portteis, como os laptops e os notebooks. Cada vez mais se torna comum nas salas de aula, principalmente na universidade, a presena de estudan-tes com computadores portteis. Logo, a escola deve reconhecer essa nova realidade e adaptar-se ao perfil atual dos estudantes.

    No contexto da Revoluo da Microeletrnica, a Internet pas-sou a integrar o cotidiano dos cidados, a partir dos anos 1990, em um mundo j globalizado. Aliada ao computador, ela abriu um mundo novo para a sociedade, no s em termos de acesso informao em propores nunca antes imaginadas, superando, com grande vantagem, a descoberta da imprensa, no sculo XV no que se refere difuso, mas tambm na prestao de servios de diversas naturezas. Ela se tornou presente na vida humana de tal forma, que j so frequentes os casos de pessoas que no mais saem de casa, pois fazem tudo por via eletrnica, pagamentos, compras, o contato com suas amizades e, inclusive, o seu traba-lho. O excesso de apego Internet j se caracteriza como um v-cio, que gera comprometimentos no comportamento social dos usurios, a ponto de ser considerado uma doena, que ataca jo-vens e adultos, a ser tratada por mdico especialista. Quanto a esse problema, cabe escola mostrar as vantagens e desvantagens da Internet, bem como os riscos que representa, sobretudo, nas chamadas amizades virtuais. Como o nmero de informaes que circula na rede muito grande, preparar o estudante para separar a boa da m informao, bem como para fazer leituras crticas de seu contedo, tambm uma tarefa da escola.

    Outro aspecto decorrente da Revoluo da Microeletrnica a convergncia digital. Segundo Koo (2006, p. 21), ela

    uniu os sistemas de comunicao de TV, telefonia de voz e de dados, integrou os aparelhos de telefone, computador, TV e aparelhos de som, modificou o modelo de negcio das empresas de telecomunicao, empresas de mdia, de entretenimento e informtica. Essa mudana aconteceu rapidamente, imperceptvel sob certa tica (os usurios tradicionais continuam usando as tecnologias separadamente, portanto para eles no houve mudana), porm radicalmente sob outra perspectiva (para a gerao videogame e iPod) at violenta e truculenta no mundo dos negcios com disputas judiciais e polticas.

    Internet: conjunto de redes

    que interliga todos os

    computadores do mundo

    por meio de um processo

    da informtica, o TCP/IP

    (Protocolo de Controle de

    Transferncia/Protocolo

    Internet) que entendem

    essa linguagem e so capazes

    de trocar informaes e

    de transferir todo tipo de

    dados. Sua organizao

    como uma teia, ou seja, o

    usurio, quando pretende se

    conectar com qualquer parte

    do mundo, conecta-se a um

    computador ligado Internet

    em sua cidade. Este, por sua

    vez, est conectado a uma

    mquina em outra cidade

    ou pas e assim por diante,

    percorrendo um caminho at

    chegar ao destino final.

    Nota: a sociedade em que

    se aliam as tecnologias e as

    informaes conhecida

    como sociedade do

    conhecimento. Essa a

    realidade da sociedade atual.

  • 25O ensino da Lngua Portuguesa no contexto do sculo XXICapitulo 1

    Certamente, o alunado da Educao Bsica brasileira, atual-mente, faz parte das geraes aqui citadas e outras mais como a gerao Y, ou do Milnio, e a Z. Convive com a tecnologia, em maior ou menor grau em funo de seu perfil socioeconmi-co, mas no se intimida diante dela. Por essa razo, seu acesso informao, tambm em proporo ao seu status social, hoje, ocorre com grande frequncia fora dos muros da escola, sempre em contato com mltiplas linguagens. Esse outro desafio com o qual a escola se defronta, pois ela ainda prioriza a linguagem verbal oral ou escrita, o que representa uma dificuldade para os jovens, levando-os ao desinteresse pelo conhecimento escolar, que, muitas vezes, est desatualizado quando confrontado com as informaes obtidas fora do mbito escolar.

    Como dissemos, a Internet trouxe alteraes no mun-do do trabalho, que, hoje, fundamenta-se no conceito de deslocalizao(PINTO, 2002, p. 46). Esse autor afirma que

    de facto, deixam de existir locais para existirem espaos, como se disse, espaos especficos de dimenses diversificadas que podem atingir a escala planetria, mas de convergncia mais estrita, onde as relaes comerciais e financeiras se jogam.

    Ele considera que esse espao no fsico, mas organizativo. A deslocalizao est presente, por exemplo, nos servios bancrios, quando o cliente, necessariamente, no tem de ir ao Banco para pagar as suas contas, mas faz isso por via eletrnica, de qualquer lugar. Diz ainda Pinto que o conceito de trabalho mutante e, por essa razo, o profissional deve estar preparado para aprender na sua profisso, ou para aprender outra profisso (p.47). Da ser a atualizao profissional constante um imperativo da sociedade da informao, diramos do conhecimento, sob risco de afastamento do mundo do trabalho. Finalmente, para os jovens, na sociedade tecnolgica, haver a possibilidade de atuaes ainda no exis-tentes, ou seja, novas formas de emprego, mas sempre com um carter especfico.

    Logo, para a escola, preparar para o mundo do trabalho signi-fica formar pessoas abertas a novos conhecimentos e capazes de vencer novos desafios.

    Portanto, a escola no deve ficar alheia a esse contexto social, mas deve, sim, traz-lo para dentro de seus muros, a fim de tor-nar o processo educativo capaz no s de atender s necessidades contemporneas, mas tambm de preparar o estudante a futura-

    Gerao Y: tambm chamada

    gerao do milnio, ou

    gerao Internet, formada

    por jovens nascidos entre

    meados de 1970 e meados

    dos anos 1990. Caracterizam-

    se por realizar mltiplas

    tarefas, utilizam aparelhos

    de alta tecnologia de ltima

    gerao e esto voltados

    paras as questes ambientais.

    Gerao Z: gerao nascida

    aps 1995, que tambm

    multitarefa, pois os seus

    representantes, ao mesmo

    tempo, acessam a Internet,

    ouvem msica, falam ao

    telefone e assistem TV.

    Vivem conectados, so muito

    informados, tm forte senso

    crtico e so egocntricos.

  • Srie26 A reflexo e a prtica no ensino

    mente agir sobre essa realidade, transformando-a. Por conseguin-te, ela deve, em lugar de meramente transmitir conhecimentos, despertar nas crianas o gosto pela busca de novas informaes para a construo de novos saberes. Ela deve, pois, abdicar do transmitir para priorizar o construir, atribuindo ao aluno a sua parte de responsabilidade nessa construo.

    Ao apresentar caractersticas da sociedade atual, objetivamos criar o pano de fundo sobre o qual a educao deve atuar e, con-sequentemente, como a escola, uma das instncias educativas, e, em especfico, o professor de Lngua Portuguesa, podem colabo-rar na formao de cidados participantes e crticos.

    1.2 CONCEITO DE EDUCAO E DE ENSINO E DE APRENDI-ZAGEM

    Na Pedagogia, tradicionalmente, estabeleceu-se a distino en-tre educao e instruo. A primeira, que, segundo Bueno (1974), etimologicamente, est ligada ao verbo educare, do tema de educre, com o significado de conduzir, levar a um determinado fim, signi-fica desenvolvimento, aperfeioamento das faculdades intelectuais e morais do indivduo (p. 1948). A segunda, do latim, instructio-nem, tambm para Bueno, a aco de ministrar conhecimento a algum. Logo, ela restringe-se ao desenvolvimento intelectual, sem considerar o aspecto moral. Portanto, a educao mais abrangen-te, englobando, necessariamente, a instruo.

    No Brasil, atualmente, o que deve ser a educao j est pre-visto na Constituio, que, em seu artigo 205, do Captulo III, seo I, prope:

    A educao, direito de todos e dever do Estado e da famlia, ser promovida e incentivada com a colaborao da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exerccio da cidadania e sua qualificao para o trabalho (p.94).

    Acrescenta ainda, no art. 206, que o ensino ser ministrado com base em vrios princpios, dos quais destacamos: liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, pluralismo de ideias e de concepes pedaggicas [...] e garantia de padro de qualidade.

    V-se, assim, que a Constituio prev a educao como cami-nho para o desenvolvimento integral do indivduo, preparando-o

  • 27O ensino da Lngua Portuguesa no contexto do sculo XXICapitulo 1

    para a atuao profissional e o exerccio da cidadania, indo ao encontro, portanto, do sentido etimolgico do educar.

    A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Brasileira (LDB), por sua vez, em seu Artigo 1 do Ttulo I, reza que:

    A educao abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivncia humana, no trabalho, nas instituies de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizaes da sociedade civil e nas manifestaes culturais.

    1 Esta Lei disciplina a educao escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituies prprias.

    2 A educao dever vincular-se ao mundo do trabalho e prtica social. (NISKIER, 1997, p. 29)

    Em sntese, destacamos que a concepo de educao j est prevista tanto na Constituio quanto na LDB, estando, portanto, claramente apontado, para as instituies de ensino, qual deva ser o caminho a ser trilhado. Logo, educar implica a formao ho-lstica do indivduo, desenvolvendo suas capacidades intelectuais para sua integrao plena na sociedade do conhecimento, a qual engloba informao e tecnologia, aprendendo a conviver com a diversidade e a multiculturalidade, respeitando o outro e sendo criativo na soluo de problemas. Aqui, cabem as orientaes da Carta de Transdisciplinaridade, que, embora direcionadas ao en-sino universitrio, tambm so aplicveis escola bsica.

    Essas orientaes, baseadas no Relatrio Delors, elaborado pela Comisso Internacional Sobre Educao para o Sculo XXI, indi-cam quatro pilares que devem sustentar uma nova forma de edu-cao: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver junto e aprender a ser. O primeiro pressupe o domnio de mtodos que auxiliem na distino do real e do ilusrio, para, assim, o estudante ter condies de entrar em contato com os conhecimentos atuais. Implica tambm ser capaz de relacionar diferentes saberes entre eles e o seu significado no cotidiano social, e entre eles (saberes) e seus significados e as capacidades humanas interiores.

    O aprender a fazer est relacionado aquisio de uma pro-fisso e aos conhecimentos e prticas inerentes a ela. Essa busca da profissionalizao pressupe a especializao, aspecto que se

  • Srie28 A reflexo e a prtica no ensino

    articula com o que j destacamos ao tratar do mundo do trabalho. Sobre esse pilar, a Carta destaca a importncia da criatividade, logo, a criao do novo, e da exteriorizao das potencialidades criativas no fazer, elementos fundamentais para que, no futuro, o profissional no permita que o tdio invada sua atuao no mun-do do trabalho.

    O aprender a viver junto relaciona-se ao respeito s normas que regulamentam a convivncia em grupo, que devem ser ver-dadeiramente compreendidas, admitidas interiormente por cada ser e no sofridas como imposies exteriores. Viver junto no quer dizer simplesmente tolerar o outro com suas diferenas de opinio, de cor de pele e de crenas: submeter-se s exigncias dos poderosos: navegar entre os meandros de incontveis conflitos: separar definitivamente a vida interior da exterior: fingir escutar o outro embora permanecendo convencido da justeza absoluta das prprias posies: assim viver junto transforma-se inevita-velmente em seu contrrio: lutar uns contra os outros (p.7).

    Portanto, o aprender a viver junto leva em conta o aprendizado da condescendncia, da convivncia com as diferenas de toda espcie, bem como o respeito pelas escolhas do outro, quaisquer que elas sejam, enfim da tolerncia. Consideramos que esse pilar deixa bem clara a diferena entre educar e instruir, pois ele apon-ta para a necessidade do ensino de valores na escola, bem como a desconstruo do preconceito, seja ele de que natureza for, aliado, sem dvida, ao desenvolvimento de conhecimentos.

    Finalmente, o aprender a ser est ligado formao completa do indivduo, considerando seus valores, suas crenas e suas in-certezas. Esse pilar visto como o fundamento do ser e leva em conta que:

    Para fundamentar o ser preciso antes escavar as nossas incertezas, as nossas crenas, os nossos condicionamentos. Questionar sempre. O esprito cientfico tambm para ns um precioso guia. Isso aprendido tanto pelos educadores como pelos educandos (p.7).

    Essa Carta no s explicita uma viso de educao, como tam-bm traz orientaes sobre o processo de ensino e de aprendiza-gem. O documento prope a transdisciplinaridade como opo pedaggica para a escola realizar a educao pretendida. Vemos ser essa a meta final, mas, para chegarmos at ela, h etapas a serem percorridas.

  • 29O ensino da Lngua Portuguesa no contexto do sculo XXICapitulo 1

    Assim, um primeiro passo a escola abandonar a pedagogia tradicional, que cumpriu seu papel em determinado momento histrico, e buscar novos caminhos. Ela deve, portanto, abrir mo de uma viso bancria da educao (FREIRE, 1970), pela qual a cabea do estudante, como uma tabula rasa, deveria ser preenchida de ensinamentos, que l ficariam arquivados, estando a responsabilidade desse fazer nas mos do professor, detentor do conhecimento, e sendo o alunos passivo nesse processo.

    Portanto, a instituio escolar deve buscar novas possibilida-des. Em seu artigo Em Torno de Algumas Questes Educacio-nais, Donato (2011) destaca a Teoria Crtica, como uma perspec-tiva inovadora. Esse autor mostra

    que ela busca resgatar os aspectos positivos das teorias firmadas no cotidiano escolar (teorias no crticas), articulando-os na direo de uma transformao social. Assim, resgata-se da Pedagogia Tradicional a importncia da dimenso do saber; da Escola Nova, a dimenso do saber ser, e da Pedagogia Tecnicista, a dimenso do saber fazer (p.5).

    No Brasil, Paulo Freire, Dermeval Saviani, Jos Carlos Lib-neo e Moacir Gadotti representam essa tendncia pedaggica, que, segundo a autora, fundamenta-se nos seguintes princpios:

    o carter do processo educativo essencialmente reflexivo, implica constante ato de desvelamento da realidade. Fun-da-se na criatividade, estimula a reflexo e ao dos alunos sobre a realidade;

    a relao professor/aluno democrtica, baseada no dilo-go. Ao professor cabe o exerccio da autoridade competen-te. A teoria dialgica da ao afirma a autoridade e a liber-dade. No h liberdade sem autoridade;

    o ensino parte das percepes e experincias do aluno, considerando-o como sujeito situado em um determinado contexto social;

    a educao deve buscar ampliar a capacidade do aluno, considerando-o como sujeito situado em um determinado contexto social;

    a educao deve buscar ampliar a capacidade do aluno para detectar problemas reais e propor-lhes solues originais e criativas. Objetiva, tambm, desenvolver a capacidade do aluno de fazer perguntas relevantes em qualquer situao

  • Srie30 A reflexo e a prtica no ensino

    e desenvolver habilidades intelectuais, como a observao, anlise, avaliao, compreenso e generalizao. Para tanto, estimula a curiosidade e a atitude investigadora do aluno;

    o contedo parte da situao presente, concreta. Valoriza--se o ensino competente e crtico de contedos como meio para instrumentalizar os alunos para uma prtica transfor-madora (p.5).

    Justificamos a escolha dessa tendncia pedaggica, por entender que ela tem condies de viabilizar a educao que defendemos. Essa opo significa mudanas radicais, do ponto de vista metodolgico, pois s assim professor e estudantes tero seus papis redefinidos em sala de aula. Para essa redefinio, essencial a escolha de mtodos ativos, como o ensino por Projetos, as Sequncias Didticas ou o Mtodo de Soluo de Problemas ou, ainda, tcnicas como o Pensar Alto em Grupo. Os trs primeiros podem ser realizados disciplinarmente, mas para uma efetiva mudana a escola deve buscar a interdisciplinaridade, para futuramente chegar transdisciplinaridade. Destacamos que, nesta obra, demos nfase s Sequncias Didticas e ao Pensar Alto em Grupo.

    A seguir, apresentamos a sequncia didtica, com base em Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004). Esse parmetro de sequn-cia didtica ser retomado nos prximos captulos como forma de exemplificar na prtica, as reflexes tericas que fazemos. Eles a conceituam como um conjunto de atividades escolares orga-nizadas, de maneira sistemtica, em torno de um gnero textual oral ou escrito (p.97), cuja realizao pressupe um planejamen-to cuidadoso, no qual cada etapa prevista deve ser rigorosamente observada. Esse recurso metodolgico prev as seguintes etapas:

    apresentao inicial, que consiste na descrio detalha-da da tarefa de expresso oral ou escrita, no gnero a ser trabalhado, que ser realizada pelos estudantes. Essa ser a primeiraproduo,que servir ao professor como diag-nstico tanto das dificuldades dos estudantes quanto de seus conhecimentos, dando a oportunidade ao docente de aprimorar sua proposta de trabalho; para o aluno, ela indica as capacidades que ele deve desenvolver sobre o gnero em foco para melhor domin-lo;

    mdulos,que se caracterizam como um conjunto de ativi-dades, fundamentadas nos problemas evidenciados na pri-meira produo, centradas nas particularidades do gnero sob estudo e sistematicamente trabalhadas;

    Interdisciplinaridade: prtica

    que visa abordagem de

    problemas pela qual se

    confrontam perspectivas de

    especialistas de diferentes

    reas na busca de soluo de

    um problema concreto.

    Nota: os autores da Carta

    afirmam que, como

    indicado pelo prefixo trans,

    a transdisciplinaridade

    diz respeito ao que est,

    ao mesmo tempo, entre

    as disciplinas e alm de

    todas as disciplinas. Seu

    objetivo a compreenso

    do mundo presente, e um

    dos imperativos para isso a

    unidade do conhecimento

    (p. 15). Eles afirmam ainda

    que ela um caminho de

    autotransformao orientado

    para o conhecimento

    de si, para a unidade do

    conhecimento e para a

    criao de uma nova arte de

    viver (p. 16).

  • 31O ensino da Lngua Portuguesa no contexto do sculo XXICapitulo 1

    produofinal,que se traduz na elaborao de uma ativi-dade na qual o estudante aplicar os conhecimentos adqui-ridos nos diferentes mdulos.

    As sequncias didticas, na viso dos autores, devem ir do complexo para o simples, uma vez que, em cada mdulo, ser abordado um aspecto especfico do gnero estudado. Os autores propem ainda que, na avaliao, na primeira produo e nos mdulos, as atividades sejam objeto de observao, de anlise, na forma de discusso, em classe, sobre o desempenho oral de um aluno; troca de textos escritos entre os alunos da classe; rees-cuta da gravao dos alunos que produziram o texto oral etc. Os pontos fortes e fracos so evidenciados; as tcnicas de escrita ou de fala so discutidas e avaliadas; so buscadas solues para os problemas que aparecem (p. 103).

    A produo final dever ter um carter somativo. Portanto, nessa tarefa, o estudante deve encontrar, claramente explicitados, os pontos trabalhados nos mdulos que integraram a sequncia. Os autores enfatizam que ela deva ser realizada apenas na ltima avaliao.

    O pensar alto em grupo, atualmente, utilizado como um recurso pedaggico, mas, em sua origem, foi uma tcnica de co-leta de dados em pesquisas cientficas qualitativas sobre leitura (ZANOTTO E PALMA, 2008). Ao ser aplicado em investiga-es sobre o ensino de leitura em sala de aula, transformou-se em uma prtica pedaggica, que tem propiciado aos professores que a utilizam refletir sobre sua atuao em atividades de leitu-ra. Seu objetivo transformar a aula de leitura em um evento social, no qual o ato de ler compartilhado pelos estudantes e pelo professor, que assume o papel de mediador na negociao dos sentidos que so construdos coletivamente. Essa tcnica possibilita a construo de mltiplas leituras, abre espao para outras vozes, alm da do professor, que no mais autorida-de legitimada na construo dos sentidos de textos, sobretudo, quando eles so poticos e a indeterminao est presente em alto grau. O detalhamento desse recurso est no captulo G-nero do poema e a dupla face da metfora: expresso lingustica e processo cognitivo.

    Em face de todos os pontos destacados, colocamos a questo: O que ensinar Lngua Portuguesa no contexto apresentado e com base nas concepes de educao e de processo de ensino e aprendizagem propostos?

  • Srie32 A reflexo e a prtica no ensino

    O Ensino De Lngua Portuguesa no Atual Contexto Social

    Atualmente, o ensino de Lngua Portuguesa desenvolvido com base nos Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que apresentam diretrizes gerais para o desenvolvimento de contedos no Ensino Fundamental e Mdio. Eles propem possibilidades de trabalho com a lngua materna, os saberes a serem ensinados, que, fundamentados no saber cientfico, transformam-se em saberes ensinados. Os Parmetros visam a formar usurios competentes e crticos no uso da lngua e no conhecimento da linguagem.

    O objetivo desta seo responder questo apresentada aqui. Assim, apresentamos posies que acreditamos possam trazer contribuies para mudar a forma de se trabalhar a ln-gua em sala de aula.

    A primeira delas diz respeito ao objetivo do ensino de Ln-gua Portuguesa para falantes nativos, que, em tese, j a dominam, principalmente na sua manifestao oral. Consideramos que o objetivo desse ensino tornar o falante competente no uso da lngua em face da diversidade de situaes comunicativas, quer orais, quer escritas. Para alcan-lo, pensamos ser essencial o de-senvolvimento da competncia comunicativa, aspecto j apon-tado por Bechara, 1985 e Travaglia, 2003, objetivando formar o poliglota na prpria lngua para o primeiro e o usurio capaz de utilizar a diversidade de recursos de que a lngua dispe, para o segundo, mas, para ambos, significando investir na educao lingustica dos estudantes.

    Encontramos argumentos para reforar nossa posio em Lo-mas (2003), que tambm defende ser o desenvolvimento da com-petncia comunicativa necessrio para a formao do usurio competente. Ele a v como expresso de capacidades do indiv-duo, sendo multifacetada e englobando vrias outras competn-cias, como:

    a competncia lingustica e textual, considerada uma capa-cidade inata, que se traduz no conhecimento do cdigo de uma lngua;

    a competncia sociolingustica, vista como a capacidade de adequao ao contexto comunicativo, relacionando-se, portanto, ao uso adequado da lngua;

    a competncia estratgica, que expressa a capacidade para regular a interao, buscando, assim, a eficcia comunicativa;

    a competncia textual ou discursiva, que se relaciona capaci-

    Saberes cientficos: so

    aqueles produzidos nas

    universidades ou em

    institutos de pesquisa. So

    o fundamento do saber a

    ser ensinado, que emana

    da legislao. Assim, o

    conceito de coeso textual,

    por exemplo, um saber a

    ser ensinado, previsto nos

    PCNs. O professor, com base

    no conhecimento cientfico

    que domina sobre esse tema,

    por meio da transposio

    didtica, transforma-o em um

    conhecimento a ser ensinado.

    As atividades propostas

    no processo de ensino e

    aprendizagem, registradas no

    dirio do professor e em suas

    anotaes de aula, so o saber

    efetivamente ensinado. Sobre

    esse assunto consultar Palma

    et al., 2008.

  • 33O ensino da Lngua Portuguesa no contexto do sculo XXICapitulo 1

    dade de produo e compreenso de diversos tipos de textos;

    a competncia semiolgica que manifesta conhecimentos e atitudes na anlise dos usos e forma verbais e no verbais dos meios de comunicao e da publicidade;

    a competncia discursiva que aponta para a capacidade de produo e compreenso de textos literrios.

    Apesar de endossar a proposta de Lomas, gostaramos de destacar dois aspectos: o primeiro em relao competncia textual ou discursiva; no consideramos que elas sejam exclu-dentes ou que sejam idnticas, mas que formam um conjunto que responde pela produo de textos que materializam gne-ros. Tambm no concordamos que a competncia semiolgica restrinja-se anlise de usos, pois acreditamos que o usurio, se preparado, pode produzir textos em que essa competncia seja fundamental, tal como a sequncia didtica proposta no captulo sobre o anncio publicitrio. Portanto, vemos que esse primeiro ponto atende o proposto nos PCNs que o desenvol-vimento de competncias.

    O segundo aspecto que destacamos que o desenvolvimen-to da competncia comunicativa est intrinsecamente ligado a uma base terica para o trabalho com a lngua fundamentado na Lingustica do Discurso, como a Lingustica Textual, a Anlise do Discurso, a Lingustica Funcional, a Lingustica Cognitiva, as Pragmticas, entre outras. Esse recorte terico justifica-se pelo fato de o ensino focalizar a lngua em uso, manifestada em gne-ros de circulao social efetiva e concretizados em textos adequa-dos s situaes comunicativas. Nos captulos deste livro, o leitor encontrar essa posio claramente posta. Tambm esse segundo ponto atende ao solicitado nos PCNs, que o foco na lngua em uso em diferentes contextos sociais.

    Em decorrncia desse segundo ponto, assumimos que a lin-guagem entendida como interao entre sujeitos em sociedade, que agem e interagem por meio dela, produzindo sentidos em funo do contexto scio-histrico-ideolgico. Nesse sentido, Neder (apud TRAVAGLIA ,1996, p. 23) mostra-nos que:

    A verdadeira substncia da linguagem no constituda por um sistema abstrato de formas lingusticas, nem pela enunciao monolgica isolada, nem pelo ato psicofisiolgico de sua produo, mas pelo fenmeno social da interao verbal, realizada pela enunciao ou pelas enunciaes (cf.

  • Srie34 A reflexo e a prtica no ensino

    nota 2). A interao verbal constitui, assim, a realidade fundamental da linguagem.

    A lngua,por sua vez, tambm vista como interao, o que leva Oliveira (2010) a conceb-la como um meio de interao sociocultural (p.34). O autor destaca que interao envolve elementos como sujeito falante e ouvinte, escritor e leitor, suas especificidades culturais e o contexto da produo e recepo de textos. Logo, conceber-se lngua dessa forma consider-la em uso e em contextos reais de comunicao. Para o ensino de lngua materna, fundamental o trabalho com a realidade para, assim, formar usurios competentes que sejam poliglotas em sua prpria lngua, j que sero capazes de utiliz-la em diferentes situaes comunicativas e de forma adequada. Assim os conceitos de lngua e linguagem esto em acordo com o previsto nas orientaes oficiais.

    Atualmente, com fundamento nas linhas tericas apontadas aqui, sabemos que, no uso da lngua, seus usurios no trocam informaes com seus interlocutores por frases isoladas, mas, sim, por meio de textos, os quais so manifestaes de gnerostextuais. Nessa medida, assumimos que o ensino de lngua deve ser alicerado em diferentes gneros, expressos em diferentes contextos, para, assim, concretizar o aprimoramento da compe-tncia comunicativa dos estudantes. Por essa razo, escolhemos uma concepo de gnero que julgamos compatvel com a viso de linguagem e de lngua que endossamos.

    por esse motivo que nos apoiamos em Marcuschi (2002, 2008). Em sua primeira considerao, o autor afirma que os g-neros textuais se constituem como aes socio discursivas para agir sobre o mundo e dizer o mundo, constituindo-o de algum modo (p. 22). Na segunda, amplia essa caracterizao ao con-siderar que eles so os textos do cotidiano, com particularidades especficas, como padres sociocomunicativos caractersticos definidos por composies funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integrao de foras hist-ricas, institucionais e tcnicas (p. 155). Portanto, so entidades empricas presentes em situaes comunicativas, designadas de forma diversa, que formam inventrios abertos.

    O tipotextual, por sua vez, uma construo terica, que se define pela natureza lingustica de sua composio. Constituem sequncias lingusticas, e no textos materializados, que englo-bam algumas categorias como narrao, argumentao, exposi-

  • 35O ensino da Lngua Portuguesa no contexto do sculo XXICapitulo 1

    o, descrio e injuno. o predomnio dessas categorias em um texto que possibilita a sua definio como narrativo ou argu-mentativo, por exemplo.

    Destacamos que, em sua classificao, fundamentamo-nos em Marcuschi (2002) e Adam (1992) por haver pequenas di-vergncias na proposta desses autores, como em relao se-quncia expositiva, apresentada pelo autor brasileiro, com base em Werlich (1973), e a sequncia explicativa, considerada pelo autor francs. Mais uma vez, constatamos que a linha terica escolhida para a fundamentao de nossa proposta coaduna-se com as orientaes dos PCNs.

    O detalhamento dessas sequncias est nos captulos Anncio publicitrio: a comunicao persuasiva, A dupla face da metfora: expresso lingustica e processo cognitivoe, mais precisamente, o argumentativo nos captulos A arte da argumentao e Ensino, oralidade e debate pblico.

    Outro aspecto que julgamos relevante para o ensino da lngua materna a presena da variao lingustica. Para o desenvolvi-mento de conhecimentos lingusticos em sala de aula, o ponto de partida deve ser o saber que o estudante j domina, o que, em ter-mos lingusticos, significa o domnio de sua variante de origem, que, muitas vezes, pode ser o de uma norma no prestigiada. Por meio da anlise lingustica de diferentes textos, expresso de g-neros diversos, o professor pode levar o estudante reflexo sobre as diferenas lingusticas existentes nesses textos empregados em situaes comunicativas distintas, apontando as diferenas entre a norma culta e as demais normas, bem como destacando a impor-tncia do conhecimento delas e de seu uso adequado em funo da diversidade de situaes comunicativas. Logo, o professor deve explicitar, para o estudante, que dominar a norma culta funda-mental para ele, pois haver momentos em que ele necessitar us--la na vida em sociedade, sobretudo nas situaes comunicativas formais, conforme est demonstrado em Variaes lingusticas e os diversos gneros pblicos e familiares, assim como no captulo A retextualizao: da entrevista oral para a escrita.

    Palma, Turazza e Nogueira Junior (2008) propuseram, com base em Figueiredo (2004), o ensino de lngua organizado em pedagogias, como forma de se estruturar a prtica pedaggica. Elas devem ser concebidas, segundo a autora, como atos de cons-truo da prtica pedaggica sempre renovada. Elas esto assim distribudas:

  • Srie36 A reflexo e a prtica no ensino

    1. a pedagogia do oral: trata do ensino de gneros orais, for-mais e informais, em diferentes contextos sociais, de forma sistemtica, com base no conhecimento cientfico produzi-do nessa rea. Convm destacar que ela no se restringe a atividades de dramatizao ou de jograis;

    2. a pedagogia da leitura: tem por objetivo formar o leitor pro-ficiente, sendo a funo da leitura ampliar os conhecimen-tos prvios dos estudantes e, em decorrncia, seus modelos de representao de mundo, fundamentada na concepo de leitura como arte da interpretao (TURAZZA E PAL-MA, 2007);

    3. a pedagogia da escrita: visa a que o estudante compreenda a produo escrita com suas especificidades e particularida-des, como uma atividade conscientemente planejada, que engloba fases como a pr-escritura, a escritura, a reviso con-tinuada e a reescrita. Alm disso, ela deve prever propostas de produo textual em funo de diferentes situaes co-municativas, o que implica a adequao da linguagem no s ao gnero escolhido, mas tambm ao contexto de produo;

    4. a pedagogia lxico-gramatical: apresenta como caracters-tica bsica a transversalidade em relao s demais peda-gogias. Considera-se que o conhecimento sobre o funcio-namento da lngua e o domnio do repertrio lexical so instrumentos necessrios tanto no uso oral da lngua, quan-to nas produes escritas, seja no momento de sua compre-enso, seja no de sua produo.

    Para atuar da forma como aqui propomos, fundamental repensar-se a formao dos professores, aspecto que discutimos a seguir.

    A Formao De Professores No Contexto Atual

    Como foi dito, o ensino em geral, a incluso o de lngua ma-terna, deve ocorrer interdisciplinarmente. Essa interdisciplinari-dade pode ocorrer entre profissionais de diferentes reas, ou na escola, entre professores dos diversos componentes curriculares. Essa uma das possibilidades da interdisciplinaridade na escola. A segunda aquela que o professor realiza em si, ao dominar co-nhecimentos de diferentes campos do saber necessrios para a sua atuao em sala de aula. Ela tem estreita relao com as competn-cias articuladas em torno da competncia lingustica. Assim, essa competncia exige o conhecimento de teorias lingusticas distintas

  • 37O ensino da Lngua Portuguesa no contexto do sculo XXICapitulo 1

    para uma anlise gramatical crtica; a competncia semiolgica pressupe o domnio de conhecimentos da Semitica, por exem-plo, para a anlise das linguagens no verbais; a competncia socio-lingustica solicita do professor conhecimentos de Sociolingustica para trabalhar o uso adequado da lngua, a estratgica necessita de informaes das Pragmticas para discutir o uso eficiente da co-municao e a literria demanda conhecimentos de Teoria Liter-ria ou de Histria da Literatura para analisar textos literrios com seus alunos ou para orient-los na produo desses textos.

    Portanto, essa diversidade de saberes, nem sempre adquiridos na formao inicial, deve ser buscada ou por meio da pesquisa individual, realizada para solucionar problemas originados da prtica em sala de aula, ou ela deve ser obtida em programas es-pecficos de formao continuada, que, frequentemente, tambm enfatizam a importncia da pesquisa. pela relevncia e pela presena da busca do saber na vida dos docentes que trazemos a figura do professor pesquisador, que deve seguir o mtodo da investigao-em-aco (Figueiredo, 2004, p. 8). A autora afirma que de uma importncia capital para o sucesso no domnio do ensino e da aprendizagem em lngua materna porque induz a produo de instrues para a aula, activam-se momentos de re-flexo e constroem-se instrumentos modelizadores da actividade pedaggico-didctica (p.8).

    Para esse modelo de pesquisa, Figueiredo prope trs fases:

    a fase de problematizao, centrada na reflexo em relao a dois aspectos: sobre a legislao educacional e sobre os referenciais tericos;

    a fase de reflexo e sntese, na qual so pensadas as propos-tas de transposio didtica, a diferenciao das interven-es pedaggico-didticas por nveis de ensino e o trabalho de criao e de adaptao de materiais;

    a fase de previso prtica, em que feito o desenho de se-quncias didticas com diferentes mdulos, a definio de objetivos das aulas e da unidade didtica e a definio de tcnicas e elementos de avaliao.

    Tendo como referncia esse modelo, o professor, mesmo com o uso do livro didtico, poder planejar suas propostas de ensino com maior preciso e, na sua aplicao, sempre haver a possibi-lidade de adequaes, o que resultar em uma melhor organiza-o do fazer docente, que certamente o tornar mais eficiente. Ao adotar a investigao-em-ao, o professor promover o duplo

    Transposio didtica:

    relaciona-se seleo

    dos contedos que sero

    focalizados na escola e que

    esto propostos na legislao

    educacional. Esses contedos

    tm sua origem nos saberes

    cientficos e caracterizaro o

    saber escolar, aps passar por

    transformaes. Chevallard

    (1991, p. 39, apud PAIS, 2002)

    assim define a transposio

    didtica: Um contedo do

    conhecimento, tendo sido

    designado como saber a

    ensinar sofre ento um

    conjunto de transformaes

    adaptativas que vo torn-

    lo apto a tomar lugar entre

    os objetos de ensino. O

    trabalho, que de um objeto de

    saber a ensinar faz um objeto

    de ensino, chamado de

    transposio didtica (p. 16).

  • Srie38 A reflexo e a prtica no ensino

    deslocamento de papis sobre os quais j fizemos referncia: o do aluno que passa a ser aprendente, por ser ativo no processo de ensino e de aprendizagem e o do professor que deixa de ser o centro das atividades e ocupa o papel de orientador e mediador na relao pedaggica.

    1.3 PARA FINALIZAR

    Neste captulo, destacamos a importncia de se entender o contexto atual por um vis histrico, assim como as questes complexas ligadas ao ensino em uma sociedade do conhecimen-to. Mostramos que, dessa maneira, possvel entender e pensar sobre novas pesquisas e orientaes metodolgicas para o ensino de Lngua Portuguesa. Por isso, as ideias apresentadas orientaram a elaborao do livro e a validade delas depende da contribuio dos leitores. Contamos com vocs, nossos futuros interlocutores.

  • 39O ensino da Lngua Portuguesa no contexto do sculo XXICapitulo 1

    SUGESTES DE LEITURA

    DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michle; SCHNEUWLY, Ber-nard. Sequncias didticas para o oral e a escrita: apresentao de um procedimento. In: DOLZ, Joaquim e SCHNEUWLY, Ber-nard. Gnerosoraiseescritosnaescola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004, p.95-128.

    MARCUSCHI, Luiz Antnio. Produotextual,anlisedeg-nerosecompreenso. So Paulo: Parbola Editorial, 2008.

    PALMA, DieliVesaro; TURAZZA, Jeni Silva; NOGUEIRA JU-NIOR, Jos Everaldo. Educao Lingustica e desafios na forma-o de professores. In: BASTOS, Neusa Barbosa (org.) Lnguaportuguesa: lusofonia-memria e diversidade cultural. So Pau-lo: Educ, 2008. p. 215-33.

    SEVCENKO, Nicolau. AcorridaparaosculoXXI no loop da montanha russa. So Paulo: Companhia das Letras, 2001.

  • Srie40 A reflexo e a prtica no ensino

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    BUENO, Francisco da Silveira. Grande dicionrio etimolgico--prosdicodalnguaportuguesa. Santos: Editora Braslia, 1974.

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    FREIRE, Paulo. Pedagogiadooprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1970.

    JAPIASS, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionrio bsicodeFilosofia. 3.ed. rev. e ampliada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996.

    KOO, Lawrence Chung. Estudodaatratividadedosambientesdecomunidadesvirtuais: anlise comparativa LinkedIn e Orkut. 2006. Dissertao de Mestrado Pontifcia Universidade Catli-ca de So Paulo, So Paulo, 2006.

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    NISKIER, Arnaldo.LDB a nova lei da educao. 2. ed. Rio de Janeiro: Consultor, 1997.

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