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A Relação da Muito Notável Perda do Galeão Grande São João e a génese do jornalismo lusófono Jorge Pedro Sousa * Índice 1A Relação da Perda do Galeão Grande São João e o contexto da época 4 2 A eventual primazia cronológica da Relação do Galeão Grande São João entre as relações portuguesas 6 3 Estrutura narrativa da Relação da Muito Notável Perda do Galeão Grande São João 7 4A Relação da Perda do Galeão São João como história jornalística 16 5 Conclusões 19 6 Bibliografia 20 Resumo Se excluirmos as crónicas e as cartas (quer as cartas informativas quer as cartas-crónicas, como a de Pêro Vaz de Caminha), pode localizar-se no século XVI o nascimento do jornalismo português e, por extensão, do jor- nalismo lusófono, pois foi nessa época que * Jorge Pedro Sousa, doutor em Ciências da Co- municação, é professor associado e pesquisador da Universidade Fernando Pessoa (Portugal), membro do Centro de Investigação Media e Jornalismo (Portu- gal) e autor de vários livros e artigos sobre jornalismo e comunicação. ([email protected]). surgiram as primeiras folhas volantes notici- osas portuguesas com relatos sobre ocorrên- cias recentes. Não se sabe qual foi a primeira folha noticiosa portuguesa, mas, entre as que subsistiram, propomos que a mais séria can- didata a esse título é a Relação [História] da Muito Notável Perda do Galeão Grande São João em que se Recontam os Casos Des- vairados que Aconteceram ao Capitão Ma- nuel de Sousa de Sepúlveda, e o Lamentável Fim que Ele e Sua Mulher e Filhos e Toda a Mais Gente Houveram, o Qual Se Perdeu no Ano de 1552, a 24 de Junho, na Terra do Natal, cuja primeira edição poderá ter sido impressa entre 1555 e 1556. Neste trabalho, tentaremos mostrar que os conteúdos dessa história se adaptam às formas de narrar ante- riores e indiciam as circunstâncias em que a narrativa foi produzida. Introdução As folhas ocasionais noticiosas surgiram no século XV, na Europa, estando na génese do jornalismo moderno e contemporâneo. Le- gais ou clandestinas, por vezes revolucioná- rias, elas perduraram até ao aparecimento do jornalismo industrial no século XIX e mesmo até à actualidade, se considerarmos os livros-reportagem.

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A Relação da Muito Notável Perda do Galeão GrandeSão João e a génese do jornalismo lusófono

Jorge Pedro Sousa∗

Índice1 A Relação da Perda do Galeão

Grande São João e o contexto daépoca 4

2 A eventual primazia cronológica daRelação do Galeão Grande São Joãoentre as relações portuguesas 6

3 Estrutura narrativa da Relação daMuito Notável Perda do GaleãoGrande São João 7

4 A Relação da Perda do Galeão SãoJoão como história jornalística 16

5 Conclusões 196 Bibliografia 20

ResumoSe excluirmos as crónicas e as cartas (quer ascartas informativas quer as cartas-crónicas,como a de Pêro Vaz de Caminha), podelocalizar-se no século XVI o nascimento dojornalismo português e, por extensão, do jor-nalismo lusófono, pois foi nessa época que

∗Jorge Pedro Sousa, doutor em Ciências da Co-municação, é professor associado e pesquisador daUniversidade Fernando Pessoa (Portugal), membrodo Centro de Investigação Media e Jornalismo (Portu-gal) e autor de vários livros e artigos sobre jornalismoe comunicação. ([email protected]).

surgiram as primeiras folhas volantes notici-osas portuguesas com relatos sobre ocorrên-cias recentes. Não se sabe qual foi a primeirafolha noticiosa portuguesa, mas, entre as quesubsistiram, propomos que a mais séria can-didata a esse título é a Relação [História]da Muito Notável Perda do Galeão GrandeSão João em que se Recontam os Casos Des-vairados que Aconteceram ao Capitão Ma-nuel de Sousa de Sepúlveda, e o LamentávelFim que Ele e Sua Mulher e Filhos e Todaa Mais Gente Houveram, o Qual Se Perdeuno Ano de 1552, a 24 de Junho, na Terra doNatal, cuja primeira edição poderá ter sidoimpressa entre 1555 e 1556. Neste trabalho,tentaremos mostrar que os conteúdos dessahistória se adaptam às formas de narrar ante-riores e indiciam as circunstâncias em que anarrativa foi produzida.

IntroduçãoAs folhas ocasionais noticiosas surgiram noséculo XV, na Europa, estando na génese dojornalismo moderno e contemporâneo. Le-gais ou clandestinas, por vezes revolucioná-rias, elas perduraram até ao aparecimentodo jornalismo industrial no século XIX emesmo até à actualidade, se considerarmosos livros-reportagem.

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As folhas ocasionais terão surgido em Itá-lia, concretamente em Veneza e em Génova,mas espalharam-se rapidamente por toda aEuropa, sendo vendidas em feiras e lugaresconcorridos. Frequentemente, as pessoas,maioritariamente analfabetas, juntavam-separa escutarem a leitura pública de folhas no-ticiosas. O leitor, normalmente, pedia umadeterminada quantia de dinheiro aos ouvin-tes. Em Veneza, dava-se uma moeda deno-minada gazeta ao leitor, tendo essa denomi-nação perdurado como sinónimo de jornal egazeteiro como uma das primeiras denomi-nações de jornalista (ou pelo menos de al-guém que fazia ou coligia notícias para asgazetas).

As folhas ocasionais, normalmente cha-madas relações em Portugal (no sentido deserem um relato), habitualmente eram cons-tituídas por uma única folha de pequena di-mensão (cerca de 15 x 20 cm) e apenas inse-riam uma única “notícia”, ou um único “re-lato”, “com grandes minudências, mas nemsempre com muita verdade” (Tengarrinha,1989: 29). Em alguns casos, eram juntasduas ou três folhas, agrafadas umas às outras.Normalmente, não ultrapassavam oito folhas(Tengarrinha, 1989: 29), mas outras haviaque se publicavam como livros e opúsculos,devido à sua extensão (mais de 20 páginas,podendo atingir uma centena). Tengarrinha(1989: 29), por exemplo, afirma que as rela-ções portuguesas apresentavam o aspecto deum pequeno livro, com frontispício, muitasvezes ilustrado.

Os temas das relações eram variados. Po-lítica, comércio, fenómenos insólitos e cu-riosos, acontecimentos sociais, crimes e cri-minosos, calamidades, batalhas, lugares, etc.são exemplos de alguns dos muitos temasque serviram de pretexto para a elaboração

dessas folhas. Tengarrinha (1989: 29) fezum levantamento das relações portuguesasde que se tem conhecimento ou que aindase conservam, publicadas entre 1555 e 1641(ano em que surge o primeiro periódico por-tuguês estável), tendo chegado ao número de32, abarcando as seguintes temáticas:

• Expansão marítima, naufrágios, rela-ções com povos e descrições de ter-ras distantes, proselitismo religioso: 14(43,7%)1

• Assuntos religiosos: 6 (18,8%)

• Notícias da Corte: 6 (18,8%)

• Acontecimentos gerais do País e o es-trangeiro: 3 (9,4%)

• Batalhas: 2 (6,2%)

• Descrição de Lisboa: 1 (3,1%)

A mais antiga folha ocasional de que seconserva registo foi editada em Itália (Bolo-nha, 1470) e relatava a queda de Constanti-nopla e do Império Romano do Oriente (Im-pério Bizantino), em 1453, e os subsequen-tes avanços dos turcos otomanos pelo Medi-terrâneo oriental. Outras folhas faziam refe-rência a factos como a descoberta da Amé-rica por Colombo (1493), a queda de Gra-nada e a expulsão dos mouros de Espanha(1492), a queda de um meteorito em En-sisheim (1492), a entrada de Carlos VIII emFlorença (1494) ou a batalha de Flodden Fi-eld, em Inglaterra (1513). Outras ainda ofe-reciam informação comercial e política aos

1 Muitas das folhas noticiosas sobre naufrá-gios foram compiladas nos dois volumes da Histó-ria Trágico-Marítima, de Bernardo Gomes de Brito(1735/1736).

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mercadores. Pode dizer-se, assim, que as no-tícias das relações já obedeciam a critériosde noticiabilidade idênticos aos contemporâ-neos, o que acentua a natureza cultural e his-tórica dos valores-notícia (negatividade, re-ferência a fenómenos insólitos, novidade, re-ferência a pessoas de elite, utilidade práticadas informações, etc.).

O hábito de juntar notícias de várias folhasocasionais (de vários países) publicadas aolongo de um determinado período de tempo,inicialmente um ano, para fabricar uma pu-blicação noticiosa (um livro noticioso), es-teve na origem dos jornais periódicos e dojornalismo como hoje o concebemos. Defacto, se inicialmente se juntavam notíciaspublicadas ao longo de um ano, passaram ajuntar-se notícias publicadas ao longo de umsemestre e, depois, de um mês, e começa-ram também a juntar-se notícias de produçãoprópria a essas publicações. Abriram-se, as-sim, as portas ao aparecimento das primeirasgazetas periódicas, mensais, semanais e, porfim, diárias, antepassadas dos jornais moder-nos e contemporâneos.

Embora o termo relações tenha perdurado,essencialmente, para referenciar jornais, fo-lhas e livros noticiosos com várias notícias2,

2 É o caso da Relação Universal do que Succe-deu em Portugal e Mais Provincias do Occidente eOriente, desde o mês de Março de [1]625 até todoSetembro de [1]626, redigida por Manuel Severim deFaria, que apareceu em 1626, em Lisboa, e que se-ria reimpressa em 1627, havendo um segundo númerodessa Relação, compreendendo notícias do período deMarço de 1626 a Agosto de 1627, que foi impressoem 1628. Existem exemplares do primeiro númeroda Relação, de 1626,e do segundo número da Rela-ção, de 1628, na Biblioteca Geral da Universidade deCoimbra, e existe um exemplar da reimpressão braca-rense do primeiro número da Relação na BibliotecaNacional.

é de realçar que algumas das folhas ocasio-nais com uma única “notícia” também se de-nominaram relações, no sentido, como atrásse disse, de serem um relato de um aconteci-mento. A Relação [História]3 da Muito No-tável Perda do Galeão Grande São João emque se Recontam os Casos Desvairados queAconteceram ao Capitão Manuel de Sousade Sepúlveda, e o Lamentável Fim que Ele eSua Mulher e Filhos e Toda a Mais GenteHouveram, o Qual Se Perdeu no Ano de1552, a 24 de Junho, na Terra do Natal, ob-jecto deste trabalho, é um desses casos.

Curiosamente, as folhas volantes impres-sas coexistiram com as manuscritas, pois amais antiga relação manuscrita portuguesaque se conserva na Biblioteca Nacional datade 19 de Outubro de 1588, surgindo como título Notícia da Infelicidade da Armadade Sua Majestade Que Escreveu o Mestrede Santa Catarina4 . Nela, em duas folhas,narra-se a destruição da Armada Invencível.Assim sendo, há a considerar que, quanto aométodo de fixação da informação no suporte,havia dois tipos de folhas volantes coexisten-tes, pelo menos até ao final do século XVI emesmo mais tarde: as impressas e as manus-critas.

Habitualmente, as folhas ocasionais eramanónimas, mas conhece-se o nome de algunsdos mercadores de notícias quinhentistas eseiscentistas, como o luso-brasileiro BentoTeixeira Feio.

As folhas volantes podiam ser escritas emprosa ou em verso. O mesmo Bento Tei-xeira, por exemplo, legou-nos versos sobreo Recife de Pernambuco (extraídos do po-

3 Mantivemos a designação Relação, conformesurge na História Trágico-Marítima, mas Lanciani(1979) usa a designação História, original.

4 BNL, Ms. Caixa 2, n.o 28.

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ema épico Prosopopeia, primeira obra poé-tica de envergadura elaborada no Brasil), co-lonizado pelos portugueses, que terão circu-lado em folha volante.

As sucessivas edições, reedições5 emesmo contrafacções das relações levadas acabo até ao século XVIII provam o sucessoque elas tiveram e documentam a avidez dopúblico por “reportagens”. O decréscimo daprocura das relações portuguesas que se notaa partir do final do século XVIII coincide,aliás, com a consolidação do jornalismo pe-riódico português, que acabou por retirar àsfolhas noticiosas volantes uma grande dosede interesse6. Lanciani (1979: 4-5) explica,a propósito, que os problemas principais pos-tos pelas relações quinhentistas e seiscentis-tas são a cronologia das edições existentes,a distinção entre as edições fiéis e infiéis aooriginal e mesmo a definição da autoria.

Tendo em conta a conjuntura atrás ex-posta, este trabalho tem por objectivo descre-ver a estrutura da Relação da Muito NotávelPerda do Galeão Grande São João em que seRecontam os Casos Desvairados que Acon-teceram ao Capitão Manuel de Sousa de Se-

5 O investimento em reedições, em alternativa auma nova obra, tinha a vantagem de evitar os com-plicados trâmites burocráticos da censura prévia e daobtenção de licença de impressão.

6 Ainda assim, no século XIX encontram-se exem-plos tardios de “reportagens” de naufrágios difundi-das como folhas volantes. Por exemplo, em Por-tugal fizeram-se três edições do relato do naufrágiodo Porto, um dos navios que fazia a carreira Porto-Lisboa, na traiçoeira Foz do Douro (Porto, Portugal),a 29 de Março de 1852. É de realçar, aliás, que nuncase perdeu a ideia de lançar reportagens em livro, queestá na base do sucesso das folhas noticiosas volan-tes. Pelo contrário, continuam a lançar-se anualmentevários livros-reportagem sobre determinados aconte-cimentos de grande envergadura, alguns deles escritosem tom pessoal.

púlveda, e o Lamentável Fim que Ele e SuaMulher e Filhos e Toda a Mais Gente Hou-veram, o Qual Se Perdeu no Ano de 1552, a24 de Junho, na Terra do Natal, interpretaresse relato à luz de conceitos contemporâ-neos sobre jornalismo e defender a sua con-dição de primeira folha ocasional portuguesacuja existência está documentada.

1 A Relação da Perda do GaleãoGrande São João e o contextoda época

Quando a Relação da Perda do GaleãoGrande São João foi escrita e editada, naviragem da primeira para a segunda metadedo século XVI, Portugal começava a atraves-sar uma crise política, económica e social devastas proporções, que contrastava com osanos de glória do início da epopeia dos Des-cobrimentos.

De facto, ao longo do século XVI, em par-ticular a partir da segunda metade desse sé-culo, foram-se desvanecendo os factores quetinham lançado Portugal na grande aventurada expansão marítima e do comércio glo-bal, como a argúcia dos governantes (a co-meçar pelo Infante Dom Henrique, mentorprimeiro dos Descobrimentos), que permitiu,por exemplo, a brilhante manobra de recon-versão da Ordem do Templo em Ordem deCristo, possibilitando a manutenção das ri-quezas, pessoas e conhecimentos dos Tem-plários em Portugal; a clareza na estratégianacional a seguir; a abertura a novas técni-cas, saberes e ideias, independentemente dasua proveniência; e ainda a tolerância, mani-festa, em particular, na aceitação dos judeus,que com o seu dinamismo, sagacidade e di-

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nheiro estimulavam a economia, o comércioe as explorações.

São, assim, várias as causas que provoca-ram o lento declínio de Portugal e o fim dapreponderância do país no comércio inter-nacional a partir de meados do século XVI.Podemos apontar, por exemplo, as crises desucessão no trono; a concorrência de outrospaíses na exploração e no comércio inter-continental; a vontade de rápido enriqueci-mento, que conduziu os negociantes quer adesinvestir na manutenção e no equipamentodas naus, para diminuir o montante do in-vestimento e aumentar as margens de lucro,quer a alterar as condições das naus, paralhes carregar mais mercadoria, o que afec-tava as condições de navegabilidade; o au-mento da influência obscurantista e intole-rante da Igreja Católica, materializada, prin-cipalmente, na instituição da Inquisição, em1547; e ainda a expulsão de Portugal dos ju-deus e mouros que recusaram a conversãoao Cristianismo, em 14967, seguida por vá-

7 Na realidade, D. Manuel I, interessado em man-ter os judeus em Portugal, obrigou todos os judeus aserem baptizados, mesmo à força, pelo que, de um diapara o outro, pôde dizer que já não havia judeus emPortugal. No entanto, grande parte dos judeus conti-nuou a professar secretamente a sua religião. O factode serem judeus, aliás, trouxe-lhes o ódio de uma po-pulação cristã fanática e fundamentalista que via ne-les a fonte de muitos males, pelo que as perseguiçõescontinuaram e provocaram o exílio de muitos judeus,com a consequente fuga de investimentos e capitais.

rias perseguições a judeus e cristãos-novos8,o que afectou o comércio e a economia.

A expulsão dos judeus foi determinadapelo Rei Dom Manuel, em grande medidapor influência da sua noiva, mais tarde mu-lher, Dona Isabel de Castela, que isso lheexigiu para casar com ele. Mas esse actorepresentou um duro golpe para a econo-mia e para a sociedade portuguesa. Portu-gal perdeu o conhecimento acumulado pe-los judeus, o seu espírito empreendedor ecomercial e o seu dinheiro. Tornou-se tam-bém mais permeável à perniciosa influênciada Igreja Católica, tolerada por Dom Ma-nuel, que acalentava sonhos de unir a Pe-nínsula Ibérica sob uma única coroa e sobum Rei português. O seu filho Dom JoãoIII, que ascendeu ao trono em 1521, inclu-sivamente pediu ao Papa a instituição da In-quisição Portuguesa, segundo o modelo daInquisição Espanhola, tendo recebido a au-torização papal em 1547. A perseguição àspessoas, às novas ideias e ao conhecimentopromovida pela Inquisição Católica afastouPortugal do progresso, apesar do comérciointercontinental, ainda liderado por Portugaldurante a primeira metade do século XVI,e da exploração do Brasil e das possessõescoloniais terem disfarçado a crise. De qual-

8 Nome por que eram designados os judeus quepublicamente abraçaram o Cristianismo, embora mui-tos deles, secretamente, continuassem a professar oJudaísmo. Um dos maiores massacres de judeus(como cristãos-novos) ocorreu em Lisboa, Portugal,em Abril de 1506. Durante três dias, 4000 homens,mulheres, crianças e bebés judias foram mortos portodos os meios (fogueiras, espancamentos, violaçõessucessivas...) num dos episódios mais negros da his-tória de Portugal, perante a indiferença do Rei D. Ma-nuel I, que só mandou intervir as tropas quando umdos seus lugares-tenentes judeu foi assassinado pelapopulaça fanatizada por dois frades dominicanos.

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quer modo, na viragem da primeira para a se-gunda metade do século XVI, Portugal já en-frentava a fuga de cérebros e navegantes ex-perientes, a falta de capital, a ameaça cons-tante dos corsários de outros países europeus(ingleses, franceses, holandeses...) e, comose disse, a concorrência de outros países eu-ropeus na exploração do mundo e no comér-cio intercontinental. O reinado de Dom Se-bastião, neto e sucessor de Dom João III (fa-lecido em 1557), agudizou a crise. O jo-vem Rei, mais uma vez devido à pernici-osa influência da Igreja Católica, empreen-deu várias expedições guerreiras no Norte deÁfrica unicamente por espírito de cruzada,pois essas terras já não interessavam estra-tegicamente a Portugal. A economia, as ex-plorações e o comércio intercontinental, quetinham feito a riqueza do país, foram descu-rados pela Coroa. Em 1578, o jovem Reiacabou mesmo por ser morto, sem herdeirodirecto, na batalha de Alcácer Quibir, ondeactualmente é Marrocos. A crise dinásticaque se seguiu, apesar do breve reinado docardeal Dom Henrique e, à morte deste, em1580, da aclamação como Rei de Dom An-tónio Prior do Crato, acabou por conduzir àinvasão de Portugal pelo exército espanhol,em 1580, e à aceitação da reivindicação, porlaços de sangue, da ascensão de Dom FilipeII de Espanha (Dom Filipe I de Portugal) aotrono português, embora sob o princípio daMonarquia dual (dois reinos, um Rei). O do-mínio dos Filipes, até 1640 (Restauração daIndependência), subordinou os interesses dePortugal aos interesses de Espanha; intensi-ficou a obscurantista influência da Igreja Ca-tólica e da Inquisição e a perseguição a pes-soas e ideias; e finalmente tornou os inimi-gos de Espanha em inimigos de Portugal eas guerras de Espanha em guerras de Portu-

gal. A crise económica e social agudizou-se.Os dois países ibéricos, depois dos anos es-plendorosos em que, beneficiando da intre-pidez inicial dos portugueses, globalizaram omundo e o comércio, entraram num processode declínio de que só sairiam no final do sé-culo XX, processo esse apenas mitigado edisfarçado, como se disse, pela exploraçãocolonial.

As relações portuguesas sobre naufrágios(incluindo várias sobre ataques de corsários),como a Relação da Muito Notável Perda doGaleão Grande São João, podem ser vistas,simultaneamente, como um indício e umametáfora da situação de crise que Portugalatravessava. Enquanto as grandes crónicasde Damião de Góis ou João de Barros glo-rificavam a empresa dos Descobrimentos9, aRelação da Muito Notável Perda do GaleãoGrande São João, num tom mais jornalís-tico e verdadeiro, mostra a falta de prepara-ção técnica dos navegantes, a fragilidade dasnaus, negligentemente preparadas e equipa-das, e a cupidez dos comerciantes e fun-cionários, apostados num rápido enriqueci-mento, sem pesar as possíveis, e funestas,consequências.

2 A eventual primaziacronológica da Relação doGaleão Grande São João entreas relações portuguesas

Não se sabe bem qual foi a primeira folhavolante noticiosa editada em Portugal. Ten-garrinha (1989: 29) afirma que foi a Rela-ção do Lastimoso Naufrágio da Nau Con-

9 O que já não acontecia, por exemplo, em Sol-dado Prático, de Diogo do Couto, o outro grande cro-nista português da época.

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ceição Chamada Algaravia a Nova de queEra Capitão Francisco Nobre a Qual Perdeunos Baixos de Pêro dos Banhos em 22 deAgosto de 1555, hipoteticamente impressaem Lisboa, em 1556, com gravura na folhade rosto. Esta folha noticiosa tinha 23 pági-nas de 15 x 20 cm e foi escrita, presumivel-mente, por Manuel Rangel. Giulia Lanciani(1979) explica, porém, que essa Relação po-derá ser apenas de cerca de 1620, pois nelasão referidas obras de 1613 (Crónica de DomJoão III, de Francisco de Andrade) e de 1616(Década VII, de Diogo do Couto). Lanciani(1979: 11) indica, também, que a primeiraedição da Relação da Muito Notável Perdado Galeão Grande São João em que se Re-contam os Casos Desvairados que Aconte-ceram ao Capitão Manuel de Sousa de Se-púlveda, e o Lamentável Fim que Ele e SuaMulher e Filhos e Toda a Mais Gente Houve-ram, o Qual Se Perdeu no Ano de 1552, a 24de Junho, na Terra do Natal, poderá ter sidoimpressa entre 1555 e 155610, o que a torna-ria, documentadamente, a primeira folha vo-lante noticiosa publicada em Portugal. Dessafolha, aliás, conserva-se uma segunda edi-ção, de 1564, e edições posteriores, de 1592,1614 e 1633, tendo sido, finalmente, incluídana História Trágico-Marítima, de BernardoGomes de Brito, em 1735. Há que realçar,no entanto, que Carlos Passos (1928) referefolhas volantes portuguesas de 1527 e talvezmesmo anteriores, sobre o naufrágio de vá-rias naus (São Pedro, São Sebastião, Santo

10 O frontispício da primeira edição, embora seminclusão da data de edição, está reproduzido no Dicio-nário Bibliográfico Português, de Silva, Brito e Brito.Por outro lado, o autor diz no texto que a história lhefoi contada em Moçambique, em 1554, pelo que aedição da Relação da Perda do Galeão São João nãodeve ter ocorrido muito mais tarde.

António e Conceição). De qualquer modo,tendo em conta a análise de Lanciani e osregistos documentais existentes, parece-nosque deverá ser atribuída à Relação da MuitoNotável Perda do Galeão Grande São João aqualidade de mais antiga relação portuguesa,entre todas aquelas de que se conservam re-gistos documentais.

Não se sabe quem foi o autor da Relaçãoda Muito Notável Perda do Galeão GrandeSão João. Essa relação terá sido original-mente publicada sob a forma de um pequenolivro noticioso, com cerca de 20 páginas de15 x 20 cm, dados que se podem inferirpela extensão do relato, pela tradição por-tuguesa de impressão e ainda pela reprodu-ção do frontispício feita no Dicionário Bi-bliográfico Português de Silva, Brito e Brito(cuja edição original é de 1735/1736).

A Relação da Muito Notável Perda do Ga-leão Grande São João chegou-nos até nóspresumivelmente sem grandes alterações aorelato original, já que entre a primeira edi-ção, possivelmente publicada, como se disse,em 1555 ou 1556, e a segunda edição, quese conserva e que foi publicada em 1564, te-rão passado menos de dez anos. Outras re-lações houve que sofreram várias alteraçõesno texto, sobretudo aquando da sua inclusãona História Trágico-Marítima, de BernardoGomes de Brito (1735/1736).

3 Estrutura narrativa daRelação da Muito Notável Perdado Galeão Grande São João

A Relação da Muito Notável Perda do Ga-leão Grande São João é um dos vários textosquinhentistas e seiscentistas conhecidos quese pode considerar como exemplo do jorna-

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lismo emergente. Elaborada ao jeito das cró-nicas medievais (Lanciani, 1979), tambémelas quase-reportagens, a Relação da Perdado Galeão São João é, efectivamente, umaespécie de reportagem sobre um aconteci-mento notável, recente e dramático, elabo-rada para ampla difusão pública. São váriasas características do relato que nos permitemavaliá-lo como uma reportagem, cujos traçosgerais (se descontarmos as questões de es-tilo) são semelhantes à generalidade das re-portagens actuais. Em primeiro lugar, a Re-lação, como quase todas as reportagens, des-creve um acontecimento em profundidade emais extensiva que compreensivamente, ex-plorando suas causas e consequências. Emsegundo lugar, o autor tem algumas liberda-des narrativas, destinadas a intensificar e en-quadrar (religiosamente) o relato, mas tentapermanecer fiel aos factos. Em terceiro lu-gar, e como derradeira marca da reportagemcontemporânea partilhada pela Relação daPerda do Galeão São João, o autor, comfrequência, interveio no relato, para analisar,enquadrar e mesmo dar conta da sua vivênciados factos, como quando revela as circuns-tâncias em que ouviu (e citou) a fonte da his-tória.

O acontecimento narrado na obra, como otítulo da Relação indica, foi o naufrágio doSão João, navio da Carreira das Índias, em-bora o relato se focalize naquilo que acon-teceu aos sobreviventes, em especial nos pa-decimentos e morte de alguns deles, nome-adamente os principais protagonistas da his-tória. A Relação da Perda do Galeão SãoJoão obedece, assim, a vários critérios devalor-notícia. A novidade talvez tivesse pas-sado quando a Relação foi editada (possivel-mente, as pessoas já sabiam do naufrágio),mas estão presentes a morte e a negatividade,

a referência a pessoas de elite, bem como apossibilidade de dramatização e de persona-lização da história do acontecimento.

O texto da Relação da Perda do GaleãoSão João é essencialmente narrativo. A ideiaprimeira do autor é contar aos leitores umahistória verídica, não ficcional. Mas, comoveremos, o autor mergulha na narrativa, paraformular juízos ou fazer reflexões, seguindouma das modalidades de relato um poucoafastada das práticas dominantes do jorna-lismo actual, mas perfeitamente em conso-nância com a cultura da época e os cânonesda crónica tardo-medieval. De facto, a Re-lação da Perda do Galeão São João conta-nos, antes de mais, uma história com fundomoral. A história de um comerciante que,por avidez e egoísmo, perdeu a família, osempregados e os bens. A história de umadama aristocrata que morreu por vergonhada nudez a que tinha sido obrigada. Mas ojuízo moral é apenas dirigido ao indivíduo,a punição é vista como o resultado directodos seus actos, como a consequência das ac-ções desencadeadas pela sua cupidez. Nãobelisca a hierarquia social nem atribui aosgovernantes a sua quota-parte de responsa-bilidade pelo estado da situação. A acusa-ção é “individual”, a responsabilidade peloque sucede é pessoal, não do sistema. Noentanto, a crise portuguesa ecoa indirecta-mente no relato. Manuel de Sousa de Sepúl-veda é a metáfora do comerciante portuguêsda época, empreendedor mas egoísta e cobi-çoso, apostado no rápido enriquecimento aqualquer custo, tanto quanto a negligenciadanau é a metáfora de um país em crise e o re-lato do naufrágio simboliza, de certa forma,um inconsciente colectivo povoado de me-dos e incertezas.

Numa época em que pontificavam em Por-

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tugal cronistas extraordinários como Damiãode Góis, Diogo do Couto11 e João de Barros,é natural que as crónicas, incluindo as cróni-cas medievais, tivessem servido de modelopara as relações quinhentistas e seiscentis-tas (Lanciani, 1979). A Relação da MuitoNotável Perda do Galeão Grande São Joãovai buscar vários elementos às crónicas, dasquais que se pode considerar uma manifesta-ção popular, menos erudita, menos prolixa,mais sensacionalista e dramática, destinada aemocionar, a moralizar e a ser consumida omais massivamente possível12, para dar lucroao autor e ao editor. É, na sua essência, umamistura de jornalismo com literatura popular,que evidencia a existência prévia de algumasdas condições que vieram a permitir o êxitodo jornalismo industrial popular e sensacio-nalista no século XIX.

3.1 O títuloO título da Relação da Muito Notável Perdado Galeão Grande São João em que se Re-contam os Casos Desvairados que Aconte-ceram ao Capitão Manuel de Sousa de Se-púlveda, e o Lamentável Fim que Ele e SuaMulher e Filhos e Toda a Mais Gente Hou-veram, o Qual Se Perdeu no Ano de 1552,

11 Uma das relações seiscentistas de naufrágios éprecisamente da autoria de Diogo do Couto. Trata-seda Relação do Naufrágio da Nau São Tomé da Terrados Fumos no Ano de 1589 e dos Grandes Trabalhosque Passou Dom Paulo de Lima nas Terras da Ca-fraria até à Sua Morte. Escrita por Diogo do Couto,Guarda-Mor da Torre do Tombo. A rogo da SenhoraD. Ana de Lima, Irmã do Dito Paulo de Lima, no Anode 1611.

12 Algumas das folhas ocasionais tiravam mais demil exemplares por edição, numa época em que a ti-ragem média de livros na Europa andava pelos 300exemplares.

a 24 de Junho, na Terra do Natal tem umtom bastante actual, no sentido de que an-tecipa o mais importante da informação, tale qual os manuais de jornalismo contempo-râneos aconselham a fazer. Não tem a bre-vidade e o carácter incisivo e selectivo dostítulos jornalísticos contemporâneos, mas oessencial está lá: o galeão São João naufra-gou e desse acontecimento resultou a mortedo capitão e da sua família, momento queserá, de resto, várias vezes antecipado aolongo do texto. Aliás, a extensão desse tí-tulo permite-lhe funcionar como lead, ou en-trada, já que informa o leitor não apenas so-bre o que aconteceu e os sujeitos da acção,mas também sobre quando aconteceu e ondeaconteceu, seguindo, aliás, também aqui oscânones da retórica clássica, que, como re-cordava Tobias Peucer (1690) na primeiratese doutoral sobre jornalismo, mandava queas notícias mencionassem as circunstânciasde sujeito, objecto, lugar e tempo, além demaneira e causa (a que não há referências notítulo da Relação).

3.2 A estrutura textualA estrutura textual da Relação do naufrá-gio da nau São João também segue os câno-nes retóricos da época, já patentes nas cróni-cas medievais: exordium, proposito, narra-tio, conclusio.

3.2.1 Exordium e proposito

O exordium dessa Relação mescla-se com oproposito. O autor, introdutoriamente, anun-cia que o relato que se segue se destina aensinar os homens a “temerem os castigosdo Senhor e serem bons cristãos, trazendoo temor de Deus diante dos olhos, para não

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quebrar seus mandamentos”. Acrescenta queredigiu o texto por lhe parecer que a his-tória “da morte deste fidalgo, e de toda asua companhia” serviria de “exemplo a to-dos (...) para que os homens que andampelo mar se encomendem continuamente aDeus, e a Nossa Senhora que rogue por to-dos. Amem.”. Na óptica do autor, a in-tervenção divina no mundo profano é real econstante. O naufrágio do galeão São João eas desventuras do fidalgo Manuel de Sousade Sepúlveda e da sua família, segundo oenquadramento dado pelo relator, são casosexemplares de castigo divino, devido ao pe-cado da cupidez.

É também no exordium/proposito que oautor aguça, habilmente, o apetite do lei-tor para a história que lhe vai contar, perso-nalizando e dramatizando a narrativa, tal equal mandam também os manuais contem-porâneos de jornalismo. A personalização é,aliás, reforçada pelo facto de a figura cen-tral ser um nobre, uma pessoa das elites daépoca, piedosa e devota: “Porque Manuel deSousa era um fidalgo mui nobre (...) e na Ín-dia gastou em seu tempo mais de cinquentamil cruzados em dar de comer a muita gente,em boas obras que fez (...); por derradeirofoi acabar sua vida, e de sua mulher e fi-lhos, em tanta lástima e necessidade, entreos cafres, faltando-lhe o comer e beber e ves-tir”. É interessante, neste ponto, a referênciaaos negros, os cafres, expostos, estereotipa-damente, ao longo da narrativa, como seresinferiores, em contraponto ao carácter civili-zado e superior dos portugueses. Se morrerera um infortúnio, morrer afastado de Portu-gal e, ainda por cima, na terra dos cafres,seria, para os portugueses da época, um in-fortúnio ainda maior.

Um outro aspecto interessante do disposi-

tivo introdutório é a referência à fonte da his-tória, referenciado totalmente de acordo comas regras mais comuns de citação do jorna-lismo contemporâneo: é referido o nome e aqualidade da fonte, bem como o local ondefonte e “jornalista” negociaram a história, oque ajuda a credibilizar o relato. O autorda Relação pode, de facto, ter-se perdido noanonimato, como acontece com muitos jor-nalistas, mas não a fonte da “notícia”: “(...)Álvaro Fernandes, guardião do galeão, queme contou isto (...) [e] que por acerto en-contrei aqui em Moçambique no ano de milquinhentos e cinquenta e quatro”. A mençãoà fonte atesta a veracidade da história, reme-tendo para o valor jornalístico da verdade.

3.2.2 Narratio e conclusio

Na narrativa (narratio), parte mais extensada obra, é contada a história do naufrágio,suas causas e consequências. O enquadra-mento da história é profundamente religioso:mostra-se o pecado (cupidez de Manuel deSousa de Sepúlveda), o castigo divino (nau-frágio), o arrependimento e a jornada para aobtenção do perdão (a peregrinação). Maso perdão só é concedido a alguns, os que sesalvam, não aos infelizes protagonistas prin-cipais da história.

A estrutura da narrativa da Relação daPerda do Galeão São João é similar aode outras relações de naufrágios da mesmaépoca, que evocam, por sua vez, a própriaestrutura narrativa de alguma literatura me-dieval (Lanciani, 1979), podendo dividir-senos seguintes segmentos narrativos: 1) An-tecedentes e partida; 2) Tempestade; 3) Nau-frágio e Arribação; 4) Peregrinação; 5) Re-torno e salvação (de alguns). É de salientar,no entanto, que a estrutura apresenta alguma

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elasticidade. Por exemplo, o deplorável es-tado das velas, como veremos, não é referidonos antecedentes, mas só depois da partida,quase surpreendendo o leitor.

A organização cronológica da narrativaempresta uma sensação de ordem ao texto,sendo, por isso, uma das modalidades estru-turais que se mantêm na reportagem jornalís-tica (Fernández Parrat, 2001).

3.2.2.1 Antecedentes e partida

Nos antecedentes, apresenta-se o contextoda viagem, abordam-se os motivos das per-sonagens, relembram-se os acontecimentosprecedentes, descreve-se o carregamento e apreparação da nau e refere-se o tipo de carga.Porém, em tom de “profeta da desgraça”, oautor antecipa algumas das causas do nau-frágio posterior: “Partiu neste galeão Ma-nuel de Sousa, que Deus perdoe, para fazeresta desventurada viagem, de Cochim, a trêsde Fevereiro do ano de cinquenta e dois. Epartiu tão tarde por ir carregar a Coulão (...)e ainda que a nau levasse pouca pimenta,nem por isso deixou de ir muito carregadade outras mercadorias, no que se havia deter muito cuidado pelo grande risco que cor-rem as naus muito carregadas.” Trata-se, as-sim, de um relato “jornalístico” antigo comuma muito contemporânea vontade analítica.O autor relembra, por um lado, que a naupartiu tarde demais para poder beneficiar dobom tempo de Verão na dobragem do Caboda Boa Esperança, algo que deveria ser doconhecimento comum da época; por outrolado, o autor esclarece que o navio ia muitocarregado. Omnipresentes estão as concep-ções culturais da época, particularmente evi-dentes no enquadramento religioso do relato:“Manuel de Sousa, que Deus perdoe (...)”. E

o perdão de Deus é necessário, intui-se daspalavras do autor, porque foi a cupidez deManuel de Sousa, que quis trazer mais mer-cadorias do que podia e fazer a viagem paraLisboa a qualquer custo, fora das datas acon-selháveis, que provocou o fatídico desenlace.

3.2.2.2 Tempestade

O segundo momento crucial e intensificadorda acção é a tempestade. Depois de uma na-vegação que se supõe tranquila, pois a elanão há referências de maior, começam oscontratempos, agravados pelo atraso em che-gar ao Cabo da Boa Esperança, provocadoquer pela partida tardia da Índia, quer pelainsistência de Manuel de Sousa de Sepúlvedajunto do piloto em “ver a Terra do Natal”. Atempestade rompe a bonança. A nau revelar-se-á muito carregada, mal preparada e aindapior equipada, como se pode observar nestacitação: “(...) o capitão chamou o mestree piloto e lhes perguntou que deviam fazercom aquele tempo (...) e todos responderamque era bom conselho arribar. As razões quedavam (...) foram que a nau era muito grandee muito comprida e ia muito carregada (...) enão traziam já outras velas senão as que tra-ziam nas vergas (...) e estas eram rotas, quese não fiavam nelas”. O autor revela ainda,quanto às velas, que o mestre e o piloto, iro-nicamente, disseram a Manuel de Sousa que“tanto tempo punham em as remendar, comoem navegar. E uma das coisas por que nãotinham dobrado o Cabo (...) foi pelo tempoque gastavam em as amainar para coserem”.Aliás, o autor enfatiza, analiticamente, que“as ruins velas que traziam” foram “uma dascausas, e a principal” do “perdimento” dogaleão.

A nau ruma, então, a terra, para arribar,

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mas a tempestade intensifica-se, levantando-se ventos contrários. O autor tem, então, ajornalisticamente credibilizadora preocupa-ção de localizar rigorosamente o local e otempo da acção: “(...) e eram os ventos taisque, se um dia ventava Levante, outro se le-vantava Poente. E sendo já em 1 de Março,eram Nordeste-Sudoeste com o Cabo da BoaEsperança, vinte e cinco léguas ao mar, alilhe deu o vento Oeste e Oeste-Noroeste, commuitos fuzis.”

É durante a narração da tempestade quese antecipa a tragédia, aproveitando-se, maisuma vez, para esclarecer, analiticamente, queentre as razões para o naufrágio se salienta afalta de equipamento adequado e a péssimamanutenção do existente: “(...) e ficou o martão grande, e trabalhou tanto a nau, que per-deu três machos do leme, em que está todaa perdição ou salvação de uma nau.” Maistarde, “(...) por o leme ser podre, um marque então deu lho quebrou pelo meio (...)”.Por isso, com o recrudescer da tempestade, anau, por fim, ficou, ironicamente, “sem leme,sem mastro, sem velas”.

O perigo aguça o engenho. O autor narraque a tripulação tentou fazer velas a par-tir das fazendas que levavam como merca-doria e que tentou também fazer um novoleme, mas sem sucesso. Sem governo, a nauaproximou-se, então, de terra.

3.2.2.3 Naufrágio e arribação

A nau é propositadamente encalhada pertode uma praia. O leitor é preparado para issopela frase: “(...) era bom conselho deixarem-se ir assim até serem em dez braças, e comoachassem o dito fundo surgissem para lançaro batel fora para sua desembarcação (...)”.

O autor abre espaço para relatar com por-

menor os comportamentos individuais dosprincipais protagonistas da história e asacções-chave do episódio. Manuel de Sousade Sepúlveda, por exemplo, revela-se princi-palmente preocupado com a sua salvação, ada sua família e, cavalheirescamente, com adas mulheres e crianças que iam a bordo: “Evendo Manuel de Sousa como o galeão se lheia ao fundo sem nenhum remédio, chamouao mestre e piloto e disse-lhes que a primeiracoisa que fizessem fosse pô-lo em terra comsua mulher e filhos, com vinte homens queestivessem em sua guarda (...).”. Essa situ-ação, aliás, parece merecer a concordânciageral, incluindo do autor da Relação, indi-ciando a hierarquização social da sociedadeportuguesa da época. O capitão, as mulhe-res, as crianças e os “guarda-costas” foram,assim, os primeiros a chegar a terra. A cha-lupa conseguiu fazer ainda duas outras vi-agens para deixar pessoas proeminentes napraia, mas a seguir foi destruída pelo mar.

Um batel liderado pelo mestre da em-barcação, com vários portugueses, tambémconseguiu chegar a terra, apesar de ter fi-cado quase completamente demolido pelasondas, mas na nau, também cada vez maisdestruída, permaneceram ainda “quinhentaspessoas (...), duzentos portugueses e os de-mais escravos”. Finalmente, o mar aniquilouo galeão e as pessoas tiveram de se lançar aomar.

O relato dos pormenores mais intensos ehorríveis da acção é feito com alguma con-tenção, poupando-se pormenores macabrosao leitor, mas omnipresente continua o sen-tido da intervenção divina: “A gente que es-tava na nau se lançou sobre a caixaria e ma-deira à terra. Morreram, em se lançando,mais de quarenta portugueses e setenta es-cravos; a mais gente veio à terra por cima do

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mar, e alguns por baixo, como a Nosso Se-nhor aprouve, e muita dela ferida dos pregose madeira”.

A ordem de salvamento narrada na Rela-ção revela, como dissemos, a estrutura so-cial e a ética da convivência da época: pri-meiro, fidalgos, mulheres e crianças; mestre,piloto, demais pessoas proeminentes e nave-gantes portugueses, depois; cidadãos portu-gueses em geral, a seguir; e finalmente os es-cravos. Aliás, as únicas vítimas nomeadaspelo nome são as “personalidades de elite”.As restantes são diluídas nos epítetos “portu-gueses”, ou “escravos”, entre outros.

Em terra, as pessoas começaram aorganizar-se para assegurarem a sua sobre-vivência e o regresso à civilização: “Assen-taram que deviam estar naquela praia (...) al-guns dias, pois ali tinham água, até convales-cerem os doentes. Então fizeram suas tran-queiras de algumas arcas e pipas, e estive-ram ali doze dias.”. O autor, como qualquerjornalista contemporâneo, presta atenção aospormenores susceptíveis de emocionar o lei-tor (todo o jornalismo, como diz o professorluso-brasileiro Manuel Carlos Chaparro, temque ter algum sensacionalismo à mistura,para cativar o leitor): “O capitão (. . . ) an-dava na praia esforçando os homens e dandoa mão aos que podia os levava ao fogo quetinha feito, porque o frio era grande”.

A vontade de falar do diferente e do exó-tico, de desvelar o desconhecido, é notóriaem várias passagens da Relação. Afinal,ontem como hoje noticiar é essencialmenteapresentar o novo ou, pelo menos, vestir ovelho com novas roupagens, reforçando oconhecimento comum. Daí a atenção, porexemplo, aos encontros e desencontros entrenegros e brancos. A este respeito, em váriasdas passagens é interessante notar a visão es-

tereotipada e preconceituosa que os portu-gueses tinham dos negros africanos. É o queacontece quando Manuel de Sousa e a eliteda sua tripulação acordam em que não valia apena salvar as fazendas e outras mercadorias,“por causa dos cafres, que os haviam de rou-bar”. Aliás, o encontro entre negros do Sulde África e portugueses brancos era domi-nado pelo medo e pela perplexidade de partea parte, como se observa nos seguintes excer-tos sobre a exploração inicial do espaço ondeos náufragos tinham arribado: “(. . . ) e esti-veram ali doze dias, e em todos eles não lhesveio falar nenhum negro da terra; somenteaos três primeiros apareceram nove cafresem um outeiro, e ali estariam duas horas,sem terem nenhuma fala connosco; e comoespantados se tornaram a ir.” Numa nova ex-ploração, não acharam “pessoa viva, senãoalgumas casas despovoadas, por onde enten-deram que os negros fugiram com medo”.Mais tarde, “lhes apareceram em um outeirosete ou oito cafres com uma vaca”, que osportugueses quiseram trocar por pregos. Noentanto, “apareceram cinco cafres em outroouteiro e começaram a bradar (. . . ) que nãodessem a vaca. (. . . ) E o capitão lhes nãoquis tomar a vaca.”

3.2.2.4 Peregrinação

Após os dias de recobro, os náufragos ini-ciam uma jornada para chegar a terras civili-zadas, preferencialmente habitadas por por-tugueses. A maior parte da Relação des-creve essa jornada. O autor prepara o leitorcom uma citação directa do discurso do ca-pitão Manuel de Sousa aos náufragos, comoacontecia, aliás, desde os primórdios da li-

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teratura13 . Esse discurso revela o peso doCristianismo na atribuição de sentido para omundo e para a vida humana entre os portu-gueses de Quinhentos:

“Amigos e senhores: Bem vedes o estadoa que por nossos pecados somos chega-dos (. . . ); mas é Nosso Senhor tão pie-doso, que ainda nos fez tamanha mercê,que nos não fossemos ao fundo naquelanau (. . . ); prazerá a Ele que, pois foi ser-vido de nos levar a terra de cristãos, osque nesta demanda acabarem com tantostrabalhos haverá por bem que seja parasalvação de suas almas (. . . ); e portantovos ajuntei aqui para assentarmos que ca-minho havemos de tomar para remédiode nossa salvação (. . . ). Uma mercê vosquero pedir, a qual é que me não desam-pareis nem deixeis (. . . ) por causa de mi-nha mulher e filhos. E assim todos juntosquererá Nosso Senhor pela sua misericór-dia ajudar-nos.”

A jornada de regresso assume, assim, o ca-riz de uma peregrinação rumo à salvação docorpo e da alma, reforçada pela configura-ção da marcha como uma procissão, cultu-ralmente encabeçada pelas elites: “começa-ram a caminhar com esta ordem que se se-gue: a saber, Manuel de Sousa com sua mu-lher e filhos com oitenta portugueses e comescravos; e André Vaz, o piloto, na sua com-panhia com uma bandeira com um crucifixoerguido caminhava na vanguarda; e D. Leo-nor, sua mulher, levavam-na escravos em um

13 São vários os exemplos na literatura antiga e me-dieval. No Antigo Testamento, por exemplo, revelam-se os discursos dos líderes e profetas judaicos antesdas batalhas; noutro exemplo, na Guerra das GáliasJúlio César descreve os discursos que fazia às tropasantes de as lançar contra os gauleses e germanos.

andor. Logo atrás vinha o mestre do galeãocom a gente do mar e com as escravas. Naretaguarda caminhava Pantaleão de Sá como resto dos portugueses e escravos (. . . )”.

Durante a extenuante jornada, que se pro-longa por centenas de léguas e vários meses,pessoas e bens são constantemente ameaça-dos pelos elementos, pela fome, pela sede,pelas doenças, pelas feras e pelos nativos,que travam várias escaramuças com os náu-fragos. Bastantes morrem, enquanto outrosse aproveitam cobiçosamente da situação,por vezes com pouco sentido da realidade:

“Era tanto o trabalho assim na vigia comoda fome e caminho, que cada dia desfale-cia mais a gente, e não havia dia que nãoficasse uma ou duas pessoas por essaspraias e pelos matos, por não poderemcaminhar; e logo eram comidos dos tigrese serpentes (...). E além disto passavamgrandes fomes, e davam muito dinheiropor qualquer peixe que se achava na praiaou por qualquer animal do monte (...).Havia já muitos dias que se não manti-nham senão de frutas que acaso achavame de ossos torrados. E aconteceu muitasvezes vender-se no arraial uma pele decobra por quinze cruzados: e ainda quefosse seca, a lançavam na água e assimcomiam. (. . . ) Aconteceu muitas vezes(. . . ) vender-se um púcaro de água de umquartilho por dez cruzados; e em um cal-deirão (. . . ) se fazia cem cruzados”.

O autor presta uma atenção particular aoscomportamentos individuais e colectivos e àstragédias, em tom emotivo e dramático, em-bora poupando o leitor à descrição detalhadados horrores da situação. Os que tombam sãodeixados para trás, alguns com emoção: “só

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um filho bastardo de Manuel de Sousa, dedez ou onze anos, que vindo já muito fracoda fome, ele e um escravo que o trazia às cos-tas deixaram-se ficar atrás (. . . ) e (. . . ) o per-deu assim (. . . ). E assim se poderá ver quan-tos trabalhos foram os deste fidalgo antes dasua morte.”

A narração entrecruza-se com pequenasdescrições dos espaços percorridos, evo-cando a geomorfologia africana e dando aoleitor espaço para exercitar a sua imagina-ção: “ora se metiam no sertão a buscar de co-mer e a passar rios e se tornavam ao longo domar subindo serras muito altas, e descendooutras de grandessíssimo perigo”.

Durante a jornada, os náufragos encontra-ram um rei africano que os acolheu e quelhes pediu para não continuarem caminho,pois encontrariam um outro rei que os rou-baria. Os portugueses, para lhe agradecerema hospitalidade, aceitam combater contra umoutro rei, inimigo do primeiro rei, e tomar-lhe o gado, mas decidem voltar a partir, desa-visadamente, julgando não estar onde afinaljá estavam: num dos cursos que forma o rioque procuravam: “e assentaram que deviamcaminhar e buscar o rio de Lourenço Mar-ques, e não sabiam que estavam nele (. . . ) esem embargo de verem ali uma gota verme-lha, que era sinal de virem já ali portugue-ses, os cegou a sua fortuna, que não quise-ram senão caminhar avante”. Os portugue-ses continuam a sua jornada, cheios de fomee sede, passando por vários encontros e re-contros com os nativos. A mulher de Ma-nuel de Sousa, D. Leonor, “era uma das quecaminhavam a pé; e sendo uma mulher fi-dalga, delicada e moça, vinha por aqueles ás-peros caminhos tão trabalhosos como qual-quer robusto homem do campo”. Os náu-fragos encontraram, então, negros que os le-

varam ao seu rei, o tal contra quem o pri-meiro rei os tinha advertido. Esse segundorei consegue separar o grupo, com o argu-mento de que era para melhor conseguir ali-mentar as pessoas, e convence os portugue-ses a separarem-se das espingardas, dizendoque ele e os seus tinham medo delas, contraos avisos de D. Leonor, citada directamentepelo autor: “Vós entregais as armas; agorame dou como perdida com toda esta gente”.Estando os náufragos dispersos e desarma-dos, os nativos acabaram por, em duas oca-siões, roubar-lhes tudo, incluindo as roupas,apesar de D. Leonor se ter defendido cora-josamente e ter sido apenas por intervençãodo marido, temeroso de que os negros ma-tassem ou ferissem a mulher, que ela acedeua despir-se e ficar nua. Os náufragos vol-tam, assim, à condição primordial: nus, esfo-meados, sedentos, perdidos. “Um dos gran-des trabalhos que sentiam, era verem doismeninos pequenos seus filhos, diante de sichorando, pedindo de comer, sem lhes pode-rem valer”. A situação acaba por transtor-nar todos e o desenlace fatal adivinha-se: “Evendo-se D. Leonor despida, lançou-se logono chão e cobriu-se toda com os seus cabe-los (. . . ), fazendo uma cova na areia, ondese meteu até à cintura sem mais se erguerdali”. Nesta altura da narrativa, o próprioautor emociona-se e pretende, igualmente,emocionar o leitor: “Em verdade, que nãosei quem por isto passe sem grande lástimae tristeza. Ver uma mulher tão nobre, filha emulher de fidalgos tão honrados, tão maltra-tada e com tão pouca cortesia.”

D. Leonor é novamente citada, quando sedirige aos restantes portugueses: “Bem ve-des como estamos e que já não podemos pas-sar daqui e que havemos de acabar por nos-sos pecados; ide-vos (. . . ) embora, fazei por

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vos salvar e encomendai-vos a Deus; e se for-des à Índia e a Portugal (. . . ), dizei como dei-xaste a Manuel de Sousa e a mim com meusfilhos”. Diga-se que, citando D. Leonor, oautor acaba também por justificar a Rela-ção, que se torna uma celebração da memó-ria de duas personalidades de elite desapa-recidas. Nos dias seguintes, efectivamente,morrerão, por ordem, um dos filhos de Ma-nuel de Sousa, que este enterra na areia; e D.Leonor e o segundo filho. Sobre a reacçãode Manuel de Sousa, o autor não tem certe-zas, daí que inicie a narração do que sucedeucom “dizem”: “Dizem que ele não fez mais,quando a viu falecida, que apartar as escra-vas dali e assentar-se perto dela, com o rostoposto sobre uma mão, por espaço de meiahora, sem chorar nem dizer coisa alguma; es-tando assim com os olhos postos nela, e nomenino fez pouca conta.” Posto isto, enter-rou a mulher e o filho e internou-se no mato“e nunca mais o viram”, pressupondo-se queteria sido “comido por tigres e leões”. O au-tor remata a narrativa da “peregrinação” coma seguinte frase: “Assim acabaram sua vidamulher e marido, havendo seis meses que ca-minhavam por terras de cafres com tantostrabalhos”.

3.2.2.5 Retorno e salvação

O retorno e salvação de alguns portuguesesocupam poucas páginas da Relação. O autorconta-nos, brevemente, que um navio por-tuguês que comerciava marfim, sabendo daexistência de portugueses na zona, resgatouos sobreviventes, não mais do que duas deze-nas entre as centenas que tinham iniciado a“peregrinação”. Os sobreviventes, informa-nos também o autor, chegaram a Moçambi-que a 25 de Maio de 1553.

O autor aproveita este momento da nar-rativa (“retorno e salvação”) para narrar acuriosa aventura de um dos sobreviventes,Pantaleão de Sá, que andou “vagabundeandomuito tempo pelas terras dos cafres”, até quedeu com um povoado. Fingindo que era mé-dico, curou uma ferida que o rei desse po-voado tinha com nada mais do que lama.Por isso, ironicamente, os negros “puserama Pantaleão de Sá em um altar e venerando-o como divindade, lhe pediu o rei que fi-casse ao seu serviço, oferecendo-lhe metadedo seu reino (. . . ). Recusou Pantaleão de Sáa oferta, afirmando-lhe que era preciso vol-tar para os seus. E mandando o rei fazeruma grande quantia de ouro e pedraria, o pre-miou grandemente, mandando aos seus queo acompanhassem até Moçambique”. Destaforma bem-humorada, que contrasta com odramatismo de tudo o que aconteceu anteri-ormente, encerra-se a Relação da Perda doGaleão São João.

4 A Relação da Perda do GaleãoSão João como históriajornalística

A Relação da Perda do Galeão São João éuma notícia e uma história, uma narrativa.Melhor dizendo, como toda a notícia, a Rela-ção é uma história. Mais, ela é, como vimos,uma história cuja forma reflecte a históriadas maneiras de narrar e cujos enquadramen-tos indiciam os valores culturais da época emque foi escrita. Como argumentaria Schud-son (1995), o seu conteúdo foi encaixadonuma estrutura narrativa pré-existente, comoacontece com toda a notícia.

Um dos primeiros autores a enfatizar aideia de que as notícias são histórias com his-

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tória e produzidas numa determinada culturafoi Robert Darnton (1975). Para ele, as no-tícias são eternas, no sentido de serem sobreo que sempre foi notícia: política, desastres,pessoas famosas, etc. Factos e histórias sãoconstituídos em interacção: em jornalismo,os factos são sempre uma história dos fac-tos. As histórias jornalísticas, ou seja, as no-tícias, baseiam-se em factos e os factos ne-cessitam das histórias, ou seja, de notícias,para “existirem”. Mais do que isso: as no-tícias, ou histórias jornalísticas, são monta-das a partir de factos disponíveis e relevan-tes. O jornalista demonstra a sua capaci-dade sabendo como encontrar os factos maisrelevantes e interessantes e sabendo comomontar a notícia, como uma história, a par-tir deles. Em suma, o jornalista demonstraa sua capacidade reconhecendo quando estáperante uma boa história e sabendo narrá-la.O autor da Relação descobriu essa boa histó-ria e teve a capacidade de narrá-la como umaboa história para conquistar o leitor e conse-guiu usar os enquadramentos do mundo pró-prios da época para incrementar o interessedo leitor. Uma história bem contada é umahistória bem contada...

Elisabeth Bird e Robert Dardenne (1988)falam, igualmente, das notícias como sendohistórias construídas no seio de uma gramá-tica da cultura. São, assim, histórias re-presentativas dessa cultura e ajudam a com-preender os seus valores e símbolos. En-quanto narrativas, as notícias possuem có-digos simbólicos reconhecidos pela audiên-cia, que, inclusivamente, balizam as frontei-ras do aceitável e do inaceitável. Ettema eGlasser (1998) acrescentam, por seu turno,que o reportório cultural determina a notícia,pois, segundo os autores, são as linhas deforça de cada história, pré-existentes numa

determinada cultura, que ajudam a construiros factos. Brown (1979) vai mais longe, su-gerindo que as histórias que as notícias sãoreflectem as preocupações sociais em cadamomento, sendo essa uma das característi-cas que lhes confere êxito social. A Rela-ção ilustra bem as ideias destes diferentesautores, quer como um dispositivo discursivode natureza cultural, quer como um artefactoque indicia as omnipresentes preocupaçõesquinhentistas com os destinos dos navios daCarreira da Índia, quer ainda como um bali-zador das fronteiras do aceitável e do inacei-tável, como transparece ao longo da narrativano olhar simultaneamente crítico e compade-cido do autor sobre os comportamentos daspersonagens.

Por seu turno, Phillips (1976) mostra queo jornalismo privilegia o concreto e particu-lar e não o estrutural. O jornalismo favorece,assim, familiaridade acerca das coisas e nãoconhecimentos profundos sobre elas. A Re-lação é um exemplo antigo do que diz Phil-lips: reporta um caso singular que traz ao lei-tor um certo tipo de familiaridade quer como acontecimento quer com os riscos da nave-gação quinhentista, uma familiaridade, aliás,bastante afastada do conhecimento estrutu-ral, como certamente concluiria a autora.

Phillips (1976) explica, também, que asnotícias são repetitivas porque os aconteci-mentos noticiados têm previamente de fazersentido como acontecimentos dignos de se-rem notícia. Os acontecimentos, por ines-perados que sejam, devem ser “esperados”.As várias relações de naufrágios publicadasem Portugal entre os séculos XVI e XIX,das quais a Relação da Perda do Galeão SãoJoão é, aparentemente, o mais antigo exem-plo conservado, documentam, precisamente,a explicação de Phillips.

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Acentuando as explicações culturológicaspara as notícias, Michael Schudson (1988)diz que estas podem ser vistas na perspectivados géneros literários, assemelhando-se a ro-mances, tragédias, comédias e sátiras. A Re-lação foi construída como uma tragédia, masem algumas das suas páginas parece, pontu-almente, metamorfosear-se em sátira, o queajuda a conferir-lhe interesse como reporta-gem e narrativa. A Relação da Perda do Ga-leão São João teve êxito editorial, como ocomprovam as sucessivas reedições, preci-samente porque, como tragédia, é uma boahistória e foi muito bem contada. Misturadrama, morte, exotismo, revelação de ummundo desconhecido que os Descobrimen-tos e o comércio global desvelavam, episó-dios da vida de personagens reais da elitearistocrática e burguesa de Portugal, tudo en-quadrado pela omnipresente religião. Esti-mula a imaginação, faz o leitor viajar por lu-gares longínquos, revivendo aventuras e tra-gédias e comovendo-se com o destino dosnáufragos. Permite a personalização do re-lato. Ou seja, obedece a vários critérios denoticiabilidade, tal e qual as notícias sem-pre obedeceram. Contribui para o leitor vi-ver a aventura por interposta pessoa, conhe-cer lugares distantes pela pena do “jorna-lista”, participar indirectamente na epopeiados Descobrimentos, nos riscos do comércioultramarino, cujos finais eram muitas vezesfunestos, como advertia o Velho do Restelon’Os Lusíadas, de Camões.

Parte do êxito da Relação deve-se, tam-bém, ao facto de ela satisfazer a curiosidadehumana. Ela satisfaz o interesse pelos no-vos mundos que os Descobrimentos abriamao mundo, o interesse pelas viagens maríti-mas e as condições em que decorriam, o in-teresse pelos povos e culturas distantes. Mas

ela também satisfaz, particularmente, esseinteresse desmesurado pela vida dos outros,em particular quando os outros são pessoasmais ou menos famosas, cujas referênciasnos são familiares, como ainda hoje nos pro-vam as Holas, as Caras e outras revistas “decelebridades”. As vicissitudes dos “famo-sos” parecem calar mais junto do público,emocionar mais as pessoas, quiçá porque ostornam mais humanos. Quando a tragédiabate à porta dessas pessoas, mostra-nos quetambém pode bater, com facilidade, à nossaporta. Consumimos essa informação, por-ventura, para exorcizar os nossos própriosmedos e fantasmas, para evitarmos o quepode dificultar a nossa vida e mesmo colocarem risco a nossa sobrevivência, para pensar-mos no que a nossa vida é, poderia ser oupoderia ter sido. O fundo moral da Relaçãodo São João tem exactamente a ver com isso.

Uma outra causa para o êxito da Relaçãodiz respeito à proximidade com os eventos.Proximidade temporal mas também afectiva,já que, segundo Vitorino Magalhães Godi-nho (1963), cerca de um quinto (em cer-tas ocasiões um quarto) da população portu-guesa, entre os séculos XVII e XVIII, estevedirecta ou indirectamente envolvida nos Des-cobrimentos.

Nova razão justificativa do êxito editorialda Relação da Perda do Galeão São João re-side no contraponto que ela faz às gloriosascrónicas oficiais. Ao contrário destas, a Re-lação da Perda do Galeão São João mostraas tragédias e sofrimentos, atenta nos peque-nos factos do quotidiano, muitos deles próxi-mos da vida das pessoas, mostra que por trásdos Descobrimentos e do início da Globali-zação contemporânea esteve a obtenção delucro, a intenção comercial, pois foi a pers-pectiva de enriquecimento, ou de maior enri-

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quecimento, que estimulou o poder políticoa encetar e apoiar os Descobrimentos, a co-lonização e o comércio marítimo interconti-nental e que colocou nas naus homens e mu-lheres, velhos e novos, ricos e pobres.

Shoemaker e Reese (1996: 114) dizemque as histórias jornalísticas, para serematraentes, tendem a integrar os mitos maisproeminentes numa determinada cultura. Ahistória narrada na Relação da Perda do Ga-leão São João também é uma narrativa mí-tica sobre Portugal e a sua missão no mundo(“dar novos mundos ao mundo, pôr em con-tacto povos e culturas”), onde o espírito decruzada se cruza com o espírito dos Desco-brimentos, onde se manifesta o desejo de re-forço da fé cristã e se dá sentido à ideia damissão civilizadora de Portugal no mundo.No entanto, pode também identificar-se naRelação uma dimensão ideológica, na me-dida em que ela não belisca a hierarquia so-cial nem o sistema e se centra na vida, ac-ção e citação de comerciantes e navegantesde alta linhagem, que têm tanto de aventu-reiro como de avidez. O jornalismo de on-tem, e o de hoje, mesmo que não fosse, nemseja, monolítico, tendeu, e tende, a preservaro statu quo.

Finalmente, a Relação ensina também osperigos a evitar nas empresas marítimas,contribuindo para edificar conhecimento co-mum. Ela teve efeitos cognitivos, para alémdos efeitos afectivos que produziu ao narraras desventuras dos protagonistas.

5 ConclusõesA primeira e mais importante conclusão quepodemos extrair do trabalho é a de que,ao contrário das grandes crónicas, a Rela-ção da Perda do Galeão São João dá conta

de uma conjuntura desfavorável ao Portu-gal quinhentista. Depois de muitos anos deomnipresença no comércio intercontinental,provocada pela feliz epopeia dos Descobri-mentos, quando a Relação da Perda do Ga-leão São João foi escrita Portugal começavajá a entrar numa crise económica e socialprofunda14 , masoquisticamente indiciadapelos relatos de naufrágios, de que essa Re-lação é exemplo, metáforas pré-jornalísticasde um país adiado e de incerto futuro, emque o temor habitava o inconsciente colec-tivo. As possessões portuguesas eram ata-cadas, agudizava-se a concorrência no co-mércio intercontinental, as naus portuguesas,mal armadas e mal conservadas, eram presaapetecida de corsários e piratas, os pilotos enavegantes experientes rumavam a outras pa-ragens, sendo os seus postos ocupados porpessoas inexperientes, a conservação dos na-vios era descurada, as melhores rotas eramdesrespeitadas (inclusivamente porque tam-bém eram as mais percorridas pelos corsá-rios) e os períodos mais favoráveis para na-vegar eram desprezados por causa da cobiçade comerciantes apostados no lucro antes detodas as coisas. Podemos, assim, afirmar queos relatos jornalísticos, ontem como hoje,são histórias que indiciam o mundo real eas circunstâncias de cada época, por vezesatentando mais no particular do que no ge-ral, naquelas pequenas coisas que afectam

14 Crise essa de que ainda não recuperou, e que oouro do Brasil e a expansão colonial não fizeram maisdo que camuflar, mas que foi agudizada pela Ditadurado Estado Novo, pelo período conturbado e de exces-sos do pós-25 de Abril (Processo Revolucionário emCurso) e pela ineficácia que os sucessivos governospós 1974 denotaram nas tentativas de modernizaçãodo país, e que foi atenuada somente graças à integra-ção europeia.

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directa e quotidianamente as pessoas do quenos grandes temas, mais abstractos. O jor-nalismo tem, afinal, uma história e essa his-tória revela-se, como vimos, nas formas enos conteúdos das notícias. O jornalismoé, pois, uma história do mundo continuada,é um curriculum da humanidade. As notí-cias de hoje acrescentam novidade às anti-gas, mas como os critérios de noticiabilidadesão, de certa forma, intemporais, parece quehá novidade sem verdadeira mudança, comodisse Phillips (1976).

A segunda conclusão a tirar é a de que seos conteúdos jornalísticos têm uma história,as formas de relatar também as têm, sendoque os conteúdos se adaptam à forma, comoobservámos na Relação da Perda do GaleãoSão João, que segue, como provou Lanciani(1979), a estrutura de contos e relatos me-dievais e obedece a regras da retórica clás-sica, cujas bases remontam ao Mundo An-tigo. A este propósito, é preciso tambémrealçar que se nota na referida relação umatendência do autor para a análise das situa-ções, o que aproxima o relato da enunciaçãojornalística contemporânea. Aliás, é possívelafirmar também que o sucesso dos relatos denaufrágios antecipa, de certa maneira, o su-cesso do jornalismo de reportagem, do jor-nalismo de viagens e do jornalismo popular.

Finalmente, como terceira grande conclu-são, podemos dizer que, ao contrário doque argumenta Tengarrinha (1989: 29), pa-rece emanar da Relação da Perda do Ga-leão Grande São João o apego do seu au-tor à verdade e aos factos, seguindo, aliás, atradição da historiografia iniciada por auto-res como Tucídides e Xenofonte na GréciaAntiga. O valor jornalístico da verdade norelato é, assim, notoriamente, um valor his-

toricamente consolidado, que transcende, in-clusivamente, as fronteiras do jornalismo.

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